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Relator: GILBERTO CUNHA
Descritores: PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CIVIL
DENÚNCIA
QUEIXA DO OFENDIDO

Data do 10/05/2016
Acordão:
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S

Meio RECURSO PENAL


Processual:
Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE

Sumário:
I – O artigo 77.º do CPP consagra três momentos para a formulação do
pedido civil enxertado na acção penal:

- 1.º Se o pedido for deduzido pelo Ministério Público ou pelo assistente,


deve ser formulado na acusação ou no prazo em que esta deva ser
apresentada (nº1);

- 2.º Se o lesado tiver manifestado no processo o propósito de deduzir


pedido cível (art.75º nº2, do CPP), o pedido deve ser formulado no prazo de
20 dias seguintes à notificação do despacho de acusação ou, não o havendo,
do despacho de pronúncia, se a ele houver lugar (nº2);

- 3. º Se o lesado não tiver manifestado o propósito de deduzir pedido cível


ou não tiver sido notificado nos termos do nº2 do art.77º, do CPP, o pedido
deve ser formulado dentro dos 20 dias seguintes à notificação do arguido do
despacho de acusação ou, se o não houver, do despacho de pronúncia (nº3).

II – O legislador ao estabelecer-se no n.º1 do art.77.º, do CPP que o


assistente deve deduzir o pedido de indemnização civil na acusação ou no
prazo em que esta deva ser apresentada, está a reportar-se às situações em
que a causa de pedir do pedido de indemnização civil coincide com os
factos da acusação particular deduzida pelo assistente, pois só assim faz
sentido tal norma.

III - Enquanto a denúncia se cinge à mera descrição de factos susceptíveis


de integrar a prática de crimes, a queixa é definida como uma declaração ou
manifestação de vontade, apresentada pelo titular do direito respectivo, de
que seja instaurado um processo pelo facto suscetível de integrar um crime.

IV - Não obstante não ser exigível que a queixa seja manifestada através de
qualquer fórmula tabelar usual, sendo a mais comum a “desejo
procedimento criminal contra”, o que não é admissível é a queixa
meramente suposta, implícita. Efectivamente, a queixa tem emergir de uma
declaração de vontade expressa de forma inequívoca, não valendo como tal
meras intenções presumidas de que seja exercida a acção penal.

V - Para que se considere validamente exercido o direito de queixa basta


que da comunicação do facto, dentro do prazo legal de seis meses, se
depreenda, de forma inequívoca, a vontade de que seja exercida a acção
penal.

Decisão Texto
Integral: Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de
Évora:

RELATÓRIO.

Decisões recorridas.

No processo comum nº83/13.3GACUB, procedente da Secção de


Competência Genérica (J1), da Instância Local de Cuba, da Comarca de Beja,
o arguido A., com os sinais dos autos, foi acusado pela assistente B., neles
também devidamente identificada, da prática em autoria material de um crime
de injúria, pp. pelo art.181º, do C. Penal, que o Ministério Público
acompanhou, tendo este também acusado o arguido da prática em autoria
material de um crime de ofensa à integridade física, pp. pelo art.143º, nº1, do
mesmo código.

A assistente B., demandou o arguido A. pedindo que esta fosse condenada a


pagar-lhe a quantia € 760,30, sendo € 750,00 a título de danos não
patrimoniais e € 10,30 a título de danos patrimoniais, acrescida de juros de
mora à taxa legal, que se vencerem desde a notificação deste para contestar até
integral pagamento.

O arguido/demandado contestou pugnando pela sua absolvição e


relativamente ao pedido de indemnização civil formulado pela
assistente/demandante, invocou ser intempestiva a sua apresentação.

I. Submetido a julgamento perante tribunal singular, por despacho do Exmº


Senhor Juíz a quo de 12-05-2015 ditado para a respectiva acta da audiência de
julgamento (cfr.fls.310), foi julgado tempestivamente apresentado o pedido de
indemnização civil e consequentemente foi indeferida aquela pretensão e
condenado o demandado nas custas processuais com 3 UC´s.

II. Realizado o julgamento por sentença de proferida em 03-06-2015 foram


julgadas procedentes a acusação pública e particular e parcialmente
procedente o pedido de indemnização civil e consequentemente foi decidido o
seguinte:

A) Condenar o arguido, pela prática, em autoria material, na forma


consumada, e em concurso real, de um crime de ofensas à integridade física
simples, p. e p. pelo artigo 143.º, n.º 1 do Código Penal, na pena parcelar
de 80 dias de multa, à razão diária de €9,00; e de um crime de injúrias, p. e p.
pelo artigo 181.º, n.º 1 do Código Penal, na pena parcelar de 40 dias de
multa, à razão diária de €9,00;

B) Condenar o arguido, em cúmulo jurídico das penas de multa acima


referidas, na pena única de 90 dias de multa, à taxa diária de €9,00, o que
perfaz o montante de €810,00 (oitocentos e dez euros).

C) Condenar o arguido no pagamento das custas criminais, fixando-se a taxa


de justiça em 3 (três) UC’s, nos termos do artigo 8.º, n.º 9 do Regulamento
das Custas Processuais e Tabela III anexa a este.

D) Julgar parcialmente procedente, o pedido de indemnização civil


formulado pela demandante B. contra o demandado A,, e em consequência,
condená-lo a pagar à demandante, a quantia de €300,00 (trezentos euros), a
título de danos não patrimoniais, e correspondentes juros de mora civis à
taxa legal de 4%, contados desde a data da presente decisão até efectivo e
integral pagamento, bem como na quantia de €10,30, a título de danos
patrimoniais com os correspondentes juros civis à taxa legal, contados desde
a data de notificação do pedido de indemnização civil; absolvendo-o do
remanescente do pedido.

Recursos.

Inconformado com estas decisões de ambas recorreu o arguido/demandado.


I. Relativamente ao recurso do aludido despacho pede a sua revogação,
concluindo a motivação com as seguintes conclusões:

1ª. O presente recurso vem interposto do despacho da Instância Local de Cuba


da Comarca de Beja de 12/05/2015 (“ATA DE AUDIÊNCIA DE
JULGAMENTO”, de 12/05/2015, que está a folhas 310), que indeferiu a
arguição de intempestividade / preclusão do pedido de indemnização civil da
assistente e que condena o arguido em 3 UCs.

2ª. O despacho de 12/05/2015 confunde a condição jurídica de assistente com


a de lesado / parte civil; motivo por que, em consequência dessa confusão,
amalga o estatuto de assistente com o de lesado; sendo que, indiscutivelmente,
se trata de situações diferentes.

3ª. No Direito Processual Penal Português, não há coincidência entre a


condição jurídica de assistente e a condição jurídica de lesado nem os
respectivos estatutos se cumulam, sendo que a aplicação de um deles exclui o
outro.

4ª. É lesado quem ainda não adquiriu a condição jurídica de assistente ou que
já não a pode obter, conforme decorre do artigo 74.º n.º 1 in fine do Código de
Processo Penal.

5ª. Nos termos deste n.º 1 in fine do artigo 74.º do Código de Processo Penal,
quem adquire a condição jurídica de assistente perde a de lesado; fica sujeito
ao estatuto de assistente e excluído do estatuto de lesado; sendo o que se passa
com a assistente.

6.ª A aplicação do n.º 1 do artigo 77.º (articulado com os artigos 284.º n.º1 e
74.º n.º1) do Código de Processo Penal, ao assistente, afasta a aplicação dos
n.ºs 2 e 3 do mesmo artigo 77.º, que se aplicam a quem não é assistente.

7.ª A denunciante foi admitida a intervir, como assistente, em 31/03/2014;


pelo que, com a aquisição do estatuto de assistente, ficou excluída do estatuto
de lesada.

8.ª A assistente foi notificada da acusação pública, por carta enviada em


12/12/2014 (fls. 267), pelo que se presume a notificação em 17/12/2015, que é
o 5.º dia útil seguinte.

9.ª A assistente, porque é assistente e não lesado, tinha o prazo de 10 dias, que
se iniciou em 18/12/2014 e terminou em 09/01/2015, para apresentar o pedido
de indemnização civil pelos factos que constam do despacho de acusação do
Ministério Público.

10.ª Porque se trata de assistente, tem o prazo de 10 dias, que é determinado


(imposto) pela aplicação articulada dos artigos 74.º n.º 1 in fine, 77.º n.º 1 e
284.º n.º 1 do Código de Processo Penal.

11.ª Os n.ºs 2 e 3 do artigo 77.º do Código de Processo Penal e o prazo de 20


dias só se aplicam ao lesado, que ainda não é assistente ou que já não se pode
constituir, conforme resulta do artigo 74.º n.º 1 do mesmo Código.
12.ª O prazo de 10 dias terminou em 09/01/2015 (e não 09/02/2015, como
consta do despacho de 12/05/2015).

13.ª Nos termos do artigo 77.º n.º 1 do Código de Processo Penal, a assistente
tinha que apresentar o pedido de indemnização, pelos factos constantes da
acusação pública, dentro do mesmo prazo de 10 dias, que tinha para deduzir
acusação nos termos do artigo 284.º n.º 1 do mesmo Código, prazo esse que
terminou em 09/01/2015.

14.ª Como mostra o carimbo de entrada (fls. 273), a assistente apresentou o


pedido de indemnização em 19/01/2015 (e não em 16/01/2015, como consta
do despacho de 12/05/2015), quando já estava fora do prazo de 10 dias, que
terminou em 09/01/2015; motivo pelo qual o despacho de 12/05/2015 viola os
artigos 74.º n.º1, 77.º n.º 1 e 284.º n,º 1 do Código de Processo Penal.

15.ª O despacho de 12/05/2015 viola, também, os n.ºs 2 e 3 do artigo 77.º e


74.º 1 do Código de Processo Penal, porque a assistente tinha o prazo de 10
dias, nos termos dos artigos 74.º n.º1, 77.º nº 1 e 284.º n.º 1 do mesmo Código
e não o prazo de 20 dias referido naqueles n.ºs 2 e 3, dado que não é lesada,
pois é assistente.

16.ª Ao despacho de 12/05/2015 falta-lhe a fundamentação, em termos de


Direito, porque nem sequer se invoca uma norma jurídica para fundamentar o
sancionamento do arguido com 3 UCs; motivo por que viola o artigo 97.º n.º 5
do Código de Processo Penal.
17.ª O despacho de 12/05/2015 viola, ainda, o artigo 78.º do Código de
Processo Penal, ao sancionar o arguido com 3 UCs, quando ele excerceu,
legitimamente, o direito de defesa e o exercício do direito ao contraditório

18.ª O despacho de 12/05/2015 viola o artigo 513.º n.ºs 1 e 2 do Código de


Processo Penal, porque o arguido só pode ser condenado em custas quando
ocorra condenação em 1.ª instância ou decaimento em recurso.

19.ª O despacho de 12/05/2015 viola os artigos 74.º n.º 1, 77.º n.ºs 1, 2 e 3,


284.º n.º1, 78.º, 97.º n.º 5 e 513.º n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Penal.

20.ª O despacho de 12/05/2015 deve ser revogado e deve julgar-se extinto o


direito da assistente, por preclusão.

Contra motivaram o Ministério Público e a assistente pugnando ambos


pela improcedência do recurso com a consequente manutenção do despacho
recorrido, tendo a assistente/demandante concluído a sua resposta com as
seguintes conclusões:

1. Por despacho proferido nos presentes autos, a fls. 310, o Mmº Juiz indeferiu
a arguição de intempestividade/preclusão do pedido de indemnização civil
formulado pela assistente.

2. No decurso do inquérito e por estar indiciada a prática pelo arguido de um


crime de natureza particular, a ofendida foi notificada da obrigatoriedade de se
constituir assistente, sob pena de arquivamento do mesmo.

3. Tal requerimento deu entrada em 10/01/2014, tendo a ofendida sido


admitida a intervir no processo naquela qualidade.

4. Posteriormente a assistente foi notificada para deduzir acusação particular,


acusação essa que foi deduzida em 08/09/2014, sem no entanto ter sido
formulado pedido de indemnização civil.

5. Todavia, além do crime de injúria, ao arguido foi também imputada a


prática de um crime de ofensa à integridade física.

6. Ao ser deduzida, pelo Ministério Público, acusação por tal ilícito criminal, a
assistente apenas foi notificada nos termos e para os efeitos do disposto no art.
287º, nº 1 b) do C.P.P.

7. Efectivamente, devido a uma irregularidade que ocorreu nos Serviços do


Ministério Público, a assistente não foi notificada nos termos do disposto no
art. 77º do C.P.P.

8. Destarte e como mencionado no despacho recorrido, a deficiência de


notificação foi corrigida e a notificação foi efectuada nos termos do disposto
no art. 77º, nº 3 do C.P.P., pelo que, o prazo para dedução do pedido de
indemnização civil é de 20 dias, após a notificação do arguido.

9. Tendo sido a assistente notificada em 12/12/2014, o prazo de 20 dias


terminava em 19/01/2015, uma vez que, entre 22/12/2014 e 03/01/2015
ocorreram as férias judiciais.

10. Em 16/01/2015, o pedido de indemnização formulado pela assistente foi


enviado através de e.mail, pelo que, atento aquele prazo e ao invés do alegado
pelo recorrente, deu entrada dentro do prazo estabelecido.

11. Pelo exposto, bem andou o Mmo Juiz no douto despacho, fazendo uma
correcta aplicação do direito, não merecendo o mesmo qualquer censura.

12. Razão pela qual, o respectivo recurso não deve merecer provimento
porquanto o douto despacho não violou o disposto nos arts. 74º, nº 1, 77º, nº 1
e 284, nº 1, todos do C.P.P, devendo, pois, manter-se a decisão proferida.

II. Relativamente ao recurso interposto da sentença, o arguido pede:

- que seja absolvida do crime de injúria, por ilegitimidade da denunciante por


falta de queixa quanto às expressões “vaca” e “puta” e da declaração de
pretender constituir-se assistente e a nulidade da acusação particular por
ilegitimidade da denunciante dada a falta de queixa relativamente aquelas
expressões;

- que relativamente ao crime de ofensa à integridade física a pena de multa


não deve exceder 30 dias e a taxa diária deve ser fixada em € 5,00, concluindo
a motivação, com as seguintes conclusões:
1.ª Nos termos do disposto no artigo 412.º n.º5 do Código de Processo Penal,
o arguido declara que mantém interesse no recurso, anteriormente, interposto
do despacho de 12/05/2015, exarado na Acta de Audiência de Julgamento de
12/05/2015 (folhas 309 a 314) sobre a intempestividade do pedido de
indemnização civil.

2.ª O presente recurso vem interposto da douta sentença da Instância Local de


Cuba da Comarca de Beja de 03/06/2015, proferida no processo acima
indicado, que condenou o arguido, pelo crime de ofensa à integridade física
previsto e punido pelo artigo 143.º n.º 1 do Código Penal, em 80 dias de multa
à razão diária de 9,00 € e, pelo crime de injúrias previsto e punido pelo artigo
181.º n.º 1 do Código Penal, em 40 dias de multa à razão diária de 9,00 €.

3.ª O arguido foi condenado, pelo um crime de injúrias previsto e punido no


artigo 181.º n.º 1 do Código de Processo Penal, com base na imputação de ter
dirigido, à denunciante, Helena Viana, as palavras “VACA” (acusação
particular) e “PUTA” (acusação pública).

4.ª Tais palavras “VACA” e “PUTA” não se encontram descritas na queixa,


pela denunciante Helena Viana, motivo por que estamos perante uma falta de
queixa, quanto a tais palavras.

5.ª Os artigos 113.º n.º 1, 115.º n.ºs 1 e 3 e 116.º n.º 1 do Código Penal e os
artigos 246.º n.º 3 e 243.º n.º 1 alínea a) do Código de Processo Penal,
articulados entre si e com o artigo 29.º n.º 1 da Constituição da República,
impõem à denunciante o ónus de descrever, com rigor, os factos que
constituam o crime, que imputa ao arguido.

6.ª A queixa tem que ter um conteúdo material – os factos que constituam
crime – não pode ser um mero formalismo onde não há nada e vem, depois, a
cobrir tudo o que surja.

7.ª Não pode servir para tudo, pois, não pode cobrir os factos que dela não
constam, porque só existe para os factos que contém; sendo certo que, se não
contiver os factos, não existe queixa em relação aos factos cuja descrição se
omitiu.

8.ª A omissão na descrição dos factos não consubstancia nenhuma nulidade ou


irregularidade; mas, sim, a inexistência de queixa, ou seja, a inexistência de
queixa como pressuposto da responsabilização criminal do arguido, nos
termos do artigo 29.º nº 1 da Constituição da República.

9.ª A sentença de 03/06/2015, ao condenar o arguido, com base na imputação


de ter dirigido, à denunciante, Helena Viana, as palavras “VACA” e “PUTA”,
que não constam da queixa, logo não existe queixa quanto a elas, violou os
artigos 29.º n.º 1 da Constituição da República; 113.º n.º 1, 115.º n.ºs 1 e 3 e
116.º n.º 1 do Código Penal; 246.º n.º 3 e 243.º n.º 1 a ) do Código de Processo
Penal.

10.ª A queixa foi apresentada em 27/07/2013, sem a declaração a que alude o


artigo 246.º n.º 4 do Código de Processo Penal de se pretender constituir
assistente; sendo que esta declaração é obrigatória e constitui um pressuposto
da responsabilidade criminal, motivo por que a sua omissão, face ao artigo
29.º n.º 1 da Constituição da República, não pode ser degradada em simples
irregularidade.

11.ª A omissão desta declaração, face ao artigo 29.º n.º 1 da Constituição da


República, não pode ser qualificada de irregularidade; mas, sim, como
pressuposto da responsabilidade criminal a que alude este artigo 29.º n.º 1.

12.ª A falta de queixa, por omissão da descrição das palavras “VACA” e


“PUTA”, geram a nulidade insanável da acusação particular, por ilegitimidade
da denunciante Helena Viana, nos termos do disposto no artigo 29.º n.º 1 da
Constituição da República e nos artigos 49.ºn.º1, 50.º n.º 1 e 285.º n.º1 do
Código de Processo Penal.

13.ª A pena adequada à culpa do arguido, pelo crime de ofensa à integridade


física, não deve exceder os 30 dias de multa, nos termos do artigo 72.º n.º 1 e
n.º 2 b) e c) do Código Penal, com base nos factos dados como provados no
n.º 3 (acusação pública) e nos n.ºs 17, 18 e 19 (contestação do arguido), que
consubstanciam uma provocação injusta e uma ofensa imerecida.

14.ª A sentença de 03/06/2015, ao condenar o arguido, pelo crime de ofensa à


integridade física, na pena de multa de 80 dias, face aos aludidos factos, é
injusta e desproporcionada, pelo que foram violados os artigos 72.º n.º 1 e n.º
2 alíneas b) e c ) do Código Penal e o princípio da culpa; sendo que a pena não
deve exceder os 30 dias.
15.ª O agregado familiar é constituído por 4 pessoas (arguido, cônjuge e 2
filhos), tem um rendimento mensal de 1305,00 e uma despesa de habitação de
650,00 €, o que dá uma capitação de 163,75 €; montante que é,
manifestamente, insuficiente para fazer face às despesas básicas de qualquer
pessoa, designadamente, alimentação, vestuário, calçado, despesas de saúde,
de educação, de artigos de higiene, etc.

16.ª A sentença de 03/06/2015, ao fixar o montante da taxa diária em 9,00 €,


violou o artigo 47.º n.º 2 do Código Penal e o artigo 18.º da Constituição da
República, porque o montante de 9,00 € é desproporcionado face à concreta
situação familiar e financeira do arguido; devendo fixar-se a taxa diária em
5,00 €.

17.ª A sentença de 03/06/2015 violou, assim, as seguintes disposições legais:

- Os artigos 29.º n.º 1 da Constituição da República; 113.º n.º 1, 115.º n.ºs 1 e


3 e 116.º n.º 1 do Código Penal; 246.º n.º 3 e 243.º n.º 1 a) do Código de
Processo Penal, porque as palavras “VACA” e “PUTA” não se encontram
descritas na queixa, motivo por que inexiste, quanto a elas, queixa;

- Os artigos 29.º n.º 1 da Constituição da República e 246.º n.º 4 do Código de


Processo Penal, porque da queixa não consta a declaração de se pretender
constituir assistente; declaração que é obrigatória, pelo que constitui um
pressuposto da responsabilidade criminal, motivo por que a sua omissão, face
ao artigo 29.º n.º 1 da Constituição da República, não pode ser degradada em
simples irregularidade.
- O artigo 29.º n.º 1 da Constituição da República e os artigos 49.º n.º 1, 50.º
n.º 1 e 285.º n.º 1 do Código de Processo Penal, porque a falta de queixa, por
omissão da descrição das palavras “VACA” e “PUTA”, geram a nulidade
insanável da acusação particular, por ilegitimidade da denunciante B, nos
termos do disposto nos artigos 49.ºn.º1, 50.º n.º 1 e 285.º n.º1 do Código de
Processo Penal.

- O artigo 72.º nº 1 e 2 alíneas b) e c) do Código Penal, porque a denunciante


B.; ao entornar um copo de cerveja sobre o corpo do arguido, deixando-o todo
molhado, em espaço público; praticou sobre ele uma ofensa imerecida e uma
provocação injusta, que preenchem a previsão do artigo 72.º n.º 1 e n.º 2
alíneas b) e c ) do Código Penal, pelo que deve ser aplicado e a pena de multa
não deve exceder os 30 dias; motivo porque a pena de multa de 80 dias, face
aos aludidos factos, é injusta e desproporcionada.

- Os artigo 47.º n.º 2 do Código Penal e 18.º da Constituição da República, ao


fixar o montante da taxa em 9,00 €, montante que é desproporcionado face à
concreta situação familiar e financeira do arguido – 4 elementos, rendimentos
de 1.305,00 € e despesas de habitação de 650,00€, o que dá uma captação de
163,75 €; devendo a taxa ser fixada em 5,00 €.

18.ª Em consequência, deve ser dado provimento ao presente recurso e


decidido:

a) A absolvição do arguido do crime de injúrias, por falta dos seguintes


pressupostos: falta de queixa, falta de declaração de pretender constituir-se
assistente e a nulidade da acusação particular, por ilegitimidade da
denunciante B, dada a falta de queixa quanto às palavras “VACA” e “PUTA”;

b) A pena de multa, pelo crime de ofensa à integridade física, não deve


exceder 30 dias;

c) A taxa diária da multa, pelo crime de ofensa à integridade física, deve ser
fixado no montante de 5,00 €.

Contra motivaram O Ministério Público e a assistente, pugnando ambos


pela improcedência do recurso.

O Ministério Público concluiu a sua resposta com as seguintes conclusões:

1.ª Os autos iniciaram-se com a investigação da prática de um crime de


violência doméstica, tendo sido apurado, após a realização de diligências de
investigação, que estava em causa a prática de um crime de ofensa à
integridade física e de um crime de injúria.

2.ª O disposto nos artigos 68.º n.º 2 e 246.º n.º 4 do Código do Processo Penal
foram cumpridos no momento da notificação da ofendida.

3.ª As expressões insultuosas que o ora recorrente põe em causa resultam dos
elementos recolhidos que concretizaram a queixa e por tal razão constam do
despacho final de acusação e da acusação particular, que fixaram o objecto do
processo.

4.ª Tais expressões foram dadas como provadas em audiência de discussão e


julgamento.

5.ª A medida da pena deve ter em consideração a culpa do agente e as


exigências de prevenção que o caso suscita.

6.ª O ora recorrente não tem antecedentes criminais, porém, agiu com dolo
directo, com um grau de ilicitude médio e as consequências da sua acção
foram graves, provocando as lesões à ofendida melhores descritas nos autos.

7.ª As necessidades de prevenção geral e especial no caso em apreço são


elevadas, pelo que, em respeito pelas finalidades da punição, foi correcta a
decisão do Tribunal a quo de aplicar ao arguido a pena de 80 dias de multa à
razão diária de 9, 00 euros quanto ao crime de ofensa à integridade física
simples.

8.ªA sentença recorrida fez uma determinação ponderada e correcta da pena de


multa aplicada ao arguido em função das suas condições económicas.

9.ªO Tribunal a quo não violou os artigos 18.º, 29.º n.º 1 da Constituição da


República Portuguesa, os artigos 72.º n.º 1 e n.º 2 alíneas b) e c), 113.º n.º 1,
115.º n.º 1 e 3 e 116.º n.º 1 do Código Penal, artigos 47.º n.º 2, 49.º n.º 1, 50.º
n.º 1 e 285.º n.º 1 246.º n.º 3 e 243.º n.º 1 alínea a) do Código de Processo
Penal.
A assistente concluiu a resposta com as seguintes conclusões:

1. A investigação criminal inicia-se com a notícia de um crime, a qual dá lugar


à abertura de um inquérito.

2. Convém referir que os presentes autos foram autuados como crime público,
nomeadamente, por estar indiciada a prática de um crime de violência
doméstica, sendo que, aquando da queixa apresentada, a ofendida referiu que
o arguido a agrediu e lhe proferiu palavras ofensivas.

3. Nos crimes de natureza pública, o Ministério Público, tendo conhecimento


da notícia do crime, deve promover a acção penal conforme disposto no art.
48º do C.P.P, o que se verificou in casu .

4. Após a inquirição da ofendida, o Ministério Público entendeu que os factos


denunciados consubstanciavam a prática de um crime de ofensa à integridade
física simples, além de um crime de injúria devido às expressões proferidas
pelo arguido, as quais foram, naquela altura, devidamente esclarecidas.

5. Pelo que, atenta a natureza particular que o crime de injúria reveste, sendo
necessário, além da queixa – que já existia – a constituição de assistente, a
ofendida, foi notificada ao abrigo do disposto nos arts. 68º, nº 2 e 246º, nº 4 do
C.P.P., para se constituir assistente, o que se verificou, tendo, por isso, sido
admitida a intervir nos autos naquela qualidade.
6. Nesse sentido e relativamente à falta de queixa alegada pelo recorrente,
veja-se o Ac. da Relação do Porto de 23 de Abril de 2014 ,
in www.dgsi.pt “Não é a queixa ou a denúncia que fixam o objecto do
processo mas apenas a acusação ou a pronúncia. Entendendo o Ministério
Público que não há indícios suficientes da prática de crime de violência
doméstica ficará sempre com os factos denunciados que, isoladamente
considerados, são susceptíveis de integrar outro tipo de crime. Ora, se os
crimes investigados são de natureza particular teria a ofendida de ser
advertida da obrigatoriedade de se constituir assistente e para deduzir
acusação particular.”

7. Nos presentes autos a ofendida apresentou queixa e constituiu-se assistente,


pelo que, verificaram-se os pressupostos necessários para o prosseguimento
do inquérito quanto ao crime de injúria.

8. Aquando da queixa apresentada na GNR a ofendida referiu que o arguido a


agrediu com socos e lhe dirigiu palavras ofensivas, palavras essas que durante
o inquérito, em sede de inquirição, concretizou, não havendo, de todo, uma
omissão da descrição dos factos.

9. Tais impropérios, resultaram dos elementos recolhidos naquela fase


processual, nomeadamente, foram corroborados por uma testemunha.

10. Havendo indícios da prática de um crime e de quem foi o seu agente, deve
ser deduzida acusação pelas entidades com legitimidade para tal, no caso
concreto, pela assistente.
11. Da acusação proferida pela assistente (acusação particular) consta a
narração dos factos (inclusive as expressões ora em causa), requisito esse que
é muito importante, pois é a acusação que fixa o objecto do processo.

12. Com efeito, “A estrutura acusatória é, pois, como já se vê , uma condição


indispensável de garantia de defesa do arguido , que tem de saber com
precisão e clareza aquilo de que é acusado e por que vai responder.” (Ac. do
STJ de 20 de Novembro de 2014, in www.dgsi.pt )

13. Ademais, com vista a assegurar a garantia de defesa do arguido, deve


existir, como refere o Ac. da Relação de Évora de 3 de Dezembro de 2013 ,
in www.dgsi.pt , “…uma necessária correlação entre a acusação e a sen-
tença…”.

14. As palavras “vaca” e “puta” que o recorrente diz não terem sido descritas,
constam das acusações e foram dadas como provadas.
15. E o Mmo Juiz a quo, na motivação constante da sentença, refere que as
mesmas são dadas como provadas, desde logo, porque o próprio arguido, ora
recorrente, a admitiu (“puta”) nas declarações que prestou, pelas declarações
da assistente onde confirma a expressão “puta”, bem como o depoimento da
testemunha Nélia que referiu que o arguido chamou à assistente “vaca”.

16. Quanto à medida concreta da pena aplicada ao arguido no crime de ofensa


à integridade física simples a mesma parece-nos adequada atenta a ponderação
que o tribunal fez da ilicitude do facto, a intensidade do dolo, as
consequências do crime, as circunstâncias em que os factos ocorreram, a
conduta do arguido anterior aos factos, bem como a forma como este os
relatou e o arrependimento demonstrado.

17. Foram também consideradas as exigências de prevenção geral e especial


que ao caso importam.

18. Além de que, para efeitos de fixação do quantitativo diário da multa penal
aplicada, o Mmo Juiz considerou a situação económico-financeira do arguido,
não esquecendo, contudo, que com vista a que a pena de multa traduza a sua
eficácia, tal multa deverá constituir um verdadeiro sacrifício para o arguido,
de modo a demovê-lo da prática de futuros crimes.

19. A sentença recorrida fez uma análise crítica e objectiva dos meios de
prova, pelo que, o tribunal a quo foi preciso e consistente, fundamentando, em
face da prova produzida, as razões pelas quais se convenceu de que os factos
tinham decorrido da forma mencionada.

20. Pelo exposto o tribunal a quo não violou os arts. 18º e 29º , nº 1 da CRP ,
arts. 72º, 113º, nº 1, 115º, nº 1 e 3, 116º, nº 1 do C.P. e arts. 47º, 49º, nº 1, 50,
nº 1, 243º, nº 1 a) , 246º , nº 3 e 285º , nº 1 do C.P.P. .

Nesta Relação o Exmº Senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer


relativamente ao recurso interposto da sentença, no sentido de lhe ser
concedido provimento parcial, no que concerne à taxa diária da pena de multa,
que entende dever ser inferior à fixada na sentença recorrida.
Observado o disposto no nº2 do art.417º, do CPP respondeu o recorrente
reeditando, no essencial, a argumentação expendida na peça recursiva.
Efectuado o exame preliminar e colhidos os vistos teve lugar a conferência.

Cumpre apreciar e decidir.

FUNDAMENTAÇÃO.

Delimitação do objecto dos recursos. Questões a examinar.

Os poderes cognitivos deste Tribunal conformam-se à revisão da matéria de


direito, quer por que também não se alega nem ex officio se vislumbra
qualquer dos vícios elencados no nº2 do art.410º, do CPP, quer por que o
recorrente também centra a sua dissidência relativamente ao julgado em
matéria de direito, assim demarcando o objecto do recurso (art.412º, nº1, do
CPP), considerando-se definitivamente sedimentada a factualidade descrita na
sentença recorrida.

Nestes termos, e tendo em consideração que o objecto dos recursos é


delimitado pelas conclusões que o recorrente extrai da correspondente
motivação, sintetizando estas, as questões que delas emergem e que aqui
reclama solução consiste em saber:

Recurso interlocutório (interposto do despacho proferido em 12-5-2015 –


fls.310).
Se o pedido de indemnização civil foi ou não apresentado tempestivamente e
se é ou não de manter a condenação em custas aplicada no despacho em causa.

Recurso interposto da sentença proferida em 3-6-2015 (fls.331 a 353).

- Se o arguido deve ser absolvido da prática do crime de injúria, por falta de


queixa e da declaração da ofendida de pretender constituir-se assistente e se a
acusação particular deduzida é nula por ilegitimidade da denunciante; e

- Se é excessiva e desproporcionada a pena de multa aplicada ao arguido pela


prática do crime de ofensa à integridade física e consequentemente se deve ser
reduzida, designadamente nos termos preconizados pelo recorrente.

Começaremos por analisar o recurso interposto do despacho proferido em


12-5-2015 – fls.310).

O despacho recorrido no segmento que aqui importa considerar é do seguinte


teor:

« (…) A fls. 306 suscitou o arguido a preclusão do direito da assistente em


demandar civilmente o demandado pelos prejuízos causados, considerando
que o prazo para deduzir o pedido de indemnização cível terminou em 09-02-
2015.

Por acusação proferida a fls. 263 em que se reparou uma irregularidade


identificada nos autos foi determinada a notificação do arguido, notificação
que veio a ocorrer em 15-12-2014.

Foi ainda a Assistente notificada a fls. 277 de que dispunha do prazo de 20


dias para requerer a abertura da instrução.

Dispõe o art.º 77º, nº 3 do C. P. Penal que quando o lesado não é notificado


para deduzir o Pedido de Indemnização Cível dispõe de 20 dias de prazo
para o fazer após a notificação ao arguido do despacho de acusação.

Assim, com a notificação da acusação pública sem cumprimento do disposto


no art.º 77.º, nº 2 do C.P. Penal, a Demandante Cível dispunha assim de 20
dias após a notificação do arguido para efectuar, como o fez, o respectivo
pedido de indemnização cível.

Atenta a suspensão dos prazos determinados pelas férias judiciais verifica-se


que a apresentação do pedido de indemnização cível em 16-01-2015 é
tempestiva.

Pelo exposto, indefere-se o requerido pelo arguido, com custas processuais


que se fixam em 3 UCs.
Notifique».

Da tempestividade ou intempestividade da apresentação do pedido de


indemnização civil.
Dispõe o art.75º, nº1 do CPP que “Logo que no decurso do inquérito, se
tomar conhecimento da existência de eventuais lesados, devem estes ser
informados, pela autoridade judiciária ou pelos órgãos de polícia criminal,
da possibilidade de deduzirem pedido de indemnização civil em processo
penal e das formalidades a observar.”

E o nº2 do mesmo preceito dispõe que “ quem tiver legitimidade para deduzir
pedido de indemnização civil deve manifestar no processo, até ao
encerramento do inquérito, o propósito de o fazer”.

Por sua vez, o art.77º do CPP consagra três momentos para a formulação do
pedido civil enxertado na acção penal.

1º Se o pedido for deduzido pelo Ministério Público ou pelo assistente, deve


ser formulado na acusação ou no prazo em que esta deva ser apresentada
(nº1);

2º Se o lesado tiver manifestado no processo o propósito de deduzir pedido


cível (art.75º nº2, do CPP), o pedido deve ser formulado no prazo de 20 dias
seguintes à notificação do despacho de acusação ou, não o havendo, do
despacho de pronúncia, se a ele houver lugar (nº2);

3º Se o lesado não tiver manifestado o propósito de deduzir pedido cível ou


não tiver sido notificado nos termos do nº2 do art.77º, do CPP, o pedido deve
ser formulado dentro dos 20 dias seguintes à notificação do arguido do
despacho de acusação ou, se o não houver, do despacho de pronúncia (nº3).
De sublinhar que o legislador ao estabelecer-se no nº1 do art.77º, do CPP que
o assistente deve deduzir o pedido de indemnização civil na acusação ou no
prazo em que esta deva ser apresentada, está a reportar-se às situações em que
a causa de pedir do pedido de indemnização civil coincide com os factos da
acusação particular deduzida pelo assistente, pois, salvo melhor opinião,
entendemos que só assim faz sentido tal norma.

É certo que a ofendida/lesada antes da apresentação do pedido de


indemnização já havia sido admitida a intervir como assistente.

Decorre dos autos que foi cumprido o disposto no nº1 do art.75º, do CPP
relativamente à lesada/demandante e que esta anteriormente à dedução do
pedido de indemnização que formulou não manifestou qualquer vontade nesse
sentido.

Por outro lado, como reconhece o recorrente na sua peça recursiva o pedido de


indemnização civil deduzido pela assistente foi formulado pelos mesmos
factos que constam da acusação pública em que ao arguido foi imputado a
autoria do crime de ofensa à integridade física.

Tal pedido foi remetido por correio electrónico expedido às 17:28 horas do dia
16-1-2015 (fls.273), tendo-se por apresentado em juízo nessa data.

Essa acusação foi notificada ao arguido por via postal simples, tendo a carta
sido depositada na respectiva caixa do correio em 15-12-2014 (fls.269 e 271),
pelo que, nos termos do nº3 do art113º, do CPP, a notificação tem-se por
efectuada em 20-12-2014 (sábado).

Essa acusação foi também notificada ao Exmº Defensor do arguido por carta
registada expedida em 12-12-2014 (fls.270), presumindo-se feita a notificação
em 15-12-2014 (art.113º, nº2 do CPP).

Porém, quando, como é aqui o caso, a notificação deva ser feita ao arguido e
também ao seu defensor, o prazo para a prática de acto processual subsequente
conta-se a partir da data da notificação efectuada em último lugar (art.113º,
nº10, do CPP), ou seja, aqui em 20-12-2014.

Assim, o prazo para dedução do pedido de indemnização civil estribado nos


mesmos factos da acusação pública, como é aqui o caso, é o previsto no nº3
do art.77º, do CPP. Isto é, a aqui demandante tinha o prazo de 20 dias a contar
da notificação ao arguido dessa acusação.

O mesmo já não sucederia se o pedido de indemnização civil estivesse


ancorado nos mesmos factos constantes da acusação particular deduzida pela
assistente em que imputou ao arguido a prática do crime de injúria, pois neste
caso, o pedido cível tinha de ser formulado nessa acusação ou no prazo para
dedução desta, de harmonia com o disposto no nº1 do art.77º, do CPP.

Mas no caso vertente, tendo em conta o exposto, aquele prazo iniciou-se em


21-12-2014, suspendendo-se durante as férias judiciais que decorreram de 23-
12-2014 a 3-1-2015 (sábado), pelo que o seu termo ocorreu em 23-1-2015.
Assim, temos de concluir pela tempestividade da apresentação do pedido de
indemnização civil em 16-1-2015.

Como alega, como inteira razão o recorrente, o despacho sob censura é


absolutamente omisso, no tocante à fundamentação sobre a condenação em
custas nele imposta ao arguido, ora recorrente.

Na verdade, como também diz o recorrente, essa condenação, não pode ter por
fundamento legal o art.513º, do CPP.

Por outro lado, embora com alguma reserva, não é para nós pacífico, que a
situação em causa seja enquadrável na previsão de taxa sancionatória
excepcional, tal como é definida no art.531º, do CPC, que é aplicável ao
processo penal por via da remissão do art.512º, nº1 do CPP.

Finalmente, e apesar de improceder a alegação de extemporaneidade desse


pedido invocada pelo demando na correspondente contestação, salvo melhor
opinião, entendemos também que aquela alegação, não traduz uma actividade
processual manifestamente impertinente, desnecessária e perturbadora do
curso normal do processo, pelo que também não cabe nos procedimentos ou
incidentes anómalos, a que se reporta o nº8 do art.7º, do Regulamento das
Custas Processuais.

Assim, entendemos que não tem justificação legal, que, aliás, o Exmº senhor
juiz a quo, não invocou, a condenação em custas declarada no despacho
recorrido, pelo que consequentemente nesse segmento deve ser revogado.

Nestes termos e com tais fundamentos, e sem mais considerações por


desnecessárias, concedendo-se provimento parcial ao recurso, revoga-se a
condenação em custas decretada no despacho recorrido, mantendo-se quanto
ao mais.

Prosseguindo.

Recurso interposto pelo arguido da sentença condenatória proferida em


1ª Instância.

Na sentença recorrida foram dados como provados e como não provados os


seguintes factos:

«a) Factos provados:

I. Acusação pública (fls. 263)


1. O arguido manteve relação amorosa extraconjugal com B. durante periodo
não concretamente apurado.

2. No dia 27 de Julho de 2013, no período da tarde e em hora não


concretamente apurada, o arguido encontrava-se no interior do
estabelecimento comercial denominado “Pastelaria Lucas”, em Cuba, altura
pela qual entrou naquele local, acompanhada do filho de ambos, B..
3. Alguns momentos depois, e porque entendeu que o arguido não lhe dava
atenção nem a ela nem à criança, B. dirigiu-se na direcção deste e despejou
em cima do mesmo a cerveja que tinha dentro do copo.

4. Acto seguido, B. saiu para exterior daquele estabelecimento, dirigindo-se


ao seu carro, tendo o arguido seguido no seu encalço.

5. Altura pela qual o arguido, após proferir na direcção de B. as expressões


“puta, queres é estragar-me a vida”, atingiu por várias vezes, com a mão
fechada, a face de B., fazendo com que esta embatesse no veículo automóvel
no qual pretendia entrar.

6. Em consequência directa e necessária de tais actos por parte do arguido,


B, sofreu o hematoma occipital à direita no crânio e equimoses no terço
superior da face externa do membro superior direito, lesões que lhe
determinaram um período de 10 dias para cura, sem afectação da sua
capacidade para o trabalho.

7. Ao actuar da forma descrita, o arguido agiu de forma livre e consciente,


com o propósito de molestar o corpo e a saúde de B, o que conseguiu.

8. Sabia o arguido que a sua conduta era proibida e punida por lei e tinha
capacidade de se determinar de acordo com esse conhecimento.

II. Acusação Particular (fls. 249)


9. Após o descrito em 5), o arguido dirigiu-se à assistente ao chamar-lhe
“vaca”.

10. O arguido quis proferir as expressões referidas em 5) e 9), em voz alta e


na presença de várias pessoas.

11. Ao agir daquela forma, o arguido sabia que estava a ofender a honra e
consideração da assistente, resultado que desejou e conseguiu alcançar

12. O arguido agiu livre, voluntaria e conscientemente, bem sabendo que que
sua conduta e proibida por lei.

III. Pedido de indemnização civil (fls. 274)


13. O arguido com as lesões descritas em 6) causou à assistente dores e
nervosismo.

14. No dia indicado em 2) dos factos provados, por estar agendada uma festa
a assistente precisou que uma pessoa amiga a ajudasse.

15. A assistente necessitou de assistência médica que custou o valor de €


10,30, por ela liquidado.

16. A assistente sentiu-se humilhada e envergonhada ao ser agredida em


plena rua.

IV. Da contestação (fls. 303)


17. O arguido ficou todo molhado.
18. O arguido ficou nervoso, indignado, revoltado e com descontrolo
emocional.

19. A conduta da assistente, que achincalhou o arguido, foi praticada no


espaço público.

V. Condições pessoais
20. O arguido aufere rendimento no valor de €800.

21. O arguido é gestor comercial e casado vive com a mulher que exerce a
profissão de professora e aufere o valor de €505; têm dois filhos, com 10 e 3
anos de idade.

22. O arguido liquida empréstimo para a habitação com prestação mensal de


€650.

23. O arguido não paga pensão de alimentos ao filho nascido do relacionado


com a assistente.

24. O arguido tem escolaridade correspondente ao 9º ano.

25. O arguido não tem antecedentes criminais.

26. O arguido declarou estar arrependido.


b) Factos não provados
27. Em 5), após proferir na direcção de B. as expressões “grande puta”,
“cadela” e “vou-te aos cornos”.

28. As dores emergentes das lesões dificultaram o trabalho da assistente.

29. A assistente desferiu uma pancada com a mão fechada nas costas do
arguido.

30. Em acto contínuo, quando o arguido tentava levantar-se, a assistente


arranhou-lhe o pescoço.

A restante factualidade alegada não foi considerada nos factos provados nem
nos não provados, constituir matéria conclusiva, de direito ou sem relevo
para a boa decisão da causa.»

O tribunal “ a quo” procedeu à subsunção legal da factualidade supra descrita,


à escolha da espécie e determinação da medida da pena da seguinte forma:

«Da responsabilidade criminal

Crimes de ofensas à integridade física e injúrias


Ao arguido é-lhe imputada a prática de um crime de ofensa à integridade
física e um crime de injúrias.

Comete o crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. no art. 143.º do


Código Penal, quem conscientemente queira causar ferimento físico,
sofrimento ou perturbação física em outrem, qualquer que seja a forma do
dolo (directo, necessário ou eventual), ou seja, desde que o agente, actuando
conscientemente e com ciência da ilicitude, represente um daqueles eventos
como consequência directa, necessária ou eventual da sua actuação.

No caso vertente, e tendo em conta a matéria de facto provada, é inequívoco


o arguido ao atingir com a mão fechada a face da ofendida B, lhe causou
dores nas zonas atingidas com o embate no veiculo automóvel, e portanto, as
lesões descritas ao nível da zona do crânio e do membro superior direito.

Por outro lado, a conduta do arguido não pode deixar de se considerar


dolosa, já que este bem sabia (elemento cognitivo do dolo) o resultado que
iria (ou podia) alcançar com a sua conduta e, não obstante, agiu com o
propósito (elemento volitivo do dolo) de atingir a ofendida na sua integridade
física, como efectivamente sucedeu. Ou seja, agiu com dolo directo, uma vez
que representou o facto que praticou, querendo o resultado.

Para o preenchimento do tipo objectivo de crime de injúrias, p. e p. pelo


artigo 181º do Código Penal, requer-se que o agente impute a outra pessoa,
mesmo sob a forma de suspeita, factos, ou lhe dirija palavras, ofensivos da
sua honra ou consideração.

Difamar e injuriar mais não é basicamente que imputar a outra pessoa,


mesmo sob a forma de suspeita, um facto, ou formular sobre ela um juízo,
ofensivos da sua honra ou consideração, entendida aquela como o elenco de
valores éticos que cada pessoa humana possui, tais como o carácter, a
lealdade, a probidade, a rectidão, ou seja a dignidade subjectiva, o
património pessoal e interno de cada um, e esta última como sendo o
merecimento que o indivíduo tem no meio social, isto é, o bom-nome, o
crédito, a confiança, a estima, a reputação, ou seja a dignidade objectiva, o
património que cada um adquiriu ao longo da sua vida, o juízo que a
sociedade faz de cada cidadão, em suma a opinião pública.

No plano subjectivo, exige-se o chamado dolo genérico, isto é, que o agente


tenha o propósito de ofender a honra ou considerações alheias ou no mínimo
preveja essa ofensa como resultado provável da sua conduta e, mesmo assim,
actue conformando-se com tal hipótese.

Distingue-se a injúria da difamação precisamente no destinatário da


afirmação: na injúria (ao contrário da difamação) a conduta é “dirigida” à
vítima.

Não nos indica a lei como caracterizar a ofensa propriamente dita; ou seja, o
que sejam em concreto os factos ou juízos ofensivos.

No caso vertente, não restam dúvidas que atenta a factualidade acima dada
como provada, de que as expressões “puta” e “vaca”, dirigidas pelo arguido
à assistente são manifestamente ofensivas da honra e consideração desta,
atentos os padrões correntes de convivência social, colocando em cheque um
vector da personalidade da assistente, a sua probidade e rectidão da sua vida
pessoal e sexual.
De resto, logrou demonstrar-se que o arguido actuou da forma descrita, com
reflexão sobre o meio empregue, bem sabendo que, ao dirigir as palavras
acima referidas à assistente, ofendia a sua honra e consideração, o que
representou mentalmente e quis realizar, pelo que, se conclui que o arguido
agiu com dolo directo, mostrando-se, assim preenchidos, também os
elementos objectivo e subjectivo do crime de injúrias, de que o arguido vem
também acusado.

Da exclusão da culpa
Na contestação, o arguido sustenta que a conduta da assistente traduziu-se
em actos humilhantes, vexatórios e achincalhantes lesivos da sua
personalidade e liberdade de acção e que qualquer cidadão agiria da mesma
forma, pugnando pela exclusão da culpa do arguido.

A culpa existirá quando o arguido ao agir de forma típica e ilícita, tenha


consciência da ilicitude da sua conduta e vontade de se motivar de acordo
com essa consciência. Também aqui, a culpabilidade do arguido poderá ser
afastada se existir qualquer causa que exclua a culpa, pois nesse caso a sua
conduta não merece censura ético-jurídica.

São exemplos dessas causas, a inimputabilidade do agente, em razão da sua


idade ou de anomalia psíquica, o erro não censurável sobre a ilicitude, o erro
sobre as proibições e o estado de necessidade desculpante.

O art. 35.º, do Código Penal, relativo ao estado de necessidade desculpante,


proclama a inexistência de culpa a quem praticar um facto ilícito adequado a
afastar um perigo actual, e não removível de outro modo, que ameace a vida,
a integridade física, a honra ou a liberdade do agente ou de terceiro, quando
não for razoável exigir-lhe, segundo as circunstâncias do caso,
comportamento diferente.

Há exclusão da culpa quando não seja razoável exigir ao agente um


comportamento diverso.

São pressupostos do estado de necessidade desculpante a verificação de uma


situação de perigo actual para bens jurídicos de natureza pessoal (vida,
integridade física, honra e liberdade) do agente ou de terceiro. O facto ilícito
praticado tem de ser “adequado”, ou seja, idóneo a afastar o perigo que não
seria remível por outro modo.

É necessário que o juiz verifique que não era razoável exigir do agente,
segundo as circunstâncias do caso, comportamento diferente. Torna-se ainda
indispensável que o agente pratique a acção para determinar com ela a
preservação do bem jurídico ameaçado, isto é, o animussalvandi, o que bem
se compreende pois está em causa a prática de um facto ilícito e, por
conseguinte, juridicamente desaprovado.

A defesa sustenta a exculpação no derramar da imperial sobre o arguido, na


pancada com a mão fechada nas costas e no arranhar de pescoço pela
arguida. Na perspectiva da defesa, a conduta imputada à assistente na
suposta provocação destinou no arguido um estado emocional de descontrolo
e revolta. Concluindo, por isso, que qualquer pessoa deveria e poderia agir
dessa maneira.

No caso em apreço, em face da factualidade provada, à conduta do arguido


não esteve subjacente um animussalvandi. O arguido pretendeu dirigir uma
conduta ofensiva contra a pessoa da assistente. O perigo que representou a
acção praticada pela assistente não era actual ao momento em que o arguido
desfere os golpes físicos no corpo da assistente e proclama adjectivos
pejorativos contra a sua pessoa. O estado de ânimo que invoca não se traduz
numa desobrigação do arguido em adoptar uma conduta compatível com a
norma criminal prevista no artigo 143.º e 181.º do Código Penal,
considerando que não estava perante um perigo actual irremovível doutro
modo e que quis atentar contra a pessoa da assistente como retaliação pelos
actos por ela praticados. Inexiste qualquer situação que possa excluir a
ilicitude e a culpa, designadamente, o invocado estado de necessidade
desculpante. Do que fica dito, ainda que iniciada pela assistente, esta
situação impõe o dever ao arguido de ser superior e actuar de forma diversa
daquela que se deu provada.

Era-lhe de todo exigível uma actuação não atentatória da integridade física


de terceiro dado que não se encontrarem reunidos os pressupostos
necessários à invocação de um estado desculpante.

De tudo o que fica dito, é legítima a conclusão de que o arguido preencheu


objectivamente e subjectivamente os elementos típicos dos crimes de ofensas
à integridade física e de injurias de que vem acusado, demonstrando a
existência de consciência quanto à sua ilicitude e culpa.

Em conclusão, o arguido praticou, na forma consumada, em concurso


efectivo, um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p., pelo artigo
143.º, n.º 1 do Código Penal e um crime de injúria, p. e p., pelo artigo 181.º,
n.º 1 do Código Penal.

Feito pela forma acima descrita o enquadramento jurídico-penal das


condutas do, importa, agora, determinar a natureza e medida da sanção a
aplicar.

Como sabido, as finalidades da pena são, nos termos do artigo 40.º do


Código Penal, a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na
sociedade. E nos termos do artigo 40.º, n.º 2, a medida da culpa é o limite da
pena.

Também é sabido que os crimes tipificados na legislação penal prevêem uma


sanção com um limite mínimo e um limite máximo.

Assim, caberá ao julgador, no caso concreto, determinar a medida concreta


da pena a aplicar ao agente do crime, dentro das seguintes molduras penais:

Crime de ofensas à integridade física: Pena de prisão até 3 anos ou pena de


multa de 10 dias até 360 dias.

Crime de injúrias: Pena de prisão até 3 meses ou pena de multa de 10 até


120 dias.

Prevendo ambos os tipos de crime duas espécies de pena (pena de prisão e


pena de multa) cumpre, agora, a este Tribunal optar por uma delas, segundo
o critério estabelecido no artigo 70.º do Código Penal.

Quanto aos ilícitos sob apreciação, são elevadas as exigências de prevenção


geral, pois são crimes que ocorrem cada vez com mais frequência, e muitas
vezes por motivos absolutamente fúteis ou até sem qualquer justificação, com
total desvalor pelo corpo e saúde alheios e pela honra e consideração,
impondo-se, desta forma, necessidades de repressão.

Por outro lado, na situação presente, afigura-se-nos que os arguidos não têm
antecedentes criminais, sendo lícito ao Tribunal efectuar um prognóstico
favorável quanto ao efeito de uma condenação em pena de multa sobre os
seus futuros comportamentos.

Assim, entende o Tribunal que as necessidades de prevenção geral e especial


ficarão asseguradas com a aplicação de uma pena de multa relativamente a
ambos os crimes.

A pena de multa é fixada em dias, de acordo com os critérios estabelecidos no


n.º 1 do artigo 71.º, sendo, em regra, o limite mínimo de 10 dias e o máximo
de 360 [cfr. artigo 47.º, n.º 1 do Código Penal]. Porém, relativamente ao
crime de injúrias, o limite máximo é de 120 dias [cfr. artigo 181.º, n.º 1 do
Código Penal].
Na medida concreta das penas a aplicar, considera-se as seguintes
circunstâncias:

A ilicitude do facto é média, relativamente ao crime de ofensas à integridade


física simples, tendo em conta que a forma como o arguido atingiu o corpo da
vítima, com consideração de a ofendida é mulher e, consequentemente, com
menor capacidade de defesa física e de reacção.

A ilicitude da conduta do arguido é elevada, relativamente ao crime de


injúrias, atento o teor dos impropérios proferidos, que são altamente
ofensivos da honra e consideração de uma mulher.

No tocante à intensidade do dolo, desfavorece-o o facto de ter agido


com dolo directo (a forma de dolo mais grave) em ambos os crimes.

No tocante às consequências do crime, as mesmas foram graves, sendo as


mesmas de grau elevado pelas lesões que se encontram documentadas e o
período de recuperação que lhe foram fixados.

Quanto ao motivo que determinou o arguido a proferir as expressões acima


dadas como provadas, decorre da existência de um filho em comum com a
assistente e da sua ingerência para que o arguido preste atenção e cuidado
ao filho. Aqui não podemos desconsiderar que sobre o arguido existiu uma
provocação de forma a avivar os sentimentos do arguido sobre a pessoa do
filho e da mãe, aqui assistente, razão pela qual a assistente partiu para a
provocação pública e destemida quanto às futuras consequências pessoais e
que atingiu, por ora o clímax com este julgamento. Esta circunstância atenua
consideravelmente a culpa do arguido. A assistente serviu-se da sua conduta
para obter o julgamento da falta de atenção que até agora não obteve do
arguido, procurando que a sua existência e a do filho em comum marcassem,
pelas razões mais negativas, a vida deste.

Por seu turno releva a favor do arguido a sua conduta anterior aos factos


uma vez que não possui antecedentes criminais.

Releva a favor do arguido a forma como relatou os factos e o arrependimento


declarado e de pretender o afastamento da assistente.

Assim, crê este Tribunal, aparecem estes factos mais como um momento de
descontrole momentâneo do que uma personalidade criminógena. Tratou-se
de uma situação isolada decorrente de assuntos mal finalizados e de
contornos pessoais.

Por outro lado, o arguido está bem inseridos familiar e socialmente, e tal
deve ser valorado e considerado como atenuante da sua conduta, por
necessário à ressocialização que se almeja.

Assim, não obstante serem elevadas as exigências de prevenção geral,


afigura-se não serem muito elevadas as exigências de prevenção especial.

Pelo exposto, tudo ponderado, considerando as circunstâncias acima


referidas, a culpa do arguido, e as exigências de prevenção, deve ser de
aplicar, a pena de multa de 80 dias de multa, para o crime de ofensas à
integridade física, e a pena de 40 dias de multa, o crime de injúrias.

Nos termos dos artigos 30.º, n.º 1 e 77.º, nrs. 1 e 2 ambos do Código Penal,
tendo o arguido cometido diversos crimes, haverá que atender ao facto de
estarmos perante um concurso efectivo de crimes, cujas regras de punição
conduzem à condenação do agente numa pena única, determinada em função
dos factos e da personalidade do agente.

Assim, atentas as disposições legais acima enunciadas, no caso concreto,


haverá que proceder ao cúmulo jurídico das penas de multa, face à sua
idêntica natureza.

Considerando que o limite máximo da pena única é constituído pela soma das
penas concretamente aplicadas aos vários crimes e o limite mínimo pela mais
elevada das penas parcelares concretamente aplicadas [cfr. artigo 77.º, n.º 2
do Código Penal], temos como limites da moldura penal, 120 dias de multa,
como limite máximo e 80 dias como limite mínimo.

Ponderando todas as circunstâncias acima referida aquando da


determinação da medida concreta da pena e apreciando em conjunto os
factos e a personalidade do arguido acima explanada, a pena única deverá
centrar-se na mediania, uma vez que foi o arguido incitado à prática dos
factos mediante uma conduta da assistente.
Pelo exposto, este Tribunal julga adequado condenar, em cúmulo jurídico,
o arguido na pena única de 90 (noventa) dias de multa.

Não se afigura ter lugar a substituição da pena de multa pela admoestação


ao arguido, porque o Tribunal conclui que por, aquele meio, não se realizam
de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, atentas as elevadas
exigências de prevenção geral acima referidas [cfr. artigo 60.º, n.º 2 do
Código Penal], pois de tal forma não se lograria dar a devida protecção ao
bens jurídicos protegidos pelas respectivas incriminações.

No que respeita ao quantitativo diário, o mesmo fixar-se-á entre €5,00 e


€500, em função da situação económica e financeira do arguido e dos seus
encargos pessoais [cfr. artigo 47.º, n.º 2 do Código Penal].

Pelo exposto, atendendo à condição económico-social do arguido, julga-se


adequado fixar a taxa da pena de multa em €9, para o arguido».

Examinemos, pois, pela ordem indicada as questões supra enunciadas,


que se colocam no âmbito deste recurso.

Da invocada absolvição do arguido/recorrente da prática do crime de injúria,


por falta de queixa e da declaração da ofendida de pretender constituir-se
assistente e se a acusação particular deduzida é nula por ilegitimidade da
denunciante.

Para melhor elucidação da questão enunciada, importa ter presente os


seguintes factos:

Os presentes autos tiveram origem na denuncia efectuada à GNR em 27-7-


2013 pela ora recorrida contra o ora recorrente, por nesse dia, nas
circunstâncias de lugar mencionadas no respectivo auto de denúncia, a
denunciante alegadamente ter sido agredida a murro e insultada pelo
denunciado. (cfr.fls.3 a 7).

No auto de denúncia a denunciante declarou desejar procedimento criminal


contra o denunciado. (cfr.fls. 7 verso).

Comunicada a denúncia ao Ministério Público foi lavrado despacho em que se


considerou que se indiciava a prática de um crime de violência doméstica, pp.
pelo art.152º, nº2, do C. Penal, determinando-se o prosseguimento dos autos
com a investigação pela prática desse crime. (cfr.fls.14/15)

No decurso do inquérito, em 2-8-2013 a denunciante foi ouvida sobre os


factos denunciados explicitando que nas circunstâncias de tempo e lugar
mencionadas no auto de denúncia, o denunciado se lhe dirigiu proferindo a
seguinte expressão “puta, grande puta, queres é estragar-me a vida, vou-te aos
cornos” e que também por ele “foi agredida com murros na cabeça e face”.

Declarou ainda que desejava procedimento criminal contra o denunciado.


(cfr.fls.16/18).

Posteriormente, em 8-12-2013, o Ministério Público, proferiu despacho,


constatando que os factos denunciados eram susceptíveis de configurar, além
do mais, a prática do crime de injúria, pp. pelo art.181º, nº1 do C. Penal, que
reveste natureza particular, determinou que a denunciante fosse notificada
para em 10 dias requerer a sua constituição como assistente, sob pena de faltar
legitimidade ao MºPº para prossecução penal por tais factos (cfr.fls.213).

Em cumprimento desse despacho a denunciante requereu a sua constituição


como assistente, tendo por despacho do JI sido admitida a intervir nos autos
nessa qualidade (cfr. fls 221 e 231).

Concluído o inquérito, para o que aqui releva, o MºPº considerando que a


prova recolhida indiciava suficientemente a prática pelo arguido, ora
recorrente, de um crime de injúria, pp. pelo art.181º, nº1 do C. Penal,
determinou que a assistente fosse notificada para, querendo, deduzir acusação
particular por esse crime, o que ela veio a fazer, tendo o Mº Pº acompanhado
essa acusação.

Nesta a assistente, além do mais, alegou que o arguido a ofendeu na sua honra
e consideração ao proferir as seguintes expressões que lhe dirigiu “ puta,
grande puta, queres estragar-me a vida, vou-te aos cornos” e ainda “ puta,
vaca, cadela”. (cfr. fls.238 e 249 a 252).

Essa acusação particular e a acusação pública do MºPº contra o arguido pela


prática de um crime de ofensa à integridade física, pp. pelo art.143º, nº1 do C.
Penal, foram recebidas no seus precisos termos e este foi submetido o
julgamento pela prática de tais crimes.
Na sentença recorrida, o arguido foi condenado, relativamente ao crime de
injúria, por nas circunstâncias nela mencionadas ter ofendido na sua honra e
consideração a assistente ao dirigir-se-lhe proferindo as seguintes expressões
“puta queres é estragar-me a vida”, e “vaca”.

Perante este cenário, vejamos, se tem ou não razão o arguido/ recorrente.

Enquanto a denúncia se cinge à mera descrição de factos susceptíveis de


integrar a prática de crimes, a queixa é definida como uma declaração ou
manifestação de vontade, apresentada pelo titular do direito respectivo, de que
seja instaurado um processo pelo facto susceptível de integrar um crime.

Como já deixámos expresso noutras ocasiões, entendemos que não obstante


não ser exigível que a queixa seja manifestada através de qualquer fórmula
tabelar usual, sendo a mais comum a “desejo procedimento criminal contra”, o
que não é admissível é a queixa meramente suposta, implícita. Efectivamente,
a queixa tem emergir de uma declaração de vontade expressa de forma
inequívoca, não valendo como tal meras intenções presumidas de que seja
exercida a acção penal.

Como lapidarmente é referido no acórdão da Relação de Coimbra, de 15-03-


2006, proc. nº4349/05, acessível em www.dgsi.pt «a queixa não se confunde
com a denuncia (…). Enquanto esta traduz uma simples manifestação de
ciência (transmissão ao Ministério Público do facto com relevância criminal),
aquela exige, ainda, que nessa declaração se manifeste uma vontade de ver o
agente perseguido criminalmente. Ou seja, na queixa além dessa declaração de
ciência exige-se ainda uma manifestação de vontade de que seja instaurado
procedimento criminal contra o agente».

Na verdade, a queixa da prática de um crime não se identifica exclusivamente


com o mero relato dos factos que o integram (a notícia do crime), mas também
com a manifestação (exteriorização) da vontade do titular dos interesses que a
lei quis especialmente proteger com a incriminação de que haja lugar um
processo criminal para se conhecer do crime relatado.

Sobre esta matéria refere o Professor Figueiredo Dias in “Direito Penal


Português – As Consequências Jurídicas do Crime”, pag. 675: “No que toca à
forma da queixa, tanto o CP como o CPP são omissos, devendo por isso
entender-se que ela pode ser feita por toda e qualquer forma que dê a perceber
a intenção inequívoca do titular de que tenha lugar procedimento criminal por
certo facto. O que só é reforçado pelo disposto no art. 49º-3 do CPP, já acima
referido. Não se torna necessário, por outro lado, que a queixa seja como tal
designada; e é mesmo irrelevante que seja qualificada de outra forma pelo seu
autor, v.g., como denúncia, acusação, etc. Tão-pouco é relevante que os factos
nela referidos sejam correctamente qualificados do ponto de vista jurídico-
penal. Indispensável é só que o queixoso revele indubitavelmente a sua
vontade de que tenha lugar procedimento criminal contra os agentes
(eventuais) pelo substrato fáctico que descreve ou menciona”.

Dito de outra forma: para que se considere validamente exercido o direito de


queixa basta que da comunicação do facto, dentro do prazo legal de seis
meses, se depreenda, de forma inequívoca, a vontade de que seja exercida a
acção penal.

Como é sobejamente sabido, enquanto o crime de ofensa à integridade física


simples reveste natureza semi-publica, o crime de injúria, aqui em causa,
assume natureza particular.

Nos crimes de natureza semi-pública, o procedimento criminal está


dependente de queixa do respectivo ofendido, pelo que inexistindo esta falece
legitimidade ao Ministério Público para promover o processo penal (arts.113º
nº1, do C. Penal, 48º e 49º do CPP).

Nos crimes de natureza particular, o procedimento criminal depende de


acusação particular, do ofendido ou de outras pessoas, sendo necessário que
estas se queixem, se constituam assistentes e deduzam acusação particular
(art.50ºCPP).

Num caso e noutro, como primeiro impulso, é necessário a apresentação de


queixa.

Este pressuposto processual constitui uma condição objectiva de


procedibilidade ou de punibilidade.

Com efeito, dispõe este artigo 49º, nº 1, do C. P. Penal: “quando o


procedimento criminal depender de queixa, do ofendido ou de outras pessoas,
é necessário que essas pessoas dêem conhecimento do facto ao Ministério
Público, para que este promova o processo”.

Assim, o princípio da oficialidade do processo penal está limitado pelas


restrições constantes deste artigo (49º, nº 1, do C. P. Penal), e, bem assim, do
normativo do artigo 50º do mesmo C. P. Penal, para o caso dos chamados
“crimes particulares”.

A punição efectiva de um facto que consubstancie crime semi-público ou


particular depende não apenas da verificação dos pressupostos de natureza
substantiva, mas também da verificação das condições de natureza processual
vertidas nos referidos artigos 49º e 50º do C. P. Penal, para que o processo
penal possa iniciar-se e prosseguir.

Ora, resulta dos factos atrás alinhados que os presentes autos tiveram a sua
génese no auto de efectuada à GNR em 27-7-2013 pela ora recorrida contra o
ora recorrente, por nesse dia, nas circunstâncias de lugar mencionadas no
respectivo auto de denúncia, a denunciante alegadamente ter sido agredida a
murro e insultada pelo denunciado, tendo logo aí a denunciante declarou
desejar procedimento criminal contra o denunciado.

Comunicada a denúncia ao Ministério Público foi lavrado despacho em que se


considerou que se indiciava a prática de um crime de violência doméstica, pp.
pelo art.152º, nº2, do C. Penal, de natureza pública, determinando-se o
prosseguimento dos autos com a investigação pela prática desse crime.

No decurso do inquérito, em 2-8-2013, ou seja seis dias depois dos factos


noticiados, a denunciante foi ouvida sobre esses factos explicitando que nas
circunstâncias de tempo e lugar mencionadas no auto de denúncia, o
denunciado se lhe dirigiu proferindo a seguinte expressão “puta, grande puta,
queres é estragar-me a vida, vou-te aos cornos” e que também por ele “foi
agredida com murros na cabeça e face” reiterando que desejava procedimento
criminal contra o denunciado.

Estas duas declarações que se completam corporizam uma verdadeira e


autêntica queixa, pois, para além da mera descrição de factos susceptíveis de
integrar a prática de crimes delas emerge também a manifestação, expressa e
inequívoca, da vontade da ofendida de proceder criminalmente contra o
arguido.

Resulta, pois, do exposto com toda a clarividência e de forma insofismável


que a ofendida muito antes de decorrido o prazo de seis meses sobre aquele
acontecimento manifestou de forma inequívoca a vontade de desejar
procedimento criminal contra o denunciado por aqueles factos, donde se
conclui que exerceu tempestiva e validamente o direito de queixa (arts.113º,
nº1 e 115º, nº1, do C. Penal), por tais factos.

Como atrás deixámos consignado a ofendida após notificação do Mº Pº e no


prazo que lhe foi assinalado veio posteriormente a constituir-se assistente e
nessa qualidade deduziu acusação particular contra o arguido, aqui recorrente,
pela prática de um crime de injúria, pp. pelo art.181º, nº1 do C. Penal, no que
foi acompanhada pelo Ministério Público, tendo este formulado contra ele
acusação pública pelo cometimento do crime de ofensa à integridade física,
pp. pelo art143º, nº1 também do C. Penal.

Como é sobejamente sabido, o princípio da oficialidade da promoção do


processo penal, segundo o qual a iniciativa de investigar uma notícia do crime
e a decisão de submeter o facto criminoso a julgamento pertence ao Ministério
Público, nos termos dos arts. 48º e 262°, nº 2 do Código de Processo Penal,
sofre restrições, designadamente as que decorrem do disposto nos arts.49º e
50º do CPP, que regulam a legitimidade para promover o processo penal
quando estão em causa crimes de natureza semi-pública e de natureza
particular. No primeiro caso, a iniciativa de investigar uma notícia do crime é
condicionada pela vontade do titular do direito de queixa, estatuindo o art.
49°, nº 1 do CPP, que quando o procedimento criminal depender de queixa, do
ofendido ou de outras pessoas, é necessário que essas pessoas dêem
conhecimento do facto ao Ministério Público, para que este promova o
processo. No segundo caso, a iniciativa de investigar uma notícia do crime e a
decisão de submeter o facto criminoso a julgamento cabem ao titular do
direito de queixa, dispondo o art. 50°, nº 1 do CPP que quando o
procedimento criminal depender de acusação particular, do ofendido ou de
outras pessoas, é necessário que essas pessoas se queixem, se constituam
assistentes e deduzam acusação particular.

Assim, atento o que atrás dissemos, relativamente aqueles factos dúvidas não
há quanto à legitimidade quer do assistente, quer do Mº Pº para o exercício da
acção penal pela prática daqueles factos - os descritos no auto de denúncia de
fls. 3 a 7 e no auto de declarações da ofendida de fls.16 a 18.
Sucede, porém, que no tocante ao crime de injúria, do substrato fáctico
constante da queixa não constava a expressão “vaca”, tida primeiramente na
acusação particular e depois na sentença proferida na 1ª Instância como
ofensiva da honra e consideração da assistente e integradora desse crime.

Não oferece duvidas de que só pode ser objecto de acusação particular o facto
juridicamente relevante expresso previamente na queixa (cfr. acórdão da
Relação do Porto, de 22-05-2013, proc. 16102/10.2TDPRT.P1, disponível
em www.dgsi.pt).

Assim, se é certo que no que concerne a essa expressão, não foi apresentada
queixa e, por conseguinte, falece legitimidade à assistente para com base nela
formular acusação particular pelo crime de injúria, ainda assim, a falta desse
pressuposto processual, no caso vertente, ao contrário do que proclama o
recorrente, não implica a sua absolvição pela prática desse crime, uma vez que
no que concerne à outra expressão “puta” que o arguido dirigiu à assistente e
tida na sentença recorrida por objectivamente injuriosa e integradora desse
crime (sendo que não vem sequer questionado no âmbito do recurso essa sua
aptidão), não falta esse pressuposto processual, pois consta da queixa
apresentada e foi posteriormente também incluída na acusação particular
deduzida pela assistente.

É também inquestionável que quer do auto de denúncia de fls. 3 a 7, quer do


auto de declarações da ofendida de fls.16 a 18, não consta declaração de que
desejava constituir-se assistente, sendo certo que, nos termos do disposto no
art.246º, nº4, do CPP essa declaração é obrigatória tratando-se de crime cujo
procedimento depende de acusação particular.

Todavia, não podemos ignorar que no momento em que uma e outra foram
efectuadas, os factos denunciados e que estavam em investigação foram
enquadrados, tanto pelo órgão de polícia criminal como pelo Ministério
Público como crime de violência doméstica previsto no art.152º, nº1 do C.
Penal, crime este que é de natureza pública e, certamente por isso, em tais
momentos, a denunciante também não foi advertida, tal como prescreve o
citado nº4 do art.246º, do CPP, da obrigatoriedade de se constituir assistente e
dos procedimentos a observar.

Só muito posteriormente na fase que precedeu o encerramento do inquérito


por ser entendido que os factos denunciados não seriam susceptíveis de
integrar o crime de violência doméstica e que isoladamente considerados eram
passíveis de integrar os crimes de ofensa à integridade física e de injúria é que
a ofendida foi notificada para, querendo se constituir assistente e deduzir
acusação particular por este crime, o que ela veio a fazer.

Nestas situações, e vigorando entre nós o princípio da legalidade ou tipicidade


das nulidades, como emerge do art.118º, nº1, do CPP «a violação ou
inobservância das disposições da lei do processo penal só determina a
nulidade do acto quando esta for expressamente cominada na lei», sendo que,
conforme estabelece o nº2 do mesmo artigo, «nos casos em que a lei não
cominar a nulidade, o acto ilegal é irregular», ao contrário do que preconiza o
recorrente, entendemos que aquela omissão no momento da denúncia verbal
ainda por cima sem que tivesse sido feito aquela advertência, atento o disposto
no nº2 do art.118º, do CPP, quando muito apenas pode configurar uma mera
irregularidade processual, que por não ter sido invocada tempestivamente, de
acordo com o estatuído nº1 do art.123º, do mesmo código se encontra há
muito sanada, sendo que não afecta a validade de qualquer acto praticado.

Finalmente há ainda que dizer que também não se descortina qualquer causa
que pudesse determinar a nulidade da acusação particular deduzida, como
pretexta o recorrente.

Efectivamente, nos termos do no nº3 do art. 285º, do CPP, à acusação


particular é aplicável o disposto nos nºs 3 e 7 do art.283º

Assim, a acusação só é nula (nulidade sanável) se não contiver algum dos


requisitos enunciados nas alíneas do nº3 do art.283º, do CPP.

No caso de que aqui nos ocupamos, salvo o devido respeito, a acusação


particular apresentada pela assistente foi deduzida com observância daqueles
requisitos, pelo que não pode ser fulminada com nulidade.

Avançando.

Da alegada excessividade e desproporcionalidade da pena de multa aplicada


ao arguido pela prática do crime de ofensa à integridade física e
consequentemente se deve ser reduzida, designadamente nos termos
preconizados pelo recorrente.
Alegando que a materialidade descrita nos nºs 3, 17, 18 e 19 dos factos dados
como provados consubstancia uma ofensa imerecida e uma provocação
injusta, que nos termos do art.72º, nºs 1 e nº2, al.b), do C. Penal constitui
atenuante especial, entende o recorrente que a pena de multa aplicada (80
dias) pelo crime de ofensa à integridade física, pp. pelo art.143º, nº1 do
mesmo código é excessiva e desproporcionada, pugnando no sentido de que
não deve ser superior a 30 dias.

Por outro lado, o recorrente face à sua situação familiar e financeira e aos seus
encargos, também reputa ser exagerada a taxa diária fixada (€ 9,00)
entendendo que deve ser fixada em € 5,00.

Enquanto a assistente e o Ministério Público na 1ª Instância pugnam pela


manutenção da pena quer no que concerne ao número de dias quer quanto à
taxa diária fixada na sentença recorrida, nesta Relação o Exmº Senhor
Procurador Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de ser reduzida a taxa
diária para próximo do valor mínimo legal.

Vejamos.
Em vista da moldura legal abstracta, prevista para os tipos legais de crimes
aqui em causa, importa considerar, antes de mais, o critério geral orientador da
selecção da pena concreta, estabelecido no art.70º, do mesmo Código, que no
caso em apreciação foi devidamente observado, sendo que nem sequer é posta
em crise a opção feita pelo julgador pela pena de multa.

Nos termos daquele preceito e na alternativa, como é o caso, de ao crime ser


aplicável pena privativa ou não privativa da liberdade, o tribunal
efectivamente deve dar preferência à segunda sempre que esta realize de
forma adequada e suficiente as finalidades da punição, isto é, «a protecção de
bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade» (art. 40º, nº1, do C.P).

Feita a opção pela pena de cariz pecuniário, na determinação concreta da pena


de multa, num primeiro momento há que determinar o número de dias da
multa, que de acordo com o estatuído no art.47º, nº1 do C. Penal, é feito em
função dos critérios estabelecidos no art.71º nº1, do mesmo Código, isto é, em
função da culpa do agente e das exigências de prevenção.

Num segundo momento há que fixar a taxa diária da multa entre € 5,00 e €
500,00 – art.47º, nº2 do C. Penal - em função da situação económica e
financeira do condenado e dos seus encargos pessoais.

Antes, porém, há ainda a dizer, que estando definitivamente fixada a matéria


de facto apurada na 1ª Instância, nos termos supramencionados, em
circunstância alguma este Tribunal poderá tomar em consideração factos ou
circunstâncias que nela não se contenham.

Por outro lado, importa esclarecer que na determinação da pena fixada na


sentença recorrida, o julgador, além do mais, atendeu à circunstância da
conduta do arguido ter sido determinada pela provocação injusta da própria
vítima e, bem assim, a ter demonstrado arrependimento.

Prosseguindo.
No dizer da Prof. Fernanda Palma, “As Alterações Reformadoras da Parte
Geral do Código Penal na Revisão de 1995: Desmantelamento, Reforço e
Paralisia da Sociedade Punitiva”, in Jornadas sobre a revisão do Código Penal
(1998), AAFDL, pp.25-51 e in “Casos e Materiais de Direito Penal” (2000),
Almedina (32/33) «A protecção de bens jurídicos implica a utilização da pena
para dissuadir a prática de crimes pelos cidadãos (prevenção geral negativa),
incentivar a convicção de que as normas penais são válidas e eficazes e
aprofundar a consciência dos valores jurídicos por parte dos cidadãos
(prevenção geral positiva). A protecção de bens jurídicos significa ainda a
prevenção especial como dissuasão do próprio delinquente potencial. Por
outro lado, a reintegração do agente significa a prevenção especial na escolha
da pena ou na execução da pena. E, finalmente, a retribuição não é exigida
necessariamente pela protecção de bens jurídicos. A pena como censura da
vontade ou da decisão contrária ao direito pode ser desnecessária, segundo
critérios preventivos especiais, ou ineficaz para a realização da prevenção
geral.

Como é sabido e tem sido repetidamente afirmado pela jurisprudência, a pena


de multa deve traduzir-se num processo que vise o tratamento justo do caso
concreto, adequado à vontade e intenções da lei, garantindo-se a validade e
vigência da norma violada perante a comunidade.

Assim, ao aplicar-se uma pena de multa e para que se mantenha a validade e


vigência da norma violada, é necessário que do cumprimento desta pena
resulte um efectivo sacrifício para o condenado.
Não pode acontecer que a pena de multa deixe de ser uma alternativa à prisão
para passar a ser uma alternativa à absolvição, ou seja, passar a configurar
uma forma disfarçada de absolvição (vide F. Dias – Das Consequências
Jurídicas do Crime, pag.156).

No nosso ordenamento jurídico a pena de multa está legalmente conformada


de forma a que permita a plena realização, em cada caso concreto, das
finalidades das penas, em particular da de prevenção geral positiva limitada
pela culpa (cfr. F. Dias, Ob. Cit. Pag.119).

Pelo que é correcta a afirmação de que a multa tem de representar


simultaneamente, uma censura do facto e uma garantia para a comunidade da
validade e vigência da norma penal violada.

Aliás, desde há bastante tempo que os nossos tribunais vêm entendendo que
«é indispensável que a aplicação concreta da pena de multa não represente
uma forma disfarçada de absolvição ou o ersatz (leia-se equivalente) de uma
dispensa ou isenção de pena que se não teve coragem de proferir (Ac. Rel.
Coimbra, de 5/6/1997, BMJ 468, pag. 489).

Ou como bem refere JeshecK, in “Tratado de Derecho Penal”, vol. I., pag.
1077, a multa deve, pois, traduzir-se num encargo sensível não podendo
converter-se num negócio cómodo para o condenado.

Importa assim, em sequência e no caso, saber se as circunstâncias fácticas


apuradas na 1ª Instância justificam, em face da atenuação especial referida e
do disposto no art. 71º, do C. Penal, a redução da pena de multa aplicada.

Nos termos do disposto no art. 47º,nº1 e 2, do C. Penal, a pena de multa é


fixada em dias, de acordo com os critérios estabelecidos no nº1 do art. 71º,
sendo o limite mínimo de 10 dias. E, de acordo com o disposto no nº1 do
art.71º, do C. Penal, “ a determinação da medida da pena, dentro dos limites
fixados na lei, far-se-á em função da culpa do agente, tendo ainda em conta as
exigências de prevenção.”

Culpa e prevenção são assim os dois termos do binómio com auxílio do qual
há-de ser construído o modelo da medida da pena (ou determinação concreta
da pena) – F. Dias, Ob. Cit., pag.274.

As finalidades da aplicação de uma pena residem primordialmente na tutela


dos bens jurídicos e, na medida do possível, na reinserção do agente na
comunidade. Se é certo que a pena não pode ultrapassar, em caso algum, a
medida da culpa (art.40º nº2, do C. Penal), “ a medida da pena há-de
primordialmente ser dada pela medida da necessidade da tutela dos bens
jurídicos face ao caso concreto. Aqui a protecção dos bens jurídicos assume
um significado prospectivo, que se traduz na tutela das expectativas da
comunidade na manutenção ou mesmo reforço da vigência da norma
infringida. Até ao máximo conseguido pela culpa, é a medida exigida pela
tutela dos bens jurídicos que deve determinar a medida da pena –F. Dias, Ob.
Cit.pag. 227.
Estão aqui em causa exigências de prevenção geral positiva ou de integração,
isto é, de reforço da consciência jurídica comunitária e do seu sentimento de
segurança face à violação da norma ocorrida. Estas exigências não permitem
que a pena baixe do quantum indispensável para que se não ponha
irremediavelmente em causa a crença da comunidade na validade da norma
violada e, por essa via, o sentimento de confiança e segurança dos cidadãos
nas instituições jurídico-penais. Ob.cit.pag.242 e ss.

No caso vertente, salvo o devido respeito, afigura-se-nos que o Tribunal “ a


quo” procedeu criteriosamente à avaliação das circunstâncias apuradas, para
este efeito relevantes, tendo sido observados os critérios legais na
determinação da medida da pena, no que concerne ao número de dias e estas
mostram-se ajustadas à culpa do agente e às exigências de prevenção.

Sopesando em todas estas circunstâncias e considerando os limites da


respectiva moldura abstracta da pena de multa após a redução operada pela
atenuação especial, salvo o merecido respeito, afigura-se-nos não ser
excessiva nem desproporcionada a pena de multa (número de dias) fixada na
sentença recorrida, pelo que devem ser mantida e não reduzida,
designadamente como preconiza a recorrente, pena essa que nessa vertente
também se nos afiguram ajustada à culpa do arguido e às exigências de
prevenção.

Relativamente à determinação concreta da taxa diária entre os mencionados


valores, desde já se antecipa que julgamos desproporcionada, desadequada e
excessiva a fixada na sentença sob censura, tendo em conta os limites
aplicáveis, variáveis entre € 5,00 e € 500,00 e as demais circunstâncias para o
efeito a ponderar.

Na verdade, é em função da situação económica e financeira do condenado e


dos seus encargos pessoais que deve ser fixada em concreto a taxa diária.

Porém, a lei não fornece qualquer critério de determinação da capacidade


económica para os fins pretendidos.

Segundo informa o Prof. Figueiredo Dias, in Direito Penal Português – As


Consequências Jurídicas do Crime, pag.138, na legislação alemã, o § 40 II do
C.P respectivo manda que se parta “em regra do rendimento bruto do agente,
que em média, tem ou poderá ter diariamente”, critério este que poderá ser
demasiado rigoroso, e sê-lo “corre o risco de vir a revelar-se dessocializador”.

Daí que surgisse em contraposição um outro critério “chamado da «retirada»


ou de «diminuição» (Einbusseprinzip), segundo o qual o juiz deveria calcular
a quantia, que, em cada dia, o agente pode economizar ou que lhe pode ser
retirada sem dano para os gastos indispensáveis”.

E acrescenta o ilustre professor” deve concordar-se com Schultz quando


afirma que os dois critérios são praticamente equivalentes, devendo preferir-se
o do rendimento bruto só porque oferece um ponto de partida mais preciso”.

E mais adiante no § 148, diz:” é seguro que deverá atender-se (numa base, em
todo o caso, jurídico-penal, que não jurídico-fiscal) à totalidade dos
rendimentos próprios do condenado, qualquer que seja a sua fonte (do
trabalho, por conta própria ou alheia, como do capital, de pensões, como de
seguros), com excepção de abonos, subsídios eventuais, ajudas de custo e
similares. Como é seguro, por outro lado, que àqueles rendimentos hão-de ser
deduzidos os gastos com impostos, prémios de seguro – obrigatórios e
voluntários – e encargos análogos.

Ainda a este propósito, merece acolhimento, a jurisprudência que emerge do


acórdão do STJ de 2/10/1997 in Col. Jur. Acs. do STJ, Ano V, tomo 3,
pag.183, no sentido de que o montante diário da multa deve ser fixado em
termos de constituir um sacrifício real para o condenado sem no entanto,
deixar de lhe serem asseguradas as disponibilidades indispensáveis ao suporte
das suas necessidades e do respectivo agregado familiar.

Retomando o caso de aqui nos ocupamos e tomando em consideração a


situação económica e financeira do arguido e os seus encargos pessoais,
retratada na sentença recorrida, donde emerge a este respeito que no exercício
da sua actividade profissional aufere mensalmente € 800,00, vivendo
em economia com a sua mulher que é professor e aufere e 505,00 estando a
cargo do casal dois filhos de menoridade, estando a liquidar o empréstimo
contraído para habitação, cuja prestação mensal ascende a € 650,00, em face
da referida situação económica e deste encargo, sendo ainda de considerar que
para além dele, pois como é notório, haverá inevitavelmente outras despesas
com a satisfação das suas próprias necessidades básicas e dos outros
elementos do agregado familiar, entendemos ser excessiva e desproporcionada
a taxa diária de € 9,00 fixada na sentença recorrida, que deve ser reduzida para
€ 6,00, que temos por mais justa e adequada e que não deixará de representar
para o arguido um sacrifício, sem, contudo, se repercutir de forma intolerável
na satisfação das suas próprias necessidades mais elementares e dos outros
elemento do seu agregado familiar.

A taxa diária que ora se fixa em 6,00 euros é a aplicável também à pena de
multa aplicada pelo crime de injúria e necessariamente à pena única resultante
do cúmulo jurídico dessa pena e da imposta pelo crime de ofensa á integridade
física.

Por todo o exposto, e sem mais desenvolvidas considerações por supérfluas,


concedemos nos termos atrás explanados, provimento parcial a ambos os
recursos.

DECISÃO.

Nestes termos e com tais fundamentos concede-se provimento parcial a ambos


os recursos e consequentemente decide-se:

1. Revogar a condenação em custas decretada no despacho recorrido;

1.1. Mantendo-se quanto ao mais esse despacho.

2. Alterar a sentença recorrida reduzindo para seis euros (€ 6,00) a taxa diária
das penas parcelares e unitária de multa fixadas nessa sentença;
2.2. No mais mantém-se a sentença recorrida.

3. A assistente por ter decaído parcialmente na oposição que fez ao recurso,


pagará 3 Uc’ de taxa de justiça (art.515º, nº1,al.b) do CPP e art. 8º nº9 e tabela
III anexa, do Código das Custas Processuais].

Évora, 10 de Maio de 2016.

(Elaborado e integralmente revisto pelo relator).

GILBERTO CUNHA

JOÃO MARTINHO DE SOUSA CARDOSO

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