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REPÚBLICA DE ANGOLA

TRIBUNAL SUPREMO

Matéria disciplinar – Processo disciplinar nulo. Medida de despedimento


excessiva.

Data do acórdão:

Relator: Teresa Buta

Adjuntos

1. O comportamento culposo do trabalhador apenas constituirá justa causa de


despedimento quando determine a impossibilidade prática de subsistência da
relação de trabalho.

2. A sanção disciplinar deve ser proporcional à gravidade da infracção e à


culpabilidade do infractor.

3. Por outro lado resulta da lei a necessidade da medida disciplinar ser proporcional
à infracção, tendo em atenção, a gravidade e consequência, o grau de culpa do
trabalhador, os seus antecedentes disciplinares e todas as circunstâncias que
agravam e atenuam, art.º 53.º da LGT.

4. A justa causa de despedimento assume, um carácter de infracção disciplinar, de


incumprimento contratual particularmente grave, de tal modo que determina a
perturbação relacional insuperável, isto é, insuscetível de ser sanada com
recurso a medida disciplinar não extintiva, o que implica a constatação dos
seguintes requisitos:

5. Um comportamento ilícito, grave, em si mesmo ou pelas suas consequências, e


culposo do trabalhador (é elemento subjectivo da justa causa); A impossibilidade
prática e imediata de subsistência do vínculo laboral (é o elemento objectivo da
justa causa); A verificação de um nexo de casualidade entre os dois elementos
anteriormente referidos, no sentido da impossibilidade de subsistência do
contrato ter de decorrer, efectivamente, do comportamento do trabalhador.

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ACÓRDÃO1
Rec. nº 1314/08

NA CÂMARA DO CÍVEL, ADMINISTRATIVO FISCAL E ADUANEIRO OS JUÍZES DO


TRIBUNAL SUPREMO, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, EM NOME DO POVO:

Na Sala do Trabalho do Tribunal Provincial de Luanda, LUÍS DOS SANTOS MIGUEL,


residente em Luanda, Rua Cónego Manuel das Neves, nº 274, Bairro Operário, Município
do Sambizanga, veio intentar Recurso em Matéria Disciplinar, contra BANCO DE
COMÉRCIO E INDUSTRIA, BCI SARL, com sede em Luanda, Largo do Atlético nº 79/83,
pedindo que seja decretada a nulidade do despedimento e desencadeadas as respectivas
consequências jurídicas.

Para fundamentar a sua pretensão invocou que:

1. É funcionário do BCI há mais de seis anos, iniciou a sua carreira na categoria de


Gestor de contas, passou à categoria de sub-gerente na Agência sede até atingir
o grau de Gerente da agência BCI no Bairro Morro Bento;

2. Autorizado pelo C.A.D, deslocou-se à Alemanha por um período de quinze dias,


integrando a delegação do BCI.

Instaurado o processo disciplinar, na acusação foram-lhe imputados os factos seguintes:

Ausência contestada pelos seus superiores hierárquicos durante a viagem em


missão de serviço por 15 dias na Alemanha;

Não conferência do balcão conforme mandam as normas e regulamentos;

A falta de acompanhamento e controlo das actividades dos seus subordinados.

O processo disciplinar culminou com a sanção disciplinar de despedimento por justa causa
com fundamento na prática dos factos que se seguem:

Desobediência grave ou repetida às ordens e instruções legítimas dos superiores


hierárquicos e responsáveis pela organização da instituição;

Desinteresse repetido pelo cumprimento das obrigações inerentes ao cargo ou


funções que lhe foram atribuídas;

Furto, roubo, abuso de confiança, burla, e outras fraudes praticadas na empresa


durante a realização do trabalho;

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Teresa Buta

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A decisão do processo disciplinar fundou-se em factos diversos dos constantes da


nota de culpa, violando o preceituado na LGT. Não foi respeitado o princípio do
contraditório, e frustraram-se as garantias plasmadas na lei, o que em boa justiça,
tornou ilegal o processo disciplinar;

A nota de culpa entregue ao autor, não mencionava como medida disciplinar a


aplicar a intenção do despedimento, daí que não lhe foi proporcionada a melhor
defesa sobre a medida disciplinar aplicada.

Juntou documentos de fls. 7-19.

Citado regularmente, o réu contestou nos seguintes termos:

O recurso interposto pelo recorrente, como adiante se demonstrará, não tem


qualquer fundamento e representa, uma tentativa desesperada de ver anulada uma
medida disciplinar justa e adequada;

É verdade que o recorrente era à data do despedimento, trabalhador do recorrido e


exercia a função de Gerente do balcão do Bairro Morro Bento;

De acordo com as normas e regulamentos em vigor na instituição, o gerente é o


principal responsável pelo funcionamento e organização do balcão, uma das suas
principais atribuições e obrigações é a de diariamente efectuar o controlo e a
conferência da casa forte;

O recorrente não conferia a casa forte com a regularidade e periodicidade exigida no


regulamento da instituição;

A atitude displicente, irresponsável e negligente do recorrente, facilitou e ajudou os


seus subordinados a subtrair regular e fraudulentamente da casa forte, valores, cujo
montante global se cifrou em KZ 4.804.340,70 (quatro milhões, oitocentos e quatro
mil e trezentos e quarenta kwanzas, e setenta cêntimos), e USD 32.631,00 (trinta e
dois mil, seiscentos e trinta e um dólares americanos);

A convocatória está datada de 27 de Novembro de 2006 e a entrevista foi realizada


no dia 4 de Dezembro de 2006, no decurso dos prazos da lei do processo disciplinar;

A Directora dos Recursos Humanos tem legitimidade para exercer o poder


disciplinar, ao abrigo da delegação de poderes expressamente conferida pela
administração na deliberação de 4 de Julho de 2000;

O recorrente agiu com imprudência e negligência, provocando prejuízo grave à


empresa, daí que, o seu comportamento constitui justa causa para o despedimento.

Terminou o seu articulado, requerendo a improcedência da acção.

Juntou documentos de fls. 27-33.

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Foi realizada audiência de discussão e julgamento. Fls. 87

Proferida a sentença de mérito, esta confirmou a medida disciplinar aplicada ao recorrente


(fls. 101 a 103).

Notificado da sentença, inconformado, dela veio o recorrente interpor o recurso de


apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo (fls. 112).

No requerimento de interposição do recurso, veio o recorrente oferecer as suas alegações,


de onde extraímos as seguintes conclusões:

1. A convocatória violou o disposto na Lei.

2. O processo disciplinar foi instaurado por quem não tinha competência.

3. Do processo disciplinar ficou provado quem são os autores materiais do


desfalque e em que momento o mesmo se verificou.

4. A medida de despedimento foi excessiva e desproporcional.

Cumpridas as formalidades legais, foram os autos remetidos para esta instância.

Após distribuição, foram os autos conclusos, a que se seguiu despacho preliminar positivo.

Remetidos os autos para o M. Público, este expendeu o seu visto no sentido da sentença
recorrida ser confirmada (fls. 109).

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

Sendo o objecto do recurso delimitado pelas razões de conhecimento oficioso, bem como
pelas conclusões das alegações (nº 2 dos arts. 660º, 664º, nº 3 do art. 684º e nº 1 do art.
690º todos do C.P.C), em face do conflito desencadeado na vigência da relação jurídico-
laboral podemos delimitar como questões a decidir saber se:

1. A convocatória violou o disposto na Lei.

2. O processo disciplinar foi instaurado por quem não tinha competência.

3. Do processo disciplinar ficou provado quem são os autores materiais do


desfalque e em que momento o mesmo se verificou.

4. A medida de despedimento foi excessiva e desproporcional.

A sentença recorrida julgou como provados os seguintes factos:

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O apelante é funcionário do BCI há mais de seis anos tendo iniciado a sua carreira
na categoria de Gestor de contas, passou a Sub-Gerente na Agência sede, até
atingir o grau de Gerente da agência BCI no Bairro Morro Bento.

No dia 7 de Dezembro de 2006, o apelante foi despedido como resultado de um


processo disciplinar instaurado contra si.

O apelante cuidava apenas da parte administrativa e confiou a parte financeira ao


claviculário.

O desfalque foi detectado pela comissão de auditoria interna do BCI e está fixado no
valor em KZ 4.804.340,70 (quatro milhões, oitocentos e quatro mil e trezentos e
quarenta kwanzas, e setenta cêntimos), em USD 32.631,00 (trinta e dois mil,
seiscentos e trinta e um dólares americanos).

Os funcionários, Francisco Saldanha, Berta Rodrigues e Rui Jacinto, confessaram a


autoria do desfalque e afirmaram que o mesmo ocorreu enquanto durou a ausência
do apelante no exterior do País.

Durante ausência do apelante a Direcção do apelado transferiu temporariamente o


claviculário do balcão da agência do Morro Bento para o balcão da agência do
Interpark;

Da factualidade alegada pelas partes, dos documentos juntos aos autos, das
entrevistas realizadas bem como da análise feita ao processo disciplinar, somos a
constatar que o julgamento da matéria de facto, omitiu factos pertinentes para o
julgamento do presente recurso;

Nos termos do estabelecido no nº 1 alínea a) do art.34º da Lei 13/11 de 18 de Março,


somos a acrescentar à matéria de facto já julgada outros factos arrolados e provados
no processo disciplinar.

Do procedimento disciplinar resulta provado que:

1. O apelante inicialmente controlava a casa forte, porém decorrido algum tempo,


gradualmente, passou o testemunho ao seu colega Rui Miguel Bernardo Jacinto
o claviculário. Doc de fls. 9 do proc disc.

2. No momento da transferência do claviculário, para o Balcão do Interpark, em


Fevereiro, feita a conferência da casa forte não foi detectada nenhuma
irregularidade. Doc fls. 11,33, 56 do proc disc.

3. No seu regresso, efectuada a conferência constatou existir a diferença de


36.000.00 USD (Trinta e seis mil Dólares Americanos). Doc fls. 11, 33, 56 do
proc disc.

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4. O trabalhador Rui Miguel Bernardo Jacinto, o “claviculário”, perante os auditores


alegou ter tido conhecimento da diferença dos valores na casa forte logo após o
seu regresso, vindo da Balcão do InterPark, no mês de Junho, e ao interpelar
Francisco Saldanha, o funcionário que o substituíra durante a sua ausência, este
comprometeu-se a repor os valores em falta. Doc fls. 11, 33, 56 do proc disc.

5. Francisco Saldanha, perante os auditores disse que: “subtraiu os valores quando


ficou sozinho em frente do balcão como claviculário, em Junho de 2006, isto é,
durante ausência do gerente”. Doc fls.12, 56 do proc disc.

6. Durante a ausência do Gerente Luís Miguel, e do claviculário Rui Jacinto, passou


a acumular as funções de caixa e de claviculário do Balcão. Doc fls.12, 56 do
proc disc.

7. Pediu segredo ao claviculário, isto é, que não informasse o Gerente e tão pouco
o Isaías, sobre a diferença detectada e prometeu repor o dinheiro em falta. fls.12,
56 do proc disc.

8. Rui Miguel Bernardo Jacinto, o “claviculário”, confirma e reconhece a sua falha


por ter guardado segredo ao encobrir o seu colega. Doc fls.11,56 do proc disc.

9. Francisco Saldanha sempre confessou a autoria do furto, dos valores em falta e


responsabilizou-se em repô-los. Doc fls. 12, 56 do proc disc.

10. Das conferências feitas aos caixas e à casa-forte, antes do gerente e o


claviculário se ausentarem do balcão, a conclusão foi no sentido de tudo estar
dentro da normalidade. Fls.11 do Proc. disc.

11. A trabalhadora Berta Marta Rodrigues declarou ter conhecimento da diferença


dos valores em kwanzas e USD, informação esta também por si ocultada ao
Gerente. fls.13 do proc disc.

1- Relativamente à questão de sabermos se a convocatória violou o disposto na Lei dir-se-á


que:

Do processo está provado que:

A convocatória está datada de 27 de Novembro de 2006 e a entrevista foi


realizada no dia 4 de Dezembro de 2006, isto é, no decurso dos prazos da lei
do processo disciplinar.

A convocatória indicou de forma precisa a acusação, e informou o apelante


da possibilidade deste estar acompanhado por alguém idóneo.

Estabelece o art. 50º da LGT, a necessidade de ser instaurado o processo


disciplinar sempre que a medida disciplinar a aplicar seja diferente da de
admoestação.

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O artigo acabado de citar também indica qual deve ser o conteúdo da nota de
culpa.

Da leitura atenta ao documento de Fls. 36, está patente que o apelado obedeceu
escrupulosamente ao prescrito nos artigos, 50º e 51º da LGT. Desta sorte, cai por
terra a afirmação segundo a qual a convocatória violou a lei.

2- Quanto à questão de sabermos se o procedimento disciplinar foi viciado, dada a falta da


competência por parte da pessoa que o instruiu, consideramos que:

Examinados os autos, nomeadamente, pelo documento de fls. 3, sobre a aplicação


da medida disciplinar, verifica-se que, por deliberação de 04 de Julho de 2000, do
Conselho de Administração do BCI, é nomeada a Chefe de recursos humanos a
instrutora do processo disciplinar, nos termos do art. 48º da LGT, a quem foi
conferida ou delegada expressamente a competência para a instrução do processo
disciplinar e de punir;

Em conclusão somos a afirmar que a Chefe dos recursos humanos tinha sido de
facto, conferida, por delegação expressa, a competência de instruir os processos
disciplinares e de punir, isto é, de aplicar a medida disciplinar conforme se vislumbra
a fls. 28 do aludido processo disciplinar;

Assim sendo, somos a concluir que o procedimento disciplinar tem o seu


sustentáculo na Lei e em consequência não deve ser acolhida por nós a questão
levantada pelo apelante.

3 – No que concerne à questão de sabermos se está provado quem são os autores


materiais do desfalque e quando é que se verificou, cogitamos que:

Se por um lado podemos inferir da conclusão do processo disciplinar que ao


apelante foi aplicada a medida disciplinar de despedimento por justa causa, pela
prática dos crimes de desobediência grave ou repetida às ordens e instruções
legítimas dos superiores hierárquicos e responsáveis pela organização da instituição,
desinteresse repetido pelo cumprimento das obrigações inerentes ao cargo ou
funções que lhe foram atribuídas, furto, roubo, abuso de confiança, burla e outras
fraudes praticadas na empresa durante a realização do trabalho;

Por outro lado esta provado do processo disciplinar quem são efectivamente os
autores materiais do desfalque verificado na agência. Senão vejamos:

O trabalhador Rui Miguel Bernardo Jacinto, o “claviculário”, perante os auditores


alegou ter tido conhecimento da diferença dos valores na casa forte logo após o seu
regresso, vindo da Balcão do InterPark, no mês de Junho, e ao interpelar Francisco
Saldanha, o funcionário que o substituíra durante a sua ausência, este
comprometeu-se a repor os valores em falta.

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A trabalhadora Berta Marta Rodrigues declarou que sabia da existência da diferença


dos valores em kwanzas e USD informação esta também por si ocultada ao Gerente.

Em suma ficou provado do processo disciplinar que Francisco Ferreira Saldanha e


Berta Marta Rodrigues são de facto os autores materiais dos desfalques efectuados
na referida agência.

Outrossim, está provado que o apelante deslocou-se à Alemanha em missão de


serviço, integrando uma delegação encabeçada pelo Presidente do Conselho de
Administração do B.C.I, com a obrigatoriedade deste apresentar o relatório da
viagem após o seu regresso.

Durante a sua ausência a Direcção da apelada transferiu temporariamente o


claviculário do balcão da agência do Morro Bento para o balcão da agência do
Interpark.

Durante a ausência do apelante, o claviculário, Rui Jacinto, antes de se ausentar


efectuou a conferência dos caixas e da casa-forte, concluindo que tudo estava
dentro da normalidade, ou seja não havia diferenças.

A trabalhadora Berta Marta Rodrigues declarou que sabia da existência da diferença


em kwanzas e USD mas que o Gerente e o Claviculário desconheciam os factos.

A Direcção da apelada em parte também contribuiu para o desfecho da situação, ao


permitir que o claviculário fosse transferido para o Balcão do Interpark, e
consequentemente o funcionário Saldanha passou a acumular as funções, pelo que
não restam dúvidas em como o desfalque verificou-se durante a ausência do
apelante, porquanto os autores materiais do desfalque confessaram a sua
responsabilidade, durante a instrução do processo disciplinar, várias vezes e em
momentos bem distintos.

Desta sorte procede a terceira a questão.

4 - Quanto à medida disciplinar aplicada ao apelante, a de despedimento por justa causa,


em face da factualidade provada, estamos em crer que para além dos factos imputados
serem distintos dos da convocatória, somos a afirmar que a medida aplicada é excessiva e
desproporcional pelo seguinte:

In concretu, resulta dos autos provados que o apelante é funcionário do BCI há mais
de seis anos, tendo iniciado a carreira na categoria de gestor de contas, passando
pela de sub-gerência na sede, até atingir a categoria de gerente da agência do BCI
do Morro Bento.

Ao longo da sua carreira nunca lhe foi imputado qualquer conduta menos correcta,
sendo certo que, não obstante a sua responsabilidade pela situação que se verificou
ser elevada, na verdade, houve a transferência do claviculário para o Balcão do

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Interpark, e o desfalque verificou-se numa altura em que o mesmo se deslocará à


Alemanha em serviço, e os autores materiais confessaram o furto.

Por outro lado, resulta ainda que o apelante não teve qualquer envolvimento directo
no desfalque, o que abre a possibilidade de uma atenuação na conduta do mesmo.

No caso concreto, não é justo fazer-se tábua rasa ao percurso do ora apelante na
Empresa, daí, ser mais sensato aplicar-se sanção menos gravosa.

A sentença recorrida foi no sentido de confirmar a medida disciplinar aplicada, a de


despedimento por justa causa, posição esta não corroborada por nós.

A decisão de confirmação da medida disciplinar recorrida deveu-se ao facto do processo


disciplinar concluir haver a justa causa para o despedimento, posição esta, em nosso
entender, não encontrar respaldo na lei. Senão vejamos:

Sendo a justa causa um conceito indeterminado, consagrado no art. 225º da LGT, a


lei é particularmente exigente na configuração da justa causa para o despedimento,
o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequência,
torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho;

A justa causa de despedimento assume, um carácter de infracção disciplinar, de


incumprimento contratual particularmente grave, de tal modo que determina a
perturbação relacional insuperável, isto é, insusceptível de ser sanada com recurso a
medida disciplinar não extintiva, o que implica a constatação dos seguintes
requisitos:

 Um comportamento ilícito, grave, em si mesmo ou pelas suas consequências,


e culposo do trabalhador (é elemento subjectivo da justa causa);

 A impossibilidade prática e imediata de subsistência do vínculo laboral (é o


elemento objectivo da justa causa);

 A verificação de um nexo de casualidade entre os dois elementos


anteriormente referidos, no sentido da impossibilidade de subsistência do
contrato ter de decorrer, efectivamente, do comportamento do trabalhador.

Assim, para que haja justa causa é necessário que estejam preenchidos os
requisitos do art. 225º da LGT, e que a medida disciplinar seja aplicada nos termos e
com fundamentos deste artigo, tal como prevê o nº 3 do art. 53º do diploma já citado.

No caso em análise estes requisitos não se verificam, porquanto no nosso entender


o apelante, não praticou as infracções imputadas no momento da aplicação da
medida disciplinar.

Decorre do processo disciplinar instaurado contra o apelante e das entrevistas feitas


tanto ao trabalhador Francisco Ferreira Saldanha, como ao trabalhador Rui Miguel

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Bernardo Jacinto, o claviculário, que quando das conferências aos Caixas e à Caixa
Forte, determinadas pela ausência do apelante, “tudo estava dentro da normalidade”.

Logo o apelante, nos presentes autos, não pode ser punido por uma infracção
disciplinar que não praticou, porquanto não ficou provado qualquer envolvimento seu
no roubo financeiro sofrido pelo apelado BCI, apesar de, como gerente, ter
levianamente abdicado das suas responsabilidades.

Por outro lado resulta da lei a necessidade da medida disciplinar ser proporcional à
infracção, tendo em atenção, a gravidade e consequência, o grau de culpa do
trabalhador, os seus antecedentes disciplinares e todas as circunstâncias que
agravam e atenuam, art. 53º da LGT.

Ora, se tivermos em atenção que os empregados Francisco Ferreira Saldanha


(fls.56) e Rui Miguel Bernardo Jacinto (fls.58), deixaram bem patente durante as
entrevistas que o apelante cumpriu com os procedimentos normalmente exigíveis, e
porque não ficou provado, no processo disciplinar, o seu envolvimento directo ou
indirecto no desfalque, estamos em crer que a medida disciplinar aplicada, deve
necessariamente ter em atenção os seus antecedentes, e não apenas o facto de
este ser o responsável da agência bancária.

Da factualidade alegada e provada em momento algum ficou patente ser impossível


manter a relação jurídico-laboral.

Dado que o apelante ao longo dos anos de serviço não foi alvo de alguma medida
disciplinar, e tendo em atenção os anos de serviço já prestados ao apelado, estamos
em crer que a medida de transferência temporária do centro de trabalho,
despromoção e diminuição de salario é a mais sensata, justa e legal.

No caso sujeito, inexistem os fundamentos de facto e de direito para aplicação da


medida prevista no art. 225º da LGT.

Destarte, estão presentes os pressupostos para aplicação do art 229º da LGT, que
consiste na obrigação de reintegrar o apelante e pagar-lhe os salários não
percebidos a calcular em execução de sentença.

Decisão:

Proposta de decisão

Nestes termos e fundamentos, os desta câmara acordam em:

1. Julgar procedente o recurso e em consequência declarar improcedente a medida


disciplinar de despedimento imediato aplicada, por falta de justa causa disciplinar;

2. Ordenar a reintegração do apelante com baixa de categoria e pagamento dos salários


não percebidos a fixar em execução de sentença. Custas pelo apelado.

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