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RESUMO DE PRINCÍPIOS DO

DIREITO DO TRABALHO
Conceito
O Direito do Trabalho é um ramo jurídico autônomo, detendo princípios
próprios e diferentes dos que inspiram os outros ramos da ciência
jurídica.

Os princípios surgem com a finalidade de iluminar tanto o legislador, ao


elaborar as leis dos correspondentes sistemas, como o intérprete, ao
aplicar as normas ou sanar omissões do respectivo ordenamento legal.

Os princípios do Direito do trabalho são diretrizes que inspiram as


normas que regulam as relações de trabalho

A Reforma Trabalhista introduzida pela Lei n. 13.467/2017, porém, trouxe


profundas e significativas modificações no Direito do Trabalho no Brasil,
a ponto de afetar concretamente alguns dos seus princípios, fragilizando
o seu alicerce científico e relativizando muitos de seus fundamentos.

Função informadora: Serve de fundamento para o ordenamento jurídico.

Função normativa: Atua como fonte supletiva nos casos de ausência de


lei, meio de integração do Direito.

Função interpretativa: Atua como critério orientador de juiz ou do


intérprete

Diferença entre princípio e norma


As principais diferenças são:

 Somente os princípios exercem um papel constitutivo da ordem


jurídica
 As normas são interpretadas segundo o método de interpretação
jurídica, enquanto a interpretação dos princípios se dá não pelo
exame da linguagem, mas, sim, em função dos valores que os
compõem
 Às normas se obedece, aos princípios se adere
 As normas determinam o que devemos ou não fazer, enquanto os
princípios fornecem critérios que permitem tomar-se posição diante
de situações desconhecidas, quando se concretizam
 No caso de conflitos de normas, os critérios de solução são
distintos, considerando-se, por exemplo, grau hierárquico ou
critério temporal, em caso de oposição ou de contradição entre
diversos princípios, quem tem que resolver o conflito deve levar em
conta o peso ou a importância de cada um deles.

Princípios constitucionais gerais


Apesar da Constituição Federal não ter enumerado os princípios do
Direito do Trabalho, é inquestionável a existência no texto constitucional
de princípios explícitos ou induzidos que são aplicáveis no âmbito do
Direito do Trabalho.

O art. 1º da Constituição Federal estabelece os fundamentos da


República Federativa do Brasil, entre os quais se destacam a dignidade
humana (III) e os valores sociais do trabalho (IV). De tal maneira, todos
as normas trabalhistas devem ter como base a dignidade humana além
de visar os valores sociais do trabalho.

No mesmo sentido, a regra insculpida no art. 193 da Carta Magna,


segundo a qual “a ordem social tem como base o primado do trabalho, e
como objetivo o bem-estar e a justiça sociais”.

O art. 170 da Constituição Federal indica como princípios gerais da


atividade econômica a valorização do trabalho humano (caput), a justiça
social (caput), a função social da propriedade (III — esta também
prevista no art. 5º, XXIII, CF) e a busca do pleno emprego (VIII).

Também o princípio da isonomia enunciado pelo art. 5º, caput e I, da


Constituição é inegavelmente aplicável ao Direito do Trabalho.

Da mesma forma, aplicam-se ao Direito do Trabalho a inviolabilidade da


intimidade, da vida privada, da honra e da imagem (art. 5º, X, CF), a
liberdade de trabalho (art. 5º, XIII, CF), a liberdade de associação (art. 5º,
XVII a XX, CF), a não discriminação (art. 5º, XLI e XLII, CF).

Em relação à não discriminação em matéria trabalhista, o art. 7º da


Constituição Federal proíbe a diferença de salários, de exercício de
funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou
estado civil (inciso XXX), proíbe qualquer discriminação no tocante a
salário e critérios de admissão do trabalhador portador de deficiência
(inciso XXXI) e proíbe a distinção entre trabalho manual, técnico e
intelectual ou entre os profissionais respectivos (inciso XXXII).

Princípios Específicos do Direito do Trabalho


Os principais princípios do Direito do Trabalho são:

 princípio protetor, ou de proteção;


 princípio da irrenunciabilidade;
 princípio da continuidade da relação de emprego;
 princípio da primazia da realidade;
 princípio da razoabilidade;
 princípio da boa-fé.

Princípio protetor
Este princípio percorre todas as relações do Direito do Trabalho, tendo
por fundamento a proteção do trabalhador enquanto parte
economicamente mais fraca da relação de trabalho, visando assegurar
uma igualdade jurídica entre os sujeitos da relação.

No entanto, a reforma trabalhista trazida pela Lei n. 13.467/2017, a


sistemática do Direito do Trabalho, fundada na proteção do trabalhador
enquanto parte hipossuficiente da relação laboral, restou modificada, o
que alterou significativamente o princípio em estudo.

A grande mudança foi na ampliação da autonomia individual do


trabalhador, permitindo e considerando válida a negociação direta entre
este e o empregador.

O legislador passa a entender, ainda, que existem trabalhadores que não


podem ser considerados economicamente mais fracos e sobre os quais
não se pode pressupor desigualdade em relação ao empregador.

O parágrafo único do art. 444 da CLT, acrescido pela Lei n. 13.467/2017,


considera como hipersuficientes os trabalhadores portadores de diploma
de nível superior e que percebam salário mensal igual ou superior a duas
vezes o limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência
Social, autorizando a livre estipulação por esses trabalhadores sobre os
direitos em relação aos quais a negociação coletiva foi ampliada (art.
611-A, CLT).

Outra grande mudança foi a prevalência do negociado sobre o legislado,


valorizando a negociação coletiva, considerando-os válida mesmo que
esta contrarie certos preceitos legais.

O princípio protetor surge sob três formas distintas, veja:

 a regra in dubio pro operario;


 a regra da norma mais favorável;
 a regra da condição mais benéfica.
a regra in dubio pro operário: trata-se de uma regra de interpretação de
normas jurídicas, segundo qual, diante várias interpretações possíveis de
uma norma, o juiz ou intérprete deverá optar pela mais favorável ao
trabalhado.

Entretanto, tal regra fora mitigada pela reforma Trabalhista em especial


no que tange à restrição de interpretação imposta à Justiça do Trabalho
em relação ao conteúdo das convenções coletivas e dos acordos
coletivos de trabalho.

A regra da norma mais favorável: havendo mais de uma norma aplicável


ao caso concreto, deve-se optar por aquela que seja mais favorável ao
trabalhador. Porém, a nova redação do art. 620 da CLT, dada pela Lei n.
13.467/2017, fragiliza a regra da norma mais favorável, na medida em
que dispõe que as condições fixadas em acordo coletivo de trabalho
sempre prevalecerão sobre as estipuladas em convenção coletiva de
trabalho.

A regra da condição mais benéfica: a aplicação de uma norma trabalhista


nunca pode significar diminuição de condições mais favoráveis em que
se encontra o trabalhador.

Essa regra também foi impactada pela Reforma Trabalhista introduzida


pela Lei n. 13.467/2017, em razão da ampliação da autonomia individual
e da validação das pactuações decorrentes de acordo direto entre
empregado e empregador, especialmente em relação aos empregados
considerados pelo parágrafo único do art. 444 da CLT como
hipersuficientes (que têm diploma de nível superior e recebem salário
igual ou superior a duas vezes o limite máximo dos benefícios do Regime
Geral de Previdência Social), sendo vistas como válidas as estipulações
por eles negociadas diretamente com o empregador em relação aos
direitos indicados no art. 611-A da CLT.

Princípio da irrenunciabilidade
É o reconhecimento da não validade do ato voluntário praticado pelo
trabalhador no sentido de abrir mão de direito reconhecido em seu favor,
ou seja, o trabalhador não poderá privar-se voluntariamente, de direitos
que lhe são garantidos pela legislação trabalhista. Entretanto, é válido
demonstrar que esse princípio também fora mitigado pela Reforma
Trabalhista.

Com a figura do trabalhador hipersuficiente, os referidos trabalhadores


poderão negociar condições de trabalho menos benéficas, em
comparação aos direitos trabalhistas previstos na legislação.
Princípio da continuidade da relação de emprego
Consiste no objetivo que têm as normas trabalhistas de dar ao contrato
individual de trabalho a maior duração possível e tem por fundamento o
fato de ser o contrato de trabalho um contrato de trato sucessivo, que
não se esgota com a execução de um único e determinado ato , mas ao
contrário, perdura no tempo.

O Tribunal Superior do Trabalho adotou o entendimento de que o ônus


de provar o término do contrato de trabalho, quando negados a
prestação de serviço e o despedimento, é do empregador, pois o
princípio da continuidade da relação de emprego constitui presunção
favorável ao empregado (Súmula 212).

Esse princípio foi relativizado pela Reforma Trabalhista introduzida pela


Lei n. 13.467/2017, como se verifica, por exemplo, com a previsão da
possibilidade de rescisão do contrato de trabalho por comum acordo
entre as partes (art. 484-A, CLT) e a previsão de possibilidade mais
facilitada de o empregador proceder a dispensas coletivas ou plúrimas,
na medida em que o art. 477-A da CLT prevê que nesses casos não há
necessidade de autorização prévia de entidade sindical ou de celebração
de convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho para sua
efetivação.

Princípio da primazia da realidade


O princípio da primazia da realidade, derivado da ideia de proteção, tem
por objetivo fazer com que a realidade verificada na relação entre o
trabalhador e o empregador prevaleça sobre qualquer documento que
disponha em sentido contrário.

Princípio da razoabilidade
Embora a maioria da doutrina não faça referência à razoabilidade como
um dos princípios do Direito do Trabalho, Plá Rodriguez defende sua
importância e utilidade e o estuda como princípio que “consiste na
afirmação essencial de que o ser humano, em suas relações trabalhistas,
procede e deve proceder conforme a razão”,35 ou seja, nas relações de
trabalho as partes e os operadores do Direito devem sempre buscar a
solução mais razoável para os conflitos dela advindos.

Princípio da boa-fé
Este princípio abrange tanto o empregado como o empregador. No
primeiro caso, baseia-se na suposição de que o trabalhador deve cumprir
seu contrato de boa-fé, que tem, entre suas exigências, a de que coloque
todo o seu empenho no cumprimento de suas tarefas. Em relação ao
empregador, supõe que deva cumprir lealmente suas obrigações para
com o trabalhador.

Doutrina
Trata-se de um dos preceitos jurídicos mais eminentes e marcantes da
doutrina da América Latina. Assim preceitua Américo:

O princípio da proteção se refere ao critério


fundamental que oriente o Direito do Trabalho, pois
este, ao invés de inspirar-se num propósito de
igualdade, responde ao objetivo de estabelecer um
amparo preferencial a uma das partes: o trabalhador.
(…) O fundamento deste princípio está ligado à própria
razão de ser do Direito do Trabalho. Historicamente, o
Direito do Trabalho surgiu como consequência de que a
liberdade de contrato entre pessoas com poder e
capacidade econômica desiguais conduzia diferentes
formas de exploração, inclusive mais abusivas e
iníquas.

A importância do instrumento de
regulamentação coletiva de trabalho
Saiba tudo sobre a figura do instrumento de regulamentação coletiva de
trabalho e de que forma pode proteger os trabalhadores.

Como se sabe, é a Lei que regula o trabalho, nomeadamente as


relações entre grupos de trabalhadores e empregadores. Mas existe
uma forma adicional de regular as relações de trabalho constituídas
por contrato laboral: recorrer a um instrumento de regulamentação
coletiva de trabalho que lhes possa ser aplicável.

Trata-se de um acordo celebrado por uma ou mais associações


sindicais de um determinado setor de atividade com a correspondente
associação patronal. A sua principal caraterística é poder prevalecer
sobre a lei vigente.
O QUE É UM INSTRUMENTO DE
REGULAMENTAÇÃO COLETIVA DE TRABALHO?

O instrumento de regulamentação coletiva de trabalho serve para


regulamentar, a par com a lei vigente, as relações de trabalho
formalizadas através de contrato, nomeadamente no que toca a
medidas que visem a efetiva aplicação do princípio da igualdade e
não discriminação.

Tipos de instrumento de regulamentação coletiva de trabalho

O instrumento de regulamentação coletiva de trabalho pode ser de


diferentes tipos. Desde logo, pode ser negocial ou não negocial,
dependendo, respetivamente, de as suas normas serem ou não
originadas por conformidade advinda do decurso da negociação de
um acordo coletivo de trabalho.

Este instrumento pode ser um acordo coletivo de trabalho, um acordo


de adesão ou a decisão de arbitragem voluntária. Por outro lado, o
instrumento de regulamentação coletiva de trabalho não negocial pode
ser o regulamento de extensão, a decisão de arbitragem necessária
ou a portaria de condições de trabalho.

Modalidades de instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho

Os instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho podem ser de


duas categorias distintas:

 Convencionais: nesta categoria incluem-se o acordo coletivo


de trabalho, o acordo de adesão e a decisão de arbitragem
voluntária. Neste caso, estamos a falar de instrumentos de
regulamentação coletiva de trabalho que são fruto de acordo na
negociação de um acordo coletivo de trabalho;
 Não convencionais: neste caso estamos a falar do recurso à
decisão de arbitragem necessária. Ou seja, o instrumento de
regulamentação coletiva de trabalho que não resulta de
concordância durante uma negociação de um acordo coletivo de
trabalho.

Que assuntos podem ser regulamentados pelo instrumento de regulação


coletiva de trabalho?

Podem ser objeto de regulamentação coletiva:


 As matérias reguladas pelo Regime do Contrato de Trabalho em
Funções Públicas, desde que das suas normas não resulte o
contrário e sejam contratadas condições mais favoráveis para os
trabalhadores;
 As matérias reguladas pelos regimes de vinculação, de carreiras
e de remuneração, quando estes expressamente o prevejam; as
matérias reguladas por outras leis, quando estas expressamente
o prevejam (é o caso da Lei n.º 66-B/2007, de 28 de Dezembro,
que prevê que as adaptações ao SIADAP possam constar de
instrumento de regulamentação coletiva de trabalho).

As normas do instrumento de regulamentação coletiva de trabalho não


podem ser afastadas por via de contrato de trabalho, exceto quando
daquelas normas resultar o contrário e este estabeleça condições
mais favoráveis para o trabalhador.

O ARTIGO CONTINUA APÓS O ANÚNCIO

A quem é aplicável o recurso a instrumento de regulação coletiva de trabalho

O recurso a instrumento de regulação coletiva de trabalho pode ser


aplicado a dois tipos de trabalhadores:

 Que exerçam funções nas entidades patronais públicas


abrangidas, e filiados nas associações sindicais outorgantes.
 Que façam carreira ou exerçam funções no empregador público
a que é aplicável o acordo coletivo de trabalho, salvo oposição
expressa do trabalhador não sindicalizado ou de associação
sindical interessada e com legitimidade para celebrar o acordo
coletivo de trabalho, relativamente aos seus filiados.

UM INSTRUMENTO ACIMA DA LEI

A lei pode ser afastada por instrumento de regulamentação coletiva de


trabalho, exceto no caso de portaria de condições de trabalho, quando
um dos seguintes assuntos está em causa:

 Direitos de personalidade, igualdade e não discriminação;


 Proteção na parentalidade;
 Trabalho de menores;
 Trabalhador com capacidade de trabalho reduzida, com
deficiência ou doença crónica;
 Trabalhador-estudante;
 Dever de informação do empregador;
 Limites à duração dos períodos normais de trabalho diário e
semanal;
 Duração mínima dos períodos de repouso, incluindo a duração
mínima do período anual de férias;
 Duração máxima do trabalho dos trabalhadores noturnos;
 Forma de cumprimento e garantias da retribuição;
 Capítulo sobre a prevenção e reparação de acidentes de
trabalho e doenças profissionais e legislação que o regulamenta;
 Transmissão de empresa ou estabelecimento;
 Direito dos representantes eleitos dos trabalhadores.

Tal sucede para que, em assuntos que afetem fundamentalmente a


dignidade e as condições de trabalho, não possa ser feito um acordo
que possa eventualmente prejudicar o trabalhador.

2020 – UM ANO DE EXCEÇÃO PARA A ENTREGA


DO RELATÓRIO ÚNICO

O Relatório Único é o documento que descreve a atividade das


empresas relativamente ao ano anterior, do qual deve constar a
referência aos instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho
que tenham sido aplicados aos trabalhadores.

Devido à situação atual que estamos a vivenciar devido à pandemia


causada pelo novo coronavírus, o fim do prazo de entrega do RU
não ocorreu no dia 15 abril, tendo sido prolongado este prazo até nova
data, a divulgar futuramente.

5 - Conflito entre fontes de regulação

       O requerente levanta a questão da constitucionalidade de todo o artigo 3.º do Código


do Trabalho. Mas, na verdade, de forma imediata é antes de mais a constitucionalidade do
n.º 1 que está em causa.
       O problema levantado radica no facto de o n.º 1 do artigo 3.º da actual versão do
Código do Trabalho permitir o afastamento da lei laboral por instrumento de
regulamentação colectiva de trabalho (IRCT) (convenções colectivas de trabalho e
instrumentos não negociais, como as portarias de extensão e as decisões arbitrais).
       O requerente considera esta possibilidade inconstitucional e invoca os artigos 2.º, 9.º,
alíneas b) e d), 58.º, 59.º e 81.º, alíneas a) e b), para defender que a Constituição garante
«um estatuto laboral mínimo de protecção» que se traduziria no chamado princípio do
tratamento mais favorável do trabalhador.
       Referindo-se expressamente ao problema do valor dos IRCT, Gomes Canotilho e Vital
Moreira defendem a impossibilidade de a lei poder consentir o seu próprio afastamento por
IRCT: «[as convenções colectivas de trabalho] têm obviamente eficácia infralegislativa,
não podendo contrariar a lei imperativa; a lei não pode sequer consentir ela mesma a sua
derrogação por convenção colectiva, por força do artigo 112.º, n.º [5], mas não está
impedida de estabelecer regimes mínimos ou supletivos {Código do Trabalho, artigo [3.º]}»
(Constituição da República Portuguesa Anotada, 4.ª ed., Coimbra, Coimbra Editora, 2007,
p. 748).
       O preceito do n.º 1 do artigo 3.º do Código do Trabalho é idêntico ao n.º 1 do artigo 4.º
da versão de 2003, o qual por sua vez viera pôr em crise o tradicional princípio do
tratamento mais favorável do trabalhador que aparecia enunciado no artigo 13.º da antiga
Lei do Contrato de Trabalho, que dispunha: «As fontes superiores prevalecem sempre
sobre as fontes inferiores, salvo na parte em que estas, sem oposição daquelas,
estabeleçam tratamento mais favorável ao trabalhador.»
       Deve, no entanto, começar por se dizer que o preceito do n.º 1 do artigo 3.º do Código
do Trabalho aparece mitigado.
       Desde logo, o n.º 2 proíbe que a lei seja afastada por portaria de condições de
trabalho [esta disposição surgiu na sequência da pronúncia do Tribunal Constitucional, em
sede de fiscalização preventiva, no Acórdão n.º 306/2003, publicado no Diário da
República, 1.ª série-A, de 18 de Julho de 2003, onde ficou decidido que as portarias de
condições de trabalho violam o artigo 112.º, n.º 6 (actual n.º 7), da Constituição pois «têm
carácter normativo inovatório» e 'não se ligam a nenhum instrumento de regulamentação
colectiva negocial anterior»].
       Além disso, o n.º 3 - aditado em 2009, provavelmente na sequência da discussão que
a questão suscitou (V. Livro Branco da Relações Laborais, pp. 98 e 99) - elenca, em 13
alíneas, uma série de matérias relativamente às quais os instrumentos de regulamentação
colectiva só podem afastar a lei se dispuserem em sentido mais favorável ao trabalhador
(mantendo, pois, a lei a lógica do princípio do tratamento mais favorável em determinadas
matérias que se consideram nucleares).
       Relativamente a estas matérias, a lei assegura um mínimo imperativo (garantido) aos
trabalhadores, estando os IRCT absolutamente impedidos de regulamentar in pejus.
       Como explica Maria do Rosário Ramalho, Direito do Trabalho, parte I, 2.ª ed.,
Coimbra, Almedina, 2009, p. 280, a respeito do princípio do tratamento mais favorável na
actual versão do artigo 3.º do Código do Trabalho que data de 2009: «Assim, no que se
refere a esta matéria, o actual Código do Trabalho ficou a meio caminho entre a legislação
tradicional nesta matéria (que tinha a exigência máxima quanto ao requisito da maior
favorabilidade para o afastamento da lei pelas convenções colectivas de trabalho) e o
Código do Trabalho de 2003, que perfilhava o entendimento oposto. Em suma, trata-se de
uma solução de compromisso, uma vez que se mantém o princípio da supletividade geral
das normas legais perante as convenções colectivas de trabalho, mas se atenua esse
princípio com a exigência da maior favorabilidade em matérias mais significativas do ponto
de vista das garantias dos trabalhadores.»
       Também Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 14.ª ed., Coimbra, Almedina, 2009,
pp. 125 e segs.) sustenta que: «[N]ão está em causa o primado da lei imperativa. Tal como
na LCT, em que se falava de 'oposição' da lei, o CT obsta ao 'afastamento' das normas
legais por fonte inferior, quando daquelas normas 'resultar o contrário', isto é, que não
podem ser afastadas. São duas maneiras de dizer a mesma coisa. [...] No CT, o ponto de
partida da operação interpretativa-qualificativa incidente sobre a norma legal (para se
poder aplicar a fonte inferior de conteúdo diferente) já não é a presunção de que essa
norma admite variação em sentido mais favorável ao trabalhador mas a de que admite
variação em qualquer dos sentidos. Tal presunção só é afastada se da norma legal
resultar inequivocamente que nenhuma variação é legítima ou que só o será num dos
sentidos possíveis, ou seja, usando as palavras da lei, 'se dela resultar o contrário'. Tal é a
'posição de princípio' adoptada pelo legislador de 2003 e mantida (como tal) na revisão de
2009 (artigo 3.º, n.º 1). No entanto, o Código revisto restringe fortemente o alcance dessa
directiva geral. O artigo 3.º, n.º 3, supõe a prevalência do tratamento mais favorável,
relativamente a um largo elenco de matérias, no qual se compreende tudo o que pode
considerar-se essencial na construção do estatuto sócio-laboral derivado para o
trabalhador do contrato de trabalho.»
       O requerente contesta ainda, assim, a possibilidade de afastamento de normas legais
por normas constantes de IRCT que possam ser de sentido menos favorável ao
trabalhador. Coloca-se, então, a questão do estatuto constitucional do princípio do
tratamento mais favorável do trabalhador.
       Resta saber se tal princípio possui força constitucional, impondo-se ao próprio
legislador e se implicará a regra da imperatividade da lei, entendida como norma mínima,
em face das convenções colectivas de trabalho.
       Ainda na doutrina, Jorge Leite [«Código do Trabalho - Algumas questões de
(in)constitucionalidade», in Questões laborais, n.º 22, ano X, 2003, p. 274] considera que
uma norma (como o artigo 3.º, n.º 1, do Código do Trabalho) que permita o afastamento da
lei por IRCT é inconstitucional, concluindo: «Mal se compreenderia, aliás, como poderá o
Estado desempenhar a incumbência constitucional de assegurar as condições de trabalho
(n.º 2 do artigo 59.º) - de todas e não apenas das que enumera a título exemplificativo nas
alíneas do número do citado artigo - se a lei que as estabelece permitir, ao mesmo tempo,
o seu afastamento por convenção colectiva.»
       No mesmo sentido, Milena Rouxinol («O princípio do tratamento mais favorável»,
in Questões laborais, n.º 28, ano X, 2006, pp. 174 e 175), depois de fazer coincidir o
princípio do tratamento mais favorável com o princípio da norma mínima, afirma: «O
princípio da norma mínima traduz-se assim numa apreensão da problematicidade concreta
na esfera da normatividade jurídica. Com efeito, não se vê como pode lograr-se o
desiderato de compensação da desigualdade fáctica e jurídica entre trabalhador e
empregador se os mínimos legais puderem ser afastados in pejus por instrumentos
hierarquicamente inferiores [...] Em direito do trabalho, a justiça repõe-se pela
desigualdade, de modo que se as forças sindicais assentirem na redução dos mínimos
legais de tutela do trabalhador, ainda que tal opção seja assumida em situação de
equilíbrio negocial, resultará gorada a protecção que o legislador defere ao - ainda e
sempre - contraente débil da relação laboral e frustrado o propósito de justiça material.»
       A questão não se pode, porém, limitar à existência, ou não, de um princípio do
tratamento mais favorável. Será sempre necessário saber qual é o seu exacto sentido e
alcance constitucional. Implicará ele realmente um «princípio da norma mínima», como
pretende alguma doutrina? E exigirá um tal princípio, caso se aceite, uma regra de
imperatividade da lei (e dos mínimos de protecção que ela contém) não apenas em face
do contrato individual de trabalho mas, também, em face dos instrumentos de
regulamentação colectiva?
       Não há dúvida de que o conjunto dos direitos dos trabalhadores associados à ideia de
democracia económica, social e cultural nos induzem a afirmar que a Constituição
pretende dar um «tratamento favorável», uma especial protecção àquelas pessoas que
trabalham num vínculo de subordinação, vivendo e alimentando-se a si e às suas famílias
geralmente com base na retribuição resultante desse trabalho. É esta ideia que justifica a
generalidade dos direitos e garantias dos trabalhadores e a uma tal ideia justificadora
poderemos chamar princípio do tratamento mais favorável do trabalhador.
       Todavia, ainda que se admita um tal princípio do tratamento mais favorável, a sua
validade constitucional nunca nos exime da questão das suas condicionantes e limites. A
pura e simples defesa do princípio do tratamento mais favorável, no contexto de um
determinado modelo de Estado (o Estado social), das tarefas que lhe correspondem e dos
direitos económico-sociais dos trabalhadores não é suficiente. Esta posição tem de se
inserir num contexto mais vasto.
       Não se trata aqui de compreender genericamente que os regimes jurídico-laborais de
protecção favorável aos trabalhadores (favor laboratoris) podem porventura estar em
confronto directo com a competitividade dos mercados e com a estabilidade e crescimento
das economias, num contexto globalizado em que actuam outras economias e mercados
emergentes (V. Consuelo Ferreiro, «La crisis del principio favor laboratoris», in Questões
laborais, n.º 31, 2008, pp. 35 e segs.). Está, sim, em causa a inserção do princípio no
contexto normativo da Constituição da República Portuguesa.
       Na verdade, e desde logo, os direitos e garantias dos trabalhadores individualmente
considerados que a Constituição protege devem conciliar-se com outros direitos ou
interesses constitucionalmente relevantes.
       Deve, desde logo, ter-se em consideração a livre iniciativa económica privada (artigo
61.º da Constituição) que é, na sua essência, «iniciativa económico-produtiva de carácter
empresarial», envolvendo «uma dupla faceta - organizativa e operacional» [Evaristo
Mendes, anotação ao artigo 61.º, Constituição Portuguesa Anotada, t. I, 2.ª ed., Jorge
Miranda e Rui Medeiros (orgs.), Coimbra, Coimbra Editora, 2010, pp. 1182-1183]. Trata-
se, portanto, de uma liberdade de organização da empresa e da actividade empresarial.
       Finalmente, os direitos individuais dos trabalhadores não poderão ser isolados dos
direitos colectivos desses mesmos trabalhadores, incluindo-se aqui o direito à contratação
colectiva (artigo 56.º, n.ºs 3 e 4) pois também eles fazem parte do regime global de
protecção do trabalhador que a Constituição institui.
       É pois necessário ter em consideração o teor do artigo 56.º, n.º 4, da Constituição, que
consagra o direito à contratação colectiva. De facto, a Constituição atribui à lei, nos termos
do artigo 56.º, n.º 4, a competência para estabelecer as regras respeitantes à eficácia das
normas das convenções colectivas de trabalho (literalmente diz: «A lei estabelece as
regras respeitantes à legitimidade para a celebração das convenções colectivas de
trabalho, bem como à eficácia das respectivas normas.»). É evidente que não se trata de
colocar poderes ilimitados nas mãos do legislador. Mas atendendo a que na
regulamentação colectiva, que é por definição de exercício colectivo, os interesses dos
trabalhadores individuais parecem já devidamente acautelados, admite-se que, dentro das
margens dos direitos dos trabalhadores constitucionalmente traçadas, o legislador possa
admitir a derrogação de algumas das suas normas, num sentido mais ou menos favorável
em relação ao que cada uma dessas normas estabelece (o que não significa
necessariamente que, no seu conjunto, a convenção colectiva seja menos favorável aos
trabalhadores).
       Por outro lado, o direito à contratação colectiva e a autonomia colectiva têm de ser
vistos como instrumentos ao serviço dos diversos direitos dos trabalhadores e não como
um obstáculo desses direitos.
       De resto, é necessário fazer uma distinção entre autonomia colectiva e autonomia
individual. Compreende-se mais facilmente a imperatividade em face de um contrato
individual de trabalho onde o trabalhador aparece, por definição, como a parte mais fraca
do que em face de instrumentos de regulamentação colectiva negociados por associações
sindicais no seio das quais os trabalhadores aparecem numa relação distinta da
subordinação que caracteriza a sua posição em face das entidades patronais.
       Como se diz no Livro Branco que apoiou a preparação da versão do Código do
Trabalho de 2009:

              «O argumento da igualdade de poderes negociais é, em larga medida, válido, até


porque as associações de empregadores enfermam de fraquezas semelhantes às das
associações sindicais. Sendo assim, o alargamento da negociabilidade mostrar-se-ia
vantajoso para a dinâmica da contratação colectiva sem representar necessariamente
risco para os trabalhadores.»

       As convenções colectivas permitem uma regulamentação mais adequada às


necessidades específicas de cada sector de actividade ou empresa do que a lei geral. É
por isso que tendem a ter maior importância. Monteiro Fernandes (Direito do Trabalho, cit.,
pp. 691 e segs.) fala até de uma sequência esquemática - «autonomia individual,
heteronomia, autonomia colectiva» - que corresponderia à linha evolutiva do direito do
trabalho. Esclarecendo, depois, que «a combinação da autonomia colectiva e da
heteronomia pode, naturalmente, ser doseada de modo variável de sistema para sistema.
Em todo o caso - continua - a radicação da autonomia colectiva (pela sua mesma
aderência à realidade social) tende a reduzir a importância quantitativa e o papel inovatório
da regulamentação de origem estadual [...]»
       De facto, o artigo 3.º, n.º 1, estabelece uma presunção de supletividade da lei em
relação aos instrumentos de regulamentação colectiva, mas não transforma todas as
normas legais em normas supletivas. Pelo contrário, faz menção expressa à possibilidade
de, por interpretação, se concluir que a norma legal tem um carácter imperativo, não
podendo, portanto, ser afastada por instrumento de regulamentação colectiva (V. Monteiro
Fernandes, Direito do Trabalho, cit., p. 125).
       Por fim, relembre-se novamente que há uma série de matérias em que a lei assegura
um estatuto mínimo mesmo em face da contratação colectiva. São, nos termos do artigo
3.º, n.º 3, do Código do Trabalho, as seguintes matérias relativamente às quais os
instrumentos de regulamentação colectiva não podem dispor em sentido menos favorável
à lei:
       a) direitos de personalidade, igualdade e não discriminação; b) protecção na
parentalidade; c) trabalho de menores; d) trabalhador com capacidade de trabalho
reduzida, com deficiência ou doença crónica; e) trabalhador-estudante; f) dever de
informação do empregador; g) limites à duração dos períodos normais de trabalho diário e
semanal; h) duração mínima dos períodos de repouso, incluindo a duração mínima do
período anual de férias; i) duração máxima do trabalho dos trabalhadores nocturnos; j)
forma de cumprimento e garantias da retribuição; l) capítulo sobre prevenção e reparação
de acidentes de trabalho e doenças profissionais e legislação que o regulamenta; m)
transmissão de empresa ou estabelecimento; n) direitos dos representantes eleitos dos
trabalhadores. Em todas estas matérias de maior importância, nucleares na relação de
trabalho, mantém vigência o princípio do tratamento mais favorável.
       Tendo em conta os termos da parte final dos n.ºs 1 e 3 do artigo 3.º, o legislador
cumpre claramente o mandato constitucional, consubstanciado no disposto no artigo 59.º,
n.º 2, da CRP, de fixação de um núcleo irredutível em que é manifesta a preocupação da
protecção dos interesses dos trabalhadores.
       Acresce que o espaço (como vimos mais limitado do que poderia à primeira vista
parecer) que a lei dá à autonomia colectiva afigura-se amplamente justificado à luz do
direito de contratação colectiva (artigo 56.º, n.º 4). Note-se que terá necessariamente de se
partir do princípio de que esse direito é, globalmente, exercido em benefício dos
trabalhadores.
       Relembre-se, a este respeito, que por vezes «a contratação colectiva pode ser um
processo de troca de certas vantagens emergentes da lei por outras que as entidades
representativas dos trabalhadores considerem mais interessantes» (Bernardo Xavier, «A
jurisprudência constitucional e o direito do trabalho», p. 231, in XXV Anos de
Jurisprudência Constitucional Portuguesa, Coimbra, Coimbra Editora, 2009, p. 231, n. 62).
A lógica de uma rígida prevalência hierárquica da lei em face das convenções colectivas
pressupõe uma comparação norma a norma. Ora, muitas vezes pode suceder que uma
norma específica constante de uma CCT seja menos favorável do que a lei, mas o
conjunto normativo constante da mesma, através de um jogo de compensações, já não o
seja.
       Tendo tudo isto em consideração, deverá concluir-se que o n.º 1 e em consequência
os n.ºs 2 a 5 do artigo 3.º do Código do Trabalho não padecem de qualquer
inconstitucionalidade.
Tratamento mais favorável e art. 4º, nº 1, do
Código do Trabalho português
o fim de um princípio?
João Leal Amado
Publicado em 06/2007. Elaborado em 05/2007.
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 DIREITO PROCESSUAL DO TRABALHO

 PRINCÍPIOS (DIREITO PROCESSUAL DO TRABALHO)

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A nova norma portuguesa traduz-se num atestado de óbito do "favor
laboratoris" quanto à contratação coletiva: o Direito do Trabalho legislado
possui um caráter facultativo ou supletivo face à contratação coletiva.
«La règle du plus favorable constitue le coeur historique des rapports de la
loi et de la convention collective, lorsque ces deux sources sont en
concurrence».

Georges Borenfreund e Marie-Armelle Souriac,

«Les rapports de la loi et de la convention collective: une mise en


perspective»,

Droit Social, 2003, n.º 1, p. 74.

I. O PRINCÍPIO DO FAVOR LABORATORIS


A recente aprovação do Código do Trabalho português, publicado em
anexo à Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto, representou, como é óbvio, um
acontecimento da maior relevância para todos quantos, directa ou
indirectamente, têm o seu quotidiano ligado a este ramo do direito — afinal, a
maioria da população portuguesa. Ora, se a relevância do Código do Trabalho
é, a todos os títulos, inquestionável, poucos duvidarão de que o art. 4.º constitui
uma norma fundamental, um autêntico preceito-chave, na economia do Código.
Este artigo analisa-se mesmo, porventura, na mais importante das suas
normas, enquanto símbolo de ruptura com o regime jurídico precedente, mas
representa ainda, segundo julgo, o caso mais gritante de «publicidade
enganosa» naquele contida, visto que o rótulo do preceito não encontra a
devida correspondência no respectivo conteúdo.

Na verdade, o preceito codicístico tem como epígrafe «princípio do


tratamento mais favorável», não raras vezes designado pela nossa doutrina
como «princípio do favor laboratoris». Ora, pode dizer-se que o significado
essencial do favor laboratoris, enquanto princípio norteador da aplicação das
normas juslaborais — princípio basilar e clássico do Direito do Trabalho, entre
nós consagrado no velho e agora revogado art. 13.º/1 da Lei do Contrato de
Trabalho (Decreto-Lei n.º 49.408, de 24 de Novembro de 1969) —, se
desdobra analiticamente nas seguintes proposições nucleares:

i) O Direito do Trabalho consiste num ordenamento de carácter


protectivo e compensador da assimetria típica da relação laboral,
desempenhando uma função tuitiva relativamente ao trabalhador assalariado;

ii) Esta função tutelar do Direito do Trabalho é cumprida através de


normas que, em regra, possuem uma natureza relativamente imperativa
(normas imperativas mínimas ou semi-imperativas, normas de ordem pública
social);

iii) Daqui decorre que, no tocante às relações entre a lei e a convenção


colectiva, o princípio da prevalência hierárquica da lei deve articular-se com o
princípio do favor laboratoris (assim, e em princípio, o regime convencional
poderá afastar-se do regime legal, desde que a alteração se processe in
melius e não in pejus);

iv) O favor laboratoris perfila-se, pois, como uma técnica de resolução


de conflitos entre lei e convenção colectiva, pressupondo que, em princípio, as
normas juslaborais possuem um carácter relativamente imperativo, isto é,
participam de uma imperatividade mínima ou de uma «inderrogabilidade
unidireccional»; [01]

v) Trata-se, afinal, de duas faces da mesma moeda: favor laboratoris e


imperatividade mínima das normas juslaborais. Como bem escreve Mercader
Uguina, «el criterio de favor se relaciona en el ordenamiento laboral con el
jerárquico, del que representa una modalización, en el sentido de que la fuente
de intensidad más fuerte prevalece sobre la más débil solamente en orden a la
garantía de las condiciones mínimas. Por encima del mínimo, se impone la
norma inferior que prevea condiciones más favorables para los trabajadores. La
regla de ordenación jerárquica de las fuentes del derecho del Trabajo asume,
así, un valor relativo: frente al criterio de favor, la norma de regulación superior
se comporta como norma dispositiva y, por tanto, cede ante la regulación de
rango inferior, la cual, a su vez, cede ante la norma de regulación superior
cuando ésta asegura la garantía de las condiciones mínimas». [02]
Assim sendo, o art. 13.º/1 da Lei do Contrato de Trabalho (LCT) fixava
a directriz fundamental em matéria de relacionamento e coordenação entre a
lei e a convenção colectiva, ao prescrever que «as fontes de direito superiores
prevalecem sempre sobre as fontes inferiores, salvo na parte em que estas,
sem oposição daquelas, estabelecem tratamento mais favorável para o
trabalhador». E o art. 6.º da Lei dos Instrumentos de Regulamentação
Colectiva (Decreto-Lei n.º 519-C1/79, de 29 de Dezembro) complementava
aquele preceito da LCT, ao determinar que as convenções colectivas não
poderiam «contrariar normas legais imperativas» (al. b) e/ou «incluir qualquer
disposição que importe para os trabalhadores tratamento menos favorável do
que o estabelecido por lei» (al. c).

Ou seja, as normas legais poderiam, como é óbvio, possuir a mais


variada natureza (normas supletivas ou imperativas, normas absolutamente
imperativas [03] ou relativamente imperativas, etc.), mas o certo é que, nas
palavras de Jorge Leite, a norma típica do ordenamento juslaboral era
constituída «por uma regra jurídica explícita impositiva e por uma regra jurídica
implícita permissiva, vedando aquela qualquer redução dos mínimos
legalmente garantidos e facultando esta a fixação de melhores condições de
trabalho (proibição de alteração in pejus e possibilidade de alteração in
melius)». [04]

No domínio da concorrência/articulação entre as respectivas fontes,


concluía-se, em conformidade, que em Direito do Trabalho a regra era, afinal, a
da aplicação da norma que estabelecesse um tratamento mais favorável ao
trabalhador, ainda que tal norma se encontrasse contida numa fonte
hierarquicamente inferior. A imodificabilidade in melius da norma superior (ou
seja, a imperatividade absoluta desta), bem como a sua modificabilidade in
pejus por norma inferior (ou seja, a supletividade daquela), eram excepcionais,
pelo que era comum aludir-se à «singular imperatividade» das normas
juslaborais, à sua natureza «imperativa-limitativa» ou «imperativa-permissiva»,
qualquer destas expressões traduzindo a ideia de mínimo de protecção da
parte mais débil da relação como traço característico e identitário das normas
juslaborais. [05]

II. O ART. 4.º, N.º 1, DO CÓDIGO DO TRABALHO


Surge então o art. 4.º/1 do Código do Trabalho, preceituando que «as
normas deste Código podem, sem prejuízo do disposto no número seguinte
[06], ser afastadas por instrumento de regulamentação colectiva de trabalho,
salvo quando delas resultar o contrário».

Apesar do disposto na sua epígrafe, o n.º 1 deste artigo traduz-se, bem


vistas as coisas, num verdadeiro atestado de óbito do favor
laboratoris relativamente à contratação colectiva, dele se extraindo que, em
princípio, o Direito do Trabalho legislado possui um carácter facultativo ou
supletivo face à contratação colectiva — ou seja, conclui-se que as normas
legais serão, em regra, normas «convénio-dispositivas», isto é, normas
livremente afastáveis por convenção colectiva. Destarte, doravante o quadro
legal poderá ser alterado in pejus pela convenção colectiva, o que implica uma
mutação (dir-se-ia: uma revolução) na filosofia básica inspiradora do Direito do
Trabalho: de um direito com uma vocação tutelar relativamente às condições
de trabalho, imbuído do princípio da norma social mínima, transitamos para
uma espécie de direito neutro, em que o Estado recua e abandona a definição
das condições de trabalho à autonomia colectiva.

É, pois, um novo Direito do Trabalho aquele que parece resultar do art.


4.º do Código, um Direito do Trabalho menos garantístico e mais transaccional,
em que aumenta o espaço concedido à autonomia colectiva em virtude do
relaxamento da regulação estadual das condições de trabalho — um Direito do
Trabalho que, assim, muda de alma (alguns dirão: perde a alma). [07]

Em suma, também neste campo — no campo da concorrência e


articulação das fontes juslaborais — estamos perante um Direito do Trabalho
mais flexível (palavra mágica dos nossos tempos, por mais imprecisa que seja
a respectiva noção no plano jurídico) [08], em que a contratação colectiva já
não é concebida como um instrumento vocacionado para melhorar as
condições de trabalho relativamente à lei [09], mas antes como um puro
mecanismo de adequação da lei às circunstâncias e às conveniências da
organização produtiva. Coerentemente, o art. 533.º do Código, sucessor do
supramencionado art. 6.º da Lei dos Instrumentos de Regulamentação
Colectiva, continuando embora a prescrever que as convenções colectivas não
podem «contrariar as normas legais imperativas», deixa de acrescentar que
aquelas também não podem incluir qualquer disposição que importe para os
trabalhadores tratamento menos favorável do que o estabelecido por lei.

Registe-se, de todo o modo, que o Anteprojecto de Código do Trabalho


apresentado pelo Governo não prenunciava uma alteração, nesta matéria,
como aquela que veio a constar do Código aprovado pela Lei n.º 99/2003. Com
efeito, no art. 4.º do Anteprojecto podia ler-se: «Entende-se que as normas
deste Código estabelecem um conteúdo mínimo de protecção do trabalhador,
sempre que delas não resultar o contrário». Ora, semelhante redacção não
exprimia qualquer mudança significativa no tocante ao entendimento tradicional
do princípio do favor laboratoris, tal como este se encontrava plasmado no art.
13.º/1 da LCT. Porém — e algo surpreendentemente —, quando o Anteprojecto
deu lugar à Proposta de Lei n.º 29/IX, a redacção deste art. 4.º surgiu
transfigurada, implicando o aludido decesso do favor laboratoris no domínio da
concorrência entre lei e convenção colectiva.

O que vem de ser dito vale, repete-se, no cotejo entre lei e convenção
colectiva. Face ao contrato individual o critério legal é já outro, conforme se
extrai do n.º 3 do art. 4.º: «As normas deste Código só podem ser afastadas
por contrato de trabalho quando este estabeleça condições mais favoráveis
para o trabalhador e se delas não resultar o contrário». Assim sendo, o art. 4.º
do Código do Trabalho parece, afinal, traduzir-se numa disposição legal
consagrada ao culto de Jano (a conhecida divindade romana das duas caras),
perfilando-se as normas do Código como normas bifrontes ou bidimensionais,
isto é, normas relativamente imperativas face ao contrato de trabalho e normas
supletivas face à convenção colectiva de trabalho — as chamadas «normas
convénio-dispositivas». [10]

Note-se, porém, que o art. 4.º/1 não exclui a existência de normas


imperativas — relativa ou absolutamente imperativas — face à convenção
colectiva («salvo quando delas resultar o contrário»), assim como o art. 4.º/3
não exclui a existência de normas absolutamente imperativas, ou de normas
supletivas, face ao contrato individual («se delas não resultar o contrário»).
Tudo dependerá pois, em última análise, da interpretação da concreta norma
em causa, sendo certo que a directriz hermenêutica, o critério que habilita o
intérprete a pronunciar-se em caso de dúvida, é agora bipartido ou dual: a
norma codicística será, em princípio, supletiva ou relativamente imperativa,
consoante o cotejo se dê com a contratação colectiva ou com o contrato
individual de trabalho.

Será o caso, para dar um exemplo, da norma respeitante ao subsídio


de Natal. O art. 254.º do Código estabelece que o trabalhador tem direito a
auferir um subsídio de Natal de valor igual a um mês de retribuição: nestes
termos, o valor do subsídio não poderá, decerto, ser reduzido através de
cláusula contratual (art. 4.º/3), mas já poderá sê-lo através de cláusula
convencional (art. 4.º/1). O mesmo valerá quanto à norma relativa à violação
patronal do direito a férias: nos termos do art. 222.º, o trabalhador deverá
receber, a título de compensação, o triplo da retribuição correspondente ao
período em falta, montante este que, não podendo ser reduzido mediante
cláusula contratual, já poderá sê-lo mediante cláusula convencional. [11]

De qualquer modo, e retornando ao objecto precípuo desta breve


reflexão — a análise das novidades resultantes do art. 4.º/1 do Código —, o
certo é que o tratamento mais favorável ao trabalhador, nas palavras de
Monteiro Fernandes, «deixa de constituir referencial interpretativo». No Código
do Trabalho, sublinha o autor com inteira razão, «o ponto de partida da
operação interpretativa-qualificativa incidente sobre a norma legal (para se
saber se pode aplicar-se a fonte inferior de conteúdo diferente) já não é a
presunção de que essa norma admite variação em sentido mais favorável ao
trabalhador, mas a de que admite variação em qualquer dos sentidos. Tal
presunção só é afastada se da norma legal resultar inequivocamente que
nenhuma variação é legítima, ou que só o será num dos sentidos possíveis».
[12]

III. A CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA


PORTUGUESA
Resta saber se, do ponto de vista jurídico-constitucional, não se terá
ido longe demais com este art. 4.º/1 do Código. Com efeito, a concepção
transaccional do Direito do Trabalho que se desprende deste artigo — em que
o Estado-legislador dá luz verde para que tudo ou quase tudo seja livremente
negociado em sede de contratação colectiva, em benefício ou em detrimento
do trabalhador face ao parâmetro legal — parece compatibilizar-se com
bastante dificuldade com o nosso «bloco constitucional do
trabalho», maxime com o disposto no art. 59.º/2 da Constituição da República
Portuguesa (CRP). Na verdade, de acordo com este preceito, «incumbe ao
Estado assegurar as condições de trabalho, retribuição e repouso a que os
trabalhadores têm direito», através, por exemplo, do estabelecimento e
actualização do salário mínimo nacional, da fixação dos limites máximos da
duração do trabalho, etc. [13]. Deste modo, a CRP parece impor que o
legislador estabeleça, ele mesmo, um estatuto social mínimo, um patamar legal
de protecção dos trabalhadores. Esta é, por força da nossa Constituição, uma
tarefa fundamental do Estado-legislador, uma missão de que este se encontra
incumbido. Constitucionalmente, tem de haver um mínimo legal intangível, os
direitos dos trabalhadores legalmente consagrados deverão situar-se, em
princípio, fora do comércio jurídico, não podendo funcionar como simples
moeda de troca em sede de contratação colectiva. Ora, com este art. 4.º o
Estado-legislador retrai-se e parece mesmo demitir-se das suas
responsabilidades: a tarefa constitucional não é cumprida, a missão estadual
converte-se, afinal, numa autêntica demissão parlamentar /governamental !

Tenho, por conseguinte, sérias dúvidas sobre a conformidade


constitucional deste preceito do Código do Trabalho [14]. Note-se que o
Tribunal Constitucional português, no Acórdão n.º 306/2003, não chegou a
abordar esta questão, embora se tenha debruçado sobre outras dimensões
problemáticas do art. 4.º, designadamente as relativas aos instrumentos de
regulamentação colectiva de natureza administrativa (regulamentos de
condições mínimas e regulamentos de extensão) [15]. A questão permanece,
pois, em aberto. Insisto: uma coisa é introduzir alguma flexibilidade adicional no
nosso Direito do Trabalho (opção de política legislativa legítima e insusceptível
de reparos do ponto de vista constitucional); outra coisa, porém, será flexibilizar
o Direito do Trabalho ao ponto de lhe quebrar a espinha dorsal ou a coluna
vertebral (esta última será uma opção politicamente discutível, mas já, decerto,
constitucionalmente censurável).

O que está em causa não é, por conseguinte, a existência de normas


legais de carácter supletivo ou «convénio-dispositivo» (figura esta bem
conhecida e consagrada, por exemplo, no ordenamento juslaboral germânico)
[16]. O que se questiona é que esta seja a regra, o que se discute é que este
deva ser o princípio, isto é, que, à partida, todas as normas do Código possam
ser afastadas por convenção colectiva, inclusive em sentido menos favorável
ao trabalhador. Perante isto, é caso para perguntar onde ficará, então, o
princípio do Estado Social e a incumbência estadual, resultante da Constituição
da República Portuguesa, de assegurar as condições de trabalho, retribuição e
repouso a que os trabalhadores têm direito...
IV. NOTA CONCLUSIVA
Entretanto, e pondo a «questão constitucional» entre parêntesis, o
certo é que este simbólico preceito significa que a tradicional «grelha de
leitura» das normas laborais terá de ser abandonada pelo intérprete: ao
pronunciar-se sobre a natureza de cada norma legal, maxime sobre a
susceptibilidade de esta ser alterada in pejus por convenção colectiva, o
intérprete deverá substituir os velhos óculos «favor laboratoris» (declarados
rígidos e caducos) pelos novos óculos «convénio-dispositivos» (mais dinâmicos
e maleáveis, mas, quiçá, menos resistentes...).

Estamos, em todo o caso, perante um preceito codicístico que exprime


um inegável abrandamento da actuação interventiva e da postura impositiva do
Estado neste domínio, concedendo os poderes públicos novos e mais dilatados
espaços regulatórios à autonomia colectiva — ainda que deva acrescentar-se
(e este é um aspecto que, a meu ver, não poderá ser menosprezado) que, no
campo juslaboral, o reconhecimento da autonomia colectiva não se processou
contra a heteronomia estadual, mas sim contra o poder decisório unilateral do
empregador. Com efeito, o Direito do Trabalho afirmou-se historicamente e
consolidou-se dogmaticamente com base na conjugação dialéctica de dois
fenómenos — legislação estadual regulamentadora das condições de trabalho
e normação convencional disciplinadora do conteúdo das relações laborais ao
nível da empresa, da profissão ou do sector de actividade —, ambos tendo
como escopo central a tutela do contraente débil, a compressão da liberdade
contratual e a limitação da concorrência entre os trabalhadores no mercado de
trabalho. Deste ponto de vista, a autonomia colectiva adiciona-se à
heteronomia estadual, não se contrapondo e antes aliando-se a esta em ordem
a impedir o arbítrio patronal e a «ditadura contratual» de outro modo imposta
pelo contraente mais poderoso.

Através deste preceito visar-se-á outrossim, como alguns afirmam,


atribuir um estatuto de maioridade às associações sindicais, rejeitando
qualquer concepção das mesmas como sujeitos hipossuficientes e carenciados
de tutela. Mas não deixa igualmente de ser curioso verificar que este estatuto
de maioridade é concedido aos sindicatos numa época histórica em que tanto
se fala na crise estrutural do sindicalismo e, justamente, por parte de um
Código que continua a não estabelecer quaisquer exigências de
representatividade mínima para que um sindicato possa celebrar uma
convenção colectiva de trabalho... [17]

Diminuir a carga injuntiva da lei e conceder, do mesmo passo, espaços


regulatórios alargados a interlocutores sindicais débeis poderá assim, a meu
ver, revelar-se um caminho contraproducente. Os próximos tempos mostrarão
se o favor laboratoris no âmbito do relacionamento entre a lei e a contratação
colectiva, ainda que sujeito a excepções várias, não terá de ser ressuscitado,
enquanto princípio, pelo legislador do trabalho. Aliás, convém não esquecer
que o novo paradigma normativo emergente do art. 4.º/1 do Código também
não deixa de suscitar bastantes problemas no tocante à respectiva articulação
com o direito comunitário, dado que, por um lado, o direito comunitário detém
primazia hierárquica sobre o direito interno e, por outro, as directivas
comunitárias consagram, via de regra, o princípio da norma social mínima. [18]

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