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Processo nº 1018/13.9TAGRD.C1
FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTO
Sumário
Texto Integral
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Acordam, em conferência, na 4ª Secção do Tribunal da Relação de
Coimbra
I. RELATÓRIO
“ (…).
O Tribunal é o competente.
Vista a acusação deduzida pelo Ministério Público nos presentes autos a fls. 75
e 76 contra A... , verifica-se que aí se alega factualmente o seguinte: “No dia 8
de Novembro de 2013, o arguido deu entrada na Delegação Distrital de Viação
da Guarda, do requerimento para troca da sua carta de condução Francesa,
com o nº (...) , emitida pelas autoridades francesas de Strasbourg, em
9-6-2008, tendo obtido guia de condução portuguesa, tudo conforme se
constata dos documentos de fls. 2-18 dos autos e que aqui se dão por
integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais. Porém, a carta de
condução estrangeira pretendida trocar pelo arguido, conforme se veio a
apurar, está inválida, por saldo de pontos nulos, devido a infracções estradais
cometidas em território francês, o que era do seu perfeito conhecimento. Agiu
o arguido de forme deliberada, livre e conscientemente, querendo e sabendo
que obtinha carta de condução de veículos automóveis portuguesa através do
uso de carta de condução francesa inválida, assim visando alcançar para si um
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benefício ilegítimo à custa do prejuízo do Estado. Bem sabia o arguido que a
sua supra descrita conduta era proibida e punida criminalmente.”.
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assinado ou feito constar o que quer que seja. Apenas se alega, em suma, que
o arguido entregou uma carta de condução francesa num determinado serviço
público português com vista a que a mesma fosse trocada por uma carta de
condução portuguesa, assim obteve uma guia que lhe permitia conduzir em
Portugal, e mais tarde veio a apurar-se que a carta de condução francesa
entregue pelo arguido não se encontrava válida, por motivos relacionados com
o excesso de infracções estradais.
Isto posto, aqui chegados e em face do que acaba de ser dito, entendemos que
os factos alegados pelo Ministério Público na acusação não constituem a
prática de qualquer crime, razão pela qual se decide desde já rejeitar tal
acusação, por a mesma se mostrar manifestamente infundada, tudo ao abrigo
do estabelecido no artigo 311º, n.º 2, al. a), e n.º 3, al. d), do Cód. de Proc.
Penal.
Sem custas.
Notifique.
(…)”.
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Termos em que,
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mérito da causa mas na apreciação do mérito da acusação, que não foi violado
o princípio do acusatório, que a ausência de pedido de abertura da instrução
não transforma uma acusação infundada em acusação susceptível de ser
enviada para julgamento, e conclui pela manutenção do despacho recorrido.
II. FUNDAMENTAÇÃO
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Para a resolução desta questão, importa ter presente o teor da
acusação pública, que é o seguinte:
“ (…).
Bem sabia o arguido que a sua supra descrita conduta era proibida e punida
criminalmente.
PROVA:
Documental:
(…)”.
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[Tipo objectivo]
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- Que o agente, a) fabrique ou elabore documento falso, b) falsifique ou altere
documento, c) abuse da assinatura de outra pessoa para falsificar ou
contrafazer documento, d) faça constar falsamente de documento facto
juridicamente relevante, e) use documento falsificado ou contrafeito, f) por
qualquer meio, faculte ou detenha documento falsificado ou contrafeito;
[Tipo subjectivo]
Desde logo, a falsificação material, que ocorre quando o agente altera, total ou
parcialmente, um documento já existente. Aqui, o documento não é genuíno,
não é autêntico pois a sua integridade material foi sujeita a alteração.
Pois bem.
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255º, a), ambos do C. Penal. Na alínea d) referida, a conduta típica consiste,
em síntese, em o agente fazer constar falsamente de documento facto
juridicamente relevante. Já a modalidade da conduta típica que podemos
sintetizar por uso de documento falso ou contrafeito, encontra-se prevista na
alínea e) do nº 1 do artigo citado.
Posto isto.
[Tipo objectivo]
[Tipo subjectivo]
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tal censura, por intermédio do crime de falsificação ou contrafacção de
documento. Explicando
A este respeito, ensina Figueiredo Dias que, o princípio segundo o qual não há
crime sem lei anterior que como tal preveja uma certa conduta significa que,
por mais socialmente nocivo e reprovável que se afigure um comportamento,
tem o legislador de o considerar como crime (descrevendo-o e impondo-lhe
como consequência jurídica uma sanção criminal) para que ele possa como tal
ser punido. Por isso, quaisquer lacunas e deficiências de regulamentação ou
de redacção que possam existir, devem funcionar sempre contra o legislador e
a favor da liberdade (Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, Coimbra Editora, pág.
168).
A conduta que tem por objecto o requerimento para substituição de uma carta
de condução francesa, inválida por saldo nulo de pontos, por uma carta de
condução portuguesa, não pode ser qualificada como falsificação ou
contrafacção de documento, em qualquer uma das formas que se deixaram
referidas e que têm previsão típica nas seis alíneas do nº 1 do art. 256º do C.
Penal.
Com efeito, tal conduta não consubstancia uma falsificação material, seja da
carta a substituir, seja da carta substituída [esta, aliás, nem chegou a ser
emitida], seja da licença de condução provisória emitida pelas autoridades
portuguesas, uma vez que nenhum destes documentos, nos termos da
acusação, foi alterado, depois de emitido.
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carta, apresentado pelo arguido à autoridade rodoviária nacional. Sucede que,
na acusação, a única referência a este documento resume-se a, «(…) o arguido
deu entrada (…) do requerimento para troca da sua carta de condução
francesa (…)», não se concretizando, factualmente, como e onde se encontrava
o falsificado o documento, nem, tão-pouco, afirmando a sua falsificação.
Por outro lado, ainda quanto a este aspecto, alega o Digno Magistrado do
Ministério Público recorrente que só em julgamento pode aferir-se se a
ajuizada ‘acusação defeituosa’ é ou não passível de configurar o crime
imputado, quer porque aí poderão concretizar-se os elementos que se
considerem relevantes para a verificação do tipo, sem que tal traduza uma
alteração substancial dos factos, quer porque o arguido, que se conformou
com a acusação, pode vir a confessar que pretendeu trocar um título de
condução inválido, por um título de condução nacional, acrescendo que o que
releva para o caso é o momento em que o arguido preencheu e assinou o
formulário ou modelo, constituindo «documento» o que nele declarou pelo
que, negar que a falsa declaração de extravio – troca de carta inválida – não é
um facto juridicamente relevante é negar uma evidência e assim, a falsa
declaração de extravio é não só uma declaração incorporada num escrito,
como é também uma declaração de facto falso, juridicamente relevante.
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reproduzidos na acusação, numa opção técnica que não perfilhamos, na
medida em que os documentos não são factos mas meios de prova de factos, e
por essa razão, como meios de prova foram ali indicados], verificamos então
que o modelo de fls. 5 não se encontra preenchido na parte relativa à
declaração do compromisso de honra, precisamente porque não houve
qualquer extravio do título francês, nem o mesmo se encontrava apreendido
por qualquer autoridade, já que o arguido o entregou quando requereu a
troca, vindo o IMT a remeter «o original da carta de condução n.º (...) emitida
em Strasbourg em 09-06-2008, ao condutor, A... .» ao Ministério do Interior
Francês, tudo conforme fls. 17.
III. DECISÃO
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