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EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SANTA CATARINA

COLENDA CÂMARA

ÍNCLITOS MAGISTRADOS

I – DAS ALEGAÇÕES MINISTERIAIS

1. Como se pôde verificar nas alegações do r. MP, aquelas não disfarçaram a hecatombe às
categorias dogmáticas para a imputação de responsabilidade penal, ao prescindir complemente de
elementos probatórios vinculando subjetivamente o peticionário aos fatos.

2. Naquela oportunidade, o raciocínio da acusação foi muito claro: pouco importaria a absoluta
ausência de provas judiciais (art. 155, caput, CPP) relativamente a posse ou porte ilegal de arma de fogo
de uso restrito (art. 16, §1º, Lei 10.826/03) seriam, sozinhos, suficientes para atestar a culpa do réu. Um
disparate material e processual, quiçá, constitucional.

3. Por suas alegações, chegou o r. Ministério Público à conclusão de que materialidade e a


autoria dos delitos são incontroversas e encontram-se demonstradas pelos elementos de provas contidos
nos autos, notadamente. Sua tese é que a materialidade do crime estaria supostamente “demonstrada a
partir do boletim de ocorrência (evento 1, INQ 4-6), guia de objeto apreendido (evento 1, INQ 7),
relatório de investigação (evento 1, INQ 27-28), laudo pericial (evento 19), bem como pelos
depoimentos prestados em ambas as fases procedimentais”.

4. Para a autoria, estaria “comprovada nos autos, sobretudo a partir do Inquérito Policial e dos
relatos dos policiais militares”.

5. Apesar dos relatos trazidos e transcritos pela própria Acusação o r. Ministério Público
concluiu que “não há dúvidas de que o acusado portava arma de fogo de uso restrito com 6 (seis)
munições intactas, porquanto um revólver calibre .38 , da marca TAURUS, com número de série
suprimido”. E ainda, não se sabe como chegou neste raciocínio, alegou que a arma foi apreendida “no
interior do caminhão de sua propriedade, em desacordo com as determinações legais”. Tal fato foi
confirmado pelo depoimento dos agentes públicos, em ambas as fases procedimentais, assim como
pelo laudo pericial em arma de fogo (evento 19), tudo conforme relatado alhures, em harmonia com as
demais provas angariadas nestes autos.

6. Por fim, o MP esclareceu “o lapso temporal decorrido e a dificuldade em rememorar os


detalhes do ocorrido”, não foram suficientes para a versão ser ratificada pelos agentes públicos, como
descreveu a Acusação.

II – DA SENTENÇA GUERREADA

7. Preliminarmente, analisando a questões referentes à absolvição sumária do Apelante, assim


decidiu o Juiz a quo:

Trata-se de ação penal pública incondicionada em que se imputa ao acusado


Wanderlei da Cruz a prática do delito do artigo 16, parágrafo único, inciso IV,
da Lei n. 10.826/03 (com redação à época dos fatos), e considerando que a ação
penal foi extinta contra o acusado Anderson Ferreira.
(...)

Preconiza o artigo referido conforme redação vigente na data dos fatos


(13/08/2017), pelo qual o réu foi denunciado:

Art. 16. Possuir, deter, portar, adquirir, fornecer, receber, ter em


depósito, transportar, ceder, ainda que gratuitamente, emprestar,
remeter, empregar, manter sob sua guarda ou ocultar arma de
fogo, acessório ou munição de uso proibido ou restrito, sem
autorização e em desacordo com determinação legal ou
regulamentar: Pena – reclusão, de 3 (três) a 6 (seis) anos, e multa.
Parágrafo único. Nas mesmas penas incorre quem: IV – portar,
possuir, adquirir, transportar ou fornecer arma de fogo com
numeração, marca ou qualquer outro sinal de identificação
raspado, suprimido ou adulterado.

Antes de adentrar o mérito acerca da materialidade e da autoria, convém


analisar a questão preliminar suscitada pela defesa em sede de alegações finais,
ao arguir que prescrita a pretensão punitiva estatal quanto ao delito em pauta
(art. 16, parágrafo único, IV, da Lei n. 10.826/03), com relação ao acusado
Wanderlei da Cruz.
Como visto, a data dos fatos narrados nesta ação é 13/08/2017 e a denúncia, por
sua vez, foi recebida em 22/03/2018 (evento 18).

A pena cominada ao delito em pauta é de 3 a 6 anos de reclusão e, conforme


dispõe o artigo 109, III, do CP, prescreve em doze anos, pois o máximo da pena é
superior a quatro anos e não excede a oito.

Desde a data do último ato de interrupção (22/03/2018), decorreram mais de


cinco anos e, portanto, não há falar em prescrição da pena em abstrato.

De igual modo, ainda que se considerasse a prescrição retroativa/virtual, mesmo


que a reprimenda ficasse próxima do mínimo legal (3 anos), a prescrição da
pretensão punitiva ocorreria, em tese, em oito anos (art. 109, IV, do CP), pois a
pena seria superior a três anos e não excederia a quatro.

O acusado não era menor de 21 anos na data dos fatos, pelo que inaplicável, na
hipótese, a redução do prazo do artigo 115 do CP.

Logo, sob qualquer ângulo que se analise a pretensão da defesa, e sem adentrar
na questão afeta à (in)aplicabilidade da prescrição retroativa/virtual, não há
falar em prescrição da pretensão punitiva estatal, pelo que afasto a prejudicial
suscitada.

8. No que se refere à inépcia da exordial acusatória, ainda em sede preliminares, entendeu o


juiz monocrático:

Cumpre registrar, sob pena de omissão, que a defesa do acusado suscita, em sede
de alegações finais, inépcia da denúncia, porquanto entende que os fatos não
estão claramente individualizados na peça acusatória.

Equivoca-se, contudo. A inépcia da denúncia só pode ser reconhecida quando


sua deficiência impedir a compreensão da acusação e, consequentemente, a
defesa do réu.

Verifica-se no caso concreto que a peça acusatória detém os requisitos


necessários ao seu recebimento, não apresenta qualquer vício de forma,
contando com descrição suficiente dos fatos e possibilitando o amplo exercício da
defesa pelo acusado, não havendo qualquer prejuízo a ser declarado.

Além disso, a denúncia foi direcionada aos acusados, descrevendo o fato


delituoso praticado por cada um e indicando os tipos penais infringidos.
Diante disso, não há falar em inépcia, porque além de o Ministério Público ter
demonstrado a conduta típica dos réus, também individualizou suas condutas.

Nesse passo, preenchidos os requisitos dispostos no art. 41 do CPP, afasto a


preliminar em comento.

9. Já no mérito, o r. juiz singular decidiu que:

A materialidade do tipo penal ficou demonstrada pelos elementos constantes do


inquérito policial n. 100.17.00156 (evento 1): boletim de ocorrência (evento 1,
inquérito 4-6), termo de exibição e apreensão (evento 1, inquérito 11), relatório
de investigação (evento 1, inquérito 27-28) e laudo pericial (evento 19).

Com relação à autoria e à responsabilidade penal do réu Wanderlei da Cruz


observo que também exsurge das provas amealhadas.
(...)

Nada obstante os argumentos defensivos, observo dos depoimentos ouvidos na


instrução e das demais provas coligidas que a arma de fogo apreendida nos autos
estava dentro do caminhão do acusado, objeto de denúncia feita à central na qual
foram dadas, inclusive, as características do masculino que se encontrava
armado, e da cor do caminhão: vermelho.

Outrossim, as pequenas contradições existentes em seus depoimentos são


justificadas no lapso temporal decorrido entre a data dos fatos (13/08/2017) e de
suas oitivas em juízo (02/03/2023).
(...)
Em sua versão dos fatos, a defesa tenta sustentar a ausência de prova da autoria
delitiva, pois não há testemunhos da posse da arma de fogo pelo acusado.

Como dito, contudo, a arma foi encontrada dentro do caminhão do acusado que,
em um primeiro momento, disse à autoridade policial que achou a arma em seu
terreno e, em uma segunda oportunidade, dias depois, compareceu na Delegacia
para retificar seu depoimento, ocasião em que confessou que adquiriu a arma de
fogo, em tese, para sua própria proteção.

Um dos policiais que atendeu a ocorrência confirmou sob o crivo do


contraditório que a arma de fogo foi localizada dentro do caminhão do acusado,
e que foram atender uma ocorrência acionados pela central dando conta de um
masculino armado em um caminhão vermelho.
Portanto, nada obstante as antagônicas versões do acusado por ocasião da fase
investigativa, o qual confessou o delito na segunda oportunidade em que foi
ouvido, prova alguma a fim de derruir o depoimento do policial foi produzida,
pois sequer restaram arroladas testemunhas que presenciaram a abordagem,
ônus que competia à defesa, nos termos do artigo 156 do CPP, restando sua
versão dos fatos isolada no contexto dos autos.
(...)

Por fim, a ilicitude está configurada, segundo a teoria indiciária ou da ratio


cognoscendi.

A culpabilidade está demonstrada, porquanto o réu é imputável, pois maior de 18


anos e mentalmente são, tem potencial consciência da ilicitude e dele se exigia
conduta diversa.

Portanto, concluo pela condenação do acusado Wanderlei da Cruz, por infração


ao disposto no artigo 16, parágrafo único, inciso IV, da Lei n. 10.826/03.
(...)

Diante do exposto, julgo procedente a pretensão acusatória exposta na denúncia


(art. 387 do CPP) para CONDENAR o acusado Wanderlei da Cruz ao
cumprimento de pena privativa de liberdade de 3 anos de reclusão e ao
pagamento de 10 dias-multa, no valor de 1/30 do maior salário-mínimo vigente
na data dos fatos (devidamente atualizado pelo INPC/IBGE), em regime
inicialmente aberto, pela prática do delito tipificado no artigo 16, parágrafo
único, inciso IV, da Lei n. 10.826/03 (redação vigente à época dos fatos
apurados), reprimenda esta substituída por restritiva (art. 44 do CP) consistente
em a) prestação de serviços à comunidade, na proporção de 1 hora para cada dia
de condenação, em instituição a ser indicada na posterior fase de execução; b)
prestação pecuniária em favor de entidade pública ou privada com destinação
social a ser indicada pelo juízo da Execução Penal, fixada em 1 salário-mínimo
nacional vigente na data do fato, corrigido pelo INPC/IBGE a partir de então.

10. Data maxima venia, não merece prosperar a r. sentença, pelos fatos e fundamentos a seguir
expostos.

III – DAS RAZÕES RECUSAIS

3.1 Da prescrição in concreto


11. O Apelante foi denunciado pelo Ministério Público pela suposta prática do crime previsto no
art. 16, parágrafo único, inciso IV, da Lei 10.826/03, em 05/10/2017 (ev. 7). A denúncia foi recebida em
22/03/2018 (ev. 17). Analisar-se-á a prescrição conforme a determinação do crime em tela, cuja pena é
de reclusão, de 3 (três) a 6 (seis) anos, e multa.

12. 2. A prescrição da pretensão punitiva admite duas espécies: a retroativa (art. 110, CP) que
leva em conta a pena aplicada in concreto, e a prescrição em abstrato (art. 109, CP), que leva em
consideração a pena cominada in abstrato ao crime. Nesta última hipótese, o lapso prescricional é
calculado com base no máximo da pena cominada para o crime pelo legislador, aumentada ou diminuída
pelas causas de aumento ou diminuição da pena que eventualmente incidam à hipótese.

13. Como não houve qualquer causa suspensiva ou interruptiva do curso da prescrição, entre a
data do fato (13/08/2017,) e da data do recebimento da denúncia 22/03/2018 (ev. 17), transcorreu mais
de 7 (sete) meses.

14. Considerando a condenação do Apelante foi de 3 anos de reclusão e que, a prescrição,


segundo o art. 110, CP, depois de transitar em julgado sentença final condenatória regula-se pela pena
aplicada e verifica-se nos prazos fixados no art. 109, CP, in casu, segundo o inciso IV deste artigo, o
crime está prescrito.

15. Inarredável que, com a ocorrência do fato delituoso nasce para o Estado o poder-dever de
punir. Entretanto, tal atribuição não pode se estender ad infinitum, ou seja, a lei impõe um determinado
lapso temporal dentro do qual estaria o Estado legitimado a agir.

16. Caso o Estado não atue dentro de certo lapso temporal, este perde com a prescrição a
possibilidade jurídica de aplicar a pena ao Apelante, ou seja, o juz puniendi do infrator, por ter
demorado a fazê-lo.

17. A prescrição é um instituto bastante complexo, existindo várias teses argumentativas a sua
existência e ocorrência, enumerando algumas em sua obra de Comentários do Código Penal o Ilustre
Guilherme de Souza Nucci, que se faz oportuna citação:

a) teoria do esquecimento: baseia-se no fato de que, após o decurso de certo


tempo, que varia conforme a gravidade do delito, a lembrança do crime apaga-se
da mente da sociedade, não mais existindo o temor causado pela sua prática,
deixando, pois, de haver motivo para a punição; b) teoria da expiação moral:
funda-se na ideia de que, com o decurso do tempo, o criminoso sobre a
expectativa de ser, a qualquer tempo, descoberto, processado e punido, o que já
lhe serve de aflição, sendo desnecessária a aplicação da pena: c) teoria da
ementa do delinquente: tem por base o fato de que o decurso do tempo traz, por si
só, mudança de comportamento, presumindo-se a sua regeneração e
demonstrando a desnecessidade da pena; d) teoria da dispersão das provas:
lastreia-se na ideia de que o decurso do tempo provoca a perda das provas,
tornando quase impossível realizar um julgamento justo muito tempo depois da
consumação do delito. Haveria maior possibilidade de ocorrência de erro
judiciário; e) teoria psicológica: funda-se na ideia de que, com o decurso do
tempo, o criminoso altera o seu modo de ser e de pensar, tornando-se pessoa
diversa daquela que cometeu a infração penal, motivando a não aplicação da
pena.1

18. Insofismável, que todas as teorias em conjunto, explicam a razão de existência da prescrição,
que não deixa de ser medida benéfica e positiva ao Apelante, diante da inércia do Estado em sua tarefa
de investigação e apuração do crime.

19. Da análise do caso concreto, o que justifica assim na falta de interesse processual em dar
prosseguimento à ação penal cuja prescrição é evidente.

20. Imperioso concluir que não há motivo para persecução penal, não persistindo causa para
movimentação de toda máquina judiciária hoje abarrotada de processos e pautas totalmente preenchidas,
quando do resultado do provimento jurisdicional pleiteado será inócuo sob o aspecto prático.

21. Extinguir o processo em curso face à perda do direito material de punir constitui resultado
lógico e inexorável, como se vislumbra no caso em tela.
22. Sobre a obrigatoriedade de reconhecimento da prescrição pelo juízo em qualquer grau, nos
ensina o saudoso professor Hélio Tornaghi2, QUE:

"... as causas de extinção de punibilidade são as previstas no art. 107 do Código


Penal. Se, em virtude de qualquer delas, desaparece a punibilidade antes de
instaurado o processo, esse perde a razão de existir e a eventual incoação dele
enseja o habeas corpus para trancá-lo. Se a extinção se dá no curso do processo,
o juiz deve declará-la de ofício (art. 61)" .

23. E ainda, colacionamos:

PENAL. PRESCRIÇÃO RETROATIVA. EXTINÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA


DO ESTADO. DESCONSTITUIÇÃO DA SENTENÇA CONDENATORIA.
PREJUDICADO O EXAME DO MERITO DA APELAÇÃO. - COM A
OCORRENCIA DA PRESCRIÇÃO RETROATIVA, FICA EXTINTA A
PRETENÇÃO PUNITIVA DO ESTADO, OU SEJA, A PUNIBILIDADE DO
AGENTE, E RESTANDO DESCONSTITUIDA A SENTENÇA QUE O
1
NUCCI, Souza, G. D. Curso de Direito Penal - Vol. 1 - Parte Geral - Arts. 1ª a 120 do Código Penal, 3ª edição. Rio de
Janeiro: Forense, p. 983, 2019.
2
TORNAGHI, Hélio. Curso de Processo Penal. 6ª ed. São Paulo: Saraiva, 1989. p. 388
CONDENOU. - A EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE PELA PRESCRIÇÃO DA
PRETENSÃO PUNITIVA PREJUDICA O EXAME DO MEITO DA APELAÇÃO
CRIMINAL. (SUMULA 241 DO EXTINTO TFR). ( TRF5 - Apelação Criminal:
ACR 694 PE 93.05.06042-0Relator(a): Des.Fed. Araken Mariz Julgamento :
15/12/1993 Órgão Julgador: Segunda Turma Publicação: DJ DATA-25/03/1994
PAGINA-12455)

24. Na decisão acima, vemos que para a doutrina e a jurisprudência dominante a prescrição é
matéria de ordem pública, deve ser reconhecida de ofício, e por tal, declarada extinta a punibilidade do
suposto agente, no caso, o Apelante, veda-se o exame do mérito da causa, “TRANCANDO-SE” A
AÇÃO.

Matéria de ordem pública que supera qualquer outra alegação, prejudicando o


exame do mérito. Extinção da punibilidade declarada, em face da pena
concretizada na sentença. (Apelação Crime Nº 70023880412, Quarta Câmara
Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Constantino Lisbôa de Azevedo,
Julgado em 05/06/2008)

25. No sentido do pleito do Paciente, já decidiu o STJ que tendo havido a prescrição da pena
aplicada, esta dever ser declarada como preliminar.

26. Aplicando-se os entendimentos supra no caso específico do Apelante, condenado à pena de


3 anos de reclusão, com lapso prescricional consolidado, é de rigor o reconhecimento da prescrição
retroativa, vejamos:
“PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. PRESCRIÇÃO
RETROATIVA. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. ORDEM CONCEDIDA. 1. Nos
termos do art. 110, § 1º, c/c os arts. 109, inc. V, e 119, todos do Código Penal, a
prescrição da pretensão punitiva, na hipótese, ocorre em 4 (quatro) anos, tendo
em vista que a pena aplicada para fins de contagem do prazo prescricional não
excede a 2 (dois) anos. 2. Ocorrência da extinção da punibilidade pela
prescrição da pretensão retroativa, uma vez que entre a data da sessão de
julgamento que condenou o paciente (17/1/2006), com trânsito em julgado para a
acusação, até data do recebimento da denúncia (15/4/1996) transcorreu período
de tempo superior a 4 (quatro) anos. 3. Ordem concedida para declarar extinta a
punibilidade quanto aos crimes imputados ao paciente, em face da prescrição
retroativa da pretensão punitiva do Estado, nos termos dos arts. 107, inciso IV,
c/c os arts. 109, inciso V; 110, § 1º, e 119 todos do Código Penal.” (HC
56444/MG, 5ª. Turma, rel. Arnaldo Esteves Lima, ordem concedida, v.u., j:
21.9.2006, DJU 16.10.2006)
27. Não há a necessidade de continuar com a utilização das vias processuais, quando se pode
atentar-se para os novos processos em trâmite e dando assim, maior repercussão junto à sociedade.

28. Em face do exposto, há de se reconhecer a extinção da punibilidade do Apelante, em razão


da prescrição da pretensão punitiva do Estado, com a devida absolvição da mesma nos termos do art.
397, IV, CPP.

3.2. Do mérito e da ausência da autoria; das provas e a consequente absolvição do Apelante

29. O tipo penal ao qual condenou o Apelante é o art. 16, parágrafo único, inciso IV, da Lei
10.826/03, descreve a conduta de quem “portar, possuir, adquirir, transportar ou fornecer arma de
fogo com numeração, marca ou qualquer outro sinal de identificação raspado, suprimido ou
adulterado”.

30. Na sua r. sentença, o MM juiz entendeu que “a materialidade do tipo penal ficou
demonstrada pelos elementos constantes do inquérito policial n. 100.17.00156 (evento 1): boletim de
ocorrência (evento 1, inquérito 4-6), termo de exibição e apreensão (evento 1, inquérito 11), relatório
de investigação (evento 1, inquérito 27-28) e laudo pericial (evento 19).”

31. E no que tange à autoria, entendeu que:

(...) a arma foi encontrada dentro do caminhão do acusado que, em um primeiro


momento, disse à autoridade policial que achou a arma em seu terreno e, em uma
segunda oportunidade, dias depois, compareceu na Delegacia para retificar seu
depoimento, ocasião em que confessou que adquiriu a arma de fogo, em tese,
para sua própria proteção.

32. Vejam, Excelências, a r. sentença ao decidir que a MATERIALIDADE e a AUTORIA dos


delitos são incontroversos, data maxima venia, verifica-se douto juiz a quo se baseou em conjecturas
que não foram provadas na instrução criminal.

José Carlos Pereira – Policial Militar (ev 3 vídeo 147- APF): (Delegado: Em
relação aos fatos o que ocorreu na data de hoje?) A gente foi acionado via
central, e teria um masculino em um caminhão vermelho, que estava em posse de
uma arma de fogo; a gente se deslocou até o bairro, chegando no local,
visualizamos o senhor Wanderlei, conversando com ele, relatou para nós que,
um masculino entrou em sua casa, quando ele viu o masculino dentro de sua
residência, deu um grito, o masculino se assustou e saiu fora, e quando ele foi
olhar na frente da casa dele, ele achou uma arma de fogo, uma 38; o Wanderlei
pegou e levou a arma para dentro do caminhão dele, ele ligou para o 190; (...)
Evandro Campos Navarro – Policial Militar (evento 3 , vídeo 148 - APF): (...)
(Delegado: Quando vocês chegaram essa arma já estava no caminhão?) Já
estava no caminhão, o próprio Wanderlei mostrou para nós, e disse: "Essa arma
está aqui dentro do meu caminhão, eu achei dentro do meu terreno", foi o que o
senhor Wanderlei falou para nós (...)

33. Em juízo, apesar de passados 6 anos dos fatos, pouco acrescentaram nos autos, mas
disseram:

Evandro Campos Navarro – Policial Militar (evento 228): é uma situação bem
delicada, eu não consigo me recordar detalhes, porque foi um falando do
outro, depois o próprio dono da residência, disse que o Anderson quando saiu
da residência deixou um revolver um arma, simplesmente ele pegou arma e
colocou dentro do veículo dele e mostrou para polícia, só que pegamos e
conduzimos ele para delegacia, por porte de arma de fogo, porque a gente não
entendeu muito bem os fatos, acabamos conduzindo os dois, um pela invasão de
domicilio e o outro pela posse da arma, não tenho muitos detalhes para contar
(...) (Defesa: O que eu quero saber é se o Wanderlei estava na posse dessa
arma? Se o Anderson estava na posse dessa arma? Quem que acionou a
policia militar?) Se eu não me engano a gente foi acionado pela nossa central,
só recebemos o chamado que alguém estaria na posse dessa arma de fogo,
chegamos até o local e escutamos o fato das duas versões, o senhor Wanderlei
disse que o Anderson entrou na casa dele, e depois ele foi lá e achou uma
arma, possivelmente deixada pelo Anderson, mas depois o próprio Wanderlei
levou nós até o veículo dele, e mostrou a onde estaria essa arma, que
possivelmente o anderson deixou no terreno dele, ele foi lá pegou a arma e
colocou dentro do próprio veículo, esse caminhão vermelho, foi ai que foi
localizado a arma.

José Carlos Pereira – Policial militar (evento 228): (Ministério Público: O


senhor se recorda dessa ocorrência?) Eu me recordo que a gente foi acionado
via central, e que um cara estava armado nessa rua, a gente chegou no local, e
arma estava dentro de um caminhão vermelho, eu não me recordo mais o que
aconteceu depois. (Ministério Público: O senhor lembra se foi encontrada essa
arma? Se tinha alguma munição? Se foi encontrada no carro, na casa?) Foi
achada uma arma, agora eu não sei a onde que foi achado. (grifa-se) (Defesa:
Em seu depoimento em fase policial, o senhor falou que nem o Wanderlei nem o
Anderson estavam em posse dessa arma de fogo, o senhor confirma essa
afirmação?) Não me recordo, só sei que a gente foi acionado para uma
denúncia em que um homem estaria armado, em um caminhão, a gente pegou e
abordou alguém no caminhão, mas eu não me recordo mais se foi o Anderson
ou se foi o outro, eu não sei com quem estaria essa arma de fogo. (Defesa: O
senhor não sabe como que essa arma de fogo apareceu?) Não.

34. A instrução processual demonstrou que o Apelante não pode ser responsabilizado
criminalmente por ter pegado a arma em questão, que estava no terreno de sua casa, após a invasão do s.
Anderson, e colocado em seu caminhão. Aliás, o fez com receio de alguém, ou até mesmo o próprio
meliante, pegar a arma naquele momento e praticar um mal ainda maior.

35. As testemunhas, exclusivas da acusação, não trouxeram certeza ao ocorrido e não deixaram
claro que o quem estava na posse ou porte da arma em questão, posto que não souberam dizer na
instrução.

36. Com a devida vênia, a sentença do juiz a quo, a um só tempo, viola quatro princípios
constitucionais: due processo of law, da ampla defesa, do contraditório e da dignidade da pessoa
humana, já que prejudica frontalmente a defesa em atuar.

37. Além do mais, Excelência, como consequência do princípio da reserva legal ou princípio da
legalidade, insculpido no inciso XXXIX do art. 5º da Constituição da República Federativa do Brasil e
no art. 1º da Código Penal Brasileiro, é necessário que existam bens jurídicos ou valores socialmente
relevantes, subsumidos nas normas incriminadoras como objeto de proteção do tipo penal, o que o MP
não conseguiu demonstrar.

38. Não ficou claro a autoria do fato ao crime, ou seja, não se demonstrou o sujeito ativo do
delito. O Apelante em nenhum momento concorreu para o crime, quiçá como coautor, então por que a
condenação? Não se consegue fazer qualquer relação lógico-jurídica entre a acusação e os fatos
instruídos no presente autos; não há qualquer prova de que a arma estava na posse do Apelante.

39. Um dos maiores nome do Direito Penal do século passado, Basileu Garcia 3, ao analisar o
autor de crimes em sua obra ensinava que "sujeito ativo do delito, ou agente, é quem o pratica. Só o
homem, individualmente ou associado, pode sê-lo."

40. As saudosas aulas do professor Mirabete4 nos ensinava que:

"sujeito ativo do crime é aquele que pratica a conduta descrita na lei, ou seja, o
fato típico. Só o homem, isoladamente ou associado a outros (co-autoria ou
participação), pode ser sujeito do crime, embora na Antigüidade (SIC!) e na
3
GARCIA, Basileu. Instituições de Direito Penal. 4ª ed., Vol. I, tomo II, 30ª tiragem, revista e atualizada. São Paulo: Max
Limonad, Editor de Livros de Direito, 1966, p. 214.
4
MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de direito penal. Parte Geral, artigos 1ª a 120 do C.P 15ª edição. São Paulo: Atlas,
1999, p. 122.
Idade Média ocorressem muitos processos contra animais. A capacidade geral
para praticar crime existe em todos os homens. Capaz de ação em sentido
jurídico - afirma Wessels - é toda pessoa natural independentemente de sua idade
ou de seu estado psíquico, portanto também os doentes mentais."

41. Assim, sujeito ativo é aquele que realiza o fato descrito no tipo penal. Será sempre uma
conduta humana a perpetrar o tipo penal, como ensina o ilustre professor Cézar Roberto Bitencourt 5 "o
sujeito ativo é quem pratica o fato descrito como crime na norma penal incriminadora. Para ser
considerado sujeito ativo de um crime é preciso executar total ou parcialmente a figura descritiva de
um crime.”
42. Sheila Jorge Selim de Sales além de conceituar sujeito ativo faz uma distinção entre este e
autor:

"o sujeito ativo é, portanto, o sujeito que pratica o fato descrito na norma penal
incriminadora. (...) Em todos os tipos penais vive um sujeito ativo. Este é o ser
humano, a pessoa natural. No Direito Penal brasileiro, em que a imposição de
uma sanção penal assenta-se sobre o princípio da culpabilidade, apesar de não
se cingir apenas a esta condição, sujeito ativo, como leciona Bento de Faria, é
"...todo o ser humano de existência real, isto é, a pessoa individual, porque a
vontade conceituada pelo direito penal, como capacidade ou faculdade de
querer, somente existe na pessoa física."6

43. Portanto, o sujeito ativo é aquele que se subsume ao tipo penal, da norma incriminadora.
Naturalmente, que a responsabilidade penal somente será imputada àqueles que participarem
efetivamente do fato delituoso. Em nenhum momento as testemunhas atestaram que o Apelante estava
com a arma, até porque chegaram depois que o Apelante(?) acionou a Polícia para lavrar o competente
BO.

44. Não há evidências mínimas nos autos da autoria do Apelante. A inexistência absoluta de
elementos hábeis a descrever a relação entre o fato delituoso e a autoria ofende o princípio
constitucional da ampla defesa, tornando inepta a acusação, devendo, desta forma, sê-la declarada nula,
absolutamente, com a consequente extinção do processo:

45. O ordenamento positivo brasileiro repudia as acusações genéricas e repele as sentenças


indeterminadas.

5
BITENCOURT, Cézar Roberto. Teoria geral do delito. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1997, p. 192.
6
SALES, Sheila Jorge Selim de. Do Sujeito Ativo na Parte Especial do Código Penal. Belo Horizonte: Livraria Del Rey
Editora, 1993,p. 21-23.
46. Como dito alhures, em juízo, o Apelante se manteve em silêncio, fazendo uso do seu direito
constitucional. Como é cediço, a Constituição Federal garante a presunção de inocência, de tal sorte que
se faz mister um conjunto probatório harmonioso e robusto para a imposição de um édito condenatório.

47. A dúvida deve levar, necessariamente, à absolvição, em apreço à constitucional presunção


de inocência, a menos que haja robusto conjunto probatório a elidi-la. Não é o que ocorre nos autos.

48. Os policiais não estavam no momento do fato, mas sim chegaram após ser acionados pelo
Apelante, sobre uma invasão de domicílio.

49. De acordo os depoimentos colhidos em Juízo, conclui-se que nem as provas trazidas pelo
policial, conclui que o mesmo não estava portando nenhuma arma, e tampouco munição, a palavra dos
agentes policiais não é apta a ensejar uma condenação.
50. Com efeito, a palavra policial não pode servir de sustentáculo para um grave édito
condenatório:

“Por outro lado, é de bom senso e cautela que o magistrado dê valor relativo ao
depoimento, pois a autoridade policial, naturalmente, vincula-se ao que produziu
investigando o delito, podendo não ter a isenção dispensável para narrar os
fatos, sem uma forte dose de interpretação. Outros policiais também podem ser
arrolados como testemunhas, o que, via de regra, ocorre com aqueles que
efetuaram a prisão em flagrante. Nesse caso, podem narrar importantes fatos,
embora não deva o juiz olvidar que eles podem estar emocionalmente vinculados
à prisão que realizaram, pretendendo validá-la e consolidar o efeito de suas
atividades. Cabe, pois, especial atenção para a avaliação da prova e sua força
como meio de prova totalmente isento”7

51. Neste sentido, ainda, o entendimento jurisprudencial:

“Por mais idôneo que seja o policial, por mais honesto e correto, se participou
da diligência, servindo de testemunha, no fundo está procurando legitimar sua
própria conduta, o que juridicamente não é admissível. A legitimidade de tais
depoimentos surge, pois, com a corroboração por testemunhas estranhas aos
quadros policiais”. (TACRIM 135.747).

“A principal função da Polícia, na repressão criminal, não é testemunhar fatos,


mas antes oferecer elementos de convicção que sustentem a acusação pública.
Entender o contrário e partir da presunção de autenticidade dos depoimentos
policiais, sem outras provas concludentes, é desnaturar o princípio do
contraditório e inverter o princípio da inocência presumida. Pois que ao réu,

7
Nucci, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. 2ª edição. São Paulo, RT, 2003
obviamente, não se há de exigir que prove sua inocência.” (TJSP – AP – Rel.
Andrade Vilhena – RT 429/385).

52. Este é todo o conjunto probatório produzido contra o Apelante, sendo patente sua
fragilidade, visto que não reúne elementos de certeza que autorizem a prolação de um decreto
condenatório. E a dúvida, resultado da insuficiência de provas, deve ser sempre interpretada em
benefício do réu, princípio basilar da seara penal, como aponta a jurisprudência:

“Sentença absolutória. Para a condenação do réu a prova há de ser plena e


convincente ao passo que para a absolvição basta a dúvida, consagrando-se o
princípio do in dubio pro reo, contido no artigo 386, VI, do CPP.” (JTACrim
72/26 – Rel. Álvaro Cury).
"(...) INSUFICIÊNCIA DE PROVAS PARA CONDENAÇÃO — DÚVIDA —
ABSOLVIÇÃO DECRETADA (386, VI, CPP) No processo criminal, máxime para
condenação, tudo deve ser claro como a luz, certo como a evidência, positivo
como qualquer expressão algébrica. Condenação exige certeza absoluta, fundada
em dados objetivos indiscutíveis, de caráter geral, que evidenciem o delito e a
autoria, não bastando a alta probabilidade na consciência do julgador, sob pena
de se transformar o princípio do livre convencimento em arbítrio" (Ap. Crim. n.
29.991, da Capital, j. em 16.08.93).

“Não pode haver condenação sem prova plena do crime e de sua autoria.
Indícios, ainda que veementes, desautorizam-na" (RT 181/89)

53. Desta forma, a manifesta insuficiência probatória deve levar, imprescindivelmente, à


absolvição do Apelante pelo crime de porte ilegal de arma de fogo, conforme previsão do Código de
Processo Penal, artigo 386, inciso VII, por ser medida de direito e justiça.

IV - DO PEDIDO

54. Diante do exposto, requer de Vossas Excelências:

a. considerando a condenação do Apelante foi de 3 anos de reclusão e que, a prescrição,


segundo o art. 110, CP, depois de transitar em julgado sentença final condenatória regula-
se pela pena aplicada e verificando-se os prazos fixados no art. 109, CP, in casu, segundo
o inciso IV deste artigo, a, requer a declaração da prescrição, com fulcro ao art. 109, CP
c/c art. 397, IV, CPP;
b. considerando a insuficiência probatória requer a absolvição do Apelante pelo crime de
porte ilegal de arma de fogo, conforme previsão do Código de Processo Penal, artigo
386, inciso VII.

Estes são os termos pelos quais, de Bal. Camboriú/SC, se pede deferimento, em 22 de agosto de 2023.

Dr. GUILHERME AUGUSTO CORRREA REHDER


Advogado OAB/SC 26.773

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