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COLENDA CÂMARA
ÍNCLITOS MAGISTRADOS
1. Como se pôde verificar nas alegações do r. MP, aquelas não disfarçaram a hecatombe às
categorias dogmáticas para a imputação de responsabilidade penal, ao prescindir complemente de
elementos probatórios vinculando subjetivamente o peticionário aos fatos.
2. Naquela oportunidade, o raciocínio da acusação foi muito claro: pouco importaria a absoluta
ausência de provas judiciais (art. 155, caput, CPP) relativamente a posse ou porte ilegal de arma de fogo
de uso restrito (art. 16, §1º, Lei 10.826/03) seriam, sozinhos, suficientes para atestar a culpa do réu. Um
disparate material e processual, quiçá, constitucional.
4. Para a autoria, estaria “comprovada nos autos, sobretudo a partir do Inquérito Policial e dos
relatos dos policiais militares”.
5. Apesar dos relatos trazidos e transcritos pela própria Acusação o r. Ministério Público
concluiu que “não há dúvidas de que o acusado portava arma de fogo de uso restrito com 6 (seis)
munições intactas, porquanto um revólver calibre .38 , da marca TAURUS, com número de série
suprimido”. E ainda, não se sabe como chegou neste raciocínio, alegou que a arma foi apreendida “no
interior do caminhão de sua propriedade, em desacordo com as determinações legais”. Tal fato foi
confirmado pelo depoimento dos agentes públicos, em ambas as fases procedimentais, assim como
pelo laudo pericial em arma de fogo (evento 19), tudo conforme relatado alhures, em harmonia com as
demais provas angariadas nestes autos.
II – DA SENTENÇA GUERREADA
O acusado não era menor de 21 anos na data dos fatos, pelo que inaplicável, na
hipótese, a redução do prazo do artigo 115 do CP.
Logo, sob qualquer ângulo que se analise a pretensão da defesa, e sem adentrar
na questão afeta à (in)aplicabilidade da prescrição retroativa/virtual, não há
falar em prescrição da pretensão punitiva estatal, pelo que afasto a prejudicial
suscitada.
Cumpre registrar, sob pena de omissão, que a defesa do acusado suscita, em sede
de alegações finais, inépcia da denúncia, porquanto entende que os fatos não
estão claramente individualizados na peça acusatória.
Como dito, contudo, a arma foi encontrada dentro do caminhão do acusado que,
em um primeiro momento, disse à autoridade policial que achou a arma em seu
terreno e, em uma segunda oportunidade, dias depois, compareceu na Delegacia
para retificar seu depoimento, ocasião em que confessou que adquiriu a arma de
fogo, em tese, para sua própria proteção.
10. Data maxima venia, não merece prosperar a r. sentença, pelos fatos e fundamentos a seguir
expostos.
12. 2. A prescrição da pretensão punitiva admite duas espécies: a retroativa (art. 110, CP) que
leva em conta a pena aplicada in concreto, e a prescrição em abstrato (art. 109, CP), que leva em
consideração a pena cominada in abstrato ao crime. Nesta última hipótese, o lapso prescricional é
calculado com base no máximo da pena cominada para o crime pelo legislador, aumentada ou diminuída
pelas causas de aumento ou diminuição da pena que eventualmente incidam à hipótese.
13. Como não houve qualquer causa suspensiva ou interruptiva do curso da prescrição, entre a
data do fato (13/08/2017,) e da data do recebimento da denúncia 22/03/2018 (ev. 17), transcorreu mais
de 7 (sete) meses.
15. Inarredável que, com a ocorrência do fato delituoso nasce para o Estado o poder-dever de
punir. Entretanto, tal atribuição não pode se estender ad infinitum, ou seja, a lei impõe um determinado
lapso temporal dentro do qual estaria o Estado legitimado a agir.
16. Caso o Estado não atue dentro de certo lapso temporal, este perde com a prescrição a
possibilidade jurídica de aplicar a pena ao Apelante, ou seja, o juz puniendi do infrator, por ter
demorado a fazê-lo.
17. A prescrição é um instituto bastante complexo, existindo várias teses argumentativas a sua
existência e ocorrência, enumerando algumas em sua obra de Comentários do Código Penal o Ilustre
Guilherme de Souza Nucci, que se faz oportuna citação:
18. Insofismável, que todas as teorias em conjunto, explicam a razão de existência da prescrição,
que não deixa de ser medida benéfica e positiva ao Apelante, diante da inércia do Estado em sua tarefa
de investigação e apuração do crime.
19. Da análise do caso concreto, o que justifica assim na falta de interesse processual em dar
prosseguimento à ação penal cuja prescrição é evidente.
20. Imperioso concluir que não há motivo para persecução penal, não persistindo causa para
movimentação de toda máquina judiciária hoje abarrotada de processos e pautas totalmente preenchidas,
quando do resultado do provimento jurisdicional pleiteado será inócuo sob o aspecto prático.
21. Extinguir o processo em curso face à perda do direito material de punir constitui resultado
lógico e inexorável, como se vislumbra no caso em tela.
22. Sobre a obrigatoriedade de reconhecimento da prescrição pelo juízo em qualquer grau, nos
ensina o saudoso professor Hélio Tornaghi2, QUE:
24. Na decisão acima, vemos que para a doutrina e a jurisprudência dominante a prescrição é
matéria de ordem pública, deve ser reconhecida de ofício, e por tal, declarada extinta a punibilidade do
suposto agente, no caso, o Apelante, veda-se o exame do mérito da causa, “TRANCANDO-SE” A
AÇÃO.
25. No sentido do pleito do Paciente, já decidiu o STJ que tendo havido a prescrição da pena
aplicada, esta dever ser declarada como preliminar.
29. O tipo penal ao qual condenou o Apelante é o art. 16, parágrafo único, inciso IV, da Lei
10.826/03, descreve a conduta de quem “portar, possuir, adquirir, transportar ou fornecer arma de
fogo com numeração, marca ou qualquer outro sinal de identificação raspado, suprimido ou
adulterado”.
30. Na sua r. sentença, o MM juiz entendeu que “a materialidade do tipo penal ficou
demonstrada pelos elementos constantes do inquérito policial n. 100.17.00156 (evento 1): boletim de
ocorrência (evento 1, inquérito 4-6), termo de exibição e apreensão (evento 1, inquérito 11), relatório
de investigação (evento 1, inquérito 27-28) e laudo pericial (evento 19).”
José Carlos Pereira – Policial Militar (ev 3 vídeo 147- APF): (Delegado: Em
relação aos fatos o que ocorreu na data de hoje?) A gente foi acionado via
central, e teria um masculino em um caminhão vermelho, que estava em posse de
uma arma de fogo; a gente se deslocou até o bairro, chegando no local,
visualizamos o senhor Wanderlei, conversando com ele, relatou para nós que,
um masculino entrou em sua casa, quando ele viu o masculino dentro de sua
residência, deu um grito, o masculino se assustou e saiu fora, e quando ele foi
olhar na frente da casa dele, ele achou uma arma de fogo, uma 38; o Wanderlei
pegou e levou a arma para dentro do caminhão dele, ele ligou para o 190; (...)
Evandro Campos Navarro – Policial Militar (evento 3 , vídeo 148 - APF): (...)
(Delegado: Quando vocês chegaram essa arma já estava no caminhão?) Já
estava no caminhão, o próprio Wanderlei mostrou para nós, e disse: "Essa arma
está aqui dentro do meu caminhão, eu achei dentro do meu terreno", foi o que o
senhor Wanderlei falou para nós (...)
33. Em juízo, apesar de passados 6 anos dos fatos, pouco acrescentaram nos autos, mas
disseram:
Evandro Campos Navarro – Policial Militar (evento 228): é uma situação bem
delicada, eu não consigo me recordar detalhes, porque foi um falando do
outro, depois o próprio dono da residência, disse que o Anderson quando saiu
da residência deixou um revolver um arma, simplesmente ele pegou arma e
colocou dentro do veículo dele e mostrou para polícia, só que pegamos e
conduzimos ele para delegacia, por porte de arma de fogo, porque a gente não
entendeu muito bem os fatos, acabamos conduzindo os dois, um pela invasão de
domicilio e o outro pela posse da arma, não tenho muitos detalhes para contar
(...) (Defesa: O que eu quero saber é se o Wanderlei estava na posse dessa
arma? Se o Anderson estava na posse dessa arma? Quem que acionou a
policia militar?) Se eu não me engano a gente foi acionado pela nossa central,
só recebemos o chamado que alguém estaria na posse dessa arma de fogo,
chegamos até o local e escutamos o fato das duas versões, o senhor Wanderlei
disse que o Anderson entrou na casa dele, e depois ele foi lá e achou uma
arma, possivelmente deixada pelo Anderson, mas depois o próprio Wanderlei
levou nós até o veículo dele, e mostrou a onde estaria essa arma, que
possivelmente o anderson deixou no terreno dele, ele foi lá pegou a arma e
colocou dentro do próprio veículo, esse caminhão vermelho, foi ai que foi
localizado a arma.
34. A instrução processual demonstrou que o Apelante não pode ser responsabilizado
criminalmente por ter pegado a arma em questão, que estava no terreno de sua casa, após a invasão do s.
Anderson, e colocado em seu caminhão. Aliás, o fez com receio de alguém, ou até mesmo o próprio
meliante, pegar a arma naquele momento e praticar um mal ainda maior.
35. As testemunhas, exclusivas da acusação, não trouxeram certeza ao ocorrido e não deixaram
claro que o quem estava na posse ou porte da arma em questão, posto que não souberam dizer na
instrução.
36. Com a devida vênia, a sentença do juiz a quo, a um só tempo, viola quatro princípios
constitucionais: due processo of law, da ampla defesa, do contraditório e da dignidade da pessoa
humana, já que prejudica frontalmente a defesa em atuar.
37. Além do mais, Excelência, como consequência do princípio da reserva legal ou princípio da
legalidade, insculpido no inciso XXXIX do art. 5º da Constituição da República Federativa do Brasil e
no art. 1º da Código Penal Brasileiro, é necessário que existam bens jurídicos ou valores socialmente
relevantes, subsumidos nas normas incriminadoras como objeto de proteção do tipo penal, o que o MP
não conseguiu demonstrar.
38. Não ficou claro a autoria do fato ao crime, ou seja, não se demonstrou o sujeito ativo do
delito. O Apelante em nenhum momento concorreu para o crime, quiçá como coautor, então por que a
condenação? Não se consegue fazer qualquer relação lógico-jurídica entre a acusação e os fatos
instruídos no presente autos; não há qualquer prova de que a arma estava na posse do Apelante.
39. Um dos maiores nome do Direito Penal do século passado, Basileu Garcia 3, ao analisar o
autor de crimes em sua obra ensinava que "sujeito ativo do delito, ou agente, é quem o pratica. Só o
homem, individualmente ou associado, pode sê-lo."
"sujeito ativo do crime é aquele que pratica a conduta descrita na lei, ou seja, o
fato típico. Só o homem, isoladamente ou associado a outros (co-autoria ou
participação), pode ser sujeito do crime, embora na Antigüidade (SIC!) e na
3
GARCIA, Basileu. Instituições de Direito Penal. 4ª ed., Vol. I, tomo II, 30ª tiragem, revista e atualizada. São Paulo: Max
Limonad, Editor de Livros de Direito, 1966, p. 214.
4
MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de direito penal. Parte Geral, artigos 1ª a 120 do C.P 15ª edição. São Paulo: Atlas,
1999, p. 122.
Idade Média ocorressem muitos processos contra animais. A capacidade geral
para praticar crime existe em todos os homens. Capaz de ação em sentido
jurídico - afirma Wessels - é toda pessoa natural independentemente de sua idade
ou de seu estado psíquico, portanto também os doentes mentais."
41. Assim, sujeito ativo é aquele que realiza o fato descrito no tipo penal. Será sempre uma
conduta humana a perpetrar o tipo penal, como ensina o ilustre professor Cézar Roberto Bitencourt 5 "o
sujeito ativo é quem pratica o fato descrito como crime na norma penal incriminadora. Para ser
considerado sujeito ativo de um crime é preciso executar total ou parcialmente a figura descritiva de
um crime.”
42. Sheila Jorge Selim de Sales além de conceituar sujeito ativo faz uma distinção entre este e
autor:
"o sujeito ativo é, portanto, o sujeito que pratica o fato descrito na norma penal
incriminadora. (...) Em todos os tipos penais vive um sujeito ativo. Este é o ser
humano, a pessoa natural. No Direito Penal brasileiro, em que a imposição de
uma sanção penal assenta-se sobre o princípio da culpabilidade, apesar de não
se cingir apenas a esta condição, sujeito ativo, como leciona Bento de Faria, é
"...todo o ser humano de existência real, isto é, a pessoa individual, porque a
vontade conceituada pelo direito penal, como capacidade ou faculdade de
querer, somente existe na pessoa física."6
43. Portanto, o sujeito ativo é aquele que se subsume ao tipo penal, da norma incriminadora.
Naturalmente, que a responsabilidade penal somente será imputada àqueles que participarem
efetivamente do fato delituoso. Em nenhum momento as testemunhas atestaram que o Apelante estava
com a arma, até porque chegaram depois que o Apelante(?) acionou a Polícia para lavrar o competente
BO.
44. Não há evidências mínimas nos autos da autoria do Apelante. A inexistência absoluta de
elementos hábeis a descrever a relação entre o fato delituoso e a autoria ofende o princípio
constitucional da ampla defesa, tornando inepta a acusação, devendo, desta forma, sê-la declarada nula,
absolutamente, com a consequente extinção do processo:
5
BITENCOURT, Cézar Roberto. Teoria geral do delito. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1997, p. 192.
6
SALES, Sheila Jorge Selim de. Do Sujeito Ativo na Parte Especial do Código Penal. Belo Horizonte: Livraria Del Rey
Editora, 1993,p. 21-23.
46. Como dito alhures, em juízo, o Apelante se manteve em silêncio, fazendo uso do seu direito
constitucional. Como é cediço, a Constituição Federal garante a presunção de inocência, de tal sorte que
se faz mister um conjunto probatório harmonioso e robusto para a imposição de um édito condenatório.
48. Os policiais não estavam no momento do fato, mas sim chegaram após ser acionados pelo
Apelante, sobre uma invasão de domicílio.
49. De acordo os depoimentos colhidos em Juízo, conclui-se que nem as provas trazidas pelo
policial, conclui que o mesmo não estava portando nenhuma arma, e tampouco munição, a palavra dos
agentes policiais não é apta a ensejar uma condenação.
50. Com efeito, a palavra policial não pode servir de sustentáculo para um grave édito
condenatório:
“Por outro lado, é de bom senso e cautela que o magistrado dê valor relativo ao
depoimento, pois a autoridade policial, naturalmente, vincula-se ao que produziu
investigando o delito, podendo não ter a isenção dispensável para narrar os
fatos, sem uma forte dose de interpretação. Outros policiais também podem ser
arrolados como testemunhas, o que, via de regra, ocorre com aqueles que
efetuaram a prisão em flagrante. Nesse caso, podem narrar importantes fatos,
embora não deva o juiz olvidar que eles podem estar emocionalmente vinculados
à prisão que realizaram, pretendendo validá-la e consolidar o efeito de suas
atividades. Cabe, pois, especial atenção para a avaliação da prova e sua força
como meio de prova totalmente isento”7
“Por mais idôneo que seja o policial, por mais honesto e correto, se participou
da diligência, servindo de testemunha, no fundo está procurando legitimar sua
própria conduta, o que juridicamente não é admissível. A legitimidade de tais
depoimentos surge, pois, com a corroboração por testemunhas estranhas aos
quadros policiais”. (TACRIM 135.747).
7
Nucci, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. 2ª edição. São Paulo, RT, 2003
obviamente, não se há de exigir que prove sua inocência.” (TJSP – AP – Rel.
Andrade Vilhena – RT 429/385).
52. Este é todo o conjunto probatório produzido contra o Apelante, sendo patente sua
fragilidade, visto que não reúne elementos de certeza que autorizem a prolação de um decreto
condenatório. E a dúvida, resultado da insuficiência de provas, deve ser sempre interpretada em
benefício do réu, princípio basilar da seara penal, como aponta a jurisprudência:
“Não pode haver condenação sem prova plena do crime e de sua autoria.
Indícios, ainda que veementes, desautorizam-na" (RT 181/89)
IV - DO PEDIDO
Estes são os termos pelos quais, de Bal. Camboriú/SC, se pede deferimento, em 22 de agosto de 2023.