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Aula 04
Ciências Criminais
BIANCHINI, Alice, Lei dos crimes de responsabilidade fiscal e
irresponsabilidade legislativa, in www.direitocriminal.com.br,
26.11.2000
Ora, é basilar no direito que “não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia
cominação legal” (art. 5º, XXXIX, da CF e art. 1º do Código Penal). Deslindada pela mídia,
apesar da demora, esta questão, e aclarados os ânimos dos prefeitos preocupados em manter
a sua liberdade, percebe-se uma outra inquietação, agora por parte da sociedade, na qual fica
patente o inconformismo com a impossibilidade de a Lei alcançar os atuais chefes do executivo
municipal, concluindo que tudo resta como impunidade. É assim que a garantia insculpida no
princípio da legalidade – conquista inequívoca do Iluminismo, galgada não sem combates – é
tida como empecilho à concretização da justiça, vista como punição a todo e qualquer custo.
Apesar da inversão de valores, o equívoco da sociedade é compreensível. Baseia-se na (falsa)
crença – alimentada pelo legislativo quando elabora leis apenas para atender à demanda social,
totalmente desvinculadas de outros valores a que deve compromisso – na eficácia do direito
penal como redutor e até mesmo pacificador dos problemas que perturbam a sociedade.
De tal modo os assuntos penais são carregados de argumentos emocionais que se deixam de
discutir questões de suma importância, a começar pela própria terminologia anteriormente
adotada pela Lei 1079/50, e que é mantida pela Lei dos crimes de responsabilidade fiscal: a
norma mencionada – que teve o seu rol de condutas puníveis alargado em razão do artigo 3º
da Lei dos crimes de responsabilidade fiscal – chama de “crimes de responsabilidade” condutas
às quais não se comina nenhuma sanção de natureza penal, mas, tão somente, sanções
político-administrativas. Não sendo ilícitos penais, porque não há previsão de qualquer das
sanções estabelecidas no Código Penal ou nas Constituições que vigoraram após a edição da
Lei, não se poderia chamá-los de “crimes”. A nuança terminológica que pode parecer somente
uma implicância do hermeneuta, acaba por levar a confusões, já que induz à crença de que as
condutas previstas na mencionada Lei são puníveis a título de crime. E não é o que ocorre, já que
a única sanção prevista (perda do cargo, com inabilitação, de até cinco anos, para o exercício
de qualquer função pública – art. 2º) é de natureza eminentemente político-administrativa.
Ciências Criminais
No que se refere ao Decreto-lei 201/67, que também foi alterado pela Lei dos crimes de
responsabilidade fiscal, há previsão de sanção de natureza penal (reclusão, de dois a doze
anos) para aqueles que praticarem as condutas previstas nos dois primeiros incisos do
artigo 1º e pena de detenção, de três meses a três anos para aqueles que descumprirem os
demais (inclusive os outros oito incisos acrescidos pela Lei dos crimes de responsabilidade
fiscal), não sendo pertinente, portanto, a crítica pela impropriedade terminológica contida
na Lei 1079/50. Há outro aspecto a ser atacado, no entanto: é que o legislador dispensa
tratamento diferenciado, quando a mesma conduta tenha sido praticada, a representante
do executivo municipal, comparado ao estadual ou ao federal. Quanto ao primeiro, além da
pena de perda do cargo, com inabilitação da função pública, a lei comina as já mencionadas
penas privativas de liberdade. No que se refere aos dois últimos, existe previsão, apenas, de
sanção político-administrativa. Há ofensa flagrante ao princípio da igualdade, por meio do
qual, qualquer descrimen praticado pelo legislador deve estar fundamentado em critério
de necessidade e de razoabilidade, atributos que não se fazem presentes. Deixa de existir
qualquer razão para que se imputem conseqüências jurídicas diferenciadas para condutas
idênticas praticadas por entes políticos, sejam eles da esfera municipal (que no caso é mais
gravemente punido), ou estadual, ou federal (para estes níveis, há previsão de idêntica pena).
A confusão é completa quando se trata de analisar o art. 3º, que acrescenta o 41-A à Lei
1079/50. Primeiramente, se for entendido que as condutas a que ele faz referência e que
se encontram previstas no art. 10 da própria Lei 1079/50 são de caráter penal (e isto já foi
anteriormente contestado), torna-se absurdo permitir “a todo cidadão, o oferecimento da
denúncia”, pois amplia o rol dos legitimados para propositura da ação penal, em total afronta
ao art. 129, I, da Constituição, que estabelece a competência privativa do Ministério Público.
A julgar pela quantidade de equívocos cometidos pelo legislador, não é difícil prever
que a eficácia da Lei estará subordinada à transposição de tantos obstáculos. Além
das já conhecidas dificuldades de se dar aplicação aos dispositivos repressivos quando
se trata de buscar a punição de agentes com elevado poder econômico e político,
o legislador acaba por contribuir com esta situação ao elaborar Lei sem a devida
preocupação com a técnica legislativa e contendo flagrantes vícios de constitucionalidade.
Será mais uma lei fadada ao fracasso? E de quem será a responsabilidade? Ciências Criminais