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02/02/2023 15:35 Acórdão do Tribunal da Relação do Porto

Acórdãos TRP Acórdão do Tribunal da Relação do Porto


Processo: 6928/17.1T9VNG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: NUNO PIRES SALPICO
Descritores: HOMICÍDIO NEGLIGENTE
CULPA EXCLUSIVA DO CONDUTOR
VÍTIMA MORTAL
PREVENÇÃO GERAL
PREVENÇÃO ESPECIAL
PENAS DE MULTA
PENA DE PRISÃO
PENA SUSPENSA
Nº do Documento: RP202104146928/17.1T9PRT.P1
Data do Acordão: 14-04-2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: JULGADO PROCEDENTE O RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I – As elevadas exigências de prevenção geral fixadas na pesada sinistralidade rodoviária
nacional com um elevado número anual de vítimas mortais, constituindo um pungente
problema normativo, social e económico do país, que associada à culpa exclusiva do
arguido na causalidade do sinistro, não poderia determinar a escolha da pena de multa, a
qual não cumpre as referidas exigências, ficando aquém do ponto comunitariamente
suportável da tutela do bem vida humana.
II – A opção pela pena de multa justifica-se em situações distintas, com culpa contida:
concretamente, quando ocorrem atenuantes especiais; ou nos casos em que se apura
concurso de culpas, com culpa menor do arguido na densidade causal sobre a produção
do sinistro.
III – O conceito de culpa como elemento do crime não coincide com a categoria da culpa
como parâmetro da medida da pena.
IV – A importância da culpa não se esgota na fixação do limite máximo de ponderação da
pena concreta prevista no nº 2 do art.40 do CP. Antes, os parâmetros da culpa tem
incidência mais interventiva, em diversas operações de mensuração das penas; na opção
da pena de substituição aquando da suspensão do regime de execução da pena de
prisão; nos casos de atenuação especial da pena, e na pena única nos cúmulos jurídicos.
V – Na decisão da medida da pena, a lei convoca expressamente juízos de culpa para
além do momento da prática do facto, interessando a conduta anterior, o homem do
presente, com as suas mudanças de atitude e a prognose futura.
VI – Para a fixação do limite máximo de ponderação cfr.art.40º nº 2 do CP, a culpa afere a
conduta anterior ao facto e deslocando-se para jusante, assimila e desempenha um
efeito integrador e atualista das atitudes posteriores, assumindo uma importância
superior ao momento que se cristalizou na prática do facto típico.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. 6928/17.1T9VNG.P1
XXX
Acordam em conferência, na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto:

Em processo comum com intervenção de Tribunal singular que correu termos no Juízo
Local Criminal de Vila Nova de Gaia do Tribunal de Comarca do Porto, procedeu-se a
julgamento com observância das formalidades legais. Foi proferida sentença condenando
o arguido B… pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de
homicídio por negligência, p. e p. pelo artigo 137º, n.º 1 do Código Penal, na pena de
180 (cento e oitenta) dias de multa à taxa diária de €7 (sete euros), o que perfaz a
quantia de €1.260,00 (mil, duzentos e sessenta euros).
Mais se condenou o arguido B… na pena acessória de proibição de conduzir veículos
motorizados de qualquer categoria pelo período de 11 (onze) meses, a qual já transitou.
*
Tendo o recurso do arguido já sido apreciado, o qual não foi provido, resta apreciar o
recurso interposto pelo Ministério Público da sentença, com os seguintes fundamentos:
Da escolha da pena:
O crime de homicídio por negligência, p. e p. no art.º 137.º do Código Penal, é – no caso
em análise, que cai na previsão do seu n.º 1 - punido, com pena de prisão até três anos
ou com pena de multa.
Sendo ao crime aplicável, em alternativa, pena privativa e pena não privativa de
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liberdade, o tribunal, nos termos do art.º 70.º do Código Penal, dá preferência à segunda,
sempre que esta realizar, de forma adequada e suficiente, as finalidades de punição.
O recurso à pena privativa de liberdade só é, pois, legítimo, quando, dadas as
circunstâncias, não se mostrem adequadas as sanções não privativas da liberdade.
A escolha entre a pena de prisão ou a pena alternativa depende unicamente de
considerações de prevenção geral e especial (veja-se, a propósito, F. Dias, Direito Penal
II, As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, 331, onde se refere que as finalidades da
punição cujo respeito a lei exige “são finalidades exclusivamente preventivas, de
prevenção especial e de prevenção geral, não finalidades de compensação da culpa, que
justificam (e impõem) a preferência por uma pena alternativa ou por uma pena de
substituição e a sua efectiva aplicação”. Assim, também, Paulo Pinto de Albuquerque, in
Comentário do Código Penal, pg. 266, nota 2 “A escolha das penas é determinada
apenas por considerações de natureza preventiva, uma vez que as finalidades da
punição são exclusivamente preventivas”).
Na medida em que o art.º 70.º do Código Penal elege como critério de escolha da pena a
melhor prossecução das finalidades da punição, na aplicação deste preceito importa,
pois, naturalmente, ter em atenção o disposto no art.º 40.º do Código Penal.
Daí que o que decisivamente importa, para o efeito, é ver se a opção pela pena de prisão
se mostra necessária, adequada e proporcionada, ao serviço dos objectivos de
prevenção geral e especial.
No caso em apreço, considerando a factualidade provada e as fortíssimas necessidades
de prevenção geral, salvo o devido respeito, parece-nos manifesto que apenas a opção
pela pena de prisão assegura de forma cabal aquelas necessidades, mormente na
vertente da prevenção geral, sendo a única capaz de restaurar, junto da sociedade, a
confiança na validade da norma jurídica violada.
Com efeito, em face da elevadíssima sinistralidade rodoviária que se verifica em
Portugal, onde quase diariamente se verificam acidentes de viação originados pela
violação de regras estradais, muitos dos quais com consequências mortais (de acordo
com os números disponibilizados pelas entidades competentes e divulgados pela
comunicação social, entre 1 de Janeiro e 15 de Agosto de 2019, faleceram 285 pessoas,
vítimas de acidente de viação), a opção por uma pena de multa não asseguraria, de
forma alguma, as ditas necessidades de prevenção geral.
Esta conclusão mais se impõe, se atentarmos que o acidente em causa se deveu – como
resultou dos factos provados - a culpa exclusiva do arguido (na verdade, a nosso ver, a
opção pela pena de multa, em situações análogas, apenas poderá ser compreendida
pela sociedade em situações de repartição de culpas, na produção do acidente, em que a
conduta do ofendido/vítima, se assuma, também ela, como causa relevante/significativa,
para a respectiva produção, mas não, já, naquelas outras em que apenas o arguido para
elas contribuiu) e em local que conhecia, como admitiu em audiência e correctamente se
menciona, na respetiva motivação (veja-se, neste sentido, os acórdãos da Relação do
Porto de 13.4.2005 e 28.10.2015 in www.dgsi.pt/jtrp e da Relação de Évora de
22.10.2019 e 6.3.2012, in www.dgsi.pt/jtre, consignando-se neste último, se o agente foi
condenado pela prática do crime de homicídio negligente e de um crime de ofensa à
integridade física por negligência, de que resultaram ofensas à integridade física grave,
para a outra vítima, emergente de acidente de viação, com culpa exclusiva do arguido,
motorista profissional e condutor de veículos pesados, sem antecedentes criminais, que
não confessou os factos (…) não se justifica a opção pela pena de multa (inadequada e
ineficaz face às necessidades de prevenção geral positiva ou de integração, num
contexto social em que se verifica a ocorrência de inúmeros acidentes de viação), mas
antes a opção pela pena de prisão, suspensa na sua execução, tendo especialmente em
conta as necessidades de prevenção geral, devido ao alto nível de sinistros rodoviários).
Por outro lado, as necessidades de prevenção geral não são, a meu ver, despiciendas,
bastando atentar no facto de o arguido, pese embora ter assumido que, se circulasse
mais devagar, o acidente não teria ocorrido, persistir em justificar o seu comportamento,
não tendo confessado, nem assumido a responsabilidade na sua produção.
Pelo exposto, discordamos da Mm.ª Juiz, quando afirma que a pena de multa é bastante,
em ordem a restaurar/reafirmar, perante a sociedade, a confiança na norma violada.
Com efeito, a já mencionada frequência com que este tipo de crime é – e continua a ser -
cometido, em Portugal, não obstante as insistentes campanhas de sensibilização,
levadas a cabo, demanda uma resposta firme dos tribunais, no sentido de reafirmar a
validade da norma, perante a sociedade em geral.
Neste contexto, afigura-se-nos, claramente, que a pena de multa não assegura as
finalidades da punição, o que só será assegurado pela opção pela pena de prisão, que se
mostra necessária, adequada e proporcional.
Da medida da pena de prisão a aplicar e da suspensão da sua execução:
(…)No caso dos autos, há que ponderar:
A, meu ver, significativa ilicitude dos factos e culpa com que actuou, traduzida no facto de
o arguido, por força da velocidade a que circulava, desajustada para o local, ter invadido
e passado a circular pela faixa de rodagem reservada a quem o fazia em sentido

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contrário ao seu, assim dando causa, por sua culpa exclusiva, à colisão da qual resultou
a morte do ofendido, bem como, ainda, derivado do facto de conhecer o local, facto que
mais lhe impunha que tomasse os cuidados que omitiu.
O local onde os factos ocorreram e a circunstância do arguido o conhecer bem, sabendo
da sua perigosidade, mormente por via da transição do pavimento de alcatrão para
calçada (paralelo), o que lhe impunha cuidados acrescidos, na condução a adoptar.
O veículo que conduzia (automóvel ligeiro de passageiros), que, pelas suas
características, oferece especiais riscos, para os demais utilizadores da via.
O grau de violação dos deveres que lhe estavam impostos, não se podendo afirmar, a
nosso ver, que o facto de ter agido com negligência inconsciente, se traduza numa
diminuição da culpa, ou numa culpa diminuta, em face das supra indicadas
circunstâncias.
A revelada ausência de sentido crítico para a sua conduta, não tendo sido capaz de
assumir a responsabilidade pela produção do acidente apesar de ter assumido que, se
conduzisse a 10 ou a 20 km/h, em vez dos 40 km/h que afirmou imprimir ao veículo, o
acidente não teria ocorrido.
As elevadíssimas necessidades de prevenção geral, na vertente positiva e negativa, já
acima salientada.
A favor do arguido a ausência de antecedentes criminais, com relevo em sede de
prevenção especial e o facto de se encontrar familiar e profissionalmente inserido.
Tudo sopesado, entende-se adequada a aplicação à arguida da pena de 15 meses de
prisão, naturalmente suspensa na sua execução, por igual período, nos termos do art.º
50.º do Código Penal, por se entender, em face, desde logo, da ausência de
antecedentes criminais, que a mera censura do facto e a ameaça do cumprimento da
pena de prisão, realizarão de forma adequada e suficiente as necessidades da punição,
afastando o arguido da prática de novos crimes.
Conclusões:
1. Pela prática de um crime de homicídio negligente, da previsão do art.º 137.º n.º 1 do
CP, punível com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa, foi o arguido
condenado na pena de cento e oitenta dias de multa, à taxa diária de 7 euros.
2. Ponderando as elevadíssimas necessidades de prevenção geral – com tradução na
elevadíssima sinistralidade rodoviária que se verifica em Portugal, fruto da violação das
regras estradais, não obstante as constantes campanhas de sensibilização - e as
consequências que da mesma advém, em termos, mormente, de vidas humanas
anualmente ceifadas e as necessidades de prevenção especial que, in casu, se fazem
sentir (que, não sendo muito elevadas, não são despiciendas, em face, desde logo, da
incapacidade, por parte do arguido, de, admitindo, embora, que se circulasse a
velocidade inferior à que imprimia ao veículo, o embate não teria ocorrido, persistir na
“negação” de a responsabilidade na sua produção fosse sua), o contexto em que o
acidente ocorreu, a pena de multa, em situação de homicídio, fruto, para mais, de culpa
exclusiva do arguido (como se extrai dos factos provados), afigura-se-nos
manifestamente desajustada, não assegurando as finalidades da punição, porquanto não
teria o efeito de reafirmar, junto da sociedade, a confiança na validade da norma jurídica
violada.
3. O que apenas será alcançado mediante a aplicação ao arguido de uma pena de
prisão, a qual se apresenta necessária, adequada e proporcional ao caso em apreço e a
única que permitirá alcançar tais finalidades, protecção dos bens jurídicos e a
reintegração do agente na sociedade.
4. Pena de prisão que, tendo por base os critérios de determinação da medida da pena,
plasmados no art.º 71.º do Código Penal, à luz dos factos dados como provados na douta
sentença, considerando, desde logo a elevada ilicitude e culpa (com tradução no grau de
violação dos deveres impostos) com que o arguido actuou (resultante da contra-
ordenação cometida, do facto de o acidente se dever a culpa exclusiva do arguido, do
veículo que conduzia e do local em que o acidente ocorreu, bem como de conhecer as
características do local, por já aí ter passado anteriormente, sabendo, como admitiu, que
se circulasse a velocidade mais reduzida, o acidente não se teria dado e as
necessidades de prevenção, se entende dever ser fixada em 15 meses.
5. Pena de prisão que, sopesando a ausência de antecedentes criminais do arguido e a
sua inserção social, profissional e familiar, deverá ser suspensa na sua execução, por
igual período, por se entender que a mera ameaça do cumprimento da pena será
suficiente para afastar o arguido da prática de novos crimes, assim se alcançando as
finalidades da punição, consagradas no art.º 40.º do CP.
Mostram-se violados os art.ºs 40.º, 70.º e 71.º, todos do Código Penal.
Revogando, assim, a douta sentença recorrida e condenando-se o arguido na pena de
quinze (15) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, nos termos
das disposições dos artigos 137.º n.º 1 e 50.º n.º 1 do Código Penal, farão Vossas
Excelências, Justiça.
*
O arguido não respondeu.

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*
Neste tribunal de recurso o Digno Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, sustentando
que, o acidente ocorrendo por culpa exclusiva do arguido e as necessidades de
prevenção geral, no caso, são muito elevadas, o que justifica a alteração da sentença
defendida pelo recorrente, condenação do arguido na pena de 15 meses de prisão
suspensa na sua execução.
Assim somos do parecer que deverá ser dado provimento ao recurso interposto pelo
Ministério Público.
*
Cumprido o preceituado no artigo 417º número 2 do Código Processo Penal nada veio a
ser acrescentado de relevante no processo.
Efetuado o exame preliminar e colhidos os vistos legais foram os autos submetidos a
conferência.
Nada obsta ao conhecimento do mérito.
*
II. Objeto do recurso e sua apreciação.

O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pela recorrente da respetiva


motivação, sendo apenas as questões aí sumariadas as que o tribunal de recurso tem de
apreciar (Cfr. Prof. Germano Marques da Silva, "Curso de Processo Penal" III, 2ª ed.,
pág. 335 e jurisprudência uniforme do STJ (cfr. Ac. STJ de 28.04.99, CJ/STJ, ano de
1999, p. 196 e jurisprudência ali citada), sem prejuízo das questões de conhecimento
oficioso, nomeadamente os vícios indicados no art. 410º nº 2 do CPP.

É assim composto exclusivamente por matéria de Direito, atinente à opção pela pena
privativa da liberdade.
*
Do enquadramento dos factos.
Matéria de facto provada:
Discutida a causa ficaram provados e assentes os seguintes factos com interesse para a
decisão da causa:
1. “No dia 5 de Dezembro de 2017, pelas 8h51, o arguido conduzia o veículo ligeiro com
matrícula ..-..-RH pela Rua …, no sentido …/…, em Vila Nova de Gaia, quando seguia
em sentido oposto na mesma artéria C…, acompanhado por D…, os quais seguiam no
veículo ligeiro de matrícula ..-..-TH.
2. Sucede que, nessas circunstâncias de tempo, modo e lugar, o arguido, por falta de
atenção e prudência, perdeu o controlo da viatura em que seguia, após ter efectuado a
curva à direita existente naquela via, e invadiu a via de circulação do veículo de matrícula
..-..-TH, colidindo frontalmente com o mesmo.
3. O tempo estava bom, o local apresentava boa visibilidade e o piso era de calçada,
encontrando-se húmido.
4. Como consequência directa e necessária da colisão, o ofendido D…, que seguia no
lugar do pendura do veículo de matrícula ..-..-TH sofreu lesões traumáticas das vértebras
e estruturas articulares, meninges e medula, com consequente pneumonia que lhes
sobreveio como complicação, lesões que lhe provocaram, directa e necessariamente, a
morte.
5. Com efeito, ao actuar do modo como actuou, o arguido circulou sem os cuidados a que
estava obrigado, omitindo as cautelas aconselháveis pelo dever geral de previdência, que
podia e devia ter observado.
6. Actuou com inconsideração, imperícia e negligência ao desrespeitar as normas
reguladoras da circulação rodoviária, designadamente ao não se ter certificado que a
velocidade em que circulava e as manobras que efectuou eram adequadas para manter o
seu veículo dentro dos limites da sua via de trânsito.
7. O arguido não previu, como podia e devia ter previsto, que da sua actuação poderia
resultar o embate com viaturas que circulassem em sentido oposto ao seu e,
consequentemente, pôr em perigo, como pôs, a integridade física e a vida de terceiros.
8. Actuou o arguido de forma livre e voluntária, bem sabendo que a sua conduta era e é
proibida e que incorria em responsabilidade criminal e tinha capacidade de se
autodeterminar de acordo com esse conhecimento.
- Quanto aos antecedentes criminais do arguido provou-se que:
9. O arguido não tem antecedentes criminais.
- Quanto à situação económica, familiar, social e profissional do arguido provou-se
que:
10. O arguido é operário fabril, aufere 700 euros, reside com a mãe e com a irmã mais
nova, contribuindo com 150 euros para as despesas doméstica, tem o 12.º ano de
escolaridade.
1.1. Motivação da Decisão de Facto
A prova em processo penal é apreciada segundo as regras da experiência e a livre
convicção da entidade competente, salvo quando a lei dispuser diferentemente (artigo

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127º Código de Processo Penal).
Contudo, livre apreciação da prova não significa uma apreciação arbitrária porquanto tem
como pressupostos valorativos, o respeito pelos critérios da experiência comum e da
lógica do homem médio.
Assim, os factos dados como provados resultaram da análise da prova produzida em
audiência de julgamento, tendo em conta os parâmetros supra referidos e em função das
seguintes considerações, destacando-se o seguinte.
A prova dos factos relativos à dinâmica do acidente e ao concreto circunstancialismo em
que o mesmo se deu resultou, valorou-se primacialmente, a descrição trazida pelo
arguido que confirmou que era o condutor do veículo RH que, nas circunstâncias de
tempo e lugar dados como provados, após ter efectuado a curva à direita existente
naquela via, invadiu a via de circulação do veículo de matrícula ..-..-TH, colidindo
frontalmente com o mesmo, assumindo que o tempo estava bom, o local apresentava
boa visibilidade e o piso era em calçada, encontrando-se húmido. Mais referiu que,
imediatamente antes da curva estava um veículo estacionado, que ultrapassou, bem
como obras, estando o piso enlameado. Esclareceu que ao sair do piso em asfalto e ao
entrar no piso em calçada, e apesar de ter accionado os travões, perdeu o controlo do
veículo que, admitiu, não teve qualquer falha mecânica, mas não teve aderência ao piso
e acabou invadir a faixa de rodagem destinada ao sentido de trânsito contrário ao seu,
por onde circulava o veículo TH, local onde ocorreu o embate entre os veículos. A seu
ver, tudo fez para evitar o embate, nomeadamente accionando os travões, reduzindo a
velocidade, sendo certo que não a soube concretizar, contudo fixou-a a não superior a 50
km./h., por volta dos 40 km./h.. Perguntado, referiu conhecia o local, sabia que havia uma
mudança de pavimento e admitiu que se fosse a a 10 ou 20 km teria evitado o embate.
Valorou-se, ainda, o depoimento de E…, militar da GNR, que confirmou a configuração
do local do embate, assim como a mudança de piso e a ausência de marcações no
pavimento, confirmando o teor do autor de participação de acidente de viação junto aos
autos apensos, esclarecendo que no dia do embate, estava um dia frio, não tinha
chovido, contudo o local poderia estar húmido. Por último, referiu que não teve
conhecimento, no exercício das suas funções, de outros acidentes no local.
Em conta, levou-se, igualmente, o depoimento de F…, que tripulava o veículo TH, que
confirmou que seguia com cinto de segurança colocado, assim como o seu falecido avô,
que o embate ocorreu na faixa de rodagem destinada ao sentido de trânsito em que
seguia, quando o arguido, após a curva, travou e o carro derrapou, tendo visto o carro
tripulado pelo arguido sem aderência ao piso. Mencionou, por último, que estava bom
tempo, mas húmido, “fazia muito frio”.
Os depoimentos destas testemunhas merecerem credibilidade pela forma isenta,
congruente, sincera e espontânea como depuseram.
Teve-se, ainda em consideração os elementos clínicos de fls. 18 a 53, relatório
fotográfico de fls. 73 a 82, relatório de fls. 114-117, assento de óbito de fls. 122, relatório
de autópsia de fls. 125 a 128 e relatório de averiguação de fls. 152 a 167.
Ora, do conspecto da prova produzida em julgamento resulta à saciedade que o facto do
arguido transitar numa via (que aliás conhecia), com mudança de piso de asfalto para
calçada, após ter ultrapassado um veículo, seguido de uma curva, que se impunha uma
velocidade adequada quer à via, quer às manobras que executava e, aquela a que
circulava não era a adequada para manter o veículo nos limites da faixa de rodagem
destinada ao seu sentido de trânsito, por forma a evitar a invasão da faixa destinada ao
sentido de trânsito contrário ao seu, como veio a suceder. Como o arguido admitiu, se
circulasse a uma velocidade de 10 ou 20 km teria evitado o embate, pois que o veículo
que tripulava nenhuma avaria mecânica padeceu.
Aponte-se que o conceito de velocidade excessiva, definido no artigo 24º, n.º 1 do Código
da Estrada, comporta duas realidades distintas: uma vertente absoluta (sempre que
exceda os limites legais) e uma vertente relativa, a não adequação à situação concreta,
que leva a que condutor não pare no espaço livre e visível à sua frente.
E com a vertente relativa, a norma pretende que o condutor assegure que a distância
entre ele e qualquer obstáculo visível é suficiente, para no caso de necessidade fazer
parar o veículo sem ter de contar com os obstáculos que lhe surjam inopinadamente. Na
verdade, o espaço livre e visível para o efeito de se considerar excessiva a velocidade
tem sido entendido como a secção da estrada isenta de obstáculos que fica abrangida
pelas possibilidades visuais do condutor.
Assim, ponderados os depoimentos circunstanciados, as declarações do arguido,
cotejados com a prova documental a que se fez alusão, nenhumas dúvidas sobrevieram
ao tribunal que foi a velocidade excessiva, na sua vertente relativa, com que o arguido
conduzia que determinou a eclosão do acidente e que o arguido, se conduzisse com o
cuidado que se impunha a um condutor médio, v.g. com uma velocidade adequada ao
local em que conduzia não teria ocorrido, por isso, nenhuma dúvida restou quanto aos
factos imputados ao arguido, motivo pelo qual foram os mesmos dados como provados.
Relativamente aos elementos volitivos, os mesmos foram extraídos da verificação dos
factos objectivos em conjugação e por apelo às regras da experiência comum e da

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habitualidade.
No que concerne às condições económicas, sociais e familiares do arguido, levou-se, em
conta as declarações por este prestadas, e, quanto à ausência de antecedentes criminais
o certificado do registo criminal junto a fls. 189 dos autos.
(…)
2.1. Determinação da Pena
2.1.1. Da Escolha da Pena
O crime de ofensa de homicídio de negligência, p. e p. pelos artigos 137°, n.º 1 do
Código Penal é punível com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa.
Impõe-se, num primeiro momento, optar pela pena a aplicar ao arguido.
À luz do artigo 40º do Código Penal a aplicação de penas "visa a protecção de bens
jurídicos e a reintegração do agente na sociedade", ou seja, visa cumprir a finalidade de
prevenção geral positiva ou de integração, enquanto protecção de bens jurídicos “a
medida da pena há-de ser dada pela medida e necessidade de tutela de bens jurídicos
face ao caso concreto... Quando se afirma que é função do Direito Penal tutelar bens
jurídicos não se tem em vista só o momento da ameaça da pena, mas também – e de
maneira igualmente essencial – o momento da sua aplicação. Aqui pois, a protecção de
bens jurídicos assume um significado prospectivo, que se traduz na tutela das
expectativas da comunidade na manutenção (ou mesmo reforço) da vigência da norma
infringida” (Figueiredo Dias, “Direito Penal Português, As consequências Jurídicas do
Crime”. Ed. Aequitas, 1993, pág. 227).
Bem como, a finalidade de prevenção especial de socialização referida à reintegração do
agente na comunidade.
Assim, a escolha da pena terá necessariamente de ser perspectivada em função da
adequação, proporção e potencialidade para atingir tais objectivos. Embora a pena
privativa de liberdade possa corresponder a uma expectativa geral da sociedade, como
meio de retribuir o mal causado à comunidade, o sistema legal não pode esquecer que a
este anseio colectivo deverá sobrepor, e de forma prioritária, a necessidade de
ressocializar o infractor.
Ou seja, devendo ter um sentido eminentemente pedagógico e ressocializador as penas
são aplicadas com a finalidade de restabelecer a confiança colectiva na validade da
norma violada, abalada pela prática do crime, e em última análise na eficácia do próprio
sistema jurídico-penal.
Só especiais exigências de prevenção e de adequação à culpa justificarão o recurso a
penas detentivas não podendo, em caso algum, a pena (seja ela qual for) ultrapassar a
medida da culpa.
Por essas razões, só quando as penas não privativas da liberdade se não mostrarem
suficientes para realizar adequadamente as finalidades da punição (de protecção dos
bens jurídicos e de reintegração do agente) é que deverá ser dada preferência à pena
detentiva (artigo 70º do Código Penal).
Explicitando tal ideia refere o Prof. Figueiredo Dias, in Direito Penal Português, pág.
331 “o tribunal deve preferir à pena privativa de liberdade uma pena alternativa ou
de substituição sempre que, verificados os respectivos pressupostos de aplicação,
a pena alternativa ou a de substituição se revelem adequadas e suficientes à
realização das finalidades da punição.
O que vale por dizer que são finalidades exclusivamente preventivas, de prevenção
especial e de prevenção geral, não finalidades de compensação da culpa, que justificam
a preferência por uma pena alternativa ou por uma pena de substituição e a sua efectiva
aplicação”.
Este critério tem sido entendido pela doutrina como uma conjugação de dimensões
exclusivamente preventivas. Dir-se-á que a pena de prisão é de “substituir” por uma
medida não detentiva sempre que razões de prevenção especial o aconselhem e razões
de prevenção geral se não lhe oponham (cfr. Anabela Rodrigues, “Critério de escolha e
penas de substituição”, in Estudos de Homenagem ao Prof. Eduardo Correia).
Com efeito, o sistema jurídico-penal português estabelece uma preferência das reacções
criminais não detentivas da liberdade relativamente às penas detentivas, desde que as
primeiras satisfaçam, em concreto, de forma adequada e suficiente, as finalidades de
punição, qual sejam, a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente do crime
na sociedade – artigos 70º e 40º, do Código Penal.
De acordo com o n.º 1 deste último comando legal "a aplicação das penas ... visa a
protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade", acrescentando o
seu n.º 2 que "em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa". Significa isto
que a pena, enquanto instrumento político-criminal de protecção de bens jurídicos, tem,
ao fim e ao cabo, uma função de paz jurídica, típica da prevenção geral, cuja graduação
deve ser proporcional à culpa.
Necessidade, proporcionalidade e adequação são os princípios orientadores que devem
presidir à escolha da pena aplicável à violação de um bem jurídico fundamental.
A opção entre a pena de prisão ou pena de multa tem que ser feita tendo em conta o
grau de socialização do agente e os reflexos que qualquer dessas penas poderá ter na

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sua vida futura.
Será de optar pela pena de multa se esta for suficiente para afastar o arguido da
criminalidade.
Como refere o Prof. Figueiredo Dias, a maior das vantagens da pena de multa é a de não
quebrar a ligação do condenado aos seus meios familiar e profissional, evitando, por esta
forma, um dos efeitos criminógenos da pena privativa da liberdade e impedindo, até ao
limite possível, a dessocialização e a estigmatização que daquela quebra resultam – cfr.
“Consequências Jurídicas do Crime”, pág. 120-121.
Vejamos.
In casu são elevadas as necessidades de prevenção geral, atendendo à repercussão que
este crime sempre traz consigo na comunidade, impondo-se a necessidade de tutelar as
expectativas da comunidade na manutenção da validade do ordenamento jurídico de
acordo com os contornos concretos do presente caso.
De qualquer forma, não se afigura que a necessidade de assegurar a confiança da
comunidade na norma violada aconselhe a opção pela pena privativa da liberdade ao
arguido. Senão vejamos:
Apurou-se, no caso sub judice, que o arguido é primário e encontrando-se profissional,
social e familiarmente inserido, sendo de apontar, ainda, a sua jovialidade, pelo que
somos de concluir pela suficiência à reprovação da sua conduta e à prevenção de futuros
crimes, a aplicação de uma pena de multa.
Assim, face ao exposto e de harmonia com o disposto no artigo 70º do Código Penal,
afigura-se-nos que, no caso concreto, a pena de multa é suficiente para satisfazer as
necessidades de prevenção especial e prevenção geral que o ilícito em apreço reclama,
no que respeita ao arguido.
2.1.2. Da Medida Concreta da Pena
Estabelece o n.º 1 do artigo 71º do Código Penal que a “determinação da medida da
pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das
exigências de prevenção”, sendo que, em caso algum, a pena pode ultrapassar a medida
da culpa, nos termos do artigo 40º, n.º 2 do mesmo código.
Assim sendo, na determinação da exacta medida da pena, ter-se-á que atender à formula
básica interpretativa deste normativos, segundo a qual temos de partir da sua moldura
abstractamente prevista, funcionando a culpa do agente como o limite máximo e
inultrapassável da pena aplicável, representando esta um juízo de censura à conduta
desvaliosa do agente manifestada no facto praticado.
As necessidades de prevenção geral de integração, fornecem-nos, por sua vez, uma
submoldura, a qual tem por limite máximo a medida óptima de tutela dos bens jurídico-
penais violados e por limite mínimo a pena abaixo da qual as expectativas comunitárias
na validade do direito sofrem abalo, limite mínimo esse “constituído pelo ponto
comunitariamente suportável da medida da tutela dos bens jurídicos” (neste sentido
Figueiredo Dias, in «Direito Penal II - Parte Geral», lições ao 5.º ano da FDUC, pág. 279
e ss.).
Por último, as exigências de prevenção especial de socialização dão-nos, dentro desta
submoldura, a medida exacta da pena concreta aplicável ao agente.
Na ponderação da medida concreta da pena deverá o juiz atender a todas as
circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra o
agente (artigo 71º, n.º 2 do Código Penal).
Tendo, pois, em conta o princípio geral que acaba de ser formulado, deverão ser neste
momento consideradas todas aquelas circunstâncias que, não fazendo parte do tipo legal
convocado, sejam expressivas da culpa do arguido e da medida das necessidades de
prevenção.
O Código Penal consagrou o sistema de dias de multa (artigo 47º, n.º 1 do Código
Penal), de acordo com o qual a pena de multa é fixada em dias, de acordo com os
critérios estabelecidos no n.º 1 do artigo 71º do Código Penal.
Debruçando-nos sobre os concretos factores de medida da pena, neste conspecto, há
que ponderar:
- o grau da ilicitude é médio, tendo em conta o número das regras estradais violadas pelo
arguido;
- a consequências gravosas da sua conduta;
- a negligência inconsciente do arguido;
- a falta de antecedentes criminais;
- o arguido está social, familiar e profissional inserido.
Tendo em conta estes elementos, as necessidades de prevenção geral e especial que se
fazem sentir, e a moldura abstracta prevista para o crime homicídio negligente (de 10 a
360 dias – cfr. artigos 47º, n.º 1 e 137º, n.º 1 do Código Penal), reputamos como
proporcional, justa, adequada e pedagógica a aplicação de uma pena concreta de 180
(cento e oitenta) dias de multa.
Na fixação do quantum diário da multa, dispõe o artigo 47º, n.º 2 do Código Penal, que
deve ser encontrado um montante pecuniário diário entre €5 (cinco euros) e €500
(quinhentos euros), determinado em função segundo da situação económica do arguido e

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dos seus encargos pessoais, tendo presente, por um lado, a “dignificação da pena de
multa enquanto medida punitiva e dissuasora”, e por outro, que aquele quantitativo não
deve exceder o montante de que o agente possa dispor, sem prescindir da satisfação das
suas necessidades básicas.
Em julgamento apurou-se, no que respeita às condições económicas do arguido, que
este é operário fabril, aufere 700 euros, reside com a mãe e com a irmã mais nova,
contribuindo com 150 euros para as despesas doméstica, tem o 12.º ano de
escolaridade.
Atentas as considerações que antecedem, entende-se que deve ser aplicada a taxa
diária de €7 (sete euros), o que perfaz uma pena de multa no valor de €1.260,00 (mil,
duzentos e sessenta euros).(…)”
*
Cumpre apreciar.
A única questão que o Digno recorrente apresenta no recurso é a opção pela pena
privativa da liberdade (embora com execução suspensa), pugnando por essa alteração
da punição.
No sistema sancionatório português, as sanções privativas da liberdade constituem a
última ratio da política criminal, por influência dos princípios político-criminais da
necessidade, proporcionalidade e subsidiariedade. Como reflexo, a lei estabelece no
artigo 70.º do Código Penal uma preferência pela pena não privativa da liberdade sempre
que ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e não privativa, sempre que
esta realize de forma adequada e suficiente as finalidades da prevenção, previstas no
artigo 40.º, n.º 1 do Código Penal.
Considerando o conteúdo normativo presente no artigo 40.º, n.º 1 do Código Penal, a
aplicação de uma pena visa assegurar exclusivamente finalidades de prevenção: geral
positiva, traduzidas na proteção de bens jurídicos, e especial positiva, tendo em vista a
reintegração do agente na sociedade.
Prosseguindo finalidades de prevenção geral positiva ou de integração, a pena é
concebida “como forma de que o Estado se serve para manter e reforçar a confiança da
comunidade na validade e na força da vigência das suas normas de tutela de bens
jurídicos e, assim, do ordenamento jurídico-penal”. Por sua vez, assegurando finalidades
de prevenção especial positiva ou de socialização a pena visa, “com respeito pelo modo
de ser do delinquente, pelas suas concepções sobre a vida e sobre o mundo, pela sua
posição própria face aos juízos de valor do ordenamento jurídico, criar as condições
necessárias para que ele possa, no futuro, continuar a viver a sua vida sem cometer
crimes”. (Cfr. DIAS, Jorge de Figueiredo, “Direito Penal Português - Parte Geral I –
Questões Fundamentais. A Doutrina Geral do Crime”, Coimbra Editora, 2011, (2.ª
reimpressão), págs. 51 e 55).
Assim sendo, a opção pela pena alternativa à pena de prisão terá que ser feita nos casos
em que através dela se possam realizar as finalidades da punição.
Na realização dos fins das penas – protecção de bens jurídicos e a reintegração do
agente na sociedade (artigo 40.º, n.º 1 do Código Penal) –, nunca é demais frisar que as
exigências de prevenção geral constituem, nos casos de homicídio, uma finalidade de
importância capital, ainda que na forma negligente.
A vida humana é o bem essencial, o valor fundamental, inviolável na expressão
constitucional (artigo 24.º, n.º 1, da Constituição da República), sendo a comunidade
abalada de forma muito relevante quando a vida de um dos seus membros é retirada.
Como sublinham GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, «o direito à vida é um direito
prioritário, pois é condição de todos os outros direitos fundamentais, sendo material e
valorativamente o bem mais importante do catálogo de direitos fundamentais e da ordem
jurídico-constitucional no seu conjunto».
São, pois, evidentes e prementes as exigências de prevenção geral expressas na
perturbação comunitária que provoca este tipo de crimes que põem em causa valores
nucleares da sociedade.
E se o direito criminal é um direito penal da culpa, enquanto parâmetro que fixa o limite
máximo de ponderação, não lhe podem ser superiores as exigências de prevenção, sob
pena de se ferir e sacrificar a dignidade da pessoa humana em prol de interesses
comunitários (exigências estas que somente operarão abaixo daquele limite, ditando,
respetivamente, o limite mínimo e o ponto óptimo da escolha da pena). E tal como já se
referiu na apreciação que se fez do recurso do arguido, na opção do Tribunal “A Quo”
pela pena não privativa da liberdade, não se ponderaram as evidentes e muito elevadas
exigências de prevenção geral fixadas na pesada sinistralidade rodoviária nacional com
um elevado número anual de vítimas mortais, precisamente em delitos cometidos na
forma negligente, realidade que constitui um pungente problema normativo, pessoal,
social e económico do país.
Depois, essa circunstância associada à culpa exclusiva do arguido na causalidade do
sinistro, não poderia determinar a escolha da pena não privativa da liberdade, a qual não
cumpre com as exigências legais dos fins da pena, concretamente de prevenção geral. A
pena de multa “in casu” fica aquém do ponto comunitariamente suportável da tutela

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02/02/2023 15:35 Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
do bem vida humana, devendo, por isso, nos termos do art.70º do Cód.Penal optar-se
pela pena privativa da liberdade, assim merecendo, nesta parte, provimento o recurso
agora em apreciação. Com efeito, nos homicídios negligentes estradais a intervenção
dos Tribunais, no cenário de profunda crise ditado pela pesada sinistralidade rodoviária
que atinge o país há muitas décadas, tem necessariamente de reafirmar o valor da vida
humana, cuja protecção exige por definição, rigor e cuidado no ato de condução, como
atitude promotora do respeito pela vida dos utentes da via (e da segurança rodoviária),
cujas exigências de prevenção geral a pena de multa não tem capacidade para
satisfazer, excepto em quadros de gravidade distintos, onde a dimensão da culpa é
menor.
Com efeito, a opção pela pena de multa justifica-se em situações distintas com culpa e
“ilicitude” contidas: concretamente, quando ocorrem atenuantes especiais, ou nos casos
em que se apura concurso de culpas e a culpa do arguido é menor na densidade causal
sobre a produção do sinistro.
Dentro da moldura abstracta da pena de prisão cumpre aquilatar a medida concreta da
pena de prisão a cominar.
Para efeitos de determinação da medida concreta da pena, impreterivelmente, o Julgador
recorre aos critérios legalmente definidos nos artigos 70º a 74º do Código Penal.
Nesta matéria refere o artigo 71º, nº 1 do citado diploma legal que: “A determinação da
medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente
e das exigências de prevenção”, enumerando-se no nº 2 do mesmo preceito algumas das
circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor do agente ou
contra ele. Os parâmetros fundamentais para o Julgador aferir da pena concreta a
aplicar um arguido, são por um lado a culpa do mesmo (porquanto esta “não constitui
apenas o pressuposto-fundamento da validade da pena, mas afirma-se também como
limite máximo desta”) e, por outro as necessidades/exigências de prevenção geral e
especial. No caso sob apreciação, importa ponderar todos os fatores determinantes
para a opção e medida da pena, valorando-se as circunstâncias que, in casu, depõem a
favor e contra o arguido.
A negligência detetada na prática do facto, não é susceptível de valoração ligeira,
porquanto, a desatenção do arguido ao tipo de pavimento e às suas condições de
humidade, foi o suficiente para se despistar, invadindo a hemi-faixa de rodagem de
sentido contrário de forma exuberante, colidindo frontalmente com o veículo que seguia
em sentido contrário e assim causou lesões no passageiro desse veículo, que vieram a
determinar a sua morte. A importância das regras estradais e adequação da velocidade,
está directamente associada à integridade física e à vida de todos os utentes da via, não
podendo o seu desrespeito, assumir uma ponderação standartizada, que não valorize as
consequências e o próprio acto de incumprimento.
A aferição da medida da culpa do arguido implica a ponderação da censura do facto
cometido, o desvalor da sua atitude que recai sobre o quadro de ilicitude cometido e que
“em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa”, devendo sempre ser
apreciada em concreto.
Tradicionalmente, a doutrina limita a importância da culpa na medida concreta da pena
(como fundamento da responsabilidade penal) à determinação do limite máximo de
ponderação (para que não se afete a dignidade da pessoa humana no uso de razões
comunitárias), sendo certo que os juízos de culpa e o limite desta não interferem nos
parâmetros da escolha e opção entre a pena privativa ou não privativa da liberdade,
operações que se medem pela determinação dos critérios previstos nos arts.70º e 40 do
CP, apenas respeitantes às exigências de prevenção, neste sentido Maria João
Antunes, “São, pois, finalidades exclusivamente preventivas, de prevenção geral e
de prevenção especial (…), que justificam e impõem a preferência por uma pena
não privativa da liberdade (pena alternativa ou pena de substituição), sem perder
de vista que a finalidade primordial é a da protecção de bens jurídicos. Não por
conseguinte, uma qualquer finalidade de compensação da culpa. Se a culpa é limite
da pena (artigo 40º nº2, do CP), desempenha esta função estritamente ao nível da
determinação da medida concreta da pena principal ou da pena de substituição
(artigo 71º nº1 do CP). ” in “Consequências Jurídicas do Crime”, pág.71, Coimbra,
2013).
Contudo, como se verá, a importância da culpa não se esgota na fixação do limite
máximo de ponderação da pena concreta. Antes, os parâmetros da culpa, tem outra
incidência mais interventiva em diversas operações de mensuração das penas, no seu
regime de execução e até, veja-se, para a opção da pena de substituição. No entanto,
deve prevenir-se que a aferição da graduação da culpa na medida da pena nada tem
que ver com os obsoletos e inúteis fins retributivos, antes constituem expressão da
dignidade humana do arguido, como limite que não pode ser transposto pelas exigências
de prevenção comunitárias. Diversamente, a medição da culpa, muitas vezes traduz a
vocação da prevenção especial, como se verá.
Percebe-se que na graduação da culpa as atitudes desvaliosas ou valiosas do
arguido (aqui como atenuante), devem integrar os fundamentos da pena, e é com

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02/02/2023 15:35 Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
essa pessoalidade que o arguido participa na própria pena. As suas atitudes antes
e depois do delito são compósitas e integradoras da pena, tem, pois, muito
interesse para o Tribunal a posterior reação do próprio arguido ao facto por si
cometido.
Concretamente, a lei sobre os juízos de prognose necessários à aferição do regime de
execução da pena de prisão no nº1 do art.50º do CP convoca expressamente a avaliação
de parâmetros da culpa, fixados na personalidade do agente (o seu carácter, as suas
dependências [1]); mas também nos comportamentos anteriores ou posteriores à prática
do facto que podem ter directamente que ver com a culpa (como são o caso da
confissão, o arrependimento, e a reparação do mal cometido), opção que não se
desenha apenas com a aferição das exigências de prevenção especial.
Também nas hipóteses de atenuação especial da pena a lei no nº1 do art.72º do CP,
na alteração dos limites abstractos da pena (mínimos e máximos) convocam-se
expressamente circunstâncias que diminuam de forma acentuada a culpa do
agente, que não apenas factores que diminuam a ilicitude ou as exigências de
prevenção. Depois, na avaliação do regime de cumprimento da suspensão da pena,
são aferidos os comportamentos culposos que possam determinar o agravamento
ou revogação da suspensão da pena, cfr.arts.55 e 56º do CP.
Deve igualmente sublinhar-se que o legislador na medida da pena única no cúmulo
jurídico, convoca a aferição da personalidade do agente e o conjunto dos factos,
ponderação que envolve parâmetros da culpa, cfr.art.77º nº1 do CP.
Subsiste também a problemática dos parâmetros de aferição das exigências de
prevenção especial e de integração na sociedade intercecionarem alguns items de
aferição da culpa. Se aquelas exigências de prevenção especial se fixam na
aferição dos níveis de inserção/integração social, profissional, familiar, agravando
ou atenuando as aludidas exigências (onde um agente com suficiente inserção
social e familiar, apresenta menor risco de recidivar na delinquência, e, por isso, o
esforço da pena concreta será mais próximo do limite traçado pelas exigência de
prevenção geral), outrossim, a personalidade do agente, os seus hábitos, as
dependências, adições e a sua conduta posterior, surgem sempre associadas ao
maior ou menor índice de livre determinação (como se verá, estas são questões
que se suscitam com maior acuidade na aferição proposta pelo art.50º do CP, onde
o legislador convocou à discussão parâmetros da culpa e das exigências de
prevenção especial). Também são sugestivos da sua inserção social, a aferição dos
seus hábitos sociais e os grupos com que se relaciona, se de risco, ou de
sociabilidade desejável.
O conceito de culpa integrador do tipo ou dos pressupostos de punição de um
crime não é coincidente com a culpa como parâmetro da medida da pena. Aquele
apenas é um pressuposto técnico da responsabilidade delitual, onde o desvalor da
atitude e a censura incidem sobre a acção típica de um delito.
Neste sentido, Claus Roxin depois de dar notícia de ter sido Achenbach quem distinguiu
entre a culpa como elemento do crime (ou chamada culpa para a fundamentação da
pena) e a culpa para a medição a pena, clarifica Roxin que “Enquanto que na culpa
para a fundamentação da pena perguntamo-nos pela imputabilidade, a capacidade
da culpa e pela possibilidade do conhecimento da proibição, a culpa para a
medição da pena depende sobretudo dos factores mencionados no §46.” (nosso
art.71º do CP), mais refere que ambos os conceitos de culpa não estão isolados,
esclarecendo que, na culpa para a medição da pena diz respeito “ao conjunto dos
momentos que têm relevância para a magnitude da pena no caso concreto.” (in
“Derecho Penal, Parte General”, Tomo I, pág.814. Trad.Espanhola, 1997, Madrid”.
Já a culpa como parâmetro da medida da medida da pena, que fixa o limite máximo de
ponderação cfr.art.40º nº2 do CP tem uma amplitude que transcende em muito a culpa
como elemento do crime, como desvalor da atitude que incide sobre conduta típica e
ilícita do agente.
A lei, na decisão da medida concreta da pena, convoca expressamente juízos de culpa
para além do momento da prática do facto. Aqui a culpa apresenta-se como um conceito
dinâmico e actualista. Embora continue a relevar o desvalor da atitude na prática do facto
típico, esse desvalor transcende o momento do facto.
Da mesma forma que nos graves antecedentes criminais por delitos com a mesma
etiologia, este seu comportamento anterior evidencia uma repetida insensibilidade
às penas que lhe foram cominadas, assim agravando o juízo de censura no delito
agora praticado; também se observa que a culpa se desloca para jusante,
assimilando e desempenhando um efeito integrador e atualista, triunfando sobre o
momento que se cristalizou no facto típico cometido, interessando mais saber
“quem é o homem de agora?”, que confessou (confissão como expressão de
autocrítica e receção do desvalor da sua conduta e, por isso, de aproximação ao
lesado e à ordem jurídica); que procurou reparar os lesados e que, por sua
iniciativa, já se regenera. Esta reação do arguido ao seu próprio delito, deve
integrar os parâmetros da pena a cominar-lhe, adequando o seu dimensionamento.

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Com efeito, parece consensual que a confissão em tribunal, o arrependimento
como ato posterior ao facto; como os atos de reparação junto do lesado (este
último também minimizando as consequências do ilícito), influem no desvalor da
atitude, atenuando-o, podendo até atenuar especialmente a pena, afectando os
limites abstractos da pena cfr.art.72º nº1 e nº2 alínea c). A culpa do agente na
aferição da pena, implica uma incidência global, que ultrapassa, e muito, o desvalor
da atitude que recai sobre a sua conduta típica, que subsumiu o delito.
Os parâmetros da culpa não se imobilizam na prática do facto, antes se deslocam
para a conduta anterior (condenações anteriores podem agravar o juízo de
censura, pela insensibilidade manifestada), mas sobretudo para conduta a
posterior verificada, e até se movimentam para juízos futuros de prognose.
Digamos que a dimensão temporal decisiva em todos os parâmetros das
exigências de prevenção geral, especial e da culpa, é a dimensão projectada no
futuro. Com efeito, a pena a aplicar visa reforçar o valor da norma na sociedade;
influir positivamente na futura inserção social do arguido e acautelar os factores de
perigo detetados na personalidade do agente.
Os tempos da medida da pena, embora, em parte, versem sobre o passado, na
avaliação pretérita do facto cometido, contudo, essa abordagem é apenas
instrumental para fundamentar os efeitos futuro da aplicação da pena. Toda a
operação é contagiada por diversos juízos de prognose, todos eles fixados e
projetados no futuro, e todos os parâmetros são aferidos por essa dimensão
temporal, não só os que se determinam no art.50º do CP, mas aferíveis em toda a
gama de penas.
Apresentando o arguido inserção social, familiar e profissional, e havendo confessado
parte essencial dos factos, são circunstâncias que atenuam as exigências de prevenção
especial. A ponderação da medida da pena associada ao cumprimento dos seus fins,
visa, como se referiu, censurar o facto para assim reafirmar, perante a comunidade, o
valor dos bens jurídicos lesados e promover a integração social e comunitária do arguido.
Portanto, pese embora o julgamento incida sobre a reconstituição de um acontecer
histórico, o essencial da ponderação da pena incide sobre o tempo futuro, sobre um
tempo vindouro, onde se pretende apaziguar a comunidade para a validade das normas
e, no mesmo passo, medir e aferir os índices de risco presentes no arguido, nos seus
procedimentos futuros, na forma como se envolve e se tem relacionado com a
comunidade, com “os outros”, nas suas adições, dependências e faltas de preparação,
que a pena tem obrigação de prever e acautelar, promovendo a mudança do agente do
crime, das formas como o mesmo interage com “o outro”.
E tendo como horizonte estes parâmetros de ponderação é insofismável que foi lesado o
bem jurídico cimeiro do ordenamento jurídico,
Pese embora, a gravidade do delito se inscreva na gravidade típica, já a culpa surge com
média intensidade (atenta a confissão), temperadas pela inserção social e profissional do
arguido o que atenua as exigências de prevenção especial, contudo, as mencionadas
exigências de prevenção geral, que visam reforçar o valor da vida humana, determinam
que a medida concreta se deva fixar em 16 meses de prisão (sendo que a sanção
acessória já transitou em julgado).
Face à confissão do arguido, à sua primariedade, e à suficiência da sua integração social
e familiar, nos termos do art.50º nº1 do Cód.Penal é possível formular um juízo de
prognose favorável perante um cenário de mera ameaça da pena, desde que o período
da suspensão nos termos do art.52º nº1 alínea c) do CP seja substanciado com uma
regra de conduta cumprindo uma obrigação de natureza pecuniária perante instituições
de solidariedade social, sempre pedagógica e formadora da consciência para o respeito
pelo “outro”, e por isso cumpra objectivos integradores na sociedade.
Assim, como regra de conduta deverá pagar duas prestações de 500€ no período de
suspensão, contribuindo para uma instituição que acolhe crianças sem lar, e assim o
motive para “o outro”, alterando a sua atitude em sociedade, incrementando a
preocupações para quem o rodeia, mudança de atitude que serve os propósitos da
segurança rodoviária.
Deste modo, procedem no essencial as conclusões do recurso do Ministério Público.

DISPOSITIVO.

Pelo exposto, acordam os juízes na 1ª secção criminal do Tribunal da Relação do Porto


em julgar o recurso interposto pelo MP no essencial procedente, cominando-se ao
arguido pelo cometimento do crime de homicídio na forma negligente a pena de
dezasseis meses de prisão cuja execução deverá ser suspensa pelo período de
dezasseis meses (cfr.art.50º do CP). Durante o período de suspensão, ficará o arguido
nos termos do art.52º nº1 alínea c) do CP sujeito à regra de conduta com cumprimento da
obrigação de pagar duas prestações de 500€ (quinhentos euros), vencendo-se cada
uma, por cada oito meses do período de suspensão, devendo juntar nos autos
comprovativo desses pagamentos em depósito obrigatório à ordem do Tribunal,

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montantes que serão entregues a favor da “G…”, nesta medida se alterando a decisão de
1ª instância.

Notifique.

Sumário.
(homicídio negligente estradal; opção pela pena privativa da liberdade embora com
execução suspensa; a dimensão da culpa na medida da pena).
………………………………
………………………………
………………………………

Porto, 14 de Abril 2021.


(Elaborado e revisto pelo 1º signatário)
Nuno Pires Salpico
Paula Natércia Rocha
___________
[1] Reinhart Maurach sustentava que “Pressuposto essencial para a graduação da
culpa é o conhecimento da personalidade do autor. Ato e sujeito formam uma
unidade inseparável; em cada acto se manifesta, em certo modo, a personalidade.”
In “Tratado de Derecho Penal” II, trad.Espanhola, pág.541, Barcelona, 1962), no
mesmo passo este professor previne que nem o ato representa uma manifestação
sintomática de uma pré-disposição criminal, nem se reconhece nele a culpa pela
conduta de vida.
Depois, a personalidade que está em questão é no que normativamente se
relaciona com o facto praticado. Não é o julgamento de uma personalidade do
agente, mas tão só, as atitudes que se relacionam e explica aquele facto delitual.
[2] Figueiredo Dias não concorda com esta dicotomia, criticando a doutrina Alemã
quando distingue a culpa como elemento do crime e a culpa para efeito de medida
da pena. Defendendo aquele autor que, o que interessará será a personalidade
manifestada no facto, como factor da mais elevada importância para a medida da
pena, tanto pela via da culpa, como pela da prevenção, por entender que “O que
conduz inclusivamente a que o momento temporal da sua consideração varie: para
a culpa será sempre decisivo o momento do facto, para a prevenção o último
momento processual possível antes do trânsito em julgado da condenação.” (in
“Direito Penal Português As Consequências Jurídicas do Crime”, págs.240, 248 e
249, Lisboa, 1993).
No entanto, o regime legal para a determinação da medida da pena de feição
germânica, contraria a visão do professor português, não só, na fixação dos
momentos de aferição da culpa; como também prevê com grande nitidez um
complexo caleidoscópio de parâmetros de culpa, que torna a dimensão da culpa
rica e múltipla nos momentos do tempo em que é aferida (na data dos factos; na
conduta anterior ao facto, nas atitudes tomadas posteriormente, no presente, e
com projeções em prognoses futuras), transcendendo em muito a culpa como
“mero” elemento do crime fixada no momento da sua prática, vindo a incidir sobre
o homem que se julga na actualidade, quer assumindo destaque na fundamentação
da suspensão da execução da pena; nos casos de atenuação especial da pena e na
conformação da pena única do cúmulo jurídico. Com efeito, na ótica da “Análise
Económica do Direito”, actualmente em voga, na “ratio” dos fins da pena, só terá
validade normativa a pena que faça sentido na economia das opções e das
utilidades válidas para a sociedade e para o sujeito, o que muito aproveitará ao
âmbito da prevenção especial, dado que a recuperação de cada cidadão, muito
interessará ao próprio e ao social. El Rei D.João II já tinha uma visão precoce
destas teses, quando, segundo nos conta Garcia de Resende na crónica que
escreveu, deu orientação aos juízes dos Tribunais Superiores para evitarem aplicar
a pena de morte “porque um homem custa muito a criar”. Transpondo esta visão
para o ordenamento atual em vez da pena de morte, estão obviamente em causa
penas de longa duração.
Nos casos em que após a culpa do facto típico, entretanto o arguido mostrou
evolução na consciência sobre o que fez (que a compreendeu, se arrependeu e
reparou a vítima), nestes casos, a pena deverá reflectir a evolução dos graus de
culpa, ser mais contida e diminuta, pois “a culpa já não é elevada”. O agente do
facto é diferente do homem em julgamento, que assume o desvalor da atitude
(alcançando por si próprio aquilo que a pena visava), tornando-se desnecessárias e
inúteis punições excessivas para agentes em recuperação e a caminho da
integração.

www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/8808dbdd06570592802586da0054c49e?OpenDocument&Highlight=0,homicídio 12/12

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