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02/02/2023 21:47 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça

Acórdãos STJ Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça


Processo: 202/20.3JAFAR.E1.S1
Nº Convencional: 3.ª SECÇÃO
Relator: CONCEIÇÃO GOMES
Descritores: RECURSO PENAL
NULIDADE
PROVA
DUPLA CONFORME
HOMICÍDIO QUALIFICADO
PREPARAR
FACILITAR
EXECUTAR OU ENCOBRIR UM OUTRO CRIME
QUALIFICAÇÃO JURÍDICA
MEDIDA CONCRETA DA PENA
PENA PARCELAR
PENA ÚNICA
PREVENÇÃO GERAL
PREVENÇÃO ESPECIAL
Data do Acordão: 06-07-2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
I -   De harmonia com o disposto no art. 400.º, nº1, al. f), do CPP, «Não
é admissível recurso: (…) De acórdãos condenatórios proferidos, em
recurso, pelas relações, que confirmem decisão de 1.ª instância e
apliquem pena de prisão não superior a 8 anos».
II -   Os acórdãos da Relação que confirmam decisão condenatória da 1ª
instância só admitem recurso para o STJ, se tiverem mantido – ou,
diminuindo-a, aplicado -, pena parcelar ou pena única superior a 8 anos
de prisão –art.  400.º, n.º 1, al. f) e 432º n.º 1 al. b) do CPP. E, nestes
casos, necessariamente restrito à sindicância das questões de direito
suscitadas – art. 434.º do CPP.
III - A recorrente imputa ao acórdão recorrido a nulidade por erro de
interpretação e de aplicação do art. 340.º, n.º 1, do CPP, prevista no art.
120.º, n.º 2, d), do CPP.  Uma vez que o recurso da arguida vem
interposto de acórdão da Relação, que confirmando integralmente a
decisão condenatória, indeferiu a arguição das mesmas nulidades que o
recorrente lhe imputava, ou seja, é já um recurso puramente de revista,
circunscrito o reexame da decisão recorrida (a da Relação) em matéria
de direito, com exclusão dos eventuais vícios, processuais ou de facto,
do julgamento da 1.ª instância.
IV - As nulidades que arguiu, repetidamente, não podem ser conhecidas
porque respeitam à factualidade e à valoração probatória, ou seja, à
decisão da matéria de facto, e já foram especificadamente apreciadas
pelo acórdão da Relação, e indeferidas, sobre elas se formando a
denominada dupla conforme.
Respeitando à decisão em matéria de facto, com a reapreciação em um
grau, ficou cabalmente satisfeito o direito do arguido ao recurso. A

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interpretação normativa com o sentido com que foi aplicada não belisca
minimamente aquele direito consagrado na Lei fundamental e também
nos instrumentos de direito convencional identificados no aresto visado
pelo arguente.
Assim sendo, o recurso é inadmissível.
V -  Na al. g), do art. 132º, n.º 2, do CP, prevê-se a «instrumentalidade»
do crime de homicídio, ou seja, o cometimento do crime de homicídio
com vista à preparação, facilitação, execução ou encobrimento de
“outro crime”. O outro crime pode ser doloso ou negligente, tentado ou
consumado, cometido por ação ou por omissão. Não é sequer
necessário que o “outro crime” se tenha verificado e nem mesmo que
seja realizável. É suficiente que na representação mental do agente, o
crime de homicídio seja útil para a consecução de um “outro crime”,
quer este outro crime tenha sido ou venha a ser cometido pelo próprio
agente ou por terceiro. (vide Paulo Pinto de Albuquerque Comentário
do Código Penal, Universidade Católica, Lisboa 2008, p. 352, anotação
17 ao artigo 132º, e Figueiredo Dias anotação 17, ao CCCP 1999).
VI - Tendo ficado provado que, em execução do plano acordado entre
os arguidos de fazerem seus os objetos de valor e dinheiro que o
ofendido tivesse consigo, recorrendo à força física para o efeito, se
necessário, a hora não determinada, mas anterior às 01h30 do mesmo
dia 17-06-2020, num dos quartos da habitação, os arguidos bateram de
forma não apurada no corpo do ofendido, até este lhes entregar o seu
cartão de débito associado a uma conta bancária de que era titular, bem
como o respetivo código. Devido às agressões de que foi o ofendido
entregou aos arguidos o dito cartão de débito, bem como o respetivo
código, tendo logo após o arguido se dirigido com o cartão de débito do
ofendido ao terminal ATM (caixa automática), onde através da sua
utilização e do código de acesso, de que era titular o ofendido,
procedeu ao levantamento de € 80,00 da conta bancária deste. Após, na
posse da referida quantia, o arguido voltou para a residência onde se
encontrava o ofendido, e de seguida, estando o mesmo deitado no chão
do quarto referido, devido às agressões já sofridas, os arguidos
continuaram a bater-lhe, de forma não apurada, mas com particular
incidência na cabeça. Em momento não concretamente apurado, mas no
decurso das agressões referidas, um dos arguidos, de comum acordo
com o outro, bateu com um objeto não concretamente apurado, mas de
natureza contundente, no lado direito da cabeça do ofendido. Em
momento igualmente não apurado, mas no decurso das agressões um
dos arguidos, de comum acordo com o outro, fez pressão, com força, na
zona do pescoço do ofendido.
As lesões traumáticas crânio-encefálicas e vertebro medulares
causaram a morte do ofendido.
Ao agirem da forma descrita os arguidos quiseram fazer seus o cartão
de débito e os oitenta euros, bem sabendo que não lhes pertenciam e
que agiam contra a vontade do respetivo dono, o que conseguiram, e ao
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baterem com particular incidência na cabeça, com um objeto não


concretamente apurado, mas de natureza contundente, no lado direito
da cabeça da vítima, e ao fazerem pressão, com força, na zona do
pescoço da vítima, os arguidos quiseram atingir a zona da cabeça e
pescoço do ofendido, cientes que essas zonas do corpo, se atingidas
com força com objeto contundente ou por pressão, sofreriam lesões
idóneas a provocar-lhe a morte, o que previram e quiseram.
Conclui-se que da matéria de facto provada, se verifica a qualificativa a
que alude a al. g) do n.º 2 do art. 132.º do CP, bem como a especial
censurabilidade e perversidade a que se refere a citada alínea g).
V -  Tendo o Tribunal da Relação confirmado integralmente a pena
aplicada aos recorrentes, pela prática do crime de roubo, de 3 anos e 6
meses de prisão, não é admissível recurso para este Supremo Tribunal
[al. f) do n.º 1 do art. 400.º, do CPP].

VI - Partindo da moldura penal abstrata do cúmulo jurídico balizada


entre um mínimo de 19 anos de prisão e máximo de 22 anos e 2 meses
de prisão aplicável ao caso concreto, tendo em consideração o conjunto
dos factos e a personalidade dos agentes, as exigências de prevenção
geral e especial, mostra-se justa, necessária, proporcional e adequada, a
pena de única 21 anos de prisão.
Decisão Texto Integral:
Acordam, na 3ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça

1. RELATÓRIO
1.1. No Juízo Central Criminal ... – Juiz ..., os arguidos AA solteiro,
desempregado, nascido no dia .../.../1990, em ..., ..., filho de BB e de
CC, residente na ..., nº 3, em ..., atualmente sujeito à medida de coação
de prisão preventiva no Estabelecimento Prisional ... e DD, solteira,
empregada de ..., nascida no ... .../.../1990, em Sé, ..., filha de EE e de
FF, residente na ..., nº 3, em ..., atualmente sujeita à medida de coação
de prisão preventiva no Estabelecimento Prisional ..., foram julgados
em processo comum com intervenção do tribunal coletivo, e, por
acórdão de 01 de junho de 2021, foi deliberado, condenar cada um
dos arguidos AA e DD, pela prática, em coautoria material e concurso
real, de:
A) Um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos art.º 131.º e 132.º,
n.º 1 e n.º 2 al. ª g), do Código Penal, na pena de 19 anos de prisão; e
B) Um crime de roubo, p. e p. pelo art.º 210.º, n.º 1, do Código Penal,
na pena de 3 anos e 6 meses de prisão.
Em cúmulo jurídico cada um dos arguidos AA e DD na pena única
de 21 (vinte e um) anos de prisão.
1.2. Inconformados com o acórdão dele interpuseram recurso os
arguidos AA e DD, para o Tribunal da Relação de Évora, que por
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acórdão de 26 de outubro de 2021, negou provimento ao recurso e


manteve na íntegra o acórdão recorrido.
1.3. Inconformados com o acórdão do Tribunal da Relação de Évora
dele interpuseram recurso os arguidos para este Supremo Tribunal de
Justiça, que motivaram concluindo nos seguintes termos:
«I - Da nulidade por erro de interpretação e de aplicação do artigo
340.º n.º 1 do CPP – nulidade prevista no art.º 120.º n.º 2 d) do CPP.
A - O artigo 340º do C.P.P. regula os princípios gerais para produção
de prova que não tenha sido indicada pelas partes antes da audiência
de julgamento e consagra o princípio da investigação ou da verdade
material, segundo o qual cabe ao Tribunal do julgamento o poder-
dever de investigar o facto, atendendo a todos os meios de prova que
não sejam irrelevantes para a descoberta da verdade e com o objectivo
de determinar a verdade material.
B - O princípio da investigação obriga o tribunal a reunir as provas
necessárias  à decisão, pelo que, ainda que oficiosamente, pode e deve
ordenar a produção de todos os meios de prova – ainda que não
constantes da acusação, da pronúncia ou da contestação - “cujo
conhecimento se lhe afigure necessário à descoberta da verdade e à
boa decisão da causa”., estabelecendo o nº 1 do artigo 340º do CPP a
regra de necessidade, segunda a qual, a produção de novos meios de
prova é determinada quando o tribunal determine a mesma como
necessária à descoberta da verdade e à boa decisão da causa.
C - A omissão, em outra fase processual, da indicação de prova e/ou
meio de obtenção de prova, que reputadamente seja imprescindível –
fundamental, útil e necessária - ao apuramento da verdade material, e
assim à boa decisão da causa, não pode obstar à produção de tal prova
em sede de julgamento.
D - Ao ser trazido ao conhecimento do Juiz, a existência de tal meio de
obtenção de prova, tem o mesmo o poder-dever de determinar a sua
produção, sob pena de esvaziamento daquele normativo e, assim, do
princípio da investigação e do poder-dever de decisão do Juiz.
E - O princípio da investigação determina que o tribunal se
comprometa no apuramento da verdade material, atendendo a todos os
meios de prova relevantes que os sujeitos processuais tragam aos
autos, mas também, independentemente dessa contribuição, ordenando,
oficiosamente, a produção de todas as provas cujo conhecimento seja
essencial ou necessário à descoberta da verdade material e, assim, à
decisão justa da causa.
F - Face à história pregressa, e à suspeita de que a aqui Recorrente
pudesse estar incapaz de avaliar a ilicitude da sua conduta ou de se
autodeterminar para poder agir de acordo com o direito, impunha-se,
sob pena de violação do n.º 1 do artigo 340.º do CPP, que aquele
tribunal tomasse decisão determinativa da realização de perícia

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requerida, sendo a mesma essencial, s.d.r. por melhor opinião, para


fundamentar com a certeza e segurança exigíveis e indispensáveis,
necessária e legalmente subjacentes à fixação da matéria de facto
considerada provada.
G - Destarte, em virtude do dito indeferimento, não foi carreado para
os autos, em concreto:
- Se a aqui Recorrente padece de patologia do foro psiquiátrico;
- Na afirmativa, a dimensão daquela patologia;
- Em que circunstancias tal patologia se manifesta;
- Em que medida a dita patologia se manifesta;
- Em que medida tal patologia influencia a capacidade da ora
Recorrente de autodeterminação, de compreender e decidir e se
determinar por tal desígnio;
- Se a dita doença mental determina a diminuição da imputabilidade da
arguida;
- Se estas circunstâncias atenuam, e em que medida, a ilicitude ou a
culpa da ora Recorrente;
Matéria fáctica sem a qual – cremos - não se poderia considerar que a
ora Recorrente agiu livre, deliberada e conscientemente, sabendo que a
sua conduta era proibida e punida por lei, e retirar as conclusões sobre
o elemento subjectivo do tipo e sobre o elemento volitivo.
H - Por imprescindível –fundamental, útil e necessário - ao
apuramento da verdade material, e assim à boa decisão da causa,
impunha-se a produção da requerida prova adicional. Ao não esgotar
todos os meios de obtenção e recolha de prova ao seu dispor violou o
tribunal de primeira instância o disposto nos artigos 160º e 340º, n.º 1
do Código de Processo Penal, o que consubstancia nulidade de
omissão de diligências que pudessem reputar-se essenciais para a
descoberta da verdade, prevista no art. 120°, n.° 2, al. d), do mesmo
Código, a qual tem como consequência a invalidade do acto em que se
verificou e dos subsequentes, designadamente da sentença (art. 122°, n.
° 1, do CPP).
I - Ao decidir de forma diferente, o douto tribunal “a quo” incorreu em
erro de julgamento, violando o douto acórdão recorrido, no segmento e
pelas razões apresentadas, por erro de interpretação e de aplicação, a
norma constante do artigo 340.º n.º 1 do CPP – resultando na nulidade
prevista no art.º 120.º n.º 2 d) do CPP -, desconsiderando também as
garantias de defesa processualmente dispostas em favor da Recorrente,
nos termos previstos no art.º 32.º n.º 1 da CRP. É, pois, nula a douta
decisão proferida, nos termos do artigo 102º, nº 2, alínea d), do C.P.P.,
devendo ser revogada e substituída por outra que, determine a
realização das requeridas perícia psiquiátrica e à personalidade da

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aqui Recorrente, por se tratar de diligência indispensável ao


apuramento da verdade material e à boa decisão da casa.
SEM PRESCINDIR NEM CONCEDER, POR DEVER DE
PATROCÍNIO,
II – Do enquadramento jurídico
J - Entendeu o tribunal “a quo”, integrar a alegada conduta dos
Recorrentes, no disposto na alínea g) do n.º 2 do artigo 132ºdo C.P., ie,
concluindo que o crime de homicídio havia ocorrido como instrumental
do crime de roubo, pois que visavam os Recorrentes com a sua conduta
“O assegurarem a impunidade do roubo que tinham acabado de
fazer”.
K - Ora, respeitosamente, com tal não se conformam os Recorrentes,
pois não resultando provada a concreta dinâmica das condutas de
agressão alegadamente levadas a cabo pelos Recorrentes nem as
circunstâncias de tempo e modo em que foram produzidas as agressões
sofridas pela vítima, o que resulta da factualidade assente é a
apropriação de dinheiro da vítima e as agressões de que a mesma
padeceu.
L - Da factualidade assente, resulta que as lesões sofridas pela vítima
indiciam violência, o que poderá – concede-se - ser revelador ou
indiciar a existência de elementos perturbadores do exercício de
controlo das acções dos agressores, um estado de desassossego e
perturbação, sob a influência do consumo de estupefaciente; a morte
da vítima não sobreveio de conduta planeada, não foi um ato friamente
calculado, antes resultou deste aludido circunstancialismo.
M - Para a qualificação do crime de homicídio é essencial que dos
factos resulte uma especial censurabilidade ou perversidade que possa
ser imputada ao arguido a título de culpa adensada, ou seja, um tipo
especial de culpa.
N - Especialmente censuráveis serão as circunstâncias de tal modo
graves que reflectem uma atitude profundamente distanciada do agente
em relação a uma determinação normal de acordo com os valores; e
por especial perversidade tem-se em vista uma atitude profundamente
rejeitável, no sentido de ter sido determinada e constituir indício de
motivos e sentimentos que são absolutamente rejeitados pela
sociedade.
O - Para essa apreciação concorrem todas as circunstâncias da
conduta, quer na acção externa (instrumento utilizado, tipo e número
de lesões, dinâmica do evento) quer nos aspectos relacionados com os
motivos e objectivos que presidiram à acção (factos psíquicos).
P - Para a afirmação do dolo, o que o aplicador tem de fazer é partir
da situação tal como ela foi representada pelo agente e, a partir dela,
perguntar se a situação, tal como foi representada, corresponde a um
exemplo-padrão ou a uma situação substancialmente análoga. E, em
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caso afirmativo, se ela é susceptível de revelar a especial


censurabilidade ou perversidade do agente. Para que possam afirmar-
se certos motivos ou finalidades, o agente tem de estar consciente
desses motivos ou finalidades. Tal como tem que ter conhecimento das
circunstâncias em que executa o facto.
Q - Para que possam afirmar-se certos motivos ou finalidades, o
agente tem de estar consciente desses motivos ou finalidades. Tal como
tem que ter conhecimento das circunstâncias em que executa o facto.
R - Para o preenchimento da circunstância agravante previsto na
alínea g) do n,.º 2 do artigo 132º do CP, o homicídio deverá constituir
sempre o crime-meio para a realização do outro crime, não podendo
ser simplesmente um facto acompanhante ou uma sua consequência.
S - Salvo o devido respeito por melhor e douta opinião, o - parco -
quadro factual descrito como provado não permitia ao tribunal “a
quo” retirar a convicção segura da existência daquela circunstância
reveladora de um juízo de culpa especialmente agravado.
T - Não resultando da factualidade provada a concreta dinâmica das
agressões alegadamente levadas a cabo pelos Recorrentes, nem as
circunstâncias de tempo e modo em que foram produzidas as lesões na
vítima, nem o circunstancialismo em que a agressão se concretizou,
não existe nos autos sustentação fáctica que permita ao tribunal “a
quo” retirar a conclusão de qual o escopo dos Recorrentes e que o
mesmo visava assegurarem o encobrimento de outro crime.
U - Atenta a falta de prova, devia o tribunal “a quo” nortear a sua
douta decisão pelo princípio constitucional in dúbio pro reu, e, dessa
forma, não prejudicar o Arguido. Pelo que, mal andou o tribunal ”a
quo” ao confirmar o enquadramento jurídico da factualidade provada
na circunstância agravadora prevista na alínea g) do n.º 2 do artigo
132º do CP, violando o douta decisão recorrida, entre o mais, o
princípio constitucional da presunção de inocência (art. 32.º, n.º 2, 1.ª
parte, da CRP), na sua vertente traduzida no princípio in dúbio pro
reo.
SEM PRESCINDIR NEM CONCEDER, POR CAUTELA DE
PATROCÍNIO,
III – Da medida da pena
V - Entendem os Recorrentes que mal andou o douto tribunal “a quo”
na valoração que faz quanto à aludida matéria, pois que, na integração
jurídica e determinação do enquadramento jurídico já haviam sido
ponderadas quer as circunstâncias relativas à gravidade e duplicação
das lesões sofridas pela vítima quer aos objectos subtraídos pelos
Recorrentes.
W - O tribunal “a quo”, ao confirmar a decisão do tribunal de
julgamento, faz errada valoração da instabilidade afectiva, escolar e
laboral dos Recorrentes, pois que, devendo tais circunstâncias serem
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apreciadas por respeitarem às condições pessoais e económicas dos


Recorrentes, não podem senão ser entendidas como factores
atenuantes.
X - Atendendo a que a determinação de qualquer pena deve ser
orientada pelo princípio da proporcionalidade (quer à luz da
gravidade da factualidade, quer quanto ao grau e intensidade da culpa
e às necessidades de reintegração do agente), e, no que tange à pena
única, porque a moldura do concurso pode assumir uma amplitude
enorme, com o seu limiar máximo muito elevado, e ainda porque a
factualidade praticada pelos agentes pode ser integrada em
fenomenologias de diferente hierarquia, o critério a utilizar na
determinação da pena unitária não pode ser um critério de adição de
penas, sem consideração pelo tipo de criminalidade em causa e sem
uma conveniente avaliação da totalidade dos factos como unidade de
sentido, enquanto reportada a um determinado contexto social,
familiar e económico e a uma determinada personalidade.
Y - Quer no que respeita às penas parcelares, quer à pena única
encontrada, uma maior coincidência das mesmas com o limite mínimo
legalmente previsto para o tipo de crime em causa, mostrar-se-ia mais
adequado às exigências de prevenção, quer geral, quer especial, sendo
ainda suficiente para se atingir os fins insertos na norma
incriminadora, contribuindo para a ressocialização dos agentes.
Z - Face ao exposto, a decisão recorrida, ao decidir em sentido diverso
ao ora expendido, para além de outras normas e princípios violou o
disposto nos artigos 14º, 40.º, 42º, 50.º, 53.º, 70º, 71º, 72º, 73º, 75º,
131º, 132º e 210º todos do C.P., os artigos 151º, 160º e 340º do CPP, os
artigos 18.º e 32.º da Constituição da Republica Portuguesa, artigo 6º,
§ 1º, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e artigo 14º do
Pacto Internacional Sobre os Direitos Civis e Políticos.
TERMOS EM QUE
Requer-se a V. Exas. que concedam provimento ao presente recurso e,
consequentemente, declarem nula a douta decisão recorrida, devendo a
mesma ser revogada e substituída por outra que determine a realização
das requeridas perícia psiquiátrica e à personalidade da aqui
Recorrente, por se tratar de diligência indispensável ao apuramento da
verdade material e à boa decisão da causa.
ou quando assim doutamente se não entenda,
a revoguem substituindo-a por outra que altere a qualificação jurídica
da factualidade assente, no qua tange à factualidade integrante do
ilícito típico de homicídio, subsumindo-a no tipo simples, p. e p. no
artigo 131º do Código Penal.
ou ainda, à cautela, por mero dever de patrocínio,
Quando assim se não entenda,

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Que V. Exas. revejam as penas, quer parcelares, quer a pena única,


aplicada aos Recorrentes pelo tribunal “a quo”, substituindo-a por
outra, quer no que respeita às penas parcelares, quer à pena única
encontrada, mais coincidente com o limite mínimo legalmente
previsto para o tipo de crime em causa.
Todavia, V. Exas., Colendos Conselheiros, farão a já costumada
JUSTIÇA!»
1.4. No Tribunal da Relação de Évora houve Resposta do Ministério
Público, o qual se pronunciou pela improcedência do recurso, dando
por reproduzido tudo o que foi alegado em primeira instância pelo
magistrado do Ministério Público.
1.5. Neste Supremo Tribunal o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu
Parecer nos seguintes termos: (…)
«Ora, na verdade, o que os arguidos pretendem é que este Supremo
Tribunal volte a sindicar questões já decididas pelas demais Instâncias
– nomeadamente, em sede de matéria de facto considerada provada –,
invocando vícios diversos.
É certo que o Supremo Tribunal de Justiça, apreciando um recurso
sobre matéria de direito, pode conhecer oficiosamente dos vícios da
sentença que, in casu, porventura detecte.
No caso dos autos, porém e tal como sustentou o nosso Exmo. Colega,
não se vislumbram quaisquer vícios que devessem suscitar a
intervenção e correcção desta Instância. O Tribunal da Relação de
Évora não deixou de se pronunciar sobre as (mesmas) questões que
agora se invocam (de novo) e fê-lo, quer argumentando, quer aderindo
à argumentação da 1ª Instância. Assim, o aresto recorrido não deixou
por decidir algo sobre o qual devesse ter opinado, justificando
adequadamente todas as opções tomadas.
Para apreciação resta, pois, o quantum da pena parcelar mais alta e
da pena única imposta aos recorrentes, matéria sobre a qual é lícita a
intervenção deste Supremo Tribunal.
Também aqui, no entanto, nos parece que a decisão das Instâncias não
merecerá censura. De facto, não se registam factores que diminuam a
gravidade da actuação dos arguidos.
Com efeito, o TRE explicou perfeitamente por que razão não alterou a
decisão da 1ª Instância, lembrando a elevada ilicitude dos factos e o
passado criminal dos arguidos. Frise-se, por um lado, que o homicídio
foi cometido de forma absolutamente gratuita, sem sequer ter havido
reacção da vítima que justificasse que, sobre si, se exercesse qualquer
espécie de violência; e, por outro, ambos os arguidos registam
antecedentes criminais, estando em cumprimento de uma pena de
prisão cuja execução ficou suspensa, à data dos factos.

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Não se vislumbram, portanto, razões para maior contemporização na


fixação das penas: basta relembrar as fragilidades do percurso pessoal
de cada um dos arguidos, bem como a sua postura e o modus operandi
para pôr em prática crimes de tal modo graves e que culminaram na
morte de um ser humano.
E o Colectivo, aliás, explicou perfeitamente por que razão considerou
qualificado o crime de homicídio:
Recurso Penal
“É suficiente, para o preenchimento da alínea, que, na representação
mental do agente, o crime de homicídio seja útil para a prossecução de
um outro crime, quer este outro crime venha a ser cometido ou já tenha
sido cometido pelo próprio ou por terceiro.
Ora no caso dos autos, jazendo o GG já prostrado e inerte no chão do
quarto da casa dos recorrentes, depois de ter sido eficientemente
sovado por estes até lhes entregar o seu cartão de débito e o respetivo
código, e de terem ficado com 80 € resultantes de levantamento
efectuado de seguida com o dito cartão numa ATM, voltaram ambos os
arguidos a sovar à vontade o GG e a bater-lhe na cabeça com um
objeto não concretamente apurado, mas de natureza contundente, e a
apertar-lhe o pescoço – até o matarem, para assegurarem a
impunidade do roubo que tinham acabado de fazer, demonstrando
assim uma acentuada baixeza de carácter, uma egoística ausência de
piedade pelo semelhante, cuja censurabilidade é acrescida ainda mais
pela noção que qualquer pessoa tem de que com tal morte
asseguravam coisa nenhuma em relação a não serem descobertos pelo
roubo, ou seja, mataram o GG sem necessidade, com um desiderato
que qualquer pessoa de mínimo bom senso logo veria que não seria
alcançável, agindo com a insensibilidade de quem está a liquidar um
boneco num videojogo.
Ora isto revela a especial censurabilidade ou perversidade a que se
refere o art.º 132.º, n.º 1 e 2 al.ª g), do Código Penal – pelo que bem
andou o tribunal "a quo" ao ter condenado os recorrentes por
homicídio qualificado.”
Ora, a pena única crê-se convenientemente fixada; compreendendo-se
que as circunstâncias particularmente graves do caso tenham levado o
Colectivo a adicionar, à pena parcelar mais alta, pouco mais de metade
da diferença para a soma aritmética de ambas. Não pode esquecer-se
que a actuação deliberada e consciente dos arguidos culminou na
morte de um ser humano, barbaramente infligida.
E, assim, parece-nos que o aresto fez uma adequada interpretação dos
critérios contidos nas disposições conjugadas dos art.ºs 40º, n.º 1 e 71º,
n.º 1 e 2, als. a) a c), e) e f) do Código Penal.
Atendeu-se, cremos, à vantagem da reintegração tão rápida quanto
possível dos arguidos em sociedade; sem se esquecer, porém, que a

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pena deve visar também, de forma equilibrada, a protecção dos bens


jurídicos e a prevenção especial e geral, neste caso particularmente
relevantes.
Em suma, as fortíssimas exigências de prevenção e a gravidade do
comportamento dos arguidos tinham, em conformidade e de acordo
com os critérios acima referidos, de ser traduzidos em penas
correspondentes à medida da sua culpa; o que o Tribunal recorrido
conseguiu de forma justa e que respeita as finalidades visadas pela
punição.
3. Assim, concluindo, dir-se-á que o douto acórdão recorrido
qualificou e sancionou de forma adequada e criteriosa a matéria
fáctica fixada, pelo que os recursos deverão improceder».
1.6. Foi cumprido o art. 417º, do CPP.
1.7. Com dispensa de Vistos, e não tendo sido requerida audiência,
seguiu o processo para conferência.

***

2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1. Nas Instâncias foram dados como provados os seguintes factos:
1. Entre as 23h37 do dia ... de junho e as 00h00 do dia 17 de junho
de 2020, GG, nascido a .../.../1979, dirigiu-se à residência dos arguidos
DD e AA, sita na ..., em ....
2. Por motivos não apurados e, em momento não determinado, os
arguidos AA e DD decidiram fazer seus os objetos de valor e dinheiro
que GG tivesse consigo, recorrendo à força física para o efeito, se
necessário.
3. Em execução desse plano, a hora não determinada, mas anterior às
01h30 do mesmo dia, num dos quartos da habitação, os arguidos DD e
AA bateram de forma não apurada no corpo de GG, até este lhes
entregar o seu cartão de débito associado a uma conta bancária de que
era titular, bem como o respetivo código.
4. Devido às agressões de que foi vítima GG entregou aos arguidos AA
e DD o dito cartão de débito, com o nº ...33, associado à conta de
depósitos à ordem nº ...20, do ..., de que era titular o GG e HH, bem
como o respetivo código.
5. Logo após o arguido AA dirigiu-se com o cartão de débito da vítima
ao terminal ATM (caixa automática), sito na Rua ..., em ..., onde através
da sua utilização e do código de acesso procedeu ao levantamento de
€80 da conta bancária supra referida, de que era titular o GG.
6. Após, na posse da referida quantia, o arguido AA voltou para a
residência mencionada em 1.
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7. De seguida, e com o desiderato referido em 2, estando GG deitado


no chão do quarto supra referido, devido às agressões já sofridas, os
arguidos AA e DD continuaram a bater-lhe, de forma não apurada, mas
com particular incidência na cabeça.
8. Em momento não concretamente apurado, mas no decurso das
agressões supra referidas, um dos arguidos, DD ou AA, de comum
acordo com o outro, bateu com um objeto não concretamente apurado,
mas de natureza contundente, no lado direito da cabeça de GG.
9. Em momento igualmente não apurado, mas no decurso das agressões
referidas em 8., um dos arguidos, DD ou AA, de comum acordo com o
outro, fez pressão, com força, na zona do pescoço de GG.
10. Devido ao descrito em 7. a 9. GG sofreu as seguintes lesões:
- no hábito externo:
“Cabeça: Esfacelo retroauricular e do pavilhão retroauricular direitos.
Lacerações: 1 - retroauricular esquerda; 2 - pálpebra superior direita;
3 - do nariz (asa direita); 4 - do lábio superior. Feridas: 1 - na região
frontal direita com 4,5cms, 2 - na hemiface direita com 1,0 cm, 3 - duas
na região mentoniana direita transversais, que de cima para baixo
medem 3,5 cm e 4,0 cms, 4 - na hemiface esquerda com 4,5cms----
Toráx: escoriação com 2 cms na face anterior do hemitorax esquerda--
-“ - no hábito interno:
“Cabeça:
Partes moles: ponteado hemorrágico do couro cabeludo. Infiltração
hemorrágica dos músculos temporais---Ossos da cabeça -Abóbada:
fratura parietal;
Ossos da cabeça - Base: fratura transversal do andar medio---
Meninges: hemorragia subaracnoideia;
Encéfalo: edema encefálico. Ponteado hemirrágico do encéfalo; Peso:
1345g---Ossos da face: fraturada;
Cavidades orbitarias e globos oculares: fratura das cavidades
orbitarias---Fossas nasais, seios maxilares, frontais e esfenoidais:
fraturados---Pescoço:
Tecido celular subcutâneo: com infiltração hemorrágica---Músculos:
com infiltração hemorrágica;
Vasos e nervos: laceração da jugular à direita
Osso hióide: fraturado
Estruturas Cartilagíneas: fratura da cricoide
Laringe e Traqueia: com infiltração hemorrágica
Glândula Tiróide: infiltração hemorrágica
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Faringe e esófago: com infiltração hemorrágica“.


11. As lesões traumáticas crânio-encefálicas e vertebro medulares
descritas em 10. causaram a morte a GG.
12. Ao agirem da forma descrita em 3 e 4 os arguidos AA e DD
quiseram fazer seus o cartão de débito e os oitenta euros, bem sabendo
que não lhes pertenciam e que agiam contra a vontade do respetivo
dono, GG, o que conseguiram.
13. Ao agirem da forma descrita em 7 a 9 os arguidos AA e DD,
quiseram atingir a zona da cabeça e pescoço de GG, cientes que essas
zonas do corpo, se atingidas com força com objeto contundente ou por
pressão, sofreriam lesões idóneas a provocar-lhe a morte, o que
previram e quiseram.
14. Os arguidos AA e DD agiram sempre de comum acordo e em
conjugação de esforços e de intenções.
15. Os arguidos AA e DD agiram sempre de forma livre, deliberada e
consciente, sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por
lei.
Das condições pessoais e antecedentes criminais dos arguidos
16. AA nasceu em ..., inserido numa família constituída por quatro
elementos, com uma situação económica desfavorecida.
17. Beneficiou de um processo educacional tradicional, priorizado pela
transmissão de valores socialmente adequados.
18. Tem um filho menor, nascido numa relação que durou cerca de 6
anos.
19. À data da sua detenção, à ordem deste processo, vivia com a
coarguida DD, há cerca de 8 meses, com a qual tem mantido contacto
mostrando-se disposto à manutenção do relacionamento.
20. O arguido AA concluiu o 9.º ano de escolaridade com cerca de 16
anos, registando duas reprovações decorrentes de algum défice
motivacional e de investimento.
21. Tem trabalhado de forma irregular, sobretudo na área da construção
civil, o que se verificava à data da sua detenção.
22. Tem um historial de consumo de drogas, sendo referido o consumo
de cocaína há cerca de 3 anos; atualmente está abstinente.
23. Após o termo do relacionamento com a mãe do seu filho e na
sequência de alguma instabilidade laboral, cerca do ano de 2015,
passou a integrar grupos de pares com comportamentos desviantes e
associados ao consumo de drogas.
24. No Estabelecimento Prisional ... tem mantido um comportamento
adaptado às regras institucionais.
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25. Releva reduzida consciência crítica.


26. DD é fruto de um primeiro relacionamento marital da sua mãe,
tendo sido, aos 3 anos de idade, entregue aos cuidados da avó materna,
por acentuada precariedade económica e alguma disfuncionalidade do
agregado familiar reconstituído pela progenitora.
27. Apesar das contingências familiares de origem, em concomitância
com um quadro de acentuada precariedade económica da avó materna,
o seu processo de crescimento decorreu numa ambiência familiar
estável e aparentemente num contexto estruturado e normativo.
28. Em termos formativos e decorrentes das precárias condições
materiais do agregado familiar, DD, apenas, concluiu o 6º ano de
escolaridade.
29. Após o abandono dos estudos, aos 15 anos de idade, começou a
trabalhar como empregada de supermercado e, posteriormente,
desenvolveu várias atividades de cariz indiferenciado, no ramo da
restauração, numa empresa de exploração agrícola e como empregada
de limpezas, num percurso, progressivamente, descontínuo e de
dependência de familiares e/ou de apoios de solidariedade social.
30. Em termos afetivos, aos 16 anos de idade, DD estabeleceu relação
marital com II, no contexto da qual nasceram três filhos, todos ainda
menores de idade.
31. O relacionamento com este companheiro já terminou, tendo sido
caracterizado como instável e pautado, durante os últimos anos, por
recorrentes ruturas e reconciliações, reintegrando DD, por vezes, o seu
agregado de origem, com os filhos.
32. Posteriormente, protagonizou nova relação afetiva, com JJ, tendo a
relação terminado.
33. Em termos económicos, o agregado de DD sempre se movimentou
num quadro de contenção de despesas e de precariedade, atendendo às
dificuldades de inserção laboral e consequentes períodos de inatividade,
e aos crescentes encargos com os filhos.
34. Os descendentes acabaram por lhe ser retirados pela Segurança
Social.
35. Quando deu entrada na prisão, encontrava-se grávida, tendo sido,
posteriormente, alvo de uma interrupção voluntária da gravidez, em
resultado da má formação do feto.
(…)
51. Por acórdão de 7 de agosto de 2009, transitado em julgado a 10 de
março de 2010, proferida no âmbito do Processo ... n.º 210/07...., do
extinto ... Juízo Criminal ..., foi o arguido AA condenado pela prática
em 1 de fevereiro de 2007 de um crime de recetação, na pena de 75 dias

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de multa à taxa diária de € 4,00; pena já declarada extinta pelo


pagamento.
52. Por sentença de 9 de dezembro de 2009, transitado em julgado 26
de janeiro de 2010, proferida no âmbito do processo sumário n.º
492/09...., do extinto ... Juízo Criminal ..., foi o arguido AA, condenado
pela prática a 8 de dezembro de 2009, de um crime de condução sem
habilitação legal, na pena de 65 dias de multa à taxa diária de €6,00;
pena já declarada extinta pelo pagamento.
53. Por sentença de 22 de dezembro de 2015, transitado em julgado 1
de fevereiro de 2016, proferida no âmbito do processo sumário n.º
610/15...., do Tribunal Judicial da Comarca ..., Juízo Local Criminal ...,
Juiz ..., foi o arguido AA, condenado pela prática a 8 de fevereiro 2015,
de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 120 dias de
multa à taxa diária de € 5,00; pena já declarada extinta pelo pagamento.
54. Por sentença de 12 de julho de 2018, transitada em julgado a 11 de
julho de 2019, proferida no âmbito do processo comum singular n.º
1096/17...., do Tribunal Judicial da Comarca ..., Juízo Local Criminal
..., Juiz ..., foi o arguido AA condenado pela prática em 26 de agosto de
2017 de um crime de roubo, na pena de 3 anos de prisão, suspensa por
igual período de tempo sujeita a regime de prova.
55. Por sentença de 29 de junho de 2015 transitada em julgado a 14 de
setembro de 2015, proferida no processo sumário n.º 333/15...., do
Tribunal Judicial da Comarca ..., Juízo Local Criminal ..., Juiz ..., foi o
arguido AA condenado pela prática em 14 de junho de 2015 de um
crime de condução sem habilitação legal, na pena de 80 dias de multa à
taxa diária de € 5,50; pena já declarada extinta pelo pagamento.
56. Por sentença de 21 de dezembro de 2015 transitada em julgado a 2
de fevereiro de 2016, proferida no processo sumário n.º 831/15...., do
Tribunal Judicial da Comarca ..., Juízo Local Criminal ..., Juiz ..., foi o
arguido AA condenado pela prática em 9 de dezembro de 2015 de um
crime de condução sem habilitação legal, na pena de 110 dias de multa
à taxa diária de € 5,00; pena já declarada extinta pelo pagamento.
57. Por acórdão de 21 de abril de 2017 transitado em julgado a 22 de
maio de 2017, proferido no processo ... n.º 100/16.... do Tribunal
Judicial da Comarca ..., Juízo Central Criminal ..., Juiz ..., foi o arguido
AA condenado pela prática em 26 de janeiro de 2016 de dois crimes de
furto qualificado, na pena única de 15 meses de prisão, suspensa por
igual período de tempo; pena já declarada extinta.
58. Por acórdão de 21 de dezembro de 2011 transitada em julgado a 30
de janeiro de 2012 proferido no âmbito do processo ... n.º 480/09...., do
extinto ... Juízo Criminal do Tribunal Judicial ..., foi a arguida DD
condenada pela prática em 26 de março de 2009 de um crime de furto
qualificado na forma tentada, na pena de 90 dias de multa à taxa diária
de € 5,00; pena já declarada extinta, por prescrição.

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59. Por acórdão de 22 de junho de 2016, transitado em julgado a 30 de


agosto de 2016, proferido no âmbito do processo ... n.º 57/13...., do
Tribunal Judicial da Comarca ..., Juízo Central Criminal ..., Juiz ..., foi
a arguida DD condenada pela prática em 2014, de um crime de tráfico
de estupefacientes na pena de 4 anos e 6 meses de prisão, suspensa na
sua execução por igual período de tempo.
60. Por acórdão de 12 de abril de 2019, transitado em julgado a 21 de
maio de 2019, proferido no âmbito do processo ... n.º 8/18...., do
Tribunal Judicial da Comarca ..., Juízo Central Criminal ..., Juiz ..., foi
a arguida condenada pela prática em 17 de janeiro de 2018, de um
crime de furto, na pena de 3 meses de prisão, declarada integralmente
cumprida pelo tempo de prisão preventiva sofrido.
61. Por acórdão de 28 de fevereiro de 2020, transitado em julgado a 26
de junho de 2020, proferido no âmbito do processo ... n.º 957/17...., do
Tribunal Judicial da Comarca ..., Juízo Central Criminal ..., Juiz ..., foi
a arguida DD condenada pela prática em 3 de maio e 30 de dezembro
de 2018 de dois crimes de furto, respetivamente, e pela prática em 31
de maio e 15 de junho de 2018, de dois crimes de furto qualificado,
respetivamente, o último na forma tentada, na pena única de 2 anos e 6
meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo.

***

3. O DIREITO
3.1. O objeto do presente recurso atentas as conclusões da motivação
do recorrente, que delimitam o objeto do recurso, prende-se com as
seguintes questões:
- O acórdão recorrido enferma da nulidade por erro de interpretação e
de aplicação do artigo 340.º n.º 1 do CPP, prevista no art.º 120.º n.º 2 d)
do CPP, relativamente à arguida DD.
- O enquadramento jurídico-penal relativo à qualificação do
homicídio como integrando a qualificativa prevista na alínea g), do
nº2, do art. 132º, do CP, devendo a conduta ser subsumida à
previsão de homicídio simples, p. e p. no artigo 131º do Código Penal.
- A dosimetria das penas parcelares e única aplicadas aos
recorrentes.

3.1.1. Questão Prévia:


Vejamos.
O art. 432.º, sob a epígrafe «Recurso para o Supremo Tribunal de
Justiça», consagra o seguinte;
«1 - Recorre-se para o Supremo Tribunal de Justiça:
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a) De decisões das relações proferidas em 1.ª instância;


b) De decisões que não sejam irrecorríveis proferidas pelas relações,
em recurso, nos termos do artigo 400.º;
c) De acórdãos finais proferidos pelo tribunal do júri ou pelo tribunal
coletivo que apliquem pena de prisão superior a 5 anos, visando
exclusivamente o reexame de matéria de direito;
d) De decisões interlocutórias que devam subir com os recursos
referidos nas alíneas anteriores.
2 - Nos casos da alínea c) do número anterior não é admissível recurso
prévio para a relação, sem prejuízo do disposto no n.º 8 do artigo
414.º».
O art. 434.º, sob a epígrafe “Poderes de cognição” consagra que «Sem
prejuízo do disposto nos nºs 2 e 3 do artigo 410.º, o recurso interposto
para o Supremo Tribunal de Justiça visa exclusivamente o reexame de
matéria de direito».

Retomando o caso sub judice, no Juízo Central Criminal ... – Juiz ...
foram julgados em processo comum com intervenção do tribunal
coletivo os arguidos AA e DD, por acórdão de 01 de junho de 2021,
foi deliberado, na parte que aqui releva condenar cada um dos arguidos,
pela prática de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos art.º
131.º e 132.º, n.º 1 e n.º 2 al. ª g), do Código Penal, na pena de 19 anos
de prisão; e pela prática de um crime de roubo, p. e p. pelo art.º 210.º,
n.º 1, do Código Penal, na pena de 3 anos e 6 meses de prisão.
Em cúmulo jurídico cada um dos arguidos AA e DD na pena única
de 21 (vinte e um) anos de prisão.
Inconformados com o acórdão dele interpuseram recurso os arguidos
AA e DD, para o Tribunal da Relação de Évora, impugnando a
matéria de facto e invocando as nulidades que voltam a suscitar
neste recurso, e por acórdão de 26 de outubro de 2021, foi negado
provimento ao recurso e manteve na íntegra o acórdão recorrido.
De harmonia com o disposto no art. 400º, nº1, do Código do Processo
Penal:
«Não é admissível recurso: (…)
f) De acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações,
que confirmem decisão de 1.ª instância e apliquem pena de prisão não
superior a 8 anos».
Conforme se afirma no AC do STJ de 26-06-2019, processo nº
380/17.9PBAMD.L1.S1, Relator Nuno Gonçalves,[1] «A denominada
“dupla conforme” não permite impugnar perante o STJ acórdão da
Relação que confirma a condenação da 1ª instância em pena de prisão
igual ou inferior a 8 anos.
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Este Supremo Tribunal tem entendido, à luz do artigo 400.º, n.º 1, al.ª
f), do CPP, que são irrecorríveis as penas parcelares, ou únicas, em
medida igual ou inferior a oito anos de prisão, impostas pela 1ª
instância, confirmadas pela Relação, restringindo-se a revista do STJ
às penas de prisão, parcelares e/ou única, aplicadas em medida
superior a oito anos de prisão.
Sustenta-se no AC. de 28-11-2018, deste Supremo Tribunal: “O
princípio da dupla conforme é assegurado através da possibilidade de
os sujeitos processuais fazerem reapreciar, em via de recurso, pela 2.ª
instância, a precedente decisão; por outro lado, impede, ou tende a
impedir, que um segundo juízo, absolutório ou condenatório, sobre o
feito, seja sujeito a uma terceira apreciação pelos tribunais.
V - As garantias de defesa do arguido em processo penal não incluem o
3.º grau de jurisdição, por a CRP, no seu art. 32.º, se bastar com um 2.º
grau, já concretizado no presente processo» [2]
A conformidade à Constituição da chamada dupla conforme tem sido
uniformemente validada pelo Tribunal Constitucional, vejam-se a título
de exemplo, os Acórdãos n.º 659/2018, de 12 de dezembro, n.º
212/2017, de 2 de maio, n.º 687/2016, de 14 de dezembro, n.º
239/2015, de 29 de abril, n.º 107/2015, de 11 de fevereiro, n.º
269/2014, de 25 de março, n.º 186/2013, de 4 de abril, n.º 189/2001, de
3 de maio, n.º 451/2003, de 14 de outubro, n.º 495/2003, de 22 de
outubro, n.º 640/2004, de 12 de novembro, e n.º 649/2009, de 15 de
dezembro.

De igual modo decidiu o AC do STJ de 10MAR21, processo nº


330/19.8GBPVL.G1. S1, do mesmo Relator Nuno Gonçalves, que
seguimos de perto:
«Na expressão do Ac. de 19-02-2014, deste Supremo Tribunal,
significa que só é admissível recurso de decisão confirmatória da
Relação quando a pena aplicada for superior a 8 anos de prisão, quer
estejam em causa penas parcelares ou singulares, quer penas conjuntas
ou únicas resultantes de cúmulo jurídico[3].
Irrecorribilidade que é extensiva a todas as questões relativas à
atividade decisória que subjaz e que conduziu à condenação, incluída a
fixação da matéria de facto, nulidades, os vícios lógicos da decisão, o
princípio in dubio pro reo, a escolha das penas e a respetiva medida.
Em suma, todas as questões subjacentes à decisão, submetidas a
sindicância, sejam elas de constitucionalidade, substantivas ou
processuais, referentes à aplicação do direito, confirmadas pelo
acórdão da Relação, contanto a pena aplicada, parcelar ou conjunta,
não seja superior a 8 anos de prisão.
Trata-se de jurisprudência uniforme destes Supremo Tribunal, adotada
e seguida no Ac. de 19/06/2019, desta mesma secção, onde se decidiu:

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“As questões subjacentes a essa irrecorribilidade, sejam elas de


constitucionalidade, processuais e substantivas, enfim das questões
referentes às razões de facto e direito assumidas, não poderá o
Supremo conhecer, por não se situarem no círculo jurídico-penal legal
do conhecimento processualmente admissível, delimitado pelos poderes
de cognição do Supremo Tribunal”.
XXI - O acórdão da Relação de que foi interposto recurso é, pois, pelo
exposto, irrecorrível, quanto às penas parcelares aplicadas, com
exceção da pena pelo crime de homicídio qualificado (…)”[4].
Também assim no Ac. de 4/07/2019, onde se decidiu: “2. Para efeitos
do disposto no art. 400º, nº 1, e), do CPP, a pena aplicada tanto é a
pena parcelar, cominada para cada um dos crimes, como a pena única,
pelo que, aferindo-se a irrecorribilidade separadamente, por referência
a cada uma destas situações, os segmentos dos acórdãos proferidos em
recurso pelo tribunal da Relação, atinentes a crimes punidos com
penas parcelares inferiores a 5 anos de prisão, são insuscetíveis de
recurso para o STJ, nos termos do art. 432.º, n.º 1, b), do CPP. 3.
Irrecorribilidade que abrange, em geral, todas as questões processuais
ou de substância que (quanto a tais crimes) tenham sido objeto da
decisão, nomeadamente, os vícios indicados no art. 410.º, nº 2, do CPP,
as nulidades das decisões (arts. 379.º e 425.º, n.º 4, do CPP) e aspetos
relacionados com o julgamento dos mesmos crimes, aqui se incluindo
as questões atinentes à apreciação da prova – v.g., as proibições de
prova, o princípio da livre apreciação da prova e, enquanto expressão
concreta do princípio da presunção de inocência, o in dubio pro reo –,
à qualificação jurídica dos factos e com a determinação das penas
parcelares 4. Conexamente, a alínea f) do n.º 1 do art. 400.º, do CPP,
impossibilita o recurso de decisões da Relação que confirmem decisão
condenatória da 1.ª instância e apliquem pena de prisão não superior a
8 anos, pelo que, em caso de “dupla conforme”, o STJ não pode
conhecer de qualquer questão referente aos crimes parcelares punidos
com pena de prisão inferior a 8 anos, apenas podendo conhecer do
respeitante aos crimes que concretamente tenham sido punidos com
pena de prisão superior a 8 anos e da matéria relativa ao concurso de
crimes, sem prejuízo das matérias de conhecimento oficioso” [5]
Nestas situações, o acórdão da Relação que, apreciando as questões
suscitadas nos recursos confirma a decisão da 1ª instância, garante e
esgota o direito ao recurso, tanto em matéria de facto como em sede de
aplicação do direito. Ainda que o recurso do acórdão confirmatório da
condenação se circunscreva a questões de direito, não deve ser
admitido perante o STJ, que não deve reapreciar questões que já foram
duplamente apreciadas e uniformemente decididas, a não ser quando e
na parte em que o duplo grau de recurso está expressamente
ressalvado.
Quando seja admitido mais um grau de recurso ordinário, então a
decisão recorrida é a confirmatória daquela condenação. O recorrente,

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dissentindo do acórdão confirmatório, não deve insistir na reiteração


das questões que motivaram a impugnação da decisão da 1ª instância
porque, - apreciadas e decididas no acórdão da Relação -,
relativamente a elas foi, assim aí garantido o duplo grau de jurisdição,
consagrado na Constituição da República e no direito convencional
universal e europeu. Essas mesmas questões não podem, por isso, salvo
disposição legal que expressamente as ressalve, legitimar mais um
grau de recuso e, consequentemente, ser reexaminadas em mais um
grau de recurso, pelo Tribunal da cúspide judiciária comum.
No caso, o recorrente limita-se a reiterar na impugnação da decisão da
1ª instância, sem argumentos distintos dos que esgrimiu no recurso
perante a 2ª instância. O Tribunal da Relação, no acórdão recorrido,
ademais do julgamento da matéria de facto, reapreciou,
especificadamente, cada uma das questões apresentadas pelo
recorrente na impugnação da decisão condenatória da 1ª instância. E
decidiu pela improcedência de todas as pretensões recursórias,
confirmando, ipsis literis, a decisão condenatória do tribunal coletivo
do juízo central criminal de Guimarães.
Por isso, verifica-se dupla conformidade relativamente integral.
Pelo que, nestes segmentos do recurso, anteriormente colocados
perante a Relação e por esta decididos no acórdão confirmatório
recorrido, não é admissível sindicância através de recurso em segundo
grau, para um triplo grau de jurisdição, isto é, perante Tribunal da
cúspide judiciária comum».

Os acórdãos da Relação que confirmam decisão condenatória da 1ª


instância só admitem recurso para o STJ, se tiverem mantido – ou,
diminuindo-a, aplicado -, pena parcelar ou pena única superior a 8
anos de prisão –art. º 400º n.º 1 al. f) e 432º n.º 1 al.ª b) do CPP. E,
nestes casos, necessariamente restrito à sindicância das questões de
direito suscitadas –art. 434º do CPP.
A recorrente DD imputa ao acórdão recorrido a nulidade por erro de
interpretação e de aplicação do artigo 340.º n.º 1 do CPP, prevista no
art.º 120.º n.º 2 d) do CPP, alegando que, «é imprescindível –
fundamental, útil e necessário - ao apuramento da verdade material, e
assim à boa decisão da causa, impunha-se a produção da requerida
prova adicional. Ao não esgotar todos os meios de obtenção e recolha
de prova ao seu dispor violou o tribunal de primeira instância o
disposto nos artigos 160º e 340º, n.º 1 do Código de Processo Penal, o
que consubstancia nulidade de omissão de diligências que pudessem
reputar-se essenciais para a descoberta da verdade, prevista no art.
120°, n.° 2, al. d), do mesmo Código, a qual tem como consequência a
invalidade do acto em que se verificou e dos subsequentes,
designadamente da sentença (art. 122°, n.° 1, do CPP). Ao decidir de
forma diferente, o douto tribunal “a quo” incorreu em erro de
julgamento, violando o douto acórdão recorrido, no segmento e pelas
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razões apresentadas, por erro de interpretação e de aplicação, a norma


constante do artigo 340.º n.º 1 do CPP – resultando na nulidade
prevista no art.º 120.º n.º 2 d) do CPP -, desconsiderando também as
garantias de defesa processualmente dispostas em favor da Recorrente,
nos termos previstos no art.º 32.º n.º 1 da CRP. É, pois, nula a douta
decisão proferida, nos termos do artigo 102º, nº 2, alínea d), do C.P.P.,
devendo ser revogada e substituída por outra que, determine a
realização das requeridas perícias psiquiátrica e à personalidade da
aqui Recorrente, por se tratar de diligência indispensável ao
apuramento da verdade material e à boa decisão da causa».

Estabelece a lei que os poderes de cognição do STJ em sede de recurso


se limitam às questões de direito – art. 434º do CPP.
“Ao Supremo como tribunal de revista, e, na inexistência de vícios
constantes do artº 410º nº 2 do CPP, apenas incumbe sindicar
eventuais nulidades, se a convicção do tribunal do julgamento se
fundamentou em meios de prova, e provas, proibidos por lei, atentos o
princípio da legalidade das provas e os métodos proibidos de prova. –v.
artºs 125º e 126º do CPP. já que quanto ao aspeto substancial ou modo
de valoração de provas e ao modo de exercício do direito de defesa são
questões fácticas, do âmbito do recurso em matéria de facto, estranhas
à competência do Supremo Tribunal que reexamina exclusivamente a
questão de direito, sem prejuízo do disposto no artigo 410º nº 2 e 3 do
CPP”
No Ac. de 19/06/2019 deste Tribunal – que se acaba de citar -: “a
decisão da Relação ao negar provimento aos recursos, manteve as
penas aplicadas, as parcelares (e também a única), pelo que houve
confirmação, não sendo, por conseguinte admissível recurso para o
Supremo Tribunal, relativamente às penas parcelares aplicadas
inferiores a oito anos de prisão, atento o disposto no art. 400°, n.º 1, al.
f), do CPP (…).
(,,,) o artº 32º nº 1 da Constituição da República ao garantir o direito
ao recurso, garante o duplo grau de jurisdição mas não duplo grau de
recurso, sendo este determinado pela forma prevista no diploma legal
adjetivo (… )
O acórdão da Relação de que foi interposto recurso é, pois, pelo
exposto, irrecorrível, quanto às penas parcelares aplicadas, com
exceção da pena pelo crime de homicídio qualificado e, sendo ainda
recorrível a propósito da pena conjunta.
Óbvio é, por isso, que as questões subjacentes a essa irrecorribilidade,
sejam elas de constitucionalidade, processuais e substantivas, enfim
das questões referentes às razões de facto e direito assumidas, não
poderá o Supremo conhecer, por não se situarem no círculo jurídico-
penal legal do conhecimento processualmente admissível, delimitado
pelos poderes de cognição do Supremo Tribunal.
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As expectativas dos recorrentes, no exercício do direito ao recurso,


foram acauteladas com a interposição de recurso para a Relação»
De igual modo se pronunciou o AC de 29 de abril de 2020, afirmando:
«O Tribunal Constitucional, nos Acórdãos n.º 659/2011, de 21/12; n.º
194/2012, de 18/04, e n.º 240/2014, de 6/03, decidiu julgar não
inconstitucional a interpretação dos artigos 432.º, alínea b) e 400.º, n.º
1, alínea f), do CPP, com o sentido de ser “irrecorrível o acórdão
proferido pelas Relações que contenha nulidade invocada em recurso,
por não consagrar aquele normativo a exceção do recurso no caso de
arguição de nulidade de acórdão”[6].
No Acórdão n.º 659/2011 do Tribunal Constitucional expendeu-se: “em
caso de recurso relativo a decisão condenatória, seja com fundamento
em nulidades processuais, seja com fundamento em erros de
julgamento atinentes ao fundo da causa, o seu objeto apelante de um
terceiro grau de jurisdição será sempre o acórdão condenatório em si
próprio”
Mais adiante: “Com uma reapreciação jurisdicional,
independentemente do seu resultado, revela-se satisfeito esse direito de
defesa do arguido, pelo que a decisão do tribunal de recurso já não
está abrangida pela exigência de um novo controle jurisdicional. E o
facto de, na sequência dessa reapreciação, terem sido arguidas
nulidades do acórdão do Tribunal da Relação não constitui motivo
para se considerar que estamos perante uma primeira decisão sobre o
thema decidendum, relativamente à qual é necessário garantir também
o direito ao recurso.
Com efeito, a circunstância de os recorrentes terem arguido nulidades
do acórdão do Tribunal da Relação não modifica o objeto do processo
uma vez que, tal como a decisão da 1.ª instância, o acórdão do
Tribunal da Relação que sobre ela recai limita-se a verificar se o
arguido pode ser responsabilizado pela prá­tica do crime que estava
acusado e, na hipótese afirmativa, a definir a pena que deve ser
aplicada, o que se traduz num reexame da causa.
O Acórdão do Tribunal da Relação constitui, assim, já uma segunda
pronúncia sobre o objeto do processo, pelo que não há que assegurar a
possibilidade de aceder a mais uma instância de controle, a qual
resultaria num duplo recurso, com um terceiro grau de jurisdição”.
O Tribunal Constitucional na Decisão Sumária n.º 206/2016 e no
Acórdão n.º 110/2016, decidiu: “se a norma questionada (artº 400º, 1,
f) do CPP) tem natureza adjetiva, é irrelevante o tipo de ilegalidade
(erro de julgamento ou nulidade) que atinja a decisão recorrida,
estando garantido o direito ao recurso - em processo penal - mediante
o duplo grau de jurisdição, mostram-se satisfeitas as garantias de
defesa constitucionalmente consagradas”
A Constituição da República não garante ao arguido um segundo grau
de recurso em matéria penal, ou seja, o direito a submeter toda e
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qualquer condenação e as inerentes questões a uma segunda ou dupla


sindicância num terceiro grau de jurisdição, perante o Tribunal do topo
da hierarquia judicial criminal. A “Constituição penal” consagrando o
direito ao recurso não estabelece a obrigatoriedade de consagração de
que um duplo grau de recurso. No regime processual penal o princípio
regente é, com algumas exceções, o do grau único de recurso.
Do quadro constitucional e normativo resulta que o arguido tem direito
à reapreciação da sua condenação, em qualquer das suas vertentes,
tanto em matéria de facto como de direito. Impugnando o julgamento
da matéria de facto, seja através da valoração das provas, ou dos
mecanismos processualmente previstos – máxime: nulidades,
designadamente, omissão de diligências essenciais, falta ou
insuficiência de fundamentação, vícios lógicos da decisão, omissão de
pronúncia, presunção de inocência ou in dubio pro reo -, e
simultaneamente a aplicação do direito, o recurso é apreciado e
decidido pelo tribunal de 2ª instância, indiferentemente da medida da
pena e de o veredicto recorrido ter sido proferido por tribunal singular
ou coletivo.
Quando o condenado impugna perante a 2ª instância decisão de tribunal
coletivo ou do júri – e, repete-se, assim terá de ser sempre que se
insurge contra a decisão em matéria de facto - e a Relação a confirma,
integralmente ou a reduz (confirmação in mellius), não se admite
recurso em segundo grau, perante terceira jurisdição, a não ser que a
pena aplicada, parcelar ou única, seja em medida superior a 8 anos de
prisão.
Nestes casos, a admissibilidade de recurso de acórdão confirmatório,
ademais de restrita à sindicância da matéria de direito, está também
circunscrita ao reexame da qualificação jurídica dos factos e à
determinação da pena, ou, em caso de concurso de crimes, à dosimetria
da pena única. Todas as questões de facto e as questões de direito que
não interfiram com a qualificação jurídica dos factos e/ou a dosimetria
da pena fixada em medida superior a 8 anos de prisão não podem ser
reapreciadas outra vez, num terceiro grau de jurisdição.
Este regime de acesso ao STJ, através de um duplo grau de recurso, foi
modelado pelo legislador “enquanto via de prossecução de outros
direitos e interesses constitucionalmente tutelados, como sucede com a
própria eficácia do sistema penal, que tem como condição a emissão
de um julgamento final e definitivo em tempo razoável”.
No entendimento consolidado do Tribunal Constitucional “é de
reconhecer, assim, como interesse público legitimador da restrição do
direito ao recurso, a necessidade de racionalizar o acesso ao Supremo
Tribunal de Justiça, por forma a impedir a paralisação do órgão,
reservando a intervenção do tribunal cimeiro da orgânica judicial aos
casos de maior merecimento penal, desde que preservado o núcleo
essencial das garantias de defesa. Como se sublinhou no Acórdão n.º

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324/2013 (que se debruçou sobre a mesma dimensão normativa aqui


em análise, …)”.

No caso, o recurso da arguida vem interposto de acórdão da


Relação, que confirmando integralmente a decisão condenatória,
indeferiu a arguição das mesmas nulidades que o recorrente lhe
imputava. Ou seja, é já um recurso puramente de revista,
circunscrito o reexame da decisão recorrida (a da Relação) em
matéria de direito, com exclusão dos eventuais vícios, processuais
ou de facto, do julgamento da 1.ª instância.
As nulidades que arguiu, repetidamente, não podem ser conhecidas
porque respeitam à factualidade e à valoração probatória, ou seja, à
decisão da matéria de facto, e já foram especificadamente apreciadas
pelo acórdão da Relação, e indeferidas, sobre elas se formando a
denominada dupla conforme.
Respeitando à decisão em matéria de facto, com a reapreciação em um
grau, ficou cabalmente satisfeito o direito do arguido ao recurso.
A interpretação normativa com o sentido com que foi aplicada não
belisca minimamente aquele direito consagrado na Lei fundamental e
também nos instrumentos de direito convencional identificados no
aresto visado pelo arguente.
Neste sentido, nesta parte não se conhece do recurso, por inadmissível.

3.1.2. Vejamos o enquadramento jurídico-penal relativo à


qualificação do homicídio como integrando a qualificativa prevista
na alínea g), do nº2, do art. 132º, do CP,
Defendem os recorrentes que a conduta dos arguidos dever ser
subsumida à previsão de homicídio simples, pelo que o homicídio não
deve ser enquadrado na previsão da al.ª g) do n.º 2 do art.º 132.º, do
Código Penal, tanto mais que não existe a especial censurabilidade
ou perversidade mencionada no n.º 2 do aludido art.º 132.º;

Sob a epígrafe «homicídio qualificado» estabelece o citado artº 132º do


C. Penal, na parte que releva:
«1 - Se a morte for produzida em circunstâncias que revelem especial
censurabilidade ou perversidade, o agente é punido com pena de
prisão de doze a vinte e cinco anos.
2 - É suscetível de revelar a especial censurabilidade ou perversidade a
que se refere o número anterior, entre outras, a circunstância de o
agente:
(…)

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g) Ter em vista preparar, facilitar, executar ou encobrir um outro crime,


facilitar a fuga ou assegurar a impunidade do agente de um crime;

Como refere a doutrina «O legislador português de 1982 seguiu, em


matéria de qualificação do homicídio, um método muito particular e
até certo ponto, neste domínio original (…): a combinação de um
critério generalizador, determinante de um especial tipo de culpa, com
a técnica chamada dos exemplos-padrão (…) Por outras palavras, a
qualificação deriva da verificação de um tipo de culpa agravado,
assente numa cláusula geral extensiva e descrito com recurso a
conceitos indeterminados: «especial censurabilidade ou perversidade»
do agente referida no nº1; verificação indiciada por circunstâncias ou
elementos relativos ao facto, outros ao autor, exemplarmente elencados
no nº2 (…) Deste modo devendo afirmar-se que o tipo de culpa supõe a
realização dos elementos constitutivos do tipo orientador (…), que
resulta de uma imagem global do facto agravada correspondente ao
especial conteúdo de culpa tido em conta no art. 132º, nº 2” (vide Prof.
Figueiredo Dias, in Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte
Especial, Tomo I, pág. 25-26; Teresa Serra, in Homicídio Qualificado.
Tipo de Culpa Medida da Pena, 1990, pág. 50).
Acrescenta ainda o Prof. Figueiredo Dias, in ob. cit., pág. 27 que “É
exato (…) que muitos dos elementos constantes das diversas alíneas do
art. 132º- 2, em si mesmo tomados, não contendem diretamente com
uma atitude mais desvaliosa do agente, mas sim com um mais
acentuado desvalor da ação e da conduta, com a forma de
cometimento do crime. Ainda, nestes casos, porém, não é esse maior
desvalor da conduta determinante da agravação, antes ele é mediado
sempre por um mais acentuado desvalor da atitude: a especial
censurabilidade ou perversidade do agente, é dizer, o especial tipo de
culpa do homicídio agravado Só assim se podendo compreender e
aceitar que haja hipóteses em que aqueles elementos estão presentes e,
todavia, a qualificação vem em definitivo a ser negada”, e a pág. 29,
“o pensamento da lei é, na verdade, o pretender imputar à «especial
censurabilidade» aquelas condutas em que o especial juízo de culpa se
fundamenta na refração, ao nível da atitude do agente, de formas de
realização do facto especialmente desvaliosas, e à «perversidade»
aquelas em que o especial juízo de culpa se fundamenta diretamente na
documentação do facto de qualidades de personalidade do agente
especialmente desvaliosas”.
As circunstâncias qualificativas do homicídio não são assim de
funcionamento automático, sendo necessário verificar-se um especial
tipo de culpa, espelhado na especial censurabilidade ou perversidade do
agente.
E verificar-se-á essa especial censurabilidade ou perversidade nas
formas de cometimento do facto especialmente desvaliosas ou nas
condutas que revelem qualidades especialmente desvaliosas da

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personalidade do agente (cfr. Prof. Figueiredo Dias, Comentário


Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo I, pág. 29).
Tudo isso, porém, terá que resultar espelhado na imagem global do
facto concreto considerado provado cometido pelo agente.

Como salienta o AC do STJ de 28-09-2011 (Relator Armindo


Monteiro) processo nº 68/08.1GAMGR.C1. S1, «O homicídio
qualificado é construído a partir do tipo-matriz base, do art.º 131.º, do
CP, pela adição de circunstâncias especializadoras que relevam de
uma culpa agravada, retratada nos exemplos-padrão, descritos no n.º 2
, do art.º 132.º , do CP .
A meio caminho entre as circunstâncias modificativas agravativas e
inominadas está uma figura reconhecida com amplitude pelo directo
penal alemão, cujo desenho é obtido através daquilo a que doutrina
chama uma técnica exemplificativa, denominada dos “ Regelbeisplien
“ , exemplos-regra ou exemplos –padrão , tratando-se de
circunstâncias modificativas agravantes que o legislador se não
contenta em indicar a través de uma cláusula indeterminada de valor ,
mas que também não descreve com a técnica detalhada que usa para
os tipos , antes nomeia através da exemplificação padronizada .
A descrição constitui um exemplo indiciador de situações que devem
conduzir à agravação, podendo o juiz negar esse efeito, se considerar
que a través da valoração do facto a agravação não existe –Cfr. Direito
Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime , pág. 204 ,
Prof. Figueiredo Dias , ou seja deverá ter-se por revogado o efeito de
indício a partir da “ existência na pessoa do autor ou na sua acção de
circunstâncias extraordinárias que destaquem a sua ilicitude ou a sua
culpa claramente do exemplo padrão “ , escreve Teresa Serra , in
Homicídio Qualificado , pág. 68.
A técnica dos exemplos –padrão actua aquele efeito- indício,
interessando indagar se não concorrem outros como contraprova,
eliminando a especial censurabilidade e perversidade do acontecido
globalmente considerado, pois que além de não serem de
funcionamento automático são meramente exemplificativas – Cfr.
Teresa Serra, in Homicídio Qualificado, 126 e Acs. deste STJ , de
7.7.2005 , P.º n.º 1670 /05 e de 15.5 2008, P.º n.º 3979/07 .
São conceitos relativamente indeterminados, com conteúdo e extensão
em larga medida incertos, no dizer de Engish, para quem os conceitos
absolutamente indeterminados são muito raros no direito –cfr . op. cit.,
pág  119 -, fornecendo guias, uma listagem abstracta, em forma de
construção aberta, sintomática ou exemplificativa de situações
reveladora de especial perversidade e complexidade – ac. deste STJ ,
de 15.5.2002 , Rec.º n.º 02P1214-5.ª Sec
A especial perversidade e censurabilidade é o crivo no dizer de Maria
Margarida Silva Pereira, in Homicídios, II, 40 e 41 , por que passa a
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qualificação , e o suporte de  uma diferença essencial de grau , que


intercede entre o homicídio simples e o qualificado.
A censurabilidade especial de que fala o art.º 132.º, do CP, reporta-se
às circunstâncias em que a morte foi causada são de tal modo graves
que reflectem uma atitude profundamente distanciada do agente em
relação a uma determinação normal de acordo com certos valores,
visível na realização do facto; a especial perversidade revela uma
atitude profundamente rejeitável, constituindo um indício de motivos e
sentimentos absolutamente rejeitados pela sociedade, reconduzindo-se
a uma atitude má, eticamente falando, de crasso e primitivo egoísmo
do autor de que fala Binder, atinente à personalidade do autor, que
denota qualidades desvaliosas da sua personalidade –cfr. Comentário
Conimbricense do Código Penal , pág. 29 e Teresa Serra , op . cit. ,
pág . 63 .
A especial perversidade releva de um egoísmo abominável, assentando
a decisão de matar em grande reprovação, deixando-se o agente
motivar por factores desproporcionados, aumentando a intolerância
colectiva ante o facto; a especial censurabilidade denota que o agente
se não deixou vencer por factores que o deviam levar a abster-se de
actuar, traduzindo um profundo desrespeito ante padrões axiológico-
normativos preestabelecidos-Ac. deste STJ, de 18.19.2006, P062679».
O Tribunal Constitucional no AC nº 852/2014, de 10DEZ14,
publicado in DR 48/2015, Série II de 2015-03-10, também já se
pronunciou no sentido de «Julgar inconstitucional a norma retirada do
n.º 1 do artigo 132.º do Código Penal, na relação deste com o n.º 2 do
mesmo preceito, quando interpretada no sentido de nela se poder
ancorar a construção da figura do homicídio qualificado, sem que seja
possível subsumir a conduta do agente a qualquer das alíneas do n.º 2
ou ao critério de agravação a ela subjacente, por violação dos
princípios constitucionais da legalidade e da tipicidade penais,
garantidos pelo artigo 29.º, n.º 1, da Constituição da República
Portuguesa».
Do exposto resulta que «as circunstâncias do n.º 2 têm sempre que ser
submetidas à cláusula geral do n.º 1. Da interação entre os n.ºs 1 e 2
do art. 132.º pode resultar a exclusão do efeito de indício do exemplo-
padrão, e consequentemente a integração dos factos no crime de
homicídio simples do art. 131.º. Mas pode também, precisamente pelo
seu caráter meramente indiciário de uma culpa especialmente
agravada, admitir-se a qualificação do homicídio quando se constatar
a substancial analogia entre os factos e qualquer um dos exemplos-
padrão.
VII - Esta interação reflexa entre os dois n.ºs do art. 132.º permite por
um lado uma maior flexibilidade no tratamento dos casos concretos, e
consequentemente na administração da justiça do caso, e por outro
assegura a delimitação do tipo de homicídio qualificado em termos
suficientemente rigorosos, garantindo a determinabilidade dos
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elementos do tipo legal, não havendo assim lesão dos princípios da


legalidade e da tipicidade. (vide AC do STJ de 12MAR2015, Relator
Maia Costa processo nº 185/13.6GCALQ.L1.S1).
O STJ tem vindo também a afirmar que não funcionam
automaticamente, em termos de logo se dar por demonstrada a especial
censurabilidade ou perversidade do agente, a verificação daqueles
«exemplos-padrão». Como elementos da culpa implicam ainda um
exame global dos factos de modo a chegar (ou não) aquela
conclusão (vide Ac. do STJ de 07DEZ99, in CJ Acs. do STJ de 1999,
Tomo III, pág. 235 e Acs. aí citados).
Sobre este preceito o Prof Figueiredo Dias, na obra já citada, a págs. 25
a 27, esclarece que estamos perante uma agravação que se relaciona
com um especial tipo de culpa – os elementos agravativos situam-se ao
nível da culpa do agente, e não da ilicitude dos seus atos – utilizando a
técnica dos exemplos-padrão e que se relaciona com uma “imagem
global do facto agravada”.
Quer isto dizer que este artigo, esta agravação, só se aplica quando o
quadro da ação do agente do crime for especialmente grave ao nível da
sua culpa, ou seja, da censura da atitude e das resoluções do agente,
embora tal atitude se reflita, naturalmente, na ilicitude da ação. Por
outro lado, significa que os exemplos do n.º 2 do artigo 132º são apenas
indícios de que a tal especial censurabilidade poderá existir, mas não
significa que esta existe sempre que aqueles se verifiquem ou, por outro
lado, que a especial censurabilidade só exista quando alguma daquelas
previsões se verificar.
Assim sendo, importa averiguar atendendo à matéria de facto provada,
se a conduta do arguido se pode subsumir a qualquer das alíneas do n.º
2 ou ao critério de agravação a ela subjacente.

Como supra se referiu, sob a epígrafe «homicídio qualificado»


estabelece o citado artº 132º do Código Penal:
«1 - Se a morte for produzida em circunstâncias que revelem especial
censurabilidade ou perversidade, o agente é punido com pena de
prisão de doze a vinte e cinco anos.
2 - É suscetível de revelar a especial censurabilidade ou perversidade a
que se refere o número anterior, entre outras, a circunstância de o
agente:
g) Ter em vista preparar, facilitar, executar ou encobrir um outro crime,
facilitar a fuga ou assegurar a impunidade do agente de um crime».

Nesta alínea g), do art. 132º, nº2, do Código Penal, prevê-se a


«instrumentalidade do crime de homicídio, ou seja, o cometimento do
crime de homicídio com vista à preparação, facilitação, execução ou
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encobrimento de “outro crime”. O outro crime pode ser doloso ou


negligente, tentado ou consumado, cometido por ação ou por omissão.
Não é sequer necessário que o “outro crime” se tenha verificado e nem
mesmo que seja realizável. É suficiente que na representação mental do
agente, o crime de homicídio seja útil  para a consecução de um “outro
crime”, quer este outro crime tenha sido ou venha a ser cometido pelo
próprio agente ou por terceiro. (vide Paulo Pinto de Albuquerque
Comentário do Código Penal, Universidade Católica, Lisboa 2008, pág.
352, anotação 17 ao artigo 132º, e Figueiredo Dias anotação 17, ao
CCCP 1999).
Cabem nesta previsão o agente que rouba a vítima e depois a mata
para encobrir o crime de roubo, e os agentes que matam a vítima à
paulada com vista a tirar-lhe uma pequena quantia em dinheiro (vide
Paulo Pinto de Albuquerque Comentário do Código Penal,
Universidade Católica, Lisboa 2008, pág. 352, anotação 18, e acórdãos
do STJ ali citados, de 13JUL83, in BMJ 329, 396 e 27JUL83, BMJ
329, 423).

Retomando a matéria de facto provada, relevante para este tópico do


recurso, verifica-se o seguinte:
1. Entre as 23h37 do dia 16 de junho e as 00h00 do dia 17 de junho de
2020, GG, nascido a .../.../1979, dirigiu-se à residência dos arguidos
DD e AA, sita na ..., em ....
2. Por motivos não apurados e, em momento não determinado, os
arguidos AA e DD decidiram fazer seus os objetos de valor e
dinheiro que GG tivesse consigo, recorrendo à força física para o
efeito, se necessário.
3. Em execução desse plano, a hora não determinada, mas anterior
às 01h30 do mesmo dia, num dos quartos da habitação, os arguidos
DD e AA bateram de forma não apurada no corpo de GG, até este
lhes entregar o seu cartão de débito associado a uma conta
bancária de que era titular, bem como o respetivo código.
4. Devido às agressões de que foi vítima GG entregou aos arguidos AA
e DD o dito cartão de débito, com o nº ...33, associado à conta de
depósitos à ordem nº ...20, do ..., de que era titular o GG e HH, bem
como o respetivo código.
5. Logo após o arguido AA dirigiu-se com o cartão de débito da vítima
ao terminal ATM (caixa automática), sito na Rua ..., em ..., onde através
da sua utilização e do código de acesso procedeu ao levantamento de
€80 da conta bancária supra referida, de que era titular o GG.
6. Após, na posse da referida quantia, o arguido AA voltou para a
residência mencionada em 1.

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7. De seguida, e com o desiderato referido em 2, estando GG


deitado no chão do quarto supra referido, devido às agressões já
sofridas, os arguidos AA e DD continuaram a bater- lhe, de forma
não apurada, mas com particular incidência na cabeça.
8. Em momento não concretamente apurado, mas no decurso das
agressões supra referidas, um dos arguidos, DD ou AA, de comum
acordo com o outro, bateu com um objeto não concretamente
apurado, mas de natureza contundente, no lado direito da cabeça
de GG.
9. Em momento igualmente não apurado, mas no decurso das
agressões referidas em 8., um dos arguidos, DD ou AA, de comum
acordo com o outro, fez pressão, com força, na zona do pescoço de
GG.
10. Devido ao descrito em 7. a 9. GG sofreu as seguintes lesões:
- no hábito externo:
“Cabeça: Esfacelo retroauricular e do pavilhão retroauricular direitos.
Lacerações: 1- retroauricular esquerda; 2-pálpebra superior direita;
3-do nariz (asa direita); 4- do lábio superior. Feridas: 1- na região
frontal direita com 4,5cms, 2- na hemiface direita com 1,0 cm, 3-duas
na região mentoniana direita transversais, que de cima para baixo
medem 3,5 cm e 4,0 cm, 4- na hemiface esquerda com 4,5cms----
Toráx: escoriação com 2 cms na face anterior do hemitorax esquerda--
-“
- no hábito interno:
“Cabeça:
Partes moles: ponteado hemorrágico do couro cabeludo. Infiltração
hemorrágica dos músculos temporais---Ossos da cabeça -Abóbada:
fratura parietal----
Ossos da cabeça - Base: fratura transversal do andar medio---
Meninges: hemorragia subaracnoídea---
Encéfalo: edema encefálico. Ponteado hemorrágico do encéfalo; Peso:
1345g---Ossos da face: fraturada---
Cavidades orbitarias e globos oculares: fratura das cavidades
orbitarias---Fossas nasais, seios maxilares, frontais e esfenoidais:
fraturados---Pescoço:
Tecido celular subcutâneo: com infiltração hemorrágica---Músculos:
com infiltração hemorrágica---
Vasos e nervos: laceração da jugular à direita---
Osso hioide: fraturado----

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Estruturas Cartilagíneas: fratura da cricoide---


Laringe e Traqueia: com infiltração hemorrágica---
Glândula Tiroide: infiltração hemorrágica---
Faringe e esófago: com infiltração hemorrágica---“.
11. As lesões traumáticas crânio-encefálicas e vertebro medulares
descritas em 10. causaram a morte a GG.
12. Ao agirem da forma descrita em 3 e 4 os arguidos AA e DD
quiseram fazer seus o cartão de débito e os oitenta euros, bem sabendo
que não lhes pertenciam e que agiam contra a vontade do respetivo
dono, GG, o que conseguiram.
13. Ao agirem da forma descrita em 7 a 9 os arguidos AA e DD,
quiseram atingir a zona da cabeça e pescoço de GG, cientes que essas
zonas do corpo, se atingidas com força com objeto contundente ou por
pressão, sofreriam lesões idóneas a provocar-lhe a morte, o que
previram e quiseram.
14. Os arguidos AA e DD agiram sempre de comum acordo e em
conjugação de esforços e de intenções.
15. Os arguidos AA e DD agiram sempre de forma livre, deliberada e
consciente, sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por
lei.

Do exposto se conclui que, atenta a matéria de facto provada, no


caso verifica-se a qualificativa a que alude a alínea g), do nº2, do
art. 132º, do CP, bem como a especial censurabilidade e
perversidade a que se refere a citada alínea g).
Como se afirma no acórdão recorrido, «jazendo o GG já prostrado e
inerte no chão do quarto da casa dos recorrentes, depois de ter sido
eficientemente sovado por estes até lhes entregar o seu cartão de débito
e o respetivo código, e de terem ficado com 80 € resultantes de
levantamento efetuado de seguida com o dito cartão numa ATM,
voltaram ambos os arguidos a sovar à vontade o GG e a bater-lhe na
cabeça com um objeto não concretamente apurado, mas de natureza
contundente, e a apertar-lhe o pescoço – até o matarem, para
assegurarem a impunidade do roubo que tinham acabado de fazer,
demonstrando assim uma acentuada baixeza de carácter, uma egoística
ausência de piedade pelo semelhante, cuja censurabilidade é acrescida
ainda mais pela noção que qualquer pessoa tem de que com tal morte
asseguravam coisa nenhuma em relação a não serem descobertos pelo
roubo, ou seja, mataram o GG sem necessidade, com um desiderato
que qualquer pessoa de mínimo bom senso logo veria que não seria
alcançável, agindo com a insensibilidade de quem está a liquidar um
boneco num videojogo».

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3.1.3. Analisando a dosimetria das penas.


Insurgem-se os recorrentes quanto à medida das penas parcelares e
única, porquanto no seu entender são excessivas.
Os arguidos AA e DD foram condenados pela prática, em coautoria
material e concurso real, de:
Um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos art.º 131.º e 132.º, n.º
1 e n.º 2 al.ª g), do Código Penal, na pena de 19 anos de prisão; e
Um crime de roubo, p. e p. pelo art.º 210.º, n.º 1, do Código Penal, na
pena de 3 anos e 6 meses de prisão.
E em cúmulo jurídico na pena única de 21 anos de prisão.

Relativamente à pena aplicada aos recorrentes pela prática de um


crime de roubo.
De harmonia com o disposto no art. 400º, nº1, do Código do Processo
Penal:
«Não é admissível recurso: (…)
f) De acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações,
que confirmem decisão de 1.ª instância e apliquem pena de prisão não
superior a 8 anos».

Assim sendo, o recurso quanto à pena aplicada pela prática do crime de


roubo, de 3 anos e 6 meses de prisão, o recurso não é admissível, foi
integralmente confirmada pelo tribunal da Relação de Évora.
[(alínea f), do nº1, do art. 400º, do CPP].

***

Vejamos a pena aplicada ao crime de homicídio qualificado.


A moldura penal abstrata prevista para o crime de homicídio
qualificado, previsto e punido pelos artigos 131.º e 132.º, n.ºs 1 e 2,
alínea g) do Código Penal é de prisão de 12 a 25 anos.
A aplicação das penas visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração
do agente na sociedade (art. 40º, nº 1, do CP).
A determinação da medida da pena, dentro dos limites da lei, é feita em
função da culpa do agente e das exigências de prevenção, sendo que em
caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa (arts. 71º, nº1 e
40º, nº 2, do CP), vista enquanto juízo de censura que lhe é dirigido em
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virtude do desvalor da ação praticada (arts. 40º e 71º, ambos do Código


Penal).
E, na determinação concreta da medida da pena, como impõe o art. 71º,
nº 2, do Código Penal, o tribunal tem de atender a todas as
circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depõem a favor
do agente ou contra ele, designadamente as que a título exemplificativo
estão enumeradas naquele preceito, bem como as exigências de
prevenção que no caso se façam sentir, incluindo-se tanto exigências de
prevenção geral como de prevenção especial.
A primeira dirige-se ao restabelecimento da paz jurídica comunitária
abalada pelo crime, que corresponde ao indispensável para a
estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma
violada.
A segunda visa a reintegração do arguido na sociedade (prevenção
especial positiva) e evitar a prática de novos crimes (prevenção especial
negativa) e por isso impõe-se a consideração da conduta e da
personalidade do agente.
Conforme salienta o Prof. Figueiredo Dias[7], a propósito do critério
da prevenção geral positiva, «A necessidade de tutela dos bens
jurídicos – cuja medida ótima, relembre-se, não tem de coincidir
sempre com a medida culpa – não é dada como um ponto exato da
pena, mas como uma espécie de «moldura de prevenção»; a moldura
cujo máximo é constituído pelo ponto mais alto consentido pela culpa
do caso e cujo mínimo resulta do «quantum» da pena imprescindível,
também no caso concreto, à tutela dos bens jurídicos e das expectativas
comunitárias. É esta medida mínima da moldura de prevenção que
merece o nome de defesa do ordenamento jurídico. Uma tal medida em
nada pode ser influenciada por considerações, seja de culpa, seja de
prevenção especial. Decisivo só pode ser o quantum da pena
indispensável para se não ponham irremediavelmente em causa a
crença da comunidade na validade de uma norma e, por essa via, os
sentimentos de confiança e de segurança dos cidadãos nas instituições
jurídico-penais».
E, relativamente ao critério da prevenção especial, escreve o ilustre
mestre, «Dentro da «moldura de prevenção acabada de referir atuam
irrestritamente as finalidades de prevenção especial. Isto significa que
devem aqui ser valorados todos os fatores de medida da pena
relevantes para qualquer uma das funções que o pensamento da
prevenção especial realiza, seja a função primordial de socialização,
seja qualquer uma das funções subordinadas de advertência individual
ou de segurança ou inocuização. (...).
A medida das necessidades de socialização do agente é pois em
princípio, o critério decisivo das exigências de prevenção especial para
efeito de medida da pena».

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No que se refere à proteção de bens jurídicos, que constitui uma das


finalidades das penas (art. 40º, nº1, do CP), no caso o bem jurídico
protegido no tipo em causa é a vida humana, bem supremo que a
Constituição da República Portuguesa declara inviolável no seu art.º
24.º. Por isso, as necessidades de prevenção são muito elevadas.
Considerando os critérios norteadores a que aludem os arts. 40º e 71º,
do CP, temos:
- o grau de ilicitude dos factos, que se mostra elevado e o seu modo
de execução – as extrema gravidade das lesões sofridas pela vítima,
essencialmente ao nível da cabeça, o que revela um desprezo absoluto
pela vida humana e pelo sofrimento alheio, a duplicidade de lesões,
quer pelo esfacelo da cabeça quer pela quebra do osso hioide, e que
revelam um patamar bastante elevado de ilicitude;
- A gravidade das suas consequências – em consequência da conduta
dos arguidos a vítima sofreu lesões que lhe causaram a morte;
- A intensidade do dolo – na sua forma mais elevada de dolo direto e
intenso.
A culpa dos arguidos, enquanto reflexo da ilicitude, ou seja, como
censura por os arguidos terem atuado como descrito, é igualmente
elevada - tendo em atenção a conduta concreta dos arguidos que ficou
descrita na factualidade apurada, não podiam desconhecer a gravidade
das consequências do ato por si praticado, já que sabiam que agindo da
forma descrita, estando GG deitado no chão do quarto devido às
agressões já sofridas, os arguidos AA e DD continuaram a bater-lhe, de
forma não apurada, mas com particular incidência na cabeça. No
decurso das agressões supra referidas, um dos arguidos, DD ou AA, de
comum acordo com o outro, bateu com um objeto não concretamente
apurado, mas de natureza contundente, no lado direito da cabeça de
GG. Igualmente no decurso das agressões referidas um dos arguidos,
DD ou AA, de comum acordo com o outro, fez pressão, com força, na
zona do pescoço de GG, causando-lhe lesões que determinaram a morte
da vítima.
As suas condições pessoais e antecedentes criminais dos arguidos:
16. AA nasceu em ..., inserido numa família constituída por quatro
elementos, com uma situação económica desfavorecida.
17. Beneficiou de um processo educacional tradicional, priorizado pela
transmissão de valores socialmente adequados.
18. Tem um filho menor, nascido numa relação que durou cerca de 6
anos.
19. À data da sua detenção, à ordem deste processo, vivia com a
coarguida DD, há cerca de 8 meses, com a qual tem mantido contacto
mostrando-se disposto à manutenção do relacionamento.

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20. O arguido AA concluiu o 9.º ano de escolaridade com cerca de 16


anos, registando duas reprovações decorrentes de algum défice
motivacional e de investimento.
21. Tem trabalhado de forma irregular, sobretudo na área da construção
civil, o que se verificava à data da sua detenção.
22. Tem um historial de consumo de drogas, sendo referido o consumo
de cocaína há cerca de 3 anos; atualmente está abstinente.
23. Após o termo do relacionamento com a mãe do seu filho e na
sequência de alguma instabilidade laboral, cerca do ano de 2015,
passou a integrar grupos de pares com comportamentos desviantes e
associados ao consumo de drogas.
24. No Estabelecimento Prisional ... tem mantido um comportamento
adaptado às regras institucionais.
25. Releva reduzida consciência crítica.
26. DD é fruto de um primeiro relacionamento marital da sua mãe,
tendo sido, aos 3 anos de idade, entregue aos cuidados da avó materna,
por acentuada precariedade económica e alguma disfuncionalidade do
agregado familiar reconstituído pela progenitora.
27. Apesar das contingências familiares de origem, em concomitância
com um quadro de acentuada precariedade económica da avó materna,
o seu processo de crescimento decorreu numa ambiência familiar
estável e aparentemente num contexto estruturado e normativo.
28. Em termos formativos e decorrentes das precárias condições
materiais do agregado familiar, DD, apenas, concluiu o 6º ano de
escolaridade.
29. Após o abandono dos estudos, aos 15 anos de idade, começou a
trabalhar como empregada de supermercado e, posteriormente,
desenvolveu várias atividades de cariz indiferenciado, no ramo da
restauração, numa empresa de exploração agrícola e como empregada
de limpezas, num percurso, progressivamente, descontínuo e de
dependência de familiares e/ou de apoios de solidariedade social.
30. Em termos afetivos, aos 16 anos de idade, DD estabeleceu relação
marital com II, no contexto da qual nasceram três filhos, todos ainda
menores de idade.
31. O relacionamento com este companheiro já terminou, tendo sido
caracterizado como instável e pautado, durante os últimos anos, por
recorrentes ruturas e reconciliações, reintegrando DD, por vezes, o seu
agregado de origem, com os filhos.
32. Posteriormente, protagonizou nova relação afetiva, com JJ, tendo a
relação terminado.

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33. Em termos económicos, o agregado de DD sempre se movimentou


num quadro de contenção de despesas e de precariedade, atendendo às
dificuldades de inserção laboral e consequentes períodos de inatividade,
e aos crescentes encargos com os filhos.
34. Os descendentes acabaram por lhe ser retirados pela Segurança
Social.
35. Quando deu entrada na prisão, encontrava-se grávida, tendo sido,
posteriormente, alvo de uma interrupção voluntária da gravidez, em
resultado da má formação do feto.
51. Por acórdão de 7 de agosto de 2009, transitado em julgado a 10 de
março de 2010, proferida no âmbito do Processo ... n.º 210/07...., do
extinto ... Juízo Criminal ..., foi o arguido AA condenado pela prática
em 1 de fevereiro de 2007 de um crime de recetação, na pena de 75 dias
de multa à taxa diária de € 4,00; pena já declarada extinta pelo
pagamento.
52. Por sentença de 9 de dezembro de 2009, transitado em julgado 26
de janeiro de 2010, proferida no âmbito do processo sumário n.º
492/09...., do extinto ... Juízo Criminal ..., foi o arguido AA, condenado
pela prática a 8 de dezembro de 2009, de um crime de condução sem
habilitação legal, na pena de 65 dias de multa à taxa diária de €6,00;
pena já declarada extinta pelo pagamento.
53. Por sentença de 22 de dezembro de 2015, transitado em julgado 1
de fevereiro de 2016, proferida no âmbito do processo sumário n.º
610/15...., do Tribunal Judicial da Comarca ..., Juízo Local Criminal ...,
Juiz ..., foi o arguido AA, condenado pela prática a 8 de fevereiro 2015,
de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 120 dias de
multa à taxa diária de € 5,00; pena já declarada extinta pelo pagamento.
54. Por sentença de 12 de julho de 2018, transitada em julgado a 11
de julho de 2019, proferida no âmbito do processo comum singular
n.º 1096/17...., do Tribunal Judicial da Comarca ..., Juízo Local
Criminal ..., Juiz ..., foi o arguido AA condenado pela prática em 26
de agosto de 2017 de um crime de roubo, na pena de 3 anos de
prisão, suspensa por igual período de tempo sujeita a regime de
prova.
55. Por sentença de 29 de junho de 2015 transitada em julgado a 14 de
setembro de 2015, proferida no processo sumário n.º 333/15...., do
Tribunal Judicial da Comarca ..., Juízo Local Criminal ..., Juiz ..., foi o
arguido AA condenado pela prática em 14 de junho de 2015 de um
crime de condução sem habilitação legal, na pena de 80 dias de multa à
taxa diária de € 5,50; pena já declarada extinta pelo pagamento.
56. Por sentença de 21 de dezembro de 2015 transitada em julgado a 2
de fevereiro de 2016, proferida no processo sumário n.º 831/15...., do
Tribunal Judicial da Comarca ..., Juízo Local Criminal ..., Juiz ..., foi o
arguido AA condenado pela prática em 9 de dezembro de 2015 de um

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crime de condução sem habilitação legal, na pena de 110 dias de multa


à taxa diária de € 5,00; pena já declarada extinta pelo pagamento.
57. Por acórdão de 21 de abril de 2017 transitado em julgado a 22 de
maio de 2017, proferido no processo ... n.º 100/16.... do Tribunal
Judicial da Comarca ..., Juízo Central Criminal ..., Juiz ..., foi o arguido
AA condenado pela prática em 26 de janeiro de 2016 de dois crimes de
furto qualificado, na pena única de 15 meses de prisão, suspensa por
igual período de tempo; pena já declarada extinta.
58. Por acórdão de 21 de dezembro de 2011 transitada em julgado a 30
de janeiro de 2012 proferido no âmbito do processo ... n.º 480/09...., do
extinto ... Juízo Criminal do Tribunal Judicial ..., foi a arguida DD
condenada pela prática em 26 de março de 2009 de um crime de
furto qualificado na forma tentada, na pena de 90 dias de multa à
taxa diária de € 5,00; pena já declarada extinta, por prescrição.
59. Por acórdão de 22 de junho de 2016, transitado em julgado a 30 de
agosto de 2016, proferido no âmbito do processo ... n.º 57/13...., do
Tribunal Judicial da Comarca ..., Juízo Central Criminal ..., Juiz ..., foi
a arguida DD condenada pela prática em 2014, de um crime de tráfico
de estupefacientes na pena de 4 anos e 6 meses de prisão, suspensa na
sua execução por igual período de tempo.
60. Por acórdão de 12 de abril de 2019, transitado em julgado a 21 de
maio de 2019, proferido no âmbito do processo ... n.º 8/18...., do
Tribunal Judicial da Comarca ..., Juízo Central Criminal ..., Juiz ..., foi
a arguida condenada pela prática em 17 de janeiro de 2018, de um
crime de furto, na pena de 3 meses de prisão, declarada integralmente
cumprida pelo tempo de prisão preventiva sofrido.
61. Por acórdão de 28 de fevereiro de 2020, transitado em julgado a 26
de junho de 2020, proferido no âmbito do processo ... n.º 957/17...., do
Tribunal Judicial da Comarca ..., Juízo Central Criminal ..., Juiz ..., foi
a arguida DD condenada pela prática em 3 de maio e 30 de dezembro
de 2018 de dois crimes de furto, respetivamente, e pela prática em 31
de maio e 15 de junho de 2018, de dois crimes de furto qualificado,
respetivamente, o último na forma tentada, na pena única de 2 anos e 6
meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo.

No que se refere à proteção de bens jurídicos, que constitui uma das


finalidades das penas (art. 40º, nº1, do CP), no caso o bem jurídico
protegido no tipo em causa é a vida humana, bem supremo que a
Constituição da República Portuguesa declara inviolável no seu art.º
24.º. Por isso, as necessidades de prevenção são muito elevadas.
As exigências de prevenção especial – elevadas e assumem especial
relevância, consubstanciada na gravidade da conduta dos arguidos, de
todo desproporcional a que procedessem do modo descrito, bem como
nos antecedentes criminais, em crimes de roubo e furto.

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Na determinação da medida da pena o modelo mais equilibrado é


aquele que comete à culpa a função de determinar o limite máximo e
inultrapassável da pena; à prevenção geral (de integração positiva das
normas e valores) a função de fornecer uma moldura de prevenção,
cujo limite máximo é dado pela medida ótima da tutela dos bens
jurídicos, dentro do que é consentido pela culpa, e cujo limite mínimo é
fornecido pelas exigências irrenunciáveis de defesa do ordenamento
jurídico; e à prevenção especial a função de encontrar o quantum exato
da pena, dentro da referida moldura de prevenção, que melhor sirva as
exigências de socialização do agente[8].
Assim sendo, considerando que a medida da concreta da pena, assenta
na «moldura de prevenção», «cujo limite máximo é constituído pelo
ponto ideal da proteção dos bens jurídicos e o limite mínimo aquele
que ainda é compatível com essa mesma proteção, que a pena não
pode, contudo, exceder a medida da culpa, e que dentro da moldura da
prevenção geral são as necessidades de prevenção especial que
determinam o quantum da pena a aplicar», dentro da moldura penal
abstrata prevista para o crime de homicídio qualificado consumada, p. e
p. pelos arts. 131º, 132º, n.º 1 e 2, al. g), do Código Penal, mostra-se
justa, necessária, adequada e proporcionada, a pena parcelar de 19
anos de prisão, em que foram condenados, pela prática do crime de
homicídio consumado.
Vejamos a pena única:
Consagra o art. 77º, nºs 1 e 2, do Código Penal:
«1 - Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar
em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única
pena. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a
personalidade do agente.
2 - A pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas
concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar
25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena
de multa; e como limite mínimo a mais elevada das penas
concretamente aplicadas aos vários crimes».
Conforme refere o Prof Figueiredo Dias, [9] «Estabelecida a moldura
penal do concurso o tribunal ocupar-se-á, finalmente, da
determinação, dentro dos limites daquela, da medida da pena conjunta
do concurso, que encontrará em função das exigências gerais de culpa
e de prevenção. Nem por isso se dirá com razão, no entanto, que
estamos aqui perante uma hipótese normal de determinação da medida
da pena. Com efeito a lei fornece ao tribunal, para além dos critérios
gerais da medida da pena contidos no art. 72º, nº1, um critério especial
«na determinação da medida concreta da pena [do concurso], serão
considerados em conjunto os factos e a personalidade do agente (art.
78º, 1- 2ª parte]. (…)

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Tudo deve passar-se, por conseguinte, como se o conjunto dos factos


fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva
para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos
concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade – unitária -
do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos
factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma
carreira) criminosa, ou tão-só a uma pluriocasionalidade que não
radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será
cabido atribuir à pluralidade de crimes com efeito agravante dentro da
moldura penal conjunta. De grande relevo será também a análise do
efeito previsível da pena sobre o comportamento do agente (exigências
de prevenção especial de socialização)».
No mesmo sentido o AC do STJ de 27JAN16 [10] a propósito da pena
conjunta derivada do concurso de infrações, defende o seguinte:
«Fundamental na formação da pena conjunta é a visão de conjunto, a
eventual conexão dos factos entre si e a relação «desse bocado de vida
criminosa com a personalidade». A pena conjunta deve formar-se
mediante uma valoração completa da pessoa do autor e das diversas
penas parcelares. Para a determinação da dimensão da pena conjunta
o decisivo é que, antes do mais, se obtenha uma visão conjunta dos
factos pois que a relação dos diversos factos entre si em especial o seu
contexto; a maior ou menor autonomia a frequência da comissão dos
delitos; a diversidade ou igualdade dos bens jurídicos protegidos
violados e a forma de comissão bem como o peso conjunto das
circunstâncias de facto sujeitas a julgamento mas também a
recetividade á pena pelo agente deve ser objeto de nova discussão
perante o concurso ou seja a sua culpa com referência ao acontecer
conjunto da mesma forma que circunstâncias pessoais, como por
exemplo uma eventual possível tendência criminosa.”
Deverão equacionar-se em conjunto a pessoa do autor e os delitos
individuais o que requer uma especial fundamentação da pena global.
Por esta forma pretende significar-se que a formação da pena global
não é uma elevação esquemática ou arbitrária da pena disponível mas
deve refletir a personalidade do autor e os factos individuais num
plano de conexão e frequência. Por isso na valoração da personalidade
do autor deve atender-se antes de tudo a saber se os factos são
expressão de uma inclinação criminosa ou só constituem delito
ocasionais sem relação entre si. A autoria em série deve considerar-se
como agravatória da pena. Igualmente subsiste a necessidade de
examinar o efeito da pena na vida futura do autor na perspetiva de
existência de uma pluralidade de ações puníveis. A apreciação dos
factos individuais terá que apreciar especialmente o alcance total do
conteúdo do injusto e a questão da conexão interior dos factos
individuais. Dada a proibição de dupla valoração na formação da
pena global não podem operar de novo as considerações sobre a
individualização da pena feitas para a determinação das penas
individuais.

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Em relação ao nosso sistema penal é o Professor Figueiredo Dias


quem traça a síntese do “modus operandi” da formação conjunta da
pena no concurso de crimes. Refere o mesmo Mestre que a existência
de um critério especial fundado nos factos e personalidade do agente
obriga desde logo a que do teor da sentença conste uma especial
fundamentação, em função de um tal critério, da medida da pena do
concurso: a tanto vincula a indispensável conexão entre o disposto nos
arts. 78. °-1 e 72.°-3, só assim se evitando que a medida da pena do
concurso surja como fruto de um ato intuitivo - da «arte» do juiz uma
vez mais - ou puramente mecânico e, portanto, arbitrária. Sem prejuízo
de poder conceder-se que o dever de fundamentação não assume aqui
nem o rigor, nem a extensão pressupostos pelo art. 72 ° nem por isso
um tal dever deixa de surgir como legal e materialmente indeclinável».
Acrescentando que «Na verdade, como se referiu, a certeza e
segurança jurídica podem estar em causa quando existe uma grande
margem de amplitude na pena a aplicar, conduzindo a uma
indeterminação. Recorrendo ao princípio da proporcionalidade não se
pode aplicar uma pena maior do que aquela que merece a gravidade
da conduta nem a que é exigida para tutela do bem jurídico. (…)
Na definição da pena concreta dentro daquele espaço e um dos
critérios fundamentais na consideração daquela personalidade, bem
como da culpa, situa-se a dimensão dos bens jurídicos tutelados pelas
diferentes condenações. Na verdade, não é raro ver um tratamento
uniforme, destituído de qualquer opção valorativa do bem jurídico, e
este pode assumir uma diferença substantiva abissal que perpassa na
destrinça entre a ofensa de bens patrimoniais ou bens jurídicos
fundamentais como é o caso da própria vida. (…)
Paralelamente, à apreciação da personalidade do agente interessa,
sobretudo, ver se nos encontramos perante uma certa tendência, que no
limite se identificará com uma carreira criminosa, ou se aquilo que se
evidencia uma mera pluriocasionalidade, que não radica na
personalidade do arguido. Este critério está diretamente conexionado
com o apelo a uma referência cronológica pois que o concurso de
crimes tanto pode decorrer de factos praticados na mesma ocasião,
como de factos perpetrados em momentos distintos, temporalmente
próximos ou distantes ou uma referência quantitativa pois que o
concurso tanto pode ser formado por um número reduzido de crimes,
como pode englobar inúmeros crimes.
Como é bom de ver, as necessidades de prevenção especial aferir-se-
ão, sobretudo, tendo em conta a dita personalidade do agente. Nela,
far-se-ão sentir fatores como a idade, a integração ou desintegração
familiar, com o apoio que possa encontrar a esse nível, as
condicionantes económicas e sociais que tenha vivido e que se venham
a fazer sentir no futuro.
Igualmente importante é consideração da existência de uma manifesta
e repetida antipatia na convivência com as normas que regem a vida
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em sociedade, quando não de anomia, e que é a maior parte das vezes


evidenciada pelo próprio passado criminal.
Um dos critérios fundamentais na procura do sentido de culpa em
sentido global dos factos é o da determinação da intensidade da
ofensa, e dimensão do bem jurídico ofendido, sendo certo que, em
nosso entender, assume significado profundamente diferente a violação
repetida de bens jurídicos ligados á dimensão pessoal em relação a
bens patrimoniais. Por outro lado importa determinar os motivos e
objetivos do agente no denominador comum dos atos ilícitos praticados
e, eventualmente, dos estados de dependência. (sublinhado nosso)
Igualmente deve ser expressa a determinação da tendência para a
atividade criminosa expresso pelo número de infrações; pela sua
perduração no tempo; pela dependência de vida em relação àquela
atividade.
Na avaliação da personalidade expressa nos factos é todo um processo
de socialização e de inserção, ou de repúdio, pelas normas de
identificação social e de vivência em comunidade que deve ser
ponderado.
Recorrendo á prevenção importa verificar em termos de prevenção
geral o significado do conjunto de atos praticados em termos de
perturbação da paz e segurança dos cidadãos e, num outro plano, o
significado da pena conjunta em termos de ressocialização do
delinquente para o que será eixo essencial a consideração dos seus
antecedentes criminais e da sua personalidade expressa no conjunto
dos factos. (sublinhado nosso).
Serão esses fatores de medida da pena conjunta que necessariamente
deverão ser tomados em atenção na sua determinação sendo então sim
o pressuposto de uma adição ao limite mínimo do quantum necessário
para se atingir as finalidades da mesma pena».
Ou seja, quanto à pena única a aplicar ao arguido em sede de cúmulo
jurídico, a medida concreta da pena única do concurso de crimes dentro
da moldura abstrata aplicável, constrói-se a partir das penas aplicadas
aos diversos crimes e é determinada, tal como na concretização da
medida das penas singulares, em função da culpa e da prevenção, mas
agora levando em conta um critério específico: a consideração em
conjunto dos factos e da personalidade do agente.
À visão atomística inerente à determinação da medida das penas
singulares, sucede uma visão de conjunto em que se consideram os
factos na sua totalidade, como se de um facto global se tratasse, de
modo a detetar a gravidade desse ilícito global, enquanto referida à
personalidade unitária do agente.
Por último, de grande relevo será também a análise do efeito previsível
da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de
prevenção especial de socialização).

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Do que se trata agora é de ver os factos em relação uns com os outros,


de modo a detetar a possível conexão e o tipo de conexão que intercede
entre eles (“conexão autoris causa”), tendo em vista a totalidade da
atuação do arguido como unidade de sentido, que há-de possibilitar
uma avaliação do ilícito global e “ a culpa pelos factos em relação”, a
qual se refere Cristina Líbano Monteiro em anotação ao acórdão do
S.T.J de 12.7.2005 e Figueiredo Dias in “A Pena Unitária do Concurso
de Crimes” in RPCC ano 16º, nº 1, pág. 162 e ss.
A moldura penal abstrata do cúmulo jurídico situa-se entre um
mínimo de 19 anos de prisão, [correspondente à pena concreta mais
elevada] e 22 anos e 6 meses o de prisão, [correspondente à soma
das penas parcelares], aplicável ao caso concreto, deve definir-se um
mínimo imprescindível à estabilização das expetativas comunitárias e
um máximo consentido pela culpa do agente.
O espaço contido entre esse mínimo imprescindível à prevenção geral
positiva e esse máximo consentido pela culpa, configurará o espaço
possível de resposta às necessidades de reintegração do agente.
Partindo da moldura penal abstrata do cúmulo jurídico balizada entre
um mínimo de 19 anos de prisão e máximo de 22 anos e 2 meses de
prisão aplicável ao caso concreto, atendendo aos critérios e princípios
supra enunciados, designadamente, a consideração em conjunto dos
factos e a personalidade dos agentes, as exigências de prevenção
geral e especial, mostra-se justa, necessária, proporcional e
adequada, a pena de única 21 anos de prisão.
Neste sentido improcede na totalidade o recurso dos arguidos AA e
DD.

***

4. DECISÃO.
Termos em que acordam os Juízes que compõem a 3ª Secção
Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em negar provimento aos
recursos dos arguidos AA e DD.
Custas pelos recorrentes fixando a taxa de justiça em 5 (cinco) UC’s.
Processado em computador e revisto pela relatora (art. 94º, nº 2, do
CPP).

***

Lisboa, 06 de julho de 2022

Maria da Conceição Simão Gomes (relatora)


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Paulo Ferreira da Cunha (Juiz Conselheiro Adjunto)


Nuno Gonçalves (Presidente da Secção)
______
[1] Disponível in www.dgsi.pt.
[2] Proc. 115/17.6JDLSB.L1.S1-www.dgsi.pt.
[3] Proc. 9/12.1SOLSB.S2, in www.dgsi.pt
[4] Proc. 881/16.6JAPRT-A.P1.S1, in www.dgsi.pt
[5] Proc. 461/17.9GABRR.L1.S1, in www.dgsi.pt
[6] In www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/
[7] Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime”, Ed. Notícias, pág., 241-244
[8]Figueiredo Dias, in Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 3º, Abril/Dezembro, pág. 186.
[9] Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 1ª Ed. 199, páginas 290 a 291.
[10] Relator Santos Cabral, Proc. 178/12.0PAPBL.S2, disponível in dgsi.pt

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