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Acórdãos TRL Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa


Processo: 24233/13.0T2SNT-A.L1-6
Relator: ANA DE AZEREDO COELHO
Descritores: DEPOIMENTO DE PARTE
CONFISSÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 20-11-2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: - O depoimento de parte (da parte contrária ou de co-Réu)
destina-se a obter a confissão, pelo que a sua admissibilidade
depende de o conteúdo ser coerente com o disposto no artigo 352.º
do CC, que a caracteriza como o reconhecimento que a parte faz
da realidade de um facto que lhe é desfavorável e favorece a parte
contrária.
- Requerendo-se depoimento de parte quanto a factos que nunca
poderiam, caso o Réu os admitisse como verdadeiros, integrar
confissão, deve o mesmo ser indeferido.
- A tal não obsta a possibilidade de o depoimento de parte ser
livremente apreciado quando não tenha carácter confessório, pois
a questão em sede de apreciação do requerimento probatório não
é a do valor probatório de depoimento prestado, mas a da
admissibilidade da sua prestação.
- A prestação de declarações pelas partes fora do regime da
confissão está prevista no artigo 466.º, do CPC, embora apenas a
requerimento da própria parte, e no artigo 452.º, n.º 1, do CPC,
por iniciativa do juiz que, aliás, pode ser suscitada pelas partes.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: ACORDAM no Tribunal da Relação de Lisboa:

I) RELATÓRIO

M..., com os sinais dos autos, ré nos autos de ação declarativa


comum com processo ordinário de que estes são apenso, veio
interpor recurso da decisão que indeferiu o seu requerimento de
prestação de depoimento de parte pelo seu co-réu, R.., com os
sinais dos autos, na referida ação que lhe move A..., com os sinais
dos autos.
A Recorrente apresentou alegações que concluiu como segue:
«1. A Recorrente e o do-Réu apresentam, nos autos, posições
divergentes no que toca à intervenção da primeira no contrato
promessa sub judice, recebimento do sinal e respetivos reforços;
2. Para além do atrás mencionado, só a dedução da defesa em
separado e constituição de Mandatários distintos, já indiciariam,
sem margem para dúvidas essa divergência e a existência de
interesses próprios a salvaguardar.
3. Pelo que, discorda a ora Recorrente do Despacho em crise, o
qual efende que tais posições divergentes não acontecem nos Autos.

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4. Assim sendo, sempre será de admitir o depoimento de parte do


co-Réu aos factos atrás referidos.
Pelo exposto, e sempre com o Douto suprimento de V. Exas. Deve
ser o presente recurso julgado procedente, revogando-se o aliás
douto Despacho proferido em 1.ª instância, na parte em que
indefere o requerido depoimento de parte do co-Réu, e em
consequência substituído por outro que admita o requerido
depoimento, assim se fazendo a costumada Justiça!».
Não consta que a parte contrária tenha contra-alegado.
O recurso foi recebido como apelação, para subir imediatamente,
em separado e com efeito meramente devolutivo.
Corridos os vistos legais[1], cumpre apreciar e decidir.

II) OBJECTO DO RECURSO


Tendo em atenção as conclusões da Recorrente e inexistindo
questões de conhecimento oficioso - artigo 635.º, n.º 3, 639.º, nº 1 e
3, com as exceções do artigo 608.º, n.º 2, in fine, todos do CPC
vigente -, é objeto do recurso a apreciação da admissibilidade do
requerido depoimento de parte.
III) FUNDAMENTAÇÃO
FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
São pertinentes à decisão os seguintes factos que resultam dos
autos:
1. Na sua contestação a Ré ora Recorrente alegou o seguinte:
a) «Artigo 10.º - Regra geral [a Ré] só conhecia os compradores
[dos imóveis que o seu ex-marido e co-Réu vendia] no dia das
escrituras por ser legalmente necessário que outorgasse as
mesmas»;
b) «Artigo 12.º - A 2.ª Ré não teve qualquer intervenção nas
negociações que antecederam a celebração do contrato promessa,
nem outorgou o mesmo»;
c) «Artigo 20.º - E, quando necessita [o co-Réu] de financiamento
recorre às entidades legalmente habilitadas para conceder créditos,
que são os bancos, como se pode constatar pela certidão que ora se
junta como doc. N.º 2, da qual consta uma hipoteca de € 200.000,00
e outra de € 75.000,00 registadas a favor da Caixa Económica do
Montepio Geral em 13/10/2005 e 09/03/2010, respetivamente»;
d) «Artigo 30.º - No decurso da conversa [com o autor], o A. disse à
ora R. que tinha em seu poder uma chave da moradia a qual lhe
tinha sido entregue pelo 1.º R. o que também não corrobora a sua
[do autor] versão dos factos…»;
e) «Artigo 43.º - Essa é a versão do A., no entanto, nunca a ora R.
teve conhecimento por tal lhe ter sido transmitido por seu ex-
marido e ora 1.º R., de que os factos se teriam passado dessa
forma»;
f) «Artigo 44.º - Aliás, insiste no facto já alegado de que o que o 1.º
R. lhe transmitiu foi que a moradia atrás descrita estava prometida

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vender ao Sr. Raposo»;


g) «Artigo 58.º - O A. pretende demonstrar que é pessoa
inexperiente e que foi enganado pelo 1.º R. que o levou a “assinar
de cruz” um documento que este lhe apresentou e “…o A. ouviu e
olhou, confirmando nos locais indicados a dedo pelo 1.º R…”».
2. A Ré ora Recorrente requereu ao tribunal que sobre os factos
constantes dos artigos da contestação referidos em 1. fosse
prestado depoimento de parte pelo co-Réu.
3. Os Réus apresentaram contestações distintas e estão
representados nos autos por mandatários forenses diversos.
FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

1. Depoimento de parte: sede legal


O meio de prova “depoimento de parte” encontra-se previsto no
artigo 452.º do CPC, norma que se integra na secção epigrafada
“prova por confissão das partes” e no capítulo “prova por
confissão e por declarações das partes”.
Nos termos desse referido artigo é estabelecido o enquadramento
geral do instituto:
«1 - O juiz pode, em qualquer estado do processo, determinar a
comparência pessoal das partes para a prestação de depoimento,
informações ou esclarecimentos sobre factos que interessem à
decisão da causa.
2 - Quando o depoimento seja requerido por alguma das partes,
devem indicar-se logo, de forma discriminada, os factos sobre que
há de recair».
Seguidamente, a lei processual indica no artigo subsequente (n.º
3) de quem pode ser exigido o depoimento de parte, estabelecendo
nomeadamente no que aos autos respeita, que «cada uma das
partes pode requerer não só o depoimento da parte contrária, mas
também o dos seus compartes».
Finalmente, na parte pertinente à decisão, o artigo 454.º rege
sobre os factos que podem ser objeto de depoimento de parte,
estatuindo:
«1 - O depoimento só pode ter por objeto factos pessoais ou de que o
depoente deva ter conhecimento.
2 - Não é, porém, admissível o depoimento sobre factos criminosos
ou torpes, de que a parte seja arguida».
2. Depoimento de parte: o caso dos autos
Não existe controvérsia, na lei ou nos autos, quanto à
possibilidade de a Ré requerer o depoimento de parte do seu co-
Réu.
Todavia, o despacho recorrido considerou que os factos indicados
(os que acima constam em 1.) não podiam ser objeto de
depoimento de parte por o mesmo se destinar a obter a confissão,
não tendo os Réus nos autos posições divergentes.
A Recorrente, ex adverso, entende que a apresentação de

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contestações separadas e a representação forense diversa indica


ou indicia a divergência processual dos Réus, a qual se exprime
em posições diversas por o co-Réu nunca referiu “qualquer
intervenção da mesma nas negociações que antecederam a
celebração do contrato promessa de compra e venda, ou na outorga
do mesmo» bem como o que se refere a prejuízo da Ré por
encargos num negócio em que não interveio e cujo sinal não
recebeu.
Por outro lado, argumenta que o depoimento de parte pode não
conduzir à confissão, sendo apenas uma das vias da sua obtenção,
podendo ser livremente valorado pelo tribunal em tal caso.
Apreciando se dirá desde logo que o antagonismo das posições
dos co-réus não resulta da apresentação separada das suas
contestações ou da diversidade de mandatários. Resulta do teor
das posições que assumem nos autos.
No caso concreto, as posições assumidas pelos co-Réus não se
revelam antagónicas entre si mas diversas e, ambas, sem
contradição entre si, antagónicas à do Autor. Não existe qualquer
antagonismo ou contradição entre a posição da Ré de que não
teve participação nas negociações ou de que não recebeu o sinal e
a do Réu que se não pronuncia quanto a esses factos.
Antagonismo existiria se um afirmasse uma coisa e o outro a
outra.
A situação é assim a de cada uma das partes passivas assumir
autonomamente a sua defesa em confronto com a imputação feita
pelo Autor, não a de um e outro assumirem defesa antagónicas ou
contraditórias.
Mas, mais do que isso, importa atender aos factos concretos sobre
os quais se pretende recaia o depoimento de parte (referidos em 1.
supra) para determinar se os mesmos se enquadram na previsão
do artigo 454.º citado: factos pessoais ou de que o depoente deva
ter conhecimento.
Enquadramento que pressupõe a teleologia do instituto – obter a
confissão – e a coerência com o disposto no artigo 352.º do CC
que caracteriza a confissão como o reconhecimento que a parte faz
da realidade de um facto que lhe é desfavorável e favorece a parte
contrária.
Cumpre em consequência apreciar da matéria factual sobre a
qual a Recorrente pretende que incida o depoimento de parte
para determinar se da sua admissão pode resultar confissão do
co-Réu de facto desfavorável a si próprio e favorável à
Recorrente.
Para concluir que assim não acontece quanto a nenhum dos
indicados factos, antecipando-se a nossa conclusão.
Assim, com referência aos factos em causa:
a) «Artigo 10.º - Regra geral [a Ré] só conhecia os compradores
[dos imóveis que o seu ex-marido e co-Réu vendia] no dia das
escrituras por ser legalmente necessário que outorgasse as

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mesmas».
Este facto é perfeitamente inócuo à defesa do Réu e a sua
admissão nunca poderia enquadrar-se no conceito de confissão
antes referido, destinando-se antes a contrariar a tese expressa
pelo autor na petição.
b) «Artigo 12.º - A 2.ª Ré não teve qualquer intervenção nas
negociações que antecederam a celebração do contrato promessa,
nem outorgou o mesmo».
O mesmo se diga quanto a este facto, sendo certo que o co-Réu
nunca afirmou o contrário, nem o facto lhe é de modo algum
desfavorável no contexto concreto da ação.
c) «Artigo 20.º - E, quando necessita [o co-Réu] de financiamento
recorre às entidades legalmente habilitadas para conceder créditos,
que são os bancos, como se pode constatar pela certidão que ora se
junta como doc. N.º 2, da qual consta uma hipoteca de € 200.000,00
e outra de € 75.000,00 registadas a favor da Caixa Económica do
Montepio Geral em 13/10/2005 e 09/03/2010, respetivamente».
Quanto a este facto, nem sequer é inócuo à defesa do co-Réu,
integra-a, constituindo facto que lhe é favorável e adverso apenas
à tese do Autor.
d) «Artigo 30.º - No decurso da conversa [com o autor], o A. disse à
ora R. que tinha em seu poder uma chave da moradia a qual lhe
tinha sido entregue pelo 1.º R. o que também não corrobora a sua
[do autor] versão dos factos…».
Também quanto a este facto se pode dizer o mesmo do anterior,
sendo a própria alegação que o indica.
e) «Artigo 43.º - Essa é a versão do A., no entanto, nunca a ora R.
teve conhecimento por tal lhe ter sido transmitido por seu ex-
marido e ora 1.º R., de que os factos se teriam passado dessa
forma».
Este facto é perfeitamente inócuo à defesa do Réu e a sua
admissão nunca poderia enquadrar-se no conceito de confissão
antes referido, destinando-se antes a contrariar a tese expressa
pelo autor na petição.
f) «Artigo 44.º - Aliás, insiste no facto já alegado de que o que o 1.º
R. lhe transmitiu foi que a moradia atrás descrita estava prometida
vender ao Sr. Raposo».
Mais uma vez o facto constitui a própria defesa do co-Réu.
g) «Artigo 58.º - O A. pretende demonstrar que é pessoa
inexperiente e que foi enganado pelo 1.º R. que o levou a “assinar
de cruz” um documento que este lhe apresentou e “…o A. ouviu e
olhou, confirmando nos locais indicados a dedo pelo 1.º R…”».
O mesmo se diga quanto ao agora referido que assume a mesma
tese do co-Réu.
Em conclusão, os factos em causa nunca poderiam, caso o Réu os
admitisse como verdadeiros, integrar confissão por ele de factos a
si desfavoráveis. Destinando-se o depoimento de parte a
possibilitar essa confissão, conclui-se pela adequação da decisão

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de indeferimento.
Certo é que a Recorrente invoca a possibilidade de o depoimento
de parte ser livremente apreciado quando não tenha carácter
confessório.
Assim é, como decorre do artigo 361.º do CC. Mas a questão que
nos ocupa não é a da apreciação do valor probatório de um
depoimento prestado, mas a da admissibilidade da sua prestação.
Ora a admissibilidade pressupõe a possibilidade de confissão
decorrente da natureza dos factos sobre que incide, nada tem a
ver com a força probatória de depoimento de que a confissão
(possível ab initio) não decorra.
Aliás, a prestação de declarações pelas partes fora do regime da
confissão está expressamente prevista no artigo 466.º, do CPC,
embora apenas a requerimento da própria parte, e no artigo
452.º, n.º 1, do CPC, que, estabelecendo embora a iniciativa do
juiz, não obsta a que o requerimento lhe seja endereçado pelas
partes[2].
Termos em que se conclui que bem andou a Ex.ma Senhora Juiz
ao indeferir o requerimento de prestação de depoimento de parte
pelo co-Réu à matéria indicada.

IV) DECISÃO

Pelo exposto, ACORDAM em julgar improcedente o recurso,


confirmando a decisão recorrida.
Custas pela Recorrente.
*
Lisboa, 20 de Novembro de 2014

(Ana de Azeredo Coelho)

(Tomé Ramião)

(Vítor Amaral)

[1] Considera-se que a presente decisão se enquadra,


pela sua simplicidade e ausência de controvérsia jurisprudencial,
na previsão do artigo 656.º do CPC. Na prática, excetuadas
situações em que inexiste controvérsia envolvendo as partes, tal
opção implica, na generalidade dos casos, maior dilação na
estabilização da decisão, pelo recurso à reclamação para a
conferência. Em consequência, por questões unicamente de
gestão processual, opta-se pela decisão em conferência (nesse
sentido, cf. Cons. Abrantes Geraldes in “Recursos em Processo
Civil - novo regime”, Coimbra, 2010, p. 290, em anotação à norma
correpondente do anterior regime processual).
[2] Estabelecendo a distinção entre o depoimento de
parte e as declarações de parte, veja-se o acórdão do Tribunal da
Relação de Lisboa de 10 de abril de 2014, proferido no processo

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2022/07.1TBCSC-B.L1-2 (ONDINA CARMO ALVES) em cujo


sumário se lê: «1. O Código de Processo Civil de 2013, que entrou
em vigor no dia 01.09.2013, introduziu com um carácter inovador,
ao lado da prova por confissão, a figura da prova por declarações
de parte que, todavia, não pode ser requerida pela parte contrária,
nem pode ser ordenada oficiosamente.2. Sendo o novo Código de
Processo Civil imediatamente aplicável às acções declarativas
pendentes, por força do artigo 5º, nº 1 da Lei nº 41/2013, de 26/6,
pode este novo meio de prova ser requerido durante a audiência de
julgamento, no decurso da produção de prova.3. Mesmo estando em
causa uma acção em que se discutem direitos indisponíveis, não
pode ser rejeitado o requerimento para declarações de parte, com
fundamento na sua inutilidade, por ser susceptível de levar a uma
eventual confissão de factos, posto que, neste caso, tal meio de
prova é ineficaz para produzir confissão, já que esta nunca poderia
ser valorada com os inerentes efeitos de irretratabilidade e força
probatória plena».

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