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23/04/23, 15:32 Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa

Acórdãos TRL Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa


Processo: 12868/19.2T8LSB.L1-2
Relator: GABRIELA CUNHA RODRIGUES
Descritores: CONTRATO PROMESSA
CONDIÇÃO RESOLUTIVA
CLÁUSULA RESOLUTIVA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 15/04/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA A SENTENÇA
Sumário: I - Em sede de interpretação do contrato-promessa celebrado entre
as partes, à luz dos artigos 236.º e ss. do CC, verifica-se que a
expressão utilizada na cláusula quinta, n.º 1 - «condicionada a
financiamento bancário» - reconduz-nos à figura da condição a que
alude o artigo 270.º do referido diploma.
II - Uma das características da condição resolutiva é a de que,
verificada a condição, o efeito resolutivo surge eficaz e efetivado no
plano jurídico: de forma automática, ipso juris, de conhecimento ex
officio e de modo absoluto ou real, isto é, independentemente de
qualquer vontade das partes (a favor ou contra).
III - A par da resolução legal, a lei admite que, por convenção, as
partes atribuam a uma delas (ou a ambas) o direito de resolver o
contrato, verificado que seja o não cumprimento puro e simples, ou
o não cumprimento nos termos devidos, de uma ou mais obrigações
dele resultantes - cláusula resolutiva expressa (artigos 406.º, n.º 1, e
432.º, n.º 1, do CC).
IV - A cláusula resolutiva distingue-se da condição resolutiva, pois
apenas confere ao beneficiário o poder de resolver o contrato uma
vez verificado o facto por ela descrito enquanto a segunda
determina a imediata destruição da relação contratual assim que o
facto futuro e incerto se verifica.
V - As partes estabeleceram no n.º 3 da cláusula quinta do
contrato-promessa uma condição resolutiva do contrato de
momento certo, conectada com um evento futuro e incerto: a
concessão de financiamento bancário, no prazo de 30 dias.
VI - O artigo 275.º, n.º 2, do CC sanciona a interferência no
respetivo processo causal, em termos que contrariem a boa-fé dos
beneficiados ou prejudicados com a ocorrência da condição.
VII - Não é possível a aplicação automática desta regra que, sendo
uma sanção civil, precisa de ser invocada por aquele a quem
aproveita.
VIII - A questão da verificação da condição resolutiva e a
problemática da resolução do contrato fundada em incumprimento
estão interligadas.
IX - Não se pode tornar operativa a resolução do contrato
comunicada quando o contrato é nulo ou já tenha sido validamente
resolvido ou já se mostre extinto por verificação de uma condição
resolutiva, como no caso em apreço.
X - E isto porque os efeitos da resolução válida do contrato são
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equiparados à nulidade ou anulabilidade do negócio jurídico


(artigo 433.º do CC), designadamente quanto à retroatividade
(artigo 434.º do CC) e os efeitos em relação a terceiros (artigo 435.º
do CC).
XI - Verificando-se a condição resolutiva, nunca a conduta da
Autora de não outorga da escritura pública (que consubstanciaria
o incumprimento definitivo, na tese da Ré), poderia fundamentar o
exercício válido do direito de resolução por parte desta, já que não
se pode tornar operativa a resolução do contrato comunicada
quando o contrato já se mostre extinto por verificação de uma
condição resolutiva.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa
I - Relatório
1. D..., Lda. intentou a presente ação declarativa de condenação,
sob a forma de processo comum, contra a G…, Lda., pedindo a sua
condenação a pagar-lhe a quantia de 37 100,00 €, correspondente
ao dobro do sinal que pagou, no âmbito de um contrato‑promessa
de compra e venda celebrado com a Ré em 21.4.2018 e por esta
incumprido.
2. A Ré contestou, pronunciando-se pela improcedência da ação e
pedindo, em reconvenção, que seja declarado que o contrato-
promessa em causa foi definitivamente incumprido pela Autora e
que assiste à Ré o direito de fazer seu o sinal que lhe foi entregue e
que se condene de Autora a pagar-lhe os prejuízos de 34 000,00 €, a
título de indemnização pelos prejuízos que a Autora lhe causou com
o referido incumprimento.
3. A Autora replicou, propugnando pela improcedência da
reconvenção e pedindo a condenação da Ré como litigante de má-fé
no pagamento de uma indemnização, por alterar a verdade dos
factos.
4. Com dispensa da audiência prévia, foi proferido despacho
saneador, admitida a reconvenção, identificado o objeto do litígio e
enunciados os temas da prova.
5. Procedeu-se à realização da audiência final, com observância do
formalismo legal, após o que foi proferida sentença, com o seguinte
dispositivo:
«Em face de todo o exposto, decido:
a) julgar a acção totalmente improcedente, por não provada, e, em
consequência, absolvo a R. do pedido contra si formulado;
b) julgar a reconvenção parcialmente procedente, por parcialmente
provada, e, em consequência, declaro o contrato-promessa de compra
e venda celebrado entre A. e R. em 21.04.2018 definitivamente
incumprido por culpa da A ., reconhecendo à R. o direito de fazer sua
a quantia de 18 500,00 € (dezoito mil e quinhentos euros) que a A. lhe
entregou a a título de sinal e princípio de pagamento, e absolvendo a
A . do mais contra si peticionado pela R.;
c) julgar não verificada a litigância de má fé por parte da R.,
absolvendo-a do pedido de condenação no pagamento de uma
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indemnização.
Custas pela A. e R. na proporção do respectivo decaimento.
Registe e notifique.»
6. Não se conformando com o assim decidido, a Autora interpôs
recurso de apelação, apresentando as seguintes CONCLUSÕES:
«1. Os apelantes recorrem da decisão proferida sobre a matéria de
direito e de facto, por existirem, por um lado, erros graves na
apreciação da prova produzida por parte do Mº Juiz, bem como por
entenderem que mal andou o tribunal ao concluir que foi a Autora —
promitente compradora – que incumpriu definitivamente o contrato
promessa e que por isso assiste à Ré o direito de fazer seu o sinal
entregue.
2. Tem o Tribunal da Relação de Lisboa poderes para modificar a
decisão sobre a matéria de facto nos termos do artigo 662, n.º 1 do
C.P.C.
3. Entendem os apelantes que foi incorrectamente julgado o facto da
Alínea I) dos temas de prova, conforme despacho de 29.04.2020 (Nos
dias seguintes - à aceitação da proposta de compra - a Autora enviou
para o banco toda a documentação necessária por ele - gestor
bancário- solicitada?) na medida em que o tribunal deu como
provado apenas que no dia 19.04.2018 a Autora enviou ao seu gestor
bancário os documentos que constam dos e-mails cujas cópias se
encontram a fls. 11 a 14, que se dão por reproduzidos (ponto 37 dos
factos provados) e deu como não provado que para além do que
consta do n.º 37 dos factos provados o A, tenha enviado para o seu
banco toda a documentação necessária por ele solicitada nos dias
seguintes (alínea b) dos factos não provados).
4. O tribunal fundamentou a sua resposta no depoimento da
testemunha L…  referindo que "a testemunha L... não confirmou os
factos em causa, referindo, ao invés, que, até data que não se
recordava, mas, pelo menos, Maio de 2018, havia documentação em
falta, nenhuma outra prova tendo sido produzida", embora não sendo
isso que resulta do depoimento da testemunha em questão.
5. Os documentos juntas à petição inicial como documentos 4, 5, 6 e
7, que consistem em diversos e-mails enviados ao Banco S..., mais
concretamente à testemunha L..., permitem concluir que foram
enviados pela Autora ao banco, em 19.04.2018 (ainda antes da
assinatura do contrato), o balanço, demonstração de resultados e
balancete analítico de fecho de 2017, certidão da AT e da segurança
social, certidão permanente e certidão PME, ou seja, todos os
documentos inerentes à Autora e necessários à aprovação da
viabilidade financeira do empréstimo.
6. O depoimento da testemunha L... encontra-se gravado no ficheiro
20201006140228_19913724_2871028.wma e ao minuto 10:53 a
testemunha esclarece que todos os elementos financeiros foram
imediatamente facultados, mas os documentos do imóvel é que não.
7. Nas passagens do seu depoimento gravadas ao minuto 13:24,
minuto 17:00 e minuto 24:35 resulta que os documentos entregues
com atraso reportavam-se ao imóvel e que a entrega dos mesmos

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incumbia à agência imobiliária, as quais demoraram na entrega por


os mesmos não terem sido entregues pelo proprietário do imóvel, o
promitente vendedor.
8. A testemunha em questão confirmou igualmente que a Autora, na
pessoa do seu sócio e gerente, foi sempre diligente no tratamento do
processo bancário (Minuto 17:00-Adv. Autora: O Cliente foi um
cliente diligente, isto é, ele procurava dar andamento ao empréstimo,
questionava‑o sobre o andamento da situação internamente...?
Testemunha L... - Sempre! É provado pelos e-mails. Nós estávamos
constantemente a trocar e‑mails e telefonemas. O que ficou em falta
não era do Cliente, era da imobiliária que devia ter recolhido do
vendedor para nos enviara nós.)
9. Ao minuto 24:35 a aludida testemunha esclareceu igualmente a
razão da demora na aprovação do financiamento (Adv. Autora: Então
essa primeira fase de viabilidade financeira depende só do cliente, do
cliente e de vocês, obviamente, e essa foi rápida? Testemunha L...:
Isso mesmo. Adv. Autora: Daí para a frente é que demorou mais por
coincidir com um período em que havia grande afluência de trabalho,
foi Isso? Testemunha L...: Disso e do timing que demorou a
imobiliária a enviar-nos os documentos.)
10. A testemunha L... esclareceu igualmente que nas situações em
que intervém uma agência imobiliária (e isso está, segundo a
testemunha, regulamentado) é à mesma que cabe entregar a
documentação atinente ao imóvel. – cf. minuto 24:35
11. Assim, relativamente à alínea I) dos temas de prova, o tribunal a
quo deveria ter considerado provado que "no dia 19.04.2018 a Autora
enviou ao seu gestor bancário os documentos que constam dos e-
mails cujas cópias se encontram de fis 11 a 14, que se dão como
reproduzidos, bem como todos os documentos a si respeitantes
necessários à aprovação pelo banco da viabilidade financeira do
negócio."       
12. E ainda que “incumbia à agência imobiliária a apresentação da
documentação do imóvel junto do banco, necessária à fase da
avaliação, a qual foi entregue com algum atraso, por os mesmos não
lhes terem sido facultados pelo vendedor, proprietário do imóvel" e
também que "as cartas de aprovação só foram emitidas pelo banco
em 31.07.2018 devido ao elevado número de pendência de processos
dependentes de avaliação e à situação descrita no ponto anterior."
13. Termos em que deve ser alterada a matéria de facto, nos moldes
supra descritos, bem como deve ser eliminada a alínea b) dos factos
não provados.
14. Também a alínea Z) dos temas de prova ("Tendo, contudo,
deixado bem claro que tal prazo não podia de todo ser prorrogado
pois tinha assumido vários compromissos financeiros?") foi mal
decidida pelo tribunal a quo, na medida em que nenhuma testemunha
referiu os factos dados como provados.
15. Depois do tribunal considerar provado que a R. acabou por
aceitar o prazo máximo de 60 dias, após a assinatura do contrato
promessa, para a celebração da escritura pública (facto provado n.º

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49), deu igualmente como provado o seguinte: "Tendo, contudo,


deixado bem claro que tal prazo não podia de todo ser prorrogado
pois tinha assumido vários compromissos financeiros"- facto provado
n.º 50 — sendo que nenhuma das testemunhas o referiu.
16. A testemunha V…, cujo depoimento consta no ficheiro
20201006094957_19913724_2871028, disse ao minuto 2:10:30 que a
Ré apenas demonstrou interesse em fazer o negócio rapidamente.
17. Por sua vez a testemunha J…, cujo depoimento consta no ficheiro
20201008094500_19913724_2871028 disse ao minuto 15:12 e ao
minuto 35:40 que o sócio gerente da Ré disse apenas "não concordo
muito, mas pronto", não referindo nada mais que isso.
18. A própria Ré, em declarações de parte (Ficheiro
20201006094957_19913724_2871028) refere ao minuto 17:13 e 17:
51 que ficou desagrada com a alteração do prazo e só depois de muita
insistência da sua mandatária é que disse que referiu que tinha as
suas obrigações.
19. Ora, nenhuma das testemunhas, nem a própria Ré referiu que tal
prazo "não podia de todo ser prorrogado pois tinha assumido vários
compromissos financeiros”, conforme o tribunal a quo deu como
provado no n.º 50.
20. Ainda que tal se pudesse retirar do depoimento da parte da Ré, as
declarações de parte que não constituam confissão só devem ser
valoradas, favoravelmente à parte que as produziu, se obtiverem
suficiente confirmação noutros meios de prova produzidos ou
constantes dos autos, o que não é o caso.
21. O tribunal a quo deveria ter considerado não provada a alínea I)
dos temas de prova do despacho de 29.04.2020, pelo que deve ser
eliminado o ponto 50 dos factos provados.
22. Nos termos do disposto no artigo 607º do Código Processo Civil
apresenta-se incontestável o poder de na sentença serem fixados
factos que, embora não constando expressamente dos temas de prova,
se vieram a demonstrar e a revelar importantes para a boa decisão da
causa no decorrer da audiência de julgamento.
23. No decorrer da audiência de julgamento resultou demonstrado,
porque confessado pela Ré, o momento a partir do qual a mesma
decidiu não realizar o negócio prometido e, como tal, deve tal facto
ser integrado na lista de factos provados.
24. Nas declarações da Ré constantes no ficheiro
20201006094957_19913724_2871028, ao minuto 51:43, a Ré
responde claramente, a instâncias do Mº Juiz, que decidiu não
realizar o negócio quando recebeu a carta da Autora em 8.08.2018,
remetendo os registos provisórios.
25. Assim sendo, deve aditar-se à lista de factos provados o seguinte
facto: "A Ré decidiu não realizar o negócio prometido quando
recebeu a conta da Autora com os registos provisórios, em 8 de agosto
de 2018".
26. Além deste facto, resultou igualmente do depoimento da
testemunha L... que os registos provisórios foram uma exigência da
instituição bancária, ainda que tal já resultasse da experiência

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comum. - cf depoimento da testemunha L…, ao minuto 21:00 do


ficheiro 20201006140228_19913724_2871028.wma — e que os
registos provisórios foram a única coisa que faltou para concluir o
processo de financiamento.
27. Assim sendo, deve aditar-se à lista de factos provados o seguinte:"
O pedido de registos provisórios enviado pela Autora à Ré por carta
de 1 de agosto de 2018, por esta recebida a 8 de agosto, foram uma
exigência da instituição bancária onde decorria o processo de
financiamento, necessários à conclusão do mesmo."
28. Deve igualmente aditar-se aos factos provados, o qual também
resulta do depoimento da testemunha L..., o seguinte facto: " Após a
assinatura dos registos provisórios estavam reunidas as condições
para a celebração da escritura, faltando apenas agilizar datas."
29. Autora e Ré celebraram um contrato promessa de compra e venda
no qual incluíram a seguinte cláusula: "1. A Escritura Pública de
Compra e Venda (ou documento particular autenticado) objecto do
presente contrato está condicionada a financiamento bancário para a
aquisição do imóvel referido na cláusula primeira, cuja resposta
deverá ocorrer no prazo máximo de 30 (trinta) dias a contar da data
de assinatura do presente contrato. 2. Caso o financiamento bancário
venha a ser aprovado, a Escritura Pública (ou documento particular
autenticado) será outorgada, no prazo máximo de 30 (trinta) dias,
devendo a Promitente Compradora notificar a Promitente Vendedora,
via e-mail, através da Mediadora imobiliária, expedido com a
antecedência mínima de 10 (dez) dias, da hora e local, para a
realização da Escritura Pública (ou documento particular
autenticado). 3. Caso o financiamento não seja concedido, tal
implicará a resolução do presente contrato promessa, devendo a
Promitente Compradora comunicar tal circunstância à Promitente
Vendedora, no prazo máximo de 30 (trinta) dias a contar da data da
assinatura do presente contrato. 4. Nesse caso, deverá a Promitente
Vendedora devolver as quantias entregues à Promitente Compradora,
sem direito a qualquer tipo de Indemnização por parte da mesma".
30. Concluiu o tribunal a quo que foi a Autora que incumpriu
definitivamente o contrato promessa, embora fazendo uma análise
simplista e, consequentemente, aplicando mal o direito e proferindo
uma decisão injusta.
31. Resulta do teor do contrato que ambas as partes, Autora e Ré,
aceitaram que a celebração do contrato definitivo estaria sujeita a
uma condição: o financiamento bancário.
32. Partindo desta condição, as partes previram duas situações: a) A
aprovação do financiamento bancário no prazo de 30 dias. Neste
caso, a escritura seria outorgada nos 30 dias seguintes à aprovação;
b) O indeferimento do financiamento bancário no prazo de 30 dias.
Neste caso, implicaria a resolução do contrato e o sinal era devolvido.
33. O que as partes não previram foi a possibilidade de, no prazo de
30 dias, o banco não emitisse qualquer decisão, quer de aprovação ou
de não aprovação, relativamente ao pedido de financiamento
formulado pela Autora, como sucedeu.

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34. Resulta da terminologia usada na cláusula quinta, número um,


que tal prazo se trata de um prazo meramente indicativo, referindo-se
ao prazo em que previsivelmente ocorreria uma resposta da parte do
banco.
          35. A ultrapassagem desse prazo, pelo banco, não coloca a
Autora numa situação de incumprimento do contrato promessa, até
porque não é essa a obrigação principal do contrato.
          36. O objecto do contrato promessa é a compra e venda da
fracção autónoma nele identificada, a qual está condicionada à
obtenção de financiamento, condição que ambas as partes aceitaram
ao celebrar o contrato promessa.
37. Essa condição é de tal forma essencial que só se verificando a
mesma é que o negócio definitivo se realizará e, por isso, previram as
partes que, não se verificando essa condição, o negócio resolve-se
sem perda do sinal para a Autora, pelo que, por maioria de razão, a
simples ausência de uma resposta por parte do banco no prazo em
que previsivelmente ela deveria ocorrer, não poder acarretar para a
Autora uma consequência mais grave do que aquela que lhe adviria
de uma eventual recusa de aprovação bancária.
38. A falta de resposta atempada por parte do banco não lhe pode
sequer ser imputada à Autora pois resulta dos factos provados que a
Autora não negligenciou o processo de financiamento conforme
resulta dos factos provados sob os números 18, 37, 38 e 39.
39. Pela condição, as partes aceitaram que a produção efectiva de
efeitos dependia de um facto futuro e incerto, isto é, de ele acontecer
ou não acontecer e consequentemente aceitaram a incerteza e a
dúvida que acarreta um regime condicional.
40. Decorridos 30 dias sobre a celebração do contrato promessa, sem
que houvesse decisão do banco sobre o pedido de financiamento, a
Autora numa prova de boa fé e da manutenção do seu interesse na
realização do negócio, propôs à Ré fazerem um aditamento ao
contrato promessa, nos termos do qual a Autora realizaria um reforço
de sinal (demonstrando assim acreditar no desfecho positivo do
processo de financiamento, como, aliás, se veio a verificar), fixando-
se também nesse aditamento uma data certa para a realização da
escritura (ao invés dos 30 dias a contar da aprovação constantes da
cláusula quinta, n.º 2). - facto provado n.º 8.
41. Desta proposta, retirou o tribunal o quo a conclusão que a mesma
só revela que a Autora tinha consciência que já se havia iniciado o
"segundo" prazo de trinta dias, mas, na verdade, a Autora não
propõe uma prorrogação do prazo mas sim a aposição de uma data,
fixa, para a realização da escritura ao invés de se manter a incerteza
do prazo para realização da mesma que, nos termos do contrato,
dependia da data (desconhecia ainda) da aprovação do mútuo.
42. A condição prevista no contrato que a mesma só se verifica em
31.07.2018 com a emissão da carta de aprovação do financiamento
emitida pelo banco. -  facto provado n.º 18.
43. Na sequência da aprovação, e por exigência do banco, a Autora
enviou para a Ré o pedido de registos provisórios, acompanhado da

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carta de aprovação, tendo esta se recusado a devolver os mesmos por


entender que a Autora já havia definitivamente incumprido o
contrato promessa.
44. A Ré, à data de aprovação do financiamento bancário pedido pela
Autora, já tinha outorgado novo contrato promessa de compra e
venda para aquela fracção (facto provado n.º 27) mas nesse contrato,
celebrado em 11.07.2018, apôs uma cláusula em que poderia
unilateralmente resolver o presente contrato de compra e venda
durante os primeiros trinta dias, sem necessidade de invocar qualquer
motivo justificado para a resolução — facto provado n.º 28.
45. Quando recebeu o pedido de registos provisórios — 8.8.2018 — a
Ré ainda poderia ter resolvido o segundo contrato promessa que
outorgou, sem consequências para si, por ainda estar em tempo de o
fazer, e assim concluir o contrato com a Autora, o que,
conscientemente, optou por não fazer.
46. Ao recusar-se a assinar os registos provisórios exigidos pelo
banco e, consequentemente, a vender o imóvel à Autora (sendo que
dias depois o vendeu a terceiros) a Ré incumpriu definitivamente o
contrato promessa, pelo que assiste à Autora o direito de haver da
mesma o valor correspondente ao sinal em dobro.
47. Sem conceder, e apesar de tal não resultar minimamente da letra
do contrato, nomeadamente da cláusula quinta, poder-se-ia entender
que o prazo de 30 dias referido no n.º 1 na cláusula quinta seria o
prazo que a Ré estaria disposta a aguardar pela verificação da
condição (financiamento), ou seja, o tempo que a Ré esperaria que a
condição se verificasse.
48. Mas, a ser assim, o que só por mera hipótese de raciocínio se
admite, a Ré deveria então, nos termos do artigo 805º do Código Civil,
ter interpelado a Autora para a realização do contrato prometido, o
que não fez.
49. Não prevendo o contrato um prazo para a realização da escritura
no caso de inexistência de decisão do banco quanto ao pedido de
financiamento nos primeiros 30 dias após a celebração do contrato
promessa, não se pode dispensar a interpelação prevista no artigo
805º, n.º 1 do C.C. e só a partir desta se poderia considerar que a
Autora entraria em mora.
50. O prazo para realização da escritura previsto na cláusula quinta
n.º 2 pressupõe a aprovação do financiamento.
51. As partes só previram contratualmente dois cenários: a aprovação
e a não aprovação do financiamento nos primeiros 30 dias, sendo que
no primeiro caso, a Autora teria a obrigação de celebrar a escritura
no prazo de 30 dias a contar da aprovação e, no segundo caso, o
contrato resolvia-se automaticamente.
52. A este propósito, refira-se também que, contrariamente ao
referido na sentença recorrida, o nº 3 da cláusula quinta não confere
um direito de resolução à Autora, tratando‑se, isso sim, de urna
verdadeira cláusula resolutiva expressa na medida em que estipula
que a verificação da não aprovação do empréstimo implica a
resolução do contrato promessa e a consequente não celebração do

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contrato prometido e essa cláusula opera “ipso jure”, sem


necessidade de qualquer acto das partes ou intervenção judicial
(neste sentido Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de
14.04.2015, in www.dgsi.pt).
53. Não se diz em cláusula alguma que, independentemente da
decisão bancária, a escritura se realizará em "x" dias a contar da
assinatura do contrato promessa. Apenas se diz que “caso o
financiamento venha a ser aprovado a escritura será outorgada no
prazo máximo de 30 dias”.
54. Na ausência de prazo certo o devedor só fica constituído em mora
depois de judicialmente ou extrajudicialmente interpelado para
cumprir (artigo 805º, n.º 1 do C.C.).
55. É que a dispensa de interpelação do devedor prevista no 805º, n.º
2, alínea a) do C.C. pressupõe que a obrigação tenha efectivamente,
de antemão, um prazo certo, um prazo calendarizável, em termos de
tornar inequívoco ao devedor o momento exacto (o dia) em que deve
cumprir.
56. Sucede que, decorridos 30 dias após a celebração do contrato
promessa e sabendo a Ré que a entidade bancária não tinha ainda
decidido sobre o pedido de financiamento, a Ré nunca interpelou a
Autora nos termos e para os efeitos do artigo 805º do C.C..
57. A primeira comunicação da Ré para a Autora, data precisamente
do 60.º dia após a celebração do contrato promessa, e na referida
comunicação a Ré já conclui que foram ultrapassados todos os
prazos previstos no contrato promessa.
58. No entanto acrescenta ainda “numa atitude de boa fé é concedido
o prazo acima referido de mais 5 dias pura a realização da escritura
de compra e venda (ou documento particular autenticado) findo o
qual e sem mais interpelações será considerado definitivamente
Incumprido o mesmo", pelo que poderá tal carta configurar a
interpelação admonitória prevista no artigo 808º do C.C. , através da
qual se pretende obter a conversão da mora em incumprimento
definitivo e obter as consequências previstas no artigo 442º do Código
Civil.
59. No entanto, a Ré "saltou um passo", por assim dizer, pois só
poderia converter a mora da Autora em incumprimento definitivo,
caso a Autora se encontrasse em mora.
60. A Ré considerou, erradamente, que o "segundo" prazo de 30 dias
se iniciava imediatamente após o término do primeiro, entendimento
que a sentença perfilhou, mas na verdade não é isso que está previsto
no contrato.
61. O prazo de 30 dias previsto na cláusula quinta, n.º 2 só se iniciou
no dia 01.08.2018, considerando que a aprovação do mútuo ocorreu
em 31.07.2018. A escritura não se realizou nos 30 dias seguintes por
culpa exclusiva da Ré que se recusou a assinar os registos
provisórios.
62. Entendeu-se na sentença recorrida que o prazo de 30 dias previsto
no n.º 2 da cláusula quinta se iniciava após o prazo de 30 dias para
obtenção do financiamento bancário e que tal prazo era um prazo

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absoluto e, como tal, não sendo cumprido, determinava


imediatamente o incumprimento definitivo da Autora.
63. Para que se possa falar de prazo essencial é necessária uma clara
vontade negocial nesse sentido, não bastando, para o efeito, o uso de
expressões como até e não depois ou improrrogavelmente.
64. Ainda que se entendesse, como na sentença recorrida, que o dia
21.6.2018 era o prazo limite para a celebração do contrato prometido,
tal prazo não tinha, com toda a certeza, a natureza de "prazo fatal”.
65. Conforme referido, por exemplo, no acórdão do Supremo
Tribunal de Justiça de 14.04.2015, in www.dgsi.pt "a cláusula a fixar
o prazo essencial deve ser clara, inequívoca e explícita, sob pena de
incumprimento do prazo se traduzir apenas em mora" e não resulta
da cláusula em apreço, de forma clara, inequívoca e explícita a
essencialidade do prazo pelo que tem de se concluir que o mesmo é
apenas um prazo relativo.
66. Ainda que se entenda que para a Ré o prazo era essencial, pois,
eventualmente, tinha outros negócios com os quais já se tinha
comprometido, a verdade é que logo no dia 11.7.2018 a Ré outorgou
novo contrato promessa de compra e venda da mesma fracção, em
que a promitente compradora iria comprar a pronto, e só veio a
outorgar a escritura no dia 13.09.2018, pelo mesmo preço, o que não
se coaduna com a urgência em vender o imóvel (facto provado n.º
22).
67. Tratando-se de um prazo relativo, ultrapassando a Autora tal
prazo a Autora constituir-se-ia em mora que só se converteria em
incumprimento definitivo se, em consequência da mesma, a Ré
perdesse o interesse que tinha na prestação ou esta não for realizada
dentro do prazo que razoavelmente for fixado pela mesma — artigo
808º do Código Civil.
68. Na carta que a Ré remeteu à Autora em 21.06.2018 a mesma não
alegou quaisquer factos que consubstanciassem a perda de interesse
na prestação (sendo que, nos termos do artigo 808, n.º 2, essa perda
de interesse tem de ser apreciada objectivamente) mas, nessa mesma
carta, a Ré interpelou a Autora para, no prazo de 5 dias, informá-la
da data, hora e local para a celebração do contrato definitivo sob
pena de considerar a sua obrigação definitivamente incumprida.
69. Dispõe o n.º 1 do artigo 808º que se a prestação não for realizada
dentro do prazo que razoavelmente for fixado pelo credor, considera-
se para todos os efeitos não cumprida a obrigação, sendo que um
prazo razoável é um prazo que efectivamente permita a realização da
prestação, sendo evidente que os 5 dias que a Ré concedeu à Autora
não constituem um prazo razoável.
70. Estando em causa a necessidade de um financiamento bancário,
sabendo a Ré que em 28.05.2018 o mesmo não estava ainda aprovado
(cf. doc. 10 junto à P.I.), que "a data da escritura provável" indicada
pelo banco era para 31-07-2018 (Facto provado sob o nº 8.), de que
em 21.06.2018 ainda não havia sido feita a avaliação do imóvel (cf.
Doc.11, f1. 1 e 2 junto à P.I.) era certo que no prazo de 5 dias a
Autora não conseguiria a realização da avaliação, aprovação do

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financiamento e marcação da escritura.


71. A este respeito cite-se o entendimento perfilhado no acórdão do
STJ de 14.04.2015 in www.dgsi.pt, onde se pode ler: "Deixamos,
entretanto, desde já dito que perante um incumprimento transitório
(mora) a sua conversão em incumprimento (definito) faz-se pela via
da interpelação admonitória, consistente na notificação do devedor
para cumprir num prazo razoável que, nesse acto lhe é fixado. Essa
interpelação coenvolve uma intimação de cumprimento com a
cominação/advertência de que se tal não ocorrer no novo prazo
fixado haverá incumprimento definitivo resolutório. E esse novo
prazo não se confunde, nem pode somar-se ao prazo inicial nem ao
período de mora (cfr. v.g. os Acórdãos do STJ de 27 de Junho de 2006
— 0641758 —; de 6 de Fevereiro de 2007 — 0644749 —; de 27 de
Janeiro de 2011 — 5462/04.4YXLS8.1_1.51). E como julgou o
Acórdão do STJ de 6 de Fevereiro de 2007 — 06A4749 — desta
mesma Conferência "a interpelação/notificação admonitória só
produz o efeito previsto no artigo 808.º n.º 1 CC (conversão da mora
em incumprimento definitivo) se se traduzir numa intimação para
cumprimento, dentro de um prazo razoável em vista dessa finalidade
e em termos de directamente deixar transparecer a intenção do credor
de ter a obrigação como definitivamente não cumprida se não se
verificar o cumprimento dentro daquele prazo".
72. Na realidade, a Ré queria efectivamente provocar o
incumprimento da Autora e não permitir, que num prazo razoável, a
mesma o cumprisse.
73. A solução jurídica adoptada na sentença recorrida não atentou na
economia do contrato em apreço e revela-se profundamente injusta
ao considerar que houve culpa exclusiva da Ré na não obtenção do
financiamento, condenando-a na perda do sinal entregue no
montante de 18 350,00€.
74. Ainda que se entendesse, como se decidiu na sentença recorrida,
que foi a Autora que incumpriu o contrato promessa pois o prazo
para realização da escritura terminava em 21 de Junho de 2018 e,
interpelada admonitoriamente, a Autora não procedeu à marcação da
mesma, não podemos concluir que tal incumprimento se deva a
conduta culposa da Autora.
75. A Ré aceitou que o negócio ficasse sujeito à condição de obtenção
de financiamento bancário e não resulta dos factos provados que a
Autora tenha sido negligente na busca pela aprovação do
financiamento.
76. Ainda que consideremos — o que apenas por mera hipótese de
raciocínio ora se admite — que a Autora não cumpriu o prazo a que
estava adstrita, a sua conduta não foi culposa.
77. Determina o artigo 442º, n.º 2 do Código Civil que se quem
constitui o sinal deixar de cumprir a obrigação por causa que lhe seja
imputável, tem o outro contraente a faculdade de fazer sua a coisa
entregue, sendo que nos termos do artigo 799º incumbe ao devedor
provar que a falta de cumprimento não procede de culpa sua, sendo a
culpa apreciada nos termos do artigo 487º, n.º 2 do Código Civil.

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78. Haveria que ter sido feita na sentença recorrida a análise se esta
afastou ou não essa presunção de culpa, demonstrando que esse
incumprimento objectivo não derivou de culpa sua, em face das
circunstâncias concretas do caso, tal como faria uma pessoa
normalmente diligente.
79. Da análise dos factos provados verificamos que, ainda que se
conclua pelo incumprimento da Autora, a mesma afastou a
presunção de culpa que sobre si recaía pois demonstrou que o
incumprimento da prestação não derivou de culpa sua, mas sim a
falta de terceiro (o banco), sendo que o seu comportamento na
pendência do contrato foi sempre compatível com o comportamento
do "bom pai de família", da "pessoa média", colocada naquela
situação concreta.
80. Feita esta análise, ainda que o tribunal a quo entendesse que foi a
Autora que incumpriu o contrato promessa, não lhe poderia aplicar a
sanção prevista no artigo 442º do Código Civil, declarando o direito
da Ré fazer sua a quantia entregue a titulo de sinal.
81. A sentença em recurso viola assim o disposto nos artigos 442º,
799º, 487º, 805º e 808º do Código Civil e 607º do Código de Processo
Civil.»
Propugna pela revogação da sentença e a sua substituição por
outra que condene a Ré no pedido formulado e absolva a Autora do
pedido reconvencional.
7. A Ré apresentou alegação de resposta, na qual conclui pela
improcedência da apelação e confirmação da sentença recorrida.
8. No dia 2.3.2021, foi proferido despacho de admissão do recurso
de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito
devolutivo.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
*
II - Âmbito do recurso de apelação
Sendo o objeto do recurso balizado pelas conclusões da Recorrente
(artigos 635.º, n.º 4, 639.º, n.º 1, do CPC), ressalvadas as questões
que sejam do conhecimento oficioso do tribunal (artigo 608.º, n.º 2,
ex vi do artigo 663.º, n.º 2, do mesmo diploma), a solução a alcançar
pressupõe a análise das seguintes questões:
. Da impugnação da decisão sobre a matéria de facto
- Considerar-se provado, quanto ao ponto 37. da factualidade
provada, que:
. Facto 37 - No dia 19.4.2018, a Autora enviou ao seu gestor
bancário os documentos que constam dos e-mails cujas cópias se
encontram de fls. 11 a 14, que se dão como reproduzidos, bem como
todos os documentos a si respeitantes necessários à aprovação pelo
banco da viabilidade financeira do negócio;
. Facto 37-A. - Incumbiu à agência imobiliária a apresentação da
documentação do imóvel junto do Banco, necessária à fase da
avaliação, a qual foi entregue com algum atraso, por os mesmos
não lhes terem sido facultados pelo vendedor, proprietário do
imóvel.

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. Facto 37-B. - As cartas de aprovação só foram emitidas pelo


Banco em 31.7.2018 devido ao elevado número de pendência de
processos dependentes de avaliação e à situação descrita no ponto
anterior.
- Eliminar-se a alínea b) da factualidade não provada;
- Considerar-se não provado o ponto 50 da matéria de facto
provada; 
- Considerar-se provado que:
. O pedido de registos provisórios enviado pela Autora à Ré por
carta de 1.8.2018, por esta recebida a 8 de agosto, foram uma
exigência da instituição bancária onde decorria o processo de
financiamento, necessários à conclusão do mesmo;
. Após a assinatura dos registos provisórios estavam reunidas as
condições para a celebração da escritura, faltando apenas agilizar
datas.      
. Do erro de julgamento quanto aos seguintes pontos:
- Da condição relacionada com o financiamento bancário e da sua
repercussão na economia do contrato;
- Do (in)cumprimento definitivo do contrato-promessa por banda
da Ré e suas consequências.
*
III - Fundamentação
Fundamentação de facto
A) Factos considerados provados na sentença recorrida, tendo-se
acrescentado o que consta das cláusulas 3.A e 5.A (texto segundo o
novo acordo ortográfico):
Do despacho de 29.4.2020 [Factos assentes]
1. A Autora tem sede na rua M., n.º ., em Lisboa, dedica-se, entre
outras atividades, à compra e venda de imóveis, sendo seus únicos
sócios e gerentes A… S… e D… L…, conforme certidão
permanente de fls. 8 v e 9, que se dá por reproduzida.
2. No dia 21.4.2018, a Autora e a Ré subscreveram, com
reconhecimento presencial das respetivas assinaturas, o acordo
escrito cuja cópia consta de fls. 14v a 18, intitulado «Contrato-
Promessa de Compra e Venda», cujo teor se dá por integralmente
reproduzido.
3. Pelo referido acordo, a ora Ré declarou prometer vender à ora
Autora, que declarou prometer comprar-lhe a fração autónoma
designada pela letra «I», correspondente ao … andar …, do prédio
urbano sito na rua M…, n.º …, S…, inscrito na matriz sob o artigo
…, da freguesia de A…, e descrito na CRP de Lisboa, sob o n.º…,
pelo preço de 185 000,00 €.
3-A. Consta da cláusula quarta do contrato, com a epígrafe
«Condições de Pagamento», o seguinte:
«1. O pagamento do preço, referido na cláusula anterior, no interesse
e de acordo com a vontade de todos os contratantes, será pago e
imputado da seguinte forma:
a) Na data da assinatura do presente contrato, a quantia de
€18.550,00 (dezoito mil, quinhentos e cinquenta euros), a título de

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sinal e princípio de pagamento, paga através de cheque, qual a


Promitente Vendedora confere a devida e integral quitação, após boa
cobrança; 
b) O remanescente do preço no valor de € 166.450,00 (cento e
sessenta e seis mil, quatrocentos e cinquenta euros) será liquidada
pela Promitente Compradora à Promitente Vendedora na data da
outorga da competente Escritura Pública de Compra e Venda (ou
documento particular autenticado), através de cheque visado ou
bancário.     
2. A falta de boa cobrança do cheque referido na alínea a) do número
que antecede, implica a resolução automática do presente contrato,
sem necessidade de qualquer interpelação para o efeito.»
4. Na data da assinatura, a Autora pagou à Ré a quantia de 18
550,00 €, a título de sinal e princípio pagamento, através do cheque,
cuja cópia consta de fls. 19.
5. Sob a cláusula quinta do referido contrato [com a epígrafe
«Escritura Pública ou Documento Particular Autenticado»],
Autora e Ré estipularam o seguinte:
«1. A Escritura Pública de Compra e Venda (ou documento particular
autenticado) objecto do presente contrato está condicionada a
financiamento bancário para a aquisição do imóvel referido na
cláusula primeira, cuja resposta deverá ocorrer no prazo máximo de
30 (trinta) dias a contar da data de assinatura do presente contrato.
2. Caso o financiamento bancário venha a ser aprovado, a Escritura
Pública (ou documento particular autenticado) será outorgada, no
prazo máximo de 30 (trinta) dias, devendo a Promitente Compradora
notificar a Promitente Vendedora, via e-mail, através da Mediadora
Imobiliária, expedido com a antecedência mínima de 10 (dez) dias, da
hora e local, para a realização da Escritura Pública (ou documento
particular autenticado).
3. Caso o financiamento não seja concedido, tal implicará a
resolução do presente contrato-promessa, devendo a Promitente
Compradora comunicar tal circunstância à Promitente Vendedora,
no prazo máximo de 30 (trinta) dias a contar da data da assinatura do
presente contrato.
4. Nesse caso, deverá a Promitente Vendedora devolver as quantias
entregues à Promitente Compradora, sem direito a qualquer tipo de
indemnização por parte da mesma».
5-A. Lê-se na cláusula sétima do contrato, sob a epígrafe
«Incumprimento», que:
«1. A Promitente Vendedora terá direito, em caso de incumprimento
definitivo do presente contrato imputável à Promitente Compradora,
a fazer suas todas as quantias recebidas.      
2. A Promitente Compradora terá direito, em caso de incumprimento
definitivo deste contrato imputável à Promitente Vendedora, a exigir a
restituição em dobro das quantias entregues a título de sinal.
3. Sem prejuízo do disposto nos números anteriores, qualquer dos
contratantes poderá exigir a execução específica do presente
contrato-promessa, nos termos do artigo 830.º do Código Civil e

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demais legislação aplicável.        


4. As Partes reconhecem para todos os devidos efeitos que a não
celebração da escritura pública de compra e venda (ou documento
particular autenticado) por exercício de direito de preferência de
entidades públicas ou privadas nos termos do direito que lhes é
legalmente atribuído, não será considerado incumprimento do
presente Contrato por parte da Promitente Vendedora, caso em que
haverá apenas lugar à devolução em singelo das quantias recebidas a
título de sinal.»
6. Sob a cláusula décima-primeira do referido acordo, a Autora e a
Ré declararam que a compra e venda prometida realizar teve a
intervenção da Mediadora Imobiliária B… – Mediação Imobiliária,
Lda. (K…).
7. No dia 21.5.2018, ainda não havia qualquer decisão do Banco da
Autora, o Banco S…, quanto à aprovação ou não do financiamento
solicitado pela Autora.
8. Em 28.5.2018, a Autora remeteu à K… o e-mail cuja cópia consta
de fls. 19v, que se dá por reproduzido, pelo qual refere que «o
processo de aprovação bancária encontra-se atrasado» e propôs o
seguinte: «aditamento ao contrato, com a data de escritura provável
que o banco nos indicou: 31-07-2018. Como prova da nossa boa-fé,
propomos que na data de assinatura do aditamento seja pago por nós
um reforço de sinal, no valor de 5% do valor do imóvel, ou seja
€9250».
9. A Ré recusou tal proposta.
10. No dia 30.5.2018, a Ré propôs à Autora assinar um aditamento
ao acordo referido no n.º 2, desde que o mesmo consagrasse a
alteração do preço em mais 5 000,00 € e a escritura pública de
compra e venda fosse, impreterivelmente, outorgada até ao dia
30.6.2018.
11. A Autora remeteu à Ré, sob registo e aviso de receção, a carta
cuja cópia consta de fls. 20 e 21, datada de 21.6.2018, recebida no
dia 25.6.2018, cujo teor se dá por reproduzido, pela qual informa
que o processo de financiamento bancário ainda está em análise,
junta um documento comprovativo dessa situação e manifesta o
entendimento de que o prazo para a realização da escritura de
compra e venda não se iniciou.
12. A Ré remeteu à Autora, sob registo e aviso de receção, a carta
cuja cópia consta de fls. 22, datada de 21.6.2018, recebida no dia
25.6.2018, com o seguinte teor [reproduzimos a carta na íntegra,
para melhor compreensão]:
«Tendo em conta o contrato promessa compra e venda celebrado em
21 de Abril de 2018 referente à fracção autónoma acima referida, e
de acordo com o disposto nas cláusulas quinta e sétima do referido
contrato, venho por este meio interpelar V. Exas. para no prazo 5 dias
informarem a data, hora e Cartório Notarial onde se irá realizar a
escritura pública de compra e venda prometida (ou documento
particular autenticado).
De facto, e como V. Exas. bem sabem foram já ultrapassados todos os

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prazos previstos no contrato promessa celebrado e epigrafado, motivo


pelo qual a G…, Lda. considera estar definitivamente incumprido o
mesmo, com as consequências previstas na cláusula sétima do
contrato, contudo numa atitude de total boa fé é concedido o prazo
acima referido de mais 5 dias para a realização da escritura pública
de compra e venda (ou documento particular autenticado), findo o
qual e sem mais interpelações será considerado definitivamente
incumprido o mesmo.
Mais se informa que, neste momento e devido ao incumprimento que
já se verifica a G…, Lda., encontra-se com prejuízos avultados devido
às expectativas financeiras decorrentes do contrato promessa
celebrado, prejuízos esses que serão também considerados em caso de
total inércia ou falta de resposta da parte de V.Exas..
Sem outro assunto de momento, subscrevemo-nos deixando os
melhores cumprimentos».
13. A Autora remeteu à Ré, sob registo e aviso de receção, a carta
cuja cópia consta de fls. 22v a 24, datada de 26.6.2018, recebida no
dia 29.6.2018, cujo teor se dá por reproduzido, pela qual reitera o
entendimento de que não se iniciou o prazo de 30 dias para a
realização da escritura.
14. A Ré remeteu à Autora, sob registo e aviso de receção, a carta
cuja cópia consta de fls. 24v e 25, datada de 29.6.2018, cujo teor se
dá por reproduzido, pela qual reitera que considera haver
incumprimento definitivo por parte da Autora.
15. A Autora remeteu à Ré, sob registo e aviso de receção, a carta
cuja cópia consta de fls. 25v a 27, datada de 3.7.2018, recebida no
dia 5.7.2018, cujo teor se dá por reproduzido, pela qual reitera a
posição já manifestada, informa manter interesse na realização do
negócio e refere prever para breve a conclusão do processo de
financiamento.
16. A Ré remeteu à Autora, sob registo e aviso de receção, a carta
cuja cópia consta de fls. 27 v e 28, datada de 16.7.2018, cujo teor se
dá por reproduzido, pela qual comunica que considera
definitivamente incumprido o contrato-promessa.
17. A Autora remeteu à Ré, sob registo e aviso de receção, a carta
cuja cópia consta de fls. 28 v a 30, datada de 27.7.2018, recebida no
dia 31.7.2018, cujo teor se dá por reproduzido, pela qual reitera a
posição já manifesta e anexa um e-mail do gerente bancário de
27.7.2018, prevendo a emissão das cartas de aprovação para a
segunda-feira seguinte (dia 30.7.2018).
18. O Banco S… remeteu à Autora a carta cuja cópia consta de fls.
30v a 33, datada de 31.7.2018, que se dá por reproduzida, pela qual
informa que a proposta de empréstimo aí identificada foi aprovada
e aceite pelo banco.
19. A Autora remeteu à Ré, sob registo e aviso de receção, a carta
cuja cópia consta de fls. 34 a 40, datada de 2.8.2018, recebida no dia
8.8.2018, cujo teor se dá por reproduzido, pela qual informa que o
financiamento bancário para aquisição da fração prometida vender
foi aprovado e anexa as minutas dos registos provisórios de

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aquisição e hipoteca exigidos pelo Banco, solicitando a sua


assinatura e devolução.
20. A Ré remeteu à Autora, sob registo e aviso de receção, a carta
cuja cópia consta de fls. 41 e v, datada de 14.8.2018, cujo teor se dá
por reproduzido, pela qual reitera a sua missiva anterior, na qual
considerou o negócio incumprido definitivamente pela Autora.
21. A Autora remeteu à Ré, sob registo e aviso de receção, a carta
cuja cópia consta de fls. 42 e 43, datada de 5.9.2018, recebida no dia
10.9.2018, cujo teor se dá por reproduzido, pela qual comunica que
considera que a Ré incumpriu definitivamente o contrato e solicita
a devolução do sinal em dobro.
22. Por escritura pública outorgada no dia 13.9.2018, no Cartório
Notarial de A…, a Ré declarou vender à sociedade M…, Properties,
que declarou aceitar, a fração autónoma designada pela letra «I»,
correspondente ao … andar … do prédio urbano sito na rua M…,
n.º …, S…, inscrito na matriz sob o artigo …, da freguesia de A…,
e descrito na CRP de Lisboa, sob o n.º …, pelo preço de 185 000,00
€, conforme documento de fls. 44 a 46, que de dá por reproduzido.
23. Até à data da instauração da presente ação, a Ré não havia
devolvido à Autora, o sinal pela mesma pago, nem em dobro, nem
em singelo.
24. A Ré tem por objeto social a compra e venda de imóveis e
revenda dos adquiridos para esse fim, bem como arrendamentos,
atividades de construção civil, remodelação e reabilitação de
imóveis, conforme certidão permanente de fls. 64 e 65, que se dá
por reproduzida.
25. A Autora subscreveu o documento cuja cópia consta de fls. 66,
intitulado «Proposta-Tipo 1», datado de 12.4.2018, que se dá por
reproduzido, pelo qual, na qualidade de proponente, declarou,
perante a mediadora K…, que se propõe adquirir o «direito abaixo
mencionado» e se obrigou a outorgou um contrato celebrado de
acordo com as condições aí discriminadas, designadamente: pelo
preço de 185 000,00 €, com financiamento no valor de 130 000,00 €
por parte do Banco S… e escritura no prazo de 45 dias.
26. A Ré aceitou a proposta referida no número anterior.
27. No dia 11.7.2018, a Ré e a sociedade M…, Properties, Lda.,
subscreveram o acordo escrito cuja cópia consta de fls. 67 a 69,
intitulado «Contrato Promessa de Compra e Venda de Imóvel»,
pelo qual a ora Ré declarou prometer vender à referida sociedade,
que declarou prometer comprar-lhe, a fração autónoma designada
pela letra «I», correspondente ao … andar … do prédio urbano sito
na rua M…, n.º …, S…, inscrito na matriz sob o artigo …, da
freguesia de A…, e descrito na CRP de Lisboa, sob o n.º …, pelo
preço de 185 000,00 €.
28. Na cláusula 3.ª do referido contrato, ficou estipulado que «As
partes acordam que a Primeira Contratante poderá unilateralmente
resolver o presente contrato de compra e venda durante os primeiros
trinta dias, sem necessidade de invocar qualquer motivo justificado
para a resolução (…)».

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Dos temas da prova


29. No início de abril de 2018, a Autora tomou conhecimento de que
se encontrava à venda a fração autónoma correspondente ao
terceiro andar direito do prédio sito na rua M…, n.º …, em Lisboa,
pertencente à Ré.
30. A Autora manifestou junto da K… (B… Mediação Imobiliária,
Lda.) interesse na aquisição dessa fração e visitou-a.
31. E, de imediato, averiguou junto do Banco S… da possibilidade
de financiamento bancário para aquisição dessa fração.
32. Em data não apurada, o consultor da Autora junto da K…, V…
 apresentou à Ré a proposta referida no n.º 25.
33. Inicialmente, a proposta apresentada pela Autora foi recusada
pela Ré, por ter dado preferência a outra proposta de um terceiro
que não teria de recorrer a financiamento bancário e que
celebraria o contrato mais rapidamente.
34. A Autora informou o seu gestor bancário dessa situação, por e-
mail de 15.4.2018.
35. Porém, o referido terceiro veio a desistir do negócio e, perante
essa desistência, a Ré aceitou a proposta da Autora.
36. Do que a Autora informou o seu gestor bancário, por e-mail de
19.4.2018.
37. No dia 19.4.2018, a Autora enviou ao seu gestor bancário os
documentos que constam dos e-mails cujas cópias se encontram a
fls. 11 a 14, que se dão por reproduzidos.
38. O sócio-gerente da Autora contactou, por diversas vezes, o
Banco S…, através de contactos telefónicos, e-mails e
presencialmente, para saber do estado do processo de
financiamento bancário.
39. A Ré foi sendo regularmente informada sobre a evolução do
processo de financiamento, através dos respetivos mediadores
imobiliários.
40. A Autora não aceitou a proposta referida no n.º 10.
41. Em data não apurada, a Ré começou a promover de novo a
venda da fração referida (terceiro andar direito do prédio sita na
rua M…, n.º …, em Lisboa).
42. A Ré tinha pleno conhecimento de que a Autora pretendia
recorrer a financiamento bancário para proceder à compra objeto
do acordo referido no n.º 2.
43. A Ré foi informada, através da K…, do interesse da Autora em
adquirir a fração objeto do acordo referido no n.º 2.
44. Tal negócio foi apresentado à Autora como sendo de aquisição
quase imediata da mencionada fração, devendo a escritura pública
ser celebrada no prazo de 45 dias.
45. A K… ficou de tratar da elaboração do contrato-promessa de
compra e venda, que seria assinado nas suas instalações.
46. Nessa altura, a Ré deixou muito claro, através do seu sócio-
gerente, que necessitava que a escritura pública de compra e venda
fosse celebrada no prazo máximo de 45 dias, pois necessitava de
realizar o montante acordado, naquele prazo, para fazer face a

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outros negócios nos quais se tinha já comprometido.


47. Assim, alguns dias depois, a K… remeteu à Ré o contrato-
promessa de compra e venda cuja cópia consta de fls. 70 a 72, em
cuja cláusula quinta se estipulava o seguinte:
«1. A Escritura Pública de Compra e Venda (ou documento particular
autenticado) objecto do presente contrato está condicionada a
financiamento bancário para a aquisição do imóvel referido na
cláusula primeira, cuja resposta deverá ocorrer no prazo máximo de
15 (quinze) dias a contar da data de assinatura do presente contrato.
2. Caso o financiamento bancário venha a ser aprovado, a Escritura
Pública (ou documento particular autenticado) será outorgada, no
prazo máximo de 30 (trinta) dias, devendo a Promitente Compradora
notificar a Promitente Vendedora, via e-mail, através da Mediadora
Imobiliária expedido com a antecedência mínima de 10 (dez) dias, da
hora e local, para a realização da Escritura Pública (ou documento
particular autenticado).
3. Caso o financiamento não seja concedido, tal implicará a
resolução do presente contrato-promessa, devendo a Promitente
Compradora comunicar tal circunstância à Promitente Vendedora,
no prazo máximo de 15 (quinze) dias a contar da data da assinatura
do presente contrato.
4. Nesse caso, deverá a Promitente Vendedora devolver as quantias
entregues à Promitente».
48. No dia da assinatura do contrato-promessa de compra e venda
(21.4.2018), nas instalações da K…, a Ré foi surpreendida com o
pedido da Autora para tal prazo ser dilatado por mais 15 dias, ou
seja, no limite global de 60 dias.
49. A Ré acabou por aceitar o prazo máximo de 60 dias, após a
assinatura do contrato-promessa, para a celebração da escritura
pública.
50. Tendo, contudo, deixado bem claro que tal prazo não podia de
todo ser prorrogado, pois tinha assumido vários compromissos
financeiros.
51. A Autora referiu que o prazo de mais 15 dias, para além do
inicialmente proposto, se tratava somente de precaução.
52. Foi só por esse motivo que no contrato promessa de compra e
venda foi estipulada a cláusula referida no n.º 5 dos factos
provados.
53. Face à recusa da Ré referida no n.º 9, a Autora não apresentou
àquela qualquer outra solução.
54. A cláusula referida no n.º 28 deveu-se ao facto de a Ré ter ainda
esperança que, em poucos dias, fosse marcada a escritura pública
por parte da Autora.
B) Factos considerados não provados na sentença recorrida (texto
segundo o novo acordo ortográfico):
Não se provou:
a) que, após parecer positivo da parte do seu gestor bancário, em
13.4.2018, a Autora tenha apresentado junto da K… uma proposta
de aquisição da fração referida no n.º 3 dos factos provados, pelo

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valor de 185 000,00 €, com a aquisição condicionada a


financiamento bancário.
b) que, para além do que consta do n.º 37 dos factos provados, o
Autor tenha enviado para o seu Banco toda a documentação
necessária por ele solicitada, nos dias seguintes.
c) que, para além do que consta do n.º 38 dos factos provados, o
sócio-gerente da Autora tenha contactado o Banco, por diversas
vezes, durante a primeira quinzena de maio de 2018, tentando
acelerar a decisão do processo de financiamento bancário, a fim de
haver uma decisão até ao dia 21.5.2018.
d) que, para além do que consta do n.º 38 dos factos provados, a
Autora tenha questionado várias vezes o Banco, através de
contactos telefónicos, e-mails e presencialmente, sobre a análise do
processo, insistindo pela sua rápida conclusão.
e) que a Autora não tenha aceitado a proposta referida no n.º 10
por não ter garantia da parte do Banco que o processo de
financiamento estivesse aprovado até essa data e por não ter
condições de pagar mais 5 000,00 €.
f) que o que consta do n.º 41 tenha ocorrido após a recusa da
Autora referida no n.º 10 e que a Ré tenha promovido a venda da
fração através de diversas agências imobiliárias.
g) que, para além do que consta do n.º 42, a Ré sempre tivesse tido
pleno conhecimento de que a compra e venda objeto do acordo
referido no n.º 2 só era possível caso a Autora obtivesse
financiamento bancário e que tivesse aceitado esse facto.
h) que, para além do que consta do n.º 39, a Ré sempre tivesse
sabido do estado do processo de financiamento bancário, quer
através da Autora, quer através dos mediadores imobiliários, que
acompanhavam todas as operações e que iam transmitindo à Ré.
i) que, para o efeito referido no n.º 48, a Autora tenha explicado
que tinha celebrado negócio de venda de um outro imóvel que
detinha, tendo capitais próprios para aquisição da fração objeto do
acordo referido no n.º 2.
j) que, nessa altura, a Autora, através dos seus sócios e gerentes,
tenha referido não haver qualquer problema, uma vez que não iria
recorrer a empréstimo bancário, pois tinha finalizado já um
negócio da venda de um imóvel por cerca de 400 000,00 €, capital
que lhe daria para honrar o contrato celebrado com a Ré e ainda
um outro imóvel que estava a adquirir.
k) que o prazo referido nos n.ºs 51 e 52 tenha sido justificado com
um hipotético financiamento bancário que a Autora teria de pedir e
que, na realidade, se tratava da conclusão de um negócio quetinha
em curso.
l) que, no final do mês de maio de 2018, porque faltavam poucos
mais de 20 dias para terminar o prazo concedido para a celebração
da escritura pública e não tendo a Ré qualquer informação por
parte da Autora ou da K… quanto à realização da mesma, a Ré
tenha contactado a K… a fim de saber se havia já data prevista
para a realização da escritura pública referente ao contrato

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prometido.
m) que tenha sido nessa altura que a K… informou o sócio gerente
da Ré que havia um problema relacionado com a venda que a
Autora se encontrava a realizar e que por isso a Autora não teria
forma de fazer face ao remanescente do pagamento do preço
estipulado no acordo referido no n.º 2.
n) que tenha sido nessa sequência que a Autora efetuou a proposta
de aditamento referida no n.º 8.
o) que só no final do mês de maio de 2018 e após goradas as suas
expetativas de conclusão do outro negócio, é que a Autora tenha
iniciado as diligências para que lhe fosse concedido financiamento
bancário para aquisição da fração objeto do acordo referido no n.º
2.
p) que, na sequência do que consta do n.º 53, a Autora tenha apenas
deixado correr o tempo sem prestar qualquer informação à Ré.
q) que, devido ao comportamento da Autora, a Ré se tenha visto
obrigada a ter de alienar um outro imóvel no qual pretendia
efetuar obras no valor de 60 000,00 € e posteriormente vendê-lo por
cerca de 400 000,00 €, acabando por vendê-lo por 315.000,00 € sem
as obras, para conseguir gerar o capital que necessitava.
r) que, desde 21.6.2018 e 16.7.2018, o retorno expectável com a
venda da fração referida no n.º 2 seria de 14 400,00 €.
Apreciação do mérito do recurso
Da impugnação da decisão da matéria de facto
Os poderes do Tribunal da Relação relativos à modificabilidade da
decisão de facto estão consagrados no artigo 662.º do CPC.
Nos termos do artigo 640.º do CPC, incumbe ao recorrente que
impugne a referida decisão, sob pena de rejeição do recurso,
especificar os concretos pontos de facto que considera
incorretamente julgados [n.º 1, alínea a)], os concretos meios
probatórios constantes do processo ou de registo ou gravação que
imponham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados
diversa da recorrida [n.º 1, alínea b)] e a decisão que, no seu
entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas
[n.º 1, alínea c)].
Acresce que, nos termos da alínea b) do n.º 2 do citado artigo 640.º,
quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro
na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao
recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso nessa parte,
indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o
seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos
excertos que considere relevantes.
A Apelante observou devidamente estes requisitos da impugnação.
Na decisão sobre a matéria de facto, o Tribunal só pode considerar
os factos essenciais que integram a causa de pedir (ou as exceções)
alegados pelas partes, bem como os factos instrumentais,
complementares ou concretizadores que resultem da instrução da
causa, e os factos de que tem conhecimento por via do exercício das
suas funções (artigo 5.º do CPC), estando-lhe vedado, por força do

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princípio da limitação dos atos consagrado no artigo 130.º do CPC,


conhecer de matéria que, ponderadas as várias soluções plausíveis
da questão de direito, se mostra irrelevante para a decisão de
mérito.
Trata-se de manifestações do princípio dispositivo e do princípio da
economia processual que se impõem ao juiz da 1.ª instância,
aquando da seleção da matéria de facto na sentença, mas também
na 2.ª instância, no atinente à apreciação da impugnação da decisão
sobre a matéria de facto.
Assim, conforme referido no acórdão do TRL de 27.11.2018 (p.
1660/14.0T8OER-E.L1, www.dgsi.pt), a jurisprudência dos
Tribunais superiores vem reconhecendo que «a reapreciação da
matéria de facto não constitui um fim em si mesma, mas um meio
para atingir um determinado objetivo, que é a alteração da decisão da
causa, pelo que sempre que se conclua que a reapreciação pretendida
é inútil – seja porque a decisão sobre matéria de facto proferida pela
primeira instância já permite sustentar a interpretação do direito
aplicável ao caso nos termos sustentados pelo recorrente, seja porque
ainda que proceda a impugnação da matéria de facto, nos termos
requeridos, a decisão da causa não deixará de ser a mesma – a
reapreciação sobre matéria de facto não deve ter lugar, por constituir
um ato absolutamente inútil, contrariando os princípios da celeridade
e da economia processuais (arts. 2.º, n.º 1, 137.º, e 138.º do CPC).» -
cf. ainda os acórdãos aí citados - acórdãos do TRG de 10.9.2015, p.
639/13.4TTBRG.G1, e de 11.7.2017, p. 5527/16.0T8GMR.G1, do
TRP de 1.6.2017, p. 35/16.1T8AMT-A.P1, e do STJ de 13.7.2017, p.
442/15.7T8PVZ.P1.S1, todos disponíveis em www.dgsi.pt.
Alinhando no mesmo diapasão, perfilam-se os acórdãos do TRP de
7.5.2012 (p. 2317/09.0TBVLG.P1), do TRC de 12.6.2012 (p.
4541/08.3TBLRA.C1), do STJ de 17.5.2017 (p.
4111/13.4TBBRG.G1.S1) e do TRL de 24.9.2020 (p.
35708/19.8YIPRT.L1, em cujo coletivo também interveio a ora
Relatora), todos consultáveis em www.dgsi.pt.
Tendo sido auditado o suporte áudio, passamos a analisar a
impugnação da decisão sobre a matéria de facto, indagando se a
convicção criada no espírito do Tribunal a quo é ou não
merecedora de reparos.
Facto provado
37. No dia 19.4.2018, a Autora enviou ao seu gestor bancário os
documentos que constam dos e-mails cujas cópias se encontram a
fls. 11 a 14, que se dão por reproduzidos.
Facto não provado
b) que, para além do que consta do n.º 37 dos factos provados, a
Autora tenha enviado para o seu Banco toda a documentação
necessária por ele solicitada, nos dias seguintes.
Alterações propostas:
Considerar-se provado, quanto ao ponto 37 da factualidade
provada, que:
. Facto 37 - No dia 19.4.2018, a Autora enviou ao seu gestor

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bancário os documentos que constam dos e-mails cujas cópias se


encontram de fls. 11 a 14, que se dão como reproduzidos, bem como
todos os documentos a si respeitantes necessários à aprovação pelo
banco da viabilidade financeira do negócio;
. Facto 37-A. - Incumbiu à agência imobiliária a apresentação da
documentação do imóvel junto do Banco, necessária à fase da
avaliação, a qual foi entregue com algum atraso, por os mesmos
não lhes terem sido facultados pelo vendedor, proprietário do
imóvel.
. Facto 37-B. - As cartas de aprovação só foram emitidas pelo
Banco em 31.7.2018 devido ao elevado número de pendência de
processos dependentes de avaliação e à situação descrita no ponto
anterior.
Eliminar-se a alínea b) da factualidade não provada.
A Apelante alega que foi incorretamente julgado o facto da alínea I)
dos temas de prova, com o seguinte teor: «Nos dias seguintes [à
aceitação da proposta de compra], a Autora enviou para o banco
toda a documentação necessária por ele [gestor bancário]
solicitada».
Argui que o Tribunal recorrido fundamentou a sua resposta no
depoimento da testemunha L…, referindo que esta testemunha
«não confirmou os factos em causa, referindo, ao invés, que, até data
que não se recordava, mas, pelo menos, Maio de 2018, havia
documentação em falta, nenhuma outra prova tendo sido produzida»,
mas que não é isso que resulta do depoimento da testemunha.
Mais alega que os documentos juntos à petição inicial como
documentos 4, 5, 6 e 7, que consistem em diversos e-mails enviados
ao Banco S…, mais concretamente à testemunha L…, permitem
concluir que foram enviados pela Autora ao Banco, em 19.4.2018
(ainda antes da assinatura do contrato), o balanço, a demonstração
de resultados e balancete analítico de fecho de 2017, a certidão da
AT e da segurança social, a certidão permanente e a certidão PME,
ou seja, todos os documentos inerentes à Autora e necessários à
aprovação da viabilidade financeira do empréstimo.
Alega que flui do depoimento da testemunha L… que todos os
elementos financeiros foram imediatamente facultados, com
exceção dos documentos do imóvel, os quais demoraram na entrega
por não terem sido entregues pela proprietária do imóvel, a
promitente-vendedora.
Observa que do depoimento desta testemunha resultou que a
Autora foi sempre diligente no tratamento do processo bancário, o
que também decorre dos e-mails juntos aos autos, sendo que o que
ficou em falta não era imputável ao cliente, mas à imobiliária que
deveria ter recolhido da promitente-vendedora os documentos em
falta.
Neste particular, a Apelada observa que não alcança qual a
relevância destas alterações no plano dos factos para a análise das
questões que aqui importam a altera.
Afirma mesmo que nunca pôs em causa que a Recorrente não

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tenha enviado os seus elementos financeiros para o Banco (entidade


financiadora) a fim de serem analisados.               
Consta da motivação da sentença recorrida que:
«A convicção do tribunal assentou na análise conjugada e crítica de
toda a prova produzida, crivada pelas regras da experiência comum e
da normalidade da vida.
Concretamente, e no que respeita ao ponto 2.1., teve-se em
consideração:
(…) - n.ºs 29 a 39, as declarações de parte da A. e o depoimento da
testemunha V…, que, trabalhando para a K… (B… Mediação
Imobiliária, Lda.) como consultor imobiliário, mediou o negócio em
causa nestes autos, na qualidade de consultor da A., tendo ambos
confirmado os factos referidos de forma coincidente. No que respeita
aos n.ºs 31, 34, 36, 37 e 38, o tribunal louvou-se, ainda, do teor das
comunicações electrónicas de fls. 9 v a 14 e do depoimento da
testemunha L…, que trabalha no Banco S… e, sendo gestor de conta
da A. desde 2016 ou 2017, tratou do processo de financiamento da
mesma com vista à aquisição da fracção objecto do contrato-
promessa dos autos, revelando, por isso, conhecimento desta
factualidade, que confirmou de forma segura e objectiva,
confirmando, também, as referidas comunicações.
(…) Não se considerou provada a factualidade descrita no ponto 2.2.,
porquanto:
(…) - al. b), a testemunha L… não confirmou os factos em causa,
referindo, ao invés, que, até data que não se recordava, mas, pelo
menos, Maio de 2018, havia documentação em falta, nenhuma outra
prova tendo sido produzida».
Apreciando:
A Autora alega, no artigo 37.º da petição inicial, que foi
absolutamente diligente no decurso do processo bancário,
entregando atempadamente toda a documentação que lhe foi
solicitada pela instituição bancária (Banco S…).
Na sua contestação, a Ré nada diz em sentido contrário e confirma
até, no artigo 38.º, que «São verdadeiras as comunicações trocadas
entre A e R., e descritas nos artigos 23º, 24º, 25º, 28º, 27º, 28º, 29º da
petição inicial, assim como os documentos que as suportam os quais
se dão por reproduzidos, embora a descrição feita pela A seja
imprecisa no que tange a alguns deles.»
Ora, não obstante esta factualidade tenha sido considerada tema da
prova, sob a alínea I), há que reconhecer que nenhum facto
concreto foi alegado pela Ré no sentido do não cumprimento pela
Autora de tal atitude diligente relativamente aos documentos.
Era a Ré que tinha interesse em alegar o incumprimento dessa
obrigação de entrega de documentos por banda da Autora, por ser
um facto constitutivo do direito de resolução do contrato por si
invocado.
Todavia, tal matéria não foi alegada nos articulados, pelo que não
deve ser incluída na factualidade provada.
No que concerne à alínea b) dos factos não provados, trata-se de

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matéria conclusiva, pois não são descritos os documentos em falta,


nem tal omissão pode ser suprida com recurso à alegação das
partes.
Não se ter provado que a Autora enviou para o seu Banco toda a
documentação necessária por ele solicitada nos dias seguintes é
conclusivo.
Como escreveu Paulo Ramos de Faria, «(…) é manifestamente
errada a inclusão de proposições de direito na pronúncia de facto.
Sinalizado o erro, tais proposições devem ser tidas por imprestáveis,
inúteis ou irrelevantes – vale qualquer predicação que evidencie a
sua inidoneidade para, no lugar de um facto, servir de premissa ao
silogismo judiciário –, mas nunca por inexistentes ou não escritas.»
(«Escrito ou não escrito, eis a questão! (A inclusão de proposições de
direito na pronúncia de facto)», Revista Julgar On line, novembro
de 2017, in http://julgar.pt/escrito-ou-nao-escrito-eis-a-questao/.
Seguindo de perto esta posição, é de considerar irrelevante a
conclusão e proposição de direito contida na alínea b) da
factualidade não provada.
Do mesmo modo, consideramos que os factos 37-A. e 37-B.
sugeridos pela Apelante, por não corresponderem a matéria de
facto alegada pelas partes, nem configurarem factos
complementares resultantes da instrução que relevem para a
apreciação da causa, não devem figurar do elenco da factualidade
apurada.
Facto provado
Facto 50 - Tendo, contudo, deixado bem claro que tal prazo não
podia de todo ser prorrogado, pois tinha assumido vários
compromissos financeiros.
Alteração proposta:
A Apelante considera que esta factualidade foi incorretamente
avaliada pelo Tribunal a quo, na medida em que nenhuma
testemunha a ela se reportou.
Argumenta que a testemunha V… disse apenas que a Ré
demonstrou interesse em fazer o negócio rapidamente e que a
testemunha J… afirmou que o sócio‑gerente da Ré disse tão-só que
«não concordo muito, mas pronto».
No que concerne às declarações de parte do legal representante da
Ré, entende que se manifestou desagrada com a alteração do prazo
e que só depois de muita insistência da sua mandatária é que
referiu que tinha as suas obrigações.
Mais argui que, ainda que tal se pudesse retirar do depoimento da
parte da Ré, as declarações de parte que não constituam confissão
só devem ser valoradas, favoravelmente à parte que as produziu, se
obtiverem suficiente confirmação noutros meios de prova
produzidos ou constantes dos autos.
A Apelada discorda e afirma que a factualidade em questão resulta
das próprias declarações da Recorrente, o que se pode comprovar
pelos factos provados nos pontos 33. (facto inclusivamente alegado
pela Recorrente), 46., 48., 49., e 50..

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Lê-se na decisão recorrida o seguinte:


«A convicção do tribunal assentou na análise conjugada e crítica de
toda a prova produzida, crivada pelas regras da experiência comum e
da normalidade da vida.
Concretamente, e no que respeita ao ponto 2.1., teve-se em
consideração:
(…) - n.ºs 40 a 53, as declarações de parte da A. e da R., a este
respeito coincidentes, e os depoimentos da testemunha já mencionada
V…, bem como da testemunha J…, que também trabalhava para a
K… (B… Mediação Imobiliária, Lda.) como consultor imobiliário, e
que mediou o negócio em causa, na qualidade de consultor da R.,
tendo todos confirmado os factos em referência. Em relação aos n.ºs
44, 46, 48 e 49, o tribunal sopesou, também, o depoimento de parte da
R., que confessou os factos em causa (cfr. acta da 1.ª sessão da
audiência final), sendo que, no que respeita ao n.º 47, considerou-se
ainda o documento de fls. 70 a 72 (confirmando pela testemunha
J…)».
Apreciando:
Antes de mais, discordamos da Apelante quando afirma a
inadmissibilidade da valoração de factos favoráveis à parte que as
produziu, se não obtiverem suficiente confirmação noutros meios
de prova produzidos ou constantes dos autos.
Compulsada a ata da primeira sessão da audiência final, constata-
se que o legal representante da Ré depôs quer em depoimento de
parte, quer em declarações de parte.
Quanto ao depoimento de parte, previsto nos artigos 452.º e ss. do
CPC, o argumento segundo a qual as declarações favoráveis ao
depoente não podem ser valoradas não colhe, atendendo ao
princípio da aquisição processual previsto no artigo 413.º do CPC,
segundo o qual o tribunal deve tomar em consideração todas as
provas produzidas, tenham ou não emanado da parte que devia
produzi-las, conjugado com o direito à prova e a um processo
equitativo, consagrados no artigo 20.º, n.ºs 1 e 4, da Constituição da
República Portuguesa (cf. Remédio Marques, in  A Aquisição e a
Valoração Probatória de Factos (Des) Favoráveis ao Depoente ou à
Parte, Revista Julgar, jan-abr. 2012, N.º 16, p. 169, e o acórdão do
TRL 17.06.2015, p. 8594/10.6TBOER.L1-2, in www.dgsi.pt).
Relativamente às declarações de parte contempladas no artigo
466.º do CPC, o legislador concede liberdade genérica de
apreciação, salvo se constituírem confissão – cf. n.º 3, do citado
preceito.
Com efeito, há que valorar primeiro as declarações de parte e, só
depois, a pessoa do depoente, sob pena de se incorrer no viés
confirmatório (cf. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe
Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Coimbra: Almedina, 2018,
p. 532, nota 11).
Nada obsta, pois, a que as declarações de parte constituam o esteio
da prova de um facto desde que seja alcançado o standard de prova
exigível para o caso.

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Ora, o legal representante da Ré foi claro na afirmação da


relevância do prazo de 60 dias, sem o qual não teria aceite o
acordo, pois, negociando a compra e venda de imóveis, procura
sempre agilizar os negócios, dependentes uns dos outros.
O que se harmoniza bem com o facto de se ter provado, sob o ponto
24., que a Ré tem por objeto social a compra e venda de imóveis e
revenda dos adquiridos para esse fim, bem como arrendamentos,
atividades de construção civil, remodelação e reabilitação de
imóveis.
Ademais, se conjugarmos as suas declarações com os factos
provados sob os pontos 33., 46., 48., e 49., que não foram objeto da
impugnação, e se enquadrarmos as declarações prestadas pelo legal
representante da Ré no âmbito da cláusula quinta do contrato-
promessa, que não deixa de configurar também um elemento de
prova, não merece reparo a prova do facto em análise.
De qualquer modo, não é de escamotear o depoimento da
testemunha J…, que trabalhava para a K… (B… Mediação
Imobiliária, Lda.) como consultor imobiliário, e que mediou o
negócio em causa, na qualidade de consultor da Ré, tendo relatado
com segurança que «O Jorge tinha outros imóveis em compra e
necessitava do dinheiro».
Termos em que improcede a impugnação nesta parte.
Factos a acrescentar ao elenco dos factos provados:
. O pedido de registos provisórios enviado pela Autora à Ré por
carta de 1 de agosto de 2018, por esta recebida a 8 de agosto, foram
uma exigência da instituição bancária onde decorria o processo de
financiamento, necessários à conclusão do mesmo.
. Após a assinatura dos registos provisórios, estavam reunidas as
condições para a celebração da escritura, faltando apenas agilizar
datas.
A Apelante alega que estes factos devem ser acrescentados ao
elenco dos factos provados, ao abrigo do artigo 607.º do CPC, ainda
que não constem expressamente dos temas de prova, pois considera
que vieram a revelar-se importantes para a boa decisão da causa no
decorrer da audiência final.
Argumenta que, no decurso do julgamento, resultou demonstrado,
porque confessado pela Ré, o momento a partir do qual esta
decidiu não realizar o negócio prometido o que deve, como tal, ser
integrado na lista de factos provados.
Além deste facto, considera ainda que resultou igualmente do
depoimento da testemunha L… que os registos provisórios foram
uma exigência da instituição bancária (ainda que tal já resultasse
das regras da experiência comum) e que, após a assinatura de tais
registos, estavam reunidas as condições para a celebração da
escritura, faltando apenas agilizar datas.
A Apelada sustenta que tais factos não foram alegados pela
Recorrente e que, ainda que o tivessem sido, mais uma vez não se
alcança a sua relevância para o presente pleito.
Argumenta que as datas de 1 e 8 de Agosto ultrapassam

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grandemente os prazos previstos no contrato-promessa de compra


e venda celebrado entre as partes, não havia sequer data prevista
para a celebração do contrato definitivo.
Apreciando:
A matéria em apreço não consta dos temas da prova, o que não
impede que possa ser aventada a hipótese de ser agora incluída nos
factos provados.
Os temas da prova a que se reporta o artigo 596.º do CPC
constituem um guião que irá permitir a busca da verdade material
com maior latitude, sem o espartilho do despacho de seleção da
matéria de facto previsto no CPC de 1961, sendo evidente que são
os articulados que continuarão a realizar a sua função de meio de
alegação dos factos da causa, essencial no que respeita aos factos
principais e facultativa no que respeita aos factos instrumentais.
Assim, a decisão da matéria de facto deve concentrar-se nos temas
de prova, mas incide sobretudo sobre os factos essenciais, quer os
alegados pelas partes quer os factos complementares ou
concretizadores que tenham resultado da instrução da causa.
Acresce que a enunciação dos temas de prova não constitui
despacho que opere caso julgado formal sobre os factos essenciais
(nucleares, complementares ou concretizadores da causa de pedir)
ou mesmo instrumentais que interessam à apreciação da causa,
segundo as diferentes soluções plausíveis, conforme artigos 5.º, n.ºs
1 e 2, e 607.º, n.º 4, do CPC.
Ora, estes factos invocados pela Apelante, para além de não
constarem dos temas da prova, não foram articulados pelas partes
nas suas peças processuais, ao abrigo do artigo 5.º, n.º 1, do CPC,
nem devem ser equacionados, nos termos do n.º 2, alínea b), do
mesmo preceito, como factos complementares ou concretizadores
de factos alegados, pela sua irrelevância para o caso concreto.
Em face de tudo quanto se deixou exposto, improcede in totum a
impugnação da decisão sobre a matéria de facto.
Do enquadramento jurídico
Flui da factualidade provada que as partes celebraram entre si um
contrato‑promessa de compra e venda, nos termos das disposições
conjugadas dos artigos 410.º e 875.º do CC.
O contrato-promessa é um acordo preliminar que tem por objeto
uma convenção futura, o contrato prometido - artigo 410.º, n.º 1, do
CC.
Gera uma obrigação de facere que se exprime pelo compromisso de
emitir a declaração de vontade conducente à celebração do
contrato definitivo (prometido), pelo que é também apelidado de
pactum de contrahendo (cf. Galvão Telles, «Direito das Obrigações»,
6.ª edição, Coimbra Editora: Coimbra, 1989, p. 83).
Aplicam-se ao contrato-promessa as regras dos contratos em geral,
designadamente as previstas nos artigos 406.º, n.º 1, e 432.º e ss. do
CC, bem como o regime legal do contrato definitivo, nos termos dos
artigos 798.º, 799.º, 801.º e 808.º do mesmo diploma.
Antes de mais, a questão que se coloca, e que se mantém válida em

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face da matéria de facto que já havia sido considerada provada, é a


de saber se, em face do clausulado do contrato, se pode entender
que foi aposta alguma condição no contrato-promessa e, em caso
afirmativo, como funciona e qual o resultado na economia do
contrato.
Depreende-se da posição das partes nos articulados que se debateu
a existência de incumprimento definitivo do contrato, imputável a
cada uma das partes (respetivamente, pedido principal -
incumprimento da Ré - e pedido reconvencional - incumprimento
da Autora), já que ambas aceitaram que só o incumprimento que
assuma aquela natureza é que podia fundamentar o exercício do
direito de resolução do contrato-promessa em apreço.
A Autora pediu o sinal em dobro e a Ré formulou pedido
reconvencional no sentido de se considerar perdido o valor do sinal
prestado a seu favor, para além de outros valores que foram
desconsiderados na sentença e não são objeto de recurso.
Ainda que não tenha prescindido da invocação do incumprimento
definitivo do contrato‑promessa pela Ré, por ter vendido o imóvel a
terceiro, com a consequente devolução do sinal em dobro (cf.
cláusula sétima, n.º 2, do contrato), a Autora considera plausível
uma solução que passe pela consideração do funcionamento do
regime da condição.
Sustenta, assim, que as partes aceitaram que a celebração do
contrato definitivo estaria sujeita a uma condição: o financiamento
bancário.
Entende que, partindo desta condição, as partes previram duas
situações: a) A aprovação do financiamento bancário no prazo de
30 dias (neste caso, a escritura seria outorgada nos 30 dias
seguintes à aprovação); b) O indeferimento do financiamento
bancário no prazo de 30 dias (este caso implicaria a resolução do
contrato e o sinal era devolvido).
Crê que as partes não previram a possibilidade de, no prazo de 30
dias, o Banco não ter emitido qualquer decisão, quer de aprovação
ou de não aprovação, relativamente ao pedido de financiamento
formulado pela Autora, como veio a suceder.
Considera que, da terminologia utilizada na cláusula quinta, n.º 1,
se retira a ideia de um prazo meramente indicativo, o qual tem
como referência o prazo em que previsivelmente ocorreria uma
resposta da parte do Banco.
Alega que a ultrapassagem desse prazo pelo Banco, não coloca a
Autora numa situação de incumprimento do contrato-promessa,
até porque não é essa a obrigação principal do contrato.
Argumenta que, se a condição estipulada fosse tão essencial, que só
a sua verificação implicaria a realização do negócio definitivo,
então, por maioria de razão, a simples ausência de uma resposta
por parte do Banco, no prazo em que previsivelmente ela deveria
ocorrer, não poderá acarretar para a Autora uma consequência
mais grave do que a adveniente de uma recusa de aprovação
bancária.

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Entrando na questão do incumprimento, a Autora alega que a falta


de resposta atempada por parte do Banco não lhe pode sequer ser
imputada, pois resulta dos factos provados sob os números 18, 37,
38 e 39 que o processo de financiamento não foi por si
negligenciado.
Entende ainda que a condição prevista no contrato só se verificou
no dia 31.7.2018, com a emissão da carta de aprovação do
financiamento emitida pelo Banco, data essa em que a Ré já
outorgara novo contrato-promessa de compra e venda do mesmo
imóvel com terceiro, no dia 11.7.2018, no qual apôs uma cláusula
segundo a qual as partes poderiam resolver unilateralmente o
contrato de compra e venda durante os primeiros trinta dias, sem
necessidade de invocar qualquer motivo justificado para a
resolução.
Conclui que, quando a Ré recebeu o pedido de registos provisórios,
em 8.8.2018, ainda poderia ter resolvido o segundo contrato-
promessa que outorgou, sem consequências para si, por ainda estar
em tempo de o fazer, tendo assim incumprido definitivamente o
contrato-promessa, com o consequente direito que assiste à Autora
de haver da mesma o valor correspondente ao sinal em dobro.
Sem conceder, para o caso de se entender que o prazo de 30 dias
referido no n.º 1 na cláusula quinta seria o prazo que a Ré estaria
disposta a aguardar pela verificação da condição (financiamento),
considera que deveria ter sido interpelada para a realização da
escritura, o que não foi feito.
Quanto ao prazo para a realização da escritura, entende que as
partes só previram contratualmente dois cenários: a aprovação e a
não aprovação do financiamento nos primeiros 30 dias, sendo que
no primeiro caso, a Autora teria a obrigação de celebrar a escritura
no prazo de 30 dias a contar da aprovação e, no segundo caso, o
contrato resolvia-se automaticamente.
Mais alega que, contrariamente ao afirmado na sentença recorrida,
o n.º 3 da cláusula quinta não confere um direito de resolução à
Autora, tratando-se, isso sim, de urna verdadeira cláusula
resolutiva expressa na medida em que estipula que a verificação da
não aprovação do empréstimo implica a resolução do contrato-
promessa e a consequente não celebração do contrato prometido e
essa cláusula opera ipso jure, sem necessidade de qualquer ato das
partes ou intervenção judicial.     
Contesta que o prazo de 30 dias previsto no n.º 2 da cláusula quinta
tenha início após o prazo de 30 dias para obtenção do
financiamento bancário e seja um prazo absoluto.
Defende que, na carta que a Ré remeteu à Autora em 21.6.2018,
esta não alegou quaisquer factos que consubstanciassem a perda de
interesse na prestação, a qual tem de ser apreciada objetivamente,
nos termos do artigo 808.º, n.º 2, do CC.
Argui que, ainda que se entendesse, como na sentença recorrida,
que foi a Autora que incumpriu o contrato-promessa, pois o prazo
para a realização da escritura terminava a 21.6.2018 e, interpelada

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admonitoriamente, a Autora não procedeu à marcação da mesma,


não se pode concluir que tal incumprimento se deva a uma conduta
culposa da parte desta, não se tendo verificado qualquer
negligência na busca pela aprovação do financiamento.
Por seu turno, a Apelada sustenta o bem fundado da
fundamentação da decisão recorrida, reforçando a ideia de que,
findos os 30 dias previstos, a promitente-compradora não
informou, como era sua obrigação, a não concessão do
financiamento bancário para aquisição do imóvel dos autos, nem
resolveu a contrato, faculdade que lhe assistia.
Defende, em suma, que a Recorrente, ao deixar decorrer aquele
prazo, que terminou a 21.5.2018, sem ter informado a Recorrida da
não concessão do financiamento e lançando mão da faculdade de
resolver o contrato e receber as quantias que tinha entregue a titulo
de sinal, incumpriu a aquilo a que se obrigou por via do contrato-
promessa assinado.
Argumenta que, findo que estava tal prazo, sem que a Recorrente
tenha considerado resolvido o contrato-promessa de compra e
venda, como era sua obrigação ter feito, iniciou-se o prazo previsto
no n.º 2 da mencionada cláusula quinta, ou seja, ficou a Recorrida
a aguardar que fosse marcada a escritura pública de compra e
venda, o que não sucedeu.
Lê-se na fundamentação de Direito que:
«Impõe-se, pois, analisar a natureza dos prazos fixados no contrato-
promessa sub judice para a celebração da escritura pública de
compra e venda.
(…) A fixação de uma data com o termo final do prazo para
celebração da escritura, pode ser entendida, pois, com dois sentidos:
- como prazo-limite, absoluto ou improrrogável, cujo decurso
determina o incumprimento definitivo do contrato e a sua imediata
resolução ou caducidade;
- como prazo relativo ou não essencial, apenas determinante de uma
situação de mora e conferindo ao credor o direito de pedir o
cumprimento do contrato, a sua resolução ou indemnização
moratória (cfr., ainda, Vaz Serra, Rev. Leg. Jur., 110º, pág. 327, e
Antunes Varela, Das Obrigações, lI, pág .45).
A opção por uma ou outra dessas soluções depende da natureza do
negócio ou de interpretação da vontade das partes, sendo certo que,
em regra ou em caso de dúvida, é de ter como verificada a segunda
hipótese, por estar mais de harmonia com a realidade ou a vontade
hipotética das partes e ser a menos onerosa para o devedor.
(…) 3.3. No caso vertente, cremos que o clausulado do contrato-
promessa é, por si só, suficientemente, impressivo para fundamentar
a conclusão acerca do carácter essencial do prazo nele fixado para a
celebração do contrato definitivo.
Com efeito, as partes, sabendo e aceitando que a A. (promitente
compradora) iria recorrer a financiamento bancário para adquirir a
fracção em causa, previram, expressamente, que a celebração do
contrato definitivo estava condicionada à obtenção desse

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financiamento bancário (n.º 1 da cláusula 5.ª). No entanto, para que


a R. (promitente vendedora) não ficasse, indefinidamente, à espera da
concessão desse financiamento à A. (não podemos esquecer que,
conforme resulta dos factos provados, a R. havia deixado muito claro
à A. que pretendia que a compra e venda fosse celebrada no prazo
máximo de 45 dias, depois prolongado, na versão final do
contrato‑promessa, para 60 improrrogáveis), estipularam ambas que
a resposta do Banco «deveria» ocorrer no «prazo máximo» de 30
dias.
A partir daqui, as partes previram duas situações:
a) se o financiamento fosse concedido no prazo referido (nos 30 dias
subsequentes à assinatura do contrato promessa), a escritura pública
de compra e venda seria outorgada no “prazo máximo de 30 dias”
(n.º 2 da cláusula 5.ª), assim se satisfazendo a vontade (essencial) da
R. de celebração do negócio no prazo máximo de 60 dias (30 + 30):
b) se o financiamento não fosse concedido no prazo referido, poderia
a A. promitente compradora) resolver o contrato-promessa no prazo
máximo de 30 dias, devolvendo-lhe a R. o sinal entregue sem direito a
indemnização (n.ºs 3 e 4 da cláusula 5.ª).
Ora, contrariamente ao que a A. propugna, no cenário referido na al.
b) – não concessão do financiamento nos 30 dias subsequentes à
assinatura do contrato promessa -, cabem, quer a situação de
recusa/não aprovação do financiamento por parte do banco, quer,
naturalmente, a situação de falta de resposta do banco nesse prazo.
Esta é  a única interpretação conforme à letra do contrato (não dar
resposta a um pedido de financiamento é, ainda, não conceder esse
financiamento) e à vontade das partes subjacente à estipulação da
cláusula em causa (cfr. n.ºs 25, 32, 44, 46 , 47 , 48 , 49 , 50, 51, 52, do
ponto 2.1.), sendo certo que a própria proposta da A. referida no n.º 8
é bem demonstrativa dessa vontade, traduzindo, claramente, o
reconhecimento de que o prazo de 30 dias previsto no n.º 2 da
cláusula 5.ª já se havia iniciado após o decurso dos 30 dias previstos
no n.º 1 da mesma cláusula, pois que só assim fazia sentido propor o
aditamento que propôs (na verdade, se a A. considerasse, como o faz
nesta ação, que o prazo para celebração da escritura pública nem
sequer se havia iniciado, porque razão faria essa proposta de
aditamento?).
Não tendo havido resposta do banco (n.º 7 do ponto 2.1.) e, portanto,
não tendo o financiamento bancário sido concedido no prazo de 30
dias previsto pelas partes (contado da data da assinatura do contrato),
restaria à A.: a) ou resolver o contrato e obter a devolução do que
entregou à R. ou b) marcar escritura pública de compra e venda para
os 30 dias subsequentes, caso tivesse interesse na aquisição da
fracção mesmo sem financiamento. A A. não resolveu o contrato e,
por isso, a R. aguardou que a A. procedesse a marcação da escritura
nos 30 dias seguintes (ou seja, até 21.06.2018), o que também não
ocorreu.
Aliás, a carta que a A. remeteu à R, no próprio dia 21.06.2018
(recebida pela R., apenas, no dia 25.06.2018) e as suas cartas

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subsequentes, constituem um claro reconhecimento da A. da


impossibilidade de celebração da escritura pública de compra e venda
no prazo de 30 dias de que, contratualmente, dispunha para o efeito
(21.06.2018), o que, salvo melhor opinião, se traduz num
incumprimento definitivo do contrato promessa.
É, pois, irrelevante que a A. mantivesse, ainda, interesse na
aquisição, como nas suas cartas ia declarando à R., pois que, mesmo
mantendo esse interesse, o certo é que não logrou concretizar a
aquisição nos prazos livremente estipulados, nem noutro qualquer
que, diga-se, nunca propôs à R.
Ora, as cláusulas 5.ª e 7.ª, n.º 1 do contrato, conjugadas com toda a
factualidade provada e já referida, não podem ter outra interpretação,
senão a de que as partes pretenderam fixar, desde logo, um prazo
peremptório, absoluto e essencial, decorrido o qual, sem que a
escritura definitiva estivesse realizada por culpa exclusiva da
promitente compradora – se consideraria definitivamente incumprido
o contrato, conferindo-se ao promitente-vendedor o direito de resolver
o contrato-promessa e fazer suas as importâncias entregues ao abrigo
do mesmo, nomeadamente, a título de sinal.
Refira-se que, ao contrário do que parece ser agora defendido pela
A., o n.º 3 da cláusula 5.ª do contrato-promessa não prevê um direito
de resolução por parte da promitente vendedora, mas tão só da
promitente compradora. É isso que decorre da letra do referido n.º 3,
mas, também, sua interpretação sistemática: a resolução do contrato
por iniciativa da promitente vendedora está, isso sim, prevista na
cláusula 7.ª, n.º 1, e conferem-lhe o direito a fazer suas as quantias
recebidas.
3.4. Viu-se já que, no caso dos autos, o prazo de 60 dias previsto no
contrato decorreu sem que tenha sido celebrada a escritura de
compra e venda.
Tendo a A., como se viu, incumprido, definitivamente, o contrato-
promessa, não era, obviamente, necessário que a R. tivesse procedido
à interpelação admonitória (cfr., neste sentido, o acórdão do STJ
supra citado e, ainda, o Ac. da RL de16 .10.2007, proferido no âmbito
do Proc. n.º 7980/2007, in www.dgsi.pt).
Mas, ainda que se entendesse que tal não bastava para que se
considerasse o contrato, definitivamente, incumprido (por o contrato
não excluir a possibilidade de, no termo do prazo inicialmente
estabelecido para a celebração do contrato definitivo -21.06.2018 – a
escritura pública de compra e venda ainda poder ser outorgada, o
que, de resto, foi admitido pela R., embora mediante outras
condições, em 30.05.2018 cfr. n.º 10 do ponto 2.1.) e que a promitente
compradora (a A.) incorreu, apenas, numa situação de mora, sempre
teríamos que a R. procedeu à interpelação da mesma nesse sentido.
Com efeito, no final do termo do prazo, a R. remeteu à A. uma carta
interpelando a para, no prazo de 5 dias, informá-la da data, hora e
cartório para celebração (nesse novo prazo) do contrato definitivo,
sob pena de considerar a sua obrigação definitivamente incumprida.
A A., mais uma vez, deixou claro que não o iria fazer, por, no seu

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entender, não estarem decorridos os prazos contratuais, razão pela


qual a R. comunicou à A. a sua perda de interesse na celebração do
contrato e o incumprimento definitivo do mesmo por parte da A. (por
carta de 16.07.2018).
Repare-se que, só por carta de 02.08.2018 (recebida pela R. em
08.08.2018), veio a A. a comunicar-lhe que lhe foi concedido
financiamento bancário, ou seja, mais de 90 dias após a assinatura
do contrato-promessa e numa altura em que a R. já havia
considerado o contrato definitivamente incumprido.
Ademais, a referida carta da A. nem sequer foi acompanhada da
marcação de data para outorga da escritura pública de compra e
venda, com o deveria nos termos do contrato (cláusula 5.ª, n.º 2). E
não foi porque tal marcação não era ainda possível naquela data, na
medida em que o Banco da A. lhe exigia agora a realização de
registos provisórios de aquisição e hipoteca.
Temos, pois, que a não celebração da escritura pública de compra e
venda, quer na data limite prevista no contrato, quer em data
posterior, se deveu a culpa exclusiva da promitente‑compradora: a
escritura pública não foi outorgada por a A. não estarem condições
de o fazer, por não ter logrado obter financiamento bancário nos
prazos que ela própria considerou suficientes para o efeito e a que se
vinculou e por não ter ou não pretender dispor de capitais próprios
para essa aquisição.
De resto, e quanto às razões que impediram o Banco de conceder o
financiamento no prazo de 30 dias previsto, sabemos, pelo
depoimento inequívoco da testemunha L…, que o Banco nunca se
comprometeu perante a A. a conceder-lhe financiamento ou a dar-lhe
um a resposta a esse respeito no prazo de 30 dias (mas, antes, em 45 a
90 dias, circunstância que a A. omitiu à R.), e que foram a A. ou a
sua consultora imobiliária que se atrasaram na entrega de
documentos essenciais à análise do processo de financiamento.
Certo é que a R. foi e é estranha a esse pedido de financiamento,
nada se tendo apurado, nem decorrendo da factualidade provada, que
indicie sequer a sua culpa ou contribuição para os atrasos do Banco.
Enfim, a R. ainda concedeu à A. a oportunidade de celebrar o
contrato prometido, para além da data limite acordada (5 dias após o
recebimento da carta, ocorrido em 25.06.2018), advertindo-a, todavia,
que, se a escritura pública não fosse celebrada nesse prazo,
consideraria, definitivamente, incumprida a obrigação da R., o que é,
salvo melhor opinião, demonstra a perda do interesse da R. na
celebração do contrato-prometido após essa data.
Ora, dispõe o art. 808.º, n.º 1, do CC, que «se o credor, em
consequência da mora, perder o interesse que tinha na prestação, ou
esta não for realizada dentro do prazo que razoavelmente for fixado
pelo credor, considera-se para todos os efeitos não cumprida a
obrigação».
Como é consabido, a perda do interesse na prestação do devedor deve
ser objectiva e concretamente demonstrada pelo credor (cfr. art. 342.º,
nº 1 do CC), tendo de ser justificada segundo o critério da

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razoabilidade.
Tal perda de interesse deve aferir-se em função da «utilidade que a
prestação teria para o credor, atendendo a elementos susceptíveis de
serem valorados pelo comum das pessoas (e necessariamente à
especificidade dos interesses em causa no concreto negócio jurídico
onde tal apreciação se suscite), devendo mostrar-se justificada
segundo o critério da razoabilidade própria do comum das pessoas»
(cfr., por exemplo, os Acs. do STJ de 07.02.08 e de 18.12.03, in
www.dgsi.pt).
Na aferição da perda do interesse releva, também, a importância do
incumprimento ou a sua gravidade, sendo certo que, na maioria das
vezes, o desaparecimento do interesse do credor na manutenção do
contrato tem a ver com as finalidades de uso ou de troca que o credor
visava conseguir com a prestação.
No caso dos autos, em face da factualidade provada, impõe-se
concluir pela perda objectiva do interesse da R. na manutenção do
contrato-promessa, perda essa de que a A. desde sempre teve
conhecimento (por a R. o ter deixado sem preclaro) e que é
justificativa de tutela jurídica.
3.5. Verificado o incumprimento definitivo do contrato-promessa em
apreço por causa exclusivamente imputável à A., importa agora
apurar das consequências que decorrem deste incumprimento.
Desde logo, assistia à R. o direito de resolver o contrato.
As consequências da extinção do contrato são as previstas
contratualmente (cfr. cláusula 7.ª, n.º 1) e no art. 442.º, n.º 2 do CC: a
faculdade de fazer sua a quantia entregue a título de sinal, que, in
casu ascende a € 18.550,00 (cfr. art. 441.º do CC), sem direito a
qualquer outra indemnização (art. 442.º, n.º 4 do CC).
Soçobra, assim, a ação e procede (ainda que parcialmente) a
reconvenção.»
O nó górdio do presente litígio é a interpretação da cláusula quinta
do contrato‑promessa, na qual se pode ler o seguinte:
«1. A Escritura Pública de Compra e Venda (ou documento particular
autenticado) objecto do presente contrato está condicionada a
financiamento bancário para a aquisição do imóvel referido na
cláusula primeira, cuja resposta deverá ocorrer no prazo máximo de
30 (trinta) dias a contar da data de assinatura do presente contrato.
2. Caso o financiamento bancário venha a ser aprovado, a Escritura
Pública (ou documento particular autenticado) será outorgada, no
prazo máximo de 30 (trinta) dias, devendo a Promitente Compradora
notificar a Promitente Vendedora, via e-mail, através da Mediadora
Imobiliária, expedido com a antecedência mínima de 10 (dez) dias, da
hora e local, para a realização da Escritura Pública (ou documento
particular autenticado).
3. Caso o financiamento não seja concedido, tal implicará a
resolução do presente contrato-promessa, devendo a Promitente
Compradora comunicar tal circunstância à Promitente Vendedora,
no prazo máximo de 30 (trinta) dias a contar da data da assinatura do
presente contrato.

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4. Nesse caso, deverá a Promitente Vendedora devolver as quantias


entregues à Promitente Compradora, sem direito a qualquer tipo de
indemnização por parte da mesma.»
A interpretação dos contratos deve ser efetuada por recurso às
regras comuns de interpretação dos negócios jurídicos, previstas
nos artigos 236.º e ss. do CC.
É natural que os promitentes incluam no contrato-promessa uma
cláusula segundo a qual o cumprimento deve ocorrer até certo
momento.
O significado dessa cláusula deve ser apurado em função do
material interpretativo fornecido pelas partes, da natureza da
promessa, do comportamento ulterior dos promitentes ou de outras
circunstâncias coadjuvantes.
A expressão utilizada na cláusula quinta, n.º 1, («condicionada a
financiamento bancário») - reconduz-nos à figura da condição.
Preceitua o artigo 270.º do CC que «As partes podem subordinar a
um acontecimento futuro e incerto a produção dos efeitos do negócio
jurídico ou a sua resolução: no primeiro caso, diz-se suspensiva a
condição; no segundo, resolutiva».
Como escreveu Ana Afonso, «a aposição de uma cláusula de
condição a um negócio jurídico corresponde ao exercício da
autonomia privada, servindo o interesse dos sujeitos do negócio de se
precaverem quanto à evolução futura de acontecimentos que não
controlam e dos quais depende a mais perfeita concretização dos seus
interesses negociais» (Comentário ao Código Civil, Parte Geral,
Universidade Católica Editora: Lisboa, 2014, p. 661).
Os negócios jurídicos não são imperativamente puros. As partes
podem celebrar contratos sob condição suspensiva ou resolutiva ou
acordar cláusulas acessórias típicas ou atípicas, desde que os
negócios, por sua natureza, não sejam com elas incompatíveis -
artigos 405.º e 271.º, n.º 1, do CC.
Facilmente se compreende o grande alcance prático da condição no
regime do negócio jurídico. É corrente, na vida social, as pessoas
praticarem certos atos para prevenir situações futuras, sobre as
quais há incerteza quanto à sua verificação.
Em tais casos, se a sorte do negócio não fosse deixada na
dependência da verificação desses factos, poderia dai advir uma
situação de desvantagem para um dos contraentes, por eles não
ocorrerem ou tomarem uma configuração de todo imprevisível no
momento da celebração do negócio.
De certo, em algumas hipóteses, o remédio jurídico poderia
encontrar-se no regime dos artigos 437.º a 439.º do CC. Porém, tal
solução pode deixar de fora situações merecedoras de tutela e tem a
desvantagem da complexidade do seu regime e da dificuldade
prática da prova dos pressupostos de facto da sua aplicação.
A inserção da cláusula condicional no negócio afasta essas
dificuldades, além de facultar uma via que, por ser convencional, se
mostrará, em regra, mais ajustada à correta composição dos
interesses em jogo.

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Em anotação ao artigo 270.º do CC, Manuel Pita distingue a


condição suspensiva da condição resolutiva, assim exemplificando:
«Quando a incerteza atinge o início da produção dos efeitos, a
condição diz-se suspensiva. P. ex., se A e B celebram um contrato de
compra e venda de um imóvel, mas convencionam que os seus efeitos
só se produzem se o comprador conseguir financiamento bancário
para a construção de uma moradia nesse local, os efeitos da compra e
venda ficam suspensos da ocorrência no futuro do empréstimo
bancário: a condição é suspensiva.
A incerteza pode incidir sobre a continuação dos efeitos que o
negócio começou a produzir, caso em que se diz resolutiva. O
comprador e o vendedor poderiam ter acordado que o negócio
começaria a produzir efeitos, pagando o comprador imediatamente
metade do preço e adquirindo a propriedade, de forma a poder
negociar mais facilmente o empréstimo bancário, mas estipulando
que a compra e venda ficaria sem efeito se o empréstimo não fosse
obtido no prazo de três meses. Neste caso, a compra e venda começou
a produzir efeitos desde a celebração, mas esses efeitos podem ser
destruídos se o acontecimento futuro incerto não se verificar: a
condição é resolutiva.» (Código Civil Anotado, Coord. Ana Prata,
Vol. I, 2.ª ed. rev. e atualizada, Coimbra: Almedina, 2019, pp. 362 e
362).
Uma das características da condição resolutiva é a de que,
verificada a condição, o efeito resolutivo surge «eficaz, efectivado,
no plano jurídico: de forma automática, ipso juris, de conhecimento
ex officio e de modo absoluto ou real. Isto é, independentemente de
qualquer vontade das partes (a favor ou contra)» (Durval Ferreira,
in Negócio Jurídico Condicional, Coimbra: Almedina, 1998, p. 189).
Os efeitos da verificação da condição resolutiva retrotraem-se à
data da conclusão do negócio, nos termos do artigo 276.º do CC, o
que significa que, «na hipótese de a condição ser resolutiva, os
efeitos do negócio condicionado consideram-se destruídos desde a
data da respectiva conclusão, ou seja, tudo se passa como se o
negócio nunca se tivesse celebrado» (Ana Afonso, obra citada, p.
678).
A par da resolução legal, a lei admite que, por convenção, as partes
atribuam a uma delas (ou a ambas) o direito de resolver o contrato,
verificado que seja o não cumprimento puro e simples, ou o não
cumprimento nos termos devidos, de uma ou mais obrigações dele
resultantes.
A esta estipulação contratual dá-se o nome de cláusula resolutiva
expressa.
O fundamento legal da resolução convencional assenta nos artigos
406.º, n.º 1, e 432.º, n.º 1, do CC.
Citando Daniela Farto Baptista, «A cláusula resolutiva distingue-se
da condição resolutiva: a primeira, enquanto fonte de um direito
potestativo de extinção retroativa da relação contratual, apenas
confere ao beneficiário o poder de resolver o contrato uma vez
verificado o facto por ela descrito, a segunda determina a imediata

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destruição da relação contratual assim que o facto futuro e incerto se


verifica. Acresce que a resolução tem, em regra, apenas eficácia
retroativa entre as partes e a verificação da condição resolutiva tem,
também em regra, eficácia retroativa plena (artigo 274.º, n.º 1)»
(Comentário ao Código Civil, Direito das Obrigações, Das
Obrigações em Geral, Universidade Católica Editora: Lisboa, 2018,
p. 138, nota 12).
A condição, em sentido próprio, tem por fonte uma cláusula
acessória do negócio.
Assim, para haver verdadeira condição, ela há de resultar de
estipulação das partes.
Acontece, porém, que por vezes é a lei que condiciona os efeitos do
negócio a um evento futuro e incerto.
Atenta a afinidade entre esta situação e a que se verifica na
condição, fala-se ainda a este respeito em condição legal (artigos
1716.º, 1760.º, n.º 1, alínea a), 2317.º, alínea a), do CC).
Em rigor, atendendo à sua fonte, também esta condição não é
própria.
Uma modalidade de condição legal que a doutrina costuma
destacar, nesta matéria, é a chamada condição resolutiva tácita.
Nos seus termos, se num contrato sinalagmático uma das partes
não cumprir, pode a outra resolvê-lo, fazendo assim cessar a sua
eficácia, nos termos dos artigos 801.º, n.º 2, e 808.º, n.º 1, do CC.
Note-se que esta resolução não ocorre ipso iure: o contraente não
faltoso tem apenas o direito potestativo de resolver o negócio.
Descendo ao caso concreto, à luz das considerações expendidas, a
análise do n.º 3 da cláusula quinta permite-nos concluir que as
partes estabeleceram uma condição resolutiva do contrato,
conectada com um evento futuro e incerto: a concessão do dito
financiamento bancário, no prazo de 30 dias.
Por seu turno, a cláusula sétima do contrato-promessa contém uma
condição resolutiva tácita, ao remeter para os termos gerais dos
artigos 442.º (relativa ao funcionamento do sinal no contrato-
promessa) e 830.º (atinente à execução específica do contrato-
promessa) do CC.
A expressão utilizada na cláusula quinta, n.º 3, «implica a
resolução» não pode ser analisada à letra, remetendo sem mais
para o conceito de cláusula resolutiva expressa estipulada ao abrigo
do artigo 432.º, n.º 1, do CC.
Na verdade, as condições resolutivas são aquelas em que a
verificação do facto condicionante determina a cessação da eficácia
do negócio ou da parte negócio condicionado. A própria letra do
artigo 270.º do CC determina a «resolução» do negócio.
Em anotação a este preceito, Antunes Varela e Pires de Lima
esclarecem que «A lei fala intencionalmente na resolução — e não
apenas na cessação — dos efeitos do negócio, visto a verificação da
condição ter, como regra, efeito retroactivo (art. 276.º)» (Código Civil
Anotado, Vol. I, 2.ª ed. rev. e atual., Coimbra Editora: Coimbra, p.
233, nota 3).

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Atentemos melhor na redação da cláusula quinta, n.º 3, do


contrato-promessa (sem olvidar a posição das vírgulas aí apostas):
«3. Caso o financiamento não seja concedido, tal implicará a
resolução do presente contrato-promessa, devendo a Promitente
Compradora comunicar tal circunstância à Promitente Vendedora,
no prazo máximo de 30 (trinta) dias a contar da data da assinatura do
presente contrato.»
Constata-se que foi estabelecida uma condição resolutiva de
momento certo - incertus an, certus quando (sobre a figura das
condições de momento certo, admitida pela doutrina em geral, vide
António Menezes Cordeiro, in Tratado de Direito Civil, Tomo I,
Parte Geral, p. 511).
É uma extrapolação do acordado entre as partes a consideração da
Apelante no sentido de não haver um prazo certo para a
verificação da condição.
Milita no sentido desta interpretação a factualidade provada sob os
pontos 48 a 52, os quais aqui reproduzimos:
48. No dia da assinatura do contrato promessa de compra e venda
(21.4.2018), nas instalações da K…, a Ré foi surpreendida com o
pedido da Autora para tal prazo ser dilatado por mais 15 dias, ou
seja, no limite global de 60 dias.
49. A Ré acabou por aceitar o prazo máximo de 60 dias, após a
assinatura do contrato promessa, para a celebração da escritura
pública.
50. Tendo, contudo, deixado bem claro que tal prazo não podia de
todo ser prorrogado pois tinha assumido vários compromissos
financeiros.
51. A Autora referiu que o prazo de mais 15 dias, para além do
inicialmente proposto, se tratava somente de precaução.
52. Foi só por esse motivo que no contrato promessa de compra e
venda foi estipulada a cláusula referida no n.º 5 dos factos
provados.
A conjugação do teor da cláusula com esta factualidade conduz-nos
inexoravelmente ao significado de que, nesta condição resolutiva de
momento certo, a expressão «caso o financiamento não seja
concedido» abrange quer a falta de aprovação do empréstimo
bancário quer a ultrapassagem do prazo sem que tal aprovação
tenha ocorrido, como bem observou o Tribunal recorrido na
sentença em análise.
Como vimos, a expressão «implica a resolução do contrato» não
significa um afastamento da regra do funcionamento automático da
condição resolutiva.
Perguntar-se-á:
Então o que significa o dever de a promitente-compradora
«comunicar tal circunstância à Promitente Vendedora, no prazo
máximo de 30 (trinta) dias a contar da data da assinatura do presente
contrato»?
Comunicar o quê?
A resolução do contrato?

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Ou a circunstância da não concessão de financiamento no prazo de


30 dias?
Sem dúvida que, pela posição das vírgulas e o sentido que a lei
atribui a uma condição resolutiva, é a última hipótese a que
consideramos a leitura correta da cláusula.
O que se conjuga perfeitamente com o n.º 4 da cláusula quinta e a
sua consequência da devolução das quantias entregues à
Promitente-Compradora:
«4. Nesse caso [«Caso o financiamento não seja concedido»], deverá
a Promitente Vendedora devolver as quantias entregues à Promitente
Compradora, sem direito a qualquer tipo de indemnização por parte
da mesma.»
Ainda que as partes não tenham enveredado por esta interpretação
do contrato, quiçá por não terem perdido de imediato o interesse
no contrato, avaliado em termos objetivos segundo o artigo 808.º,
n.º 2, do Código Civil, o seu comportamento posterior não invalida
a qualificação jurídica livre dos factos e, sobretudo, das cláusulas
contratuais redigidas pelas partes (cf. artigo 5.º, n.º 3, do CPC).
Como se evidencia na factualidade provada, após o esgotamento
dos 30 dias do prazo para a aprovação do crédito, as partes nada
fizeram quanto ao «destino» do contrato.
Após o prazo de 30 dias para a aprovação do financiamento
bancário, e antes do decurso do prazo de 30 dias para a realização
da escritura pública, nem a Autora nem a Ré declararam que
consideravam findo o contrato na sua troca de correspondência.
E ainda que após o decurso do «prazo global» de 60 dias previsto
na cláusula quinta tenham prosseguido as diligências por banda da
promitente-compradora, com vista à obtenção do empréstimo, já
tinha operado a condição resolutiva que extinguira as respetivas
obrigações.
O que significa que a promitente-vendedora, nessa circunstância,
ficou automaticamente desvinculada do cumprimento da sua
obrigação de transmissão da propriedade do imóvel em favor da
Autora, podendo dele dispor como muito bem entendesse (o que
que veio a suceder pela celebração de contrato de compra e venda
com terceiro em 13.9.2018, depois de celebrado contrato‑promessa
em 11.7.2018).
Neste particular, seguimos de perto o entendimento do acórdão do
TRL de 28.10.2014 (p. 2939/10.6TBCDL. L1-7, www.dgsi.pt), numa
situação em que também estava em causa a interpretação e a
aplicação de uma cláusula resolutiva de um contrato‑promessa
relacionada com financiamento bancário.
Quanto às diligências que prosseguiram, não obstante a verificação
da condição, escreveu-se o seguinte:
«O cumprimento deste clausulado seria obviamente temperado pelo
imperativo da lisura e lealdade do comportamento negocial dos
celebrantes exigível em conformidade com os ditames gerais da boa
fé (artigo 762º, nº 1 do Código Civil).
Sempre poderiam as partes, usando de boa vontade e compreensão

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recíproca, celebrarem a escritura prometida, não obstante a


verificação da condição resolutiva [sendo certo que, em qualquer
circunstância, as obrigações principais do contrato-promessa se
extinguem com a celebração do contrato prometido].»
Nem se diga que a presente cláusula foi estabelecida apenas em
benefício da promitente-compradora, solução para que aponta a
sentença recorrida.
A cláusula beneficiava a promitente-compradora na medida em
que a colocava a salvo da perda do sinal.
Mas favorecia também a promitente-vendedora, na medida em
que, passados os ditos 30 dias sem a aprovação do empréstimo,
poderia proceder à rentabilização do imóvel ou à sua venda a
terceiros.
Acontece que o empréstimo bancário só foi aprovado no dia
31.7.2018, quando o prazo de 30 dias terminara no dia 21.5.2018 e
também já se esgotara o prazo de 60 dias, que cessara a 21.6.2018.
Atente-se na relevância deste «prazo global» para a
promitente‑vendedora a qual, como decorre do facto 50., deixou
bem claro que o prazo de 60 dias não podia de todo ser prorrogado,
pois tinha assumido vários compromissos financeiros.
Na verdade, o prazo findou a 21.5.2018 e a Autora comunicou no
dia 28.5.2018 à agente imobiliária, por e-mail, que «o processo de
aprovação bancária encontra‑se atrasado», tendo ainda proposto o
seguinte: «aditamento ao contrato, com a data de escritura provável
que o banco nos indicou: 31-07-2018. Como prova da nossa boa-fé,
propomos que na data de assinatura do aditamento seja pago por nós
um reforço de sinal, no valor de 5% do valor do imóvel, ou seja
€9250» (ponto 8.).
Por seu turno, a Ré recusou tal proposta (ponto 9.) e, no dia
30.5.2018, propôs à Autora assinar um aditamento ao acordo
referido no n.º 2, desde que o mesmo consagrasse a alteração do
preço em mais 5 000,00 € e a escritura pública de compra e venda
fosse, impreterivelmente, outorgada até ao dia 30.6.2018 (ponto
10.).
No fim do prazo de 60 dias, a Autora remeteu à Ré uma carta
registada com aviso de receção, datada de 21.6.2018, recebida no
dia 25.6.2018, pela qual informa que o processo de financiamento
bancário ainda está em análise, junta um documento comprovativo
dessa situação e manifesta o entendimento de que o prazo para a
realização da escritura de compra e venda não se iniciou (ponto
11.).
Insatisfeita com a situação, a Ré remeteu à Autora uma carta sob
registo e aviso de receção, datada de 21.6.2018 e recebida no dia
25.6.2018, a interpelar a Autora, numa denominada «atitude de
total boa fé» para, no prazo de 5 dias, informar a data, hora e
Cartório Notarial onde se irá realizar a escritura pública de
compra e venda prometida (ou documento particular autenticado),
ainda que não tenha deixado de considerar estar definitivamente
incumprido o mesmo, com as consequências previstas na cláusula

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sétima do contrato (ponto 12.).


Dispensamo-nos de reproduzir a restante correspondência trocada
entre as partes, mencionadas nos pontos 13. a 19., nas quais a Ré
insiste pelo incumprimento definitivo do contrato pela Autora e
esta persiste no entendimento de que tudo depende ainda do
financiamento bancário, acabando por informar que este foi
concedido no dia 31.7.2018.
Ora, não obstante todo o tempo decorrido e esta troca de
correspondência entre as partes, não resulta da cláusula quinta, n.º
3, que, após o decurso dos prazos aí estabelecidos, a promitente-
compradora deixasse de poder beneficiar da possibilidade de
restituição do sinal, por via do funcionamento desta condição
resolutiva.
Uma vez que estamos perante uma condição resolutiva com
momento certo, passado o prazo estipulado pelas partes para se
tenha verificado a aprovação do financiamento, existiu a certeza da
verificação da condição negativa.
A verificação da condição torna o negócio definitivamente ineficaz,
na condição resolutiva.
Este efeito é automático, não estando dependente nem de
comunicação à outra parte nem de declaração judicial.
Diz-nos a Apelada que a Autora não respeitou o prazo de 30 dias
para comunicar a falta do financiamento, pelo que está excluída tal
possibilidade.
Para além de esta consequência não resultar da leitura da cláusula,
esta interpretação é excessiva atendendo a que o prazo findou a
21.5.2018 e a Autora comunicou não haver aprovação ainda no dia
28.5.2018, ou seja, dentro do relevante «prazo global» de 60 dias.
Preceitua o artigo 275.º, n.º 2, do CC que «Se a verificação da
condição for impedida, contra as regras da boa fé, por aquele a quem
prejudica, tem‑se por verificada; se for provocada, nos mesmo
termos, por aquele a quem aproveita, considera-se como não
verificada».
Este preceito sanciona a interferência no respetivo processo causal,
em termos que contrariem a boa-fé, dos beneficiados ou
prejudicados com a ocorrência da condição. A boa-fé deve ser
entendida em sentido objetivo, como regra de conduta, traduzindo-
se a sua violação num comportamento desleal sem consideração dos
interesses da parte contrária.
Como anotaram Antunes Varela e Pires de Lima (obra citada, p.
236), «A doutrina do n.º 2 é uma consequência da regra geral
expressa no artigo 272.º. A boa fé tem aqui um sentido ético,
semelhante ao que tem no artigo 227.º.»
A solução não é clara nos contratos bilaterais e onerosos, pois,
aparentemente, ambos os contraentes se podem considerar
beneficiados e prejudicados.
Poderá concluir-se que, atendendo aos interesses opostos de ambas
as partes, a regra deste preceito não é aplicável na compra e venda
e, em geral, nos contratos bilaterais?

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Aderimos ao pensamento de Menezes Cordeiro, quanto afirma que


essa consequência não pode ser admitida; por isso, esta norma deve
ser interpretada como estabelecendo que «nunca nenhuma das
partes pode, contra a boa-fé, impedir ou provocar condições»; como
consequência, aquele que, violando os ditames da boa-fé, provocar
a realização da condição não poderá aproveitar-se dessa
circunstância e ficará sujeito aos efeitos da não realização da
condição; ao invés, aquele que, nos mesmos termos, impedir a
realização da condição será sancionado com os efeitos da sua
verificação (A. Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil, Parte
Geral, T. I, 3.ª ed., 2005, p. 725).
Revertendo ao caso em apreço, nada na factualidade provada
indica que a Autora afrontou os ditames da boa-fé provocando a
realização da condição, ou seja, a não concessão de financiamento
no prazo estipulado.
Porém, o preceito em apreço assenta na ficção de considerar iguais
duas situações materialmente diferentes: na realidade dos factos, a
condição não se verificou e a lei considera-a realizada; na realidade
dos factos, a condição realizou-se e a lei considera-a como não
verificada.
O que significa que não é possível a aplicação automática desta
regra que, sendo uma sanção civil, precisa de ser invocada por
aquele a quem aproveita.
Concordamos, pois, com Ana Afonso, quando explica que «acionar
a fictio iuris encontra-se, pois, na disponibilidade da parte inocente,
que terá a faculdade de optar entre desencadear a aplicação deste
mecanismo ou resolver o contrato e exigir uma indemnização pelo
inadimplemento da contraparte» (in Comentário ao Código Civil,
Parte Geral, Universidade Católica Editora: Lisboa, 2014, p. 676).
No mesmo sentido se pronunciou Manuel Pita, in Código Civil
Anotado, Coord. Ana Prata, Vol. I, obra citada, pp. 366 e 367).
Ainda segundo esta Autora, «Recai sobre aquele que acione a
consequência do artigo 275.º, n.º 2, o encargo de provar, quer a
interferência da contraparte no curso do evento condicionante, quer
também que esta interferência configura atuação contrária à boa fé,
conforme decorre das regras gerais de distribuição do ónus
probatório. Em contrapartida, já não lhe é exigível a prova (negativa)
de que, sem a interferência da contraparte, a condição se teria
certamente verificado (ou não verificado), bastando que demonstre
que a interferência da contraparte é causalmente apta a perturbar de
modo relevante (o texto da lei alude a “impedir” ou “provocar”) o
processo de preenchimento da condição.» (ibidem).
Na situação sub judice, constata-se que a Ré não acionou esta
sanção civil nem optou pela resolução do contrato por
incumprimento com fundamento na interferência ou perturbação
relevante da Autora na verificação da condição resolutiva.
É certo que a Ré enviou à Autora uma carta registada com aviso de
receção no último dia do prazo global de 60 dias, em que considera
o contrato incumprido e concede à promitente-compradora ainda

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um prazo de cinco dias para marcar a escritura pública do


contrato de compra e venda (ponto 12.).
Porém, o fundamento invocado para o incumprimento definitivo é
outro: terem sido ultrapassados os prazos essenciais estipulados no
contrato-promessa.
Reiteramos que, ainda que se considerasse acionada a sanção civil
do artigo 275.º, n.º 2, do Código Civil, ou que o estatuído no
preceito não carecesse de invocação, não foi dada como provada
qualquer conduta da promitente-compradora contrária à boa-fé
que, pela sua gravidade e relevância, pudesse ser considerada como
geradora da verificação da condição.
Assim, recordemos a matéria de facto provada com relevo neste
particular:
29. No início de abril de 2018, a Autora tomou conhecimento que se
encontrava à venda a fração autónoma correspondente ao terceiro
andar direito do prédio sita na rua M…, n.º …, em Lisboa,
pertencente à Ré.
30. A Autora manifestou junto da K… (B… Mediação Imobiliária,
Lda.) interesse na aquisição dessa fração e visitou-a.
31. E, de imediato, averiguou junto do Banco S… da possibilidade
de financiamento bancário para aquisição dessa fração.
37. No dia 19.4.2018, a Autora enviou ao seu gestor bancário os
documentos que constam dos e-mails cujas cópias se encontram a
fls. 11 a 14, que se dão por reproduzidos.
38. O sócio-gerente da Autora contactou, por diversas vezes, o
Banco S…, através de contactos telefónicos, e-mails e
presencialmente, para saber do estado do processo de
financiamento bancário.
39. A Ré foi sendo regularmente informada sobre a evolução do
processo de financiamento, através dos respetivos mediadores
imobiliários.
Não ficou provado que:
o) que só no final do mês de maio de 2018 e após goradas as suas
expetativas de conclusão do outro negócio, é que a Autora tenha
iniciado as diligências para que lhe fosse concedido financiamento
bancário para aquisição da fração objeto do acordo referido no n.º
2.
p) que, na sequência do que consta do n.º 53, a Autora tenha apenas
deixado correr o tempo sem prestar qualquer informação à Ré.
Lê-se na sentença recorrida que:
« De resto, e quanto às razões que impediram o Banco de conceder o
financiamento no prazo de 30 dias previsto, sabemos, pelo
depoimento inequívoco da testemunha L…, que o Banco nunca se
comprometeu perante a A. a conceder-lhe financiamento ou a dar-lhe
um a resposta a esse respeito no prazo de 30 dias (mas, antes, em 45 a
90 dias, circunstância que a A. omitiu à R.), e que foram a A. ou a
sua consultora imobiliária que se atrasaram na entrega de
documentos essenciais à análise do processo de financiamento.»
Para além de ter sido enxertada motivação da decisão sobre a

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matéria de facto fora do seu contexto, na fundamentação de direito,


o mencionado atraso na entrega de documentos essenciais não foi,
como vimos, alegado nos articulados e não figura de forma válida
no elenco dos factos provados, pelo que deve ser desconsiderado.
        
Na jurisprudência dos tribunais superiores foram apreciadas
cláusulas de contratos‑promessa do prisma da figura da condição,
exemplificativamente, nos acórdãos do STJ de 10.12.2019 (p. 312-
C/2000.C1-A.S1) e de 22.2.2017 (p. 2302/12.4TBALM.L1.S1), do
TRL de 26.12.2015 (p. 1646/08.4TJLSB.L1-2) e do TRG de 1.2.2018
(p. 69/16.6T8MNC.G1), todos disponíveis em www.dgsi.pt. Já nos
acórdãos do STJ de 13.1.2015 (p. 36/12.9TVLSB.L1.S1) e do TRL
de 11.7.2013 (p. 22310/11.1T2SNT.L1-2), ambos consultáveis em
www.dgsi.pt, as cláusulas contratuais dos contratos-promessa
configuravam cláusulas resolutivas expressas.
 A não aprovação do empréstimo no prazo de 30 dias fez operar a
condição resolutiva do negócio, extinguindo os respetivos efeitos,
sem penalização para a promitente-compradora.
A Autora não tem direito ao sinal em dobro, nos termos da cláusula
sétima, n.º 2, do contrato-promessa e do artigo 442.º, n.º 2, do CC,
pois nunca a Ré poderia incorrer em incumprimento de um
contrato que já se tinha automaticamente «resolvido» pela
verificação de uma condição.
Assiste-lhe, portanto, o direito à restituição do sinal, o que é um
menos relativamente ao pedido de devolução do sinal em dobro,
estando ainda respeitado o princípio do pedido – cf. artigo do 609.º,
n.º 1, do CPC.
Aqui chegados, torna-se também claro que por efeito da extinção
automática do contrato-promessa celebrado não se pode aqui
reconhecer a pretensão reconvencional da Ré, que se fundava num
alegado incumprimento do contrato imputável à Autora, sem
respaldo no contrato-promessa e demais factos provados.
Registe-se que a questão da verificação da condição resolutiva e a
problemática da resolução do contrato fundada em incumprimento
do contrato estão interligadas.
Na verdade, é pacífico que só se pode resolver um contrato que
ainda se mostre em vigor entre as partes contraentes. Não se pode
tornar operativa a resolução do contrato comunicada quando o
contrato é nulo ou já tenha sido validamente resolvido ou já se
mostre extinto, por verificação de uma condição resolutiva, como
no caso em apreço.
E isto porque os efeitos da resolução válida do contrato são
equiparados à nulidade ou anulabilidade do negócio jurídico
(artigo 433.º do CC), designadamente quanto à retroatividade
(artigo 434.º do CC) e os efeitos em relação a terceiros (artigo 435.º
do CC).
Nessa medida, mesmo que a Ré lograsse provar o incumprimento
por parte da Autora, sempre a resolução do contrato, que nele se
fundasse, encontraria obstáculo na impossibilidade dessa

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declaração de resolução operar os seus efeitos, face à prévia


extinção automática do contrato derivada da verificação da
condição resolutiva expressamente estipulada pelas partes no
contrato-promessa celebrado.
Ou seja, verificando-se a condição resolutiva, nunca a conduta da
Autora de não outorga da escritura pública definitiva (que
consubstanciaria o incumprimento definitivo, na tese da Ré),
poderia fundamentar o exercício válido do direito de resolução por
parte desta, já que, como se referiu, não se pode tornar operativa a
resolução do contrato comunicada quando o contrato já se mostre
extinto por verificação de uma condição resolutiva.
Do sentido da decisão e das custas
Em face dos fundamentos de facto e de Direito supra explanados, o
recurso de apelação interposto pela Autora deve proceder
parcialmente e, em consequência, a sentença recorrida deve ser
revogada e substituída por outra que julgue a ação parcialmente
procedente e a reconvenção totalmente improcedente e, em
consequência, condene a Ré a restituir à Autora o sinal prestado, no
valor de 18 500,00 € (e não o sinal em dobro).
Tendo ficado vencidas ambas as partes, as custas na ação ficam a
cargo da Autora e da Ré, na proporção do decaimento, as custas da
reconvenção são da responsabilidade da Ré e as custas no recurso
são pagas por ambas as partes, também na proporção do
decaimento - artigos 527.º, 529.º e 607.º, n.º 6, e 663.º, n.º 2, do CPC.
*
IV - Decisão
Nestes termos, decide-se julgar o recurso de apelação parcialmente
procedente e, em consequência,
a) Revoga-se a sentença recorrida;
b) Substitui-se por outra que julga a ação parcialmente procedente,
condena a Ré a devolver à Autora o sinal no valor de 18 500,00 €
(dezoito mil e quinhentos euros), absolve a Ré do demais
peticionado e absolve a Autora do pedido reconvencional;
b) Condena-se a Recorrente e a Recorrida no pagamento das custas
da ação e do recurso, na proporção do respetivo decaimento, e a
Recorrida no pagamento das custas da reconvenção.
*
Lisboa, 15 de abril de 2021
Gabriela Cunha Rodrigues
Arlindo Crua
António Moreira

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