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30/10/23, 10:35 Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra

Acórdãos TRC Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra


Processo: 229191/11.0YIPRT.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JOSÉ AVELINO GONÇALVES
Descritores: PRESCRIÇÃO PRESUNTIVA
JUROS
Data do Acordão: 10-12-2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZOS CÍVEIS DE COIMBRA - 1º JUÍZO CÍVEL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE REVOGADA
Legislação Nacional: ARTºS 310º, AL. D); 316º, 317º E 561º DO C. CIVIL.
Sumário: I. As prescrições dos arts. 316º e 317º, ambos do Código Civil, são
prescrições de curto prazo, de natureza presuntiva, visto que se
fundam na presunção do cumprimento, presunção que pode ser
ilidida pelo credor, embora só por via de confissão do devedor.
II. O efeito da prescrição presuntiva não é, propriamente, a
extinção da obrigação, mas antes a inversão do ónus da prova que
deixa de onerar o devedor que, por isso, não tem de provar o
pagamento, para ficar a cargo do credor, que terá de demonstrar o
não pagamento - e só por confissão do devedor, que pode ser
extrajudicial, e nesse caso, só releva se for escrita, ou pode ser
também judicial, caso em que tanto vale a confissão expressa como
a tácita (considerando-se, neste contexto, confessada a dívida, se o
devedor se recusar a depor ou a prestar juramento em tribunal, ou
praticar em juízo actos incompatíveis com a presunção de
cumprimento).
III. Atenta a especial natureza deste tipo de prescrição não basta
invocá-la, sendo ainda necessário que quem dela pretenda
prevalecer-se alegue expressamente o pagamento, ainda que não
tenha de o provar, ou pelo menos não pode alegar factualidade
incompatível com a presunção de pagamento, sob pena de ilidir a
presunção.
IV. A obrigação de juros, num primeiro momento - antes da sua
constituição - depende da obrigação pecuniária principal, podendo,
uma vez constituído, autonomizar-se, nos casos previstos na lei.
Desde que a obrigação de juros se constitui, lê-se no artigo 561º do
Código Civil, “o crédito de juros não fica necessariamente
dependente do crédito principal, podendo qualquer deles ser cedido
ou extinguir-se sem o outro”.
O legislador permite que, depois de nascido, o crédito de juros
possa vir a ter vida autónoma.
V. Por isso, o artigo 310º, al. d) do Código Civil contém uma das
imposições legais que consagra a autonomia da obrigação de juros
em relação à obrigação principal, no que toca aos prazos de
prescrição que estabelece para uma e outra.

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VI. Ou seja, completada a prescrição, tem o beneficiário,


acobertado pela norma do artigo 304º, a faculdade de recusar o
cumprimento da prestação ou de se opor, por qualquer modo, ao
exercício do direito prescrito – esta norma mostra que a prescrição
não suprime nem extingue o direito prescrito, o qual se transforma
numa obrigação natural.
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes da 3.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

1.Relatório
A autora I…, Lda, com domicílio na …, instaurou processo especial de injunção contra a
ré R…, Lda, com domicílio na Rua …, para desta haver a quantia de € 6.925,99 - sendo €
3.932,76 de capital, € 2.981,23 de juros vencidos e ainda € 102 de taxa de justiça paga.
Alega que presta serviços na área da construção civil e outros e, na sequência dessa
actividade, a solicitação da requerida, executou diversos serviços, com fornecimento de
material, no valor de € 3.932,76 (três mil novecentos e trinta e dois euros e setenta e seis
cêntimos).
Apesar de instada para proceder ao pagamento desta quantia, a requerida até à presente
data nada pagou.
A ré deduziu oposição.
Alega, em síntese, que não existe qualquer dívida da requerida para com a requerente.
A requerente prestou serviços à requerida, maus serviços, que foram devidamente
reclamados.
Reclamações essas, nunca satisfeitas, levando a que a requerida a expensas suas
tivesse de ser ela a resolver os problemas suscitados pela má intervenção da requerente
e desta forma tivesse ficado desapossada do valor em causa e com um prejuízo inerente,
valor que a requerente nunca quis suportar, mas que deve ser da sua responsabilidade.
A requerida sempre cumpriu as suas obrigações para com a requerente, já o contrário
não sendo verdade. Já quanto às pretensas solicitações da requerente, estas não são do
conhecimento da requerida, talvez por nada dever ou por nada haver a reclamar de
valores. Acresce que a prestação de serviços, entre Novembro de 2003 e Março de 2004,
ou seja há cerca de 8 anos, já foi objecto de prescrição e motivo pelo qual, se existisse,
nem seria devido qualquer valor. Por outro lado ainda, como refere a requerente, e são
afirmações suas logo aceites como confissão e irretractáveis, o contrato data de 13-11-
2003, o que se aceita, logo como se podem estar a peticionar facturas de 28/08/2003 (n.º
103) e de 14/10/2003 (n.º 130), anteriores ao contrato que serve de suporte ao
peticionado.
E não se pode aceitar que o contrato se estenda até 18/08/2011, se a última factura
reclamada é de 25/02/2004 e se não existem desde essa data, mais relações entre as
empresas, por força do mau trabalho realizado pela requerente.
Do mesmo modo e em consequência, não se podem aceitar os juros peticionados, por
não haver capital em dívida, nem os mesmos estariam, de qualquer forma, conformes por
estarem a ser contabilizados para além do que a lei permite.
Em sede de audiência, a autora rectificou as datas de adjudicação das obras e
pronunciou-se sobre a prescrição do direito do crédito da autora - alegando que o direito
de crédito aqui peticionado não integra os prazos especiais de prescrição previstos nos
artigos 310º e 311º do Código Civil, nem os prazos presuntivos e consignados nos artigos
312º a 317º do Código Civil.
Assim, ter-se-á que aplicar o prazo ordinário de prescrição de 20 anos, aplicável à
generalidade dos direitos prescritivos, na ausência de regra especial.
O direito de crédito da autora sobre a ré não se encontra abrangido por nenhum dos
casos especiais consagrados pelo legislador, pelo que deverá improceder a alegada
excepção de prescrição.
No final, pela pena da Sr.ª Juiz do 1º Juízo Cível de Coimbra, foi proferida a seguinte
decisão:
“Pelo exposto, julgo a presente acção procedente, termos em que decido condenar a ré a
pagar à autora a quantia de € 3.932,76 (três mil, novecentos e trinta e dois euros e
setenta e seis cêntimos) a título de capital em dívida, acrescida de juros de mora
vencidos e vincendos a partir da data de vencimento de cada uma das referidas facturas
sobre o montante respectivo até efectivo e integral pagamento, à taxa anual supletiva
aplicável aos créditos de que são titulares empresas comerciais.”.
2.O Objecto da instância de recurso
Este, acha-se delimitado pelas alegações da apelante, “R…, LDA., que formula as
seguintes conclusões:

A apelada, I…, Lda, requerente no processo à margem referenciado, respondeu ao
recurso.
São estes os Pontos da instância de recurso trazida a este Tribunal pela apelante “R…,
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LDA.:
i. Se e em que medida, da matéria de direito dada como provada, se pode concluir pela
improcedência da excepção da prescrição invocada pela Ré.
ii. Se e em que medida da matéria dada como provada, se pode concluir, de igual modo,
pela improcedência da excepção da prescrição invocada pela Ré para a factura
respeitante à aquisição de material.
iii.E se e em que medida da matéria dada como provada se pode concluir pelo
pagamento de juros de mora vencidos a partir da data de vencimento de cada uma das
referidas facturas sobre o montante.
As partes não colocam em causa a matéria de facto fixada pela 1.ª instância.
Do que a recorrente se queixa é a interpretação feita pelo Tribunal de Coimbra acerca da
qualificação do(s) contrato(s) em causa nestes autos e da (não ) alegação do pagamento
da divida.
Como todos sabemos – por isso vamos ser práticos e objectivos -, as prescrições dos
arts. 316.º e 317.º do Código Civil são prescrições de curto prazo, de natureza
presuntiva, visto que se fundam na presunção do cumprimento, presunção que pode ser
ilidida pelo credor, embora só por via de confissão do devedor.
Como ensina Manuel de Andrade - Teoria Geral da Relação Jurídica – II- 452 -, a lei
“...estabeleceu curtos prazos para a prescrição dos créditos do merceeiro, do hoteleiro,
do advogado, do procurador etc., etc., porque se trata de créditos que o credor adquire
pelo exercício da sua profissão, da qual vive. Ao fim de um prazo relativamente curto o
credor, em regra, exige o seu crédito, pois precisa do seu montante para viver. Por outro
lado, o devedor, em regra, também paga estas dívidas dentro de curto prazo, porque são
dívidas que contraiu para prover às suas necessidades mais urgentes”.
O efeito da prescrição presuntiva não é, propriamente, a extinção da obrigação, mas
antes a inversão do ónus da prova que deixa de onerar o devedor que, por isso, não tem
de provar o pagamento, para ficar a cargo do credor, que terá de demonstrar o não
pagamento - e só por confissão do devedor, que pode ser extrajudicial, e nesse caso, só
releva se for escrita, ou pode ser também judicial, caso em que tanto vale a confissão
expressa como a tácita (considerando-se, neste contexto, confessada a dívida, se o
devedor se recusar a depor ou a prestar juramento em tribunal, ou praticar em juízo actos
incompatíveis com a presunção de cumprimento) -.
Atenta a especial natureza deste tipo de prescrição, não basta invocá-la, sendo ainda
necessário que, quem dela pretenda prevalecer-se, alegue o pagamento, ainda que não
tenha de o provar, ou pelo menos, não pode alegar factualidade incompatível com a
presunção de pagamento, sob pena de ilidir a presunção.
Mais, não abrangem outras formas de extinção dos créditos a que se referem, senão a
que decorre do pagamento desses créditos.
Como se escreve no Acórdão do STJ de 8.5.2013, retirado do site www.dgsi.pt. –, “Dito
por outras palavras, decorridos os prazos prescricionais presume-se o pagamento de tais
créditos, mas não se presume a extinção desses créditos por via da compensação, da
novação, da remissão, etc. ( ...) Na verdade, se é normal na vida real de relação, que os
créditos a que se referem os preceitos citados, sejam pagos em curto espaço de tempo,
muitas vezes sem a exigência de recibos, ou sem a preocupação de os guardar por
longos períodos, já nada tem de normal ou habitual que tal tipo de créditos se extingam
por compensação ou por qualquer das outras formas reguladas no capítulo VIII (Art.º 837º
e seg.) do C.C.”.
A decisão da 1.ª instância rejeitou a excepção da prescrição presuntiva, referindo que a
recorrente não disse expressamente que pagou o valor reclamado.
Para isso, escreveu assim:
“A ré não refere na sua oposição qual a norma em que se baseia para invocar a
prescrição.
Também não diz que pagou esta dívida à autora. O que alega é, genericamente, que não
existe qualquer dívida da ré para com a autora, que a ré sempre cumpriu as suas
obrigações para com a autora, já o contrário não sendo verdade…
Tem sido entendimento unânime, e também por nós seguido, que não basta ao devedor,
para se fazer valer da prescrição presuntiva, alegar o simples decurso do prazo.
Tem, igualmente, que alegar o pagamento da dívida, sob pena de a mesma se considerar
confessada tacitamente, pela prática em juízo de actos incompatíveis com a presunção
de cumprimento, nos termos do artº 314º.
A falta de alegação do cumprimento determina, assim, a ilisão da presunção de
cumprimento, nos termos do nº 1 do artº 313º, ficando o crédito sujeito ao prazo
prescricional ordinário previsto no artº 309º...”.
A recorrente nas suas alegações conclui:
“A realidade é que a recorrente disse expressamente que não existe qualquer dívida da
requerida para com a requerente.
Ou seja para qualquer leitor mediano, não pode ter outra interpretação do que a Ré
pagou à Autora, pois se não existe qualquer divida, também não existe aquela, e se não
existe aquela divida reclamada é porque pagou.

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Nem outro pode ser o entendimento, na medida em que a conclusão a tirar é que a Ré
afirma que pagou”.
O que escreve a recorrente na sua oposição de fls. 4:
“…não reconhece, em relação a si, qualquer valor em dívida (…) porque não existe
qualquer dívida da requerida para com a requerente (…) com efeito a requerente prestou
serviços à requerida (…) diga-se, desde já em abono da verdade, maus serviços, que
foram devidamente reclamados (…) já quanto às pretensas solicitações da requerente,
estas não são do conhecimento da requerida, talvez por nada dever ou por nada haver a
reclamar de valores (…).
É certo que concordamos com a apelante quando, a dado momento das suas alegações,
escreve:
“Ou seja, também aqui, muitas vezes, é necessário saber interpretar o discurso constante
das peças, já que não é líquido que só através do vocábulo com a afirmação “pago”, se
possa fazer proceder a excepção.
O que, com o devido respeito, não seria justo, já que muitas vezes o homem comum não
utiliza as expressões com carácter de juridicidade, pois que quando refere que não deve
nada, significa que pagou, sem atender á exigência do direito e a quem deve ser dado o
devido desconto”.
No entanto, a sua alegação limita-se à não existência de qualquer divida e não já de que
pagou a dívida pedida pela requerente.
Por outro lado, diz que a requerente prestou maus serviços à requerida, que foram
devidamente reclamados. Reclamações essas nunca satisfeitas, levando a que a
requerida a expensas suas tivesse de ser ela a resolver os problemas suscitados pela má
intervenção da requerente e desta forma tivesse ficado desapossada do valor em causa e
com um prejuízo inerente, valor que a requerente nunca quis suportar, mas que deve ser
da sua responsabilidade.
Como sabemos, a invocação de prescrição presuntiva supõe o reconhecimento de que a
dívida existiu.
Para poder beneficiar de prescrição presuntiva o réu não deve negar os factos
constitutivos do direito de crédito contra ele arguido.
Cabe-lhe o ónus de alegar expressa e inequivocamente que já efectuou o pagamento,
nada mais.
O que verdadeiramente não resulta da alegação da ora apelante.
Mas, mesmo que assim não sucedesse – entendendo-se que a requerida apenas
lembrou o pagamento da dívida peticionada -, não seria aplicável aos autos a al. b) do
art.º 317º do Código Civil.
Senão vejamos.
Esta norma, para além do decurso do prazo de dois anos - cujo início se determina nos
termos do art.º 306º, aplicável ex vi do art.º 315º, ambos do Código Civil - e da sua
invocação pelo interessado - art.ºs 303º e 315º -, exige que: a) que os objectos vendidos
ou mercadorias fornecidas estejam ligados ou relacionados com o comércio ou indústria
do credor, e que, que o devedor não seja comerciante ou industrial ou que, sendo-o, não
destine tais objectos ao exercício da sua actividade.
O STJ em Acórdão de 23 de Fevereiro de 2012 – buscado no site www.dgsi.pt – relembra
que “…prende-se com a exacta interpretação do regime normativo do art. 317º, al. b), do
CC, feita à luz dos interesses especificamente tutelados pela figura da prescrição
presuntiva (e que podem não passar por uma automática transposição para esta sede do
resultado normativo decorrente da interpretação do referido conceito de empresa
comercial, tal como se mostra delineado no citado art. 230º do C. Com.): fará sentido
aplicar a uma actividade de natureza empresarial, profissional e lucrativa, exercida pelo
devedor no sector agro-pecuário, um regime normativo pensado para valer ao devedor no
caso de dívidas que costumam ser pagas rapidamente e de cujo pagamento não é
habitual exigir recibo? (…) não foi seguramente para tutela de situações de exercício de
uma actividade empresarial por parte do devedor do tipo da documentada nos presentes
autos - obrigatoriamente sujeita a regras de organização contabilística minimamente
exigentes - que o legislador delineou o regime das prescrições presuntivas, destinado a
tutelar o legítimo interesse do devedor em não permanecer onerado, por períodos
temporais prolongados, com a demonstração do pagamento de débitos normalmente
exigidos de imediato e de que não seja habitual exigir documento de quitação.”
Por isso, concluímos que a prescrição presuntiva não tem aplicação no âmbito de
créditos emergentes de contrato de empreitada de construção civil ou relacionados com a
construção – neste preciso sentido, o Acórdão do STJ de 8.5.2013, retirado do site
www.dgsi.pt. -, até porque “… a expressão utilizada no art.º 317º, b) “execução de
trabalhos”, não se destina a abranger empreitadas relativas a obras levadas a efeito na
construção civil de imóveis, que habitualmente demoram largos meses e até anos, em
que, como se sabe, até mesmo no que respeita à garantia de reparação dos eventuais
defeitos, que entretanto ocorram, é de cinco anos, para os imóveis ...”.
E o contrato celebrado entre as partes foi, seguramente, um contrato de empreitada, tal
como a 1.ª instância o caracterizou – relembramos a apelante que o Tribunal tem o dever

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funcional de fazer a sua interpretação jurídica, de aplicar o direito aos factos-, decorrendo
tal interpretação dos factos alegados no requerimento inicial e da contestação
apresentada e documentos juntos aos autos, nomeadamente:
“A autora presta serviços na área da construção civil e outros.
No âmbito dessa actividade e a solicitação da ré, a autora procedeu à impermeabilização
de muretes no Edifício Rainha Santa, em Coimbra, nos apartamentos direito e esquerdo,
com aplicação de materiais.
Esta prestação deu origem à factura nº 103 de 26.08.2003, junta a fls. 10, no valor e €
773,11 (setecentos e setenta e três euros onze cêntimos) e com vencimento a
25.09.2003.
No mesmo edifício foram ainda realizados pela autora trabalhos de impermeabilização
de paredes e remate a tubos de queda.
Esta prestação deu origem à factura nº 130 de 14.10.2003, junta a fls. 12, no valor de €
870,20 (oitocentos e setenta euros e vinte cêntimos) e com vencimento a 13.11.2003.
A autora prestou ainda à ré serviços numa obra em Vale Gemil, Coimbra onde procedeu
à impermeabilização de caleiras e guarda-fogos, também com aplicação de materiais.
Esta prestação deu origem à factura nº 167 de 11.12.2003, junta a fls. 17, no valor de €
1.295,67 (mil duzentos e noventa e cinco euros e sessenta e sete cêntimos) e com
vencimento a 10.01.2004.”
Foram essas as obras que a requerente/apelada se obrigou a realizar para a
requerida/apelante, mediante um preço e nas condições constantes na dita proposta, que
foi expressamente aceite por esta.
E, embora a empreitada seja uma modalidade de contrato de prestação de serviços - art.º
1155º do Código Civil -, trata-se de uma modalidade especialmente regulada pela lei, à
qual, por isso, corresponde uma disciplina própria, que a distingue do contrato de
prestação de serviços definido no art.º 1154º, do mesmo diploma, designadamente,
porquanto, neste, o que se promete é uma actividade através da utilização de trabalho,
enquanto na empreitada se promete o resultado do trabalho.
Avançando.
É verdade, que resulta do alegado pela requerente, que o valor da factura n.º 126, de
25.2.2004, tem a ver de um contrato de compra e venda e não já com um contrato de
empreitada, podendo, em conformidade, aplicar-se a al. b) da norma do artigo 317.º.
No entanto, como supra referimos, a apelante/requerida não se limitou, na sua
contestação, a invocar o pagamento. Foi mais além.
Por isso, não pode beneficiar da presunção do pagamento.
Assim, o crédito reclamado nos autos tem o prazo de prescrição fixado no artº 309º do
Cód. Civil – o prazo regra na responsabilidade contratual – e não um prazo de prescrição
presuntiva.
E quanto aos juros?
Escreve a Sr.ª Juiz do Tribunal de Coimbra:
“A autora pediu também a condenação da ré a pagar-lhe juros de mora vencidos e
vincendos.
Ora, o devedor constitui-se em mora quando, por causa que lhe é imputável, a prestação,
ainda possível, não foi efectuada no tempo devido. Há mora do devedor,
independentemente de interpelação, se a obrigação tiver prazo certo e, não o tendo,
quando o devedor é judicial ou extrajudicialmente interpelado para cumprir (cfr. artº 805º
do Código Civil).
Por força do disposto nos art.ºs 804º a 806º, nº 1 do Código Civil, a mora constitui o
devedor na obrigação de reparar os danos causados ao credor, correspondendo tal
reparação, nas obrigações pecuniárias, aos juros contados, justamente, desde o dia da
constituição em mora. A obrigação de pagamento do preço tinha prazo certo, pelo que a
ré, conforme decorre das normas legais citadas, se encontra obrigada ao pagamento de
juros de mora, nos termos peticionados.
Com efeito, assiste, igualmente, à autora o direito a exigir da ré o pagamento de juros,
sendo os mesmos contabilizados à taxa supletiva aplicável aos créditos de que são
titulares empresas comerciais.”
Salvo o devido respeito, por esta parcela decisória, entendemos que neste particular a
razão está do lado da apelante.
Vejamos.
A obrigação de juros, num primeiro momento - antes da sua constituição - depende da
obrigação pecuniária principal, podendo, uma vez constituído autonomizar-se, nos casos
previstos na lei.
Desde que a obrigação de juros se constitui, lê-se no artigo 561º do Código Civil, “o
crédito de juros não fica necessariamente dependente do crédito principal, podendo
qualquer deles ser cedido ou extinguir-se sem o outro”.
O legislador permite que, depois de nascido, o crédito de juros possa vir a ter vida
autónoma – neste sentido, lemos, F. Correia das Neves, “Manual dos Juros”, 3ª edição,
Coimbra, 1989, pág. 193.
Por isso, o artigo 310º, al. d) do Código Civil contém uma das imposições legais que

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consagra a autonomia da obrigação de juros em relação à obrigação principal, no que
toca aos prazos de prescrição que estabelece para uma e outra.
E, fá-lo de forma expressa – prescrevem no prazo de cinco anos … os juros
convencionais ou legais.
Ora as datas das facturas remontam respectivamente a: factura nº 103 de 26.08.2003,
com vencimento a 25.09.2003; factura nº 130 de 14.10.2003, com vencimento a
13.11.2003; factura nº 167 de 11.12.2003, com vencimento a 10.01.2004; factura nº 126
de 25.02.2004, com vencimento a 26.03.2004.
Na sua contestação a requerida/apelante, desde logo invocou que os juros não poderiam
ser devidos pois estariam a ser cobrados para além do prazo que a lei permite, ou seja
invocando a existência de uma prescrição extintiva.
Como escrevem Pires de Lima e Antunes Varela, no seu Código Civil Anotado, vol. I, 4ª
edição, com a colaboração de M. Henrique Mesquita, Coimbra, 1987, pág. 280, “Não se
trata, neste caso, de prescrições presuntivas, sujeitas ao regime especial estabelecido
nos artigos 312º e seguintes, mas de prescrições de curto prazo, destinadas
essencialmente a evitar que o credor retarde demasiado a exigência de créditos
periodicamente renováveis, tornando excessivamente pesada a prestação a cargo do
devedor… ”.
Ou seja, como escreve a apelante, “…no caso presente os juros de mora peticionados, a
serem dados, deveriam obedecer ao prazo da prescrição extintiva dos cinco anos e
nunca poderiam ser dados da forma como o foram, em manifesta oposição ao
preceituado legal e à doutrina.
No entanto e tratando-se de prescrição extintiva, não pode ela deixar de estar submetida
às regras da suspensão e interrupção indicadas nos artigos 318º e seguintes,
nomeadamente às normas dos arts. 323º, nºs 1 e 4, e 325º.
Ora refere o primeiro que “a prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial
de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito,
seja qual for o processo a que o acto pertence e ainda que o tribunal seja incompetente”
(nº 1) e que “é equiparado à citação ou notificação, para efeitos deste artigo, qualquer
outro meio judicial pelo qual se dê conhecimento do acto àquele contra quem o direito
pode ser exercido” (nº 4).
Já o segundo prescreve que “a prescrição é ainda interrompida pelo reconhecimento do
direito, efectuado perante o respectivo titular por aquele contra quem o direito pode ser
exercido” (nº 1), sendo certo que “o reconhecimento tácito só é relevante quando resulte
de factos que inequivocamente o exprimam” (nº 2).
Logo decorre claramente do art.º 323º que não basta o exercício extrajudicial do direito
para interromper a prescrição: é necessária a prática de actos judiciais que, directa ou
indirectamente, dêem a conhecer ao devedor a intenção de o credor exercer a sua
pretensão, como bem refere, Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil Anotado”, vol.
I, 4ª edição, com a colaboração de M. Henrique Mesquita, Coimbra, 1987, pag. 290.
É, pois, necessário, para que a prescrição se tenha por interrompida, que o credor
manifeste judicialmente ao devedor a intenção de exigir a satisfação do seu crédito e que
este, por esse meio, tenha conhecimento daquele exercício ou daquela intenção. Acs.
STJ de 27/05/2003, no Proc. 1316/03 da 6ª secção (relator Ribeiro de Almeida); e de
08/07/2003, no Proc. 2084/03 da 7ª secção (relator Salvador da Costa)…”.
Ora, lido o processado, não existem quaisquer factos que permitam interromper o
decurso do prazo de prescrição.
Não houve da parte da autora qualquer acto judicial - além da instauração da presente
acção (sendo que nessa data já tinham decorrido os 5 anos) - em que ela tenha
manifestado a intenção de exercer o direito de exigir da requerida o pagamento dos juros
em dívida, e, tão pouco existiu qualquer reconhecimento tácito ou expresso desta no
reconhecimento do direito, ora, invocado pela requerente.
Motivo pelo qual os juros, que existiam, não são devidos por força da norma do artigo
310.º al. b).
Ou seja, completada a prescrição, tem o beneficiário, acobertado pela norma do artigo
304.º, a faculdade de recusar o cumprimento da prestação ou de se opor, por qualquer
modo, ao exercício do direito prescrito – esta norma mostra que a prescrição não suprime
nem extingue o direito prescrito, o qual se transforma numa obrigação natural.
Procede, pois, parcialmente a instância de recurso.
Passemos ao sumário:
i. Como todos sabemos, as prescrições dos arts. 316º e 317º, ambos do Código Civil, são
prescrições de curto prazo, de natureza presuntiva, visto que se fundam na presunção do
cumprimento, presunção que pode ser ilidida pelo credor, embora só por via de confissão
do devedor.
ii. O efeito da prescrição presuntiva não é, propriamente, a extinção da obrigação, mas
antes a inversão do ónus da prova que deixa de onerar o devedor que, por isso, não tem
de provar o pagamento, para ficar a cargo do credor, que terá de demonstrar o não
pagamento - e só por confissão do devedor, que pode ser extrajudicial, e nesse caso, só
releva se for escrita, ou pode ser também judicial, caso em que tanto vale a confissão

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30/10/23, 10:35 Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
expressa como a tácita (considerando-se, neste contexto, confessada a dívida, se o
devedor se recusar a depor ou a prestar juramento em tribunal, ou praticar em juízo actos
incompatíveis com a presunção de cumprimento).
iii. Atenta a especial natureza deste tipo de prescrição, não basta invocá-la, sendo ainda
necessário que, quem dela pretenda prevalecer-se, alegue expressamente o pagamento,
ainda que não tenha de o provar, ou pelo menos, não pode alegar factualidade
incompatível com a presunção de pagamento, sob pena de ilidir a presunção.
iv. A obrigação de juros, num primeiro momento - antes da sua constituição - depende da
obrigação pecuniária principal, podendo, uma vez constituído autonomizar-se, nos casos
previstos na lei.
Desde que a obrigação de juros se constitui, lê-se no artigo 561º do Código Civil, “o
crédito de juros não fica necessariamente dependente do crédito principal, podendo
qualquer deles ser cedido ou extinguir-se sem o outro”.
O legislador permite que, depois de nascido, o crédito de juros possa vir a ter vida
autónoma.
v. Por isso, o artigo 310º, al. d), do Código Civil, contém uma das imposições legais que
consagra a autonomia da obrigação de juros em relação à obrigação principal, no que
toca aos prazos de prescrição que estabelece para uma e outra.
vi. Ou seja, completada a prescrição, tem o beneficiário, acobertado pela norma do artigo
304º, a faculdade de recusar o cumprimento da prestação ou de se opor, por qualquer
modo, ao exercício do direito prescrito – esta norma mostra que a prescrição não suprime
nem extingue o direito prescrito, o qual se transforma numa obrigação natural.
3.Decisão
Pelas razões expostas, na procedência parcial da instância recursiva, revoga-se a
decisão proferida pelo 1º Juízo Cível dos Juízos Cíveis de Coimbra, no segmento em que
condena a apelante/requerida ao pagamento dos juros.
Custas pela recorrente/recorrida na proporção do decaimento.

Coimbra, 10 de Dezembro de 2013

(José Avelino Gonçalves - Relator -)


(Regina Rosa)
(Artur Dias)

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