VENDADE IMÓVEL REGISTRADO NA MATRÍCULA) Conforme foi exposto no Capítulo 5 desta obra – que trata da teoria geral dos contratos –, há uma conexão entre os direitos reais e o contrato preliminar quando se estuda o compromisso de compra e venda de imóvel como categoria jurídica. Isso porque, com exposto, duas são as figuras jurídicas possíveis, o que depen de doregistro ou não do instrumento negocial na matrícula de registro imobiliário. Revisa-se então essa matéria, que é fulcral para a compreensão dos institutos: Compromisso de compra e venda de imóvel não registrado na matrícula do imóvel – Nesse caso há umcontrato preliminar com efeitos obrigacionais interpartes, gerando obrigaç ão de fazer o contrato definitivo. Repise-se que não sendo celebrado o contrato definitivo, o compromissário comprador terá três opções:1.ª Opção – Ingressar com ação de obrigação de fazer, fixando o juiz um prazo razoável para que a outra parte celebre o contrato definitivo (art. 463 doCC).2.ª Opção – Esgotado o prazo para que a outra parte celebre o contrato definitivo, poderá o juiz suprir a vontade da parte inadimplente, conferindo caráter definitivo ao contrato preliminar (art. 464 do CC). Este efeito é similar ao da adjudicação compulsória, mas interpartes. Por isso, continua aplicável a Súmula 239do STJ, segundo a qual o direito à adjudicação compulsória, quando exercido em face do promitente vendedor, não se condiciona ao registro do compromisso de compra e venda na matrícula do imóvel. O Enunciado n. 95 do CJF/STJ, da I Jornada de Direito Civil, prevê a continuidade prática dasúmula.3.ª Opção – Se o contrato e o seu objetivo não interessaremmais ao compromissário comprador, poderá ele requerer a conversão da obrigação de fazerem obrigação de dar perdas e danos (art. 465 do CC).Compromisso de compra e venda de imóvel registrado na matrícula do imóvel. Se ocorrer tal registro, estaremos
diante de um direito real de aquisição a favor do comprador,
reconhecido expressamente pelo art.1.225, VII, do CC. Não se trata de um direito real de gozo ou fruição ou de um direito real de garantia, mas de uma categoria real intermediária. Tal categoria tem efeitos reais erga omnes, gerando uma obrigação dedar a coisa. Tanto isso é verdade que não sendo essa entregue, caberá ação de adjudicação compulsória por parte do compromissário comprador, em face do promitente vendedor ou de terceiro. Para que a coisa seja entregue, o preço da coisa deve ser depositado, de forma integral ou substancial. Sobre essa natureza jurídica do instituto, destaque- se, da jurisprudênciasuperior: “o direito real de propriedade não se confunde com o direito real do promitente comprador, que se consubstancia em um direito à aquisição do imóvel condicionado ao cumprimento da obrigação de pagar a quantia contratualmente estabelecida” (STJ,REsp 1.501.549/RS, 3.ª Turma, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 08.05.2018, DJe 11.05.2018).
Consigne-se que o CC/2002 consolidou o tratamento da matéria nos seus
arts1.417 e 1.418, sendo certo que havia previsão anterior nas seguintes leis específicas, que foram mantidas em relação aos seus efeitos e procedimentos. Destaque- se, também,osurgimento deumanovanorma,que agorapassa a dialogar com o Código Civil e com as leis anteriores. Vejamos:
Decreto-lei 58/1937 e Decreto 3.079/1938
– Dispõem regulamentam a venda de imóveis loteados, prevendo o art. 5.º das duas normas que a averbação do compromisso de compra e venda na matrícula atribui ao compromissário comprador direito real oponível a terceiros, quanto à alienação ou oneração posterior. Nesses compromissos não é admitido o direito de arrependimento, conforme a antiga Súmula 166 do STF, que ainda tem aplicação. Lei 4.591/1964 – Regula as incorporações imobiliárias, prevendo o seu art. 32, § 2.º, que os contratos de compra e venda, promessa de venda, cessão ou promessa de cessão de unidades autônomas são irretratáveis e, uma vez registrados, conferem direito real oponível a terceiros, atribuindo direito adjudicação compulsória perante o incorporador ou aquém o suceder, inclusive na hipótese de insolvência posterior ao término da obra. Lei 6.766/1979 – Trata do parcelamento do solo urbano, preconizando o seu art. 25 que são irretratáveis os compromissos de compra e venda, cessões e promessas de cessão que atribuem direito a adjudicação compulsória e, estando registrados, confiram direito real oponível a terceiros. Nos termos do art. 26 da norma, os compromissos de compra e venda, as cessões ou promessas de cessão poderão ser feitos por escritura pública ou por instrumento particular. Lei 13.786/2019 – Procurou tratar do inadimplemento dos contratos de aquisição de imóveis, diante da crise imobiliária, alterando as duas últimas leis. Em uma visão geral da norma, em casos de inadimplemento do promitente vendedor, as regras fundamentais são as seguintes: a) o atraso de até 180 dias para a entregado imóvel vendido na planta não gerará qualquer ônus para a construtora, ou seja, passa a ser válida e eficaz tão criticada cláusula de tolerância; b) se o atraso na entrega for superior aos citados 180 dias, o comprador poderá desfazer o negócio e terá o direito de receber de volta o que pagou, além da multa prevista no contrato, em até 60 dias, contados da resolução; c) o comprador pode optar por manter contrato no caso de atraso, com direito a uma indenização correspondente a 1% do valor que foi pago; e d) fica vedada a cumulação da multa moratória com a compensatória, em benefício do comprador. Por outra via, em havendo inadimplemento do compromissário comprador, as regras passam a ser as seguintes: a) o inadimplente passa a dever uma multa compensatória de 25% do valor pago ou de até 50% se houver patrimônio de afetação; b) o comprador perderá integralmente os valores pagos a título de comissão de corretagem; c)o comprador terá de arcar com despesas de fruição do imóvel, se este já estiver em sua posse; d) o comprador terá o prazo de sete dias do art. 49 do CDC, a partir da assinatura do contrato, para se arrepender do negócio, em havendo compra de imóveis em estandes, não sendo o compromisso irretratável até esse prazo, mas somente caso ele seja superado; e e) a rescisão do contrato permitirá que o comprador só recupere de volta o valor pago, decrescido dos encargos decorrentes da inadimplência, após 180 dias do distrato ou, se houver patrimônio de afetação, após 30 dias da obtenção do habite-se da construção. Como se pode notar, as novas regras amparam apenas os interesses dos vendedores, notadamente de construtoras e de incorporadoras, em detrimento da tutela dos consumidores adquirentes, entrando em conflito com vários dispositivos do CDC e do próprio Código Civil. Como já defendemos no Capítulo 3 deste livro, as excessivas penalidades previstas em lei estão sujeitas ao controle do art. 413 do Código Civil, cabendo a sua redução pelo julgador
Na prática, os compromissos de compra e venda registrados são, no
geral, utilizados nas vendas financiadas a longo prazo. Por outra via, os compromissos não registrados são encontrados nas compras à vista ou com curto prazo de pagamento. desgaste da unidade imobiliária e as despesas com administração, corretagem, propaganda e outras congêneres suportadas pela empresa vendedora. 3. Se o Tribunal de origem fixou o percentual de retenção com base na razoabilidade, examinando, para tanto, o acervo fático e probatóri odos autos, alterar tal entendimento encontra óbice na Súmula 07 do STJ. (...)”(STJ, AgRg no Ag 717.840/MG, 3.ª Turma, Rel. Min. Vasco Della Giustina(Desembargador Convocado do TJRS), j. 06.10.2009, DJe 21.10.2009).Reitere-se que a Lei 13.786/2018 instituiu multas compensatórias superiores, de25% a até 50%, do valor devido, contra o adquirente, o que é aplicável aos contratos celebrados após a sua entrada em vigor. Anote-se novamente que a tendência é a sua redução pelos julgadores nos montantes que vinham sendo aplicados pelo Superior Tribunal de Justiça, entre 10% e 25% do valor devido. Nesse sentido, cite-se novamente a posição doutrinária de José Fernando Simão, em nosso Código Civil Comentado: “A cláusula penal de 50% imposta pela Lei n. 13.786/2018, que alterou o texto da Lei n. 4.591/1964, com a criação do art. 67-A no caso de desistência da aquisição pelo adquirente do imóvel sujeito ao regime do patrimônio de afetação, revela-se excessiva, ab initio. Primeiro, porque a multa nasce em um contrato por adesão em que o adquirente não pode debater seu conteúdo (natureza do negócio). Depois, porque trata de aquisição da casa própria (muitas vezes, finalidade do negócio). Por último, porque é superior a todas as demais multas previstas no ordenamento jurídico brasileiro”. 154 De fato, penalidades extorsivas como essas não estão de acordo com a tradição do Direito Privado Brasileiro, sendo impérios incidir a redução equitativa da cláusula penal, prevista no art. 413 do Código Civil. Feito tal esclarecimento de atualização, com o devido respeito, alguns julgados sobre o tema parecem confundir os termos resolução – Que significa inadimplemento – e resilição – Extinção do contrato diante de um direito potestativo, atribuído pela lei. Nos casos em que o compromissário comprador não consegue pagar o preço, a hipótese parece ser de resolução, e não de resilição. Assim, não se filia, em hipótese alguma, ao uso de termo Distrato para os casos tais, como se tornou comum na prática. O distrato se dá nas hipóteses em que as duas partes, de comum acor do, querem a extinção do contrato (art. 472 do CC). E, de fato, distrato não há em tai situações, mas descumprimento ou resolução contratual. A própria Lei 13.786/2018utiliza tal expressão de forma a técnica em vários de seus comandos. Alguns denominam como “Lei dos Distratos”, sendo o termo infeliz, pois o seu conteúdo tramais da resolução por inadimplemento das partes, e não do distrato propriamente dito. Como última nota, a respeito dessa situação jurídica, nos termos da Súmula 2 doTJSP, a devolução das quantias pagas deve ser feita de uma vez só, não se sujeitando à mesma forma de parcelamento prevista para a aquisição do bem. Essa forma divulgar é confirmada pela Súmula 543 do STJ, editada em 2015, transcrita anteriormente. Novamente, em tom crítico, a Lei 13.786/2019 estabelece longos prazos para a devolução dos valores pagos pelos compradores, o que deve receber devido controle pela jurisprudência, sendo esse um dos aspectos mais abusivos desequilibrados da lei emergente. Merece destaque, como pior de todas as previsões dessa norma específica, o § 5.ºdo novo art. 67-A da Lei 4.591/1964, segundo o qual, “quando a incorporação estiver submetida ao regime do patrimônio de afetação, de que tratam os arts. 31-A a 31-Fdesta Lei, o incorporador restituirá os valores pagos pelo adquirente, deduzidos os valores descritos neste artigo e atualizados com base no índice contratualmente estabelecido para a correção monetária das parcelas do preço do imóvel, no prazo máximo de 30 (trinta) dias após o habite-se ou documento equivalente expedido pelo órgão público municipal competente, admitindo-se, nessa hipótese, que a pena referida no inciso II do caput deste artigo seja estabelecida até o limite de 50% (cinquenta por cento) da quantia paga”. Dois são os absurdos legislativos que a norma traz, sob o argumento de se incentivar o incremento do uso do patrimônio de afetação, que traz supostamente uma maior segurança aos adquirentes, já que os valores pagos ficam vinculados à obra. O primeiro deles, já abordado, relaciona-se à multa compensatória de até 50% do valor devido, que clama a subsunção do art. 413 do Código Civil. O segundo absurdo diz respeito à devolução dos valores pagos somente trinta dias após a expedição do habite-se ou do documento equivalente pelo órgão municipal, oque contraria a jurisprudência até então dominante e aqui citada, e coloca o adquirente em posição excessivamente onerosa. Em havendo relação de consumo, a norma viola o art. 39, inc. X, do CDC; sendo possível alegar a inconstitucionalidade previsão, por desrespeito à efetiva tutela dos consumidores, constante do art. 5.º, inc. XIII, da CF/1988. Por esses argumentos, esperamos que a jurisprudência afastasse conteúdo do dispositivo. Ato contínuo de estudo, repise-se que o compromisso registrado Embaralha os efeitos reais e pessoais, superando a clássica tabela que diferencia os direitos reais dos direitos pessoais patrimoniais (contratos). O tema é muito bem tratado por Luciano de Camargo Penteado, em sua tese de doutorado defendida na USP, trabalho que nos serviu de inspiração. De imediato, não se pode esquecer do teor da Súmula 308 do STJ, segundo a qual a hipoteca firmada entre a construtora e o agente financeiro, anterior ou posterior à celebração da promessa de compra e venda, não tem eficácia perante os adquirentes do imóvel. Pelo teor da ementa, relembre-se, a boa-fé objetiva, caracterizada pela pontualidade contratual, vence a hipoteca, que passa a ter efeitos interpartes entre construtora e o agente financeiro tão somente). Ademais, o compromisso de compra e venda, celebrado entre os adquirentes e a construtora gera efeitos perante o agente financeiro. Anote-se que, como decorrência da súmula, a jurisprudência do STJ tem admitida ação proposta em face do agente financeiro para outorga da escritura definitiva e liberação da hipoteca, em litisconsórcio necessário com o promitente vendedor, o que parece correto “Promessa de compra e venda. Imóvel dado em hipoteca pela construtora a agente financeiro. Quitação do preço pelo adquirente. Outorga de escritura definitiva. Liberação do ônus real. Demanda movida contra a incorporadora eo agente financiador. Litisconsórcio necessário. CPC, art. 47. Súmula 308-STJ. Danos materiais. Prova do prejuízo inexistente. Recurso especial. Súmula 7- STJ. Provimento parcial do segundo especial. (...). Deve o banco financiador, que detém a hipoteca, figurar no polo passivo da lide, na condição de litisconsorte necessário, sob pena de tornar-se inexequível o julgado, que determinou a liberação do gravame. III. ‘A hipoteca fir madaentre a construtora e o agente financeiro, anterior ou posterior à celebração da promessa de compra e venda, não tem eficácia perante os adquirentes do imóvel’ – Súmula 308 – STJ. IV. Desacolhidos os danos materiais pelas instâncias ordinárias, por ausência de efetiva demonstração dos prejuízos, a controvérsia recai no reexame fático, vedado ao STJ por força da Súmula 7”(STJ, REsp 625.091/RJ, 4.ª Turma, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, j.09.02.2010, DJe08.03.2010)
Restringindo os efeitos do registro – assim como faz a Súmula 308 –,
deduziu oSTJ em decisão relativa à alienação em duplicidade que a boa-fé existente n perpetuação por anos da segunda alienação prevalece sobre o registro do pri meirocompromisso de compra e venda. Vejamos a ementa desse polêmico e inovador julgado:
“Direito civil. Alienação em duplicidade. Promessa de
compra e venda. Interpretação dos negócios jurídicos. Transmissão de propriedade imóvel. Código Civil de 1916. Transcrição. Segurança jurídica. Boa-fé. 1. Tem-se, na hipótese, alienação de imóvel em duplicidade. No caso dos autos, deve-se manter o acórdão que decidiu pela manutenção da segunda alienação porque o título correspondente está transcrito há mais de duas décadas, sendo que os primeiros adquirentes tinham apenas direito decorrente de compromisso de compra e venda que, embora com preço pago no ato e devidamente averbado, não teve seguimento providenciado pelos promitentes compradores. 2. Anote-se que nada impedia, aliás, ao contrário, tudo aconselhava, a imediata lavratura da escritura definitiva e respectivo registro, em região cheia de questões registrarias – contra as quais a prudência mandava acautelar-se. Recurso especial a que se nega provimento” (STJ, REsp 1.113.390/PR, 3.ªTurma, Rel. Min. Sidnei Beneti, j. 02.03.2010, DJe 15.03.2010).
Superado o estudo de situações em que são restringidos os efeitos
do registro, veja-se que há hipóteses em que o raciocínio é o oposto, ou seja, amplia-se a eficácia do instituto de direito obrigacional. De início, não se pode esquecer o teor da Súmul84 do STJ, pelo qual é admissível a oposição de embargos de terceiro fundados e alegação de posse advinda do compromisso de compra e venda não registrado. Não há dúvidas de que a súmula traz hipótese de efeitos contratuais perante terceiros, em c l a r a tutela externa do crédito , conforme preconizado por Enunciado do CJF/STJ que associa tal eficácia ao princípio da função social dos contratos (Enunciado n. 21do CJF/STJ, art. 421 do CC).A propósito, para demonstrar os efeitos ampliativos da sumular, recente julgado do Superior Tribunal de Justiça considerou que a legitimidade para a oposição dos embargos de terceiros também alcança a hipótese de doação não registrada na matrícula do imóvel. Conforme o seu teor, “a posse que permite a oposição desses embargos é tanto a direta quanto a indireta. As donatárias-recorridas receberam o imóvel de pessoa outra que não a parte com quem a recorrente litiga e, portanto, não é possível afastar a qualidade de ‘terceiras’ das recorridas, o que as legitima a opor os embargos em questão. Ao analisar os precedentes que permitiram a formação da mencionada Súmula 84/STJ, pode-se verificar que esta Corte Superior há muito tempo privilegia a defesa da posse, mesmo que seja em detrimento da averbação do ato em registro de imóveis” (STJ, REsp 1.709.128/RJ, 3.ª Turma, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 02.10.2018, DJe 04.10.2018). Da mesma Corte Superior, do ano de 2020, merece relevo o acórdão que considerou ser possível a oposição de embargos de terceiro em caso de compromisso de compra e venda não registrado na matrícula, mesmo quando não houver a entregado imóvel ao compromissário comprador. Conforme o decisum, “na hipótese, o imóvel adquirido só não estava na posse da recorrida em razão de ainda estar em fase de construção, razão pela qual o instrumento particular de compra e venda colacionado aos autos – ainda que desprovido de registro – deve ser considerado para fins de comprovação de sua posse, admitindo- se, via de consequência, aoposição dos embargos de terceiro. Ademais, o instrumento de compra e venda foi firmado em data anterior ao próprio ajuizamento da ação de execução em que foi determinada a penhora do bem, não havendo que se falar em fraude à execução ou má-fé da parte adquirente” (STJ, REsp 1.861.025/DF, 3.ª Turma, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 12.05.2020,DJe18.05.2020). Como outra situação concreta de ampliação dos efeitos contratuais, repise-se o entendimento anterior do STJ no sentido de admitir que o contrato de gaveta – comum nas hipóteses envolvendo o compromisso de compra e venda – gere efeitos perante o promitente vendedor. Dessa forma, se o compromissário comp rador transmitisse o negócio para outrem (chamado de gaveteiro), mesmo sem autorização da outra parte e havendo pontualidade contratual, seria possível que o Gaveteiro pretendesse direitos contratuais em face do vendedor, inclusive de revisão do negócio(STJ, AgRg no REsp 712.315/PR, 4.ª Turma, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, DJ 19.06.2006; REsp 710.805/RS, 2.ª Turma, Rel. Min. Francisco Peçanha Martins, DJ 13.02.2006; REsp 753.098/RS, Rel. Min. Fernando Gonçalves, DJ 03.10.2005).Existem decisões que apontam como argumento o fato de a Lei 10.150/2000 permitir a regularização da transferência do imóvel ao Gaveteiro ( S T J , E D c l n o R E s 573.059/RS, 1.ª Turma, Rel. Min. Luiz Fux, DJ 30.05.2005; e REsp 189.350/SP, 4.Turma, Rel. Min. Asfor Rocha, DJ 14.10.2002).Entendo que as melhores ementas são as que relacionavam todo o raciocínio como princípio da função social do contrato, o que representa notável avanço para omundo contratual (STJ, AgRg no REsp 838.127/DF, 1.ª Turma, Rel. Min. Luiz Fux,17.02.2009, DJe 30.03.2009; e REsp 769.418/PR, 1.ª Turma, Rel. Min. Luiz Fux, j15.05.2007). Todavia, infelizmente, como destacado no Capítulo 3 desta obra, houve uma reviravolta no entendimento superior nos últimos anos. O STJ passou a entender que “tratando-se de contrato de mútuo para aquisição de imóvel garantido pelo FCVS avençado até 25/10/96 e transferido sem a interveniência da instituição financeira, o cessionário possui legitimidade para discutir e demandar em juízo questões pertinentes às obrigações assumidas e aos direitos adquiridos. (...). N o caso decessão de direitos sobre imóvel financiado no âmbito do Sistema Financeiro habitação realizada após 25/10/1996, a anuência da instituição financeira mutuante é indispensável para que o cessionário adquira legitimidade ativa para requerer revisão das condições ajustadas, tanto para os contratos garantidos pelo FCVS como par aqueles sem referida cobertura” (STJ, REsp 1.150.429/CE, Corte Especial, Rel. Mi Ricardo Villas Bôas Cueva, j. 25.04.2013, DJe 10.05.2013, publicado no seu informativo n. 520). Como outrora destacado, tal mudança representa, para este autor, um total retrocesso.
DO USO
O direito real de uso pode ser constituído de forma gratuita ou onerosa,
havendo acessão apenas do atributo de utilizar a coisa, seja ela móvel ou imóvel (o U do GRUD). Por isso se justifica as nomenclaturas usufruto anão, nanico ou reduzido. São partes do direito real em comento: a)Proprietário – faz a cessão real da coisa. b)Usuário – tem o direito personalíssimo de uso ou utilização da coisa. Recaindo sobre imóvel, o direito real de uso deve ser registrado no Cartório de Registro de Imóveis (art. 167, I, n. 7, da Lei 6.015/1973). Na prática, rara é a sua ocorrência. Para ilustrar, pode ser citada a cessão real de uso de jazigos em cemitérios, conforme o antigo julgado a seguir:
“Civil. Ação de cobrança. Cessão de direito real de uso de
jazigo perpétuo. Obrigação contratual do cessionário de pagar as taxas anuais de manutenção do cemitério. Exigência descabida da construção antecipada de jazigos. Ação procedente. Reconvenção improcedente. I – Não há cerceame nto de defesa, se o fato é confessado pela parte adversa, sendo, porém, considerado irrelevante para o deslinde da causa. II – Tendo a cessionária pago durante muitos anos seguidos a taxa de manutenção, não pode agora recusá-la, dando ao contrato interpretação diversa, sob pena de comportamento contraditório. III – Não pode ser considerada inadimplida a obrigação ainda inexigível”(TJPR, Apelação Cível 0053038-1, Acórdão 16739, 2.ª Câmara Cível,Curitiba, Rel. Juiz Conv. Munir Karam, DJPR 29.11.1999).
Conforme o art. 1.412 do CC, o usuário utilizará a coisa e perceberá
os seu frutos, quanto o exigirem as necessidades suas e de sua família. Assim, a fruição somente é possível para atender às necessidades básicas da família, o que está em sintonia com a ideia de patrimônio mínimo. Levam-se em conta as necessidades pessoais do usuário conforme a sua condição social e o lugar onde viver (§ 1.º). Para tanto, a lei considera como componentes da família o cônjuge do usuário, os seus filhos solteiros e as pessoas do seu serviço doméstico (§ 2.º). A última norma totalmente superada pela ampliação do conceito de família, conforme se verá no próximo capítulo desta obra. Isso pode ser percebido, por exemplo, pela injustificada menção ao companheiro ou convivente, que goza de proteção constitucional (art. 226,§ 3.º, da CF/1988).Breve e derradeiro – como é o instituto –, determina o art. 1.413 do Aplicação ao uso, por analogia, das mesmas regras do usufruto, desde que não sejam com ele incompatíveis. Assim, incidem os mesmos casos de extinção por último estudados (art. 1.410 do CC).
DA HABITAÇÃO
O direito real de habitação constitui o mais restrito dos direitos reais
de fruição, eis que apenas é cedida uma parte do atributo de usar, qual seja o direito de habitar o imóvel (fração do U do GRUD). São partes da habitação: Proprietário – transmite o direito. Habitante – tem o direito de habitar o imóvel a seu favor. Tal direito real pode ser legal ou convencional, decorrendo o último de contrato ou testamento. O direito real de habitação legal será abordado no Capítulo 9 deste livro, pois tem grande pertinência no estudo da sucessão legítima do companheiro edo cônjuge (art. 1.831 do CC). Recaindo sobre imóvel, o direito real de habitação convencional deve ser registrado no Cartório de Registro de Imóveis (art. 167, I, n. 7da Lei 6.015/1973), norma que não se aplica ao direito de habitação legal que decorre do Direito das Sucessões. O caráter gratuito da habitação é claro no art. 1.414 do CC, pelo qual o titular deste direito não a pode alugar, nem emprestar, mas simplesmente ocupá-la com sua família. Eventual desrespeito a essa norma acarreta a retomada do imóvel, por desvio de função. Ademais, a norma deixa claro o caráter personalíssimo da categoria (intuitu personae), não sendo possível ceder o direito a terceiros, eis que o instituto visa à moradia específica do beneficiado. Dessa forma, não é viável juridicamente que o habitante institua um benefício semelhante em favor de terceiro, sendo proibido o direito real de habitação de segundo grau. Como a norma é de ordem pública, não cabe previsão em contrário no instrumento de instituição, sob pena de nulidade virtual (art. 166, inc. VII, segunda parte, do CC).Em havendo direito real de habitação simultâneo, conferido a mais de uma pessoa, qualquer delas que sozinha habite a casa não terá de pagar aluguel à outra, ou às outras, o que ressalta o seu caráter gratuito (art. 1.415 do CC). Porém, esse habitante exclusivo não pode as inibir de exercerem, querendo, o direito, que também lhes compete, de habitá-la. Em suma, é possível o compartilhamento compulsório do imóvel. Por fim, são aplicáveis à habitação, no que não for contrário à sua natureza, as disposições relativas ao usufruto (art. 1.416 do CC). Desse modo, como já fico claro, cabem as formas de extinção previstas pelo art. 1.410 do