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DO DIREITO REAL DE AQUISIÇÃO DO PROMITENTE

COMPRADOR (COMPROMISSO DE COMPRA E


VENDADE IMÓVEL REGISTRADO NA MATRÍCULA)
Conforme foi exposto no Capítulo 5 desta obra – que trata da teoria geral
dos contratos –, há uma conexão entre os direitos reais e o contrato preliminar quando se
estuda o compromisso de compra e venda de imóvel como categoria jurídica.
Isso porque, com exposto, duas são as figuras jurídicas possíveis, o que depen
de doregistro ou não do instrumento negocial na matrícula de registro imobiliário. Revisa-se
então essa matéria, que é fulcral para a compreensão dos institutos:
Compromisso de compra e venda de imóvel não registrado na
matrícula do imóvel – Nesse caso há
umcontrato preliminar com efeitos obrigacionais interpartes, gerando obrigaç
ão de fazer o contrato definitivo. Repise-se que não sendo celebrado o
contrato definitivo, o compromissário comprador terá três opções:1.ª Opção –
Ingressar com ação de obrigação de fazer, fixando o juiz um prazo razoável
para que a outra parte celebre o contrato definitivo (art. 463 doCC).2.ª
Opção – Esgotado o prazo para que a outra parte celebre o contrato
definitivo, poderá o juiz suprir a vontade da parte inadimplente, conferindo
caráter definitivo ao contrato preliminar (art. 464 do CC). Este efeito é
similar ao da adjudicação compulsória, mas interpartes. Por isso,
continua aplicável a Súmula 239do STJ, segundo a qual o direito à
adjudicação compulsória, quando exercido em face do promitente
vendedor, não se condiciona ao registro do compromisso de compra e venda na
matrícula do imóvel. O Enunciado n. 95 do CJF/STJ, da I Jornada de
Direito Civil, prevê a continuidade prática dasúmula.3.ª Opção – Se o
contrato e o seu objetivo não interessaremmais ao compromissário comprador, poderá
ele requerer a conversão da obrigação de fazerem obrigação de dar perdas
e danos (art. 465 do CC).Compromisso de compra e venda de imóvel
registrado na matrícula do imóvel. Se ocorrer tal registro, estaremos

diante de um direito real de aquisição a favor do comprador,


reconhecido expressamente pelo art.1.225, VII, do CC. Não se trata de um
direito real de gozo ou fruição ou de um direito real de garantia, mas de uma
categoria real intermediária. Tal categoria tem efeitos reais erga omnes, gerando
uma obrigação dedar a coisa. Tanto isso é verdade que não sendo essa
entregue, caberá ação de adjudicação compulsória por parte do
compromissário comprador, em face do promitente vendedor ou de terceiro.
Para que a coisa seja entregue, o preço da coisa deve ser depositado, de forma
integral ou substancial. Sobre essa natureza jurídica do instituto, destaque-
se, da jurisprudênciasuperior: “o direito real de propriedade não se confunde
com o direito real do promitente comprador, que se consubstancia em um
direito à aquisição do imóvel condicionado ao cumprimento da obrigação de
pagar a quantia contratualmente estabelecida” (STJ,REsp
1.501.549/RS, 3.ª Turma, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 08.05.2018,
DJe 11.05.2018).

Consigne-se que o CC/2002 consolidou o tratamento da matéria nos seus


arts1.417 e 1.418, sendo certo que havia previsão anterior nas seguintes leis
específicas, que foram mantidas em relação aos seus efeitos e procedimentos. Destaque-
se, também,osurgimento deumanovanorma,que agorapassa
a dialogar
com o Código Civil e com as leis anteriores. Vejamos:

Decreto-lei 58/1937 e Decreto 3.079/1938


– Dispõem regulamentam a venda de imóveis loteados, prevendo o art. 5.º
das duas normas que a averbação do compromisso de compra e venda
na matrícula atribui ao compromissário comprador direito real oponível a
terceiros, quanto à alienação ou oneração posterior. Nesses compromissos não
é admitido o direito de arrependimento, conforme a antiga Súmula 166
do STF, que ainda tem aplicação. Lei 4.591/1964 – Regula as
incorporações imobiliárias, prevendo o seu art. 32, § 2.º, que os
contratos de compra e venda, promessa de venda, cessão ou promessa de
cessão de unidades autônomas são irretratáveis e, uma vez registrados,
conferem direito real oponível a terceiros, atribuindo direito adjudicação
compulsória perante o incorporador ou aquém o suceder, inclusive na hipótese
de insolvência posterior ao término da obra. Lei 6.766/1979 – Trata do
parcelamento do solo urbano, preconizando o seu art. 25 que são
irretratáveis os compromissos de compra e venda, cessões e promessas de
cessão que atribuem direito a adjudicação compulsória e, estando registrados,
confiram direito real oponível a terceiros. Nos termos do art. 26 da norma, os
compromissos de compra e venda, as cessões ou promessas de cessão
poderão
ser feitos por escritura pública ou por instrumento particular. Lei
13.786/2019 – Procurou tratar do inadimplemento dos contratos de
aquisição de imóveis, diante da crise imobiliária, alterando as duas últimas leis.
Em uma visão geral da norma, em casos de inadimplemento do promitente
vendedor, as regras fundamentais são as seguintes: a) o atraso de até 180
dias para a entregado imóvel vendido na planta não gerará qualquer
ônus para a construtora, ou seja, passa a ser válida e eficaz tão criticada
cláusula de tolerância; b) se o atraso na entrega for superior aos
citados 180 dias, o comprador poderá desfazer o negócio e terá o direito de
receber de volta o que pagou, além da multa prevista no contrato, em
até 60 dias, contados da resolução; c) o comprador pode optar por
manter contrato no caso de atraso, com direito a uma indenização
correspondente a 1% do valor que foi pago; e d) fica vedada a cumulação
da multa moratória com a compensatória, em benefício do comprador. Por outra
via, em havendo inadimplemento do compromissário comprador, as regras
passam a ser as seguintes: a) o inadimplente passa a dever uma multa
compensatória de 25% do valor pago ou de até 50% se houver patrimônio
de afetação; b) o comprador perderá integralmente os
valores pagos a título de comissão de corretagem; c)o comprador
terá de arcar com despesas de fruição do
imóvel, se este já estiver em sua posse; d) o comprador terá o prazo de
sete dias do art. 49 do CDC, a partir da assinatura do contrato, para
se arrepender do negócio, em havendo compra de imóveis em estandes,
não sendo o compromisso irretratável até esse prazo, mas somente caso ele
seja superado; e e) a rescisão do contrato permitirá que o comprador só recupere
de volta o valor pago, decrescido dos encargos decorrentes da
inadimplência, após 180 dias do distrato ou, se houver patrimônio de
afetação, após 30 dias da obtenção do habite-se da construção. Como se
pode notar, as novas regras amparam apenas os interesses dos vendedores,
notadamente de construtoras e de incorporadoras, em detrimento da tutela
dos consumidores adquirentes, entrando em conflito com vários
dispositivos do CDC e do próprio Código Civil. Como já defendemos no
Capítulo 3 deste livro, as excessivas penalidades previstas em lei estão sujeitas
ao controle do art. 413 do Código Civil, cabendo a sua redução pelo
julgador

Na prática, os compromissos de compra e venda registrados são, no


geral, utilizados nas vendas financiadas a longo prazo. Por outra via, os compromissos não
registrados são encontrados nas compras à vista ou com curto prazo de pagamento.
desgaste da unidade imobiliária e as despesas com administração, corretagem,
propaganda e outras congêneres suportadas pela empresa vendedora. 3. Se o Tribunal de
origem fixou o percentual de retenção
com base na razoabilidade, examinando, para tanto, o acervo fático e probatóri
odos autos, alterar tal entendimento encontra óbice na Súmula 07
do STJ. (...)”(STJ, AgRg no Ag 717.840/MG, 3.ª Turma, Rel. Min. Vasco Della
Giustina(Desembargador Convocado do TJRS), j. 06.10.2009,
DJe
21.10.2009).Reitere-se que a Lei 13.786/2018 instituiu multas
compensatórias superiores, de25% a até 50%, do valor devido, contra o
adquirente, o que é aplicável aos contratos celebrados após a sua entrada em vigor.
Anote-se novamente que a tendência é a sua redução pelos julgadores nos montantes
que vinham sendo aplicados pelo Superior Tribunal de Justiça, entre 10% e 25%
do valor devido. Nesse sentido, cite-se novamente a posição doutrinária de José
Fernando Simão, em nosso
Código Civil Comentado:
“A cláusula penal de 50% imposta pela Lei n. 13.786/2018, que
alterou o texto da Lei n. 4.591/1964, com a criação do art. 67-A no caso de
desistência da aquisição pelo adquirente do imóvel sujeito ao regime do
patrimônio de afetação, revela-se excessiva, ab initio. Primeiro, porque a multa
nasce em um contrato por adesão em que o adquirente não pode debater seu conteúdo
(natureza do negócio). Depois, porque trata de aquisição da casa própria (muitas
vezes, finalidade do negócio). Por último, porque é superior a todas as demais
multas previstas no ordenamento jurídico brasileiro”.
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De fato, penalidades extorsivas como essas não estão de acordo
com a tradição do Direito Privado Brasileiro, sendo impérios incidir a redução
equitativa da cláusula penal, prevista no art. 413 do Código Civil. Feito tal
esclarecimento de atualização, com o devido respeito, alguns julgados sobre o
tema parecem confundir os termos
resolução
– Que significa inadimplemento – e resilição
– Extinção do contrato diante de um direito potestativo, atribuído pela lei. Nos
casos em que o compromissário comprador não consegue pagar o preço, a
hipótese parece ser de resolução, e não de resilição. Assim, não se filia, em
hipótese alguma, ao uso de termo Distrato para os casos tais, como se tornou comum
na
prática. O distrato se dá nas hipóteses em que as duas partes, de comum acor
do, querem a extinção do contrato (art. 472 do CC). E, de fato, distrato não há em tai
situações, mas descumprimento ou resolução contratual. A própria Lei 13.786/2018utiliza tal
expressão de forma a técnica em vários de seus comandos. Alguns denominam como “Lei
dos Distratos”, sendo o termo infeliz, pois o seu conteúdo tramais da resolução por
inadimplemento das partes, e não do distrato propriamente dito. Como última nota, a
respeito dessa situação jurídica, nos termos da Súmula 2 doTJSP, a devolução
das quantias pagas deve ser feita de uma vez só, não se sujeitando à mesma
forma de parcelamento prevista para a aquisição do bem. Essa forma divulgar é
confirmada pela Súmula 543 do STJ, editada em 2015, transcrita anteriormente.
Novamente, em tom crítico, a Lei 13.786/2019 estabelece longos prazos para
a devolução dos valores pagos pelos compradores, o que deve receber devido
controle pela jurisprudência, sendo esse um dos aspectos mais abusivos
desequilibrados da lei emergente. Merece destaque, como pior de todas as
previsões dessa norma específica, o § 5.ºdo novo art. 67-A da Lei 4.591/1964,
segundo o qual, “quando a incorporação estiver submetida ao regime do patrimônio
de afetação, de que tratam os arts. 31-A a 31-Fdesta Lei, o incorporador restituirá os
valores pagos pelo adquirente, deduzidos os valores descritos neste artigo e
atualizados com base no índice contratualmente estabelecido para a correção
monetária das parcelas do preço do imóvel, no prazo máximo de 30 (trinta) dias após
o habite-se ou documento equivalente expedido pelo órgão público municipal competente,
admitindo-se, nessa hipótese, que a pena referida no inciso II do
caput deste artigo seja estabelecida até o limite de 50% (cinquenta por
cento) da quantia paga”. Dois são os absurdos legislativos que a norma traz, sob o
argumento de se incentivar o incremento do uso do patrimônio de afetação, que traz
supostamente uma maior segurança aos adquirentes, já que os valores pagos
ficam vinculados à obra. O primeiro deles, já abordado, relaciona-se à multa
compensatória de até 50% do valor devido, que clama a subsunção do art. 413
do Código Civil.
O segundo absurdo diz respeito à devolução dos valores pagos
somente trinta dias após a expedição do habite-se ou do documento equivalente
pelo órgão municipal, oque contraria a jurisprudência até então dominante e aqui
citada, e coloca o adquirente em posição excessivamente onerosa. Em havendo relação
de consumo, a norma viola o art. 39, inc. X, do CDC; sendo possível alegar a
inconstitucionalidade previsão, por desrespeito à efetiva tutela dos
consumidores, constante do art. 5.º, inc. XIII, da CF/1988. Por esses
argumentos, esperamos que a jurisprudência afastasse conteúdo do dispositivo.
Ato contínuo de estudo, repise-se que o compromisso registrado
Embaralha os efeitos reais e pessoais, superando a clássica tabela
que diferencia os direitos reais dos direitos pessoais patrimoniais (contratos). O
tema é muito bem tratado por Luciano de Camargo Penteado, em sua tese de doutorado
defendida na USP, trabalho que nos serviu de inspiração.
De imediato, não se pode esquecer do teor da Súmula 308 do STJ,
segundo a qual a hipoteca firmada entre a construtora e o agente financeiro, anterior ou
posterior à celebração da promessa de compra e venda, não tem eficácia perante
os adquirentes do imóvel. Pelo teor da ementa, relembre-se, a boa-fé objetiva,
caracterizada pela pontualidade contratual, vence a hipoteca, que passa a ter
efeitos interpartes entre construtora e o agente financeiro tão somente). Ademais, o
compromisso de compra e venda, celebrado entre os adquirentes e a construtora gera efeitos
perante o agente financeiro. Anote-se que, como decorrência da súmula, a
jurisprudência do STJ tem admitida ação proposta em face do agente financeiro para
outorga da escritura definitiva e liberação da hipoteca, em
litisconsórcio necessário com o promitente vendedor, o que parece correto
“Promessa de compra e venda. Imóvel dado em hipoteca
pela construtora a agente financeiro. Quitação do preço pelo
adquirente. Outorga de escritura definitiva. Liberação do ônus
real. Demanda movida contra a incorporadora eo agente financiador.
Litisconsórcio necessário. CPC, art. 47. Súmula 308-STJ. Danos
materiais. Prova do prejuízo inexistente. Recurso especial. Súmula 7-
STJ. Provimento parcial do segundo especial. (...). Deve o banco
financiador, que detém a hipoteca, figurar no polo passivo da lide, na condição
de litisconsorte necessário, sob pena de tornar-se inexequível
o julgado, que determinou a liberação do gravame. III. ‘A hipoteca fir
madaentre a construtora e o agente financeiro, anterior ou posterior à
celebração da promessa de compra e venda, não tem eficácia perante
os adquirentes do imóvel’ – Súmula 308 – STJ. IV. Desacolhidos os
danos materiais pelas instâncias ordinárias, por ausência de efetiva
demonstração dos prejuízos, a controvérsia recai no reexame fático,
vedado ao STJ por força da Súmula 7”(STJ, REsp 625.091/RJ, 4.ª
Turma, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, j.09.02.2010,
DJe08.03.2010)

Restringindo os efeitos do registro – assim como faz a Súmula 308 –,


deduziu oSTJ em decisão relativa à alienação em duplicidade que a boa-fé
existente
n perpetuação por anos da segunda alienação prevalece sobre o registro do pri
meirocompromisso de compra e venda. Vejamos a ementa desse polêmico e
inovador julgado:

“Direito civil. Alienação em duplicidade. Promessa de


compra e venda. Interpretação dos negócios jurídicos. Transmissão
de propriedade imóvel. Código Civil de 1916. Transcrição. Segurança
jurídica. Boa-fé. 1. Tem-se, na hipótese, alienação de imóvel em
duplicidade. No caso dos autos, deve-se manter o acórdão que decidiu
pela manutenção da segunda alienação porque o título correspondente está
transcrito há mais de duas décadas, sendo que
os primeiros adquirentes tinham
apenas direito decorrente de compromisso de compra e venda que,
embora com preço pago no ato e devidamente averbado, não teve seguimento
providenciado pelos promitentes compradores. 2. Anote-se que nada
impedia, aliás, ao contrário, tudo aconselhava, a imediata lavratura da
escritura definitiva e respectivo registro, em região cheia de questões
registrarias – contra as quais a prudência mandava acautelar-se.
Recurso especial a que se nega provimento” (STJ, REsp
1.113.390/PR, 3.ªTurma, Rel. Min. Sidnei Beneti, j. 02.03.2010, DJe
15.03.2010).

Superado o estudo de situações em que são restringidos os efeitos


do registro, veja-se que há hipóteses em que o raciocínio é o oposto, ou seja,
amplia-se a eficácia do instituto de direito obrigacional. De início, não se pode
esquecer o teor da Súmul84 do STJ, pelo qual é admissível a oposição de
embargos de terceiro fundados e alegação de posse advinda do compromisso
de compra e venda não registrado. Não há dúvidas de que a súmula traz
hipótese de efeitos contratuais perante terceiros, em c l a r a
tutela externa do crédito
, conforme preconizado por Enunciado do CJF/STJ que associa tal
eficácia ao princípio da função social dos contratos (Enunciado n. 21do CJF/STJ,
art. 421 do CC).A propósito, para demonstrar os efeitos ampliativos da sumular, recente
julgado do Superior Tribunal de Justiça considerou que a legitimidade para a
oposição dos embargos de terceiros também alcança a hipótese de doação não
registrada na matrícula do imóvel. Conforme o seu teor, “a posse que permite a oposição
desses embargos é tanto a direta quanto a indireta. As donatárias-recorridas
receberam o imóvel de pessoa outra que não a parte com quem a recorrente litiga e,
portanto, não é possível afastar a qualidade de ‘terceiras’ das recorridas, o que as
legitima a opor os embargos em questão. Ao analisar os precedentes que permitiram a
formação da mencionada Súmula 84/STJ, pode-se verificar que esta Corte
Superior há muito tempo privilegia a defesa da posse, mesmo que seja em
detrimento da averbação do ato em registro de imóveis” (STJ, REsp
1.709.128/RJ, 3.ª Turma, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 02.10.2018, DJe
04.10.2018).
Da mesma Corte Superior, do ano de 2020, merece relevo o acórdão
que considerou ser possível a oposição de embargos de terceiro em caso de
compromisso de compra e venda não registrado na matrícula, mesmo quando não houver
a entregado imóvel ao compromissário comprador. Conforme o decisum, “na hipótese, o
imóvel adquirido só não estava na posse da recorrida em razão de ainda estar
em fase de construção, razão pela qual o instrumento particular de compra e venda
colacionado aos autos – ainda que desprovido de registro – deve ser
considerado para fins de comprovação de sua posse, admitindo-
se, via de consequência, aoposição dos embargos de terceiro. Ademais, o instrumento
de compra e venda foi firmado em data anterior ao próprio ajuizamento da ação de execução
em que foi determinada a penhora do bem, não havendo que se falar em fraude à execução
ou má-fé da parte adquirente” (STJ, REsp 1.861.025/DF, 3.ª Turma, Rel. Min.
Nancy Andrighi, j. 12.05.2020,DJe18.05.2020).
Como outra situação concreta de ampliação dos efeitos contratuais,
repise-se o entendimento anterior do STJ no sentido de admitir que o
contrato de gaveta – comum nas hipóteses envolvendo o compromisso de
compra e venda – gere
efeitos perante o promitente vendedor. Dessa forma, se o compromissário comp
rador transmitisse o negócio para outrem (chamado de gaveteiro), mesmo sem
autorização da outra parte e havendo pontualidade contratual, seria possível que
o Gaveteiro pretendesse direitos contratuais em face do vendedor, inclusive de
revisão do negócio(STJ, AgRg no REsp 712.315/PR, 4.ª Turma, Rel. Min. Aldir
Passarinho Junior, DJ 19.06.2006; REsp 710.805/RS, 2.ª Turma, Rel. Min.
Francisco Peçanha Martins, DJ 13.02.2006; REsp 753.098/RS, Rel. Min.
Fernando Gonçalves, DJ 03.10.2005).Existem decisões que apontam como
argumento o fato de a Lei 10.150/2000 permitir a regularização da transferência do
imóvel ao Gaveteiro ( S T J , E D c l n o R E s 573.059/RS, 1.ª Turma, Rel. Min. Luiz Fux,
DJ 30.05.2005; e REsp 189.350/SP, 4.Turma, Rel. Min. Asfor Rocha,
DJ 14.10.2002).Entendo que as melhores ementas são as que relacionavam todo o
raciocínio como princípio da função social do contrato, o que representa notável
avanço para omundo contratual (STJ, AgRg no REsp 838.127/DF, 1.ª Turma,
Rel. Min. Luiz Fux,17.02.2009, DJe 30.03.2009; e REsp 769.418/PR, 1.ª
Turma, Rel. Min. Luiz Fux, j15.05.2007).
Todavia, infelizmente, como destacado no Capítulo 3 desta obra, houve uma
reviravolta no entendimento superior nos últimos anos. O STJ passou a entender que
“tratando-se de contrato de mútuo para aquisição de imóvel garantido pelo FCVS
avençado até 25/10/96 e transferido sem a interveniência da instituição
financeira, o cessionário possui legitimidade para discutir e demandar em juízo
questões pertinentes às obrigações assumidas e aos direitos adquiridos. (...). N
o caso decessão de direitos sobre imóvel financiado no âmbito do Sistema
Financeiro habitação realizada após 25/10/1996, a anuência da instituição financeira
mutuante é indispensável para que o cessionário adquira legitimidade ativa para
requerer revisão das condições ajustadas, tanto para os contratos garantidos
pelo FCVS como par aqueles sem referida cobertura” (STJ, REsp
1.150.429/CE, Corte Especial, Rel. Mi Ricardo Villas Bôas Cueva, j.
25.04.2013, DJe 10.05.2013, publicado no seu informativo n. 520). Como outrora
destacado, tal mudança representa, para este autor, um total retrocesso.

DO USO

O direito real de uso pode ser constituído de forma gratuita ou onerosa,


havendo acessão apenas do atributo de utilizar a coisa, seja ela móvel ou imóvel
(o U do GRUD). Por isso se justifica as nomenclaturas usufruto anão, nanico ou
reduzido. São partes do direito real em comento:
a)Proprietário – faz a cessão real da coisa.
b)Usuário – tem o direito personalíssimo de uso ou utilização da coisa.
Recaindo sobre imóvel, o direito real de uso deve ser registrado no
Cartório de Registro de Imóveis (art. 167, I, n. 7, da Lei 6.015/1973). Na prática,
rara é a sua ocorrência. Para ilustrar, pode ser citada a cessão real de uso de
jazigos em cemitérios, conforme o antigo julgado a seguir:

“Civil. Ação de cobrança. Cessão de direito real de uso de


jazigo perpétuo. Obrigação contratual do cessionário de pagar as taxas anuais
de manutenção do cemitério. Exigência descabida da construção
antecipada de jazigos.
Ação procedente. Reconvenção improcedente. I – Não há cerceame
nto de defesa, se o fato é confessado pela parte adversa, sendo,
porém, considerado irrelevante para o deslinde da causa. II – Tendo
a cessionária pago durante muitos anos seguidos a taxa de manutenção,
não pode agora recusá-la, dando ao contrato interpretação diversa, sob
pena de comportamento contraditório. III – Não pode ser considerada
inadimplida a obrigação ainda inexigível”(TJPR, Apelação Cível
0053038-1, Acórdão 16739, 2.ª Câmara Cível,Curitiba, Rel. Juiz
Conv. Munir Karam, DJPR 29.11.1999).

Conforme o art. 1.412 do CC, o usuário utilizará a coisa e perceberá


os seu frutos, quanto o exigirem as necessidades suas e de sua família. Assim, a fruição
somente é possível para atender às necessidades básicas da família, o que está
em sintonia com a ideia de patrimônio mínimo. Levam-se em conta as
necessidades pessoais do usuário conforme a sua condição social e o lugar onde
viver (§ 1.º). Para tanto, a lei considera como componentes da família o cônjuge do
usuário, os seus filhos solteiros e as pessoas do seu serviço doméstico (§ 2.º). A
última norma totalmente superada pela ampliação do conceito de família, conforme se verá
no próximo capítulo desta obra. Isso pode ser percebido, por exemplo, pela
injustificada menção ao companheiro ou convivente, que goza de proteção constitucional
(art. 226,§ 3.º, da CF/1988).Breve e derradeiro – como é o instituto –, determina o
art. 1.413 do Aplicação ao uso, por analogia, das mesmas regras do usufruto,
desde que não sejam com ele incompatíveis. Assim, incidem os mesmos casos de
extinção por último estudados (art. 1.410 do CC).

DA HABITAÇÃO

O direito real de habitação constitui o mais restrito dos direitos reais


de fruição, eis que apenas é cedida uma parte do atributo de usar, qual seja o
direito de habitar o imóvel (fração do U do GRUD). São partes da habitação:
Proprietário – transmite o direito. Habitante – tem o direito de habitar o imóvel a
seu favor.
Tal direito real pode ser legal ou convencional, decorrendo o último de
contrato ou testamento. O direito real de habitação legal será abordado no Capítulo
9 deste livro, pois tem grande pertinência no estudo da sucessão legítima do companheiro
edo cônjuge (art. 1.831 do CC). Recaindo sobre imóvel, o direito real de
habitação convencional deve ser registrado no Cartório de Registro de Imóveis
(art. 167, I, n. 7da Lei 6.015/1973), norma que não se aplica ao direito de
habitação legal que decorre do Direito das Sucessões. O caráter gratuito da
habitação é claro no art. 1.414 do CC, pelo qual o titular deste direito não a pode
alugar, nem emprestar, mas simplesmente ocupá-la com sua família. Eventual
desrespeito a essa norma acarreta a retomada do imóvel, por desvio de função.
Ademais, a norma deixa claro o caráter personalíssimo da categoria
(intuitu personae), não sendo possível ceder o direito a terceiros, eis que o
instituto visa à moradia específica do beneficiado. Dessa forma, não é viável
juridicamente que o habitante institua um benefício semelhante em favor de terceiro,
sendo proibido o direito real de habitação de segundo grau. Como a norma é de ordem
pública, não cabe previsão em contrário no instrumento de instituição, sob pena de nulidade
virtual (art. 166, inc. VII, segunda parte, do CC).Em havendo direito real de habitação
simultâneo, conferido a mais de uma pessoa, qualquer delas que sozinha habite
a casa não terá de pagar aluguel à outra, ou às outras, o que ressalta o seu
caráter gratuito (art. 1.415 do CC). Porém, esse habitante exclusivo não pode as inibir
de exercerem, querendo, o direito, que também lhes compete, de habitá-la. Em suma, é
possível o compartilhamento compulsório do imóvel. Por fim, são aplicáveis à
habitação, no que não for contrário à sua natureza, as disposições relativas ao
usufruto (art. 1.416 do CC). Desse modo, como já fico claro, cabem as formas
de extinção previstas pelo art. 1.410 do

BORA PRA CIMA!

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