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27 de Abril de 2020

É possível Ação de Revisão dos Aluguéis em razão do


Coronavírus?

Uma análise sobre cabimentos, pontos controvertidos e possibilidades de


acordos extrajudiciais e judiciais.

O valor do aluguel inicial é de livre convenção entre as partes, nos


limites do artigo 17 da Lei do Inquilinato (Lei nº 8.245/1991), e, em
regra, acompanha o valor de mercado, isto é, pela lei da oferta e da
demanda.

/
Art. 17. É livre a convenção do aluguel, vedada a sua estipulação
em moeda estrangeira e a sua vinculação à variação cambial ou ao
salário mínimo.

Assim, considerando-se que crises políticas ou econômicas, bem como


obras públicas podem alterar consideravelmente o valor de mercado,
ou mesmo fatos supervenientes de outras espécies podem ocorrer, o
artigo 18 da mesma Lei deixou à critério das partes contratantes
(locador e locatário) a fixação de novo valor de aluguel durante a
vigência do contrato, desde que de comum acordo.

Art. 18. É lícito às partes fixar, de comum acordo, novo valor para
o aluguel, bem como inserir ou modificar cláusula de reajuste.

O acordo é modalidade prevista e regulada pelo Lei geral, no artigo 840


e seguintes do Código Civil.

Art. 840. É lícito aos interessados prevenirem ou terminarem o


litígio mediante concessões mútuas. Transação é forma de extinção
de litígio mediante concessões recíprocas.

Ocorre que, em muitos casos, as partes não conseguem chegar a um


consenso acerca do novo valor.

Assim, no caso de desequilíbrio econômico, a Lei do Inquilinato


apresenta a Ação Revisional de Aluguel como mecanismo para reaver
esse equilíbrio entre as partes.

A base jurídica da Ação Revisional decorre principalmente da Teoria


da Onerosidade Excessiva, já que uma das partes está sofrendo
prejuízo.

Ocorre que, prevista no artigo 19, e artigos 68 a 70 da Lei do


Inquilinato, um dos pré-requisitos para a Ação Revisional é que o
contrato tenha, no mínimo, 3 (três) anos de vigência.

/
Art. 19. Não havendo acordo, o locador ou locatário, após três anos
de vigência do contrato ou do acordo anteriormente realizado,
poderão pedir revisão judicial do aluguel, a fim de ajustá-lo ao
preço de mercado.

Nesse sentido, ponto controverso é o


caso de contratos que não tenham
atingido 3 (três) anos de vigência
durante a crise econômica decorrente
da pandemia.

Isto porque, sob o prisma da Lei do


Inquilinato, mesmo que ocorra fato
superveniente, nos casos de Contrato
de Locação vigentes a menos de 3
(três) anos, não seria possível a
discussão judicial do caso por meio de
Ação Revisional.
Para esses casos, entretanto, poderíamos nos valer da resolução
contratual, aplicando de forma subsidiária o Código Civil, ou seja, a
hipótese de rescisão do contrato entre as partes, admitida em seu
artigo 478:

Art. 478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a


prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa,
com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos
extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a
resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar
retroagirão à data da citação.

/
Desta forma, seria cabível a Ação de Resolução/Rescisão Contratual,
com o pedido de isenção da multa pela rescisão antecipada do contrato,
utilizando-se o argumento da Onerosidade Excessiva.

Sendo assim, entendendo-se que a Teoria da Onerosidade


Excessiva foi criada para restaurar o equilíbrio da relação original,
admitiria-se também a Resolução do Contrato quando não houver
possibilidade desse reequilíbrio.

Nesses termos, com base no Princípio da Conservação do


Negócio Jurídico, essa Onerosidade Excessiva poderia ser ainda
corrigida de forma consensual, mesmo que no curso do processo, nos
termos do artigo 479 do Código Civil, que por sua vez estabelece:

Art. 479. A resolução poderá ser evitada, oferecendo-se o réu a


modificar equitativamente as condições do contrato.

Nessa assentada, importante trazer à baila o entendimento de Silvio de


Salvo Venosa, ao aduzir que:

“(...) Os contratos do inquilinato são contratos dirigidos pelo


Estado, sendo certo que o valor dos alugueres tem importância
fundamental para a política estatal”. (VENOSA, Sílvio de Salvo. Lei
do inquilinato comentada – doutrina e prática. São Paulo: Atlas,
2010, p.100).

Nesse sentido, Marcelo Chiavassa M. P. Lima aponta que:

“O contrato de locação de imóvel possui características ímpares,


que o faz possuir uma função pública e uma função privada”.
(SCAVONE Jr., Luiz Antonio, e LIMA. Marcelo C. M. P. Lei do
inquilinato comentada – visão atual da doutrina e jurisprudência.
Rio de Janeiro: Gen, 2017, p.74).

/
Desta feita, ao entender dos doutrinadores acima destacados, a função
pública se daria em razão do Direito Constitucional de acesso à
moradia (art. 6º, caput da CRFB/88), enquanto a função privada
visaria os interesses dos particulares, pois enquanto uma parte utiliza o
imóvel (para moradia ou atividade econômica) a outra recebe a
contraprestação devida.

Art. 6º. São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a


moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à
maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na
forma desta Constituição.

Nesse ínterim, salientando o entendimento de Silvio da Saulo Venosa


de que “são constantes as alterações econômicas e financeiras no país
que afetam diretamente a locação”¹, podemos verificar que o contrato
de locação foi objeto de proteção especial do legislador, motivo pelo
qual, com a finalidade de resguardar as partes nos casos não previstos
na Lei do Inquilinato, seu artigo 79 prevê a possibilidade de aplicação
das regras gerais do Código de Civil e de Processo Civil:

Art . 79. No que for omissa esta lei aplicam-se as normas do Código
Civil e do Código de Processo Civil.

¹(VENOSA, Sílvio de Salvo. Lei do inquilinato comentada –


doutrina e prática. São Paulo: Atlas, 2010, p.100)

Nessa seara, temos o ponto


controvertido com respeito ao prazo
estabelecido pela Lei do Inquilinato
para ingresso da Ação Revisional de
Aluguel, pois os Civilistas entendem
que a Lei especial deveria dialogar com
a Lei geral (Código Civil) para conferir
/
resposta justa ao caso concreto, o que
não ocorreria caso o diploma geral
somente pudesse ser aplicado de modo
subsidiário.
Na esteira desse raciocínio, Flávio Tartuce, com base nos
artigos 317 e 478 do Código Civil, afirma que a Lei geral
resumiria em 6 (seis) os requisitos para a revisão judicial dos
contratos:

1. Contrato bilateral;

2. Contrato oneroso;

3. Contrato comutativo;

4. Contrato de execução diferida ou continuada, e que, quando da


execução, tenha havido alteração das circunstâncias fáticas
vigentes à época da contratação;

5. Que a alteração do caso concreto fosse inesperada e imprevisível


quando da celebração do contrato;

6. Que a alteração do caso concreto tenha promovido desequilíbrio


entre as prestações, ou seja, Onerosidade Excessiva.

(TARTUCE, Flávio. Manual de direito civil: volume único. 10. Ed.


Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2020. pp. 605/608
– grifo nosso).

Nesse sentido, considerando que o Artigo 317 do Código Civil apresenta


a Teoria da Imprevisão, que trata de um evento que atinge não
apenas o devedor, mas sim a população em geral, estando presentes os
requisitos, o juiz mesmo poderia estipular novo valor para aluguel
(provisório ou definitivo), corroborando o entendimento de cabimento
da Ação Revisional independente da vigência contratual limitada a 3
(três) anos pela Lei do Inquilinato.

/
Art. 317. Quando, por motivos imprevisíveis, sobrevier
desproporção manifesta entre o valor da prestação devida e o do
momento de sua execução, poderá o juiz corrigi-lo, a pedido da
parte, de modo que assegure, quanto possível, o valor real da
prestação.

Ante o exposto, diante do atual cenário


de pandemia e sobrecarga do judiciário,
urge reprisar que a via judicial deve ser
entendida como última alternativa,
conforme intensão do próprio
legislador ao dispor no artigo 19 da Lei
do Inquilinato, que a Ação Revisional
seria proposta quando não houvesse
possibilidade de acordo.
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FONTE:

LEI No 8.245, DE 18 DE OUTUBRO DE 1991.

LEI N o 10.406, DE 10 DE JANEIRO DE 2002.

(VENOSA, Sílvio de Salvo. Lei do inquilinato comentada –


doutrina e prática. São Paulo: Atlas, 2010).

/
(SCAVONE Jr., Luiz Antonio, e LIMA, Marcelo C. M. P. Lei
do inquilinato comentada – visão atual da doutrina e
jurisprudência. Rio de Janeiro: Gen, 2017).

(TARTUCE, Flávio. Manual de direito civil: volume único.


10. Ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO,
2020).

Samantha Oliveira é advogada especialista em direito


imobiliário e empresarial, e oferece serviços para guiar todos
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