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Prof. Cristiano Chaves de Farias
Promotor de Justiça do Ministério Público do Estado da Bahia
Professor de Direito Civil do CERS

TEORIA GERAL DOS CONTRATOS


(Parte I)

1. Noções gerais sobre os contratos.

Conceito e distinção com os negócios jurídicos.

Conceito clássico: acordo de vontades para efeitos patrimoniais.

A liberdade originada na Revolução Francesa. O pacta sunt servanda. A importância


da vontade (liberalismo) + liberdade contratual (modelo individualista). A relatividade dos
efeitos do contrato e a autonomia da vontade.

Conceito contemporâneo: acordo de vontades com preocupação com repercussão


social (nucleada na solidariedade social).

A MUTAÇÃO CONCEITUAL DOS CONTRATOS: Constitucionalização do Direito Civil


e do Direito Contratual. Distinção com o fenômeno da publicização do Direito Civil.

Fenômeno da mutação conceitual dos contratos (à semelhança do que vem se


admitindo como uma mutação constitucional – STF, HC 86.009/DF-QO: mudança de
interpretação sem alterar a estrutura ôntica).

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Posição do STF: “(...) 5. Mutação constitucional. Alteração da realidade social e
nova compreensão do alcance dos direitos do menor adotado. Avanço do

significado atribuído à licença parental e à igualdade entre filhos, previstas na


Constituição. Superação de antigo entendimento do STF.

6. Declaração da inconstitucionalidade do art. 210 da Lei nº 8.112/1990 e dos


parágrafos 1º e 2º do artigo 3º da Resolução CJF nº 30/2008.

7. Provimento do recurso extraordinário, de forma a deferir à recorrente prazo


remanescente de licença parental, a fim de que o tempo total de fruição do

benefício, computado o período já gozado, corresponda a 180 dias de afastamento

remunerado, correspondentes aos 120 dias de licença previstos no art. 7º, XVIII,CF,
acrescidos de 60 dias de prorrogação, tal como estabelecido pela legislação em

favor da mãe gestante.

8. Tese da repercussão geral: “Os prazos da licença adotante não podem ser

inferiores aos prazos da licença gestante, o mesmo valendo para as respectivas


prorrogações. Em relação à licença adotante, não é possível fixar prazos diversos
em função da idade da criança adotada”.

(STF, Ac. Tribunal Pleno, RE 778.889/ PE, rel. Min. Luís Roberto Barroso, j. 10.3.16)

Nova dimensão da autonomia privada: evolução de instrumento de circulação de


riquezas para adequar-se aos valores constitucionais de livre desenvolvimento da pessoa
humana, respeitando a sua dignidade e a solidariedade social. Mutação no conceito de
autonomia privada: da autonomia da vontade (liberdade contratual apenas) para a
autonomia privada.

Valorização da autonomia privada pela ótica dos direitos fundamentais e sociais


(STF, RE 201.819/RJ e a eficácia horizontal dos direitos fundamentais). A autonomia
privada não pode ser represada nas relações patrimoniais, também incidindo nas relações
existenciais. (Re)personalização do Direito Civil: relevância para a vontade humana.

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A dignidade da pessoa humana como valor supremo, a solidariedade
social/erradicação da pobreza e a igualdade substancial: a evolução do conceito de
contrato como vínculo jurídico para a sua compreensão como processo (relação
complexa). O contrato como processo.

“A concepção atual de relação jurídica, em virtude da incidência do princípio da boa-


fé, é a de uma ordem de cooperação, em que aluem as posições tradicionais do
devedor e do credor” (COUTO E SILVA, Clóvis. A obrigação como processo, São Paulo:
José Butschasky, 1976, p.120)

“Não se quer com isso negar que a relação jurídica obrigacional está destinada à
satisfação do interesse do credor, mas enfatizar a necessidade de que este também
deve cooperar na consecução deste fim” (PERLINGIERI, Pietro. Perfis do Direito Civil,
Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p.212)

Novas possibilidades contratuais:

i) Possibilidade de contratos de direitos da personalidade (cessão de imagem);


ii) Contratos de Direito de Família.
iii) Contratos relacionais ou de longa duração (cativo). Aumento da importância da boa-
fé objetiva. Exemplo imposição de prazo mínimo nos contratos de telefonia celular quando a
empresa fornece o aparelho (STJ, REsp. 1.087.783/RJ).
iv) Contratos no CDC e a posição finalística mitigada do STJ (STJ, REsp 1.297.857/SP)
v) A possibilidade de celebração de negócios jurídicos processuais no novo CPC –
arts. 190 e 191.

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Art. 190, novo CPC: “Versando o processo sobre direitos que admitam autocomposição,
é lícito às partes plenamente capazes estipular mudanças no procedimento para ajustá-lo às
especificidades da causa e convencionar sobre os seus ônus, poderes, faculdades e deveres
processuais, antes ou durante o processo.
Parágrafo único. De ofício ou a requerimento, o juiz controlará a validade das
convenções previstas neste artigo, recusando-lhes aplicação somente nos casos de nulidade
ou de inserção abusiva em contrato de adesão ou em que alguma parte se encontre em
manifesta situação de vulnerabilidade.”

Art. 191, novo CPC: “De comum acordo, o juiz e as partes podem fixar calendário para
a prática dos atos processuais, quando for o caso.
§ 1o O calendário vincula as partes e o juiz, e os prazos nele previstos somente serão
modificados em casos excepcionais, devidamente justificados.
§ 2o Dispensa-se a intimação das partes para a prática de ato processual ou a realização
de audiência cujas datas tiverem sido designadas no calendário.”

2. Contratos e direito intertemporal.

Art. 2.035, CC: “A validade dos negócios e demais atos jurídicos, constituídos antes da
entrada em vigor deste Código, obedece ao disposto nas leis anteriores, referidas no art.
2.045, mas os seus efeitos, produzidos após a vigência deste Código, aos preceitos dele se
subordinam, salvo se houver sido prevista pelas partes determinada forma de execução.”

A solução genérica a partir dos planos da validade e da eficácia. Fórmula genérica para
as relações jurídicas de trato sucessivo (CF 5º, XXXVI).

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Exemplos de aplicação da regra intertemporal: multa condominial (STJ,
REsp.722.904/RS); mudança de regime de bens para pessoas casadas sob a égide do CC/16
(STJ, REsp.730.546/MG).; a proibição de sociedades entre pessoas casadas (CC 970 e
Jornada 204).

Existência e validade Norma jurídica vigente na data da


celebração do contrato

Eficácia Norma jurídica vigente no


momento presente

3. Elementos de validade.

Elementos genéricos de validade dos negócios jurídicos.

Art. 104, CC: “A validade do negócio jurídico requer:

I - agente capaz;

II - objeto lícito, possível, determinado ou determinável;

III - forma prescrita ou não defesa em lei.”

Capacidade do agente: os entes despersonalizados; a necessidade episódica de


legitimação (requisitos específico para atos específicos). A incapacidade do agente e
invalidade (exceções legais, ex: CC 588 e 589: senatus consulto macedoniano).

Os contratos plurilaterais/multilaterais (ex: troca ou permuta).

Os contratos difusos ou coletivos.

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Art. 588, CC:

“O mútuo feito a pessoa menor, sem prévia autorização daquele sob cuja guarda
estiver, não pode ser reavido nem do mutuário, nem de seus fiadores.”

Art. 589, CC:

“Cessa a disposição do artigo antecedente:

I - se a pessoa, de cuja autorização necessitava o mutuário para contrair o empréstimo,


o ratificar posteriormente;

II - se o menor, estando ausente essa pessoa, se viu obrigado a contrair o empréstimo


para os seus alimentos habituais;

III - se o menor tiver bens ganhos com o seu trabalho. Mas, em tal caso, a execução
do credor não lhes poderá ultrapassar as forças;

IV - se o empréstimo reverteu em benefício do menor;

V - se o menor obteve o empréstimo maliciosamente”.

Licitude do objeto: a indeterminabilidade relativa e a incidência do CC 106; a proibição


de pacto sucessório (CC 426) e a excepcional possibilidade de partilha em vida, desde que
resguarde a sua dignidade com cláusula de usufruto vitalício (CC 2.018) – dificuldade de
definição se tem natureza de doação ou de sucessão em vida.

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Art. 426, CC: “Não pode ser objeto de contrato a herança de pessoa viva.”

Art. 2.018, CC: “É válida a partilha feita por ascendente, por ato entre vivos ou de
última vontade, contanto que não prejudique a legítima dos herdeiros necessários.”

Formalidade: regra geral da consensualidade e formalidade prescrita, sob pena de nulidade.

A relevância da forma (quando prescrita em lei ou pela vontade das partes) e a questão dos
contratos imobiliários.

O regime jurídico da forma no novo CPC:

Art. 277, CPC: “Quando a lei prescrever determinada forma, o juiz considerará válido o
ato se, realizado de outro modo, lhe alcançar a finalidade.”

Os contratos consensuais, os contratos solenes e os contratos reais. A distinção em relação à


aquisição de propriedade (contrato não gera aquisição de propriedade!).

A nulidade por violação de forma. A ratificação dos contratos anuláveis e a conversão


substancial dos contratos nulos.

Art. 108, CC: “Não dispondo a lei em contrário, a escritura pública é essencial à validade
dos negócios jurídicos que visem à constituição, transferência, modificação ou renúncia de
direitos reais sobre imóveis de valor superior a trinta vezes o maior salário mínimo vigente
no País.”

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Art. 109, CC: “No negócio jurídico celebrado com a cláusula de não valer sem
instrumento público, este é da substância do ato.”

Art. 227, CC: “Salvo os casos expressos, a prova exclusivamente testemunhal só se


admite nos negócios jurídicos cujo valor não ultrapasse o décuplo do maior salário mínimo
vigente no País ao tempo em que foram celebrados.

Parágrafo único. Qualquer que seja o valor do negócio jurídico, a prova testemunhal é
admissível como subsidiária ou complementar da prova por escrito.”

Art. 442, CPC: “A prova testemunhal é sempre admissível, não dispondo a lei de modo
diverso.”

Art. 444, CPC: “Nos casos em que a lei exigir prova escrita da obrigação, é admissível
a prova testemunhal quando houver começo de prova por escrito, emanado da parte contra
a qual se pretende produzir a prova.“

Art. 445, CPC: “Também se admite a prova testemunhal quando o credor não pode ou
não podia, moral ou materialmente, obter a prova escrita da obrigação, em casos como o de
parentesco, de depósito necessário ou de hospedagem em hotel ou em razão das práticas
comerciais do local onde contraída a obrigação.”

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Vontade livre e desembaraçada:

Vícios de vontade; o silêncio como manifestação de vontade.

Art. 111, CC: “O silêncio importa anuência, quando as circunstâncias ou os usos o


autorizarem, e não for necessária a declaração de vontade expressa.”

4. Regras de interpretação dos contratos de adesão e de consumo.

Interpretação dos contratos de adesão. Exemplo: interpretação do contrato de cobertura


médico-hospitalar de seguro-saúde (STJ, REsp. 435.241/SP).

Harmonia com o art. 47 do CDC (interpretação favorável ao consumidor).

Art. 423, CC: “Quando houver no contrato de adesão cláusulas ambíguas ou


contraditórias, dever-se-á adotar a interpretação mais favorável ao aderente.”

Interpretação das cláusulas que estabelecem renúncia antecipada em contrato de adesão.


Exemplo: cláusula de renúncia antecipada às benfeitorias e retenção em contrato de locação
de imóvel urbano por adesão (Jornada 433).

O problema da Súmula 335, STJ.

Art. 424, CC: “Nos contratos de adesão, são nulas as cláusulas que estipulem a renúncia
antecipada do aderente a direito resultante da natureza do negócio.”

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Súmula 335, STJ:

“Nos contratos de locação, é válida a cláusula de renúncia à indenização das


benfeitorias e ao direito de retenção.”

Interpretação do contrato aleatório (CC 458 a 461).

Álea significando a possibilidade de algum fator externo influenciar os efeitos de um contrato


(ex: safra agrícola).

Emptio spei: assume-se o risco de a compra futura não existir (CC 458).

Emptio rei speratur: assume-se o risco apenas em relação à quantidade da coisa futura
adquirida (CC 459).

Art. 458. Se o contrato for aleatório, por dizer respeito a coisas ou fatos futuros, cujo
risco de não virem a existir um dos contratantes assuma, terá o outro direito de receber
integralmente o que lhe foi prometido, desde que de sua parte não tenha havido dolo ou
culpa, ainda que nada do avençado venha a existir.

Art. 459. Se for aleatório, por serem objeto dele coisas futuras, tomando o adquirente
a si o risco de virem a existir em qualquer quantidade, terá também direito o alienante a todo
o preço, desde que de sua parte não tiver concorrido culpa, ainda que a coisa venha a existir
em quantidade inferior à esperada.

Parágrafo único. Mas, se da coisa nada vier a existir, alienação não haverá, e o alienante
restituirá o preço recebido.

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5. Contrato preliminar (pré-contrato ou promessa de contrato).

Natureza e estrutura.

Art. 462, CC: “O contrato preliminar, exceto quanto à forma, deve conter todos os
requisitos essenciais ao contrato a ser celebrado.”

Art. 463. Concluído o contrato preliminar, com observância do disposto no artigo


antecedente, e desde que dele não conste cláusula de arrependimento, qualquer das partes
terá o direito de exigir a celebração do definitivo, assinando prazo à outra para que o efetive.

Parágrafo único. O contrato preliminar deverá ser levado ao registro competente.

Art. 464. Esgotado o prazo, poderá o juiz, a pedido do interessado, suprir a vontade da
parte inadimplente, conferindo caráter definitivo ao contrato preliminar, salvo se a isto se
opuser a natureza da obrigação.

Art. 465. Se o estipulante não der execução ao contrato preliminar, poderá a outra
parte considerá-lo desfeito, e pedir perdas e danos.

Art. 466. Se a promessa de contrato for unilateral, o credor, sob pena de ficar a mesma
sem efeito, deverá manifestar-se no prazo nela previsto, ou, inexistindo este, no que lhe for
razoavelmente assinado pelo devedor.

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Tutela jurídica.

STJ 239: “O direito à adjudicação compulsória não se condiciona ao registro do


compromisso de compra e venda no cartório de imóveis.”

STJ 84: “É admissível a oposição de embargos de terceiro fundados em alegação de


posse advinda do compromisso de compra e venda de imóvel, ainda que desprovido do
registro.”

STJ 76: “A falta de registro do compromisso de compra e venda de imóvel não


dispensa a prévia interpelação para constituir em mora o devedor”.

SÚMULA 543, STJ:

“Na hipótese de resolução de contrato de promessa de compra e venda de imóvel


submetido ao Código de Defesa do Consumidor, deve ocorrer a imediata restituição das
parcelas pagas pelo promitente comprador - integralmente, em caso de culpa exclusiva do
promitente vendedor/construtor, ou parcialmente, caso tenha sido o comprador quem deu
causa ao desfazimento.”

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