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E-BOOK

INTRODUÇÃO A TEORIA
GERAL DOS CONTRATOS
Noções gerais de contrato

APRESENTAÇÃO

É impossível viver sem os contratos. Na sua vida privada, você já parou para avaliar a
relevância dos contratos?

Quando você envia uma mensagem para um amigo ou parente por meio de um aplicativo do seu
celular, você está contratando; quando você utiliza a energia elétrica ou o serviço de
fornecimento de gás de sua residência para tomar um banho quente, está contratando; quando
necessita de um meio de transporte, seja ele ônibus, táxi, ou serviços de transporte via
aplicativo, está contratando; quando vai assistir a uma sessão de cinema, está contratando;
quando assiste a uma aula, está contratando; quando doa roupas que não usa mais para a
caridade, está contratando.

Isso tudo porque os contratos possibilitam a vida em sociedade. Os contratos permitem que
negócios sejam realizados, propiciam a circulação de riquezas e fornecem maior segurança de
que a vontade manifestada seja cumprida. Em razão da proeminência dessa figura jurídica no
meio social, faz-se necessário conhecer o instituto dos contratos com mais profundidade.

Nesta Unidade de Aprendizagem, você irá estudar as noções gerais dos contratos, incluindo seus
aspectos relevantes e seus elementos constitutivos, além dos princípios aplicáveis à disciplina
contratual.

Bons estudos.

Ao final desta Unidade de Aprendizagem, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

• Explicar a relevância do estudo dos contratos.


• Analisar os elementos constitutivos dos contratos.
• Identificar os princípios aplicáveis aos contratos.

DESAFIO

Veja a situação apresentada no Desafio a seguir.


Como advogado de seu João da Silva, responda:

Relativamente à vontade de seu João: pode-se dizer que a vontade interna de seu João
correspondeu à vontade manifestada no instrumento contratual?

Relativamente à defesa de seu João: que dispositivos legais e princípios contratuais poderiam
ser invocados em defesa de seu João?

INFOGRÁFICO

Para que você compreenda melhor as noções gerais de contrato, é importante categorizá-lo
juridicamente. Sendo assim, é interessante apresentar simplificada e esquematicamente a teoria
do fato jurídico.

No escalonamento criado para o entendimento do fato jurídico, a natureza jurídica do contrato é


de negócio jurídico bilateral, pois consiste em manifestações de vontade cujos efeitos podem ser
escolhidos pelas partes.

No Infográfico a seguir, você vai poder observar o enquadramento dos contratos e dos demais
fatos de relevância jurídica, assim como as suas peculiaridades.

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CONTEÚDO DO LIVRO

O contrato é uma figura jurídica que evoluiu junto com o desenvolvimento enconômico e social.
De livre manifestação da vontade das partes, passou a ser um instrumento de proveito individual
e, sempre que possível, coletivo. A máxima de que o contrato deve ser lei entre as partes
encontrou nas grandes guerras, uma justificativa para o seu abrandamento e passou a ser
necessário um esforço doutrinário e jurisprudencial para dar conta dos casos disfuncionais de
contratação.

No capítulo Noções gerais de contrato, do livro Direito Civil III: teoria geral dos contratos,
base teórica desta Unidade de Aprendizagem, você vai encontrar mais subsídios para embasar o
seu estudo sobre as noções gerais de contrato. No material, constam ensinamentos acerca da
importância dos negócios jurídicos contratuais, sobre os elementos essenciais e acidentais dos
negócios jurídicos (incluindo a escada ponteana), assim como uma compilação dos mais
relevantes princípios orientadores da disciplina contratual.

Bons estudos.
DIREITO CIVIL III:
TEORIA GERAL DOS
CONTRATOS

Patricia Fernandes Fraga


Noções gerais de contrato
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

 Explicar a relevância do estudo dos contratos.


 Analisar os elementos constitutivos dos contratos segundo a ótica
ponteana.
 Identificar os princípios fundamentais aplicáveis aos contratos.

Introdução
Entendidas como os negócios em geral, as trocas realizadas entre os indi-
víduos são muito anteriores à regulamentação dos negócios pelo Direito,
uma vez que fazem parte da vida em sociedade e, consequentemente,
do desenvolvimento da civilização.
Com o passar dos séculos, esses negócios tornaram-se cada vez mais
diversos e complexos. De meros escambos e contratos sem qualquer
expressão escrita, a figura do contrato evoluiu para formas contratuais de
clausulado extenso e sofisticado. Da mesma maneira, para acompanhar
a dinâmica socioeconômica, os contratos desenvolvidos paritariamente
pelas partes pouco a pouco cederam lugar aos contratos de massa,
destinados a contratantes despersonalizados. Esses contratos eram desen-
volvidos por meio de instrumentos em que o aceitante não dispunha de
qualquer grau de liberdade ou poder para deliberar acerca das cláusulas
contratuais, de modo que apenas aderia aos termos predeterminados
pelo proponente se assim fosse a sua vontade. Caso contrário, desistia
da negociação sem a possibilidade de formular uma contraproposta.
Frente a esse novo cenário, o Direito precisou adaptar a sua concepção
tradicional de contrato às modificações trazidas pela contemporaneidade
para regular as relações negociais entre as partes, evitar a supremacia dos
interesses de um contratante sobre o outro e consolidar princípios com
vistas a guiar o bom andamento das trocas.
2 Noções gerais de contrato

Neste capítulo, estudaremos algumas noções gerais dos contratos,


examinando a importância, o conceito, os elementos característicos e os
princípios orientadores da disciplina contratual.

Relevância social dos contratos


É inegável que o contrato é a figura jurídica de maior relevância no estudo do
Direito Civil, pois se configura como a fonte principal das obrigações (GON-
ÇALVES, 2010). Afinal, os contratos possibilitam as trocas, que permitem a
circulação de riquezas, sendo que essa circulação teoricamente possibilita que
um maior número de pessoas tenha acesso a bens e serviços. Por conseguinte,
aumentam as trocas e as riquezas, formando o que podemos chamar de um
círculo virtuoso.

Contratar faz parte da vida em sociedade.

Toda a sua vida é e provavelmente sempre será permeada por contratos,


desde os mais simples e automáticos até os mais complexos. Na vida con-
temporânea, contratar por vezes é uma contingência ou necessidade, como
podemos verificar nos contratos de fornecimento de água, gás e energia elétrica.
Contudo, eles também podem abarcar apenas uma forma de consumir lazer e
entretenimento, como no contexto dos contratos de prestação de serviços de
streaming (transmissão contínua) de vídeo e música, televisão por assinatura
ou, ainda, serviços gastronômicos ou artísticos.
Ainda no que se refere à importância da figura contratual, cumpre mencio-
narmos que o contrato é o instrumento que concretiza o direito de propriedade
(GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2008b), pois permite ao proprietário de
um bem-dispor sobre ele do modo que lhe aprouver em consonância e com
a proteção do ordenamento jurídico. Ademais, trata-se de um instituto de
conhecimento corrente, quase intuitivo, visto que ninguém vive em sociedade
sem contratar.
De modo geral, as relações de trabalho, a formação das empresas, a aquisi-
ção de bens e serviços ficariam sem regulação sem os contratos. Além disso, por
regulamentar os interesses das partes contratantes, eles estimulam os negócios,
uma vez que propiciam segurança jurídica quanto à execução da das vontades
manifestadas no instrumento contratual. Portanto, podemos concluir que os
contratos são instrumentos que reforçam a confiança e a colaboração entre
Noções gerais de contrato 3

as partes (COOTER; ULEN, 2010). Sendo assim, é evidente a necessidade de


compreender claramente o conceito, a natureza jurídica, as características, os
elementos e os princípios que norteiam as relações contratuais.

Conceito e natureza jurídica


O conceito de contrato modificou-se ao longo do tempo. Inicialmente conce-
bido como expressão do liberalismo econômico, da liberdade e da autonomia
das pessoas, aos poucos se tornou um instrumento de solidariedade e ética.
Antes de discutirmos as concepções de contrato propriamente ditas, cumpre
esclarecermos alguns aspectos acerca do fenômeno jurídico. Fato jurídico é
todo ato humano ou fato da natureza que tem relevância jurídica e, portanto,
passa a ser objeto de interesse e tutela pelo Direito. Inseridos nessa imensa
gama de fatos, encontram-se os atos executados pelo homem. Quando esses atos
são realizados de forma voluntária, lícita e de modo que os sujeitos envolvidos
possam escolher os efeitos que desejam produzir com a sua manifestação de
vontade, originam os negócios jurídicos, cujos exemplos mais notáveis para
o Direito Civil são justamente os contratos.
Conforme explica Gonçalves (2010), segundo a concepção clássica, con-
trato pode ser conceituado em sentido amplo como uma espécie de negócio
jurídico formado por, no mínimo, duas partes mediante mútuo consenso. Em
sentido estrito, por outro lado, pode ser entendido como um negócio jurídico
que cria, modifica ou extingue relações jurídicas patrimoniais. No mesmo
sentido, ao apresentar a influência do Direito francês na matéria contratual,
Almeida (2014, p. 25) ensina que contrato é um “[...] acordo projetado para
o futuro, que engendra, para um ou mais das pessoas que nele tomam parte,
obrigações de dar, de fazer ou de não fazer”.
Já Roppo (2009), com uma abordagem mais pragmática da figura contra-
tual, apresenta o contrato tanto como figura jurídica quanto como fenômeno
social. O autor demonstra que, antes de ser uma figura regulada pelo Direito,
o contrato representa uma operação econômica. Concretamente, refere a “[...]
aquisição ou a troca de bens e de serviços, o ‘negócio’ em suma, entendido,
por assim dizer, na sua materialidade, fora de toda a formalização legal, de
toda a mediação operada pelo direito ou pela ciência jurídica” (ROPPO, 2009,
p. 8). Diante disso, o autor expõe que o contrato “é a veste jurídico-formal de
operações econômicas. Donde se conclui que onde não há operação econômica,
não pode haver também contrato [...]” (ROPPO, 2009, p. 11). Ao considerarmos
o contrato como um instrumento jurídico para o fluxo das operações econô-
4 Noções gerais de contrato

micas, depreendemos que não existe contrato sem conteúdo patrimonial, dada
a concepção clássica de contrato, sendo necessário que ele crie, modifique ou
extinga uma relação jurídica de natureza econômica.
Além dessas, existem outras definições que compreendem o contrato como
inevitável e inafastável, configurando-se como uma figura jurídica de grande
relevância. Mediante a inclusão dos princípios jurídicos que regem a figura
dos contratos, podemos definir o contrato como um “[...] negócio jurídico por
meio do qual as partes declarantes, limitadas pelos princípios da função social
e da boa-fé objetiva, autodisciplinam os efeitos patrimoniais que pretendem
atingir, segundo a autonomia das suas próprias vontades” (GAGLIANO;
PAMPLONA FILHO, 2008b, p. 11). Em sentido análogo, contrato é:

Negócio jurídico bilateral, por meio do qual as partes, visando a atingir de-
terminados interesses patrimoniais, convergem as suas vontades, criando um
dever jurídico principal (de dar, fazer ou não fazer) e, bem assim, deveres
jurídicos anexos, decorrentes da boa-fé objetiva e do superior princípio da
função social (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2008b, p. 14).

Por fim, devemos evidenciar a natureza jurídica dos contratos. Como


podemos deduzir a partir das considerações apresentadas até o momento,
dentre os fatos de relevância e interesse do Direito, os contratos podem ser
categorizados como atos jurídicos negociais, humanos, volitivos e lícitos. Em
outras palavras, eles possuem natureza de negócio jurídico, que é a mani-
festação de vontades direcionada aos efeitos escolhidos pelas partes e pode
ser unilateral, como os testamentos, ou bilateral, como os contratos. Dessa
forma, os contratos são classificados como bilaterais, pois para se configurarem
são necessárias manifestações de vontade contrapostas que alcançaram um
consenso acerca do ato negocial. Por conseguinte, entendemos como contrato
o negócio jurídico bilateral constituído por meio de manifestação de vontades
dirigida à criação, modificação ou extinção de obrigações, considerados os
limites do ordenamento jurídico.
Apresentados o conceito e a natureza jurídica, cumpre examinarmos, a
seguir, os elementos e os princípios que regem os contratos.
Noções gerais de contrato 5

Não podemos confundir o contrato com o meio pelo qual ele foi realizado.
Instrumento contratual — meio pelo qual o contrato é firmado. É o documento
composto por cláusulas contratuais que contém o conteúdo do negócio.
 Preâmbulo: é a parte introdutória e contém a qualificação das partes, a descrição
do objeto, a forma de cumprimento, assim como as razões e as justificativas para
a existência do contrato.
 Contexto: é o conjunto das cláusulas contratuais.
Será lícito e legítimo o contrato que respeitar o ordenamento jurídico na sua totali-
dade, ou seja, tanto os elementos exigidos pela lei quanto os princípios que validam
o seu conteúdo (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2008b).

Elementos constitutivos segundo


a ótica ponteana
Primeiramente, é importante esclarecermos que, a depender da doutrina,
os elementos que serão apresentados neste capítulo como constitutivos po-
dem ser referidos como pressupostos, requisitos (segundo Pereira [1997], por
exemplo) ou condições de validade dos contratos (segundo Gonçalves [2010],
por exemplo).
Para alcançarmos uma compreensão global do fenômeno contratual, ana-
lisaremos um esquema que, embora não tenha sido criado por Pontes de
Miranda, foi denominado escada ponteana, pois se fundamenta nas suas
teorias (TARTUCE, 2017). Veja esse esquema na Figura 1.
6 Noções gerais de contrato

Figura 1. Representação da escada ponteana.

Posto isso, necessitamos especificar o que são os elementos essenciais


dos negócios jurídicos mencionados na escada ponteana.

Elementos do plano da existência — são os pressupostos para o negócio


jurídico. “Nesse plano há apenas substantivos sem adjetivos, ou seja, sem
qualquer qualificação (elementos que formam o suporte fático)” (TARTUCE,
2017, p. 15). Sem estes elementos, o negócio é inexistente:

 Agente ou parte — a vontade não se manifesta sozinha, de modo que


o sujeito ou o agente deve declará-la.
 Manifestação de vontade — não há negócio jurídico sem a manifestação
da vontade humana.
 Objeto — é a prestação da obrigação que foi acordada entre as partes e
subdivide-se em objeto imediato, que é a atividade requerida ao devedor
Noções gerais de contrato 7

da obrigação (dar, fazer ou não fazer), e objeto mediato, que compreende


o bem da vida transacionado (dinheiro, pintura, limpeza, aula, etc.).
 Forma — é o instrumento de condução da vontade (oral, escrita, ges-
tual, etc.).

Caso contenha todos esses elementos, o negócio existe juridicamente.

Elementos do plano da validade — são os elementos do plano da existência


adjetivados.

 Agente capaz e legitimado — o agente necessita de capacidade para


entabular negócios jurídicos. Nos termos do art. 166, I, do Código Civil
(BRASIL, 2002), se o agente for incapaz, o negócio é nulo. Conforme
o art. 171, I, do mesmo diploma legal, caso o agente seja relativamente
incapaz, o negócio é anulável se não for confirmado pelo representante
legal (pais, tutor, curador). Igualmente, quando a lei assim o exigir,
precisará estar legitimado para realizar determinados contratos.
 Vontade livre (consciente) e de boa-fé — a vontade livre é aquela for-
mada sem vícios de consentimento, como erro, dolo, coação, lesão ou
estado de perigo. De acordo com Gagliano e Pamplona Filho (2008b),
também é necessária que as partes atentem aos deveres oriundos da
boa-fé em sentido objetivo, isto é, cuidado, sigilo, informação, lealdade
etc. Da mesma forma, a vontade não deve se destinar a prejudicar a con-
traparte, como nos casos de fraude e simulação, e deve buscar cumprir
com o que foi pactuado. Nesse sentido, o art. 110 do Código Civil assim
define: “A manifestação de vontade subsiste ainda que o seu autor haja
feito a reserva mental de não querer o que manifestou, salvo se dela o
destinatário tinha conhecimento” (BRASIL, 2002, documento on-line).
Portanto, quando o agente não deseja de fato aquilo que manifestou,
o negócio é desconstituído somente se a outra parte conhecia as reais
intenções do manifestante.
 Objeto idôneo — o objeto do negócio deve ser: lícito, de modo que
não seja contrário ao Direito nem a moral; possível juridicamente e
fisicamente, uma vez que não é válido, por exemplo, um contrato de
compra e venda de terreno no céu ou de parte do oceano; determinado
ou determinável, ou seja, deve possuir requisitos mínimos de indivi-
duação, como espécie e quantidade. Ademais, atentemos ao art. 426
do Código Civil: “Não pode ser objeto de contrato a herança de pessoa
viva” (BRASIL, 2002).
8 Noções gerais de contrato

 Forma prescrita ou não defesa em lei — a forma de exteriorização


da vontade em regra é livre. Entretanto, quando prescrita em lei, ela
pertence à substância do negócio e deve, portanto, ser respeitada, sob
pena de nulidade do negócio (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO,
2008b). A esse respeito, confira os arts. 108 e 166, IV e V, do Código
Civil (BRASIL, 2002).

Uma vez que existentes e válidos, os negócios tendem a produzir ime-


diatamente os seus efeitos no mundo dos fatos. Contudo, é possível que haja
elementos acidentais que limitam essa eficácia.

Elementos do plano da eficácia — são elementos acidentais, uma vez que


a eficácia dos negócios jurídicos contratuais tende a ser imediata. Contudo,
eventualmente os seguintes elementos podem limitar essa eficácia:

 Condição — evento futuro e incerto que, caso ocorra, inicia a produção


dos efeitos do negócio (condição suspensiva) ou faz cessá-los (condição
resolutiva).
 Termo — evento futuro e certo que atrasa o começo da produção dos
efeitos do negócio (termo inicial) ou faz cessá-los (termo final).
 Modo ou encargo — determinação acessória acidental de negócios
jurídicos gratuitos que impõe ao beneficiário do negócio um ônus a
ser cumprido em favor de uma liberalidade, como vantagens, bens e
direitos, maior (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2008b).

Considerados os elementos essenciais e acidentais dos negócios jurídi-


cos contratuais, cumpre examinarmos os princípios que guiam o processo
contratual.

Para aprender mais acerca da concepção de obrigação e contratos como processo,


sugerimos a leitura do livro A obrigação como processo, de Clóvis do Couto e Silva
(SILVA, 2007).
Noções gerais de contrato 9

Princípios fundamentais da relação contratual

Princípio da autonomia da vontade ou do consensualismo


Não há contrato se as vontades não forem autônomas. Essa autonomia da
vontade manifesta-se de duas formas diversas:

 Liberdade para contratar — é a opção de realizar ou não determinado con-


trato e escolher com quem contratar. A liberdade para contratar relaciona-se
ao consensualismo, que é o encontro de vontades livres e contrapostas.
Afinal, o consentimento é fundamental à realização de um contrato.
 Liberdade contratual ou para estipular o conteúdo do contrato —
é a possibilidade de estabelecer o conteúdo do contrato. A liberdade
contratual é muito reduzida nos contratos realizados por adesão, nos
quais a liberdade de contratar ainda existe, mas a contratual, isto é, de
estipular as cláusulas, é praticamente nula.

Esquematicamente, podemos resumir as expressões do princípio da auto-


nomia da vontade ou do consensualismo da seguinte forma:

 liberdade de contratar (de contratar ou não e de escolher com quem


contratar);
 liberdade contratual (de estipular o conteúdo do contrato);

De maneira semelhante, Gagliano e Pamplona Filho (2008b) consideram


que o princípio da autonomia da vontade pode ser compreendido em três
liberdades diversas:

 Liberdade para contratar — é preciso que haja a vontade de contratar e


que ela seja livre, pois ninguém deve ser obrigado a firmar um contrato,
sob pena de vício de consentimento. Se a vontade não é livre, sucede a
invalidade do negócio jurídico. Uma exceção a esse tipo de liberdade
é a contratação do seguro obrigatório de veículos, por exemplo.
 Liberdade para escolher com quem contratar — os agentes devem
poder escolher com quem contratar. As exceções residem nas hipóteses
de monopólio da prestação de serviços, como nos casos de energia
elétrica e água, situações que normalmente são prejudiciais aos con-
tratantes, pois, sem concorrência, as prestadoras tendem a oferecer
serviços de mínima qualidade.
10 Noções gerais de contrato

 Liberdade para estabelecer o conteúdo do contrato — na medida do


possível, as partes devem entrar em um consenso (contratos paritários) no
que tange ao conteúdo do contrato. Quanto mais liberdade houver para a
estipulação conjunta do seu conteúdo, mais forte será o vínculo das partes
com as obrigações firmadas. Como exceções a esse tipo de liberdade,
podemos citar o contrato de trabalho, cujas cláusulas atendem ao art. 7º da
Constituição Federal (BRASIL, 1988), à Consolidação das Leis do Trabalho
(BRASIL, 1943) e demais legislações complementares. Além do contrato
de trabalho, o contrato por adesão, cujas cláusulas são preestabelecidas
por uma das partes e a outra apenas adere, também se apresenta como
uma exceção. O instrumento contratual por adesão permite facilitar as
trocas, pois reduz os custos de uma estipulação contratual pormenorizada
e possibilita o tratamento isonômico entre os aderentes. Os abusos even-
tualmente cometidos nesses contratos são objeto de controle externo do
Estado (BRASIL, 2002, arts. 423 e 424 do Código Civil; BRASIL, 1990,
arts. 51 e 54 do Código de Defesa do Consumidor [CDC]).

Em benefício do bem comum, há limitações da autonomia da vontade ou


do consensualismo:

 Dirigismo contratual — diz respeito ao intervencionismo do Estado


nos negócios privados. O Estado cria normas destinadas a proteger os
elementos economicamente mais fracos, como no caso dos contratos
de trabalho, locação, consumo, etc.
 Autonomia privada — semelhante à autonomia da vontade, mas nesse
caso limitada ou exercida nos limites do ordenamento jurídico, que
podem ser dados pela própria lei para garantir direitos ou impedir abusos
(BRASIL, 1990, art. 51 do CDC), pela moral em função da avaliação
ética do negócio jurídico, pela ordem pública em relação a temas de
relevante interesse do Estado relacionados ao Direito, à política, à
economia, etc. Portanto, atualmente a expressão “autonomia privada”
passa a ser mais adequada na avaliação dos negócios jurídicos em geral.

Princípio da força obrigatória do contrato


ou da obrigatoriedade
Este é o princípio que mais corresponde ao ideal liberal e à concepção clássica
dos contratos, uma vez que o contrato deve ser lei entre as partes. Segundo
Pereira (2017, p. 14), o princípio da força obrigatória do contrato tem em si uma:
Noções gerais de contrato 11

[...] ideia que reflete o máximo de subjetivismo que a ordem legal oferece: a
palavra individual, enunciada na conformidade da lei, encerra uma centelha de
criação, tão forte e tão profunda, que não comporta retratação, e tão imperiosa
que, depois de adquirir vida, nem o Estado mesmo, a não ser excepcionalmente,
pode intervir, com o propósito de mudar o curso de seus efeitos.

Em virtude do princípio da obrigatoriedade dos contratos, o contrato deve


ser cumprido conforme o estipulado pelos sujeitos envolvidos, pois, uma vez
que contratam livre e conscientemente, devem honrar as obrigações assu-
midas. Contudo, nenhum princípio possui caráter absoluto e o Código Civil
de 2002 trouxe expressamente hipóteses de moderação do princípio da força
obrigatória (BRASIL, 2002).
O pacta sunt servanda era tido como absoluto quando ainda se pressupunha
que as partes eram formalmente iguais e deliberavam de forma equilibrada sobre
o conteúdo do contrato. Entretanto, hoje em dia esse princípio tem se tornado mais
discreto nos negócios jurídicos contratuais em razão da criação de mecanismos
jurídicos de regulação do equilíbrio contratual (nulidade de cláusulas abusivas,
teoria da imprevisão, etc.). Um desses mecanismos ou instrumentos é a teoria
da imprevisão, que une o brocardo pacta sunt servanda (“o contrato deve ser
cumprido”) com rebus sic stantibus (“estando as coisas assim”). Portanto, o contrato
estabelece uma lei entre as partes e deve ser cumprido, estando as coisas como
estavam no momento de fixação do negócio. Dessa forma, quando um aconteci-
mento imprevisível e superveniente torna a prestação muito onerosa para uma das
partes, pode ser necessária a modificação ou até mesmo a extinção do contrato.
A teoria da imprevisão pura, ou não qualificada, não exige como elemento
essencial para aplicação o enriquecimento da parte contrária, pois o seu objetivo
é socorrer o contratante que, em virtude de uma situação imprevista, será lesado
pelo desequilíbrio contratual (vedação da onerosidade excessiva). Todavia, para
a teoria da imprevisão qualificada é necessária a comprovação da onerosidade
excessiva, ou seja, da imprevisão, assim como da vantagem excessiva obtida
pela outra parte. Já para a teoria da quebra da base objetiva, ou da onerosidade
excessiva pura, é preciso apenas comprovar a onerosidade excessiva, dispensada
a imprevisibilidade ou a extraordinariedade do evento superveniente.

Princípio da equivalência das prestações ou da


equivalência material
O contrato obriga as partes nos limites do equilíbrio dos direitos e deveres
entre elas. Esse equilíbrio possui dois aspectos (LÔBO, 2011, p. 71):
12 Noções gerais de contrato

 Aspecto subjetivo — considera a vulnerabilidade das partes contratan-


tes, de forma que há casos em que deve ser dado tratamento mais atento
às partes que estejam em notória desvantagem na relação contratual,
como aderentes, consumidores, trabalhadores, etc. Da mesma forma,
analisa o poder econômico dominante das partes e a sua influência na
relação contratual.
 Aspecto objetivo — diz respeito à efetiva desigualdade de direitos e
deveres estipulados no contrato ou decorrentes de evento superveniente.
Nesse caso, o ordenamento jurídico deve primar pelo equilíbrio ou
reequilíbrio (BRASIL, 1990, art. 6º do CDC) entre as prestações das
partes, evitando o abuso do poder econômico e o enriquecimento sem
causa por parte do credor às custas do empobrecimento sem causa por
parte do devedor (BRASIL, 2002, art. 478 e seguintes do Código Civil).

Assim, podemos perceber nitidamente que o princípio da equivalência


material possui estreita relação com os princípios do pacta sunt servanda e
rebus sic stantibus.

Princípio da relatividade dos efeitos do contrato


Se o contrato estabelece uma lei entre as partes, então os seus efeitos dizem respeito
apenas às partes e não a terceiros estranhos à relação jurídica originada (LÔBO,
2011, p. 64). Logo, o que foi contratado pelas partes não prejudica nem beneficia
terceiros. Todavia, as exceções residem na estipulação em favor de terceiro,
quando A contrata B para executar algo em benefício de C, como nos casos de
seguro de vida, e no contrato com pessoa a declarar. Acerca do tema, vejamos o
art. 467 do Código Civil: “No momento da conclusão do contrato, pode uma das
partes reservar-se a faculdade de indicar a pessoa que deve adquirir os direitos
e assumir as obrigações dele decorrentes” (BRASIL, 2002, documento on-line).

Princípio da função social do contrato


Além de atender aos requisitos de validade do negócio jurídico, os contratos
também devem respeitar normas (regras e princípios) de conteúdo moral e social,
que são plenamente exigíveis por serem valoradas pelo ordenamento jurídico.
De acordo com Gagliano e Pamplona Filho (2008a), a origem do princípio
da função social do contrato está na função social da propriedade, momento
em que se percebeu que ela deveria ser digna de tutela somente se além dos
Noções gerais de contrato 13

interesses privados atendesse a uma finalidade social. Nesse contexto, o


contrato também passa a ser um meio de atender não só a interesses privados,
mas também a finalidades sociais, garantindo a dignidade dos contratantes.
Esse princípio expressa caráter dúplice (TARTUCE, 2017; GAGLIANO;
PAMPLONA FILHO, 2008b):

1. Intrínseco ou interno — diz respeito à análise do contrato em si, uma vez


que não pode ser vantajoso apenas para uma das partes. É o princípio da
função social que atua na relação entre as partes para manter o equilíbrio da
relação contratual, de modo que ela não seja um instrumento de submissão
de uma das partes à outra. Assim, abusos entre os contratantes são inibidos.
2. Extrínseco ou externo — o contrato não pode ser vantajoso apenas para
as partes. É o princípio da função social que atua na relação do negócio
jurídico frente à sociedade e atenta aos impactos que o contrato propi-
cia socialmente. Dessa maneira, as trocas devem ser úteis e justas e o
contrato deve colaborar com o desenvolvimento social, pois é um meio
fundamental para a circulação de riquezas e, portanto, tem implícito um
caráter de progresso, de acesso a bens e serviços, que são essenciais ao
desenvolvimento da sociedade. É por meio dos contratos que se alcança
maior segurança e colaboração no cumprimento das obrigações, de modo
a facilitar e incentivar as trocas. Além disso, em sentido socioeconômico,
é inegável a contribuição motivada pelos negócios jurídicos contratuais.

As relações jurídicas contratuais já não podem ser vistas apenas sob o prisma dos
princípios da força obrigatória e da autonomia da vontade, pois exigem uma análise
sistêmica, isto é, no contexto das demais normas jurídicas, atentando aos impactos que
os contratos acarretam a terceiros ou à coletividade. Assim, um grande empreendimento
imobiliário pode causar repercussões drásticas no meio ambiente, grandes indústrias
podem estar explorando em demasia o trabalho dos seus contratados, o que os leva à
exaustão, a aquisição de ofensivos agrícolas e a sua utilização, assim como a construção
de fossas e cemitérios, podem poluir lençóis freáticos, o que representa prejuízo coletivo.

Conforme o art. 421 do Código Civil: “A liberdade de contratar será exer-


cida em razão e nos limites da função social do contrato” (BRASIL, 2002,
documento on-line).
14 Noções gerais de contrato

O legislador determinou que a liberdade de contratar deve ser exercida em


razão da função social do contrato, fundamentada na diretriz de socialidade do
Código Civil de 2002 (BRASIL, 2002). Tal afirmação — que a função social
deve ser a razão de contratar — severa e limitativa deve ser compreendida
mais no sentido intrínseco da função social do contrato do que no sentido
extrínseco, ou seja, no sentido de que as partes necessitam manter um equilíbrio
de direitos e deveres para que o contrato não seja objeto ou instrumento de
injustiças ou abusos que atentem contra a dignidade das partes.
Já no que tange aos limites que a função social impõe aos contratos, o
caráter exógeno aparece com mais ênfase, uma vez que a liberdade de con-
tratar deve encontrar justo limite no interesse social, nos valores garantidos
constitucionalmente. Desse modo, negócios jurídicos que acarretem prejuízos
sociais aos consumidores, ao meio ambiente ou à dignidade da pessoa devem
ser barrados em respeito à função social do contrato.

Função social e lesão

Ocorre lesão quando alguém se obriga à prestação manifestamente despropor-


cional em relação à contraprestação. O art. 157 do Código Civil (BRASIL, 2002)
veda a ocorrência de negócio jurídico cujas prestações são manifestamente
desiguais. A lesão se faz presente em situações de premente necessidade
patrimonial ou inexperiência da parte:

 Necessidade patrimonial — o devedor é impelido a contratar para suprir


uma necessidade premente. A necessidade é patrimonial e, portanto,
não diz respeito a risco de morte ou grave lesão.
 Inexperiência — falta de conhecimento acerca do negócio, do preço
ou das condições do objeto da transação.

O ordenamento jurídico não pode permitir que negócios jurídicos sejam


firmados em situação de lesão, visto que a vontade emitida está de algum
modo prejudicada (vício de consentimento).

Função social e estado de perigo

Quando alguém em uma situação de perigo conhecida pela outra parte emite
declaração de vontade contratual para salvar a si ou a alguém próximo de
morte ou grave lesão (dano), de forma a assumir obrigação excessivamente
onerosa. Segundo o art. 156 do Código Civil (BRASIL, 2002), o estado de
Noções gerais de contrato 15

perigo vicia o consentimento, de modo que a vontade não é plenamente livre,


e pode dar margem à anulação do negócio jurídico. Como exemplo, podemos
citar o termo de responsabilidade ou caução exigidos pelos hospitais antes de
procedimentos de urgência e o aumento do valor do seguro saúde enquanto a
vítima doente está hospitalizada. Assim como na lesão, o ordenamento jurídico
não pode permitir que os contratos sejam concluídos sob estado de perigo,
de modo que a função social, sobretudo no seu aspecto intrínseco, pode ser
invocada para tutelar eventuais abusos de uma parte sobre a outra.

Princípio da boa-fé contratual


Segundo Gagliano e Pamplona Filho (2008a), o princípio da boa-fé contratual
possui duas origens:

 Direito romano ( fides ou bona fides) — fidelidade ao que foi pactuado


ou obediência, comprometimento. A expressão “boa-fé” teria como
significado honrar a palavra dada.
 Direito alemão (Treu und Glauben) — lealdade e crença, confiança,
regras que deveriam ser observadas nas relações jurídicas em geral.
A boa-fé corresponderia a uma conduta pautada na lealdade, na
confiança e na ética, pois dela decorrem os deveres de conduta a serem
seguidos pelos contratantes.

Boa-fé subjetiva (norma-regra): corresponde ao caráter psicológico do sujeito


que age isento de malícia, bem-intencionado, assim como à suposição de agir em
conformidade com o Direito. É relativa ao desconhecimento da violação e à intenção
do sujeito; contrária à má fé. Contratualmente, apenas a boa-fé subjetiva não basta.

Boa-fé objetiva (norma-princípio): cláusula geral que impõe às partes o dever


de colaborar mutuamente, determinando um comportamento ativo (positivo) de
pautar-se com lealdade, de modo a evitar atos que causem prejuízo à outra parte.
É relativa à confiança, ao comportamento probo, pois é a ética que se espera nos
contratos e no comportamento das partes, fundamentada na diretriz de eticidade do
Código Civil de 2002 (BRASIL, 2002). O seu fundamento estaria no dito processo de
constitucionalização do Direito Civil, ao passo que a sua finalidade seria flexibilizar o
sistema contratual para permitir soluções adequadas em casos concretos com fulcro
na diretriz da concretude ou operabilidade do Código Civil.
16 Noções gerais de contrato

Boa-fé objetiva = norma de conduta = modelo de comportamento


= impõe deveres além dos estipulados no contrato, orienta a ativi-
dade judicial e limita o exercício de direitos subjetivos

A boa-fé objetiva é considerada uma cláusula geral, legislativamente hábil


para permitir o ingresso de princípios de natureza em regra constitucionais,
de padrões ou standards, de máximas de conduta, de modelos de compor-
tamento no ordenamento das relações privadas, facilitando a sua aplicação
no ordenamento jurídico. Essa cláusula geral impõe às partes a observância
de deveres laterais ou anexos durante todo o processo obrigacional, desde a
fase das tratativas até após a conclusão do contrato. Esses deveres anexos,
secundários, laterais ou de proteção encontram-se fora do âmbito da obrigação
principal assumida pelas partes (dar, fazer ou não fazer) e dizem respeito
aos deveres de lealdade, confiança, assistência, confidencialidade, sigilo,
informação, cooperação, cuidado, segurança, aviso, esclarecimento, etc. Os
deveres anexos são impostos a ambas as partes da relação contratual e balizam
a interpretação judicial.
Veja, a seguir, as funções da boa-fé objetiva (MARTINS-COSTA;
GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2008a).

Interpretação ou integração do cânone hermenêutico. Por meio da boa-fé,


o negócio jurídico deve obedecer aos usos e costumes do lugar em que foi
constituído, uma vez que as partes contratantes não são quaisquer sujeitos de
direito, senão pessoas situadas em um contexto de circunstâncias existenciais.
Assim, a boa-fé pode ser entendida como cláusula geral, técnica legislativa
que busca garantir a adequação do Direito, que é mais estático, à realidade
social, mais dinâmica.

Art. 113 do Código Civil: “Os negócios jurídicos devem ser interpretados
conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração” (BRASIL, 2002,
documento on-line).

Nesse sentido, ao interpretar o propósito dos contratantes, o juiz deve ana-


lisar e priorizar as situações fundadas na boa-fé dos contratantes, buscando na
norma de conduta o sentido moralmente mais recomendável e mais proveitoso
para a sociedade, para resolver os casos concretos. Toda cláusula contratual
deve ter os seus sentido e alcance conforme a ética que se espera das partes.
Noções gerais de contrato 17

Ética da situação. O conteúdo da boa-fé deve ser preenchido consoante os


usos do tráfico ou as práticas do mercado. Assim, a interpretação dos negócios
jurídicos não observa apenas a lei, mas também as circunstâncias fáticas, os
usos, o contexto que envolve as partes.

Integração, criação de deveres jurídicos anexos ou de proteção. A boa-fé


objetiva é uma fonte autônoma de obrigações, pois determina o aumento de
deveres além dos que a avença explicitamente constituiu, isto é, independen-
temente da vontade das partes. É endereçada a todos os partícipes da relação
jurídica e pode, inclusive, criar deveres para o credor, que é tradicionalmente
considerado apenas titular de direitos. Ela estabelece entre os partícipes do
vínculo um elo cooperativo em favor do objetivo a que visam. São exemplos de
deveres laterais, anexos, de proteção ou instrumentais a lealdade, a confiança,
a assistência, a informação, o sigilo, a confidencialidade, a colaboração, etc.

Consequência da função integrativa. Infunde a noção de obrigação ou


contratação como processo, pois os deveres laterais estão presentes desde
a fase pré-contratual (tratativas) até a pós-contratual (post factum finitum).
Como exemplos, temos a pré-eficácia da boa-fé objetiva no caso “Cica versus
plantadores de tomates” e a pós-eficácia da boa-fé objetiva no “caso dos ca-
sacos de pele” e no “caso da vista para o monte” (veja o quadro “Exemplo” a
seguir). Cumpre apresentarmos detidamente alguns desses deveres a seguir.

 Dever de lealdade. Impõe que os negócios sejam embasados na trans-


parência, de modo que a conduta das partes não se direcione ao oportu-
nismo ou à lesão dos interesses ou direitos alheios. Visar à proposição
de ação revisional de contrato antes mesmo de contrair a obrigação e
usar o contrato como meio de ganhar vantagem indevida, valendo-se
da inexperiência alheia, são exemplos de condutas desleais.
 Proteção da confiança. A confiança depositada pelas partes na crença
da regular constituição do negócio jurídico deve ser objeto de atenção
do Direito. Desse modo, a frustração imotivada da confiança legítima
pode dar ensejo à reparação civil. A confiança é digna de tutela jurídica
quando coexistem quatro elementos (ALMEIDA, 2014):
1. situação de confiança efetiva e imputável a determinado sujeito;
2. confiança justificável por dados objetivos e críveis;
3. investimento de confiança;
4. boa-fé de quem confiou.
18 Noções gerais de contrato

 Dever de assistência. É o dever de cooperação, uma vez que cabe aos


contratantes colaborar para o correto adimplemento da sua obrigação.
Portanto, é vedado às partes tornar custoso o cumprimento da obrigação,
dificultando o pagamento a ser realizado pelo devedor ou o recebimento
pelo credor.
 Dever de informação. Trata-se de dever das partes de comunicar todas
as características e as circunstâncias do negócio, bem como o objeto
de interesse das partes. O dever de informação encontra-se no CDC
da seguinte forma:

Art. 6º São direitos básicos do consumidor:


[...]
III — a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços,
com especificação correta de quantidade, características, composição, quali-
dade, tributos incidentes e preço, bem como sobre os riscos que apresentem
(BRASIL, 1990, documento on-line).

Esse dever de informação não é exigido apenas nas relações de consumo,


pois abrange todos os negócios jurídicos. No Código Civil, ele aparece no
art. 147 nos seguintes termos: “Nos negócios jurídicos bilaterais, o silêncio
intencional de uma das partes a respeito de fato ou qualidade que a outra parte
haja ignorado, constitui omissão dolosa, provando-se que sem ela o negócio
não se teria celebrado” (BRASIL, 2002, documento on-line).

 Dever de sigilo. Impõe às partes o dever de guardar confidencialidade


sobre os seus dados privados e sobre o próprio negócio realizado. Desse
modo, as partes não podem divulgar informações pessoais às quais
tiveram acesso em razão do contrato, pois feririam os deveres laterais
oriundos da boa-fé objetiva.

Delimitação do exercício de direitos subjetivos. Por essa função, a boa-fé


objetiva desempenha o papel de evitar o exercício inadmissível de direitos,
coibindo o abuso de direito (BRASIL, 2002, art. 187 do Código Civil). Afi-
nal, o abuso de direito vai de encontro à exigência de lealdade, confiança e
colaboração entre as partes, preconizadas pela boa-fé objetiva, o que impede
que a parte que tenha violado deveres contratuais exija o cumprimento pela
outra parte ou se beneficie do seu descumprimento.
Noções gerais de contrato 19

Art. 422 do Código Civil: “Os contratantes são obrigados a guardar, as-
sim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de
probidade e boa-fé” (BRASIL, 2002, documento on-line).

Como já referimos, embora haja omissão por parte do legislador, não


significa que as partes contratantes não devam observar os princípios da
probidade e da boa-fé nas demais fases da obrigação. Assim, em todas as fases
do processo contratual as partes devem se comportar com probidade e boa-fé.
Acerca da responsabilidade pelo descumprimento dos deveres laterais
ou pelo uso abusivo dos direitos, vejamos o Enunciado nº. 24 do Conselho
de Justiça Federal: “Em virtude do princípio da boa-fé, positivado no art.
422, a violação dos deveres anexos constitui espécie de inadimplemento
independentemente de culpa”. Significa que é ônus do lesante comprovar a
sua inocência, de modo que basta que o lesado comprove o prejuízo e o nexo
de causalidade para a comprovação da responsabilidade objetiva (BRASIL,
2002, art. 927, parágrafo único, do Código Civil).

Responsabilidade pré-contratual, delitual ou aquiliana (culpa in contrahendo)

Caso dos plantadores de tomates: a empresa Cica distribuía sementes aos agricultores
gaúchos, o que gerava a expectativa de compra da futura safra sem que qualquer
contrato fosse celebrado. Os agricultores, que confiavam na empresa, investiram na
produção dos tomates e plantaram as sementes recebidas, uma vez que em outras
ocasiões a Cica havia comprado a safra decorrente das sementes doadas. Contudo,
em dado momento a empresa optou por não comprar mais a safra desses pequenos
agricultores. Frente a isso, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul responsabilizou
a empresa pelas expectativas geradas, como segue:

CONTRATO. TRATATIVAS. "CULPA IN CONTRAHENDO". RES-


PONSABILIDADE CIVIL. RESPONSABILIDADE DA EMPRESA
ALIMENTICIA, INDUSTRIALIZADORA DE TOMATES, QUE
DISTRIBUI SEMENTES, NO TEMPO DO PLANTIO, E ENTAO MA-
NIFESTA A INTENCAO DE ADQUIRIR O PRODUTO, MAS DEPOIS
RESOLVE, POR SUA CONVENIENCIA, NAO MAIS INDUSTRIA-
LIZA-LO, NAQUELE ANO, ASSIM CAUSANDO PREJUIZO AO
AGRICULTOR, QUE SOFRE A FRUSTRACAO DA EXPECTATIVA
DE VENDA DA SAFRA, UMA VEZ QUE O PRODUTO FICOU SEM
POSSIBILIDADE DE COLOCACAO. PROVIMENTO EM PARTE
20 Noções gerais de contrato

DO APELO, PARA REDUZIR A INDENIZACAO A METADE DA


PRODUCAO, POIS UMA PARTE DA COLHEITA FOI ABSORVIDA
POR EMPRESA CONGENERE, AS INSTANCIAS DA RE. VOTO
VENCIDO, JULGANDO IMPROCEDENTE A AÇÃO (12FLS — D.)
(BRASIL, 1991ª, documento on-line).

CONTRATO. TEORIA DA APARÊNCIA. INADIMPLEMENTO. O


trato, contido na intenção, configura contrato, porquanto os produtores,
nos anos anteriores, plantaram para a CICA e, não tinham por que
plantar, sem garantia da compra (BRASIL, 1991b, documento on-line).

Responsabilidade pós-contratual (post factum finitum)

Caso da vista para o monte: o proprietário de um imóvel o vendeu a uma compradora


e garantiu que a vista belíssima em direção a um monte jamais seria obstruída, pois o
plano diretor da cidade proibia a construção naquele local. Convencida, a compradora
fechou negócio. Posteriormente, o vendedor comprou o terreno em frente ao que havia
vendido e conseguiu uma alteração no plano diretor, o que lhe permitiu construir um
novo prédio, impedindo a visão da paisagem que dera motivo ao negócio anterior.
Lesada pelo empreendimento, a compradora conseguiu uma indenização pelos
prejuízos causados pelo descumprimento dos deveres laterais mesmo após a conclusão
do negócio entre as partes em função da afronta à boa-fé objetiva (AZEVEDO, 2000).

Caso dos casacos de pele: na Alemanha, a dona de uma loja encomendou 120
casacos de pele de uma confecção. Os casacos foram confeccionados e entregues à loja
mediante o pagamento do preço acertado. Depois de finalizada essa relação jurídica,
a mesma confecção vendeu a mesma quantidade de casacos idênticos à loja vizinha,
agindo de forma desleal e em prejuízo das duas lojas. A primeira compradora conseguiu
uma reparação pela deslealdade post factum finitum (pós-contratual) (AZEVEDO, 2000).

ALMEIDA, C. F. Contratos: conceito, fontes, formação. 5. ed. Coimbra: Edições Almedina,


2014. v. 1.
AZEVEDO, A. J. Insuficiências, deficiências e desatualização do projeto de código civil
na questão da boa-fé objetiva nos contratos. Revista Trimestral de Direito Civil, v. 1, p.
3-12, 2000.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Diário Oficial da União,
Brasília, DF, 5 out. 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/consti-
tuicao/constituicao.htm>. Acesso em: 6 ago. 2018.
Noções gerais de contrato 21

BRASIL. Decreto-Lei nº. 5.452, de 1º de maio de 1943. Aprova a Consolidação das Leis
do Trabalho. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 9 ago. 1943. Disponível em: <http://
www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del5452.htm>. Acesso em: 6 ago. 2018.
BRASIL. Lei Federal nº. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Diário
Oficial da União, Brasília, DF, 11 jan. 2002. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/
ccivil_03/Leis/2002/l10406.htm>. Acesso em: 6 ago. 2018.
BRASIL. Lei nº. 8.078, de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do consumidor
e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 12 set. 1990. Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8078.htm>. Acesso em: 6 ago. 2018.
BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Quinta Câmara Cível. Apelação Cível
nº. 591028295 RS. Relator: Ruy Rosado de Aguiar Júnior. TJRS, Porto Alegre, 6 jun. 1991a.
Disponível em: <https://tj-rs.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/5424380/apelacao-civel-
-ac-591028295-rs-tjrs>. Acesso em: 6 ago. 2018.
BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Terceiro grupo de Câmaras Cíveis.
Embargos Infringentes nº. 591083357 RS. Relator: Juiz Adalberto Libório barros. TJRS,
Porto Alegre, 1 nov. 1991b. Disponível em: <https://tj-rs.jusbrasil.com.br/jurispruden-
cia/5441553/embargos-infringentes-ei-591083357-rs-tjrs>. Acesso em: 6 ago. 2018.
COOTER, R.; ULEN, T. Direito e economia. 5. ed. Porto Alegre: Bookman, 2010.
GAGLIANO, P. S.; PAMPLONA FILHO, R. Novo curso de Direito Civil: parte geral. 10. ed.
São Paulo: Saraiva, 2008a. v. 1.
GAGLIANO, P. S.; PAMPLONA FILHO, R. Novo curso de Direito Civil: contratos. 4. ed. São
Paulo: Saraiva, 2008b. v. 4.
GONÇALVES, C. R. Direito Civil brasileiro: contratos e atos unilaterais. 7. ed. São Paulo:
Saraiva, 2010. v. 3.
LÔBO, P. Direito Civil: contratos. 1. ed. São Paulo: Saraiva, 2011.
MARTINS-COSTA, J. A boa-fé no Direito Privado: sistema e tópica no processo obrigacional.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999.
PEREIRA, C. M. S. Instituições de Direito Civil. 18. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997. v. 1.
PEREIRA, C. M. S. Instituições de Direito Civil. 21. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2017. v. 3.
ROPPO, E. O contrato. Coimbra: Almedina, 2009.
TARTUCE, F. Direito Civil: teoria geral dos contratos e contratos em espécie.12. ed. São
Paulo: Forense, 2017. v. 3.

Leituras recomendadas
PENTEADO, L. C. Figuras parcelares da boa-fé objetiva e venire contra factum proprium.
THESIS São Paulo, v. 8, p. 39-70, 2007. Disponível em: <http://www.cantareira.br/thesis2/
ed_8/3_luciano.pdf>. Acesso em: 6 ago. 2018.
22 Noções gerais de contrato

SCHREIBER, A. A proibição do comportamento contraditório: tutela da confiança e venire


contra factum proprium. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2007.
SILVA, C. V. C. A obrigação como processo. Rio de Janeiro: FGV, 2007.
TEODORO JÚNIOR, H. Dos efeitos do negócio jurídico no novo código civil. Revista da
Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais, n. 40, 2001. Disponível em:
<https://www.direito.ufmg.br/revista/index.php/revista/article/view/1215>. Acesso
em: 6 ago. 2018.
DICA DO PROFESSOR

Em uma relação contratual, estarão envolvidos muitos aspectos de interesse das partes, como os
motivos que levaram a contratar, o escopo ou causa do contrato, os quais podem, ou não, ser
juridicamente relevantes.

No estudo dos aspectos mais significativos das relações contratuais, várias teorias foram criadas.
Inicialmente, a vontade interna foi tomada como o elemento de maior relevância em uma
negociação. Contudo, percebeu-se que essa vontade, quando não manifestada, não daria ensejo
aos negócios, necessitando que os contratantes declarassem com clareza seu intento negocial.

Atualmente, em um mercado de massa e de elevado consumo, cujos contratos, por vezes,


chegam a ser praticamente instantâneos, não apenas a vontade interna e a vontade manifestada
têm relevo na avaliação dos negócios jurídicos contratuais, mas também outros aspectos como a
necessidade de segurança no tráfego negocial ou necessidade de lealdade, de colaboração, de
clareza, entre os contratantes, gerando deveres laterais de conduta para ambos. Outras teorias,
então, necessitaram ser desenvolvidas, como a teoria da confiança ou da autorresponsabilidade.

Neste vídeo, você vai estudar algumas das mais relevantes teorias explicativas dos negócios
jurídicos — a teoria da vontade, a teoria da declaração e a teoria da confiança.

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EXERCÍCIOS

1) No que diz respeito à natureza jurídica dos contratos, é correto o que se afirma em:

A) O contrato representa uma operação econômica.

B) Os contratos podem ser categorizados como atos jurídicos negociais, humanos, volitivos e
lícitos.

C) São atos jurídicos em sentido estrito, pois as partes podem escolher os efeitos, mas estarão
limitadas aos dispositivos legais.

D) São negócios jurídicos unilaterais, prescindindo do consenso.

E) É a manifestação de vontade livre e ilimitada.

2) Quais são os elementos acidentais do negócio jurídico entre as alternativas a seguir?

A) A vontade, o agente, o objeto e a forma.

B) A vontade livre e de boa-fé, o agente legitimado e a condição suspensiva.

C) A condição, o termo e o encargo ou modo.

D) A reserva mental e a forma proibida por lei.

E) O objeto ilícito.

3) Sobre os princípios que guiam as relações contratuais, pode-se afirmar que:

A) a liberdade de contratar corresponde à liberdade de escolher as cláusulas que formarão o


conteúdo negocial.

B) o pacta sunt servanda determina que os contratos são apenas relativos às partes, e não a
terceiros.
C) a autonomia privada corresponde à manifestação da vontade, independentemente dos
limites jurídicos e éticos.

D) nos contratos por adesão, em geral, a liberdade de contratar existe, porém, a liberdade
contratual resta muito prejudicada para o aderente ou aceitante do negócio.

E) o princípio do consensualismo não tem relação com o encontro de manifestações de


vontades livres e contrapostas.

4) Pode-se afirmar sobre os princípios da função social do contrato e da equivalência


das prestações, que:

A) o princípio da função social do contrato preocupa-se tão somente com o interesse social,
de modo que os negócios jurídicos realizados por particulares não venham a prejudicar a
coletividade.

B) a equivalência das prestações impõe que as partes obtenham exatamente as mesmas


vantagens.

C) a função social em seu aspecto intrínseco impõe que o contrato colabore com o
desenvolvimento social.

D) a caução exigida pelos hospitais como condição para a realização de procedimentos de


urgência, não violando a função social do contrato.

E) a função social, em seu aspecto extrínseco, atenta aos impactos que o contrato propicia
socialmente, evitando prejuízos a terceiros ou à coletividade.

5) Assinale a alternativa correta no que diz respeito ao princípio da boa-fé objetiva.

A) Corresponde ao caráter psicológico do sujeito que age isento de malícia, ou seja, age bem-
intencionado, assim como corresponde à suposição de estar agindo em conformidade com
o Direito.

B) É cláusula geral que impõe às partes a observância de deveres laterais ou


anexos apenas durante as tratativas contratuais.

C) A função da boa-fé como criadora de deveres jurídicos anexos, faz com que o juiz deva
analisar e priorizar as situações fundadas na boa-fé dos contratantes, buscando na norma
de conduta o sentido moralmente mais recomendável e socialmente mais proveitoso, de
modo a resolver os casos concretos.

D) A boa-fé subjetiva é considerada com uma cláusula geral, ou seja, meio legislativamente
hábil para permitir o ingresso de princípios de natureza, em regra, constitucionais, de
padrões ou standards, de máximas de conduta, de modelos de comportamento, no
ordenamento das relações privadas, facilitando a sua aplicação no ordenamento jurídico.

E) A função da boa-fé como delimitadora do exercício de direitos subjetivos objetiva evitar o


exercício inadmissível de direitos, coibindo o abuso de direito (art. 187 do Código Civil).

NA PRÁTICA

O art. 422 do Código Civil determina que: “Os contratantes são obrigados a guardar, assim na
conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé”.

Pode ser concluído que a boa-fé objetiva deve pautar a conduta das partes apenas após a
conclusão do negócio jurídico contratual e durante a sua execução. Contudo, há entendimento
consolidado de que a boa-fé é norma de conduta a ser seguida durante todo o processo
contratual, desde as tratativas até depois do cumprimento do contrato (III Jornada de Direito
Civil — Enunciado 170: A boa-fé objetiva deve ser observada pelas partes na fase de
negociações preliminares e após a execução do contrato, quando tal exigência decorrer da
natureza do contrato).

Neste Na prática, você vai aprender como as instâncias superiores aplicam um dos mais
importantes consectários do princípio da boa-fé objetiva, o nemo potest venire contra factum
proprium, ou seja, a proibição do comportamento contraditório pelos partícipes da relação
contratual.
SAIBA MAIS

Para ampliar o seu conhecimento a respeito desse assunto, veja abaixo as sugestões do
professor:

O princípio da boa-fé nos contratos

Leia o seguinte artigo do professor Antônio Junqueira de Azevedo sobre a boa-fé nos contratos.

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Função social do contrato

Leia o breve artigo do professor Miguel Reale, o qual esclarece o papel da função social dos
contratos no Código Civil de 2002.

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A aplicação do princípio da boa-fé nas relações contratuais

No artigo a seguir você vai ver que o princípio da boa-fé é apresentado pelo Novo Código Civil
como um dos princípios norteadores, e vem sendo concretizado nas jurisprudências devido à sua
magnitude e extensão, não sendo mais visto como um simples princípio norteador.

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Classificação dos contratos

APRESENTAÇÃO

Sua vida está cercada de contratos. Você contrata para assistir a programas e séries, para enviar
mensagens de seu smartphone, para se deslocar de um local para outro por meio do serviço de
transporte de terceiros, para realizar consultas médicas, etc. Cada contrato firmado tem
peculiaridades que repercutirão nos efeitos jurídicos que emanarão desse contrato, assim
como na tutela jurídica aplicável em caso de descumprimento. Deste modo, é de extrema
importância saber diferenciar as classes de contratos que podem ser entabulados pelas partes.

Nesta Unidade de Aprendizagem, você examinará a classificação dos contratos e poderá


vislumbrar como os tribunais superiores aplicam a doutrina contratual em suas decisões.

Bons estudos.

Ao final desta Unidade de Aprendizagem, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

• Identificar as diversas formas de classificação dos contratos.


• Caracterizar cada uma das formas de classificação dos contratos.
• Interpretar decisões de tribunais que tratem da classificação dos contratos.

DESAFIO

Alguns contratos têm como característica o fato de apenas uma das partes ter obrigações a
cumprir. Entretanto, existem situações em que encargos podem ser exigidos. Observe uma
situação hipotética, acerca da classificação dos contratos.
Para se certificar de que suas condições seriam respeitadas, Dr. Ivo consultou você para saber
quais providências seriam cabíveis na legalização dessa situação. No papel de advogado do Dr.
Ivo, como você responderia as seguintes perguntas:

1. Se o contrato de doação é baseado em um ato de generosidade, de liberalidade, como o


médico poderia exigir uma contrapartida dos professores?

2. Como se classificaria esse tipo de contrato?

INFOGRÁFICO
Existem muitas formas de classificar os contratos. Essa grande variedade, por vezes, pode gerar
alguma confusão. Neste Infográfico, você vai ter uma visão da classificação adotada nesta
Unidade de Aprendizagem.
CONTEÚDO DO LIVRO

A manifestação da vontade de contratar pode ser impulsionada por um ato de generosidade,


como em uma doação, em que só haverá vantagens patrimoniais para aquele que receber o bem
doado. Mesmo assim, podem existir contratos impulsionados por interesses de ambas as partes,
como no caso das prestações de serviços, ou das trocas e compras em geral. Pode ser, ainda, que
as partes contratem apenas porque estarão seguras da existencia de sua vantagem
patrimonial, pela aquisição de um bem, ou, pelo contrário, que apostem na sorte para obter uma
vantagem ainda maior. Ademais, a forma de contratar também poderá ser diversa. Por exemplo,
algumas pessoas preferem casar, outras se contentam com uma união civil. A figura dos
contratos não tem um só molde, um só objetivo, uma só característica e, por isso, não tem só
uma classe.

No capítulo Formas de classificação dos contratos, da obra Direito Civil III: teoria geral dos
contratos, base teórica desta Unidade de Aprendizagem, você vai estudar a classificação dos
contratos, compreendendo as peculiaridades contratuais e suas consequências jurídicas,
assim como observar como os tribunais utilizam a classificação contratual para fundamentar as
suas decisões.

Boa leitura.
DIREITO CIVIL III:
TEORIA GERAL DOS
CONTRATOS

Patricia Fernandes Fraga


Classificação dos contratos
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

 Identificar as diversas formas de classificação dos contratos.


 Caracterizar cada uma das formas de classificação dos contratos.
 Interpretar as decisões de tribunais que tratem da classificação dos
contratos.

Introdução
O Direito é uno. A divisão por ramos — como Direito Penal, Constitucional
e Civil — é uma forma de facilitar, didaticamente, a compreensão do
fenômeno jurídico. No Direito dos Contratos, realiza-se a mesma técnica,
seccionando o estudo contratual pela sua natureza jurídica, definição,
características e classificação.
Considerando que os contratos são instrumentos de suma relevância
social, econômica e, por conseguinte, jurídica, a sua análise pormeno-
rizada é fundamental. O estudo da classificação dos contratos permite
desvendar peculiaridades desses instrumentos negociais que repercutirão
nos seus efeitos. Em outras palavras, as peculiaridades de cada contrato
servirão de guia para a avaliação da sua validade e eficácia.
Neste capítulo, você vai ler sobre a classificação dos contratos, conhe-
cer as formas de classificação e verificar como os tribunais se posicionam
acerca do tema para resolver as questões concretas.

Formas de classificação dos contratos


Serão apresentadas, nesta seção, as formas mais usuais de classificação dos
contratos. Por parecer mais coerente, iniciaremos pela classificação dada pelo
Direito Romano.
No Direito Romano, para haver contrato, deveriam ser utilizados deter-
minados objetos, pessoas, palavras apropriadas ou, ainda, gestos simbólicos,
2 Classificação dos contratos

de modo a confirmar a vontade de se vincular dos sujeitos (GIRARDI, 1984).


Conforme as Institutas de Gaio, os contratos eram distintos, ou classificados,
por meio de quatro modalidades (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2010),
conforme Quadro 1.

Quadro 1. Classificação dos contratos

Reais Contratos que exigiam a entrega da coisa. P.ex.:


atualmente, enquadram-se nessa classificação os
contratos de comodato, mútuo, depósito e penhor.

Consensuais Contratos concluídos apenas com o consenso, com o acordo


de vontades, não necessitando da entrega da coisa. Os
contratos consensuais, ou convencionais, baseavam-se na
boa-fé, na confiança das partes, que “assumiam compromisso
de honra” (GIRARDI, 1984, p. 68) e manifestavam o seu
consentimento dando as mãos olhando para o templo
da deusa Bona Fides (vinculação também religiosa). P.ex.:
atualmente, enquadram-se nessa classificação os contratos de
compra e venda, locação, mandato, doação, troca, entre outros.

Verbais Contratos que se perfaziam por meio da enunciação


ou orais de certas palavras que vinculavam os sujeitos (em
regra, cidadãos romanos). A formalidade consistia no
uso de determinadas palavras, como: Spondes? —
Spondeo!; Promittis? — Promitto!; Dabis? — Dabo!

Literais Eram os contratos escritos. A origem desses contratos


estaria no livro de contas dos indivíduos, no qual eram
lançados os créditos e as dívidas. A transcrição dava
origem e comprovava a existência do contrato.

Fonte: Adaptado de Girardi (1984).

Essa forma de classificação romana adequava-se a um momento histórico,


econômico, social e jurídico, em que ainda não havia uma profusão de relações
negociais tão vasta e complexa como a atual. Agora, passaremos, então, às
formas contemporâneas de classificação contratual.
A primeira forma de classificar os contratos será analisá-los sem qualquer
relação com outros, ou seja, de forma autônoma: considerados em si mesmos.
A segunda forma de classificá-los, neste capítulo, considera a relação dos
contratos uns com os outros, consoante a sua relação de dependência, ou seja,
os contratos reciprocamente considerados.
Classificação dos contratos 3

Ressaltamos que nem todos os doutrinadores seguem a mesma estrutura de


classificação. Neste capítulo, optamos pela forma de classificação adotada por
Gagliano e Pamplona Filho (2010). O Quadro 2 apresenta os tipos de contratos
considerados em si mesmos.

Quadro 2. Tipos de contratos considerados em si mesmos

Contratos considerados em si mesmos

Quanto à prestação  Contratos unilaterais, bilaterais ou


pactuada ou à natureza plurilaterais
da obrigação  Contratos onerosos ou gratuitos
 Contratos comutativos ou aleatórios
 Contratos paritários ou por adesão
 Contratos evolutivos

Quanto à disciplina jurídica

Quanto à forma  Contratos solenes ou não-solenes


 Contratos consensuais ou reais

Quanto à designação ou à disciplina legal específica

Quanto à pessoa  Contratos pessoais ou impessoais


do contratante  Contratos individuais ou coletivos

Quanto ao tempo

Em razão da função econômica

O Quadro 3 apresenta os tipos de contratos reciprocamente considerados.

Quadro 3. Tipos de contratos reciprocamente considerados

Contratos reciprocamente considerados

Quanto à relação de dependência Contratos principais ou acessórios

Quanto à definitividade Contratos preliminares ou definitivos


4 Classificação dos contratos

Contratos considerados em si mesmos


A seguir, serão abordados os tipos de contratos considerados em si mesmos.

Quanto à prestação pactuada ou à natureza da


obrigação
Abordaremos a seguir os tipos de contratos considerados quanto à prestação
pactuada ou à natureza da obrigação.

Contratos unilaterais, bilaterais ou plurilaterais

Como ensina Pereira (2017), todo contrato é negócio jurídico bilateral, visto
que a sua constituição requer a manifestação de vontade das partes para
a formação do consenso. Essa categorização dos contratos como negócios
jurídicos bilaterais é diversa da classificação dos contratos como unilaterais,
bilaterais ou plurilaterais.
Assim, a bilateralidade dos negócios jurídicos contratuais é seu elemento
constitutivo — sem ela, não há contrato. Entretanto, os contratos, cuja natureza
jurídica é de negócios jurídicos bilaterais podem ser classificados segundo
a forma como a prestação foi acordada pelas partes ou segundo os efeitos
obrigacionais ajustados, como unilaterais, bilaterais ou plurilaterais.

Unilaterais — há, nos contratos unilaterais, a imposição de direitos e obriga-


ções para apenas uma das partes do negócio. Significa dizer que:

[...] quando o contrato estabelecer apenas uma “via de mão única”, com as
partes em posição estática de credor e devedor, pelo fato de se estabelecer
uma prestação pecuniária apenas para uma das partes, como na doação sim-
ples, falar-se-á em contrato unilateral (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO,
2010, p. 112).

De modo simplificado, pode-se afirmar que unilaterais “[...] são os contratos


que criam obrigações unicamente para uma das partes” (GONÇALVES, 2010,
p. 90). São exemplos de contratos unilaterais:

 comodato;
 mútuo;
 depósito;
Classificação dos contratos 5

 mandato;
 doação;
 fiança.

Bilaterais — há, nos contratos bilaterais, a imposição de direitos e obriga-


ções para ambos contraentes (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2010). São
exemplos de contratos bilaterais:

 compra e venda — gera a obrigação de pagar o preço para o devedor


e de entregar a coisa por parte do credor.
 troca ou permuta — gera a obrigação mútua aos contratantes de entregar
um bem por outro bem.
 locação — obriga o proprietário a permitir o uso do bem locado e obriga
o outro contratante a pagar o preço por se utilizar de coisa alheia.

Doutrinariamente, é comum encontrar as expressões contrato bilateral e contrato


sinalagmático como sinônimas, pois todo contrato sinalagmático é bilateral. Porém,
podem ser notadas algumas distinções.
O sinalagma é a mútua dependência das obrigações em um contrato. Traduz a
relação ou o nexo de causalidade (reciprocidade) entre as prestações opostas pac-
tuadas — a prestação de uma parte é a causa da prestação da outra (o vendedor
entrega a coisa para receber o preço; o comprador entrega o preço para receber a
coisa — a obrigação do vendedor de transferir a propriedade da coisa é correlata, é
recíproca, à obrigação do comprador, de pagar o preço). Em outras palavras, as partes
são reciprocamente credoras e devedoras uma da outra. Se uma obrigação deixa de
ser cumprida, a outra perde sua causa de existir.
A diferença técnica entre a bilateralidade e o sinalagma consistiria no fato de a
bilateralidade dizer respeito à existência, em um contrato, de obrigações para ambas
as partes, enquanto que, no sinalagma, essas obrigações teriam de ser recíprocas. Nesse
sentido, uma doação com encargo (por exemplo, dar uma moto desde que a outra
parte faça uma doação de roupas e cobertores a uma instituição de caridade), por
exemplo, não pode ser considerada sinalagmática, vez que, embora haja obrigações
para ambos contratantes, a prestação de um não é causa da prestação do outro (a
doação da moto é mera liberalidade; a doação de roupas e cobertores é apenas um
ônus a ser desempenhado para garantir a doação prometida), pois o encargo não é
o preço a ser pago, não configura permuta e não necessariamente se reverte em prol
do doador. Desse modo, há dificuldade em classificar esse tipo de contrato — doação
com encargo — sendo, por vezes, classificado como unilateral impuro ou, ainda, como
bilateral imperfeito (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2010).
6 Classificação dos contratos

Plurilaterais (ou multilaterais) — são os contratos que necessitam de mais


de dois contraentes, tendo todos eles prestações a serem cumpridas. São
exemplos de contratos plurilaterais (GONÇALVES, 2010):

 contrato de sociedade;
 contratos de consórcio;
 contrato de condomínio.

A pluralidade de partes é diversa da mera pluralidade de pessoas. Um contrato


em que vários amigos contratam uma banda para animar sua festa não é plurila-
teral, mas bilateral, polarizado entre credores e devedores. Para haver pluralidade
de partes, vários contratantes emitem suas vontades, cada uma representando
seus próprios interesses, como no contrato de sociedade (PEREIRA, 2017).
Sobre as consequências da bilateralidade, em função de haver obrigações
para ambas as partes contratantes, surgem consequências jurídicas relevantes
nos contratos bilaterais (GONÇALVES, 2010, GAGLIANO; PAMPLONA
FILHO, 2010), como:

 Cláusula resolutiva expressa ou tácita — mesmo que não esteja


expressamente previsto no contrato que o descumprimento contratual
propicia a resolução do vínculo, o inadimplemento culposo da prestação
por uma das partes dá justa causa à outra parte, caso não tenha mais
interesse no adimplemento, para pedir a resolução do contrato. O art.
475 do Código Civil dispõe: “A parte lesada pelo inadimplemento pode
pedir a resolução do contrato, se não preferir exigir-lhe o cumprimento,
cabendo, em qualquer dos casos, indenização por perdas e danos”
(BRASIL, 2002, documento on-line).
 Exceção de contrato não cumprido ou exceptio non adimpleti con-
tractus — o art. 476 do Código Civil dispõe: “Nos contratos bilaterais,
nenhum dos contratantes, antes de cumprida a sua obrigação, pode
exigir o implemento da do outro. Trata-se de exceção (defesa) a ser
oposta pelo devedor, quando da exigência do cumprimento de sua
obrigação contratual, em razão da contraparte sequer ter cumprido a
sua obrigação”. Na mesma linha, o art. 477 do Código Civil dispõe que:

Se, depois de concluído o contrato, sobrevier a uma das partes contratantes


diminuição em seu patrimônio capaz de comprometer ou tornar duvidosa a
prestação pela qual se obrigou, pode a outra recusar-se à prestação que lhe
incumbe, até que aquela satisfaça a que lhe compete ou dê garantia bastante
de satisfazê-la (BRASIL, 2002, documento on-line).
Classificação dos contratos 7

 Enriquecimento sem causa — também não é possível ocorrer nos


contratos unilaterais, apenas nos contratos em que todos os partícipes
têm direito e obrigações. Configura-se no incremento do patrimônio de
alguém em detrimento do patrimônio de outrem, sem que exista causa
juridicamente idônea que justifique essa situação. No enriquecimento
sem causa, deixa de haver o equilíbrio entre as obrigações acertadas
pelas partes. Um exemplo é o comprador que paga o preço e não recebe
a coisa ou o contratante que paga pelo serviço e não recebe a prestação
de serviços do contratado.
 Desaparecimento da base contratual — ao tempo do negócio, a presta-
ção e contraprestação devem ser equivalentes no julgamento das partes
contratantes (a equivalência não é considerada objetivamente, basta
que cada parte compreenda estar recebendo compensação suficiente
ao seu sacrifício). Os contratos bilaterais necessitam dessa equivalência
entre as prestações, pois é da essência do negócio. Assim, se um evento
futuro transformar as circunstâncias nas quais o contrato foi firmado,
a ponto de a relação de equivalência desaparecer, podemos dizer que
a base do contrato também deixou de existir — essa situação pode dar
ensejo à resolução ou à revisão contratual.
 Riscos contratuais — a teoria dos riscos, em que se procura apurar
qual dos contratantes responderá nos casos de perda da coisa ou im-
possibilidade de cumprimento, só se aplica aos contratos bilaterais.
 Vícios redibitórios — em regra, somente nos contratos bilaterais e one-
rosos, poderá ser reivindicada a resolução do contrato ou o abatimento
do preço, caso existam vícios ocultos na coisa que a tornem imprópria
para uso ou diminuam o seu valor (BRASIL, 2002, art. 441).

Chamamos de autocontrato quando há um sujeito dotado de poderes de represen-


tação que efetua compra e venda consigo mesmo (de um lado, agindo em nome e
no interesse de terceiros, como representante apenas, e de outro, agindo em nome
próprio). O autocontrato não altera a bilateralidade do negócio jurídico contratual. O
contrato realizado pelo representante consigo mesmo é contrato bilateral — a dita
unilateralidade no autocontrato é superficial, pois o mandatário age, na realidade, em
nome e no interesse de outro, o mandante.
8 Classificação dos contratos

Contratos onerosos ou gratuitos (ou benéficos)

A classificação dos contratos em onerosos ou gratuitos considera como são


distribuídas as vantagens e os ônus patrimoniais entre os contraentes.

Onerosos — nos contratos onerosos há vantagens e ônus para ambos os


contratantes. Tartuce (2017, p. 22) ensina que:

Os contratos onerosos são aqueles que trazem vantagens para ambos os con-
tratantes, pois ambos sofrem o mencionado sacrifício patrimonial (ideia de
proveito alcançado). Ambas as partes assumem deveres obrigacionais, havendo
um direito subjetivo de exigi-lo. Há uma prestação e uma contraprestação.

Gratuitos — nos contratos gratuitos, ou benéficos, apenas uma das partes


auferirá benefícios, enquanto a outra apenas obrigações, como na doação
pura, no comodato, entre outros.

A onerosidade da prestação de uma das partes não poderá ser excessiva, sob
pena de enriquecimento sem causa da outra parte. Não há responsabilidade por
vícios redibitórios ou evicção nos contratos gratuitos, somente nos onerosos,
consoante arts. 441 e 447 do Código Civil (BRASIL, 2002).
A maioria dos contratos unilaterais é gratuita, mas há exceções. No con-
trato de mútuo feneratício, mais conhecido como contrato de empréstimo
bancário, embora seja um contrato unilateral (obrigação de restituir o valor
emprestado apenas para o mutuário), o contratante deverá pagar juros, que
representam a onerosidade contratual, pela vantagem que obteve em utilizar
o dinheiro alheio pelo período contratado (TARTUCE, 2017). Portanto, é
exemplo de um contrato unilateral e oneroso.
A interpretação dos contratos gratuitos será sempre mais restritiva do que
a dos onerosos, isso porque diz respeito a uma liberalidade, conferindo maior
proteção ao contratante que agiu por generosidade, gratuitamente.

Contratos comutativos ou aleatórios

Os contratos cumulativos ou aleatórios são uma subdivisão dos contratos


bilaterais (PEREIRA, 2017).

Comutativos (ou pré-estimados) — nos contratos comutativos, as partes


sabem, desde o início, quais serão suas prestações, isto é, não existe o fator
Classificação dos contratos 9

risco inserido nas prestações. Clareando a compreensão, são comutativos os


contratos em que as prestações de ambas as partes são de antemão conhecidas
e guardam entre si uma relativa equivalência de valores (PEREIRA, 2017).
São exemplos:

 troca;
 compra e venda de coisa certa;
 locação.

Aleatórios (ou de esperança) — nos contratos aleatórios (álea = risco/sorte),


não haverá certeza quanto à ocorrência de, pelo menos, uma prestação. Sig-
nifica dizer que a prestação, ou ainda, a vantagem esperada por uma das
partes somente poderá ser exigida em função de evento futuro e incerto. São
exemplos de contratos aleatórios:

 contratos de seguro;
 contrato de esperança ou de safra;
 jogo (máquina de pegar bichinhos de pelúcia, entre outros);
 aposta (loteria, entre outros).

Não caberá a rescisão contratual por lesão, nem mesmo ação redibitória,
nos contratos classificados como aleatórios. Ademais, a resolução ou revisão
por onerosidade excessiva apenas caberá nos casos em que o evento superve-
niente, imprevisível e extraordinário não se relacionar com o risco assumido
contratualmente (PEREIRA, 2017).
A compra e a venda, embora sejam geralmente um contrato comutativo,
podem configurar contrato aleatório, como nos seguintes exemplos:

 Emptio spei — contrato de compra de coisa futura, com assunção


de risco pela existência (art. 458 do Código Civil: “Se o contrato for
aleatório, por dizer respeito a coisas ou fatos futuros, cujo risco de não
virem a existir um dos contratantes assuma, terá o outro direito de
receber integralmente o que lhe foi prometido, desde que de sua parte
não tenha havido dolo ou culpa, ainda que nada do avençado venha a
existir”) (BRASIL, 2002, documento on-line). Nesse tipo de compra
e venda, o comprador assume o risco de o objeto da compra e venda
não existir. Como exemplo, citamos a máquina de pegar bichinhos de
pelúcia: se a contratante não conseguir retirar nenhum bichinho da
máquina, não terá devolvido o valor gasto pela tentativa.
10 Classificação dos contratos

 Emptio rei speratae — contrato de compra de coisa futura, sem assunção


de risco pela existência (art. 459 do Código Civil: “Se for aleatório, por
serem objeto dele coisas futuras, tomando o adquirente a si o risco de
virem a existir em qualquer quantidade, terá também direito o alienante
a todo o preço, desde que de sua parte não tiver concorrido culpa, ainda
que a coisa venha a existir em quantidade inferior à esperada. Parágrafo
único. Mas, se dá coisa nada vier a existir, alienação não haverá, e o
alienante restituirá o preço recebido”) (BRASIL, 2002, documento on-
-line). Nesse tipo de compra e venda, o comprador não assume o risco
pela inexistência da coisa, apenas arrisca-se a receber menos do que
o desejado. Utilizando o exemplo da máquina de retirar bichinhos de
pelúcia, caso a contratante não conseguisse retirar nenhum bichinho,
poderia exigir restituição do valor pago; ou ainda, caso contratasse
objetivando retirar dois bichinhos, na mesma jogada, mas, ao fazer sua
mira, a garra da máquina acabasse pegando apenas um, teria de ficar
com o único que foi obtido, sem restituição do que pagou para jogar.

Contratos paritários ou por adesão

Paritários — quando o contrato é paritário, as partes encontram-se em situ-


ação de igualdade na negociação do conteúdo do contrato, estabelecendo as
cláusulas contratuais. Os contratos paritários permitem que as partes esco-
lham livremente o conteúdo do contrato de forma mais equitativa. Contudo,
direcionado a uma relação contratual individualizada, esse tipo de contrato
encarece a negociação (agrega custos) — o próprio custo do tempo, nessas
negociações contratuais, chamado de custo de transação (COOTER; ULEN,
2010), deve ser contabilizado.

Adesão — ocorre quando por adesão o conteúdo do contrato foi predisposto


pelo proponente. Desse modo, a outra parte, o aderente, não delibera acerca
das cláusulas (não exerce sua liberdade contratual), apenas aceita (adere)
contratar se tiver interesse no produto ou no serviço — persiste, apenas, a
liberdade de contratar ou não contratar. Nesse tipo de instrumento contratual,
as cláusulas são genericamente confeccionadas para um grupo não individu-
alizado de pessoas, ou seja, para a massa. Considerando que não se permite
discussão do conteúdo contratual, há uma redução dos custos de transação,
assim como garantia de que diferentes sujeitos irão contratar sob as mesmas
condições — igualdade e homogeneidade no tratamento dos contratantes. Por
outro lado, em razão de ser unilateralmente estipulado, pode dar margem a
Classificação dos contratos 11

abusos, isto é, o proponente pode se valer da sua vantagem contratual para


realizar um clausulado totalmente em desfavor do aderente. Para evitar abuso,
ou oportunismo, nos contratos por adesão, em vez de proibi-los, já que im-
prescindíveis e inevitáveis na sociedade de consumo, a legislação e o Poder
Judiciário controlam e limitam essa modalidade de contratar — nesse sentido,
dispõe o art. 423 do Código Civil: “Quando houver no contrato de adesão
cláusulas ambíguas ou contraditórias, dever-se-á adotar a interpretação mais
favorável ao aderente” (BRASIL, 2002, documento on-line).

Contrato-tipo — há a possibilidade de negociar as cláusulas contratuais,


embora, inicialmente, ele venha predisposto por um dos contratantes — nor-
malmente, é realizado por empresas e seus clientes ou fornecedores, não
sendo destinados a toda a massa, mas a um grupo identificável de contratantes
(PEREIRA, 2017).

Contratos evolutivos

Os contratos evolutivos são uma classificação proposta pelo professor Arnoldo


Wald, que, em geral, diz respeito aos contratos administrativos, nos quais
parte das cláusulas contratuais é estática e outra dinâmica, pois obedecem às
normas legais, logo, alterando-se conforme a alteração legislativa (GAGLIANO;
PAMPLONA FILHO, 2010). Dessa forma, é possível compensar, no curso
da contratação, eventuais alterações na equação financeira do contrato. São
exemplos os contratos do Sistema Financeiro de Habitação, Financiamento
Estudantil, entre outros.

Quanto à disciplina jurídica


Nesta classificação, os contratos são qualificados de acordo com a disciplina,
ou melhor, com o microssistema jurídico do qual fazem parte. São exemplos
os seguintes contratos:

 civis;
 consumeristas;
 comerciais;
 administrativos;
 trabalhistas.
12 Classificação dos contratos

Quanto à forma ou quanto às exigências


para a sua constituição
Nessa classificação, os contratos são qualificados de acordo com a forma em:

Solenes ou formais — serão formais aqueles contratos cuja validade depende


de forma estabelecida em lei. São exemplos a compra e a venda de imóvel de
valor superior a 30 salários-mínimos — conforme art. 108 do Código Civil:

Não dispondo a lei em contrário, a escritura pública é essencial à validade


dos negócios jurídicos que visem à constituição, transferência, modificação
ou renúncia de direitos reais sobre imóveis de valor superior a trinta vezes o
maior salário mínimo vigente no País (BRASIL, 2002, documento on-line).

Não solenes ou informais — essa classificação diz respeito à maioria dos


contratos. O contrato é não solene ou informal quando sua forma é livre, não
necessitando cumprir formalidade imposta em lei, como dispõe o art. 107
do Código Civil: “A validade da declaração de vontade não dependerá de
forma especial, senão quando a lei expressamente a exigir” (BRASIL, 2002,
documento on-line). São exemplos os contratos de compra e venda de bens
de consumo em geral e de prestação de serviços em geral.
Os contratos consensuais ou reais se relacionam com a maneira como o
contrato é concluído, perfectibilizado:

Consensuais — os contratos consensuais são aqueles que se aperfeiçoam,


que se tornam perfeitamente constituídos, apenas com o consentimento das
partes, bastando-lhes o consenso. São exemplos:

 locação;
 compra e venda;
 mandato.

Reais — são reais os contratos que só se aperfeiçoam com a entrega da coisa que
constitui seu objeto, pois apenas o consentimento das partes não basta para o
contrato estar constituído. A entrega da coisa (tradição), nos contratos reais, é consi-
derada requisito de existência (VENOSA apud GAGLIANO; PAMPLONA FILHO,
2010), portanto, enquanto não tiver sido entregue o bem, haverá no máximo uma
promessa de contratar. Significa dizer que, ao contratar um empréstimo bancário
(contrato de mútuo feneratício), o correntista não será considerado devedor antes
Classificação dos contratos 13

que o valor do empréstimo esteja em sua conta corrente; ou, se o sujeito contratar
um comodato, antes de sair da biblioteca com a posse do livro. São exemplos:

 comodato;
 mútuo;
 depósito;
 penhor.

Em geral, os contratos reais são também unilaterais, pois, após a entrega do


bem, momento de constituição do negócio, só há obrigação de restituição da
coisa por aquele que a possui (o penhor, por outro lado, seria uma exceção — um
contratante paga os juros e o outro devolve o bem que ficou como garantia).

Quanto à designação ou disciplina legal específica


Nesta classificação, os contratos são qualificados em nominados ou inominados:

Nominados — possuem nomen juris específico. Serão nominados os contratos


que tiverem terminologia ou nomenclatura definida. Podemos, assim, concluir que
todos os contratos típicos são nominados, já que possuem nomenclatura própria.
São exemplos a compra e venda, comodato, entre outros. Outrossim, boa parte dos
contratos atípicos também é nominada, como o leasing, a hospedagem, entre outros.

Inominados — contratos que não possuem nomenclatura definida. Seriam as


figuras contratuais novas ou aquelas que conjugam diversos tipos de contratos,
fruto da autonomia privada e sem designação específica.

Nesta classificação, os contratos são qualificados em típicos ou atípicos:

Típicos — são aqueles que têm previsibilidade legal, ou seja, aqueles regulados pelo
Direito Positivo. São os contratos dispostos pela legislação em vigor. São exemplos:

 compra e venda;
 doação;
 locação;
 depósito;
 seguro;
 comodato;
 mútuo.
14 Classificação dos contratos

Atípicos — são aqueles não regulados em lei, como, por exemplo, os contratos
de hospedagem, factoring e leasing, entre tantos outros. Atípico é um contrato
não disciplinado pelo ordenamento jurídico, embora lícito, pelo fato de restar
sujeito às normas gerais do contrato e não contrariar a lei, os bons costumes
ou os princípios gerais do Direito.
Igualmente aos contratos típicos, os contratos atípicos devem seguir as
disposições normativas dos arts. 421 e 422 do Código Civil (BRASIL, 2002,
documento on-line):

Art. 421 A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da


função social do contrato.
Art. 422 Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do
contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.

O Quadro 4 apresenta os contratos quanto à designação ou disciplina legal


específica.

Quadro 4. Contratos quanto à designação ou disciplina legal específica

Contratos Nominados Inominados

Todos os contratos típicos Não há.


Típicos são nominados.

Contratos atípicos nominados: contrato Todos aqueles


de publicidade, de garagem, de que surgirem da
excursão turística, leasing, espetáculos autonomia privada
artísticos, feiras e exposições, serviços de ou da conjugação
bufê em geral, mudança, manutenção de elementos de
Atípicos de equipamentos, entre outros. contratos já tipificados.

Quanto à pessoa do contratante


Nesta classificação, os contratos são qualificados em pessoais ou impessoais:

Pessoais (ou personalíssimos) — celebrados em razão da pessoa contratada,


por vínculo de confiança, por suas qualidades técnicas, artísticas. São, por isso,
intransmissíveis, não podendo ser executados por outros; são também chamados
de personalíssimos, ou intuitu personae, de modo que a pessoa não pode se
fazer substituir por outra. São exemplos o contrato de trabalho e a prestação de
Classificação dos contratos 15

serviços de artistas em geral. No caso de descumprimento culposo, dificilmente o


prejudicado conseguirá a tutela específica contratada, tendo como consequência,
na maioria das vezes, somente a indenização por perdas e danos.

Impessoais — nesses contratos, interessa apenas o resultado da atividade contra-


tada, independentemente da pessoa que irá realizá-la. Segundo Gonçalves (2010,
p. 102), os “contratos impessoais são aqueles cuja prestação pode ser cumprida,
indiferentemente, pelo obrigado ou por terceiro. O importante é que seja realizada,
pouco importando quem a executa, pois, o seu objeto não requer qualidades espe-
ciais do devedor”. São exemplos a compra e venda, a troca ou permuta, entre outros.

Nesta classificação, os contratos são qualificados em individuais ou co-


letivos (PEREIRA, 2017):

Individuais — aqueles formados pelo consentimento de pessoas, cujas von-


tades são individualmente consideradas, mesmo que atuem em grupos. São
exemplos a doação de roupas para um grupo de moradores de rua, a contratação
de um serviço de buffet, entre outros.

Coletivos — utilizados, normalmente, nas relações entre patrão e empregados,


em razão de que os sindicatos ou as associações acabam por representar uma
coletividade e não uma parte individualizada. São exemplos a convenção
coletiva de trabalho, o acordo coletivo de trabalho, entre outros.

Quanto ao tempo ou ao momento do cumprimento


Nesta classificação, os contratos são qualificados quanto ao tempo ou ao
momento do cumprimento:

Contratos de execução instantânea ou instantâneos — relações jurídicas


contratuais cujos efeitos são produzidos de uma só vez. Nas palavras de Pereira
(2017, p. 62), nos contratos de execução instantânea, “[...] a solução se efetua
de uma só vez e por prestação única, tendo por efeitos extinção cabal da
obrigação”. Significa dizer que não há período entre a conclusão e a execução
do contrato. É exemplo a compra e venda à vista.

Contratos de execução diferida ou retardada — nessa classificação, serão


utilizados os ensinamentos dos professores Pereira (2017) e Lôbo (2011),
que entendem que os contratos de execução diferida são aqueles em que a
16 Classificação dos contratos

prestação de uma das partes não ocorre de pronto, em um só momento, mas


a termo. O contrato foi perfeitamente concluído pelas partes, contudo, sua
execução fica retardada, ou diferida, a exemplo da compra e venda parceladas.
Vale mencionar que não ocorrerá a extinção da obrigação enquanto não se
completar a solução, ou seja, o pagamento da obrigação.

Contratos de execução continuada, de duração, de trato sucessivo ou de


débito permanente — aqueles que se cumprem por meio de atos reiterados,
como o contrato de locação, o contrato de trabalho, entre outros. Podem ser
por tempo determinado, quando delimitarem o termo final do contrato (por
exemplo, locação por temporada) ou indeterminado, quando não houver tempo
predeterminado (por exemplo, contrato de trabalho). Corroborando, oportuno
citar: “[...] o contrato sobrevive, com a persistência da obrigação, muito embora
ocorram soluções periódicas, até que, pelo implemento de uma condição ou
decurso de um prazo, cessa o próprio contrato” (PEREIRA, 2017, p. 62).

Quanto à função econômica


Nesta classificação, os contratos são qualificados quanto à função econômica:

De troca — caracterizados pela troca de utilidades econômicas. São exemplos


a compra e venda, a troca ou permuta, entre outros.

Associativos — caracterizados pela união de interesses ou coincidência de


fins. Um exemplo é o contrato de sociedade.

De prevenção de riscos — caracterizados pela assunção de riscos por parte


de um dos contraentes. Um exemplo é o contrato de seguro.

De crédito — caracterizados pelo interesse de uma utilidade econômica, por


meio da transferência de um bem futuramente restituído, como nos contratos
de empréstimo. Um exemplo é o mútuo feneratício.

De atividade — caracterizados pela prestação de uma conduta de fato (um


fazer). São exemplos:

 prestação de serviços;
 empreitada;
 corretagem.
Classificação dos contratos 17

Contratos reciprocamente considerados


Nesta classificação, os contratos são qualificados quanto à relação de depen-
dência (GACLIANO; PAMPLONA FILHO, 2010):

Principais — existem por si mesmos, sem necessitar da dependência de


outros. Um exemplo é a compra e venda de um imóvel ou de um automóvel.

Acessórios — sua existência pressupõe a existência do contrato principal.


São exemplos:

 hipoteca;
 fiança;
 penhor.

Os contratos também podem ser classificados quanto à definitividade em:

Preliminares (ou pactum de contrahendo) — são aqueles que têm por finalidade
a celebração de um contrato definitivo. Um exemplo é a promessa de compra e
venda — por meio dessa promessa, as partes comprometem-se a realizar o contrato
definitivo de compra e venda que irá transferir a propriedade do bem.

Definitivos — aqueles que atingem o objetivo negocial das partes, sem ne-
cessidade de outro que os complemente.

Classificação dos contratos aplicada pelos


tribunais superiores
A seguir, apresentamos Recurso Especial (REsp) julgado pelo STJ sobre
contrato de futebol:

RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. COMPETÊNCIA INTER-


NACIONAL.
CONTROVÉRSIA ENTRE CONHECIDO JOGADOR DE FUTEBOL (ROBI-
NHO) E A EMPRESA NIKE ACERCA DAS OBRIGAÇÕES CONTRAÍDAS
EM “CONTRATO DE FUTEBOL”. COMPETÊNCIA CONCORRENTE.
FORO DE ELEIÇÃO. JUSTIÇA HOLANDESA. CONTRATO PARITÁRIO.
INEXISTÊNCIA DE ASSIMETRIA. CLÁUSULA CONTRATUAL ELETI-
VA DE FORO ALIENÍGENA ADMITIDA. AUTONOMIA DA VONTADE.
18 Classificação dos contratos

1. Inocorrência de negativa de prestação jurisdicional ou mesmo nulidade da


decisão quando as alegadas omissões inexistem, seja porque devidamente
esgotadas as questões submetidas ao Estado-jurisdição, seja porque mostram-
-se irrelevantes para o desate da controvérsia à luz dos fundamentos que
conduziram à extinção da demanda.
2. Em sendo paritária e, assim, simétrica a relação negocial estabelecida entre
conhecido jogador de futebol e empresa multinacional do ramo dos artigos
esportivos, contrato cujo objeto, ademais, relaciona-se à cessão dos direitos de
uso de imagem do atleta, não é possível qualificá-la como relação de consumo
para efeito de incidência das normas do Código de Defesa do Consumidor.
3. Regulada pelo disposto no art. 88 do CPC/73, a competência internacional
na espécie evidencia-se como concorrente, revelando-se possível a eleição,
mediante cláusula prevista no negócio jurídico qualificado pelas partes como
“contrato de futebol” (contrato de patrocínio e cessão de uso de imagem), do
foro alienígena como competente para a solução das controvérsias advindas
do acordo.
Precedente da Colenda 4ª Turma.
4. Caso concreto em que a obrigação principal contraída no acordo não deveria
ser cumprida exclusivamente no Brasil.
5. Suscitada a incompetência da Justiça brasileira pela parte demandada em
momento oportuno, correta a decisão de extinção do feito, sem resolução
de mérito, diante da derrogação, pelas partes, com base em sua autonomia
privada, da competência da Justiça brasileira e da eleição da Justiça holandesa
para dirimir eventuais controvérsias.
6. RECURSO ESPECIAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO (BRASIL,
2016, documento on-line).

Nesse REsp, o STJ compreendeu que o contrato entabulado entre o jogador


de futebol profissional, Robinho, e a empresa multinacional, Nike, estava
classificado como um contrato paritário, no qual as partes encontram-se em
situação de igualdade na negociação do conteúdo do contrato, principalmente
no que concerne ao estabelecimento das cláusulas contratuais. Assim, não
acolheu seu pedido de vulnerabilidade contratual por não se enquadrar em
relação típica de consumo, nem considerou o contrato firmado pelas partes
como um mero contrato por adesão em que o jogador não teria a liberdade de
escolher o conteúdo (liberdade contratual) e negou provimento ao recurso.
Cabe analisarmos mais um REsp da mesma corte:

RECURSO ESPECIAL. DIREITO DO CONSUMIDOR. AÇÃO CIVIL PÚ-


BLICA. MULTA MORATÓRIA. PREVISÃO CONTRATUAL DE COMI-
NAÇÃO DE MULTA APENAS EM FACE DA MORA DO CONSUMIDOR.
ASSIMETRIA A MERECER CORREÇÃO. HARMONIA DAS RELAÇÕES
DE CONSUMO. EQUILÍBRIO CONTRATUAL A SER RESTABELECI-
DO. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. INOCORRÊNCIA.
PATENTE INOVAÇÃO POR PARTE DO RECORRENTE ACERCA DE
Classificação dos contratos 19

QUESTÕES ALEGADAMENTE OMISSAS, MAS NÃO SUSCITADAS


EM MOMENTO OPORTUNO.
1. Ação civil pública movida pelo Ministério Público de São Paulo buscando
restabelecer o equilíbrio de contrato de adesão relativo a fornecimento de
produtos, aplicando a mesma multa prevista para a mora do consumidor para
as hipóteses de atraso na entrega das mercadorias ou de devolução imediata
dos valores pagos.
2. Inocorrência de violação ao disposto no art. 535 do CPC/73, quando o
acórdão recorrido dá expressa solução às questões centrais, mesmo que não
examine pontualmente cada um dos argumentos suscitados pelas partes. Caso
concreto em que se alega omissão em relação a questões que sequer foram
devolvidas quando da interposição de recurso de apelação.
3. Possibilidade de intervenção judicial nos contratos padronizados de con-
sumo de modo a restabelecer o sinalagma negocial, fazendo incidir a mesma
multa prevista para a mora do consumidor nos casos de atraso na entrega dos
produtos ou de devolução imediata dos valores pagos quando exercido o direito
de arrependimento, com fundamento tanto no CDC, como no próprio Código
Civil (arts. 395, 394 e 422) ao estatuir os efeitos da mora e a submissão dos
contratantes à boa-fé objetiva.
4. Manifesta abusividade na estipulação de penalidade apenas para o descum-
primento das obrigações imputadas ao consumidor aderente ao contrato sem
nada estatuir acerca da mora do fornecedor.
5. Manutenção da decisão que, reequilibrando a relação de consumo, deter-
mina a integração dos contratos celebrados pela ré da previsão de multa de
2% sobre o valor do produto no caso de descumprimento do prazo de entrega
ou de atraso na devolução dos valores pagos quando exercido o direito de
arrependimento. Precedente.
6. RECURSO ESPECIAL DESPROVIDO (BRASIL, 2017, documento on-line).
Já, nesse REsp, o STJ compreende que se trata de relação de consumo, protegida
pelo Código de Defesa do Consumidor (CDC) e Código Civil. Ademais, por
não se tratar de um contrato paritário, mas de um contrato massificado, por
adesão, o STJ compreendeu que a multa contratual imposta contratualmente,
apenas para os casos de mora do consumidor aderente, configurava abuso
do fornecedor proponente — desequilíbrio da relação contratual. Além de
classificar o contrato em discussão como um contrato padronizado de consu-
mo, ou seja, contrato de adesão ou por adesão, também se utilizou da noção
de sinalagma para justificar que as prestações contratuais devem guardar,
entre si, uma correlação equilibrada. Assim, não deu provimento ao recurso
interposto pelo proponente, considerando que correta a intervenção judicial
no sentido de reequilibrar a assimetria entre os contratantes e reestabelecer
o sinalagma contratual. A ementa a seguir apresenta decisão do Supremo
Tribunal Federal (STF):Ementa: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO
EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. CIVIL. DIREITO DO CONSUMI-
DOR. PREVIDÊNCIA PRIVADA. CONTRATO DE SEGURO DE VIDA.
RENOVAÇÃO NOS TERMOS CONTRATADOS. RECUSA PELA SEGU-
RADORA. MATÉRIA INFRACONSTITUCIONAL. OFENSA REFLEXA.
INTERPRETAÇÃO DE CLÁUSULAS CONTRATUAIS. INCIDÊNCIA DA
SÚMULA 454/STF. DECISÃO QUE SE MANTÉM POR SEUS PRÓPRIOS
20 Classificação dos contratos

FUNDAMENTOS. [...] 4. In casu, o acórdão objeto do recurso extraordinário


assentou: APELAÇÃO CÍVEL. SEGURO DE VIDA. RECUSA DE RENOVA-
ÇÃO DE CONTRATO. ABUSIVIDADE. APLICABILIDADE DO CÓDIGO
DE DEFESA DO CONSUMIDOR. MANUTENÇÃO DO PACTO COMO
ANTERIORMENTE CONTRATADO. 1. O objeto principal do seguro é a
cobertura do risco contratado, ou seja, o evento futuro e incerto que poderá
gerar o dever de indenizar por parte da seguradora. Outro elemento essencial
desta espécie contratual é a boa-fé, na forma do art. 422 do Código Civil,
caracterizada pela lealdade e clareza das informações prestadas pelas partes.
2. A relação jurídica de seguro está submetida às disposições do Código de
Defesa do Consumidor, enquanto relação de consumo atinente ao mercado
securitário. 3. O litígio em exame versa sobre o reconhecimento da ilegali-
dade da não renovação da apólice de seguro, bem como da abusividade da
cláusula que prevê a resilição por parte da seguradora. Situações precitadas
que rompem com o equilíbrio contratual, princípio elementar das relações
de consumo, a teor do que estabelece o artigo 4º, inciso III, do CDC. 4. A
estabilidade das cláusulas contratuais a que está submetido o consumidor deve
ser respeitada, em especial nos contratos de prestações sucessivas, como é o
caso dos autos. Nessa seara, com base no artigo 51, incisos IV, X e XV, § 1º,
do CDC. 5. O seguro constitui pacto de trato sucessivo e não temporário o
que implica certa continuidade nesta relação jurídica cativa. Se mantidas as
mesmas condições da época da contratação, as suas disposições não devem
ser alteradas unilateralmente pela seguradora, exceto se durante o período de
contratação haja a ocorrência de fatos não previsíveis, com o condão de modi-
ficar significativamente o equilíbrio contratual. 6. A comunicação tempestiva
não é o único requisito a ser preenchido para não se efetivar a renovação do
pacto. Como visto anteriormente, a correspondência com os novos termos de
contratação, ao consumidor é abusiva, não merecendo qualquer consideração
as informações nela contida, acerca da extinção do contrato. 7. Necessidade
de pagamento do valor do prêmio inadimplido no curso da presente deman-
da. Dado parcial provimento ao apelo. 5. Agravo regimental a que se NEGA
PROVIMENTO (BRASIL, 2013, documento on-line).

Nesse julgado, o STF considera o contrato de seguro como um contrato


de trato sucessivo ou execução continuada, que, como visto, corresponde aos
contratos que se cumprem por meio de atos reiterados — no caso do seguro,
contrato de trato sucessivo com prazo determinado e renovável. Destarte,
o STF compreendeu ser injustificada a recusa de renovação do contrato de
seguro de vida por parte da seguradora, em razão de configurar quebra da
estabilidade da relação contratual de trato sucessivo, mantida de boa-fé pelos
contratantes. Ademais, por se tratar de relação de consumo entre seguradora
e segurado, os deveres de proteção, cuidado e informação — decorrentes
da boa-fé objetiva — ficam protegidos, também, pelas disposições do CDC.
Classificação dos contratos 21

BRASIL. Lei Federal nº. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Diário Oficial
da União, Brasília, DF, 11 jan. 2002. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/
Leis/2002/l10406.htm>. Acesso em: 20 ago. 2018.
BRASIL. Superior Tribunal de justiça. Terceira Turma. Recurso Especial nº. 1.518.604/SP
(2013/0096653-6). Relator Ministro Paulo de Tarso Sanseverino. Diário de Justiça Eletrônica,
Brasília, DF, 29 mar. 2016. Disponível em: <http://www.lexml.gov.br/urn/urn:lex:br:superior.
tribunal.justica;turma.3:acordao;resp:2016-03-15;1518604-1523991>. Acesso em: 20 ago. 2018.
BRASIL. Superior Tribunal de justiça. Terceira Turma. Recurso Especial nº. 1.548.189/SP
(2014/0173222-3). Relator Ministro Paulo de Tarso Sanseverino. Diário de Justiça Eletrônica,
Brasília, DF, 6 set. 2017. Disponível em: <https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/496381992/
recurso-especial-resp-1548189-sp-2014-0173222-3/inteiro-teor-496381994>. Acesso em:
20 ago. 2018.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Agravo Extraordinário com Agravo nº. 720643/RS. Pri-
meira Turma. Relator Ministro Luiz Fux. Diário de Justiça Eletrônica, Brasília, DF, 11 jun. 2013.
Disponível em: <https://stf.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/23365508/agreg-no-recurso-
-extraordinario-com-agravo-are-720643-rs-stf/inteiro-teor-111695903?ref=juris-tabs>. Acesso
em: 20 ago. 2108.
COOTER, R.; ULEN, T. Direito e economia. 5. ed. Porto Alegre: Bookman, 2010.
GAGLIANO, P. S.; PAMPLONA FILHO, R. Novo curso de Direito Civil: contratos. 4. ed. São Paulo:
Saraiva, 2010. v. 4.
GIRARDI, L. J. Curso elementar de Direito romano. Porto Alegre: Livraria Acadêmica, 1984.
GONÇALVES, C. R. Direito Civil brasileiro: contratos e atos unilaterais. 7. ed. São Paulo: Saraiva,
2010. v. 3.
LÔBO, P. Direito Civil: contratos. 1. ed. São Paulo: Saraiva, 2011
PEREIRA, C. M. S. Instituições de Direito Civil. 21. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2017. v. 3.
TARTUCE, F. Direito Civil: teoria geral dos contratos e contratos em espécie.12. ed. São Paulo:
Editora Forense, 2017. v. 3.

Leituras recomendadas
ALMEIDA, C. F. Contratos: conceito, fontes e formação. 5. ed. Coimbra: Edições Almedina,
2014. v. 1.
ROPPO, E. O contrato. Coimbra: Edições Almedina, 2009.
SILVA, C. V. C. A obrigação como processo. Rio de Janeiro: FGV, 2007.
Conteúdo:
DICA DO PROFESSOR

Você sabe diferenciar a categoria dos negócios jurídicos bilaterais da classificação dos contratos
como bilaterais? No estudo da classificação dos contratos é muito comum confundir algumas
categorias.

Nesta Dica do Professor, você vai poder examinar tanto os negócios jurídicos bilaterais quanto
os contratos bilaterais, compreendendo essas noções distintas.

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EXERCÍCIOS

1) Os contratos podem ser categorizados de maneiras diferentes a depender de suas


características, tais como as obrigações das partes, os sujeitos envolvidos ou as
vantagens patrimoniais percebidas pelas partes contratantes.

Sobre a classificação dos contratos, assinale a alternativa correta.

A) Os contratos onerosos são aqueles em que apenas uma das partes auferirá benefícios; a
outra, apenas os ônus.

B) Um contrato de consórcio pode ser exemplo de um contrato unilateral.

C) A compra e venda à vista é exemplo de um contrato de execução continuada.

D) Contratos unilaterais são sempre sinalagmáticos.

E) Contratos pessoais ou intuitu personae são aqueles celebrados em razão da pessoa


contratada, como o contrato de trabalho.
2) Os contratos são classificados, doutrinariamente, de acordo com seus efeitos, com o
tempo de sua execução, dentre outras peculiaridades. Isso significa dizer que estes se
agrupam em classes contratuais a depender de características semelhantes.

No que diz respeito à prestação pactuada, ou à natureza da obrigação, é correto dizer


que:

A) um contrato em que as partes são reciprocamente credoras e devedoras uma da outra e, se


uma obrigação deixar de ser cumprida, a outra perde sua causa de existir, é classificado
como bilateral e sinalagmático.

B) um contrato oneroso é aquele em que as prestações de ambas as partes são de antemão


conhecidas, e guardam entre si uma relativa equivalência de valores.

C) em um contrato aleatório, as cláusulas são genericamente confeccionadas para um grupo


não individualizado de pessoas, ou seja, para a massa.

D) o autocontrato é um contrato classificado como unilateral.

E) os contratos onerosos são sempre unilaterais, pois os ônus são impostos apenas para um
dos contratantes.

3) Quanto aos contratos considerados de forma autônoma, ou seja, sem relações com
outros contratos, marque a alternativa correta.

A) Quanto à forma, os contratos são qualificados de acordo com o microssistema jurídico que
fazem parte, como, por exemplo, em contratos civis, consumeristas, comerciais, etc.

B) A doação com encargo é exemplo de contrato evolutivo.

C) A exceção de contrato não cumprido pode ser invocada nos contratos unilaterais.
D) Serão formais, ou solenes, aqueles contratos cuja validade depende de forma estabelecida
em lei.

E) São consensuais os contratos que só se aperfeiçoam com a entrega da coisa.

4) Quanto aos contratos reciprocamente considerados, pode-se afirmar, acertadamente,


que:

A) os contratos acessórios existem por si mesmos, sem necessitar da dependência de outros.


Exemplo: compra e venda de um imóvel ou de um automóvel.

B) os contratos preliminares são aqueles que atingem o objetivo negocial das partes, sem
necessidade de outro que o complemente.

C) a existência de um contrato principal é pressuposto para a existência dos contratos


acessórios. Exemplos: hipoteca, fiança e penhor.

D) os contratos principais são aqueles que têm por finalidade a celebração de um contrato
definitivo. Exemplo: promessa de compra e venda.

E) os contratos definitivos são aqueles que se cumprem por meio de atos reiterados, como o
contrato de locação e o contrato de trabalho.

5) Marque a alternativa correta no que diz respeito à classificação dos contratos


considerados em si mesmos.

A) Nos contratos de execução continuada, a prestação de uma das partes não ocorre de pronto,
ocorre a termo. O contrato não se renova, mas sua execução é atrasada, como no caso da
compra e venda para pagamento em 30 dias.

B) Os contratos de execução instantânea, também chamados de contratos instantâneos, são


aqueles cujos efeitos são produzidos de uma só vez, como a compra e venda à vista.

C) Nos contratos de execução diferida, o contrato sobrevive, com a persistência da obrigação,


muito embora ocorram soluções periódicas, até chegar ao seu termo final, condição
resolutiva, ou não seja mais do interesse das partes.

D) Os contratos individuais são utilizados, normalmente, nas relações entre patrão e


empregado, pois os sindicatos ou associações acabam por representar uma coletividade.

E) Nos contratos coletivos, interessa apenas o resultado da atividade contratada,


independentemente da pessoa que irá realizá-la.

NA PRÁTICA

A classificação dos contratos em relação ao momento de seu cumprimento ou de sua execução


nem sempre fica muito clara na doutrina, em razão dos autores utilizarem concepções diferentes
nessas classificações.

Neste Na prática, você vai ver exemplos bem simplificados dos contratos instantâneos, de
execução diferida e de execução continuada, com base na doutrina de Caio Mario da Silva
Pereira, assim como na de Paulo Lôbo.
SAIBA MAIS

Para ampliar o seu conhecimento a respeito desse assunto, veja abaixo as sugestões do
professor:

A classificação dos contratos no Direito brasileiro vigente

Leia mais sobre a classificação dos contratos no seguinte artigo, de autoria de Carlos Alberto
Bittar Filho.

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A causa dos contratos e a exceptio non adimpleti contractus

Aprofunde o seu conhecimento sobre o sinalagma contratual no seguinte artigo, de autoria do


desembargador Ralpho Waldo de Barros Monteiro, e da mestre Marina Stella de Barros
Monteiro.

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O contrato existencial: análise de decisão judicial que assegura a sua aplicação

Para saber mais sobre alguns contratos de trato sucessivo que, em virtude de sua essencialidade,
devem ser tratados de modo peculiar pelas partes e interpretados pelos julgadores levando-se em
conta o princípio da dignidade da pessoa humana, leia o seguinte artigo, de autoria de Arthur
Pinheiro Basan.

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Formação, interpretação e integração dos
contratos

APRESENTAÇÃO

Os negócios jurídicos não se formam sem a vontade das pessoas. Essa vontade, inicialmente
interna, subjetiva, é a propulsora do contratar. Todavia, essa vontade não tem, em geral, como
ser apreendida e adequadamente tutelada pelo Direito. Assim, o mundo jurídico, normalmente,
preocupa-se com a vontade declarada, aquela objetiva, externada pelas partes de modo a chegar
em um consenso e concluir o negócio desejado. Por outro lado, mesmo que externalizem a sua
vontade, raramente as partes conseguirão exprimir, por meio dos contratos, todas as
eventualidades que poderão fazer parte do seu processo negocial. Além disso, não raro, será
necessário que se valham de ferramentas para interpretar ou complementar as disposições
contratuais por elas firmadas.

Nesta Unidade de Aprendizagem, você estudará sobre a formação dos contratos e as ferramentas
capazes de auxiliar as partes e os juízes na interpretação e integração contratual.

Bons estudos.

Ao final desta Unidade de Aprendizagem, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

• Identificar como ocorre a formação do contrato.


• Explicar a importância da aceitação na formação do contrato.
• Definir interpretação e integração dos contratos.

DESAFIO

Clara e José são vizinhos, ela é costureira; ele, serralheiro. Recentemente, Clara sofreu uma
tentativa de assalto em sua residência e, por isso, procura por alguém que realize os serviços de
serralheria. Seu José, sabendo do ocorrido, ao encontrar com Clara, no mercadinho do bairro,
coloca-se à disposição dela para realizar os serviços de serralheria, dizendo-lhe que o ideal,
nesses casos, seria colocar grades por toda a entrada de sua propriedade, e que seu serviço
custaria R$ 5.000,00 (cinco mil reais). Após ouvir José, Clara apenas agradeceu sua
disponibilidade e voltou para sua residência pensando sobre a proposta do vizinho.

Dias depois, José bate à porta de Clara com todo o seu material, informando-lhe que começaria
o serviço no ato:

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Você, como advogado de Clara, como poderia auxiliá-la nessa questão? A proposta de José foi
séria, concreta, a ponto de vinculá-lo? Foi celebrado contrato entre os vizinhos?

INFOGRÁFICO

Os contratos são firmados muito rapidamente, dessa forma, nem sempre é possível perceber o
seu processo de formação. Todavia, faz-se importante compreender que até a celebração do
contrato, muitos atos podem ser praticados e, mesmo que não configurem a conclusão deste,
podem repercutir na relação entre as partes, inclusive em situações excepcionais, gerando o
dever de reparar.

Neste Infográfico, você vai examinar as fases de formação do contrato.


CONTEÚDO DO LIVRO

A formação dos contratos dependerá da manifestação de vontade das partes, direcionadas ao


consenso, elemento essencial à conclusão dos contratos. Assim, é relevante compreender o
momento em que se considera realizado esse consenso. Para compreender o momento de
conclusão do contrato, a doutrina estuda todas as fases de formação contratual, desde a fase de
meras negociações, passando pela fase em que se forma uma proposta definitiva e vinculante,
até a fase em que basta a aceitação do interessado para o contrato considerar-se como
celebrado.

Entretanto, nem todos os contratos apresentarão essas fases tão bem delimitadas. Para
comprovar isso, você pode refletir acerca de um contrato de compra e venda de um livro pela
internet, por exemplo, em que um clique já configura sua aceitação e o vincula ao pagamento do
preço pelo bem desejado.

Já nos contratos mais complexos, principalmente naqueles cujo objeto são bens de maior valor,
dificilmente as partes se obrigam sem antes negociar, tirar suas dúvidas e comparar
preços com mais atenção e cuidado. Nesse tipo de contrato, calha compreender quando as partes
efetivamente estarão vinculadas, de modo a evitar conflitos e problemas futuros.

Para evitar controvérsias, faz-se necessário que o conteúdo do contrato expresse o interesse real
das partes, que seja claro e que não induza os contratantes ao erro, pois, do contrário, será
preciso um esforço de interpretação do conteúdo contratual ou de integração de lacunas
contratuais.

No capítulo Formação, interpretação e integração, da obra Direito Civil III: teoria geral dos
contratos, base teórica desta Unidade de Aprendizagem, você vai examinar a formação, a
interpretação e a integração dos contratos.

Boa leitura.
DIREITO CIVIL
III: TEORIA
GERAL DOS
CONTRATOS

Patrícia Fernandes Fraga


Formação, interpretação e
integração dos contratos
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

 Identificar como ocorre a formação do contrato.


 Explicar a importância da aceitação na formação do contrato.
 Definir interpretação e integração dos contratos.

Introdução
Os negócios jurídicos não se formam sem a vontade das pessoas. Essa
vontade, inicialmente interna, subjetiva, é a propulsora do contratar.
Todavia, essa vontade não tem, em geral, como ser apreendida e adequa-
damente tutelada pelo Direito. Assim, o mundo jurídico, normalmente,
preocupa-se com a vontade declarada, aquela objetiva, externada pelas
partes de modo a chegar em um consenso e concluir o negócio desejado.
Por outro lado, mesmo que externalizem a sua vontade, raramente as
partes conseguirão exprimir, por meio dos contratos, todas as vicissitudes
ou eventualidades que poderão fazer parte do seu processo negocial.
Além disso, não raro, será necessário que se valham de ferramentas para
interpretar ou complementar as disposições contratuais por elas firmadas.
Neste capítulo, você vai ler sobre a formação dos contratos e as fer-
ramentas capazes de auxiliar as partes e os juízes na interpretação e
integração contratual.

Formação dos contratos


A formação dos contratos dependerá da manifestação de vontade das partes,
direcionadas ao consenso, elemento essencial à conclusão dos contratos.
Assim, é relevante compreender o momento em que se considera realizado
esse consenso.
2 Formação, interpretação e integração dos contratos

Essa manifestação de vontade poderá ser tácita ou expressa. Será tácita


quando se consegue inferir do comportamento da parte o seu aceite inequívoco,
desde que a lei não exija manifestação expressa pelo contratante. Será expressa
quando as partes utilizarem de qualquer meio ou veículo para exteriorizar a
sua vontade concretamente (palavra escrita ou falada, gestos ou mímicas,
entre outros), mesmo que por meios virtuais.
Devemos atentar, ainda, para os casos em que o silêncio também é si-
nônimo de consentimento, chamado de silêncio conclusivo (PEREIRA,
2017, p. 34). Para o silêncio ser considerado conclusivo da manifestação
da vontade, deverá traduzir o querer da parte, “[...] permitindo-se extrair
dele a ilação de uma vontade contratual” (PEREIRA, 2017, p. 34). Todavia,
reforçamos que o silêncio, em regra, não configura concordância ou anuência
em celebrar contrato, ficando o silêncio conclusivo reservado a situações
excepcionais, em especial, aquelas em que a concordância expressa não é
costumeiramente exigida. Nesse sentido, dispõe o art. 111 do Código Ci-
vil: “Art. 111 O silêncio importa anuência, quando as circunstâncias ou os
usos o autorizarem, e não for necessária a declaração de vontade expressa”
(BRASIL, 2002, documento on-line).
Antes de adentrar nas fases de formação dos contratos, ressaltamos algumas
noções sobre o ato jurídico negocial, que também guardam relação com a
interpretação e integração dos contratos.

O professor Clóvis do Couto e Silva (2007), na obra A obrigação como processo, assevera
que a obrigação não pode ser compreendida apenas como um vínculo jurídico que
une credor e devedor por meio de prestações de dar, fazer ou não fazer, mas que a
relação obrigacional é algo que se encadeia, que se desdobra em direção à satisfação
dos interesses do credor, logo, em direção ao adimplemento. Considerando que os
contratos são a fonte mais notória das obrigações, nada mais coerente do que examiná-
-los por esse prisma, isto é, compreendê-los como um processo.

O contrato, considerado como um processo, permite que as partes tenham


proteção jurídica de seus interesses desde a fase que iniciam suas negociações,
passando pela fase em que concluem o negócio, chegando até a fase de cum-
primento do contrato. A referida proteção é consequência do disposto no art.
Formação, interpretação e integração dos contratos 3

422 do Código Civil: “Art. 422 Os contratantes são obrigados a guardar, assim
na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade
e boa-fé” (BRASIL, 2002, documento on-line).
Significa, assim, que, em todas as fases de formação do contrato, as partes
deverão pautar sua conduta conforme a boa-fé objetivamente considerada.
Feitas essas explicações, passamos para as fases da formação do contrato.

Negociações preliminares, fase da puntuação


ou de tratativas
É a fase anterior à oferta defi nitiva de contratar e, em regra, não vincula as
partes. Nas negociações preliminares, as partes discutem, realizam sonda-
gens, ponderam, refletem, fazem cálculos e redigem termos do contrato, em
um processo que as levará a uma proposta (fase seguinte) que represente
seus interesses. Vale ressaltar que, mesmo que haja uma minuta ou um
projeto de contrato, enquanto não houver uma proposta fi rme, as partes
não se vinculam.

A fase de negociações preliminares não vincula as partes a uma relação jurídica — ainda
não há nem a proposta, nem a conclusão do contrato.

Entretanto, não significa dizer que, excepcionalmente, não poderá haver


responsabilização de uma das partes, no caso de ruptura de expectativas
legítimas da outra.
Há situações que darão ensejo à responsabilidade extracontratual, ou
aquiliana, ou ainda culpa in contrahendo, que corresponde à obrigação
de reparar os danos causados por quem culposamente violar as normas de
conduta impostas pela boa-fé objetiva, ainda que na fase pré-contratual
(ALMEIDA, 2014). Essas situações devem, porém, ser vistas como extra-
ordinárias, exceções à regra de que as tratativas não vinculam as partes.
Caso contrário, estar-se-ia tolhendo a liberdade das partes, pois ninguém
está obrigado a contratar (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2008), e
desincentivando as relações negociais.
4 Formação, interpretação e integração dos contratos

Proposta, promessa, oferta ou policitação


É a fase em que o proponente, policitante ou ofertante manifesta a sua vontade
por meio de uma proposta definitiva, séria, concreta de contratar. Considerando
que a natureza jurídica dessa proposta é de negócio jurídico unilateral (mani-
festação de vontade destinada à produção de efeitos escolhidos pela parte), ela
vinculará o declarante — princípio da vinculação ou da obrigatoriedade da
proposta (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2008) — consoante dispõe o art.
427 do Código Civil: “Art. 427 A proposta de contrato obriga o proponente,
se o contrário não resultar dos termos dela, da natureza do negócio, ou das
circunstâncias do caso” (BRASIL, 2002, documento on-line).
Assim, esse vínculo jurídico do declarante com a sua proposta perdurará até
que haja aceitação ou recusa de aceitação, ou ainda quando o ofertante, antes da
aceitação, retratar a oferta, pelos mesmos meios utilizados para a sua veiculação
(LÔBO, 2012). Percebemos, destarte, que não se trata de mera tratativa, mas de
oferta concreta e séria do proponente no intuito de celebrar contrato.
Entretanto, o próprio art. 427 do Código Civil prevê situações em que a
proposta perde a sua eficácia cogente (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO,
2008). A primeira delas diz respeito ao direito de retratação ou arrependimento.
Dessa forma, pode o proponente salientar que reserva o direito de retratar-se
ou arrepender-se da proposta emitida, (exceto se dirigida ao consumidor).
A oferta também perde a sua obrigatoriedade em razão de sua própria
natureza. Nesse caso, as ofertas limitadas ao estoque deixam de vincular o
proponente quando esgotados os itens ofertados. E, por fim, conforme as cir-
cunstâncias, podem as propostas perder sua eficácia cogente. As circunstâncias
capazes de retirar a vinculatividade do ofertante à sua proposta deverão ser
objeto de análise caso a caso, dando-se liberdade de avaliação ao julgador.
As exceções ao princípio da obrigatoriedade constam no art. 428 do Código
Civil:

Art. 428 Deixa de ser obrigatória a proposta:


I — se, feita sem prazo a pessoa presente, não foi imediatamente aceita.
Considera-se também presente a pessoa que contrata por telefone ou por meio
de comunicação semelhante;
II — se, feita sem prazo a pessoa ausente, tiver decorrido tempo suficiente
para chegar a resposta ao conhecimento do proponente;
III — se, feita a pessoa ausente, não tiver sido expedida a resposta dentro
do prazo dado;
IV — se, antes dela, ou simultaneamente, chegar ao conhecimento da outra
parte a retratação do proponente (BRASIL, 2002, documento on-line).
Formação, interpretação e integração dos contratos 5

Da leitura do art. 428 do Código Civil, depreende-se que a proposta poderá


se destinar à pessoa presente ou ausente.

A pessoa presente é aquela que mantém contato direto e simultâneo com a outra — caso
em que o aceitante toma ciência da oferta quase instantaneamente — como a comuni-
cação realizada por um chat (sala virtual de comunicação), Skype, telefone, entre outros.
A pessoa ausente é aquela que não mantém contato direto nem imediato com a outra
— há, assim, um decurso de tempo, um lapso, entre a proposta, a ciência e a resposta do
aceitante — como a comunicação realizada por cartas, telegrama, e-mail, entre outros.

O Quadro 1 poderá elucidar melhor o disposto no art. 428 do Código Civil.

Quadro 1. Art. 428 do Código Civil

Pessoa presente Pessoa ausente

Sem prazo Inciso I — se a pro- Inciso II — se a proposta não tiver


posta não tiver prazo, prazo, feita para pessoa ausente,
feita para pessoa passado tempo suficiente para
presente, o aceitante a resposta e essa não tenha sido
deverá dar a resposta manifestada pelo aceitante, perde
imediatamente, sob vinculatividade a proposta, libe-
pena de perda da rando o ofertante.
eficácia da oferta. Tempo suficiente: deverá ser avaliado
casuisticamente e com razoabilidade
— considerando, por exemplo, os
costumes ou a prática comercial de
determinado setor.

Com prazo Perderá a vinculativi- Inciso III — perderá a vinculatividade


dade a proposta não a proposta, feita a pessoa ausente,
respondida no prazo. quando não respondida no prazo
fixado.
Contudo, no caso do inciso IV, perderá
a obrigatoriedade a proposta, quando
o aceitante a receber depois ou junto
da retratação do proponente.

Fonte: Adaptado de Brasil (2002).


6 Formação, interpretação e integração dos contratos

Da leitura do art. 429 do Código Civil, depreendemos que a proposta


poderá se destinar à pessoa determinada ou ao público, in verbis: “Art. 429 A
oferta ao público equivale à proposta quando encerra os requisitos essenciais
ao contrato, salvo se o contrário resultar das circunstâncias ou dos usos”
(BRASIL, 2002, documento on-line).
A pessoa determinada, como visto, pode estar presente ou ausente. Por
outro lado, cumpre tecer alguns comentários acerca da oferta ao público.
A oferta ao público é dirigida a qualquer pessoa e a qualquer público, que
terá o direito de aceitá-la. A oferta é considerada pública quando se utiliza
qualquer meio de divulgação coletiva e indeterminada, inclusive mediante
publicidade (LÔBO, 2012). Por exemplo, os panfletos de promoções de res-
taurantes, lojas, supermercados, entre outros.
Para que deixe de se vincular à sua proposta, o ofertante, que resguardou
seu direito de retratação, deverá se utilizar do mesmo meio de divulgação,
nos termos do parágrafo único do art. 429 do Código Civil: “Art. 429 [...]
Parágrafo único. Pode revogar-se a oferta pela mesma via de sua divulgação,
desde que ressalvada esta faculdade na oferta realizada” (BRASIL, 2002,
documento on-line).

Os aparelhos automáticos ou vendas automáticas enquadram-se na oferta ao público


(LÔBO, 2012); transmitem a vontade do proponente, vinculando-o da mesma forma
que as demais propostas. Por exemplo, máquinas de refrigerante, de lanches, de tickets
de transporte público, entre outros.
Com a morte do ofertante, não se tratando de obrigação personalíssima, podendo
a obrigação ser cumprida, ela permanecerá obrigatória. O entendimento doutrinário
é de que o ônus da proposta feita, em geral, transmite-se aos herdeiros (PEREIRA, 2017;
GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2008).

Aceitação e oblação
É a fase de formação ou de conclusão do contrato, ou seja, quando se dá a
celebração do contrato. Em razão da sua relevância, a fase da aceitação será
analisada em tópico específico.
Formação, interpretação e integração dos contratos 7

Aceitação
Como o próprio nome indica, a aceitação é a fase em que o oblato, aceitante
ou policitado responde afirmativamente à proposta de contratar.
No momento em que o oblato aceitar a proposta, o contrato é perfectibili-
zado. A aceitação poderá se dar de forma expressa ou tácita, como dispõe o
art. 432 do Código Civil: “Art. 432 Se o negócio for daqueles em que não seja
costume a aceitação expressa, ou o proponente a tiver dispensado, reputar-
-se-á concluído o contrato, não chegando a tempo a recusa” (BRASIL, 2002,
documento on-line).
Será expressa, assim como na proposta, quando declarada pelo aceitante
por meio de gestos, palavra escrita ou sinais. Será tácita quando da conduta
do aceitante se puder concluir pela aceitação. Por exemplo, quando, embora
não tenha expressamente se manifestado, o aceitante envia o bem objeto da
compra e venda.
A aceitação, quando realizada fora do prazo ou com alterações na pro-
posta, configurará contraproposta, que necessitará de aceitação, agora, da
outra parte. Nesse sentido: “Art. 431 A aceitação fora do prazo, com adições,
restrições, ou modificações, importará nova proposta” (BRASIL, 2002,
documento on-line).
Outrossim, para que o aceitante consiga voltar atrás em sua aceita-
ção, deverá fazê-lo antes ou concomitantemente à aceitação, sob pena
de vincular-se ao negócio jurídico, como expressa o art. 433 do Código
Civil: “Art. 433 Considera-se inexistente a aceitação, se antes dela ou
com ela chegar ao proponente a retratação do aceitante” (BRASIL, 2002,
documento on-line).
Ainda, a boa-fé objetiva deverá pautar a conduta das partes em todas as
fases da formação do contrato (bem como após sua conclusão). O art. 430 do
Código Civil corrobora essa afirmação (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO,
2008), impondo o dever de informar ao proponente, como segue: “Art. 430
Se a aceitação, por circunstância imprevista, chegar tarde ao conhecimento
do proponente, este comunicá-lo-á imediatamente ao aceitante, sob pena de
responder por perdas e danos” (BRASIL, 2002, documento on-line).
Significa que, caso a aceitação, por motivos alheios à vontade das partes,
venha a ser recebida fora do prazo, é dever do proponente comunicar o aceitante
para não ser responsabilizado.
8 Formação, interpretação e integração dos contratos

Por exemplo, a produtora de leite A envia um e-mail ao distribuidor B aceitando a oferta


de compra e venda de seus laticínios e, por algum motivo, o e-mail não é recebido
no prazo devido por problemas no servidor, não imputável a nenhuma das partes, o
distribuidor B terá de avisar a produtora do atraso no recebimento da resposta, sob
pena de responder pelos danos causados (perda dos produtos ou venda a outro
interessado com valor abaixo do mercado, entre outros).

Tempo da aceitação
Quando presentes as partes, não há dificuldades de determinar o momento da
aceitação, pois ela se dará no momento da resposta do aceitante. Entretanto,
estando ausentes as partes, não é tarefa tão singela determinar esse momento.
O art. 434 do Código Civil dispõe sobre o momento da aceitação, isto é,
pode-se considerar concluído o contrato quando as partes não se encontram
presentes. Segue transcrição:

Art. 434 Os contratos entre ausentes tornam-se perfeitos desde que a aceitação
é expedida, exceto:
I — no caso do artigo antecedente;
II — se o proponente se houver comprometido a esperar resposta;
III — se ela não chegar no prazo convencionado. (BRASIL, 2002, documento
on-line).

Podemos inferir desse artigo que, em regra, o ordenamento jurídico bra-


sileiro elege a expedição da resposta como momento da perfectibilização
do negócio jurídico contratual. Por oportuno, cumpre apresentar as teorias
doutrinárias que apontam o momento da conclusão do contrato (GAGLIANO;
PAMPLONA FILHO, 2008; PEREIRA, 2017):

 Teoria da declaração ou da agnição — entendemos celebrado o con-


trato quando o oblato redige a resposta, mesmo que não a tenha enviado
ao proponente.
 Teoria da expedição — entendemos celebrado o contrato quando a
aceitação é expedida, mesmo que não tenha sido recepcionada pelo
proponente.
Formação, interpretação e integração dos contratos 9

 Teoria da recepção — entendemos celebrado o contrato quando o


proponente recebe a resposta, mesmo que não tenha ciência de seu
conteúdo.
 Teoria da cognição ou informação — segundo essa teoria, o contrato
estará perfeito e acabado quando o proponente tomar conhecimento da
aceitação e ciência do conteúdo da resposta do oblato.

Frente a essas teorias explicativas, podemos dizer que, embora a teoria


adotada pelo Código Civil de 2002 tenha sido a teoria da expedição — os
contratos entre ausentes tornam-se perfeitos desde que a aceitação seja ex-
pedida —, trouxe, também, exceções. A primeira exceção diz respeito ao
já comentado art. 433 do Código Civil: “Art. 433 Considera-se inexistente
a aceitação, se antes dela ou com ela chegar ao proponente a retratação do
aceitante” (BRASIL, 2002, documento on-line).
Utilizando a lógica, podemos perceber que o art. 433 exige a recepção tanto
da retratação quanto da aceitação, colocando por terra a teoria da expedição
eleita. A segunda exceção diz respeito ao inciso II do art. 434 do Código
Civil: “Art. 434 [...] II — se o proponente se houver comprometido a esperar
resposta;” (BRASIL, 2002, documento on-line).
Nessa situação, as partes podem, voluntariamente, afastar a incidência da
teoria da expedição, de modo que o contrato somente estará perfeito com a
recepção da aceitação pelo proponente. A última exceção concerne ao inciso
III do art. 434 do Código Civil: “Art. 434 [...] III — se ela não chegar no prazo
convencionado” (BRASIL, 2002, documento on-line).
Novamente, a interpretação mais lógica é a de que, tendo sido determinado
um prazo para a aceitação entre ausentes e não sendo esse prazo respeitado, a
teoria em vigor para definir a conclusão do contrato será a da recepção — pois
impõe a necessidade de a resposta chegar às mãos do proponente.
Tentando dar resposta ao imbróglio legislativo, a doutrina entende, por
vezes, que o Código Civil adota ambas as teorias, ou, de outro modo, que se
filia apenas à teoria da recepção, ou, ainda, nas palavras do professor Paulo
Lôbo (2012), que adota a teoria da expedição mitigada, uma vez que admite
como regra a expedição, mas apresenta exceções à sua própria regra. Parece
mais coerente admitir, como ensina Caio Mário da Silva Pereira (2017), que
o disposto no art. 434 do Código Civil é apenas uma norma supletiva, pois
a conclusão do contrato deverá ser avaliada, aprioristicamente, pelo que as
partes determinaram no contrato.
10 Formação, interpretação e integração dos contratos

Lugar da aceitação
Sobre o lugar da formação dos contratos, o Código Civil, de modo mais
simplificado, dispõe que: “Art. 435 Reputar-se-á celebrado o contrato no lugar
em que foi proposto” (BRASIL, 2002, documento on-line).
Diante disso, o contrato entre presentes é considerado formado no local em
que as partes se encontram (policitante e policitado). Por sua vez, o contrato
entre ausentes ou no qual as partes estejam distantes fisicamente (chat, por
exemplo) é considerado formado no local da realização da proposta — segundo
a regra do art. 435 do Código Civil — considerando não haver disposição
expressa das partes em outro sentido (PEREIRA, 2017).
O local de formação do contrato tem relevância para a determinação da
jurisdição competente e até mesmo para a fixação da lei aplicável, no caso
dos contratos internacionais. Nesse sentido, determina o § 2º do art. 9º da Lei
de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB): “Art. 9º [...] § 2º A
obrigação resultante do contrato reputa-se constituída no lugar em que residir
o proponente” (BRASIL, 1942, documento on-line).

A formação dos contratos consumeristas dá-se de modo um pouco diverso. Conside-


rando que a relação de consumo pressupõe que não há entre as partes um equilíbrio
negocial, ou melhor, que há, ao menos, uma assimetria informacional entre as partes,
que permite uma tutela de maior proteção ao contratante mais vulnerável da relação
negocial, a legislação do Código de Defesa do Consumidor (CDC) objetiva proteger
o consumidor de produtos e serviços de eventuais abusos que podem ser praticados
pelos fornecedores.

Assim, o princípio da obrigatoriedade da proposta, quando a oferta é realizada


para consumidor, adquire tom mais rígido (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO,
2008), inclusive no que respeita os deveres oriundos da boa-fé objetiva, deveres de
cooperação, de cuidado, de informação, como se pode depreender do teor da lei:

Art. 30 Toda informação ou publicidade, suficientemente precisa, veiculada


por qualquer forma ou meio de comunicação com relação a produtos e serviços
oferecidos ou apresentados, obriga o fornecedor que a fizer veicular ou dela
se utilizar e integra o contrato que vier a ser celebrado.
Formação, interpretação e integração dos contratos 11

Art. 31 A oferta e apresentação de produtos ou serviços devem assegurar


informações corretas, claras, precisas, ostensivas e em língua portuguesa
sobre suas características, qualidades, quantidade, composição, preço, ga-
rantia, prazos de validade e origem, entre outros dados, bem como sobre
os riscos que apresentam à saúde e segurança dos consumidores. Parágrafo
único. As informações de que trata este artigo, nos produtos refrigerados
oferecidos ao consumidor, serão gravadas de forma indelével (BRASIL,
1990, documento on-line).

O CDC também prescreve as regras relativas à publicidade, que têm grande


influência na formação dos contratos de massa, no intuito de evitar a publi-
cidade enganosa e a prevalência dos interesses dos fornecedores sobre os
consumidores, como versa o art. 37 do CDC:

Art. 37 É proibida toda publicidade enganosa ou abusiva.


§ 1° É enganosa qualquer modalidade de informação ou comunicação de ca-
ráter publicitário, inteira ou parcialmente falsa, ou, por qualquer outro modo,
mesmo por omissão, capaz de induzir em erro o consumidor a respeito da
natureza, características, qualidade, quantidade, propriedades, origem, preço
e quaisquer outros dados sobre produtos e serviços.
§ 2° É abusiva, dentre outras a publicidade discriminatória de qualquer na-
tureza, a que incite à violência, explore o medo ou a superstição, se aproveite
da deficiência de julgamento e experiência da criança, desrespeita valores
ambientais, ou que seja capaz de induzir o consumidor a se comportar de
forma prejudicial ou perigosa à sua saúde ou segurança.
§ 3° Para os efeitos deste código, a publicidade é enganosa por omissão quando
deixar de informar sobre dado essencial do produto ou serviço. (BRASIL,
1990, documento on-line).

Os contratos de consumo são uma realidade inafastável, pois, embora a


massificação e a despersonalização dessas relações estejam sujeitas a críticas,
propiciam, por outro lado, vantagens econômicas e sociais, dinamizando o
mercado por meio da troca de bens e serviços. Assim, cumpre ao CDC limitar a
autonomia, ao menos dos fornecedores de produtos e serviços, evitando abusos.

Interpretação e integração dos contratos


Mesmo que as partes tenham agido com bastante cuidado e despendido seu tempo
na redação das cláusulas contratuais, nunca conseguirão redigir um contrato
absolutamente completo, pois a incompletude é da natureza dos contratos.
12 Formação, interpretação e integração dos contratos

Ademais, a incompletude pode ser escolha das próprias partes, pois o


custo de negociação de um extenso clausulado pode vir a ser maior do que
as chances de surgirem questões envolvendo o contrato, ou porque as partes
confiam muito uma na outra, ou, mesmo, por estratégia de negócios.
De outra banda, o conteúdo do contrato pode não traduzir a exata vontade
das partes. Os contratos podem ser complexos e a linguagem utilizada pode
não ser a mais precisa, dando margem a ambiguidades e obscuridades.
Nasce, então, a partir de divergências acerca do alcance das cláusulas
contratuais, a necessidade de interpretar ou integrar o contrato.

Integração
Integrar um contrato é preencher as suas lacunas e os pontos omissos (GON-
ÇALVES, 2010). Para tanto, serão utilizadas normas supletivas, aquelas que
terão lugar na ausência de deliberação das partes acerca de determinado tema
(lugar da contratação, o momento da conclusão do contrato entre ausentes,
entre outros). As normas supletivas podem ser tanto as regras contidas nas leis
(Código Civil, CDC, entre outros) quanto os princípios que regem os negócios
jurídicos, como a boa-fé objetiva, a função social, os usos e costumes. Segundo
Carlos Roberto Gonçalves (2010, p. 62), a integração:

Seria, portanto, um modo de aplicação jurídica feita pelo órgão judicante,


mediante o recurso à lei, à analogia, aos costumes, aos princípios gerais de
direito ou à equidade, criando norma supletiva, que completará, então, o
contrato, que é uma norma jurídica individual.

Percebemos, então, claramente a diferença entre a integração contratual


e a interpretação. A integração traz elementos que não foram objeto de deli-
beração pelas partes, pois as normas supletivas só terão lugar na ausência de
deliberação dos contratantes. A interpretação, diversamente, tentará captar a
intenção das partes ao realizar o ato jurídico negocial.

Interpretação
Interpretar um negócio jurídico é “[...] precisar o sentido e alcance do conteúdo
da declaração de vontade” (GONÇALVES, 2010, p. 62). A interpretação tem
como escopo apurar a real vontade das partes, “[...] não a verdade psicológica,
mas a vontade objetiva, o conteúdo, as normas que nascem da sua declaração”
(GONÇALVES, 2010, p. 62).
Formação, interpretação e integração dos contratos 13

O papel de intérprete cabe, incialmente, às próprias partes contratantes,


mas, caso haja desacerto entre elas, esse papel caberá ao juiz ou mesmo ao
árbitro. O hermeneuta ou intérprete deverá, então, buscar a concreta von-
tade das partes e a sua intenção ao contratar, para isso, terá de considerar
a vontade declarada no contrato, mas não poderá deixar de ponderar outros
elementos — como os sociais ou econômicos — ou os atos que envolveram a
formação do contrato — como as negociações, as minutas, a troca de e-mails
ou mensagens —, pois todos esses fatores auxiliarão a fixação da vontade
contratual (PEREIRA, 2017).
O Código Civil de 2002 não trouxe capítulo específico sobre a interpretação
contratual, mas algumas regras que servem de base ao hermeneuta, como
segue: “Art. 112 Nas declarações de vontade se atenderá mais à intenção nelas
consubstanciada do que ao sentido literal da linguagem” (BRASIL, 2002,
documento on-line).
O art. 112 do Código Civil, corrobora a teoria da vontade ou Willenstheorie,
na qual a intenção, ou seja, a vontade das partes, deve ser considerada como
preponderante quando da realização de um negócio jurídico. A teoria volun-
tarista fundamenta o que chamamos de conversão substancial, que poderá
ocorrer quando algum negócio formalmente inadequado possa ser convertido
em outro tipo de negócio válido e que exprima mais adequadamente a vontade
das partes (BRASIL, 2002).
Não significa dizer que a teoria da declaração ou Erklärungstheorie, na
qual a vontade declarada deve prevalecer sobre a vontade interna das partes,
não seja relevante para o ordenamento jurídico pátrio. Pelo contrário, a vontade
declarada é o principal subsídio do hermeneuta, pois é seu ponto de partida.
Não poderá o intérprete ficar alheio às manifestações expressas no contrato,
como o tipo escolhido ou as cláusulas forjadas pelos contratantes. Sobre a
relevância da declaração, cabe citar:

[...] o que tem de procurar o hermeneuta é a vontade das partes. Mas como
exprime pela declaração, viajará através dela, até atingir aquela [...] A segurança
social aconselha que o intérprete não despreze a manifestação de vontade ou
vontade declarada, e procure, já que o contrato resulta do consentimento,
qual terá sido a intenção comum dos contratantes, trabalho que nem por ser
difícil pode ser olvidado (PEREIRA, 2017, p. 45).

Com relação à interpretação, ainda sobre o art. 112 do Código Civil, im-
portante mencionar que esse dispositivo exprime o que se entende por regra
de caráter subjetivo ou regra relativa à manifestação de vontade, posto que
busca a compreensão adequada do que aparenta ser a vontade dos contra-
14 Formação, interpretação e integração dos contratos

tantes, mesmo que ela não esteja acertadamente manifestada (GAGLIANO;


PAMPLONA FILHO, 2008).
Por outro lado, considerando que a vontade manifestada é de grande rele-
vância para o trabalho do intérprete, há regras relativas aos próprios preceitos
contratuais, ao conteúdo do contrato, também chamadas de regras de caráter
objetivo, como:

Art. 113 Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e


os usos do lugar de sua celebração.
Art. 114 Os negócios jurídicos benéficos e a renúncia interpretam-se estri-
tamente.
[...]
Art. 423 Quando houver no contrato de adesão cláusulas ambíguas ou con-
traditórias, dever-se-á adotar a interpretação mais favorável ao aderente.
Art. 424 Nos contratos de adesão, são nulas as cláusulas que estipulem a
renúncia antecipada do aderente a direito resultante da natureza do negócio
(BRASIL, 2002, documento on-line).

Essas regras existem para auxiliar as partes, ou o terceiro chamado a


resolver o conflito, na compreensão do conteúdo contratual.
Além das regras constantes no Código Civil, é necessário também mencionar
os princípios que não poderão ser abandonados quando da interpretação e da inte-
gração dos contratos. O princípio da boa-fé objetiva, da função social dos contratos
e da conservação são exemplos que devem permear o trabalho do hermeneuta.
A boa-fé, em sentido objetivo, conforme o próprio art. 113 do Código Civil,
faz o intérprete presumir que as partes, na feitura do contrato, procederam
com lealdade, clareza, informação e compreensão adequadas do negócio a que
se vincularam (GONÇALVES, 2010). Assim, impõe ao julgador priorizar as
situações fundadas na boa-fé dos contratantes, buscando, na norma de conduta,
o sentido moralmente mais recomendável e socialmente mais proveitoso para
resolver os casos concretos.
A função social dos contratos evitará que sejam instrumentos de dese-
quilíbrios entre as partes ou mesmo que sirvam somente aos interesses dos
contratantes em detrimento de terceiros.
Já o princípio da conservação do contrato exprime que, quando as cláusulas
contratuais são ambíguas, deve o hermeneuta adotar a compreensão contratual
que produza algum efeito, “[...] pois não se deve supor que os contratantes tenham
celebrado um contrato carecedor de qualquer utilidade” (GONÇALVES, 2010).
Em resumo, a interpretação contratual subordina-se, principalmente, pela
intenção das partes e pelo sentido da linguagem. Assim, nenhum desses
Formação, interpretação e integração dos contratos 15

elementos poderá, isoladamente, alterar o conteúdo contratual. Dessa forma,


devem ser avaliados em conjunto, segundo as peculiaridades do caso concreto,
de modo mais isento possível, haja vista não ser, igualmente, adequado que o
hermeneuta sobreponha sua vontade à vontade dos contratantes.

Regras de interpretação das convenções de Pothier


Robert Joseph Pothier criou algumas regras de interpretação dos contratos,
referentes ao Código Civil francês, mas que, mesmo atualmente, podem servir
de base para a interpretação contratual (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO,
2008; PEREIRA, 2017; POTHIER, 1839):

 nos contratos, devemos atender mais à comum intenção das partes


contratantes do que ao sentido gramatical das palavras (correspondência
com o art. 112 do Código Civil);
 quando uma cláusula for suscetível de dois entendimentos, devemos
tomar aquele sentido que possa gerar algum efeito (correspondência
com o art. 171 do Código Civil);
 quando os termos do contrato contiverem duplo sentido, devemos pre-
ferir aquele que é mais condizente com a natureza do negócio;
 toda a ambiguidade que possa ocorrer deve ser interpretada segundo
os usos e costumes do país (correspondência com o art. 113 do Código
Civil);
 o uso é de tamanha autoridade na interpretação dos contratos que se
subentendem as cláusulas do uso, ainda que não expressas;
 as cláusulas contratuais interpretam-se uma em relação às outras, sejam
antecedentes, sejam consequentes;
 em caso de dúvida, a cláusula é interpretada contra o estipulante e em
favor do contratante (correspondência com o art. 423 do Código Civil);
 as cláusulas contratuais, ainda quando genéricas, compreendem apenas
aquilo que foi objeto do contrato, não as coisas que os contratantes
não cogitam;
 quando o objeto do contrato é uma universalidade de coisas, compre-
ende todas as coisas particulares que compõem aquela universalidade,
incluindo aquelas de que as partes não tiveram conhecimento;
 quando, para clarear dúvidas que possam haver na execução do contrato,
faz-se referência a um caso particular, não, por isso, devemos excluir
os demais casos não expressos, ao que o contrato, por direito, possa
se estender;
16 Formação, interpretação e integração dos contratos

 nos contratos, como nos testamentos, uma cláusula concebida no plural


divide-se, com frequência, em muitas cláusulas singulares;
 o que vai ao fim de uma frase refere-se, regularmente, a toda ela e não
somente ao que imediatamente lhe precede, desde que possa concordar
com toda ela em gênero e número.

Como visto, algumas dessas regras fazem correspondência com as normas


contidas no Código Civil, possuindo, mesmo após o decurso do tempo, grande
atualidade.

ALMEIDA, C. F. Contratos I: conceito, fontes, formação. 5. ed. Coimbra: Almedina, 2014.


BRASIL. Decreto-Lei nº. 4.657, de 4 de setembro de 1942. Lei de Introdução às normas do
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Acesso em: 26 ago. 2018.
BRASIL. Lei nº. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Diário Oficial
[da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 11 jan. 2002. Disponível em: <http://www.
planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em: 26 ago. 2018.
GAGLIANO, P. S.; PAMPLONA FILHO, R. Novo curso de Direito Civil. 4. ed. São Paulo:
Saraiva, 2008. v. 4, t. 1.
GONÇALVES, C. R. Direito Civil brasileiro: contratos e atos unilaterais. 7. ed. São Paulo:
Saraiva, 2010. v. 3.
LÔBO, P. Direito Civil: contratos. São Paulo: Saraiva, 2012.
PEREIRA, C. M. S. Instituições de Direito Civil. 21. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2017. v. 3.
POTHIER, R. J. Tratado de las obligaciones. Barcelona: Imprenta y Litografia de J. Roger,
1839. Disponível em: <https://books.google.com.br/books?id=XcuHryxSkVUC&print
sec=frontcover&hl=pt-BR&source=gbs_ge_summary_r&cad=0#v=onepage&q&f=f
alse>. Acesso em: 26 ago. 2018.
SILVA, C V. C. A obrigação como processo. Rio de Janeiro: FGV, 2007.
DICA DO PROFESSOR

Dentre as fases de formação do contrato, a fase das tratativas é aquela em que as partes ainda
não concluíram o vínculo contratual, apenas estão realizando sondagens e pesquisas, no intuito
de contratar. Sendo assim, o rompimento das tratativas não gera prejuízo para qualquer uma das
partes.

Todavia, há situações em que a confiança, legitimamente depositada nas tratativas, repercute em


investimentos que, após um rompimento infundado, não podem ficar sem reparação.

Na Dica do Professor a seguir, você vai examinar em que situações a fase das tratativas pode
gerar o dever de reparar os danos.

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EXERCÍCIOS

1) Sobre a fase das negociações preliminares, é correto afirmar que:

A) trata-se da fase em que apenas o proponente vincula-se ao negócio jurídico.

B) trata-se da fase em que há a confluência entre a proposta e a aceitação.

C) trata-se do momento em que o policitante realiza uma oferta séria e concreta.

D) trata-se da fase de tratativas negociais, nas quais as partes trocam minutas, refletem e
pesquisam, sem que tenham celebrado o negócio jurídico contratual.

E) trata-se da fase em que o contrato foi perfectibilizado.

2)
As fases de formação dos contratos resumem-se em: fase da puntuação, da proposta e
da aceitação. Sobre a formação de contratos, assinale a alternativa correta.

A) A fase da puntuação é a fase em que o policitante recebe a resposta do oblato que aceita
contratar.

B) A fase da puntuação, em geral, não vincula as partes, mas, excepcionalmente, poderá dar
origem à responsabilidade civil pelos danos oriundos da quebra de expectativas legítimas.

C) A fase de oferta é quando as partes estão realizando sondagens, ponderando, fazendo


cálculos e redigindo os termos do contrato.

D) Após a aceitação apenas o proponente estará vinculado à sua proposta.

E) A formação dos contratos não pode se dar entre ausentes.

3) Quanto à proposta, está correto afirmar que:

A) não há exceções à obrigatoriedade da proposta, pois esta sempre vinculará o ofertante.

B) considera-se ausente a pessoa que contrata por telefone ou por meio de comunicação
semelhante.

C) não vinculará o proponente à proposta se, feita a pessoa ausente, não tiver sido expedida a
resposta dentro do prazo dado.

D) a proposta que chegar simultaneamente com a retratação permanecerá obrigando o


ofertante.

E) pessoa presente é aquela que contrata por e-mail, telegrama, carta e outros meios
semelhantes.

4) A fase da aceitação é a última fase de formação dos contratos. Sobre a aceitação, é


correto afirmar que:

A) segundo a teoria da recepção, entende-se celebrado o contrato quando o proponente recebe


a resposta, mesmo que não tenha ciência de seu conteúdo.

B) segundo a teoria da declaração, entende-se celebrado o contrato quando o proponente


tomar conhecimento da aceitação e do conteúdo da resposta do oblato.

C) segundo a teoria da cognição, entende-se celebrado o contrato quando a aceitação é


expedida, mesmo que não tenha sido recepcionada pelo proponente.

D) consoante à teoria da expedição, entende-se celebrado o contrato quando o oblato redige a


resposta, mesmo que não a tenha enviado ao proponente – é a teoria adotada
expressamente pelo Código Civil.

E) o Código Civil de 2002 adota apenas a teoria da cognição.

5) No que diz respeito à interpretação e à integração dos contratos, assinale a


alternativa correta.

A) Jamais será do interesse das partes que os contratos contenham lacunas.

B) O artigo 114 do Código Civil é considerado como uma regra de interpretação subjetiva.

C) A integração serve para o hermeneuta tentar alcançar a intenção das partes contratantes.

D) O artigo 112 do Código Civil é um exemplo de regra de interpretação objetiva.


E) A integração é o método que visa suprir as lacunas contratuais por meio das leis, da
analogia, dos costumes, dos princípios gerais de direito e, até mesmo, da equidade, criando
uma norma supletiva para completar o contrato.

NA PRÁTICA

Todas as fases da formação do contrato dependem da manifestação das vontades das partes,
assim como do instrumento, por meio do qual essa vontade será declarada.

Nem sempre é possível expressar a legítima vontade das partes pelo vernáculo, o qual pode dar
margem a dúvidas e acabar gerando conflito entre os contratantes. Igualmente, será impossível,
pelas partes, prever todos os eventos que poderão repercutir na sua intenção de celebrar o
contrato, bem como na forma de sua conclusão e execução.

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SAIBA MAIS

Para ampliar o seu conhecimento a respeito desse assunto, veja abaixo as sugestões do
professor:

A boa-fé na formação dos contratos

Leia o seguinte artigo, de autoria do professor Antônio Junqueira de Azevedo.

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Os motivos e a interpretação contratual

Sobre a tensão entre a declaração e os motivos determinantes da contratação, leia o seguinte


artigo, de autoria de Nicole Mazzoleni Facchini.

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Compra e venda

APRESENTAÇÃO

Na sociedade de consumo, a aquisição de bens ocorre de modo extremamente rápido, até mesmo
instantâneo, a ponto de você sequer perceber que está realizando um negócio jurídico. O
processo de contratar, diariamente, impulsiona economias, desenvolve as sociedades e faz
circular as riquezas. O contrato mais célebre para o direito civil e o mais relevante para as
trocas, em um mercado capitalista, é o de compra e venda.

Nesta Unidade de Aprendizagem, você vai estudar a compra e a venda no ordenamento jurídico
brasileiro, examinar os seus elementos constitutivos e os efeitos da contratação e, por fim,
conhecer a promessa de contratar (o compromisso de compra e venda).

Bons estudos.

Ao final desta Unidade de Aprendizagem, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

• Descrever os elementos da compra e da venda.


• Analisar os efeitos jurídicos da compra e da venda.
• Identificar a promessa de compra e venda, bem como as normas legislativas do contrato de
compra e venda.

DESAFIO

Em razão de ser um contrato, a compra e a venda necessitam do consenso entre as partes no que
tange ao preço e ao bem objeto a ser negociado. As partes também podem estipular que o
contrato estará condicionado a evento futuro e incerto, assim como que o contrato somente
será executado após o decurso de um prazo ou um termo.

Agora, você vai avaliar se todos os tipos de condições são válidos no negócio jurídico
de compra e venda.

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Após analisar o acordo de compra e venda exposto no Desafio, você, como advogado de
Melissa, a aconselharia a aceitar a compra e a venda nas condições apresentadas?

INFOGRÁFICO

Você sabe como são processadas a compra e a venda de um bem? Sabe quais são os efeitos
obrigacionais que elas geram para as partes?

No Infográfico a seguir, você vai examinar os aspectos gerais da estrutura e os efeitos da compra
e da venda.
CONTEÚDO DO LIVRO

O mercado é impulsionado por trocas e compra e venda de produtos, tanto pelas pessoas
físicas quanto pelas pessoas jurídicas, por meio de particulares e do próprio Estado, o que
torna indiscutível, portanto, a relevância da modalidade contratual da compra e da venda para
instrumentar, dar segurança e elevar o nível de cooperação das partes no ato da contratação.

No capítulo Compra e venda, da obra Direito Civil III: teoria geral dos contratos, você vai
entender como o contrato de compra e venda é formado, ver quais são os seus elementos e os
seus efeitos e, ainda, conhecer o compromisso de compra e venda.

Boa leitura.
DIREITO CIVIL III:
TEORIA GERAL DOS
CONTRATOS

Patricia Fernandes Fraga


Compra e venda
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

 Descrever os elementos da compra e venda.


 Analisar os efeitos jurídicos da compra e venda.
 Identificar promessa de compra e venda, bem como as normas le-
gislativas do contrato de compra e venda.

Introdução
Dos contratos tipificados no Código Civil, a compra e a venda são os
mais importantes, pois é por meio da troca de bens por dinheiro que se
movimenta a riqueza em sociedade.
Historicamente, com o desenvolvimento do comércio, junto da cria-
ção da moeda, nasceu uma forma de negociar bens diferente do mero
escambo, que nem sempre era adequado e eficiente, pela dificuldade
da equivalência dos bens envolvidos. Percebeu-se, assim, que eleger um
elemento ou coisa que pudesse representar o valor dos bens disponíveis
para comércio auxiliaria, inclusive, a negociar com outros povos e expandir
os negócios. Por consequência, o uso da moeda fez surgir a espécie de
contrato, em que o dinheiro (ou instrumentos que o representem, como
um cheque) propicia a aquisição de bens pelos sujeitos.
Contemporaneamente, com maior desenvolvimento econômico e
social, os contratos de compra e venda passaram a ter uma prevalência
e relevância ímpares no mercado de consumo, uma vez que as suas
características se ajustam perfeitamente à massificação dos negócios
(contratos instantâneos, que podem, inclusive, ser realizados por meio
eletrônico).
Neste capítulo, você vai ler sobre os aspectos principais do contrato
de compra e venda, seus elementos essenciais e seus efeitos, bem como
vai analisar a promessa de compra e venda e a legislação sobre o tema.
2 Compra e venda

Noções de compra e venda


A promessa de compra e venda é o negócio jurídico mais comum e difundido no
mundo, além de ser, notoriamente, o ato jurídico negocial de maior relevância
para o sistema capitalista (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2008). A origem
mais remota do contrato de compra e venda, como dito, está ligada à troca de
bens. Trocava-se o que se tinha de sobra por aquilo que se necessitava, até que
determinadas mercadorias passaram a ser usadas como padrão de intercâmbio.
Inicialmente, o padrão de intercâmbio foi o gado (a palavra pecúnia vem de pecus
— gado) e, depois, os metais preciosos. Esses metais passaram a ser cunhados
com seu peso, sendo-lhes atribuído um valor determinado. Por conseguinte,
surgiu a moeda e, com ela, a compra e venda (GONÇALVES, 2010).
No ordenamento jurídico brasileiro, o Código Civil dispõe sobre a compra
e venda em capítulo específico. Segundo o art. 481 do Código Civil, podemos
conceituar a compra e venda como um negócio jurídico no qual uma das partes
obriga-se a transferir o domínio de um bem (móvel ou imóvel) para a outra,
que se obriga a pagar determinado preço em dinheiro, como segue transcrito
(BRASIL, 2002, documento on-line): “Art. 481 Pelo contrato de compra e
venda, um dos contratantes se obriga a transferir o domínio de certa coisa, e
o outro, a pagar-lhe certo preço em dinheiro”.
As partes são o vendedor ou alienante e o comprador ou adquirente. O
vendedor obriga-se a entregar a coisa, que passará a ser de propriedade do
comprador. O comprador obriga-se, por sua vez, a pagar o preço consensual-
mente acertado com o vendedor.
Para Gagliano e Pamplona Filho (2008), a compra e venda são negócios
jurídicos em que se pretende a aquisição da propriedade de determinada coisa,
mediante o pagamento de um preço, ou, ainda, são um negócio jurídico bilateral,
pelo qual o vendedor obriga-se a transferir a propriedade de uma coisa móvel
ou imóvel ao comprador, mediante o pagamento de uma quantia, que é o preço.
Assim, a natureza jurídica (enquadramento ou categoria jurídica) da compra
e venda é de ato jurídico negocial ou de negócio jurídico. Esse ato jurídico
negocial tem muitas peculiaridades que o diferenciam dos demais contratos
admitidos pelo ordenamento jurídico. Importante, outrossim, examinar as
características do contrato de compra e venda.

Características da compra e venda


De forma resumida, a compra e a venda são negócios jurídicos bilaterais
e sinalagmáticos, em regra, consensuais (ver art. 108 do Código Civil) e
Compra e venda 3

translativos de propriedade (o objeto do vendedor é transferir o domínio


da coisa) (BRASIL, 2002). Ademais, pode ser um contrato comutativo
ou aleatório, paritário ou de adesão, de execução instantânea, diferida ou
continuada. Vale examinar as características da compra e venda de forma
pormenorizada:

Bilateral — a compra e a venda são consideradas um contrato bilateral, pois


produzem direitos e obrigações para ambos os contratantes — o vendedor
deverá entregar a coisa e o comprador deverá pagar o preço. Salientamos que
as partes se vinculam à compra e venda por meio da conjugação de vontades
contrapostas, o que significa que o consenso, o consentimento para contratar,
é essencial à conclusão do contrato.

Sinalagmático — na compra e venda, a prestação de uma parte é a causa


da prestação da outra, ou melhor, a obrigação do vendedor de transferir
a propriedade da coisa é correlata, recíproca ou correspectiva à obriga-
ção do comprador de pagar o preço (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO,
2008). Assim, o contrato de compra e venda tem como característica ser
sinalagmático, visto que o sinalagma é a mútua dependência de obrigações
em um contrato.

Oneroso — a compra e a venda são onerosas, pois, em que pese permitam a


obtenção de vantagens patrimoniais para ambos os contratantes, vendedor e
comprador, diminuem, sob determinado aspecto, o patrimônio de ambos (um
perde o bem; outro perde dinheiro). A onerosidade da prestação de uma das
partes não poderá ser excessiva, em benefício da outra, sob pena de enrique-
cimento sem causa — princípio da equivalência das prestações.

Translativo de propriedade — a compra e a venda são consideradas um


contrato translativo de propriedade, pois, embora não tenham o condão de
transferir a propriedade do bem no ato da conclusão do contrato (PEREIRA,
2017), geram a obrigação de realizar essa transferência — que é o escopo do
negócio. Nesse sentido, por si só, o contrato de compra e venda nunca trans-
fere, simultânea ou imediatamente, a propriedade e a posse da coisa (LÔBO,
2012). Esse efeito translativo ocorre apenas quando se transfere a titularidade
do bem entre vendedor e comprador, que se dará por meio da tradição — se
bens móveis — ou do registro — se bens imóveis.
4 Compra e venda

O contrato translativo não é sinônimo de contrato real. Um contrato pode ser real e
não ser translativo de propriedade, como o comodato. Para ser translativo (que muda
ou transfere o domínio), o contrato tem de objetivar a modificação da titularidade de
uma coisa, como no caso da compra e venda ou da troca ou permuta, por exemplo.

Comutativo ou aleatório — o contrato de compra e venda poderá ser tanto


comutativo quanto aleatório. Se comutativo, as prestações das partes são certas
(as partes conhecem o conteúdo de cada prestação); se aleatório, não haverá
certeza quanto à ocorrência de uma prestação (GAGLIANO; PAMPLONA
FILHO, 2008). São exemplos emptio spei, entre outros:

 contrato de esperança ou de safra;


 contrato de seguro;
 loterias.

Paritário ou por adesão — o contrato de compra e venda será paritário


quando o conteúdo do contrato tiver sido negociado pelas partes; será por
adesão (ou de adesão) quando o conteúdo do contrato tiver sido predisposto
pelo proponente — o comprador, ora aderente, apenas adere ao contrato, se
desejar contratar.

Informal, de forma livre, consensual ou formal, solene — em regra, o


contrato de compra e venda possui forma livre (art. 107 do Código Civil),
ou seja, não necessita qualquer solenidade. Caso necessite, a solenidade está
expressa em lei (art. 108 do Código Civil — necessidade de escritura pública)
(BRASIL, 2002).

A compra e a venda concluem-se pelo consenso das partes, haja vista ser contrato
consensual e não real — a entrega da coisa, na compra e venda, não é parte da
conclusão do contrato, mas da sua execução, do seu cumprimento (GONÇALVES, 2008).
Compra e venda 5

Nominado, típico e impessoal — é nominado, pois possui designação


própria e típica (tipicidade), uma vez que está expresso em lei (art. 481 do
Código Civil) (BRASIL, 2002). É impessoal, pois só interessa o resultado
da atividade, da prestação contratada, independentemente de quem seja a
pessoa que cumpra a prestação — os objetivos são adquirir a coisa e receber
o preço, assim, o sujeito que realizará o ato não é relevante (GAGLIANO;
PAMPLONA FILHO, 2008).

Causal — é ligado à causa que o gerou e poderá ser invalidado caso o seu
motivo determinante seja inexistente (coação absoluta), imoral ou ilícito (com-
pra apartamento para ponto de tráfico, exploração sexual) (GAGLIANO;
PAMPLONA FILHO, 2008).

Instantâneo — é instantâneo em razão de os seus efeitos serem produzidos


de uma só vez. Posto que, chegando ao consenso sobre o bem e o preço, o
contrato estará perfeito e acabado, operando efeitos imediatos para as partes
— cada um passa a ser obrigado à sua prestação.

Execução imediata, diferida ou continuada — o contrato de compra e venda


será, geralmente, de execução imediata, quando se consumar no momento da
celebração, inclusive com a tradição ou o registro; mas poderá ser de execução
diferida — quando fixado prazo para sua exigibilidade ou cumprimento (por
exemplo, quando acertado pelas partes o prazo de 30 dias para a entrega do
bem ou para o pagamento do preço) — ou de execução continuada. O professor
Paulo Lôbo assevera que a compra e venda poderão ser consideradas como
contrato de execução continuada nos casos de contratos de fornecimento,
como os de água, luz e gás, pois a operação de dar o preço é correspondente
ao consumo realizado em cada período medido (LÔBO, 2012). Nesse caso,
devemos compreender os contratos de fornecimento contínuo de bens ou
coisas, como espécies do gênero compra e venda.

Elementos de compra e venda


Os elementos essenciais do contrato de compra e venda são:

 consentimento;
 objeto da compra e venda;
 preço.
6 Compra e venda

Consentimento

É o núcleo da compra e venda. A compra e a venda estarão perfeitas e acabadas


quando as partes consentirem a respeito do preço e da coisa a ser vendida
(art. 482 do Código Civil). Para que seja válido esse consentimento, as partes
devem ser capazes, ter legitimidade para contratar e manifestar sua vontade
de forma livre, objetivando o cumprimento do negócio.
O ordenamento jurídico prevê algumas situações em que alguns sujeitos
não possuem legitimidade para praticar a compra e venda. São limitações à
liberdade de contratar na compra e venda (PEREIRA, 2017):

Venda de ascendente para descendente — de acordo com o art. 496 do


Código Civil (BRASIL, 2002, documento on-line):

Art. 496 É anulável a venda de ascendente a descendente, salvo se os outros


descendentes e o cônjuge do alienante expressamente houverem consentido.
Parágrafo único. Em ambos os casos, dispensa-se o consentimento do cônjuge
se o regime de bens for o da separação obrigatória.

O objetivo da restrição é proteger a igualdade da legítima dos descendentes


e do cônjuge, ou seja, resguardar a isonomia dos direitos sucessórios entre
os herdeiros necessários. Em tempo, a legítima é a parte não disponível do
patrimônio do testador, que deve se destinar aos herdeiros necessários.

Hipóteses do art. 497 do Código Civil para evitar o comportamento


oportunista dos contratantes — o art. 497 do Código Civil prevê, com o
objetivo de resguardar a eticidade do negócio jurídico fi rmado, as situações
de falta de legitimidade das partes, nas quais o negócio poderá ser decla-
rado nulo, de ofício, pelo juiz (tal possibilidade não sofre decadência, nem
convalesce com o decurso do tempo) (BRASIL, 2002). Nessas situações,
os bens não poderão ser objeto de compra e venda, ainda que por ocasião
de leilão ou pregão público, como segue:

Art. 497 Sob pena de nulidade, não podem ser comprados, ainda que em
hasta pública:
I — pelos tutores, curadores, testamenteiros e administradores, os bens con-
fiados à sua guarda ou administração;
II — pelos servidores públicos, em geral, os bens ou direitos da pessoa
jurídica a que servirem, ou que estejam sob sua administração direta ou
indireta;
Compra e venda 7

III — pelos juízes, secretários de tribunais, arbitradores, peritos e outros


serventuários ou auxiliares da justiça, os bens ou direitos sobre que se litigar
em tribunal, juízo ou conselho, no lugar onde servirem, ou a que se estender
a sua autoridade;
IV — pelos leiloeiros e seus prepostos, os bens de cuja venda estejam encar-
regados (BRASIL, 2002, documento on-line).

Venda por condômino — de acordo com o art. 504 do Código Civil:

Art. 504 Não pode um condômino em coisa indivisível vender a sua parte a
estranhos, se outro consorte a quiser, tanto por tanto. O condômino, a quem
não se der conhecimento da venda, poderá, depositando o preço, haver para
si a parte vendida a estranhos, se o requerer no prazo de cento e oitenta dias,
sob pena de decadência.
Parágrafo único. Sendo muitos os condôminos, preferirá o que tiver benfeitorias
de maior valor e, na falta de benfeitorias, o de quinhão maior. Se as partes
forem iguais, haverão a parte vendida os comproprietários, que a quiserem,
depositando previamente o preço (BRASIL, 2002, documento on-line).

Sobre essa vedação, o disposto no art. 504 do Código Civil não se aplica
ao que chamamos de condomínio edilício. O proprietário de um apartamento
poderá dispor de seu bem, propriedade exclusiva, sem a limitação do art. 504
do Código Civil.

Venda entre cônjuges/companheiros — nos regimes de bens em que o casal


mantém patrimônio próprio e separado (separação parcial, participação final
nos aquestos, separação total de bens), nada impede, em tese, que seja celebrada
a compra e venda entre os cônjuges (companheiros estariam equiparados em
razão da isonomia constitucional). No regime de comunhão universal, o bem
transacionado já pertence ao patrimônio comum, logo, não há utilidade ou
eficácia na compra e venda desse patrimônio — o bem comprado voltaria a
pertencer ao patrimônio comum.
Ainda em relação ao casamento, ressaltamos que, salvo situações em que o
regime escolhido seja o da separação absoluta de bens, não poderá o cônjuge,
sem a concordância do outro, realizar compra e venda de imóvel, necessitando
da outorga uxória ou marital (ver arts. 1.647, I, e 1.648 do Código Civil).

Cláusulas de exclusividade — as cláusulas de exclusividade, pactuadas livre-


mente pelas partes, são lícitas e eficazes. Praticadas, em geral, no comércio,
impõem obrigação de uma das partes adquirir, ou vender, exclusivamente,
mercadorias de fornecedor determinado, em troca de vantagens (preço especial,
8 Compra e venda

comodato de máquinas, entre outras). Não vigorando indefinidamente, não


limitarão sobremaneira a liberdade de contratar, assim, tratam-se de cláusulas
plenamente válidas.

Coisa ou objeto

O bem objeto do contrato de compra e venda deve ser coisa passível de cir-
culação no comércio (lícita, possível física e juridicamente), coisa certa e
determinada ou determinável. Ademais, o bem deverá ser de propriedade do
vendedor ou, ao menos, estar regularmente em sua posse.
O objeto da compra e venda deve possuir algumas características específicas:

Existência — não há compra e venda de coisa que não exista. Em regra, o


objeto da compra e venda deverá ser coisa atual, quando existente e dispo-
nível ao tempo da celebração do negócio, mas nada impede que a compra e
venda recaiam sobre coisa futura, aquela que, embora não tenha existência
real, seja de potencial ocorrência (a exemplo da compra e venda de uma
safra de café). O art. 483 do Código Civil versa sobre essa possibilidade:
“Art. 483 A compra e venda pode ter por objeto coisa atual ou futura.
Neste caso, ficará sem efeito o contrato se esta não vier a existir, salvo se
a intenção das partes era de concluir contrato aleatório” (BRASIL, 2002,
documento on-line).

O pacta corvina ou a venda de herança de pessoa viva é proibida, como disposto no


art. 426 do Código Civil. Poderá, também, haver compra e venda de coisa corpórea
(imóveis e móveis em geral) ou coisa incorpórea (valores cotados em Bolsa de
Valores, direitos de autor, entre outros) (PEREIRA, 2017), mas vale ressaltar que a
compra e a venda de bens incorpóreos chamam-se, especificamente, de cessão, o
que se verifica na cessão de créditos, na cessão de direito de imagem, entre outras
(GONÇALVES, 2008).

Individuação — o objeto da compra e venda tem de ser determinado ou


passível de determinação quando do cumprimento da obrigação. Contudo,
Compra e venda 9

admitem-se a compra e a venda de coisa incerta desde que indicados o seu


gênero e a sua quantidade (art. 243 do Código Civil). Essa indeterminação
findará com a escolha dos bens que se destinarão ao cumprimento da obrigação
(concentração). Há, ainda, a possibilidade de compra e venda por meio de
amostra, protótipo ou modelo, situação em que o vendedor deverá garantir
que o objeto a ser entregue está em conformidade com o modelo ou a porção
da coisa exibida ao comprador, sob pena de rejeição do objeto (art. 484 do
Código Civil) (BRASIL, 2002).

Disponibilidade — o objeto da compra e venda tem de ser coisa disponível


e alienável, pois coisas indisponíveis ou fora do comércio não poderão ser
transferidas ao comprador. “Sempre que a coisa for inalienável, o contrato de
compra e venda não pode tê-la por objeto, sob pena de invalidade” (PEREIRA,
2017, p. 155). Ainda sobre a disponibilidade, cumpre rememorar os requisitos
de validade dos negócios jurídicos. Para ser considerado válido, o objeto do
negócio terá de ser lícito e, igualmente, possível (art. 104, II, do Código Civil)
(BRASIL, 2002).

Preço

O preço é elemento essencial ou constitutivo da compra e venda; sem a fixação


do preço, a venda é nula (sine pretio nulla venditio) (GONÇALVES, 2008).
O preço, em geral, é fixado pelas próprias partes. Todavia, poderá, também,
ser estipulado por terceiro designado pelos próprios contratantes, assim como
poderá ficar atrelado à taxa de mercado ou bolsa em determinado dia e lugar.
Em eventuais oscilações de preço, devemos considerar o preço médio, se
nada for estipulado pelas partes. Na fixação do preço, devemos considerar
o princípio da equivalência material das prestações, além disso, não se deve
fixar preço ínfimo, simbólico, a ponto de configurar uma doação simulada
(deve ser preço sério, sob pena de nulidade).
Quem deve cumprir primeiro sua prestação na compra e venda à vista,
comprador ou vendedor? De acordo com o art. 491 do Código Civil (BRASIL,
2002, documento on-line): “Art. 491 Não sendo a venda a crédito, o vendedor
não é obrigado a entregar a coisa antes de receber o preço”.
Assim, o comprador deverá ser o primeiro a cumprir com sua obrigação,
devendo pagar o preço: “Art. 489 Nulo é o contrato de compra e venda, quando
se deixa ao arbítrio exclusivo de uma das partes a fixação do preço”.
10 Compra e venda

As condições potestativas são condições que dependem do arbítrio, da vontade, de


uma das partes. As condições puramente potestativas, como a expressa no art. 489
do Código Civil, são consideradas ilícitas, pois deixam a fixação do preço ao arbítrio
exclusivo de uma das partes, traduzindo vantagem injustificada, ou abuso de poder
econômico. São exemplos de condições puramente potestativas as que se utilizam
das expressões:
 “se eu quiser”;
 “caso seja do interesse do declarante”;
 “se pedir”;
 “se desejar”.
Já as condições simplesmente potestativas não são consideras ilícitas, pois
subordinam a realização ou o cumprimento da obrigação a um evento externo
ou circunstancial e demandam um determinado esforço ou trabalho pelo outro
contratante. Por exemplo, na expressão “doar-te-ei um carro se passares na prova
da OAB”, não há ilegitimidade nesse tipo de condição para o contrato de doação
(GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2008).

Efeito jurídico da compra e venda


O primeiro aspecto a ser destacado é que a compra e a venda produzem,
inicialmente, apenas efeitos jurídicos obrigacionais, não realizando, por si,
a transferência da propriedade. Significa dizer que, celebrado o contrato de
compra e venda, o vendedor não pode se considerar dono do preço, nem o
comprador pode se considerar dono da coisa, até que se opere a tradição
ou o registro (a transcrição na matrícula do imóvel) da coisa vendida e a
entrega do dinheiro. Por outro lado, poderão exigir a prestação pactuada,
isto é, o cumprimento da obrigação pela entrega da coisa e pelo pagamento
do preço.
Realizado o acordo de vontades, quanto à coisa e ao preço, o contrato
está perfeito e acabado, mas esse consenso apenas faz nascer a obrigação
de transferir a coisa e de pagar o preço, não operando, automaticamente, a
transferência de propriedade.
Após o consenso, encontra-se perfeito e acabado o contrato de compra
e venda. O comprador ainda não é o proprietário da coisa, assim como o
vendedor ainda não é o proprietário do preço. Essa transferência de coisa e
preço dependerá de outros atos que representarão o cumprimento da obrigação
das partes (Figura 1).
Compra e venda 11

Figura 1. Estrutura da compra e venda — efeitos jurídicos.

Considerando que a compra e a venda são contratos bilaterais, em que


ambas as partes têm direitos e obrigações, comportam todas as consequências
jurídicas da bilateralidade, quais sejam:

Cláusula resolutiva — de acordo com o art. 475 do Código Civil (BRASIL,


2002, documento online): “Art. 475 A parte lesada pelo inadimplemento
pode pedir a resolução do contrato, se não preferir exigir-lhe o cumprimento,
cabendo, em qualquer dos casos, indenização por perdas e danos”.

Exceção de contrato não cumprido ou exceptio non adimpleti contractus


— de acordo com o art. 476 do Código Civil (BRASIL, 2002, documento
on-line): “Art. 476 Nos contratos bilaterais, nenhum dos contratantes, antes
de cumprida a sua obrigação, pode exigir o implemento da do outro”.

Enriquecimento sem causa — é o incremento do patrimônio de um dos


contratantes em detrimento do patrimônio do outro, sem que exista causa
juridicamente idônea, válida, que sustente, justifique, tal evento.

Desaparecimento da base contratual — situação que pode dar ensejo à


resolução ou revisão contratual. Ocorrerá o desaparecimento ou a quebra da
base contratual, quando um evento futuro transformar as circunstâncias nas
quais o contrato foi firmado, a ponto de a relação de equivalência entre as
prestações desaparecer.

Vícios redibitórios — nos contratos bilaterais e onerosos, como a compra e a


venda, poderá ser reivindicada a resolução ou o abatimento do preço no caso
12 Compra e venda

de vícios ocultos da coisa que a tornem imprópria para uso ou diminuam seu
valor (art. 441 do Código Civil) (BRASIL, 2002).

Evicção — de acordo com o art. 447 do Código Civil: “Art. 447 Nos contratos
onerosos, o alienante responde pela evicção. Subsiste esta garantia ainda que
a aquisição se tenha realizado em hasta pública” (BRASIL, 2002, documento
on-line).
A evicção é a perda, pelo adquirente, chamado de evicto, da posse ou
propriedade da coisa transferida, por força de uma sentença judicial ou ato
administrativo que reconheceu o direito anterior de terceiro, chamado de
evictor. Impõe-se, assim, ao alienante garantir o uso da coisa, protegendo
do adquirente de vícios ocultos da coisa, inclusive os vícios jurídicos (GON-
ÇALVES, 2008). Depreende-se do art. 447 do Código Civil que o objetivo
da evicção é resguardar o adquirente de uma eventual compra e venda a non
domino, ou seja, de coisa não pertencente ao alienante.

Outros efeitos
A seguir, serão apresentados outros efeitos das despesas e dos riscos gerados
pela compra e venda.

Despesas

Para que ocorra a transferência de propriedade do bem na compra e venda,


serão necessários, como visto, a tradição ou o registro. O registro importa em
custos que, segundo o art. 490 do Código Civil, correrão por conta do comprador
(BRASIL, 2002). A entrega da coisa, tradição, também pode acarretar despesas
que, segundo o mesmo art. 490 do Código Civil, correrão por conta do vendedor.
Segue o teor do referido artigo, transcrito: “Art. 490 Salvo cláusula em contrário,
ficarão as despesas de escritura e registro a cargo do comprador, e a cargo do
vendedor as da tradição” (BRASIL, 2002, documento on-line).
O disposto no art. 490 do Código Civil é considerado norma supletiva, pois
permite que as partes acordem de modo diverso sobre as despesas contratuais.
Igualmente supletiva é a norma que diz respeito aos débitos que gravem a coisa
até a tradição (art. 502 do Código Civil), nada mais coerente do que (conside-
rando que a compra e a venda são um contrato consensual, não transmitindo a
propriedade sem a tradição ou o registro) determinar que o vendedor responda
por esses débitos, sem excluir a possibilidade de disposição diversa pelas partes
(BRASIL, 2002; GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2008).
Compra e venda 13

Responsabilidade pelos riscos da coisa — perecimento


ou deterioração

Res perit domino ou res perit domino suo — a coisa perece para o dono! De
acordo com o art. 492 do Código Civil:

Art. 492 Até o momento da tradição, os riscos da coisa correm por conta do
vendedor, e os do preço por conta do comprador.
§ 1º Todavia, os casos fortuitos, ocorrentes no ato de contar, marcar ou as-
sinalar coisas, que comumente se recebem, contando, pesando, medindo ou
assinalando, e que já tiverem sido postas à disposição do comprador, correrão
por conta deste.
§ 2º Correrão também por conta do comprador os riscos das referidas coisas,
se estiver em mora de as receber, quando postas à sua disposição no tempo,
lugar e pelo modo ajustados (BRASIL, 2002, documento on-line).

Em relação aos riscos — se, após celebradas a compra e a venda, antes


da tradição, a coisa perecer em razão de caso fortuito ou força maior —, o
vendedor da coisa suportará o prejuízo; se a coisa deteriorar, antes da tradição,
sem culpa do vendedor, o comprador poderá aceitar a coisa no estado em que
se encontre, com o abatimento do preço, ou resolver a compra e venda, caso
a coisa já não seja do seu interesse ou proveito.
Entretanto, se no ato de contar, marcar ou assinalar coisas, postas à dis-
posição do comprador, as coisas perecerem ou deteriorarem, mesmo que por
caso fortuito ou de força maior, responderá pela perda o comprador, uma vez
que as coisas já estavam à sua disposição. Do mesmo modo, correrão por
conta do comprador os riscos da coisa que está em mora de receber, isto é,
que quando o bem objeto da compra e venda já foi colocado à sua disposição,
conforme contratado, e ainda não foi retirado.
Sobre o local em que se deve dar a tradição, o art. 493 do Código Civil
estabelece: “Art. 493 A tradição da coisa vendida, na falta de estipulação ex-
pressa, dar-se-á no lugar onde ela se encontrava, ao tempo da venda” (BRASIL,
2002, documento on-line).
Sobre os casos em que o comprador solicite o envio da coisa para local diverso
daquele que deveria ser entregue, o art. 494 do Código Civil estabelece: “Art.
494 Se a coisa for expedida para lugar diverso, por ordem do comprador, por sua
conta correrão os riscos, uma vez entregue a quem haja de transportá-la, salvo se
das instruções dele se afastar o vendedor” (BRASIL, 2002, documento on-line).
Sobre os casos de insolvência do comprador, o art. 495 do Código Civil
estabelece: “Art. 495 Não obstante o prazo ajustado para o pagamento, se antes
14 Compra e venda

da tradição o comprador cair em insolvência, poderá o vendedor sobrestar


a entrega da coisa, até que o comprador lhe dê caução de pagar no tempo
ajustado” (BRASIL, 2002, documento on-line).

A venda ad corpus (art. 500, § 3º, do Código Civil) é aquela venda por referência mera-
mente enunciativa (sem descrição), na qual o que interessa é o imóvel em si (o prédio
da Empresa X, a fazenda Dona Marieta, entre outros). Na venda ad corpus, a coisa é certa
e determinada, independentemente de sua extensão, ou dimensão, pois a medida, a
metragem, é meramente enunciativa.
Já a venda ad mensuram (art. 500 do Código Civil) é aquela por medida de extensão,
isto é, uma venda especificada, oficialmente certa e segura (a medida é detalhadamente
apresentada), na qual o que interessa ao comprador é a real dimensão do bem. O
objetivo do adquirente é a coisa de determinada dimensão, tamanho, comprimento,
para satisfazer sua finalidade ou interesse. Por exemplo, necessita de X hectares de
terra para o plantio de soja. Nesse caso, portanto, se a área do imóvel não corresponder
às dimensões dadas, o comprador terá direito de exigir o complemento da área e,
não sendo isso possível, de reclamar a resolução do contrato ou pedir o abatimento
proporcional do preço (BRASIL, 2002; GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2008).

Promessa de compra e venda


Conceito — o contrato de promessa de compra e venda ou compromisso de
compra e venda é um contrato preliminar que tem como objeto uma obriga-
ção de fazer — obrigação de realizar, futuramente, um contrato de compra
e venda definitivo. Por meio da promessa, o promitente vendedor permanece
com a titularidade do bem, mas se obriga a realizar contrato definitivo com a
transmissão da propriedade, quando o promitente comprador terminar de pagar
o preço (em geral, já estará de posse do imóvel). É contrato utilizado para a
aquisição de imóveis e, em virtude de suas características, acaba por conferir
maior garantia ao alienante nos casos de descumprimento pelo comprador
(GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2008).
Tendo como característica ser um contrato bilateral (mas poderá ser uni-
lateral, quando apenas uma das partes comprometer-se ou a vender, ou a
comprar), pois o promitente comprador deverá pagar o preço e o promitente
vendedor deverá firmar contrato definitivo para a transferência do imóvel;
caso o promitente comprador não consiga cumprir suas obrigações, poderá vir
Compra e venda 15

a perder a posse do bem (deverá ser constituído em mora) pela resolução do


contrato, além de arcar com as perdas e danos pelo inadimplemento contratual.
A promessa de compra e venda encontra-se expressamente regrada pelo
Código Civil:

Art. 1.417 Mediante promessa de compra e venda, em que se não pactuou


arrependimento, celebrada por instrumento público ou particular, e registrada
no Cartório de Registro de Imóveis, adquire o promitente comprador direito
real à aquisição do imóvel.
Art. 1.418 O promitente comprador, titular de direito real, pode exigir do
promitente vendedor, ou de terceiros, a quem os direitos deste forem cedidos,
a outorga da escritura definitiva de compra e venda, conforme o disposto no
instrumento preliminar; e, se houver recusa, requerer ao juiz a adjudicação
do imóvel (BRASIL, 2002, documento on-line).

Forma — como se depreende dos arts. 1.417 e 462 do Código Civil, a forma
do compromisso de compra e venda poderá ser pública ou particular. Segundo
o art. 462 do Código Civil: “Art. 462 O contrato preliminar, exceto quanto à
forma, deve conter todos os requisitos essenciais ao contrato a ser celebrado”
(BRASIL, 2002, documento on-line).

Características — a promessa de compra e venda é contrato preliminar, geral-


mente bilateral, informal ou formal, retratável (prevendo o arrependimento) ou
irretratável. Se irretratável, deverá ser levada a registro (para ter eficácia contra
terceiros) e constituirá direito real sobre o bem imóvel objeto da promessa.

Eficácia — a promessa de compra e venda gera uma obrigação de fazer —


fazer o contrato definitivo de compra e venda, não tendo, entre os seus efeitos,
a transmissão da propriedade do imóvel. Corroborando, é oportuno citar:

Pelo nosso direito, a promessa de venda nunca pode operar a transferência


do domínio, dada a distinção rigorosa entre o contrato definitivo e o con-
trato preliminar. Cria este a obrigação de prestar um fato, e seu objeto é a
outorga do contrato definitivo. Em contraposição, o contrato definitivo de
compra e venda gera uma obrigação de dar, e seu principal efeito é obri-
gação de transferir o domínio, mediante a tradição da coisa ou a inscrição
do título. Descumprida a escritura definitiva, o comprador tem sempre
execução direta, e assiste-lhe a imissão de posse. Infringida a promessa de
compra e venda, nasce para o promitente comprador o direito de pleitear a
adjudicação compulsória, desde que não haja cláusula de arrependimento
e independentemente do registro do contrato no Registro de Imóveis (PE-
REIRA, 2017, p. 172).
16 Compra e venda

Do exposto, concluímos que, se o inadimplemento partir do promitente ven-


dedor, o recurso a ser buscado pelo promitente comprador será o pedido judicial
de adjudicação compulsória, no qual o juiz suprirá a manifestação de vontade do
promitente vendedor, e sua sentença fará as vezes de escritura da compra e venda,
transferindo o domínio do bem para o requerente. Por outro lado, se o inadim-
plemento partir do promitente comprador, o promitente vendedor terá direito
à resolução por descumprimento contratual com todas as suas consequências.

Direito das partes — sobre o direito do promitente comprador, este adquire


a faculdade de receber a escritura definitiva e, registrado o contrato, adquire,
também, a faculdade de anular eventuais atos de alienação que o promitente
vendedor venha realizar com terceiros; sobre o direito do promitente vendedor,
este possui a faculdade de resolver o contrato, notificando o promitente com-
prador e constituindo-o em mora, em razão do inadimplemento da obrigação
(PEREIRA, 2017). No mesmo sentido, seguem os arts. 464 e 465 do Código Civil:

Art. 464 Esgotado o prazo, poderá o juiz, a pedido do interessado, suprir


a vontade da parte inadimplente, conferindo caráter definitivo ao contrato
preliminar, salvo se a isto se opuser a natureza da obrigação.
Art. 465 Se o estipulante não der execução ao contrato preliminar, poderá
a outra parte considerá-lo desfeito, e pedir perdas e danos (BRASIL, 2002,
documento on-line).

Embora tenhamos abordado os artigos de lei que tratam da compra e venda,


é apropriado apresentar um breve resumo esquemático das disposições do
Código Civil (Quadro 1).

Quadro 1. Compra e venda no ordenamento jurídico

COMPRA E VENDA — LEGISLAÇÃO — CÓDIGO CIVIL

Compra e venda Disposições gerais: arts. 481 a 504


Da retrovenda: arts. 505 a 508
Da venda a contento e da sujeita à prova: arts. 509 a 512
Da preempção ou preferência: arts. 513 a 520
Da venda com reserva de domínio: arts. 521 a 528
Da venda sobre documentos: arts. 529 a 532

Promessa de Do contrato preliminar: arts. 462 a 466


compra e venda Do direito do promitente comprador: 1.417 e 1.418
Compra e venda 17

BRASIL. Lei Federal nº. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Diário
Oficial da União, Brasília, DF, 11 jan. 2002. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/
ccivil_03/Leis/2002/l10406.htm>. Acesso em: 23 ago. 2018.
GAGLIANO, P. S.; PAMPLONA FILHO, R. Novo curso de Direito Civil: contratos. 4. ed. São
Paulo: Saraiva, 2008. v. 4.
GONÇALVES, C. R. Direito Civil brasileiro: contratos e atos unilaterais. 7. ed. São Paulo:
Saraiva, 2010. v. 3.
LÔBO, P. Direito Civil: contratos. 1. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.
PEREIRA, C. M. S. Instituições de Direito Civil. 21. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2017. v. 3.

Leituras recomendadas
SILVA, C. V. C. A obrigação como processo. Rio de Janeiro: FGV, 2007.
TARTUCE, F. Direito Civil: teoria geral dos contratos e contratos em espécie. 12. ed. São
Paulo: Forense, 2017. v. 3.
Conteúdo:
DICA DO PROFESSOR

Em geral, a compra e a venda ocorrem imediatamente após a conclusão do contrato. O


comprador apresenta o preço e apropria-se da coisa entregue a ele pelo vendedor. Contudo, as
partes podem incluir elementos no conteúdo do contrato que alterem a eficácia do negócio
jurídico. Tais alterações serão instrumentadas por cláusulas contratuais ou pactos acessórios
à compra e à venda.

Na Dica do Professor a seguir, você vai examinar as cláusulas de venda a contento e venda
sujeita à prova.

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EXERCÍCIOS

1) A compra e a venda contam com alguns elementos essenciais à sua constituição.


Quais são eles?

A) Agente capaz, forma prescrita em lei e vontade livre.

B) Forma livre, agente capaz e legitimado.

C) Consentimento, objeto e preço.

D) Agente capaz e objeto lícito possível, determinado ou determinável.

E) Preço, consentimento e legitimidade das partes.

2) Sobre as características da compra e da venda, assinale a alternativa correta.

A) A compra e a venda são um contrato bilateral, sinalagmático, oneroso, comutativo ou


aleatório, paritário ou de adesão e típico, dentre outras características.

B) A compra e a venda são um contrato bilateral, sinalagmático, gratuito, comutativo ou


aleatório, instantâneo e translativo de propriedade.

C) A compra e a venda são um contrato bilateral, oneroso, real e translativo de propriedade.

D) A compra e a venda são um contrato oneroso, translativo de propriedade, aleatório e


gratuito.

E) A compra e a venda são um contrato sinalagmático, nominado, típico, de execução sempre


imediata.

3) Sobre a legitimidade para realizar a compra e a venda, assinale a alternativa correta.

A) A venda de ascendente a descendente é regular.

B) Não podem ser comprados, ainda que em hasta pública, os bens ou os direitos sobre que se
litigar em tribunal, juízo ou conselho, no lugar onde servirem juízes, secretários de
tribunais, arbitradores, peritos e outros serventuários ou auxiliares da justiça, ou lugar a
que se estender a sua autoridade.

C) Um condômino, em coisa indivisível, pode vender a sua parte a estranhos, se outro


consorte a quiser, tanto por tanto.

D) As cláusulas de exclusividade são ilícitas, ainda que temporárias.

E) Somente poderão ser comprados em hasta pública, pelos tutores, curadores, testamenteiros
e administradores, os bens confiados à sua guarda ou administração.

4)
Quais são as características específicas do objeto da compra e da venda?

A) Existência, validade e eficácia.

B) Agente capaz e objeto lícito e possível.

C) Objeto determinável e forma prescrita em lei.

D) Existência, individuação e disponibilidade.

E) Individuação e determinabilidade.

5) Sobre a promessa de compra e venda, o que é possível afirmar?

A) É contrato definitivo, pois obriga a transferir o patrimônio do vendedor para o do


comprador.

B) Necessita de registro para o comprador poder pleitear a adjudicação compulsória em juízo.

C) É contrato bilateral e solene.

D) Opera, diretamente, a transferência do domínio do bem imóvel objeto da contratação.

E) Gera uma obrigação de fazer (fazer o contrato definitivo de compra e venda), não tendo,
dentre os seus efeitos, a transmissão da propriedade do imóvel.

NA PRÁTICA

A aquisição de bens corresponde à satisfação de necessidades de todo o gênero do indivíduo.


O contrato de compra e venda, então, é a celebração constante entre os partícipes dos mercados
de consumo imobiliário e empresarial. No entanto, nem sempre a conclusão ou a execução
desses contratos ocorre conforme o esperado pelas partes, que, consequentemente, acabam por
ter de recorrer ao Poder Judiciário.

Veja na prática como o Superior Tribunal de Justiça (STJ) manifesta-se sobre as questões que
envolvem os contratos de compra e venda.
SAIBA MAIS

Para ampliar o seu conhecimento a respeito desse assunto, veja abaixo as sugestões do
professor:

A promessa de compra e venda de bens imóveis, o direito real de aquisição e a execução


específica da obrigação de fazer mediante as técnicas de subrogação e de coerção: duas
certezas e uma provocação

Leia mais informações sobre o contrato de compromisso de compra e venda no artigo a seguir,
de autoria de Eroulths Cortiano Junior.

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Compromisso de compra e venda: registro imobiliário e seus efeitos

Leia o artigo a seguir sobre o compromisso de compra e venda, de autoria de Viviane


Alessandra Grego Hajel.

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Da venda a contento e da sujeita à prova

Leia o artigo a seguir, de autoria de André Guerra, para saber mais informações sobre as
cláusulas especiais de compra e venda.

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Fiança

APRESENTAÇÃO

As obrigações contratualmente pactuadas podem dizer respeito a uma obrigação principal, como
a de entrega, do preço na compra e na venda, a de restituir o bem objeto no comodato, mas
poderão se configurar, também, como obrigações de garantia, aquelas que visam a eliminar ou a
reduzir os riscos do inadimplemento que pesam sobre o credor.

A garantia de uma obrigação pode recair sobre uma coisa ou sobre uma pessoa, um terceiro que
aceite assumir o papel de garantidor da dívida de outrem.

Nesta Unidade de Aprendizagem, você irá estudar a garantia pessoal, ou fidejussória, da fiança
e terá uma visão geral do instituto sob enfoque doutrinário e jurisprudencial.

Bons estudos.

Ao final desta Unidade de Aprendizagem, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

• Definir fiança e as suas disposições gerais.


• Analisar os efeitos da fiança.
• Interpretar a jurisprudência dos tribunais superiores acerca da fiança.

DESAFIO

A fiança é um contrato que visa a garantir o cumprimento da obrigação principal.

Veja o Desafio a seguir, que aborda esse tema.


INFOGRÁFICO

O contrato de fiança, como obrigação de garantia, tem por característica ser acessório e
subsidiário. Todavia, há liberdade para as partes realizarem alterações nessas características com
o intuito de reforçar ou dinamizar o cumprimento da obrigação em benefício do credor.

Neste Infográfico, você irá vislumbrar algumass possíveis conformações do contrato de fiança.
CONTEÚDO DO LIVRO

Não raro, nos contratos de maior vulto ou naqueles cuja obrigação perdurará por longo período e
em que a situação patrimonial das partes poderá sofrer alterações, exige-se, além da conclusão
do contrato, outros instrumentos que visam a dar maior garantia do cumprimento contratual ao
credor.

As obrigações de garantia ou caução servem a esse objetivo. A garantia do negócio poderá


recair sobre algum bem, denominando-se garantia real, bem como poderá recair sobre alguma
pessoa de confiança do credor, denominando-se garantia pessoal ou fidejussória.

No capítulo Fiança, do Livro Direito Civil III: Teoria Geral dos Contratos, você
examinará detalhadamente o contrato de fiança, que corresponde a uma garantia fidejussória.
Estudará seus aspectos gerais (conceito, partes, natureza jurídica, características, requisitos),
assim como os efeitos da fiança para os sujeitos envolvidos e o posicionamento da
jurisprudência sobre o tema.
DIREITO CIVIL III:
TEORIA GERAL
DOS CONTRATOS

Patricia Fernandes Fraga


Fiança
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

 Definir fiança e as suas disposições gerais.


 Analisar os efeitos da fiança.
 Interpretar a jurisprudência dos tribunais superiores acerca da fiança.

Introdução
No contexto das trocas, em razão de as partes contratantes nem sem-
pre conseguirem, apenas pelo uso do contrato principal, a garantia do
cumprimento da obrigação, é necessário utilizar outros instrumentos
que servirão de salvaguarda a eventual inadimplemento. Esse resguardo
ao cumprimento do negócio jurídico pode ser alcançado por meio de
contratos de caução ou de garantia.
Neste capítulo, você vai ler sobre a fiança, examinando as suas no-
ções gerais e os seus efeitos, bem como a jurisprudência dos tribunais
superiores sobre esse contrato.

Aspectos gerais da fiança


Os negócios jurídicos de caução ou garantia têm como objetivo oferecer ao
credor uma maior segurança de pagamento, somada à garantia genérica situada
no patrimônio do devedor. Essa segurança pode recair sobre determinado
bem (móvel ou imóvel), de modo a estabelecer um ônus sobre a própria coisa
(garantia real), que responderá pela solução da obrigação, bem como pode
recair sobre uma pessoa (garantia fidejussória ou pessoal), que assegurará,
por seus meios, o pagamento da dívida de outrem (PEREIRA, 2017). A fiança,
objeto deste capítulo, é uma garantia fidejussória ou pessoal.
2 Fiança

Conceito
O art. 818 do Código Civil dispõe sobre o contrato de fiança: “Art. 818 Pelo con-
trato de fiança, uma pessoa garante satisfazer ao credor uma obrigação assumida
pelo devedor, caso este não a cumpra” (BRASIL, 2002, documento on-line).
Embora o foco deste capítulo seja a fiança convencional, tratada pelo art.
818 do Código Civil, a fiança poderá estar expressa em lei, a chamada fiança
legal, assim como poderá ser imposta judicialmente a chamada fiança judicial
(PEREIRA, 2018).
Segundo Gonçalves (2010, p. 554), a fiança é “[...] o contrato pelo qual uma
pessoa se obriga a pagar ao credor o que a este deve um terceiro. Alguém
estranho à relação obrigacional originária, chamado de fiador, obriga-se
perante o credor, garantindo com o seu patrimônio a satisfação do crédito
deste, caso não o solva o credor”.

Partes
Pode parecer, em um primeiro momento, que o contrato de fiança se opera entre
o devedor da obrigação principal e o fiador, garantidor dessa obrigação, mas o
contrato de fiança ocorre, verdadeiramente, entre o credor da obrigação principal
e o fiador dessa obrigação. Corrobora essa afirmação o art. 820 do Código Civil,
que determina que a fiança, sendo contrato firmado entre credor e fiador, pode
ser prestada, inclusive, sem o consentimento ou, mesmo, contra a vontade do
devedor: “Art. 820 Pode-se estipular a fiança, ainda que sem consentimento do
devedor ou contra a sua vontade” (BRASIL, 2002, documento on-line).

A fiança tem natureza jurídica de negócio jurídico bilateral, pois é contrato, com a
peculiaridade de ser um negócio jurídico acessório e subsidiário.

Características
Segundo Gonçalves (2010) e Pereira (2017), as características da fiança são:

É unilateral — a fiança é contrato unilateral, pois gera obrigações apenas para


o fiador, enquanto o credor nada terá de dar em contrapartida. Importante não
Fiança 3

confundir a noção de contrato unilateral com a de negócio jurídico unilateral.


O negócio jurídico como manifestação de vontade destinada à produção dos
efeitos desejados pela parte pode ser unilateral, quando houver apenas uma
manifestação de vontade (testamento, por exemplo), ou bilateral, quando
necessitar de mais de uma manifestação de vontade para a sua conclusão e
produção de efeitos (como os contratos em geral). Como visto, o contrato,
diferentemente, será unilateral, quando existirem obrigações apenas para uma
das partes, tendo a outra apenas o proveito do negócio (como doação pura,
fiança, comodato, entre outros), e será bilateral, quando existirem obrigações e
direitos para ambos os contratantes (como compra e venda, locação, prestação
de serviços, entre outros).

É gratuita — geralmente, apenas o fiador suporta a perda patrimonial, mas


pode haver contrato de fiança, como alguns contratos bancários, em que o
afiançado terá de dar contrapartida ao fiador como forma de compensar o risco
assumido, caracterizando o contrato como oneroso (atentar que, aqui, surge,
excepcionalmente, um vínculo entre o devedor e o fiador). Quando gratuita
a fiança, não se admitirá interpretação extensiva do conteúdo do contrato,
salvaguardando o fiador de assumir obrigação além do que efetivamente se
comprometeu, consoante versa a segunda parte do art. 819 do Código Civil:
“Art. 819 A fiança dar-se-á por escrito, e não admite interpretação extensiva”
(BRASIL, 2002, documento on-line). Também nesse sentido, segue a Súmula
nº. 214 do Superior Tribunal de Justiça (STJ): “O fiador na locação não responde
por obrigações resultantes de aditamento ao qual não anuiu” (BRASIL, 1998,
documento on-line).

É personalíssima ou intuitu personae — ajustado especificamente com pessoa


de confiança do credor, qual seja, o fiador.

É acessória — a fiança é contrato acessório porque só existe como garantia


da obrigação de outrem, ou seja, pressupõe a existência de uma obrigação
principal. A fiança não poderá ser superior ou mais onerosa do que a obriga-
ção principal, mas poderá ser inferior, menos onerosa ou, ainda, sua eficácia
poderá ser limitada por condição ou termo. Embora não exceda os limites do
contrato, caso não seja expressamente delimitado que a fiança dirá respeito,
tão somente, à dívida principal, “[...] entende-se que ela compreende os seus
acessórios, incluindo as despesas judiciais” (GONÇALVES, 2010, p. 557).
4 Fiança

É subsidiária — o contrato de fiança, em regra, tem caráter subsidiário, pois


apenas será executado nas situações de descumprimento da obrigação pelo
devedor principal — benefício de ordem. Impende apontar que, em alguns
contratos por adesão, pode existir cláusula de renúncia ao benefício de ordem,
o que deverá ser objeto de grande atenção aos garantidores da obrigação
(TARTUCE, 2017).

É formal e consensual — a fiança não se presume, assim, necessita ser expressa


por escrito, mesmo que em documento apartado, no qual constem elementos
claros que caracterizem as partes, a responsabilidade e as referências do
contrato principal. Contudo, não necessita escritura pública, nem é exigida
qualquer outra solenidade.

É paritário ou por adesão — o contrato de fiança poderá ter seu conteúdo


negociado pelas partes, sendo paritário, e poderá ser realizado por instrumento
no qual o fiador apenas adere, consentido com a fiança, sendo por (ou de) adesão.

A estrutura comum das obrigações consiste no vínculo obrigacional, na prestação a


ser cumprida, que é o débito, debitum, dívida ou schuld e, caso não haja adimplemento,
na responsabilização, obligatio, garantia ou haftung. Já, nas obrigações de garantia, a
estrutura é um pouco diferente. Há o vínculo obrigacional, mas recai ao garantidor
apenas a responsabilidade de satisfazer o credor na ausência de cumprimento da
obrigação pelo devedor. Assim, nas obrigações de garantia, há uma haftung sem
schuld, ou responsabilização sem débito (TARTUCE, 2017).

Requisitos da fiança
Partindo da ideia de que o contrato de fiança é realizado entre o fiador e o credor,
cumpre apresentar os requisitos subjetivos, objetivos e formais necessários à
realização do contrato.

Subjetivos
Quanto aos sujeitos ou às partes, há alguns requisitos a serem observados.
Inicialmente, a capacidade civil. A capacidade para prestar fiança é a mesma
Fiança 5

exigida para contratar. O sujeito tem de ser capaz e poder dispor, livremente,
dos seus bens. Exceto nos casamentos cujo regime seja o da separação absoluta
de bens, nenhum dos cônjuges poderá prestar fiança sem o consentimento do
outro (art. 1.647, III, do Código Civil) (BRASIL, 2002). Vale ainda mencionar
o art. 820 do Código Civil: “Art. 820 Pode-se estipular a fiança, ainda que
sem consentimento do devedor ou contra a sua vontade” (BRASIL, 2002,
documento on-line).
Embora não seja normal a contratação de fiança sem o consentimento ou
contra a vontade do devedor, pois, em regra, é o próprio devedor que apre-
senta o fiador ao credor, nada impede que o contrato seja realizado sem o seu
conhecimento. Assim, o contrato de fiança entabulado entre credor e fiador
resulta em uma garantia baseada na confiança do cumprimento da obrigação
— que ao fim e ao cabo é a razão de existir a fiança e, além disso, em nada
prejudica o devedor principal.
No intuito de proteger o credor, assiste-lhe o direito de recusar fiadores que
não apresentem idoneidade ou patrimônio compatível com a obrigação a ser
garantida. Ademais, o art. 826 do Código Civil determina: “Art. 826 O fiador
se tornar insolvente ou incapaz, poderá o credor exigir que seja substituído”.
Essa exigência, por lógico, será cabível nos casos em que a fiança tenha
sido estipulada com a ciência e concordância do devedor (BRASIL, 2002). Há
a possibilidade de se estipular mais de um fiador para a mesma dívida, que
serão todos cofiadores, ou ainda de se estipular um fiador do fiador, chamado
de abonador no direito português. Nessa situação, o fiador do fiador garantirá
o cumprimento da obrigação quando nem o devedor principal, nem o primeiro
fiador designado conseguirem cumprir a obrigação (GONÇALVES, 2010).

Objetivos
A fiança pode ser prestada em qualquer espécie de obrigação (dar, fazer ou
não fazer), contudo, sua eficácia ficará condicionada à validade da obrigação
principal. Assim, se nula a obrigação principal, nula será a fiança; se inexigível
a obrigação principal, inexigível será a fiança. A fiança poderá ter como objeto,
inclusive, assegurar dívida futura, mas sua exigibilidade ficará na dependência
de a dívida tornar-se certa e líquida (PEREIRA, 2017).
Como mencionado, não tendo sido a garantia prestada especificamente até
determinado valor e data, a fiança compreenderá todos os acessórios da dívida
principal, incluindo despesas judiciais, desde a citação do fiador, consoante
art. 822 do Código Civil (BRASIL, 2002).
6 Fiança

Formais
Em virtude de se tratar de contrato unilateral e gratuito, a fiança não admitirá
interpretações extensivas quanto à sua prestação e sua extensão, quão menos
poderá ser verbal. O art. 819 do Código Civil corrobora com o afirmado
quando diz: “Art. 819 A fiança dar-se-á por escrito, e não admite interpretação
extensiva” (BRASIL, 2002, documento on-line).
Por outro lado, não exige solenidade para sua realização, podendo originar-
-se de contrato paritário ou, mesmo, de contrato firmado por adesão.

Não devemos confundir fiança com aval. A fiança é contrato cabível nas mais variadas
obrigações. O aval é garantia típica dos títulos de crédito. O aval também configura
garantia pessoal, mas não é contrato, é declaração unilateral, instituto do direito cam-
biário. A responsabilidade do avalista é sempre solidária.
A fiança é contrato, é garantia pessoal ampla compatível com qualquer espécie
de obrigação (convencional, legal e judicial). A responsabilidade do fiador pode, ou
não, ser solidária, mas, em regra, respeita o benefício de ordem (primeiro, busca-se
o cumprimento pelo devedor principal, somente depois, pelo fiador) (GONÇALVES,
2010; PEREIRA, 2017).

Efeitos da fiança
Quando aceita prestar fiança, o fiador assume o compromisso de cumprir a
obrigação, caso o devedor não o faça. Embora a relação contratual se concretize
entre fiador e credor, os efeitos da fiança vão além da relação entre essas partes
e atingem também o devedor. Inicialmente, cumpre apresentar os efeitos da
fiança nas relações entre fiador e credor, para depois apresentar os efeitos da
fiança entre fiador e devedor, como segue.

Relações entre fiador e credor


A fiança tem como efeito permitir ao credor exigir do fiador o pagamento da
dívida. Em contrapartida, o fiador, quando demandado para o pagamento da
dívida, tem como invocar o benefício de ordem, que se trata de prerrogativa,
meio de defesa patrimonial, pela qual o fiador aponta bens livres e desembarga-
Fiança 7

dos do devedor, situados no município, para que sejam objeto do cumprimento


da obrigação. Nessa linha, vale citar:

Art. 827 O fiador demandado pelo pagamento da dívida tem direito a exigir,
até a contestação da lide, que sejam primeiro executados os bens do devedor.
Parágrafo único. O fiador que alegar o benefício de ordem, a que se refere
este artigo, deve nomear bens do devedor, sitos no mesmo município, livres
e desembargados, quantos bastem para solver o débito (BRASIL, 2002, do-
cumento on-line).

O benefício de ordem corrobora a noção de que a obrigação de garantia


é uma obrigação subsidiária, isto é, o fiador não se vinculou à obrigação
originária (schuld) — contraída pelo devedor principal —, mas apenas as-
sume a responsabilidade (haftung) pelo inadimplemento do devedor, de modo
que, em regra, só deverá ter seu patrimônio comprometido para a solução da
obrigação, na ausência, ou insuficiência, dos bens do devedor (GAGLIANO;
PAMPLONA FILHO, 2008).
O benefício de ordem será recusado, consoante o art. 828 do Código Civil,
ao fiador:

Art. 828 [...]


I — se ele o renunciou expressamente;
II — se se obrigou como principal pagador, ou devedor solidário;
III — se o devedor for insolvente, ou falido (BRASIL, 2002, documento
on-line).

Os incisos I e II dizem respeito a situações em que o fiador abre mão do


benefício de ordem, ou pela renúncia expressa, ou por obrigar-se, de modo a
poder ser diretamente demandado pela solução da obrigação. Já o inciso III
configura a responsabilidade básica do fiador, que é, justamente, assumir o
cumprimento da obrigação quando o devedor não possuir patrimônio para
fazê-lo. Cabe mencionar que o fiador também não terá o benefício de ordem se
não apontar bens do devedor livres e desembargados, localizados no município,
suficientes para o cumprimento da obrigação.
Em situações de pluralidade de fiadores (confiança), o art. 829 do Código
Civil dispõe que a obrigação entre os garantidores será solidária. Mas tal
efeito pode ser alterado contratualmente, pelo benefício da divisão, que nada
mais é do que o fracionamento da responsabilidade entre os cofiadores, de
modo que o credor apenas poderá exigir de cada fiador a sua cota da dívida.
Segue o dispositivo legal:
8 Fiança

Art. 829 A fiança conjuntamente prestada a um só débito por mais de uma


pessoa importa o compromisso de solidariedade entre elas, se declaradamente
não se reservarem o benefício de divisão.
Parágrafo único. Estipulado este benefício, cada fiador responde unicamente
pela parte que, em proporção, lhe couber no pagamento (BRASIL, 2002,
documento on-line).

O fiador, lançando mão de todos os mecanismos de defesa ao seu alcance,


poderá opor ao credor não apenas as exceções que lhe disserem respeito, mas
também aquelas que se refiram à obrigação principal e ao devedor, sejam exce-
ções pessoais ou não (vícios de consentimento, compensação, confusão, remissão,
prescrição, entre outros), conforme art. 837 do Código Civil (BRASIL, 2002).

Relações entre fiador e devedor


Considerando que o fiador, possuidor de vínculo jurídico obrigacional, é terceiro
interessado, ao realizar o cumprimento integral da obrigação, sub-rogar-se-á
nos direitos do credor, como todas ações, privilégios e garantias do credor
originário (ora sub-rogado), nos termos do art. 831 do Código Civil:

Art. 831 O fiador que pagar integralmente a dívida fica sub-rogado nos di-
reitos do credor; mas só poderá demandar a cada um dos outros fiadores pela
respectiva quota.
Parágrafo único. A parte do fiador insolvente distribuir-se-á pelos outros
(BRASIL, 2002, documento on-line).

O fiador tem direito, também, de exigir do devedor, além do reembolso do


que despendeu, os juros pela taxa estipulada na obrigação ou pela taxa legal,
quando nada for estipulado (art. 833 do Código Civil), bem como a restituição
de perdas, danos e prejuízos que sofreu em razão da fiança (art. 832 do Código
Civil). Ainda, poderá promover o andamento da execução, quando paralisada
imotivadamente pelo credor, como diz o art. 834 do Código Civil (BRASIL,
2002). Quando o credor, sem justa causa, demorar a executar o devedor, poderá
o fiador promover o seu andamento.
A morte do fiador transmite a obrigação assumida pelo fiador, até a data
do óbito, aos herdeiros, mas estes apenas responderão nos limites da herança
(art. 836 do Código Civil). Ademais, caso a fiança tenha sido prestada sem
prazo determinado, poderá o fiador exonerar-se de sua obrigação, a qualquer
tempo, mas permanecerá responsável pelos efeitos produzidos pela fiança por
até 60 dias da notificação do credor (art. 835 do Código Civil) (BRASIL, 2002).
Fiança 9

Extinção da fiança
A fiança se extingue como o cumprimento da obrigação principal (GAGLIANO;
PAMPLONA FILHO, 2008, p. 620-621):

 pelo decurso do termo fixado para a garantia (termo final);


 pela exoneração do fiador;
 pela novação da obrigação principal;
 por qualquer outra causa que promova, em geral, a extinção dos contratos.

Entre as causas de exoneração do fiador, estão:

Art. 838 O fiador, ainda que solidário, ficará desobrigado:


I — se, sem consentimento seu, o credor conceder moratória ao devedor;
II — se, por fato do credor, for impossível a sub-rogação nos seus direitos
e preferências;
III — se o credor, em pagamento da dívida, aceitar amigavelmente do devedor
objeto diverso do que este era obrigado a lhe dar, ainda que depois venha a
perdê-lo por evicção (BRASIL, 2002, documento on-line).

Outra hipótese de exoneração do fiador é quando, apontados os bens do


devedor, pelo benefício de ordem, retardar-se a execução da dívida, de modo a
permitir que o devedor venha a ser tornar insolvente. Destarte, comprovando
que os bens indicados eram bastantes para o cumprimento da obrigação, ao
tempo da penhora, ficará exonerado o fiador, como se depreende do dispo-
sitivo legal:

Art. 839 Se for invocado o benefício da excussão e o devedor, retardando-se


a execução, cair em insolvência, ficará exonerado o fiador que o invocou, se
provar que os bens por ele indicados eram, ao tempo da penhora, suficientes
para a solução da dívida afiançada (BRASIL, 2002, documento on-line).

Fiança na jurisprudência
Para enriquecer o conhecimento sobre o tema, é apropriado colacionar a forma
como os tribunais superiores tratam dos temas tangentes ao contrato de fiança.
Como esse intuito, apresentaremos alguns julgados que fazem relação com
as noções apresentadas neste capítulo.
10 Fiança

CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM


RECURSO ESPECIAL. LOCAÇÃO. CONTRATO POR PRAZO INDE-
TERMINADO. FIANÇA.
RESPONSABILIDADE DOS FIADORES. ENTREGA DAS CHAVES.
CLÁUSULA EXPRESSA. SÚMULA N. 83/STJ. DECISÃO MANTIDA.
1. A jurisprudência do STJ firmou o entendimento de que, tratando-se de
locação predial urbana contratada à luz da redação primitiva do art. 39 da
Lei do Inquilinato, subsiste a fiança prestada na hipótese de prorrogação do
contrato — inclusive até a entrega das chaves —, desde que haja cláusula
expressa nesse sentido.
Precedentes.
2. No caso dos autos, o contrato foi firmado em 1º/7/1995 e o Tribunal de origem
consignou a existência de cláusula expressa referente à fiança, concluindo
que a responsabilidade do fiador persiste. Aplicação da Súmula n. 83/STJ.
3. Agravo interno a que se nega provimento.
(BRASIL, 2018a, documento on-line)

Nesse acórdão, está em questão a interpretação restritiva dos negócios


benéficos e o tratamento diferenciado do contrato de fiança expresso na Lei
nº. 8.245, de 18 de outubro de 1991 (Lei de Locações de Imóveis Urbanos).
Mediante uma análise conjunta dos arts. 114 e 819, todos do Código Civil,
bem como da Súmula nº. 214 do STJ, podemos concluir que a prorrogação
do contrato principal de locação implicaria a ciência e anuência expressa do
fiador acerca do seu comprometimento por prazo superior ao incialmente
pactuado (BRASIL, 2002). Em tese, o fiador não poderia estar vinculado a
uma alteração contratual na qual não anuiu expressamente, conforme a Súmula
nº 214 do STJ: “O fiador na locação não responde por obrigações resultantes
de aditamento ao qual não anuiu” (BRASIL, 1998, documento on-line).
Entretanto, a Lei de Locações de Imóveis Urbanos, Lei nº. 8.245/1991, como
lei especial, criou o que chamamos de um microssistema que, em busca de
fomentar um determinado setor de negócios, alterou o tratamento da fiança,
especificamente, nos contratos de loção (BRASIL, 1991). Destarte, há de se
compreender a decisão apresentada de acordo com o que dispõe o art. 39 da Lei
nº. 8.245/1991: “Art. 39 Salvo disposição contratual em contrário, qualquer das
garantias da locação se estende até a efetiva devolução do imóvel, ainda que
prorrogada a locação por prazo indeterminado, por força desta Lei” (BRASIL,
1991, documento on-line).
Por outro lado, poderão as partes dispor de modo diverso no contrato,
estipulando prazo em que vigorará a fiança, desde que expressamente, assim
como há a possibilidade de o fiador desvincular-se da fiança, nas situações
em que não há limitação de tempo no contrato, nos termos do art. 835 do
Código Civil (BRASIL, 2002).
Fiança 11

Proveitoso referir que, nesse caso concreto, havia cláusula expressa na


qual a fiança persistiria, mesmo com a prorrogação contratual, corroborando
o compromisso do fiador, como consignado na decisão: “[...] subsiste a fiança
prestada na hipótese de prorrogação do contrato — inclusive até a entrega das
chaves —, desde que haja cláusula expressa nesse sentido” (BRASIL, 2018a,
documento on-line).

AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. LOCAÇÃO


DE IMÓVEL.
NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. NÃO OCORRÊNCIA.
FIANÇA.
GARANTIA PRESTADA SEM A OUTORGA UXÓRIA. INEFICÁCIA
TOTAL. SÚMULA N.
332/STJ. RECURSO NÃO PROVIDO.
1. Não se viabiliza o recurso especial pela indicada violação do art. 1022 do
Código de Processo Civil de 2015. Isso porque, embora rejeitados os embargos
de declaração, a matéria em exame foi devidamente enfrentada pelo Tribunal
de origem, que emitiu pronunciamento de forma fundamentada, ainda que
em sentido contrário à pretensão da parte recorrente.
2. “A fiança prestada sem autorização de um dos cônjuges implica a ineficácia
total da garantia” (Súmula n. 332/STJ).
3. Agravo interno não provido.
(BRASIL, 2018b, documento on-line)

O julgamento desse agravo diz respeito a um contrato de fiança no qual


não houve a autorização do cônjuge do fiador. O Código Civil prevê no art.
1.647, III, que:

Art. 1.647 Ressalvado o disposto no art. 1.648, nenhum dos cônjuges pode,
sem autorização do outro, exceto no regime da separação absoluta:
[...]
III — prestar fiança ou aval (BRASIL, 2002, documento on-line);

Assim, afora nos regimes de separação absoluta de bens, é anulável (por


invalidade) a garantia prestada na sua totalidade, ou seja, não apenas quanto
à parte que toca ao cônjuge meeiro. O cônjuge que não autorizou a fiança terá
dois anos (prazo decadencial), a contar da dissolução da sociedade conjugal,
para pleitear a nulidade da fiança dada sem o seu consentimento.
Cumpre, sobre esse tema, tecer breve observação no que tange à fiança e
à união estável.
12 Fiança

Há, ainda, na doutrina alguma divergência quanto à necessidade de auto-


rização dos conviventes para que a fiança tenha validade. Contudo, conforme
o art. 73, § 3º, do Código de Processo Civil de 2015:

Art. 73 O cônjuge necessitará do consentimento do outro para propor ação


que verse sobre direito real imobiliário, salvo quando casados sob o regime
de separação absoluta de bens.
[...]
§ 3º Aplica-se o disposto neste artigo à união estável comprovada nos autos
(BRASIL, 2002, documento on-line).

Cabe também ressaltar o entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF)


sobre a equiparação entre união estável e casamento (Recursos Extraordinários
[REs] 646.721 e 878.694): “No sistema constitucional vigente é inconstitu-
cional a diferenciação de regime sucessório entre cônjuges e companheiros
devendo ser aplicado em ambos os casos o regime estabelecido no art. 1.829
do Código Civil” (BRASIL, 2015, documento on-line). Assim, fortalece-se o
argumento de que a outorga, ou anuência, do outro convivente é necessária.
Nesse sentido, ver Tartuce (2017, p. 469-470).

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NOS EMBARGOS DE DECLA-


RAÇÃO NO RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE DESPEJO CUMULADA
COM COBRANÇA. ART. 62, I, DA LEI N. 8.245/1991. LITISCONSÓRCIO
PASSIVO ENTRE FIADORES.
FACULTATIVO. OBRIGAÇÃO SOLIDÁRIA. OPÇÃO DO LOCADOR.
FIANÇA. RENÚNCIA A BENEFÍCIO DE ORDEM. POSSIBILIDADE.
FUNDAMENTOS DA DECISÃO AGRAVADA. IMPUGNAÇÃO. AUSÊN-
CIA. SÚMULA N. 182/STJ.
1. Inexiste afronta aos arts. 458 e 535 do CPC/1973 quando o Tribunal de
origem pronunciou-se, de forma clara e suficiente, acerca das questões sus-
citadas nos autos, manifestando-se sobre todos os argumentos que, em tese,
poderiam infirmar a conclusão adotada pelo Juízo.
2. Na ação de despejo cumulada com cobrança de aluguéis, o litisconsórcio
passivo entre fiadores é facultativo, competindo ao locador eleger qualquer
um dos garantes para responder pela dívida.
3. A renúncia do fiador ao benefício de ordem é válida nos contratos de locação,
nos termos do art. 828, I, do CC/2002. Precedentes.
4. É inviável o agravo previsto no art. 1.021 do CPC/2015 que deixa de atacar
especificamente os fundamentos da decisão agravada (Súmula n. 182/STJ).
5. Agravo interno não provido.
(BRASIL, 2018c, documento on-line)
Fiança 13

Nessa decisão, em resumo, são dois os motivos de insurgência do fiador.


O primeiro dizia respeito à necessidade de formação de litisconsórcio entre
todos os fiadores (eram dois), sob pena de inépcia da inicial (fundamento no
art. 295, caput, I, e parágrafo único, II, do Código de Processo Civil de 1973);
o segundo referia-se à nulidade da cláusula de renúncia ao benefício de ordem,
pois abusiva e geradora de desigualdade na relação contratual.
Como verificado na decisão, nenhum dos pleitos do recorrente foi atendido.
O litisconsórcio foi julgado facultativo, ou seja, ficando a cargo do locador
eleger aquele que mais lhe convier. Do mesmo modo, o pedido de nulidade
da cláusula de renúncia ao benefício de ordem não foi admitido pelo tribunal.
A justificativa, como visto, fundamentou-se no art. 828, I, do Código Civil,
considerando, outrossim, plenamente válida a cláusula de renúncia: “Art. 828
Não aproveita este benefício ao fiador: I — se ele o renunciou expressamente
[...]” (BRASIL, 2002, documento on-line)
Cabe ressaltar a necessidade de grande cautela na conclusão dos contratos
de garantia, principalmente, em contratos de locação por adesão, tendo em
vista que o entendimento, nem sempre, conforme apresentado, será interpretar
o contrato em favor do aderente, já que se trata de microssistema com regras
específicas.

BRASIL. Lei Federal nº. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Diário
Oficial da União, Brasília, DF, 11 jan. 2002. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/
ccivil_03/Leis/2002/l10406.htm>. Acesso em: 28 ago. 2018.
BRASIL. Lei nº. 8.245, de 18 de outubro de 1991. Dispõe sobre as locações dos imóveis
urbanos e os procedimentos a elas pertinentes. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 21
out. 1991. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L8245.htm>.
Acesso em: 28 ago. 2018.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Quarta Turma. Agravo Interno no Agravo em
recurso especial nº. 1252047/SP, Relator Ministro Luis Felipe Salomão. Diário da Justiça
Eletrônico, Brasília, DF, 23 abr. 2018b. Disponível em: <http://portaljustica.com.br/acor-
dao/2112211>. Acesso em: 28 ago. 2018.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Quarta Turma. Agravo Interno no Agravo em
recurso especial nº. 1564430/DF, Relator Ministro Antônio Carlos Ferreira. Diário da
Justiça Eletrônico, Brasília, DF, 25 abr. 2018c. Disponível em: <http://www.portaljustica.
com.br/acordao/2112199>. Acesso em: 28 ago. 2018.
14 Fiança

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Quarta Turma. Agravo Interno no Agravo em


recurso especial nº. 1274030/GO, Relator Ministro Antônio Carlos Ferreira. Diário da
Justiça Eletrônico, Brasília, DF, 9 ago. 2018a. Disponível em: <http://www.portaljustica.
com.br/acordao/2119085>. Acesso em: 28 ago. 2018.
BRASIL. Superior Tribunal de justiça. Súmula nº. 214. Diário da Justiça, Brasília, DF, 2
out. 1998. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/docs_internet/revista/eletronica/
stj-revista-sumulas-2011_16_capSumula214.pdf>. Acesso em: 28 ago. 2018.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº. 878.694/MG. Relator
Ministro Roberto Barroso. Diário da Justiça Eletrônico, Brasília, DF, 16 abr. 2015. Disponível
em: <www.stf.jus.br%2Fportal%2Fprocesso%2FverProcessoPeca.asp%3Fid%3D30684
1295%26tipoApp%3D.pdf>. Acesso em: 28 ago. 2018.
GAGLIANO, P. S.; PAMPLONA FILHO, R. Novo curso de Direito Civil: contratos. 4. ed. São
Paulo: Saraiva, 2008. v. 4.
GONÇALVES, C. R. Direito Civil brasileiro: contratos e atos unilaterais. 7. ed. São Paulo:
Saraiva, 2010. v. 3.
PEREIRA, C. M. S. Instituições de Direito Civil. 21. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2017. v. 3.
TARTUCE, F. Direito Civil: teoria geral dos contratos e contratos em espécie. 12. ed. São
Paulo: Forense, 2017. v. 3.

Leitura recomendada
LÔBO, P. Direito Civil: contratos. 1. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.
Conteúdo:
DICA DO PROFESSOR

As garantias pessoais são aquelas em que uma pessoa se compromete a adimplir uma obrigação
de outrem. Essas garantias podem ser constituídas por meio de contratos, bem como por
declarações de vontade autônomas, como as utilizadas corriqueiramente no direito cambiário.

Nesta Dica do Professor, você irá examinar as semelhanças e diferenças entre as garantias
pessoais da fiança e do aval.

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EXERCÍCIOS

1) Sobre a fiança, é correto afirmar:

A) é o contrato pelo qual uma pessoa se obriga a pagar ao devedor o que a este deve em razão
de um contrato.

B) a fiança é obrigação que se dá entre fiador e devedor.

C) a fiança é contrato legal ou judicial.

D) é negócio jurídico bilateral que, em regra, será acessório e subsidiário.

E) é contrato sempre bilateral.

2) A fiança tem como característica ser um contrato acessório, o que significa dizer que
pressupõe a existência de um contrato principal. No que concerne às demais
características do contrato de fiança, assinale a alternativa correta.
A) É contrato formal e solene, pois necessita ser manifestado por escrito.

B) É contrato personalíssimo ou intuitu personae, posto que ajustado especificamente com o


fiador, pessoa de confiança do credor.

C) É contrato, em regra, oneroso, pois apenas o fiador suporta a perda patrimonial.

D) É contrato plurilateral, pois gera obrigações para fiador, devedor e credor.

E) Não pode ser firmado por adesão.

3) Marque a assertiva correta no que respeita aos requisitos da fiança.

A) Segundo o artigo 1.647, III, CC, salvo nos casamentos cujo regime seja o da separação
absoluta de bens, nenhum dos cônjuges poderá prestar fiança sem o consentimento do
outro.

B) A fiança necessita do consentimento do devedor principal, pois é ele que se vincula


diretamente ao cumprimento da obrigação.

C) Quando houver nomeação de mais de um fiador para uma mesma dívida, segundo o artigo
829, CC, cada um dos fiadores responderá, apenas, pela sua cota parte.

D) A validade da fiança é absolutamente independente da validade da obrigação principal.

E) Segundo 819, CC, a fiança, quando realizada por escrito, admite interpretação extensiva.

4) Em relação aos efeitos da fiança, é acertado afirmar:

A) o benefício da divisão permite que o fiador demandado pelo pagamento da dívida exija, até
a contestação da lide, que sejam primeiro executados os bens do devedor.

B) o fiador não poderá renunciar ao benefício de ordem.

C) o fiador pode opor ao credor somente as exceções extintivas da obrigação que competem
ao devedor principal.

D) a obrigação do fiador não se transmite aos herdeiros.

E) a fiança, conjuntamente prestada a um só débito por mais de uma pessoa, importa o


compromisso de solidariedade entre elas, se declaradamente não se reservarem o benefício
de divisão.

5) A fiança é prestada para garantir o cumprimento da obrigação pactuada entre o


credor e do devedor. Sobre a fiança, assinale a alternativa correta.

A) O fato de o credor conceder moratória ao devedor, ainda que sem o consentimento do


fiador, não desobriga o fiador.

B) A fiança prestada por cônjuge, casado em regime de comunhão universal de bens, sem a
outorga conjugal, não gera invalidade passível de anulação da garantia.

C) Se for invocado o benefício da excussão (ou benefício de ordem) e o devedor, retardando-


se a execução, cair em insolvência, ficará exonerado o fiador que o invocou caso prove
que os bens por ele indicados eram, ao tempo da penhora, suficientes para a solução da
dívida afiançada.

D) A dação em pagamento, que consiste no credor aceitar como pagamento do devedor objeto
diverso do pactuado na obrigação principal, não desobriga o fiador.

E) A renúncia ao benefício de ordem poderá ser tácita.


NA PRÁTICA

A lei do inquilinato, Lei nº 8.245/91, acrescentou à lei da impenhorabilidade do bem de família,


Lei nº 8.009/90, mais uma exceção à impenhorabilidade do único imóvel de residência do
cidadão. Essa alteração legislativa tornou-se objeto de debates e críticas por dar primazia do
direito de crédito sobre o direito à moradia.

Neste Na prática, você vai examinar a legislação que permite que o fiador tenha seu único bem
de moradia penhorado para adimplir dívidas oriundas do contrato de locação.
SAIBA MAIS

Para ampliar o seu conhecimento a respeito desse assunto, veja abaixo as sugestões do
professor:

Distinção entre aval e fiança e os paradigmas relacionados ao novo Código Civil

Leia mais sobre as diferenças entre o aval e o contrato de fiança no artigo Distinção entre aval e
fiança e os paradigmas relacionados ao novo Código Civil, de autoria de Renato Amoedo
Rodrigues.

Conteúdo interativo disponível na plataforma de ensino!

O aval

Sobre os aspectos gerais do aval, leia o artigo O aval, de autoria de Rogério Tadeu Romano.

Conteúdo interativo disponível na plataforma de ensino!

O aval nos títulos de crédito

Para compreender melhor as características do aval, leia O aval nos títulos de crédito, de autoria
de Leonardo Gomes de Aquino.

Conteúdo interativo disponível na plataforma de ensino!


Transporte e seguro

APRESENTAÇÃO

O estudo a respeito do tema transporte é muito importante. Isso porque, diariamente, de uma
forma ou de outra, você é conduzido por algum meio de transporte, e a relação que se estabelece
entre o transportador e aquele que é transportado ou entre aquele e alguém que o contrata para
transportar determinado objeto gera vários tipos de responsabilidades, seja na esfera cível, seja
na esfera criminal.

Por isso, é fundamental compreender as regras a respeito do contrato de transporte e as suas


implicações, para que você possa contratar com mais segurança ou, eventualmente, oferecer
tal serviço respeitando a legislação e evitando prejuízos mais graves. Já com relação ao seguro, a
sua relevância pode ser percebida justamente pelo fato de que, em situações como a de um
transporte de pessoas ou de coisas, a contratação de um seguro pode diminuir eventuais danos
ocorridos.

A realização do contrato de seguro torna-se, assim, uma prevenção ou uma garantia de que
prováveis danos serão pelo menos amenizados no caso de ocorrência de acidentes ou até mesmo
mortes.

Nesta Unidade de Aprendizagem, você vai ter acesso às regras legais sobre o transporte de
pessoas e coisas, entender a doutrina e as decisões judiciais a respeito do tema, compreender a
definição de seguro, cosseguro, resseguro e retrocessão e, ainda, diferenciar seguro de dano de
seguro de pessoa.

Bons estudos.

Ao final desta Unidade de Aprendizagem, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

• Identificar as regras legais a respeito do transporte de pessoas e coisas.


• Definir seguro, cosseguro, resseguro e retrocessão.
• Diferenciar seguro de dano de seguro de pessoa.

DESAFIO
Marcos de Souza ofereceu carona à amiga dele, Maria da Silva, sem qualquer custo. Durante o
trajeto, Marcos, com muita pressa para chegar ao destino, acelerou e atingiu uma velocidade
muito alta, acima do permitido, até que, em certo momento, invadiu uma via preferencial e
colidiu com outro veículo. Em razão do acidente, a amiga dele sofreu graves lesões, tendo que
ficar vários dias internada e arcar com os custos da internação hospitalar.

Diante do exposto, você, como advogado, foi procurado por Maria da Silva para verificar as
medidas judiciais cabíveis para ressarcir os danos suportados por ela.

Considerando a situação apresentada, responda:

1. Marcos de Souza poderá ser condenado a indenizar Maria da Silva?

2. Quais são os tipos de responsabilidades a que Marcos estará sujeito?

3. Qual é o tipo de relação jurídica que Marcos estabeleceu com Maria: contratual ou
extracontratual?

4. Que lei e artigo de lei poderiam ser utilizado para solucionar essa questão?

INFOGRÁFICO

No Infográfico a seguir, você vai verificar que seguro de dano e seguro de pessoa não são a
mesma coisa.

O seguro de dano serve para garantir a indenização em razão de danos que uma coisa ou um
bem móvel ou imóvel pode sofrer. Já o seguro de pessoa serve para garantir a indenização em
razão de danos que a própria vida ou a integridade física do segurado pode sofrer.

Confira.
CONTEÚDO DO LIVRO

Para conhecer e compreender as regras a respeito do transporte e do contrato firmado para


regular a relação entre o transportador e o passageiro ou entre o transportador e aquele que foi
contratado para enviar determinada mercadoria, você precisa analisar os artigos que estão
previstos no Código Civil brasileiro e ter contato com a doutrina e a jurisprudência.

Com relação ao seguro, ao cosseguro, ao resseguro e à retrocessão, além das diferenças entre
seguro de dano e seguro de vida, também é fundamental analisar as regras contidas no Código
Civil brasileiro e os entendimentos da doutrina e da jurisprudência.

No capítulo Transporte e seguro, do livro Direito Civil III: teoria geral dos contratos, você vai
entender melhor como funciona cada um desses institutos jurídicos.

Boa leitura.
DIREITO CIVIL III:
TEORIA GERAL
DOS CONTRATOS

Eduardo Augusto de
Souza Massarutti
Transporte e seguro
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

 Identificar as regras legais a respeito do transporte de pessoas e coisas.


 Definir seguro, cosseguro, resseguro e retrocessão.
 Diferenciar seguro de dano de seguro de pessoa.

Introdução
Diariamente, de uma forma ou de outra, nós somos conduzidos por algum
meio de transporte. A relação que se estabelece entre o transportador e
o transportado ou entre o transportador e alguém que o contrata para
transportar determinado objeto gera vários tipos de responsabilidade,
seja na esfera cível ou na esfera criminal. Por esse motivo, é fundamental
compreender as regras a respeito do contrato de transporte e as suas
implicações, para que seja possível contratar com mais segurança ou,
eventualmente, oferecer esse tipo de serviço respeitando a legislação e
evitando prejuízos mais graves.
Com relação ao seguro, a sua relevância pode ser percebida justa-
mente pelo fato de que, no caso de transporte de pessoas ou de coisas,
a contratação de um seguro pode diminuir eventuais danos ocorridos.
A realização do contrato de seguro se torna, assim, uma prevenção
ou uma garantia de que prováveis danos serão amenizados no caso de
acidentes ou mesmo mortes.
Neste capítulo, você vai ler sobre as regras legais a respeito do trans-
porte de pessoas e coisas, bem como vai avaliar o entendimento da
doutrina e das decisões judiciais sobre o tema. Também vai ler sobre a
definição de seguro, cosseguro, resseguro e retrocessão, diferenciando
seguro de dano e seguro de pessoa.
2 Transporte e seguro

Do transporte de pessoas e coisas


O transporte, seja de pessoas ou de coisas, implica uma relação jurídica entre
aquele que transporta e a pessoa transportada ou entre o transportador e
aquele que contratou o transporte de uma determinada coisa. Por essa razão,
estabelece-se um contrato de transporte entre duas partes, o qual deve ser
formalizado por escrito.
Por isso, é importante analisarmos o conceito de contrato de transporte,
descrito no art. 730 do Código Civil brasileiro, o qual estabelece: “Art. 730 Pelo
contrato de transporte alguém se obriga, mediante retribuição, a transportar, de
um lugar para outro, pessoas ou coisas” (BRASIL, 2002, documento on-line).
Assim, podemos perceber que o contrato de transporte possui algumas
características jurídicas, conforme Quadro 1.

Quadro 1. Características jurídicas do contrato de transporte

Bilateral  Ambas as partes possuem obrigações.


 Uma delas a de transportar e a outra a obrigação de
pagar o preço combinado.

Oneroso  O transporte é uma atividade econômica com


finalidade lucrativa.
 Se for gratuito o contrato deverá respeitar outras regras.

Comutativo  As prestações de ambas as partes são equivalentes e já


estão certas desde o início da contratação.

Consensual  Ambas as partes concordam de forma livre a


estabelecer o contrato de transporte.

Agora que já abordamos o conceito de contrato de transporte e as suas


características, vamos conhecer as espécies de transporte e as regras que
regulam as relações jurídicas estabelecidas por meio do contrato de transporte.
A primeira espécie é o transporte de coisas. O Código Civil não possui
um artigo definindo o conceito de transporte de coisas, apenas define as regras
para realização desse ato jurídico.
Transporte e seguro 3

O transporte de coisas é aquele efetivado quando o remetente entrega ao


transportador um certo objeto para que, por meio do pagamento de um deter-
minado valor, a coisa seja enviada a uma certa pessoa em outro local diferente
daquele onde o remetente entregou ao transportador (DINIZ, 2018, p. 505).

No contrato de transporte de coisas, há três participantes principais (PUC-


CINELLI, 2015):

 o transportador (contratado para levar a coisa);


 o carregador, também conhecido como expedidor ou remetente (aquele
que contrata o transporte);
 o destinatário (aquele que recebe a coisa).

O destinatário, que é aquele que vai receber a mercadoria em sua resi-


dência ou em outro local, não contratou o transporte, apenas comprou um
determinado produto, cujo transporte será contratado por aquele responsável
pelo envio da mercadoria.
É importante, então, compreender as obrigações do remetente e do trans-
portador, bem como os direitos e deveres do destinatário, ou seja, aquele que
vai receber a mercadoria.
Assim, vamos começar pelo transportador. As suas obrigações estão pre-
vistas a partir do art. 744 do Código Civil:

Art. 744 Ao receber a coisa, o transportador emitirá conhecimento com a


menção dos dados que a identifiquem, obedecido o disposto em lei especial.
Parágrafo único. O transportador poderá exigir que o remetente lhe entregue,
devidamente assinada, a relação discriminada das coisas a serem transpor-
tadas, em duas vias, uma das quais, por ele devidamente autenticada, ficará
fazendo parte integrante do conhecimento.
[...]
Art. 747 O transportador deverá obrigatoriamente recusar a coisa cujo trans-
porte ou comercialização não sejam permitidos, ou que venha desacompanhada
dos documentos exigidos por lei ou regulamento.
[...]
Art. 749 O transportador conduzirá a coisa ao seu destino, tomando todas
as cautelas necessárias para mantê-la em bom estado e entregá-la no prazo
ajustado ou previsto.
[...]
4 Transporte e seguro

Art. 753 Se o transporte não puder ser feito ou sofrer longa interrupção, o
transportador solicitará, incontinenti, instruções ao remetente, e zelará pela
coisa, por cujo perecimento ou deterioração responderá, salvo força maior.
[...]
§ 4º Se o transportador mantiver a coisa depositada em seus próprios armazéns,
continuará a responder pela sua guarda e conservação, sendo-lhe devida,
porém, uma remuneração pela custódia, a qual poderá ser contratualmente
ajustada ou se conformará aos usos adotados em cada sistema de transporte.
[...]
Art. 756 No caso de transporte cumulativo, todos os transportadores respondem
solidariamente pelo dano causado perante o remetente, ressalvada a apuração
final da responsabilidade entre eles, de modo que o ressarcimento recaia, por
inteiro, ou proporcionalmente, naquele ou naqueles em cujo percurso houver
ocorrido o dano (BRASIL, 2002, documento on-line).

Se a coisa sofrer algum dano ou se apenas parte dela se perder, o destinatário mantém
o direito de ação contra o transportador, desde que informe o dano em 10 dias a
contar da entrega da coisa.

Apesar das obrigações do transportador, ele também possui direitos, de


acordo com os arts. 745 e 746 do Código Civil:

Art. 745 Em caso de informação inexata ou falsa descrição no documento a que


se refere o artigo antecedente, será o transportador indenizado pelo prejuízo
que sofrer, devendo a ação respectiva ser ajuizada no prazo de cento e vinte
dias, a contar daquele ato, sob pena de decadência.
Art. 746 Poderá o transportador recusar a coisa cuja embalagem seja inade-
quada, bem como a que possa pôr em risco a saúde das pessoas, ou danificar
o veículo e outros bens (BRASIL, 2002, documento on-line).
Transporte e seguro 5

O Quadro 2 apresenta os direitos e deveres do transportador, remetente e


destinatário no contrato de transporte de coisas.

Quadro 2. Direitos e deveres do transportador, remetente e destinatário no contrato de


transporte de coisas

Obrigações do  Ser pago pelo transporte que realizou.


transportador  Exigir que se declare o preço da mercadoria, em razão de
eventuais prejuízos.
 Exigir do remetente uma lista das coisas objeto do
transporte.
 Manter em sua posse a coisa até que seja pago o preço
do transporte, também conhecido como frete.

Obrigações  Pagar o preço do transporte.


do remetente  Respeitar as regras do transportador.
ou expedidor  Entregar a coisa no local combinado com o
transportador.
 Descrever adequadamente as características da
mercadoria a ser transportada e a maneira mais
adequada para ser transportada, de modo que não sofra
danos.

Direitos do  Desistir do transporte ou pedir a coisa de volta antes


remetente ou de a mercadoria ser entregue ao destinatário, ou, ainda,
expedidor determinar que seja entregue para outro destinatário.
Se isso acontecer, deverá pagar as despesas extras ou
eventuais perdas e danos.
 Requerer ao transportador que altere a forma de
transporte combinada inicialmente, mas sempre arcando
com os custos extras qualquer tempo, antes da entrega
da coisa.

Obrigações do  Receber a coisa.


destinatário  Pagar o preço.

Direitos do  Analisar as condições da coisa antes de receber.


destinatário  Exigir ressarcimento por eventuais danos na mercadoria.

A segunda espécie é o transporte de pessoas. De acordo com Tartuce (2016,


p. 639), “O transporte de pessoas é aquele pelo qual o transportador se obriga
a levar uma pessoa e a sua bagagem até o seu destino, com total segurança,
mantendo incólume os seus aspectos físicos e patrimoniais”.
6 Transporte e seguro

No contrato de transporte de pessoas, participam duas partes: o transpor-


tador e o passageiro. Suas obrigações e direitos estão previstos entre os arts.
734 a 742 do Código Civil brasileiro (BRASIL, 2002). O Quadro 3 apresenta
as obrigações e os direitos do transportador e do passageiro no transporte de
pessoas.

Quadro 3. Obrigações e direitos do transportador e do passageiro no transporte de pessoas.

Obrigações do  Responder pelos danos causados ao passageiro e aos


transportador objetos que levam consigo.
 Responder por danos, mesmo que causados por
terceiros que não participam do transporte.
 Respeitar os horários combinados.
 Não recusar passageiros, salvo exceções, como, por
exemplo, relacionadas à higiene.
 Se o veículo de transporte for danificado ou a viagem
interrompida por outro motivo, deverá disponibilizar
outro veículo ou outro meio de transporte para
concluir o contrato.

Direitos do  Exigir que o passageiro declare as bagagens que leva


transportador consigo, a fim de limitar eventual indenização por
danos causados pelo transportador.
 Após concluído o transporte, o transportador pode
manter a posse das bagagens para assegurar o
pagamento do transporte, caso não tenha sido
efetuado no início.
 Reter até 5% do valor a ser ressarcido ao passageiro
que não embarcar, a não ser que o passageiro
comprove que outra pessoa foi transportada em seu
lugar.

Obrigações do  Respeitar as normas estabelecidas pelo transportador


passageiro e outros passageiros que estejam no mesmo
transporte.
 Pagar o preço pelo transporte realizado.

Direitos do  Cancelar o contrato de transporte antes de iniciado


passageiro e ser ressarcido pelo valor que pagou, desde que
feito em tempo e com a devida comunicação ao
transportador.
 Desistir do transporte, mesmo após iniciado, sendo-lhe
devido ressarcimento pelo trecho não utilizado.
Transporte e seguro 7

Com relação à responsabilidade do transportador no transporte de pessoas,


é importante destacarmos o art. 735 do Código Civil (BRASIL, 2002), que
estabelece que a responsabilidade só será excluída se ficar comprovado que
a conduta danosa era completamente independente em relação à atividade de
transporte e aos riscos inerentes à sua exploração, caracterizando-se, nesse
caso, como fortuito externo.
Um exemplo seria uma empresa de ônibus contratada para levar 40 pas-
sageiros para uma viagem turística, sendo que, durante uma parada para
refeição, o veículo é assaltado. Nesse caso, estamos diante de fortuito externo,
ou seja, perante um fato de terceiro totalmente independente do transporte,
razão pela qual a empresa transportadora não responde pelos danos causados
aos passageiros, segundo entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Por outro lado, se na mesma viagem ocorresse um acidente envolvendo o
ônibus e outro veículo ou se quebrasse uma peça e viesse a colidir, provocando
danos aos passageiros, a empresa teria que se responsabilizar pela indenização,
uma vez que esse tipo de situação faz parte do risco do próprio negócio.
O STJ definiu, por meio da Súmula nº. 145, que “no transporte desinte-
ressado, de simples cortesia, o transportador só será civilmente responsável
por danos causados ao transportado quando incorrer em dolo ou culpa grave”
(BRASIL, 1964, documento on-line). Isso significa que, no transporte gratuito,
o transportador não responde por danos causados aos passageiros, salvo se
ele tiver agido com a intenção de causar danos ou de maneira imprudente ou
negligente, como ocorre, por exemplo, no caso do condutor que leva passageiros
caronas em alta velocidade.

Existem transportes aparentemente gratuitos, mas que, na verdade, não são total-
mente gratuitos, pois aquele que transporta pode ter algum interesse na condução
do passageiro.
Nesse sentido, Carlos Roberto Gonçalves esclarece que, no transporte aparentemente
gratuito, o transportador pode ter algum interesse em levar o passageiro, como ocorre
na situação em que o vendedor de automóveis conduz o possível comprador em um
test drive para apresentar o automóvel. Nessa hipótese, a culpa do transportador por
eventuais danos causados ao passageiro será presumida, somente sendo excluída por
culpa exclusiva do passageiro (GONÇALVES, 2017).
8 Transporte e seguro

Seguro, cosseguro, resseguro e retrocessão


O seguro é gênero que admite várias espécies, como:

 seguro de vida;
 seguro de vida em grupo;
 seguro de danos em determinada coisa.

Assim como no transporte, a compra de um determinado tipo de seguro se


concretiza com a elaboração de um contrato assinado tanto pela seguradora
quanto pelo segurado.
O tipo de seguro mais conhecido popularmente está disciplinado no Código
Civil brasileiro, por meio dos arts. 757 a 802. Em razão do elevado número
de artigos, não iremos esclarecer um a um aqui, sendo abordados os mais
importantes (BRASIL, 2002).

Para fazer uma leitura atenta de todos os artigos e compreender o tema de forma
completa, acesse o link a seguir:

https://goo.gl/81GpC

O contrato de seguro não guarda relação com o seguro social de acidentes


de trabalho, o qual possui como segurador o Instituto Nacional de Seguridade
Social (INSS), e nem com os contratos de planos de saúde, os quais, apesar
da semelhança, possuem uma regulamentação específica que não faz parte
deste capítulo.
O conceito de seguro ou de contrato de seguro vem estabelecido no próprio
art. 757 do Código Civil brasileiro, que dispõe (BRASIL, 2002, documento
on-line): “Art. 757 Pelo contrato de seguro, o segurador se obriga, mediante
o pagamento do prêmio, a garantir interesse legítimo do segurado, relativo a
pessoa ou a coisa, contra riscos predeterminados”.
No mesmo sentido, Pedro Alvim esclarece que “[...] seguro é o contrato
pelo qual o segurador, mediante o recebimento de um prêmio, assume perante
o segurado a obrigação de pagamento de uma prestação, se ocorrer o risco a
que está exposto” (ALVIM, 1986, p. 501).
Transporte e seguro 9

Em outras palavras, podemos dizer que o seguro é um benefício adquirido


por meio de um contrato escrito, no qual fica estabelecido que, se o segurado
pagar em dia as mensalidades do seguro e ocorrer um determinado acidente,
também chamado de sinistro, o segurador terá que arcar com os custos desse
acidente, o que a lei chama de prêmio.
Um exemplo seria uma pessoa que compra um carro zero quilômetro.
Imediatamente após a compra, contrata um seguro contra danos no veículo e,
após dois meses, ela se envolve em um acidente automobilístico. Nesse caso,
se o segurado estiver com suas mensalidades em dia, a seguradora será obri-
gada a pagar o prêmio, que, nessa hipótese, corresponderá ao valor dos danos
suportados pelo veículo ou ao valor do próprio veículo, no caso de perda total.
O contrato de seguro possui algumas características e regras específicas.
Assim, para que uma determinada empresa atue como seguradora, serão ne-
cessários autorização e registro perante seu órgão regulador (Superintendência
de Seguros Privados [Susep]).

A autorização e o registro de uma seguradora podem ser verificados no site da Susep:

https://goo.gl/ol60jo

Um dos componentes fundamentais do contrato de seguro é o risco que


acompanha o negócio. Assim, aquele que vende um contrato de seguro deve
estar totalmente ciente de que deverá pagar o prêmio a qualquer momento,
independentemente do número de parcelas que já tiverem sido pagas pelo
segurado, mesmo que não sejam suficientes para cobrir o valor do prêmio.
O contrato de seguro se efetiva por meio de um documento chamado de
apólice ou bilhete, como no caso do seguro obrigatório de veículos automo-
tores, para o qual se dispensa o envio da apólice ao segurado.
De acordo com Carlos Roberto Gonçalves, “[...] o contrato de seguro é
unitário, embora integrado por espécies diferentes. Caracteriza-se, quaisquer
que sejam os riscos segurados, pela ideia de ressarcimento dos danos, de cunho
material ou moral” (GONÇALVES, 2017, p. 508).
Não terá direito à indenização o segurado que estiver em atraso com o
pagamento do prêmio, se ocorrer o sinistro antes do pagamento.
10 Transporte e seguro

Apesar de o art. 763 do Código Civil brasileiro estabelecer que “Não terá direito
à indenização o segurado que estiver em mora no pagamento do prêmio, se ocorrer
o sinistro antes de sua purgação” (BRASIL, 2002, documento on-line), após a
entrada em vigor do Código de Defesa do Consumidor, não é possível admitir o
cancelamento automático do seguro pela simples ausência de pagamento, razão
pela qual seria exigível uma notificação antes do cancelamento. Também devem
ser considerados os atrasos na cobrança por meio da rede bancária e especialmente
a tese do adimplemento substancial, pela qual se entende que o cancelamento
do contrato deve ser evitado quando tiver sido cumprido quase que por inteiro,
como na hipótese em que falta apenas a última parcela do seguro (PELUSO,
2014). Inclusive, o próprio STJ já se manifestou favorável à tese do adimplemento.

As modalidades de seguro chamadas de cosseguro, resseguro e retrocessão estão


disciplinadas por meio de Lei Complementar nº. 126, de 15 de janeiro de 2007, a qual
pode ser acessada por meio do seguinte link:

https://goo.gl/G2EZgQ

De acordo com a Lei Complementar nº. 126/2007, o cosseguro é uma “[...]


operação de seguro em que 2 (duas) ou mais sociedades seguradoras, com anuên-
cia do segurado, distribuem entre si, percentualmente, os riscos de determinada
apólice, sem solidariedade entre elas” (BRASIL, 2007, documento on-line).
De acordo com Franco (2014, p. 383-384):

[...] no cosseguro as várias seguradoras participam do mesmo contrato, as-


sumindo, cada qual, uma cota-parte dos riscos cobertos. Tem-se um único
contrato, no qual o risco (aquele incidente sobre o interesse segurado) é aquele
do segurado, igualmente titular do interesse.
Apesar de ser estabelecido somente um contrato, existem várias apólices, e
os riscos são divididos entre as seguradoras, com o objetivo de diluir entre
elas a responsabilidade resultante.

Em outras palavras, no cosseguro, uma determinada seguradora transfere


uma parte dos riscos que possui para uma outra seguradora e ambas passam a
assumir o risco parcial e proporcionalmente ao que ficou combinado entre elas.
Transporte e seguro 11

Um exemplo seria uma pessoa que compra um automóvel no valor de R$


30 mil. Ao procurar uma seguradora, ela lhe oferece um cosseguro, razão pela
qual o valor de R$ 30 mil será dividido entre diferentes seguradoras, ou seja,
cada uma das seguradoras ficará responsável por pagar uma porcentagem do
valor do seguro, equivalente aos R$ 30 mil do seu automóvel.
Conforme a Lei Complementar nº. 126/2007, o resseguro é uma “operação
de transferência de riscos de uma cedente para um ressegurador” (BRASIL,
2007, documento on-line). Conforme Franco (2014, p. 381):

Trata-se de um verdadeiro seguro do seguro, no qual uma determinada se-


guradora transfere os riscos que assumiu com o segurado para uma outra
seguradora, a qual será denominada de resseguradora. Essa transferência de
riscos pode ser total ou parcial.

Em outras palavras, é o seguro das seguradoras, o qual se verifica na


prática quando uma determinada seguradora divide, parcial ou totalmente,
as responsabilidades de uma apólice de seguros com outra seguradora. Trata-
-se de uma garantia que a seguradora adquire para assegurar a efetivação de
prováveis indenizações por sinistros ou prejuízos.
Para entender melhor no que consiste o resseguro, exemplificamos com o
seguinte fluxo: primeiro, há um segurado que contrata o seguro (o segurado
inicial), o qual pode ser uma pessoa física ou jurídica (indústria, comércio,
serviços). Esse segurado inicial transfere os riscos ao segurador direto, que
é a seguradora contratada inicialmente (companhia cedente que assume os
riscos do segurado). Esse segurador direto transfere os riscos ao ressegurador,
que assume os riscos da seguradora contratada inicialmente pelo segurado.
Segundo a Lei Complementar nº. 126/2007, a retrocessão é uma “operação
de transferência de riscos de resseguro de resseguradores para resseguradores
ou de resseguradores para sociedades seguradoras locais” (BRASIL, 2007,
documento on-line). A mesma Lei Complementar nº. 126/2007 ainda estabelece
que há três tipos de resseguradores, conforme art. 4º:

Art. 4º As operações de resseguro e retrocessão podem ser realizadas com os


seguintes tipos de resseguradores:
I — ressegurador local: ressegurador sediado no País constituído sob a forma
de sociedade anônima, tendo por objeto exclusivo a realização de operações de
resseguro e retrocessão;
II — ressegurador admitido: ressegurador sediado no exterior, com escritório de
representação no País, que, atendendo às exigências previstas nesta Lei Comple-
mentar e nas normas aplicáveis à atividade de resseguro e retrocessão, tenha sido
12 Transporte e seguro

cadastrado como tal no órgão fiscalizador de seguros para realizar operações de


resseguro e retrocessão; e
III — ressegurador eventual: empresa resseguradora estrangeira sediada no
exterior sem escritório de representação no País que, atendendo às exigências
previstas nesta Lei Complementar e nas normas aplicáveis à atividade de resseguro
e retrocessão, tenha sido cadastrada como tal no órgão fiscalizador de seguros para
realizar operações de resseguro e retrocessão (BRASIL, 2007, documento on-line).

De maneira bem didática, Franco (2014, p. 389) apresenta o seguinte


esclarecimento:

Pode-se definir a retrocessão como o seguro do resseguro. [...] É da mesma


forma, sob o aspecto formal, um contrato autônomo, mas subsidiário, pois
sua existência depende da de outro (o resseguro), que não se confunde com o
contrato de resseguro, em que pese a idêntica finalidade de cobrir a responsa-
bilidade de quem repassa o seguro em retrocessão. A diferença reside em que,
agora, o risco coberto não é mais aquele da seguradora e sim da resseguradora,
o que o torna um seguro, jurídico e operacionalmente, independente, com
partes, interesse e risco coberto distintos. In casu, o contrato é entre a Resse-
guradora e a Retrosseguradora; o interesse protegido é aquele da resseguradora
e os riscos são as consequências patrimoniais que lhe possam ser carreados.

Em outras palavras, na retrocessão, não é mais a seguradora original, contra-


tada inicialmente pelo segurado, que divide os riscos com outras seguradoras,
mas é a resseguradora que transfere os riscos que assumiu para uma terceira
ou quarta seguradora, sendo que estas últimas chamadas de retrocessionárias.
A redação do site Insideseg (REDAÇÃO INSIDESEG, 2016) traz um
exemplo antigo, mas muito interessante para que possamos compreender o
que é uma retrocessão.

Em 1956, o naufrágio do navio de passageiros italiano Andrea Doria implicou um custo


de US$ 16 milhões. Com a liquidação do sinistro, observou-se que 10% foram pagos por
companhias de seguros italianas, 30% por companhias norte-americanas e 60% por
companhias britânicas.
NesSe exemplo, o número de seguradoras diretas da apólice original foi subscrito em
16 companhias italianas e então pulverizado em 300 resseguradoras e retrocessionárias
pelo mundo. Para saber mais, acesse o link a seguir:

https://goo.gl/UYRbr1
Transporte e seguro 13

Diferença entre seguro de dano


e seguro de pessoa
O Código Civil aborda duas espécies de seguro: o seguro de dano e o seguro
de pessoa, sendo que este último se subdivide em seguro de vida e seguro de
vida em grupo.
O seguro de dano serve para garantir indenização nos casos de dano a
determinado bem, que pode ser móvel ou imóvel. Nessa hipótese, a seguradora
será obrigada a cobrir apenas o valor equivalente aos danos ocasionados ao bem.
Conforme esclarecem José de Andrade Neto e Alessandro Carlo Meliso
Rodrigues, o seguro de dano “[...] possui conteúdo indenizatório e a indenização
deve ser restrita ao valor de interesse do segurado no momento do sinistro,
estando sempre relacionado a uma coisa” (PUCCINELLI, 2015, p. 615).
Para exemplificar, se determinado segurado bate com seu veículo em outro
automóvel, a seguradora é obrigada a cobrir somente os custos para reparação
dos danos ou, eventualmente, pagar quantia equivalente ao valor do bem, no
caso de perda total.
No seguro de dano, o risco do seguro abrangerá todos os prejuízos decor-
rentes, como os estragos ocorridos para evitar o sinistro, diminuir o dano ou
salvar a coisa.
Cabe ressaltar que, no seguro de coisas transportadas, a cobertura começa
no instante em que os bens são recebidos pelo transportador e termina com
a sua entrega ao destinatário.
Ainda, conforme art. 781, do Código Civil: “Art. 781 A indenização não
pode ultrapassar o valor do interesse segurado no momento do sinistro, e, em
hipótese alguma, o limite máximo da garantia fixado na apólice, salvo em
caso de mora do segurador” (BRASIL, 2002, documento on-line).
O que o legislador pretendeu com esse artigo foi limitar a indenização ao
dano efetivamente suportado pelo segurado, porque o conceito de seguro de
dano está baseado no princípio indenitário, o qual estabelece que a cobertura
do seguro deve limitar-se a arcar apenas com o prejuízo a que foi submetido
o segurado, em decorrência do sinistro (PELUSO, 2014, p. 756).
Com relação ao seguro de pessoa, o art. 789 do Código Civil dispõe: “Art.
789 Nos seguros de pessoas, o capital segurado é livremente estipulado pelo
proponente, que pode contratar mais de um seguro sobre o mesmo interesse,
com o mesmo ou diversos seguradores” (BRASIL, 2002, documento on-line)
Na hipótese de seguro de pessoa, não há uma limitação quanto ao valor
garantido pela seguradora. É essa justamente a principal diferença entre seguro
de dano e seguro de pessoa.
14 Transporte e seguro

No seguro de pessoa, não se aplica o princípio indenitário, como ocorre no


seguro de dano, ou seja, o valor do seguro não se limita aos danos efetivamente
suportados pelo segurado, mas seguradora e segurado ficam livres para fixar
um valor que corresponderá ao pagamento do prêmio e que será transferido
ao segurado assim que se verificar e comprovar a realização do sinistro. Isso
porque não se pode valorar monetariamente a vida ou a integridade física de
determinado segurado, razão pela qual o segurado pode contratar, inclusive,
mais de um seguro de vida ao mesmo tempo, seja com a mesma seguradora
ou com seguradora distinta (PELUSO, 2014).

ALVIM, P. O contrato de seguro. Rio de Janeiro: Forense, 1986.


BRASIL. Lei Complementar nº. 126, de 15 de janeiro de 2007. Dispõe sobre a política de
resseguro, retrocessão e sua intermediação, as operações de co-seguro, as contratações
de seguro no exterior e as operações em moeda estrangeira do setor securitário; altera
o Decreto-Lei nº. 73, de 21 de novembro de 1966, e a Lei nº. 8.031, de 12 de abril de 1990;
e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 16 jan. 2007. Disponível em:
<http://www2.camara.leg.br/legin/fed/leicom/2007/leicomplementar-126-15-janeiro-2007-
-549386-publicacaooriginal-64837-pl.html>. Acesso em: 20 ago. 2018.
BRASIL. Lei Federal nº. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Diário Oficial
da União, Brasília, DF, 11 jan. 2002. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/
Leis/2002/l10406.htm>. Acesso em: 20 ago. 2018.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Súmula nº. 145, de 13 de dezembro de 1963. Imprensa
Nacional, Brasília, DF, p. 82, 1964.Disponível em: <https://www.jurisway.org.br/v2/sumula.
asp?pagina=1&idarea=24&idmodelo=2545>. Acesso em: 20 ago. 2018.
DINIZ, M. H. Curso de Direito Civil brasileiro: teoria das obrigações contratuais e extracontratuais.
São Paulo: Saraiva Educação, 2018. v. 3.
FRANCO, V. H. M. Contratos: Direito Civil e Empresarial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014.
GONÇALVES, C. R. Direito Civil brasileiro: contratos e atos unilaterais. São Paulo: Saraiva, 2017.
PELUSO, C. (Coord.). Código Civil comentado: doutrina e jurisprudência. São Paulo: Manole,
2014.
PUCCINELLI, A. J. (Coord.). Manual de Direito Civil. São Paulo: Saraiva, 2015.
REDAÇÃO INSIDESEG. Você sabe o que é resseguro? Entenda como funciona. InsideSeg, 24
mai. 2016. Disponível em: <http://www.insideseg.com.br/voce-sabe-o-que-e-resseguro/>.
Acesso em: 20 ago. 2018
Transporte e seguro 15

TARTUCE, F. Direito Civil: teoria geral dos contratos e contratos em espécie. Rio de Janeiro:
Forense, 2016.

Leituras recomendadas
FIGUEIRA, F. A.; BORGES, A. Os 10 anos da lei complementar 126/07: conquistas e expec-
tativas. VEIRANO Advogados, p. 49-50, 2017. Disponível em: <http://www.veirano.com.br/
upload/content_attachments/428/Veiranp_10anos_LC_126_07_original.pdf>. Acesso
em: 20 ago. 2018.
WILTGEN, J. Como saber se uma seguradora ou corretora de seguros é confiável. Genial
Seguros, São Paulo, 2017. Disponível em: <https://genialseguros.com.br/artigo/como-saber-
-se-uma-seguradora-ou-corretora-de-seguros-e-confiavel>. Acesso em: 20 ago. 2018.
Conteúdo:
DICA DO PROFESSOR

O Código Civil brasileiro estabelece, no art. 768, que o "segurado perderá o direito à garantia se
agravar intencionalmente o risco objeto do contrato".

Em razão dessa previsão legal, as seguradoras incluem cláusulas contratuais que excluem o
direito de indenização a segurados que se envolvem em sinistros quando estão conduzindo
veículo embriagados ou sob o uso de substâncias entorpecentes.

Na Dica do Professor a seguir, você vai verificar que, apesar de tais fatos, as decisões judiciais
vêm apresentando o entendimento de que as seguradoras precisam provar que a embriaguez foi
a causa determinante da ocorrência do sinistro.

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EXERCÍCIOS

1) Sérgio, que é dono de uma transportadora, foi contratado por Lúcia para transportar
determinada mercadoria. Ao receber o produto, ele percebeu que se tratava de
pacotes de maconha. Com base no enunciado, assinale a alternativa correta.

A) Sérgio é obrigado a cumprir o contrato e a transportar a droga.

B) Sérgio é obrigado a transportar a mercadoria e a comunicar a polícia.

C) Sérgio tem direito a cobrar um acréscimo pelo transporte da maconha.

D) Sérgio, se quiser, poderá recusar o transporte da mercadoria.

E) Sérgio, obrigatoriamente, deverá recusar o transporte.


2) Joana comprou uma passagem de ônibus para ir visitar a sua família no Nordeste.
Após efetivar a compra, ela desistiu da viagem. Com base no contexto mencionado,
assinale a alternativa correta.

A) Joana não poderia desistir da viagem.

B) A empresa de ônibus pode reter 50% do valor da passagem e deve devolver o restante para
Joana.

C) A empresa de ônibus pode reter uma porcentagem do valor da passagem, conforme


descrito no Código Civil brasileiro.

D) A empresa de ônibus pode reter uma porcentagem, mesmo que Joana comprove que outra
pessoa viajou em seu lugar.

E) Joana pode desistir da viagem, mas não terá direito a receber de volta o valor que pagou.

3) Mário, Gustavo e Armando criaram uma sociedade e montaram uma seguradora.


Antes de inaugurar o empreendimento, eles realizaram uma única conduta formal,
qual seja o registro perante a Junta Comercial. Com base na situação descrita,
assinale a alternativa correta.

A) A atitude dos sócios está totalmente correta do ponto de vista legal.

B) Não existe qualquer formalidade para iniciar as atividades de uma seguradora.

C) O início das atividades de uma seguradora depende somente de registro perante a


prefeitura do município.

D) A seguradora será fechada, porque o início de suas atividades depende de autorização do


órgão regulador.
E) A seguradora poderá continuar funcionando normalmente.

4) Cláudio contratou um seguro de danos para o seu automóvel. Passados alguns meses,
ele envolveu-se em um acidente com outro veículo e acionou a seguradora para cobrir
os danos que suportou. No entanto, a seguradora negou o pedido de Cláudio,
alegando que ele estava com o pagamento da última parcela do seguro atrasado,
sendo que ele havia parcelado o valor total em cinco vezes, ou seja, havia pago quatro
parcelas, faltando apenas uma, vencida há poucos dias antes do acidente. Com base
no enunciado, assinale a alternativa correta.

A) Cláudio não tem direito a receber o prêmio da seguradora.

B) O Código Civil não trata do tema.

C) O Código Civil prevê que o segurado que atrasar o pagamento não terá direito à
indenização, mas a doutrina e a jurisprudência entendem que um pequeno atraso não faz
com que o segurado perca o direito.

D) A teoria do adimplemento substancial não se aplica ao caso.

E) Cláudio receberá somente 50% de indenização por parte da seguradora.

5) Com relação ao seguro de dano e ao seguro de pessoa, assinale a alternativa correta.

A) A principal diferença entre o seguro de dano e o seguro de pessoa consiste no fato de que,
no primeiro, a indenização está limitada ao dano suportado pelo segurado.

B) A principal diferença entre o seguro de dano e o seguro de pessoa consiste no fato de que,
no segundo, a indenização está limitada ao dano suportado pelo segurado.

C) Não existe diferença entre o seguro de dano e o seguro de pessoa.


D) No seguro de pessoa, somente pode ser objeto do seguro uma coisa imóvel.

E) No seguro de dano, somente a vida pode ser garantida por meio da indenização oferecida
pela seguradora.

NA PRÁTICA

Veja a seguir o caso de uma transportadora que foi condenada a indenizar uma empresa que
contratou o serviço de transporte de mercadoria. A transportadora recorreu ao Tribunal de
Justiça, mas o seu recurso foi indeferido.

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SAIBA MAIS

Para ampliar o seu conhecimento a respeito desse assunto, veja abaixo as sugestões do
professor:

10 anos da Lei Complementar 126/07: conquistas e expectativas

Veja a seguir, por meio do artigo sugerido, alguns aspectos importantes a respeito do resseguro
que estão contidos na Lei Complementar n.º 126, de 2007.

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Você sabe o que é resseguro? Entenda como funciona

Veja a seguir, por meio do artigo sugerido, uma explicação a respeito do que é o resseguro.

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Como saber se uma seguradora ou corretora de seguros é confiável

Veja a seguir, por meio do artigo sugerido, algumas dicas importantes que você deve observar
na hora de contratar um seguro ou tratar com uma corretora de seguros, a fim de verificar se são
confiáveis ou não.

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Responsabilidades do transportador - Responsabilidade Civil

Veja a seguir, por meio do artigo sugerido, quais as responsabilidades do transportador no


transporte de pessoas e coisas:

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Seguro de danos

Veja a seguir, no site da Susepe, várias orientações a respeito dos seguros.

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Atos unilaterais de vontade

APRESENTAÇÃO

Os tópicos seguintes estão previstos dentro do Título VII do Código Civil Brasileiro que trata a
respeito dos atos unilaterais. Tais atos recebem essa denominação porque podem ser iniciados
por apenas uma pessoa, sem depender da vontade de um segundo ou terceiro indivíduo.
Normalmente, os negócios jurídicos são iniciados por duas partes, as quais, por meio de um
contrato verbal ou escrito, determinam previamente as regras do negócio a ser estabelecido. No
caso dos atos unilaterais, não existem duas partes combinando previamente como o negócio será
desenvolvido.

Nesta Unidade de Aprendizagem, você irá definir e compreender o que é promessa de


recompensa, entender o que é a gestão de negócios e analisar o pagamento indevido.

Bons estudos.

Ao final desta Unidade de Aprendizagem, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

• Definir promessa de recompensa.


• Conceituar gestão de negócios.
• Analisar o pagamento indevido.

DESAFIO

A promessa de recompensa pode ser feita por somente uma pessoa e não depende da aceitação
de outro indivíduo, pois basta que ela seja feita dentro dos requisitos que o próprio Código Civil
estabelece. Da mesma forma, ocorre a gestão de negócios, que pode ser iniciada sem a
concordância ou a autorização do dono do negócio, ou o pagamento indevido, o qual é realizado
por uma pessoa apenas.

Artur contratou Rui como advogado para propor ação judicial contra um banco que lhe cobrou,
durante um ano, mensalidade referente a um cartão de crédito que não foi utilizado por ele, no
total de R$ 650,00. Artur venceu a demanda judicial, e o juiz determinou a expedição de alvará
a ser levantado pelo advogado da causa, o qual ficaria responsável por comparecer ao banco
para requerer a transferência de seus honorários advocatícios para a própria conta corrente e o
restante para a conta corrente de Artur, seu cliente.

No entanto, Rui transferiu um valor maior do que aquele que Artur tinha direito.

Neste caso, qual valor Artur deveria receber, sem considerar correção monetária? Explique sua
resposta.
No caso de Rui, qual medida judicial e com base em qual instituto jurídico ele poderia se
fundamentar para reaver o valor depositado a mais na conta de Artur, caso ele não quisesse
devolver o montante espontaneamente?

INFOGRÁFICO

O ato unilateral de vontade, chamado pela doutrina de declaração unilateral de vontade, é,


segundo entendimento de Maria Helena Diniz (2018, p. 829): C16_Direito_Civil_III.indd 1
24/08/2018 10:07:33

[...] uma das fontes das obrigações resultantes da vontade de uma só pessoa, formando-se no
instante em que o agente se manifesta com intenção de se obrigar, independentemente da
existência ou não de uma relação creditória, que poderá surgir posteriormente. Não havendo
liberdade para se estabelecerem obrigações, que só se constituirão nos casos preordenados em
lei: títulos de crédito (CC, arts. 887 a 926), a promessa de recompensa (CC, arts. 854 a 860), a
gestão de negócios (CC, arts. 861 a 875), o pagamento indevido (CC, arts. 876 a 883) e o
enriquecimento sem causa (CC, arts. 884 a 886).

Para a autora, da manifestação de vontade de somente uma pessoa, nasce uma obrigação
jurídica, que não depende da vontade de uma segunda pessoa. É um ato unilateral que faz nascer
a obrigação.

No Infográfico a seguir, você irá visualizar um esquema com os três atos unilaterais que
estudará nesta unidade.
CONTEÚDO DO LIVRO

Os atos unilaterais de vontade, de acordo com o Código Civil Brasileiro, compreendem


à promessa de recompensa, à gestão de negócios e ao pagamento indevido, sendo que, nesse
último, está implícita a análise do enriquecimento sem causa, pois todo aquele que recebe
pagamento indevido enriquece sem motivo justo (sem causa legítima).

Leia mais sobre esses institutos jurídicos no capítulo Atos unilaterais de vontade, da obra
Direito Civil III: teoria geral dos contratos, base teórica desta Unidade de Aprendizagem.

Boa leitura!
DIREITO CIVIL III:
TEORIA GERAL
DOS CONTRATOS

Eduardo Augusto de
Souza Massarutti
Atos unilaterais de vontade
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

 Definir promessa de recompensa.


 Conceituar gestão de negócios.
 Analisar o pagamento indevido.

Introdução
Os atos unilaterais estão previstos no Título VII do Código Civil brasileiro.
Recebem essa denominação porque podem ser iniciados por apenas uma
pessoa, sem depender da vontade de uma segunda ou terceira pessoa.
Normalmente, os negócios jurídicos são iniciados por duas partes,
as quais, por meio de um contrato verbal ou escrito, estabelecem pre-
viamente as regras do negócio a ser estabelecido. No caso dos atos
unilaterais, não existem duas partes que combinam previamente como
o negócio será desenvolvido.
A promessa de recompensa pode ser feita por uma pessoa somente e
não depende de outra aceitando a promessa, pois basta que esta seja feita
dentro dos requisitos que o próprio Código Civil estabelece. Da mesma
forma, a gestão de negócios, que pode ser iniciada sem a concordância
ou autorização do dono do negócio, ou o pagamento indevido, o qual
é realizado por uma pessoa apenas.
Neste capítulo, você vai ler sobre a promessa de recompensa, a gestão
de negócios e o pagamento indevido.

Promessa de recompensa
O ato unilateral de vontade, chamado pela doutrina de declaração unilateral
de vontade, é, segundo entendimento de Maria Helena Diniz (2018, p. 829):
2 Atos unilaterais de vontade

[...] uma das fontes das obrigações resultantes da vontade de uma só pessoa,
formando-se no instante em que o agente se manifesta com intenção de se
obrigar, independentemente da existência ou não de uma relação creditória que
poderá surgir posteriormente. Não havendo liberdade para se estabelecerem
obrigações, que só se constituirão nos casos preordenados em lei: títulos de
crédito (CC, arts. 887 a 926), a promessa de recompensa (CC, arts. 854 a 860),
a gestão de negócios (CC, arts. 861 a 875), o pagamento indevido (CC, arts.
876 a 883) e o enriquecimento sem causa (CC, arts. 884 a 886).

Para a autora, da manifestação de vontade de somente uma pessoa nasce


uma obrigação jurídica, que não depende da vontade de uma segunda pessoa.
É um ato unilateral que faz nascer a obrigação.

Se, por exemplo, uma pessoa publica no jornal que pagará R$ 100,00 para quem encontrar
o seu gato de estimação, esse ato unilateral de publicar a promessa já é considerado
uma obrigação do ponto de vista jurídico, mesmo que o gato não seja encontrado.

A promessa de recompensa é um ato espontâneo realizado por determinada


pessoa, que se manifesta por escrito ou de forma verbal, e que não depende
da concorrência de mais de uma vontade ou de um contrato. Por meio da
promessa, promete-se uma gratificação em bens ou valores para quem cumpre
determinada condição ou realiza determinado serviço estabelecido por aquele
que promete a recompensa.
Para exemplificar, basta recordarmos as hipóteses da promessa de recom-
pensa para quem acha um animal perdido ou a promessa de um prêmio para
quem faz uma obra de arte para apresentar em determinado concurso.
É importante destacar que, para a validade da promessa de recompensa,
alguns pré-requisitos devem ser preenchidos, os quais estão previstos nos
artigos do Código Civil que tratam do tema.
O primeiro requisito é que a promessa de recompensa deve ser pública, ou
seja, deve ser anunciada publicamente, seja por meio escrito ou verbal diante
de um determinado número de pessoas.
A noção de publicidade da promessa não se refere apenas a editais em
jornais ou divulgação semelhante, mas pode ocorrer também por meio de uma
declaração pública diante de um determinado grupo de pessoas (GAGLIANO;
PAMPLONA FILHO, 2017).
Atos unilaterais de vontade 3

Nesse sentido, Maria Helena Diniz (2018, p. 831) esclarece que:

Embora o policitante possa escolher o meio de publicidade que mais lhe


convier, essa publicidade não poderá ser dispensada, pois, se a promessa é
feita a credor incerto, deverá ser levada ao conhecimento público, para que
os interessados que preencham as condições ou prestem o serviço pedido
possam assumir a qualidade de credor, adquirindo, então, o direito de exigir
a recompensa prometida.

O segundo requisito, apesar de os artigos que tratam a respeito da pro-


messa de recompensa no Código Civil não mencionarem, é que o objeto deve
ser lícito, possível e determinado, ou determinável, pois não seria admissível
prometer recompensa a quem (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2017):

 matasse alguém que roubou o seu animal de estimação (objeto ilícito);


 cruzasse o oceano pacífico mergulhando e sem equipamento próprio
(objeto impossível);
 encontrasse um objetivo no qual está pensando (objeto indeterminável
juridicamente).

O terceiro requisito, também não previsto no Código Civil, é que a pro-


messa de recompensa deve partir de alguém capaz do ponto de vista jurídico,
ou seja, maior de idade e que não esteja impedido de manifestar sua vontade
livremente. Por essa razão, um menor de idade, um doente mental ou alguém
embriagado completamente não poderiam ser obrigados a cumprir uma pro-
messa de recompensa (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2017).
O quarto requisito é que a promessa de recompensa deve ser feita de
forma espontânea, motivo pelo qual não é válida a promessa feita por alguém
obrigado a fazê-la, coagido por um terceiro.
Assim, uma promessa de recompensa feita diante de um auditório lotado,
mas não publicada em jornal, também possui validade jurídica.

Se determinada pessoa encontrar uma coisa perdida, que não seja em razão de uma
promessa de recompensa, mesmo assim, terá direito a uma recompensa (arts. 1.233
e 1.234 do Código Civil).
4 Atos unilaterais de vontade

Os arts. 1.233 e 1.234 do Código Civil tratam da descoberta, não da pro-


messa de recompensa:

Art. 1.233 Quem quer que ache coisa alheia perdida há de restituí-la ao dono
ou legítimo possuidor.
Parágrafo único. Não o conhecendo, o descobridor fará por encontrá-lo, e, se
não o encontrar, entregará a coisa achada à autoridade competente.
Art. 1.234 Aquele que restituir a coisa achada, nos termos do artigo antece-
dente, terá direito a uma recompensa não inferior a cinco por cento do seu
valor, e à indenização pelas despesas que houver feito com a conservação e
transporte da coisa, se o dono não preferir abandoná-la.
Parágrafo único. Na determinação do montante da recompensa, considerar-se-á
o esforço desenvolvido pelo descobridor para encontrar o dono, ou o legítimo
possuidor, as possibilidades que teria este de encontrar a coisa e a situação
econômica de ambos (BRASIL, 2002, documento on-line).

Portanto, se alguém encontrar um certo objeto por causa de uma promessa


de recompensa, terá direito a ser recompensado conforme o valor prometido.
No entanto, se não houve qualquer promessa de recompensa, mas uma pessoa
encontrou uma coisa perdida, terá direito a uma recompensa nunca inferior
a 5% do valor da coisa achada, conforme arts. 1.233 e 1.234 do Código Civil.
Se preenchidos os requisitos mencionados e alguém satisfizer o objeto da
promessa de recompensa, ou seja, encontrar uma coisa perdida ou apresentar
um trabalho em concurso público com promessa de premiação, aquele que
preencheu as condições poderá exigir a recompensa. É o que estabelece o
art. 855 do Código Civil: “Art. 855 Quem quer que, nos termos do artigo
antecedente, fizer o serviço, ou satisfizer a condição, ainda que não pelo
interesse da promessa, poderá exigir a recompensa estipulada” (BRASIL,
2002, documento on-line).

Se, por exemplo, uma pessoa vir um anúncio público de uma promessa de recompensa
de R$ 500,00 para quem encontrar determinado animal perdido e o encontra, poderá
exigir o valor prometido. Caso aquele que fez a promessa não pague, a pessoa que
achou o animal poderá propor uma demanda judicial para exigir o valor da recompensa.
Atos unilaterais de vontade 5

Como mencionamos, aquele que faz a promessa deve ter capacidade civil,
ou seja, ter pelo menos 18 anos e ausência de doença mental que o impeça
de tomar ações livres. Porém, aquele que cumpre as condições da promessa
e adquire direito à recompensa não precisa ser capaz, razão pela qual até um
menor de idade (uma criança) poderia ser beneficiária da recompensa.
Por fim, é importante destacar o art. 856 do Código Civil, o qual estabelece que:

Art. 856 Antes de prestado o serviço ou preenchida a condição, pode o pro-


mitente revogar a promessa, contanto que o faça com a mesma publicidade;
se houver assinado prazo à execução da tarefa, entender-se-á que renuncia o
arbítrio de retirar, durante ele, a oferta (BRASIL, 2002, documento on-line).

Por exemplo, João publica nas redes sociais a promessa de recompensa de R$ 1.000,00
para quem encontrar uma aliança de casamento revestida com pedras preciosas, porém,
antes de alguém encontrar o anel, ele decide revogar (cancelar) a promessa. Assim,
apenas por meio de publicação nas redes sociais João poderá excluir a promessa que
fez e deixar de ser obrigado a cumpri-la.

Gestão de negócios
As regras a respeito do instituto jurídico chamado de gestão de negócios
estão previstas nos arts. 861 a 875 do Código Civil brasileiro. O conceito vem
previsto no art. 861, que estabelece: “Art. 861 Aquele que, sem autorização
do interessado, intervém na gestão de negócio alheio, dirigi-lo-á segundo o
interesse e a vontade presumível de seu dono, ficando responsável a este e às
pessoas com que tratar” (BRASIL, 2002, documento on-line).
Esse tipo de gestão se verifica quando alguém, sem que tenha sido contra-
tado para tanto, começa a administrar o negócio de uma determinada pessoa,
supondo que o faz no interesse e de acordo com a vontade do dono do negócio.
A gestão de negócios ocorre, por exemplo, quando um sujeito some sem
avisar ninguém e uma terceira pessoa (o gestor), por livre e espontânea von-
tade, começa a administrar seus bens (móveis ou imóveis), sem que tenha sido
contratado ou autorizado a tomar essa atitude, inclusive, antes de formalmente
ter sido iniciado o processo de declaração de ausência do desaparecido (GA-
6 Atos unilaterais de vontade

GLIANO; PAMPLONA FILHO, 2017). Nesse sentido, é muito esclarecedora


a explicação de Carlos Roberto Gonçalves (2017, p. 610), conforme segue:

Na maioria das vezes se trata de um ato de altruísmo, em que o gestor intervém


na órbita de interesse de outra pessoa com a intenção de evitar prejuízo para
esta, mesmo sem estar por ela autorizado, agindo de acordo com a vontade pre-
sumida do dono do negócio. Dá-se a gestão de negócios, por exemplo, quando
alguém, presenciando em prédio alheio estragos capazes de o destruir, ajusta
em nome do proprietário ausente, mas sem sua autorização, um empreiteiro
para o reparar. Ou ainda quando alguém socorre pessoa desconhecida, vítima
de um acidente, conduzindo-a ao hospital e tomando todas as providências para
o seu atendimento, realizando inclusive o depósito exigido pelo nosocômio.

O próprio Código Civil descreve dois exemplos que são considerados gestão
de negócios, conforme se verifica pelos arts. 871 e 872, que estabelecem,
respectivamente:

Art. 871 Quando alguém, na ausência do indivíduo obrigado a alimentos, por


ele os prestar a quem se devem, poder-lhes-á reaver do devedor a importância,
ainda que este não ratifique o ato.
Art. 872 Nas despesas do enterro, proporcionadas aos usos locais e à condi-
ção do falecido, feitas por terceiro, podem ser cobradas da pessoa que teria a
obrigação de alimentar a que veio a falecer, ainda mesmo que esta não tenha
deixado bens (BRASIL, 2002, documento on-line).

Para que fique caracterizada a gestão de negócios, alguns requisitos devem


ser preenchidos, conforme redação do art. 861. Esses requisitos são:

 gerir negócio alheio;


 falta de autorização do dono do negócio;
 gestor agindo no interesse e na vontade do dono do negócio.

Em outras palavras, só será considerada gestão de negócios se o gestor


administrar negócios ou bens de outra pessoa, mesmo sem autorização — por-
que, se houver autorização, as regras serão outras — e agir como se soubesse
que é o real interesse e a vontade do dono do negócio.
É importante destacar que, segundo Carlos Roberto Gonçalves (2017), a
gestão de negócios deve estar limitada a atos de natureza patrimonial, razão
pela qual ele esclarece que a gestão deve:
Atos unilaterais de vontade 7

Limitar-se a atos de natureza patrimonial, ou seja, a negócios, como nos


mostra a própria denominação do instituto, porque os outros exigem sempre a
outorga de poderes. Ficam, pois, excluídos da gestão de negócios os assuntos
de interesse público, tais como os relativos às qualidades de cidadão, eleitor,
jurado etc., ou os concernentes ao estado civil ou aos interesses familiares,
como os de pai, filho, cônjuge, divorciado etc., ou o matrimônio, a separação, o
divórcio, a perfilhação etc. Mesmo os negócios patrimoniais, nem todos podem
ser objeto da gestão de negócios, mas somente os que são suscetíveis de ser
executados por meio de mandatário, desde que não exijam mandato expresso,
como, por exemplo, doação, convenção antenupcial e repúdio de herança.

A gestão de negócios é um ato unilateral, ou seja, iniciado por uma das


partes somente, mas que gera obrigações para ambas, ou seja, tanto para o
gestor de negócios quanto para o dono do negócio. O Quadro 1 apresenta as
obrigações do gestor e do dono do negócio, de acordo com o Código Civil
(BRASIL, 2002).

Quadro 1. Obrigações do gestor e do dono do negócio

Obrigações Avisar o dono do negócio sobre a gestão que assumiu.


do gestor de Administrar presumindo qual é o interesse
negócios e a vontade do dono do negócio.
Cuidar do negócio gerido com toda a cautela necessária.
Assumir responsabilidade por danos
causados por sua culpa.
Responder pelos danos causados por terceiro
substituto que tenha colocado na gestão.
Responder, inclusive, por caso fortuito
(imprevisto e inevitável) quando agir de forma
arriscada na administração dos bens.

Obrigações do Ressarcir o gestor de todas as despesas que teve


dono do negócio para gerir o negócio, além dos prejuízos.
Cumprir as obrigações assumidas pelo
gestor em nome do dono do negócio.

Pagamento indevido
O pagamento indevido é um pagamento feito de forma equivocada, seja porque
não era o momento adequado para se efetuar o pagamento, seja porque se
pagou mais do que devia, ou ainda porque se efetivou o pagamento a quem
não era o verdadeiro credor.
8 Atos unilaterais de vontade

“A” contratou um serviço de reforma da própria residência, no valor de R$ 10.000,00.


Após o término da obra, “A” faz uma transferência para a conta corrente de “B”, mas,
em vez de R$ 10.000,00, transfere R$ 100.000,00. Dois dias depois, “A” percebe o valor
que foi descontado de sua conta e reclama com “B”, o qual lhe devolve o valor, porque
recebeu com base em pagamento indevido. Se “B” decidisse não devolver, ele estaria
diante de enriquecimento sem causa, o que poderia ser solucionado por meio de
uma demanda judicial.
Em outro exemplo, “C” deve a “D” R$ 500,00. Ao procurar “D” em sua residência,
acaba realizando o pagamento do valor para “E”, que se passa por irmão de “D”, mas, na
verdade, era apenas o vizinho. Nesse caso, “C” poderá requerer de “D” a devolução do
valor que pagou indevidamente e, se não tiver sucesso, poderá acioná-lo judicialmente
para restituição da quantia paga.

Essa regra está prevista no art. 876 do Código Civil, que estabelece: “Art.
876 Todo aquele que recebeu o que lhe não era devido fica obrigado a restituir;
obrigação que incumbe àquele que recebe dívida condicional antes de cumprida
a condição” (BRASIL, 2002, documento on-line).
A primeira parte do artigo é de fácil compreensão, pois simplesmente sig-
nifica que aquele que recebeu um valor que não lhe pertencia deve devolver ao
que lhe pagou. Porém, a segunda parte é um pouco mais complexa e depende
de mais esclarecimentos.
Assim, a dívida condicional é aquela que somente deve ser paga depois
que uma determinada condição se verificar.

José fez um contrato de compra e venda de animal reprodutor com Jair, no qual ficou
combinado que José entregaria um boi reprodutor a Jair, somente após o primeiro
cruzamento com as fêmeas da fazenda, o que viria a ocorrer, aproximadamente, após
um ano de contrato, razão pela qual o pagamento somente deveria ser efetuado após
esse cruzamento. Contudo, ao analisar a agenda de pagamento de Jair, o funcionário
dele acabou depositando na conta de José o valor do contrato de compra de venda
do animal, apenas um mês depois de assinado o contrato. Nesse caso, Jair poderia
exigir que José devolvesse o valor, sob pena de propor ação de cobrança para requerer
a restituição do valor referente ao pagamento indevido.
Atos unilaterais de vontade 9

A respeito da dívida baseada em uma condição futura, Diniz (2018, p.


850) esclarece que:

[...] se determinada pessoa quitar débito sujeito à condição futura antes dessa
condição ocorrer, terá direito à restituição, uma vez que o evento futuro e
incerto, ao qual está sujeito o negócio jurídico, poderá não ocorrer, tornando-
-se indevido o pagamento, desobrigando o devedor.

Gagliano e Pamplona Filho (2017) esclarecem que existem dois tipos de


pagamento indevido reconhecidos pela doutrina e jurisprudência: o pagamento
objetivamente indevido e o pagamento subjetivamente indevido.
O pagamento objetivamente indevido ocorre quando o devedor se equi-
voca a respeito da existência ou extensão da obrigação, como acontece no
pagamento realizado antes de se verificar uma determinada condição (dívida
ainda não pode ser exigida) ou quando se paga valor maior do que o realmente
devido. O pagamento subjetivamente indevido ocorre quando o pagamento é
realizado por alguém que não é o devedor ou quando feito a alguém que não
é o verdadeiro credor (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2017).

A devolução do valor pago indevidamente é obrigatória não somente quando ausente


a causa que justifique o pagamento, mas também quando a causa que o justifica deixar
de existir, como ocorre nos casos de revogação de norma que permitia a cobrança de
uma determinada taxa pelo banco, ou seja, os valores cobrados enquanto vigente a
norma não deverão ser restituídos, porém os cobrados após a revogação da norma
deverão ser devolvidos.

No caso de cobrança indevida pelo banco, como se trata de uma relação


de consumo entre a instituição financeira e o seu cliente, regida pelo Código
de Defesa do Consumidor, a cobrança realizada de forma indevida, após a
revogação da norma que a determinava, obrigará o banco a devolver em dobro
o valor que recebeu a título de pagamento indevido.
O pagamento indevido pode ser feito em dinheiro ou por meio de um bem
móvel ou imóvel. Se for feito por meio de um imóvel, o art. 879 do Código
Civil estabelece que: “Art. 879 Se aquele que indevidamente recebeu um
10 Atos unilaterais de vontade

imóvel o tiver alienado em boa-fé, por título oneroso, responde somente pela
quantia recebida; mas, se agiu de má-fé, além do valor do imóvel, responde
por perdas e danos” (BRASIL, 2002, documento on-line).

Marcos devia para Luis a quantia de R$ 250.000,00. Para saldar a dívida, ambos combinam
que o pagamento será efetuado por meio de uma casa de propriedade de Marcos,
que custa aproximadamente esse valor. Porém, quando do vencimento da dívida,
em vez de transferir o imóvel para Luis, Marcos acaba transferindo para João. João,
por sua vez, crendo que estava recebendo um pagamento devido, vende a casa para
Carlos. Nesse caso, só restará a Marcos requerer de João o valor que recebeu de Carlos.

BRASIL. Lei nº. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Diário Oficial
[da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 11 jan. 2002. Disponível em: <http://www.
planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em: 21 ago. 2018.
DINIZ, M. H. Curso de Direito Civil brasileiro: teoria das obrigações contratuais e extra-
contratuais. São Paulo: Saraiva, 2018. v. 3.
GAGLIANO, P. S; PAMPLONA FILHO, R. Manual de Direito Civil: volume único. São Paulo:
Saraiva, 2017.
GONÇALVES, C. R. Direito Civil brasileiro: contratos e atos unilaterais. São Paulo: Saraiva,
2017.

Leituras recomendadas
PIMENTA NETO, M. D. Atos Unilaterais: Do Pagamento Indevido: Um estudo dos enten-
dimentos de alguns doutrinadores acerca do ato unilateral do pagamento indevido.
Jusbrasil, 31 mar. 2015. Disponível em: <https://marcilioberserk.jusbrasil.com.br/arti-
gos/178098553/atos-unilaterais-do-pagamento-indevido>. Acesso em: 20 ago. 2018.
PINTO, E. S. Os atos unilaterais como importante fonte de obrigações do Direito brasileiro.
Conteúdo Jurídico, Brasília, 16 dez. 2015. Disponível em: <http://www.conteudojuridico.
com.br/artigo,os-atos-unilaterais-como-importante-fonte-de-obrigacoes-do-direito-
-brasileiro,54931.html>. Acesso em: 20 ago. 2018.
Conteúdo:
DICA DO PROFESSOR

Promessa de recompensa é um ato espontâneo realizado por determinada pessoa, que se


manifesta por escrito ou de forma verbal, e que não dependente da concorrência de mais de uma
vontade ou de um contrato, por meio da qual se promete uma gratificação em bens ou valores
para quem cumpre determinada condição ou realiza determinado serviço estabelecido por aquele
que promete a recompensa.

Esta Dica do Professor é baseada na obra do jurista Carlos Roberto Gonçalves, que aponta a
discussão existente a respeito da natureza jurídica do instituto jurídico denominado “promessa
de recompensa”.

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EXERCÍCIOS

1) Luis, maior de idade e capaz civilmente, foi passear com seu cachorro no bosque da
cidade onde mora. O local estava lotado, com muita gente e vários outros animais. De
repente, ao jogar a bola para o cachorro buscar, Luis acabou perdendo-o de vista.
Ficou cerca de duas horas tentando encontrá-lo e desistiu. No dia seguinte, comentou
com seu vizinho Antônio que estava pensando em publicar no jornal da cidade que
pagaria R$ 500,00 para quem encontrasse seu animal. De acordo com o enunciado da
questão, assinale a alternativa correta.

A) Se Antônio encontrar o cachorro de Luis, poderá exigir a recompensa prometida.

B) Se Antônio encontrar o cachorro de Luis, poderá exigir, além da recompensa prometida, o


pagamento das despesas que teve para localizar o animal.

C) Se Antônio encontrar o cachorro de Luis, poderá exigir a recompensa prometida, pois


todos os requisitos que tornam válida a promessa de recompensa foram preenchidos.
D) Se Antônio encontrar o cachorro de Luis e o dono resolver dar algum valor para ele como
gratidão, estará caracterizado o pagamento indevido.

E) Se Antônio encontrar o cachorro de Luis, não poderá exigir os R$ 500,00, porque a


recompensa não foi anunciada publicamente.

2) Marlon, vendedor ambulante, maior de idade e capaz, estava montando sua barraca
para vender seus produtos quando, de repente, encontrou um relógio de marca
famosa que custava, aproximadamente, R$ 5.000,00. Claudio, dono do relógio,
divulgou uma foto dele junto com o acessório em alguns pontos da cidade informando
a perda do objeto, sem fazer qualquer tipo de promessa de recompensa, e começou a
procurar pelo item. Após duas semanas, ao passar em frente à barraca de Marlon, o
vendedor reconheceu o dono do relógio e chamou-o para conversar. De acordo com o
enunciado da questão, assinale a alternativa correta.

A) Marlon não tem direito a qualquer tipo de recompensa.

B) Marlon poderá exigir de Claudio que pague 50% do valor do relógio como condição para
devolvê-lo.

C) Marlon não é obrigado a devolver o relógio para Claudio.

D) Marlon terá direito a uma recompensa não inferior a 5% do valor do relógio.

E) Claudio não tem direito à devolução do relógio.

3) Jeferson separou-se de sua esposa Mônica. Na audiência de separação judicial, ficou


acordado na ata de audiência que ele pagaria R$ 800,00 de pensão alimentícia ao seu
filho Caio. Em um certo fim de semana, Jeferson resolveu fazer uma trilha com os
amigos mata a dentro, em um território muito extenso. Nessa aventura, ele e os
amigos acabaram se perdendo. Passados quase três meses do desaparecimento de
Jeferson, a mãe de Caio não tinha mais dinheiro para sustentar o filho sem a pensão
que recebia. Então, um amigo da família, chamado Jorge, resolveu pagar do próprio
bolso os R$ 800,00 da pensão alimentícia que cabia a Caio. Cinco meses depois,
Jeferson foi encontrado vivo e voltou à vida normal. De acordo com o enunciado,
marque a alternativa correta.

A) Jorge não poderá exigir que Jeferson devolva o valor que desembolsou, pois o fez
espontaneamente e por consideração à família de amigos.

B) Jorge poderá exigir indenização com base no instituto jurídico denominado promessa de
recompensa.

C) Jorge pode ser considerado um gestor de negócios e exigir a restituição dos valores que
pagou a favor de Caio.

D) Jeferson pode alegar pagamento indevido porque não autorizou Jorge a pagar a pensão.

E) Jeferson pode alegar que não ratifica o ato de pagamento dos valores da pensão alimentícia
realizado por Jorge.

4) A respeito da gestão de negócios, assinale a alternativa correta:

A) É um ato bilateral que depende da vontade de ambas as partes para que fique
caracterizado.

B) É um ato unilateral que não depende da vontade de ambas as partes para ser iniciado e que
gera obrigação para somente uma delas.

C) A gestão de negócios somente se concretiza e gera o dever de indenização se houver uma


promessa de recompensa prévia.

D) O gestor de negócios deve administrar presumindo qual é o interesse e a vontade do dono


do negócio.

E) O dono do negócio não tem obrigação de indenizar o gestor pelas despesas que esse
suportou na administração do negócio.

5) Claudia abriu uma conta corrente no Banco Crédito Fácil. Ela contratou cartão de
crédito por um valor mensal de R$ 27,00, e os serviços de saque de valor limitados a
três saques gratuitos por mês, sendo que, a partir da quarta retirada, deveria pagar
uma taxa de R$ 15,00. Passados dois meses, o Banco Central emitiu uma resolução
proibindo os bancos de cobrarem taxas pela utilização do serviço de saque de valores.
No entanto, o banco que Claudia tinha conta continuou a cobrar pelo serviço de
saque e ela continuou pagando a taxa por mais um ano. De acordo com o enunciado,
assinale a alternativa correta.

A) A atitude do banco está correta, e Claudia não terá direito de ser ressarcida, porque não
houve pagamento indevido.

B) Claudia tem direito de receber de volta em dobro o valor cobrado pelo banco.

C) O pagamento efetuado por Claudia é indevido, mas ela não tem direito à devolução porque
ficou doze meses sem reclamar.

D) O pagamento efetuado por Claudia é indevido, e ela terá direito somente à devolução do
valor, de forma simples.

E) O banco poderá continuar cobrando as taxas, e Claudia não será indenizada.

NA PRÁTICA

O primeiro requisito é que a promessa de recompensa deve ser pública, ou seja, deve ser
anunciada publicamente, por meio escrito ou verbal, diante de um determinado número de
pessoas. A noção de publicidade da promessa não se refere apenas a editais em jornais ou à
divulgação semelhante, mas pode ocorrer também por meio de uma declaração pública diante de
um determinado grupo de pessoas (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2017).

Veja, a seguir, um caso prático no qual um candidato participou de um concurso de perguntas e


respostas, em um programa televisivo, com a promessa de recompensa de um prêmio em
dinheiro.
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SAIBA MAIS

Para ampliar o seu conhecimento a respeito desse assunto, veja abaixo as sugestões do
professor:

Os atos unilaterais como importante fonte de obrigações do direito brasileiro

Leia o artigo e veja algumas dicas a respeito dos atos unilaterais.

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Atos unilaterais - do pagamento indevido: um estudo dos entendimentos de alguns


doutrinadores acerca do ato unilateral do pagamento indevido

Veja no artigo algumas regras específicas a respeito do pagamento indevido.

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Gestão de negócios

Neste artigo, conheça noções gerais a respeito da gestão de negócios, passando pela sua história
e conhecendo as regras inseridas no Código Civil de 2002.

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Locações

APRESENTAÇÃO

A locação é um contrato pelo qual uma das partes (locador) se obriga a ceder à outra (locatário),
por tempo determinado ou não, o uso e gozo de coisa não fungível (que não pode ser substituída
por outra da mesma espécie, quantidade e qualidade), mediante o pagamento de aluguel. A regra
é que essa retribuição pecuniária seja efetuada no domicílio do devedor. Porém as partes podem
convencionar de outra forma. O contrato de locação em geral é bilateral, oneroso, comutativo,
típico, consensual, não formal e de trato sucessivo.

Nesta Unidade de Aprendizagem, você vai estudar a locação, bem como explorar seus
elementos e características, analisar as diversas espécies de locação e conhecer as regras básicas
da Lei de Locação.

Bons estudos.

Ao final desta Unidade de Aprendizagem, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

• Conceituar locação, bem como explorar seus elementos e características.


• Identificar as diversas espécies de locação.
• Entender as regras básicas da Lei de Locação.

DESAFIO

O contrato de locação em geral é bilateral, oneroso, comutativo, típico, consensual, não formal e
de trato sucessivo.

Gabriel, empregado de uma construtora, firmou contrato de locação com a imobiliária Beta pelo
prazo de 30 meses. No instrumento de contrato ficou acordado que, em caso de devolução
antecipada do imóvel, ele teria de pagar multa equivalente a três aluguéis. Já em vigor o
contrato, Gabriel foi transferido pela construtora para outro município. Dessa forma, precisou
entregar o imóvel alugado.

Gabriel foi até o seu escritório, pois precisava saber se terá de pagar a multa contratual. O que
você diria a ele?

INFOGRÁFICO

A locação de coisas é um contrato pelo qual o locador se obriga a ceder ao locatário, por tempo
determinado ou não, o uso e o gozo de coisa não fungível, mediante certa remuneração
(aluguel).

Confira no Infográfico o tratamento legislativo para a locação de coisas.


CONTEÚDO DO LIVRO

O Código Civil trata da locação de bens móveis e imóveis entre os artigos 565 e 578. No caso
dos bens imóveis, o CC/2002 rege as locações imobiliárias que não estão contempladas na Lei
de Locação (Lei n.º 8.245/1991), que dispõe sobre as locações dos imóveis urbanos e os
procedimentos a elas pertinentes.

No capítulo Locações, da obra Legislação civil aplicada II, você verá o conceito de locação, irá
explorar seus elementos e características, além de analisar as diversas espécies de locação e
conhecer as regras básicas da Lei de Locação (Lei n.º 8.245/1991).
LEGISLAÇÃO CIVIL
APLICADA II

Fabiana
Hundertmarck Leal
Revisão técnica:

Gustavo da Silva Santanna


Bacharel em Direito
Especialista em Direito Ambiental Nacional e Internacional
e em Direito Público
Mestre em Direito
Professor em cursos de graduação e pós-graduação em Direito

Miguel do Nascimento Costa


Bacharel em Ciências Sociais
Especialista em Processo Civil
Mestre em Direito Público

L514 Legislação civil aplicada II / Fabiana Hundertmarck Leal... [et


al.] ; [revisão técnica: Gustavo da Silva Santanna,
Miguel do Nascimento Costa]. – Porto Alegre: SAGAH,
2018.
380 p. : il. ; 22,5 cm

ISBN 978-85-9502-428-1

1. Direito civil. I. Leal, Fabiana Hundertmarck.

CDU 347

Catalogação na publicação: Karin Lorien Menoncin - CRB -10/2147


Locações
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

 Conceituar locação, os seus elementos e as suas características.


 Identificar as diversas espécies de locação.
 Descrever as regras básicas da Lei de Locação e o processo de extinção
da locação.

Introdução
Conforme Tartuce (2017), alocação é um contrato no qual uma das partes
se compromete a fornecer a outra o uso de algo não fungível, a prestação
de um serviço ou a execução de uma obra por determinado período de
tempo mediante remuneração acordada entre ambas.
O Código Civil brasileiro versa sobre a locação de bens por intermédio
da Lei de Locação (Lei nº. 8.245, de 18 de outubro de 1991) e do Estatuto
da Terra (Lei nº. 4.504, de 30 de novembro de 1964). Ademais, o Código
de Defesa do Consumidor (CDC) também contribui no tocante à locação,
contudo, nesse caso, relativa a bens móveis, como alocação de veículos,
por exemplo.
Neste capítulo, estudaremos os elementos e as características da lo-
cação, bem como as diversas espécies de locação. Por fim, observaremos
as regras da Lei de Locação e como funciona o processo de extinção do
contrato de locação.

Locação: conceito, elementos e características


De acordo com o art. 565 do Código Civil, a locação de objetos é um contrato
pelo qual uma das partes (locador ou senhorio) é obrigada a ceder à outra
(locatário ou inquilino) por tempo determinado ou não o uso e o gozo de
coisa não fungível mediante certa retribuição, que é denominada aluguel. O
documento para a realização do pagamento deve ser entregue no domicílio
128 Locações

do devedor caso as partes não convencionem de outra forma ou resulte o


contrário da lei, da natureza da obrigação ou das circunstâncias. Se forem
designados dois ou mais lugares, cabe ao credor escolher dentre eles o destino
da cobrança, conforme previsto no art. 327 do Código Civil.
Venosa (2014, p. 8) afirma que o contrato de locação em geral é bilateral,
oneroso, comutativo, típico, comumente consensual, não formal e de trato
sucessivo. É bilateral porque dele se originam obrigações para ambas as
partes; oneroso porque há reciprocidade de direitos e deveres para ambos os
contratantes, não havendo locação gratuita. Além disso, o contrato de locação
também é comutativo, uma vez que as prestações das partes contratantes são
conhecidas desde o planejamento. Nesse sentido, o contrato comutativo se
contrapõe ao contrato aleatório, no qual no mínimo uma das prestações fica
sujeita ao acaso, sendo desconhecido, a priori, o seu conteúdo.
O contrato de locação é considerado típico por ser uma forma contratual
plenamente disciplinada em lei. Ele é também consensual na origem do seu
conceito por se executar com o simples consentimento das partes, seja a loca-
ção formal ou não. O contrato se caracteriza como não formal, visto que não
depende de modelo preestabelecido, embora alguns efeitos só sejam alcançados
quando há forma escrita. Seguindo na sua caracterização, o contrato de locação
é de trato sucessivo, pois deve se prolongar no tempo, já que o locatário firma
acordo para usufruir do bem por certo período. Assim, não se satisfaz com
a locação o trato imediato/execução instantânea, podendo ocorrer por prazo
determinado ou indeterminado, desde que sempre a prazo.

Elementos da locação
Para concretizar o conceito de locação, Pereira (2013) indica os elementos que
devem ser observados nesse tipo de contrato: coisa, preço, consentimento, prazo
e forma. A seguir, analisaremos o que são exatamente cada um desses elementos.

Coisa

Qualquer coisa não fungível pode ser objeto de locação, seja ela corpórea ou
incorpórea, móvel ou imóvel, inteira ou fracionada. Todavia, não se dispensa a
licitude do objeto. É da natureza do contrato que a coisa locada seja restituída
ao locador sem diminuição da sua substância, o que origina duas consequên-
cias básicas. A primeira determinação é que não podem ser objeto de locação
coisas que se consomem ao primeiro uso, como dinheiro ou mercadoria, a
não ser que se considerem contratualmente não fungíveis, como no caso de
Locações 129

coisas que são por natureza fungíveis e consumíveis, mas que o locatário se
compromete a conservar e devolver depois de cumprida uma finalidade de
exclusiva exibição (ad pompam vel ostentationem).
A segunda consequência relativa à substância é que pode ser objeto de
locação algo cuja utilização pelo locatário importa em função do consumo
de alguma parte ou de algum acessório, como no caso de aluguel de prédio
rústico com cláusula que permite a derrubada de árvores para a conservação
ou outras benfeitorias no próprio imóvel. Além disso, coisas inalienáveis
também podem ser objeto de locação, assim como os bens públicos marcados
por cláusula especial que os exclui do comércio.

Preço

O segundo elemento essencial à locação é o preço, fator que a distingue do


comodato. Trata-se da remuneração que o locatário paga pelo uso da coisa
ou, então, da contraprestação a que ele se obriga. Se o preço for irrisório ou
fictício, não se verifica locação propriamente dita, senão um empréstimo
gratuito ou uma dissimulação. Ele deve ser bem definido, pois constitui uma
prestação correlata à obrigação de ceder o uso em caso de não execução. A
sua determinação ou fixação é feita pelas próprias partes ou por estimativa
de terceiro. É importante ressaltarmos que se torna nula a cláusula que esta-
beleça o preço em ouro ou moeda estrangeira, como determinado pelo art.
318 do Código Civil e pelo art. 17 da Lei nº. 8.245/1991. Via de regra, paga-se
o aluguel em dinheiro. Porém, a pecuniariedade do aluguel não é essencial e,
dessa forma, ele pode ser validamente estipulado em frutos do que é alugado,
construções ou benfeitorias concretizadas pelo locatário.
O preço é devido ao locador por todo o tempo que o bem estiver à dispo-
sição do locatário, independentemente de estar em uso por parte dele ou não.
Sobre a oportunidade de pagamento, em princípio, é deixada ao arbítrio dos
contratantes, que estabelecem a renda por mês, trimestre, semestre ou ano.
Na falta de estipulação, vigoram os costumes do lugar. Contudo, a legislação
especial proíbe a antecipação do pagamento relativo a locações urbanas, salvo
as hipóteses de locação por temporada e de ausência de garantia por parte do
locatário, conforme o art. 20 da Lei nº. 8.245/1991.
Inicialmente, a dívida do aluguel é quesível (quérable), ou seja, requerível,
devendo o locador reclamá-la no domicílio do locatário. No entanto, nada impede
que seja expressamente contratada a natureza portável (portable), em que o
locatário oferece a solutio no domicílio do locador. Portanto, a dívida pode ser
de caráter quesível ou portável, a depender do que é acordado entre as partes. Em
130 Locações

relação à locação de imóveis urbanos, caso falte ajuste especial no pagamento, ele
recai sobre o imóvel locado, como determinado no art. 23, I, da Lei nº. 8.245/1991.

Consentimento

É o elemento anímico da locação, gerador do vínculo jurídico. Como todo


contrato, subordina-se à capacidade das partes e se sujeita aos mesmos defeitos
que podem atingir qualquer negócio jurídico. No que lhe compete, alocação
transfere apenas o uso da coisa e, assim, mesmo as pessoas que não dispõem
de aptidão para alienar podem alugar como ato de mera administração.

Prazo

O próprio conceito de locação define que se ela é um contrato temporário e,


portanto, incompatível com a fixação de perpetuidade. Entretanto, a Lei nº.
8.245/1991 exige consentimento conjugal caso a locação seja fixada com prazo
que exceda 10 anos. Tanto para a locação registrada no Código Civil como
para a referida na Lei de Locação, o locatário é obrigado a cumprir o tempo
ajustado, mas pode devolver a propriedade locada ao pagar para o locador
a multa prevista no contrato de modo proporcional ao tempo que falta para
a sua extinção (art. 571 do Código Civil e art. 4º da Lei nº. 8.245/1991). Se o
contrato não previr multa, o juiz arbitra com base no valor das perdas e dos
danos concretos. Em caso de aluguel comprazo indeterminado, qualquer uma
das partes pode cessar o acordo a quando bem entender (art. 6º da Lei nº.
8.245/1991), salvo o disposto na legislação de emergência.

Forma

Configurando-se como contrato consensual, alocação não se restringe a uma


forma predeterminada. Ela se valida por meio de instrumento público ou
particular, independente do seu valor. Ademais, e possível abdicar da forma
escrita e aderir ao contrato firmado apenas verbalmente.
Para Tartuce (2018, p. 829), o contrato de locação de coisas possui as
seguintes características:

 é bilateral ou sinalagmático, posto que apresenta obrigações recíprocas


para as partes envolvidas;
 é oneroso, uma vez que o inquilino paga aluguel (remuneração) ao
locador;
Locações 131

 é comutativo, pois as partes já sabem quais são as prestações desde a


formulação do contrato;
 é consensual, já que se aperfeiçoa com a manifestação das vontades
dos envolvidos;
 é informal e não solene, visto que não é necessária a escritura pública
ou mesmo a forma escrita como regra geral para a sua formulação.
 é típico de execução continuada ou de trato sucessivo, porque se estende
ao longo do tempo com duração finita.

O Código Civil aborda alocação de bens móveis e imóveis nos seus arts.
565 a 578. No caso dos bens imóveis, o Código Civil de 2002 rege as loca-
ções imobiliárias não contempladas na Lei de Locação (Lei nº. 8.245/1991),
que dispõe sobre as locações dos imóveis urbanos e os procedimentos a elas
pertinentes. Em 2012, aconteceram alterações por causada Lei nº. 12.744, de
19 de dezembro daquele ano, que alterou o art. 4º e acrescentou o art. 54, a,
à legislação existente.

Efeitos da locação regida pelo Código Civil


O art. 566 do Código Civil define as obrigações do locador:

 entregar ao locatário a coisa alugada juntamente com os seus pertences,


em estado de servir ao uso a que se destina, e a mantê-la nesse estado,
pelo tempo do contrato, salvo cláusula expressa em contrário;
 garantir ao locatário o uso pacífico da propriedade durante todo o tempo
de vigência do contrato.

De acordo com Tartuce (2018, p. 830), “se houver desrespeito a tais


deveres, o locatário poderá rescindir a locação, sem prejuízo das perdas e
danos cabíveis”.
Caso ocorra deterioração do bem alugado durante o período da locação
sem se verificar culpa por parte do locatário, a ele diz respeito solicitar
redução proporcional no valor do aluguel ou findar o contrato se o que foi
alugado já não servir ao objetivo a que se destinava, de acordo com o art.
567 do Código Civil. No seu art. 568, esse diploma legal também indica que
o “locador resguardará o locatário dos embaraços e turbações de terceiros,
que tenham ou pretendam ter direitos sobre a coisa alugada, e responderá
pelos seus vícios, ou defeitos, anteriores à locação” (BRASIL, 2002, docu-
mento on-line).
132 Locações

Assim como o art. 566 determina as obrigações do locador, o art. 569


explicita as obrigações do locatário:

 servir-se da coisa alugada para os usos convencionados ou presumidos,


conforme a natureza dela e as circunstâncias, bem como tratá-la com
o mesmo cuidado como se sua fosse;
 pagar pontualmente o aluguel nos prazos ajustados e, em falta de ajuste,
segundo o costume do lugar;
 levar ao conhecimento do locador as turbações de terceiros que se
pretendam fundadas em direito;
 finda a locação, restituir a propriedade no estado em que a recebeu,
salvas as deteriorações naturais ao uso regular.

Tartuce (2018, p. 831) afirma que “[...] se o locatário desrespeitar um dos


seus deveres, caberá a rescisão do contrato, por parte do locador, sem prejuízo
das perdas e danos (resolução por inexecução voluntária)”. Desse modo, se o
locatário emprega o bem em uso diverso do ajustado, daquilo a que se destina
ou, ainda, danifica-o, além de rescindir o contrato o locador pode exigir inde-
nização por perdas e danos, como determinado no art. 570 do Código Civil.
Do Código Civil, destaquemos o art. 571 nos nossos estudos. Ele estabelece
que, havendo prazo estipulado para a duração do contrato, o locador fica im-
possibilitado de reaver a propriedade aluga da antes do vencimento, sob pena
de ressarcimento de perdas e danos ao locatário. Esse artigo também aponta
que o locatório pode devolver a coisa somente ao quitar a multa prevista no
contrato, proporcionalmente ao tempo que restar para o término dele. Ademais,
o parágrafo único do art. 571 diz que o locatário desfrutado direito de retenção
enquanto não for ressarcido.

Em complemento, o art. 572 do Código Civil, em total sintonia com a redução


da cláusula penal (art. 413 do Código Civil) e com o princípio da função social
do contrato, enuncia que se multa ou a obrigação de pagar aluguel pelo tempo
que restar para o término do contrato constituir uma indenização excessiva,
será facultado ao juiz reduzi-la em bases razoáveis. Isso, se o contrato prever tal
pagamento como forma de multa ou cláusula penal (TARTUCE, 2018, p. 832).

A locação por tempo determinado cessa de pleno direito ao fim do


prazo estipulado, independentemente de notificação ou aviso. Findo esse
prazo, caso o locatário continue em posse do bem alugado sem oposição
do locador, presume-se prorrogada a locação pelo mesmo valor de aluguel,
mas comprazo indeterminado (art. 574 do Código Civil). Já se o locatário
Locações 133

for notificado, a coisa não se restitui e o aluguel definido pelo locador


deve ser pago enquanto ela estiver sob o seu poder. Nesse caso, o locatário
responde por eventuais danos que ela possa sofrer, mesmo que decorram
de caso fortuito.
A respeito do referido aluguel a ser arbitrado pelo locador, o art. 575, pará-
grafo único, do Código Civil (BRASIL, 2002, documento on-line) prevê que:
“Se o aluguel arbitrado for manifestamente excessivo, poderá o juiz reduzi-lo,
mas tendo sempre em conta o seu caráter de penalidade”.
Em situação de alienação da propriedade durante a locação, o adquirente
não é obrigado a respeitar o contrato se nele não for consignada a cláusula de
vigência em caso de alienação e também não constar registro, como definido
no art. 576 do Código Civil (BRASIL, 2002, documento on-line):

§ 1º O registro a que se refere este artigo será o de Títulos e Documentos do


domicílio do locador, quando a coisa for móvel; e será o Registro de Imóveis
da respectiva circunscrição, quando imóvel.
§ 2º Em se tratando de imóvel, e ainda no caso em que o locador não esteja
obrigado a respeitar o contrato, não poderá ele despedir o locatário, senão
observado o prazo de noventa dias após a notificação.

Tartuce (2018, p. 833) lembra que esse dispositivo confirma o teor da


Súmula nº. 442 do Supremo Tribunal Federal (STF), que expõe: “A inscrição
do contrato de locação no Registro de Imóveis, para a validade da cláusula
de vigência contra o adquirente do imóvel, ou perante terceiros, dispensa
a transcrição no Registro de Títulos e Documentos” (BRASIL, 1964d,
documento on-line).
Em hipótese de óbito do locador ou do locatário, transfere-se aos seus
herdeiros a locação por tempo determinado. Essa providência “[...] comprova
que o contrato não tem natureza intuito personae no que se refere à questão
sucessória. Nesse âmbito, o contrato é considerado como impessoal” (TAR-
TUCE, 2018, p. 833).
Por fim, salvo disposição em contrário, o locatário goza do direito de
retenção em caso de benfeitorias necessárias ou úteis se elas contarem com
expresso consentimento do locador, conforme o art. 578 do Código Civil.
Segundo a Súmula 158 do STF, “Salvo estipulação contratual averbada no
registro imobiliário, não responde o adquirente pelas benfeitorias do locatário”
(BRASIL, 1963a, documento on-line). Em 2007, o Superior Tribunal de Justiça
(STJ) editou a Súmula 335: “Nos contratos de locação, é válida a cláusula de
renúncia à indenização das benfeitorias e ao direito de retenção” (BRASIL,
2007, documento on-line).
134 Locações

Caso o locatário empregue a propriedade para uso diverso do ajustado, daquilo


a que ela se destina ou, ainda, danifique-a, além de rescindir o contrato o locador
possui o direito de exigir indenização por perdas e danos, conforme o art. 570
do Código Civil.

Espécies de locação
Ao iniciarmos as considerações sobre as espécies de contratos de locação,
atentemos à seguinte premissa:

O contrato de locação é aquele pelo qual uma das partes, mediante remune-
ração (aluguel, salário civil ou preço), compromete-se a fornecer à outra, por
certo tempo, o uso de uma coisa não fungível, a prestação de um serviço, ou
a execução de uma obra determinada (TARTUCE, 2017, p. 484).

Nos seus ensinamentos, Tartuce remonta ao Direito romano e indica que,


inicialmente, foram estabelecidos três tipos de locação:

 Locação de coisas (locatio rei) — tem como conteúdo o uso e o gozo


de bens infungíveis.
 Locação de serviços (locatio operarum) — o seu objeto é a prestação
de serviços com interesses econômicos.
 Locação de obras ou empreitadas (locatio operis faciendi) — o seu
conteúdo é a execução de obras ou trabalhos.

Fundamentada na nova sistemática do atual Código Civil brasileiro,


datado de 2002, a prestação de serviços e a empreitada deixaram de ser
espécies de locação, pois o instrumento legislador as situou após o contrato
de empréstimo, que se subdivide nos contratos de comodato e mútuo, fa-
zendo questão de separá-los da locação de coisas. Desse modo, os conceitos
clássicos expostos perdem relevância teórica e prática diante do tratamento
dado pela atual codificação privada (prestação de serviços e empreitada)
da locação de coisas.
Locações 135

A locação prevista no Código Civil pode ter como objeto coisas móveis ou
imóveis, desde que não esteja tratada pela legislação especial. Para os casos
de imóveis urbanos aplica-se a Lei nº. 8.245/1991. Para os imóveis rurais,
aplica-se o Estatuto de Terra (Lei nº. 4.504/1964), que disciplina os contratos
de arrendamento rural e parceria agrícola (TARTUCE, 2017, p. 485).

Tartuce (2017, p. 496) aponta que é fundamental esclarecer que o critério


utilizado pela Lei de Locação para diferenciar imóvel urbano de imóvel rural
ou rústico é a sua destinação e não a sua localização ou o seu estado (com ou
sem construção).
Vejamos, a seguir, as definições dos tipos de imóveis elaboradas pelo autor.

 Imóvel rural, agrário ou rústico: destina-se à agricultura, pecuária ou


ao extrativismo, incluindo terrenos baldios. É regulado pelo Estatuto
da Terra (Lei nº. 4.504/1964) ou pelo Código Civil.
 Imóvel urbano: destina-se à residência, indústria, comércio ou serviços
empresariais. É regulado pela Lei de Locação (Lei nº. 8.245/1991).

Eventualmente, um imóvel localizado no perímetro urbano pode ser rural


para fins locatícios (exemplo: plantação de tomates no centro de uma grande
cidade). Ainda ilustrando, um posto de combustíveis localizado na zona rural
ou próximo a uma rodovia deve ser tido como imóvel urbano para esses fins,
incidindo as regras previstas na Lei nº. 8.245/1991. Para tal classificação, é
pertinente sempre verificar a atividade preponderante desenvolvida no imóvel.
Portanto, deve ficar claro que não interessa, em regra, a localização do imóvel
ou o seu estado (com construção ou sem construção) (TARTUCE, 2017, p. 495).

O art. 1º da Lei de Locação exclui alguns imóveis do seu âmbito de aplicação.


Tartuce (2018, p. 829) indica as codificações que regem cada um desses imóveis:

a) Imóveis de propriedade da União, dos estados, dos municípios, das


suas autarquias e fundações públicas — a esses bens se aplicam o
Decreto-lei nº. 9.760, de 5 de setembro de 1946, e a Lei nº. 8.666, de 21
de junho de 1993, conhecida como Lei das Licitações.
b) Vagas autônomas de garagem ou de espaços para estacionamento
de veículos — a locação desses bens deve ser regida pelo Código Civil.
c) Espaços destinados à publicidade — sobre eles incidem as regras do
Código Civil;
d) Apart-hotéis, hotéis-residência ou equiparados que prestam ser-
viços regulares a seus usuários e sejam autorizados a funcionar
como tais — sobre eles se executam as regras do Código Civil. Alguns
136 Locações

doutrinadores, como Tartuce, defendem a aplicação do CDC, uma vez


que há prestação de serviço.
e) Arrendamento mercantil ou leasing — aplica-se a Lei nº. 6.099, de
12 de setembro de 1974, para fins tributários e resoluções do Banco
Central do Brasil (BACEN).

O que diferencia o contrato de locação do contrato de empréstimo, particular-


mente em relação ao comodato, é a presença de remuneração, o que não ocorre
no último. Ademais, se o contrato se referisse a bem fungível, a hipótese seria de
mútuo. No entanto, em certas hipóteses, bens fungíveis poderão ser alugados,
quando o seu uso e gozo forem concedidos ad pompam vel ostentationem, como
no caso em que o locador cede ao locatário garrafas de vinho ou uma cesta de
frutas para que sirvam de ornamentação em uma festa (TARTUCE, 2018, p. 830).

Regras básicas da Lei de Locação


A Lei de Locação (Lei nº. 8.245/1991) constitui um microssistema jurídico
que regulamenta a locação de imóveis urbanos residenciais e não residenciais
no País. Em 2009, ela foi alterada pela Lei nº. 12.112, de 9 de dezembro. De
acordo com Guilherme (2017, p. 13), esse novo mandamento “[...] modificou
os deveres do inquilino, resguardando o proprietário”.
Tartuce (2017, p. 494) cita Silvio Capanema de Souza ao tecer uma análise
histórica do surgimento desse importante diploma. O primeiro objetivo da
lei foi a gradual liberação do mercado, rompendo-se, após tantos anos, o
engessamento produzido pela camisa de força do dirigismo estatal. O segundo
objetivo foi o de incentivar a construção de novas unidades para locação. O
terceiro, a aceleração da prestação jurisdicional. E, por fim, como último
objetivo, sinaliza para unificar o regime jurídico da locação de imóvel urbano,
pondo fim ao emaranhado legislativo que antes existia.
Conforme Araujo Júnior (2014, p. 15), “[...] locação é a cessão temporária de
um bem, mediante pagamento de uma remuneração, normalmente denominada
de aluguel”. O autor explicita que o aspecto que caracteriza um imóvel como
urbano na Lei de Locação é a sua destinação, que pode ser para moradia,
comércio, indústria, educação, saúde, cultura, lazer, esporte ou outra atividade
que não seja agrícola. Portanto, não é a localização física que determina o
tipo de imóvel, uma vez que uma propriedade pode se localizar tanto em zona
urbana como em zona rural e, ainda assim, ser considerada do tipo urbano.
O art. 2º da Lei de Locação indica que, havendo mais de um locador ou
mais de um locatário, todos serão solidários entre si. Nesse sentido, os ocu-
Locações 137

pantes de habitações coletivas multifamiliares são entendidos como locatários


ou sublocatários. “Por razões óbvias, a presunção é relativa, iuris tantum,
admitindo prova ou previsão em contrário no próprio contrato de locação
instrumentalizado” (TARTUCE, 2017, p. 503). Na sequência, o art. 3º aponta
que o contrato de locação pode ser ajustado por qualquer prazo, dependendo
de consentimento conjugal caso seja igual ou superior a 10 (dez) anos. Ausente
a vênia conjugal, o cônjuge não é obrigado a observar o prazo excedente.
Tartuce (2017, p. 503) entende que:

[...] não há que se invocar a aplicação subsidiária do art. 1.647 do Código


Civil de 2002 que dispensa a outorga conjugal se o regime for o da separação
absoluta. Isso porque a última norma é especial e com caráter restritivo,
que não admite interpretação extensiva ou mesmo a submissão à analogia.
Percebe-se, ademais, que o art. 3º da Lei de Locação não menciona a anula-
bilidade, não sendo o seu caso, mas apenas a ineficácia em relação ao outro
cônjuge. A norma locatícia é mais especial.

Ainda sobre o referido art. 3º da Lei de Locação, o autor entende que “[...]
não deve ser aplicado à união estável, mais uma vez por se tratar de norma
especial restritiva, que não merece aplicação analógica ou mesmo interpretação
extensiva” (BRASIL, 1991, documento on-line).
Durante o prazo convencionado em contrato, é impossível ao locador reaver
o imóvel alugado, como disposto no art. 4º da Lei nº. 8.245/1991. Todavia, o
locatário pode devolvê-lo mediante pagamento de multa previamente acordada,
que será proporcional ao período de cumprimento do contrato. Caso não exista a
previsão de multa no próprio contrato de locação, ela é judicialmente estipulada.
De acordo com Guilherme (2017, p. 13):

A principal inovação e evolução da lei se encontra no aspecto processual, de


forma a incorporar novos dispositivos ao texto que visam evitar que o locatário
se utilize de artimanhas processuais para que possa permanecer no imóvel às
custas do locador, obrigando-o a aguardar a solução do litígio com o imóvel
ocupado pelo inquilino desleal. Com a vigência do novo Código de Processo
Civil (CPC) (Lei nº. 13.105, de 16 de março de 2015), a questão processual
envolvendo relações locatícias sofreu novas alterações.

O parágrafo único da Lei nº. 8.245/1991 indica que o locatário fica dis-
pensado da multa se a devolução do imóvel decorrer de transferência pelo seu
empregador, privado ou público, para prestar serviços em localidades diversas
daquela do início do contrato e se, assim, notificar por escrito o locador com
prazo de, no mínimo, 30 (trinta) dias de antecedência.
138 Locações

É isento o locatário que se viu obrigado a devolver o imóvel por força alheia
à sua vontade. [...] Se o empregador, seja de qual esfera for, determinar que o
empregado deve prestar serviço em localidade diversa, este deverá fazê-lo.
Não é justo e muito menos lógico que permaneça como contrato de locação
em plena vigência sem a sua devida utilização (GUILHERME, 2017, p. 30).

O art. 5º da Lei de Locação indica que, independentemente da justificativa


do término da locação, a ação do locador para reaver o imóvel é a de despejo.
No entanto, essa regra não se aplica se a locação terminar em decorrência de
desapropriação com a imissão do expropriante na posse do imóvel.

Segundo o reiterado entendimento jurisprudencial, não há que se falar em


ação de reintegração de posse nos casos de locação de imóvel urbano regida
pela Lei nº. 8.245/1991. Proposta a ação de reintegração em vez do despejo,
deve ela ser julgada extinta sem a resolução do mérito, por falta de interesse
processual, particularmente por falta de adequação (art. 485, VI, do CPC/2015,
correspondente ao art. 267, VI, do CPC/1973) (TARTUCE, 2017, p. 508).

Em concordância com o art. 6º, o locatário pode denunciar a locação por


prazo indeterminado mediante aviso por escrito ao locador com antecedência
mínima de 30 (trinta) dias. Na ausência do aviso, o locador dispõe do direito
de exigir a quantia correspondente a 1 (um) mês de aluguel e encargos vi-
gentes no momento da resilição. Assim, para Tartuce (2017, p. 510), a Lei de
Locação adota como regra a denúncia vazia, sem motivos, também a favor
do locatário, como forma de resilição unilateral, nos termos do art. 473,
caput, do Código Civil. Ao tratar da ausência do aviso prévio, o parágrafo
único desse dispositivo indica que o locador pode exigir a quantia corres-
pondente a 1 (um) mês de aluguel e encargos vigentes quando da resilição,
como já comentamos.
O art.17 da Lei de Locação trata do aluguel, ou seja, do preço que o locatário
paga ao locador para usufruir do bem alugado. Ele diz que a sua convenção
é livre, contudo veda a estipulação em moeda estrangeira e a sua vinculação
à variação cambial ou ao salário mínimo. Os índices e a periodicidade dos
reajustes são os já previstos na legislação específica.

Como os contratos do inquilinato são contratos dirigidos pelo Estado, o valor


dos alugueres tem importância fundamental para a política estatal. Por essa
razão a Administração se imiscui com frequência no valor e formas de reajuste
de aluguel, de forma direta ou indireta. Trata-se de constante dor de cabeça
para inquilinos e proprietários. Embora o problema locacional não seja só
nosso, com situações semelhantes em países ricos, sobreleva-se entre nós a
questão tendo em vista a debilidade de nossa economia. São constantes as
Locações 139

alterações econômicas e financeiras no país que afetam diretamente a locação.


Com frequência são editadas leis apressadas para minorar, nem sempre de
forma eficiente, os impactos de planos econômicos ou vicissitudes financeiras
(VENOSA, 2014, p. 106).

A seguir, o art. 18 indica que é lícito às partes fixar, de comum acordo,


novo valor para o aluguel, bem como inserir ou modificar cláusula de reajuste.
O art. 19, por sua vez, versa o seguinte: “Não havendo acordo, o locador ou
locatário, após três anos de vigência do contrato ou do acordo anteriormente
realizado, poderão pedir revisão judicial do aluguel, a fim de ajustá-lo ao
preço de mercado” (BRASIL, 1991, documento on-line).
Não é permitido ao locador exigir o pagamento antecipado do aluguel,
salvo se a locação não tiver qualquer das modalidades de garantia ou for
para determinada temporada do ano. Nesses casos, o locador pode exigir
do locatário o pagamento do aluguel e encargos até o sexto dia útil do
mês vincendo.

Extinção da locação
A Lei de Locação discorre sobre o fim da locação de imóveis residenciais,
incluindo as locações por temporada, nos seus arts. 46 a 50. Conforme o
disposto no art. 46, nas locações ajustadas por escrito por prazo igual ou
superior a 30 meses, a resolução do contrato ocorre quando finda o prazo
estipulado, independentemente de notificação ou aviso prévio. Se, ao fim do
prazo ajustado, o locatário continua em posse do imóvel alugado por mais de
30 dias sem oposição do locador, presume-se prorrogada a locação por prazo
indeterminado, sendo mantidas as demais cláusulas e condições do contrato.
Sucedendo prorrogação, o locador pode denunciar o contrato a qualquer tempo,
concedido o prazo de 30 (trinta) dias para desocupação.
Quando ajustado verbalmente ou por escrito e com prazo inferior a 30
(trinta) meses, ao acabar o prazo estabelecido no contrato a locação se prorroga
automaticamente por prazo indeterminado, ao que se pode retomar o imóvel
somente nos seguintes casos, conforme o art. 47 da Lei de Locação:

 Nos casos de mútuo acordo, em decorrência da prática de infração legal


ou contratual, em decorrência da falta de pagamento do aluguel e demais
encargos e para a realização de reparações urgentes determinadas pelo
Poder Público, que não possam ser normalmente executadas com a per-
manência do locatário no imóvel ou, podendo, ele se recuse a consenti-las.
140 Locações

 Em decorrência de extinção do contrato de trabalho se a ocupação do


imóvel pelo locatário estiver relacionada com o seu emprego.
 Se for pedido para uso próprio, do seu cônjuge ou companheiro ou para
uso residencial de ascendente ou descendente que não disponha, assim
como o seu cônjuge ou companheiro, de imóvel residencial próprio.
 Se for pedido para demolição e edificação licenciada ou para a reali-
zação de obras aprovadas pelo Poder Público, que aumentem a área
construída, em, no mínimo, 20% ou, se o imóvel for destinado à
exploração de hotel ou pensão, em 50%. Conforme a Súmula 374 do
STF, “na retomada para construção mais útil, não é necessário que a
obra tenha sido ordenada pela autoridade pública” (BRASIL, 1964a,
documento on-line).
 Se a vigência ininterrupta da locação ultrapassar cinco anos.

Conforme o art. 48 da Lei nº. 8.245/1991, considera-se locação por


temporada:

[...] aquela destinada à residência temporária do locatário, para prática de lazer,


realização de cursos, tratamento de saúde, feitura de obras em seu imóvel, e
outros fatos que decorrem tão-somente de determinado tempo, e contratada
por prazo não superior a 90 dias, esteja ou não mobiliado o imóvel (BRASIL,
1991, documento on-line).

O parágrafo único do artigo mencionado indica que, “no caso de a lo-


cação envolver imóvel mobiliado, constará do contrato, obrigatoriamente,
a descrição dos móveis e utensílios que o guarnecem, bem como o estado
em que se encontram” (BRASIL, 1991, documento on-line). Nesses casos, o
aluguel e os encargos podem ser cobrados antecipadamente e de uma única
vez, aplicando-se qualquer uma das formas de garantia previstas na Lei de
Locação, conforme disposto no art. 49.
Segundo Tartuce (2017, p. 521), “[...] a locação para temporada necessita da
forma escrita, conforme exigência expressa do texto legal (contrato formal)”.
No contrato de locação por temporada, obrigatoriamente há a descrição de
todos os bens móveis que o guarnecem, o que protege tanto o locador quanto
o locatário da má-fé alheia, como determina o art. 48, parágrafo único. Findo
o prazo ajustado, se o locatário permanecer no imóvel por mais de 30 (trinta)
dias, a locação se prorroga por tempo indeterminado, não sendo mais cabível
Locações 141

exigir o pagamento antecipado dos aluguéis. Caso ocorra tal prorrogação, o


locador pode denunciar o contrato somente após 30 (trinta) meses desde o seu
início ou conforme as hipóteses do art. 47.
A locação não residencial é tratada entre os arts. 51 e 57 da Lei nº.
8.245/1991. O seu art. 55 define que: “Considera-se locação não residencial
quando o locatário for pessoa jurídica e o imóvel destinar-se ao uso de seus
titulares, diretores, sócios, gerentes, executivos ou empregados” (BRASIL,
1991, documento on-line):

Como premissa-regra, para a locação de imóvel não residencial - inclusive


para fim comercial, ou melhor, empresarial -, sendo celebrado o contrato por
qualquer prazo, ou seja, por prazo determinado, estará o mesmo extinto ao
seu término, findo o prazo estipulado, independentemente de notificação ou
aviso, cabendo a denúncia vazia (art. 56 da Lei de Locação). Nessas situações,
é dispensável a notificação prévia nos trinta dias seguintes ao termo final do
contrato (TARTUCE, 2017, p. 522).

O parágrafo único desse dispositivo estipula: “Findo o prazo estipulado,


se o locatário permanecer no imóvel por mais de 30 dias sem oposição do
locador, presumir-se-á prorrogada a locação nas condições ajustadas, mas
sem prazo determinado” (BRASIL, 1991, documento on-line). De acordo
com o seu art. 57: “O contrato de locação por prazo indeterminado pode ser
denunciado por escrito, pelo locador, concedidos ao locatário 30 dias para a
desocupação” (BRASIL, 1991, documento on-line).

Súmula 175 do STF: “Admite-se a retomada de imóvel alugado para uso por parte de
filho que contrairá matrimônio” (BRASIL, 1963b, documento on-line).
Súmula 409 do STF: “Ao retomante que tenha mais de 1 (um) prédio alugado, cabe
optar entre eles, salvo abuso de direito” (BRASIL, 1964b, documento on-line).
Súmula 410 do STF: se ao utilizar prédio próprio para residência ou atividade comercial
o locador solicita o imóvel locado para uso próprio e diverso do uso que tem por ele
ocupado, o locador não é obrigado a provar a necessidade da sua solicitação (BRASIL,
1964c, documento on-line).
Súmula 484 do STF: legitimamente, é possível ao proprietário solicitar o prédio para
a residência de filho, ainda que solteiro, de acordo com o art. 11, III, da Lei nº. 4.494, de
25 de novembro de 1964” (BRASIL, 1969, documento on-line).
142 Locações

Na hipótese de retomada para uso próprio ou para pessoa da família do locador, a


necessidade de uso do imóvel deve ser judicialmente demonstrada se:
 alegando necessidade de usar o imóvel, o retomante ocupar com a mesma fina-
lidade outro imóvel sob a sua propriedade situado na mesma localidade ou se,
residindo ou utilizando imóvel alheio, já houver retomado o imóvel anteriormente.
 o ascendente ou descendente beneficiário da retomada já residir em imóvel próprio.
Entretanto, nos demais casos, presume-se a sinceridade do pedido do retomante,
devendo o locatário provar o contrário, ônus que lhe cabe. Logo se percebe que a
presunção é relativa ou iuris tantum (TARTUCE, 2017, p. 520).

1. Com base no Código Civil, dependendo de consentimento


assinale a alternativa correta conjugal se for igual ou
sobre o pagamento da locação. superior a 6 (seis) anos.
a) Designados dois ou mais b) Havendo mais de um locador
lugares, cabe ao locatário ou mais de um locatário,
escolher um deles para realizar entende-se responsabilidade
o pagamento do aluguel. subsidiária caso o contrário
b) Embora com a ocorrência não se tenha estipulado.
de motivo grave, o Código c) Ausente o consentimento conjugal,
Civil impede que o devedor o cônjuge mantém-se obrigado
efetue o pagamento em a observar o prazo excedente.
local diverso do pactuado. d) Durante o prazo estipulado
c) O pagamento será efetuado no para a duração do contrato,
domicílio do credor (locador). o locador sempre pode
d) É proibido às partes reaver o imóvel alugado.
convencionarem local diverso do e) O contrato de locação pode ser
previsto no contrato de locação ajustado por qualquer prazo,
para o pagamento do aluguel. dependendo de consentimento
e) O pagamento será efetuado no conjugal se for igual ou
domicílio do devedor (locatário). superior a 10 (dez) anos.
2. Conforme a Lei de Locação, 3. Marque a alternativa correta a
julgue a assertiva correta. respeito da Lei nº. 8.245/1991.
a) O contrato de locação pode ser a) O locatário pode denunciar a
ajustado por qualquer prazo, locação por prazo indeterminado
Locações 143

mediante aviso por escrito ao dependência econômica,


locador com antecedência independentemente
mínima de 60 (sessenta) dias. de morarem ou não
b) Independentemente do no mesmo imóvel.
fundamento do término da c) A sublocação do imóvel
locação, a ação do locador para independe do consentimento
reaver o imóvel é a de despejo. prévio do locador.
c) Em caso de falecimento do d) Em casos de divórcio ou de
locador, a locação não é dissolução da união estável, a
transmitida aos herdeiros. locação residencial prossegue
d) Se o imóvel for alienado durante automaticamente com o
a locação, o adquirente pode cônjuge ou companheiro que
denunciar o contrato com o permanecer no imóvel.
prazo de 45 (quarenta e cinco) e) Se não houver acordo, após dois
dias para a desocupação, salvo anos de vigência do contrato
se a locação for por tempo ou do acordo anteriormente
determinado e o contrato possuir realizado, o locador ou locatário
cláusula de vigência em caso estão autorizados a pedir
de alienação e estiver averbado revisão judicial do aluguel
junto à matrícula do imóvel. com o objetivo de ajustá-lo
e) Na ausência de aviso, o locador ao preço de mercado.
dispõe do direito de exigir a 5. Com base na seção “Das garantias
quantia correspondente a 3 (três) locatícias” da Lei nº. 8.245/1991,
meses de aluguel e encargos. indique a alternativa correta.
4. Considerando a Lei de Locação, a) A caução pode ser apenas
aponte a alternativa correta. de bens imóveis.
a) Em casos de separação de b) A caução em dinheiro
fato ou de separação judicial, pode ser de até 4 (quatro)
a locação residencial se meses de aluguel.
extingue automaticamente. c) É vedada, sob pena de nulidade,
b) Caso o locatário venha a mais de uma das modalidades
óbito, ficam sub-rogados nos de garantia em um mesmo
seus direitos e obrigações contrato de locação.
das locações com finalidade d) A cessão fiduciária de quotas de
residencial o cônjuge fundo de investimento é vetada
sobrevivente ou o companheiro como garantia de locação.
e, sucessivamente, os e) No contrato de locação,
herdeiros necessários e as o locatário pode exigir
pessoas que viviam na sua garantias do locador.
144 Locações

ARAUJO JÚNIOR, G. C. Prática de locação: lei do inquilinato anotada, questões práticas,


modelos. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2014.
BRASIL. Lei nº. 8.245, de 18 de outubro de 1991. Dispõe sobre as locações dos imóveis
urbanos e os procedimentos a elas pertinentes. Diário Oficial [da] República Federa-
tiva do Brasil, Brasília, DF, 21 out. 1991. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/
ccivil_03/leis/l8245.htm>. Acesso em: 8 maio 2018.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Súmula nº. 335. Terceira Seção, em 25 abr. 2007.
Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/docs_internet/revista/eletronica/stj-revista-
-sumulas-2012_28_capSumula335.pdf>. Acesso em: 8 maio 2018.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Súmula nº. 158. Sessão Plenária de 13 dez.1963a.
Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/menuSumarioSumulas.
asp?sumula=3499>. Acesso em: 8 maio 2018.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Súmula nº. 175. Sessão Plenária de 13 dez.1963b.
Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/menuSumarioSumulas.
asp?sumula=3241>. Acesso em: 8 maio 2018.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Súmula nº. 374. Sessão Plenária de 03 abr. 1964a.
Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/menuSumarioSumulas.
asp?sumula=4020>. Acesso em: 8 maio 2018.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Súmula nº. 409. Sessão Plenária de 01 jun. 1964b.
Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/menuSumarioSumulas.
asp?sumula=4072>. Acesso em: 8 maio 2018.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Súmula nº. 410. Sessão Plenária de 01 jun. 1964c.
Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/menuSumarioSumulas.
asp?sumula=4074>. Acesso em: 8 maio 2018.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Súmula nº. 442. Sessão Plenária de 01 out. 1964d.
Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/menuSumarioSumulas.
asp?sumula=4295>. Acesso em: 8 maio 2018.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Súmula nº. 484. Sessão Plenária de 03 dez. 1969.
Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/menuSumarioSumulas.
asp?sumula=3084>. Acesso em: 8 maio 2018.
GUILHERME. L. F. V. A. Comentários à lei de locações: Lei nº. 8.245, de 18 de outubro de
1991. Barueri: Manole, 2017.
Locações 145

PEREIRA, C. M. S. Instituições de Direito Civil: contratos. 17. ed. Rio de Janeiro: Forense,
2013. v. 3.
TARTUCE, F. Direito Civil: teoria geral dos contratos e contratos em espécie. 12. ed.
São Paulo: Forense, 2017. v. 3.
TARTUCE, F. Manual de Direito Civil: volume único. 8. ed. São Paulo: Método, 2018.
VENOSA, S. S. Lei do inquilinato comentada: doutrina e prática: Lei nº. 8245, de 18-10-
1991. 13. ed. São Paulo: Atlas, 2014.

Leituras recomendadas
BRASIL. Lei nº. 12.744, de 19 de dezembro de 2012. Diário Oficial [da] República Fede-
rativa do Brasil, Brasília, DF, 20 dez. 2012. Disponível em: <http://www.planalto.gov.
br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2012/Lei/L12744.htm#art2>. Acesso em: 8 maio 2018.
SCAVONE JUNIOR, L. A. Direito imobiliário: teoria e prática. 8. ed. Rio de Janeiro: Fo-
rense, 2014.
SOUZA, S. C. A lei do inquilinato comentada: artigo por artigo. 10. ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2017.
Encerra aqui o trecho do livro disponibilizado para
esta Unidade de Aprendizagem. Na Biblioteca Virtual
da Instituição, você encontra a obra na íntegra.
Conteúdo:
DICA DO PROFESSOR

As garantias locatícias estão contempladas na Seção VII da Lei de Locação (Lei n.º 8.245/91). O
artigo 39, alterado pela Lei n.º 12.112/09, indica que, salvo disposição contratual em contrário,
qualquer das garantias da locação se estende até a efetiva devolução do imóvel, ainda que
prorrogada a locação por prazo indeterminado.

Assista à Dica do Professor que trata desse assunto:

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EXERCÍCIOS

1) Marque a alternativa correta sobre pagamento da locação com base no Código Civil:

A) designado dois ou mais lugares, caberá ao locatário escolher entre eles.

B) mesmo com a ocorrência de motivo grave, o Código Civil impede que o devedor efetue o
pagamento em local diverso do pactuado.

C) efetuar-se-á o pagamento no domicílio do credor (locador).

D) é proibido às partes convencionarem local diverso para pagamento do aluguel.

E) efetuar-se-á o pagamento no domicílio do devedor (locatário).

2) Conforme a Lei de Locação, julgue a assertiva correta:

A) o contrato de locação pode ser ajustado por qualquer prazo, dependendo de vênia conjugal,
se igual ou superior a seis anos.
B) havendo mais de um locador ou mais de um locatário, entende-se que há responsabilidade
subsidiária se o contrário não se estipulou.

C) ausente a vênia conjugal, o cônjuge mantém-se obrigado a observar o prazo excedente.

D) durante o prazo estipulado para a duração do contrato, o locador sempre poderá reaver o
imóvel alugado.

E) o contrato de locação pode ser ajustado por qualquer prazo, dependendo de vênia conjugal,
se igual ou superior a dez anos.

3) Marque a alternativa correta sobre a Lei n.º 8.245/91:

A) o locatário poderá denunciar a locação por prazo indeterminado mediante aviso por escrito
ao locador, com antecedência mínima de sessenta dias.

B) independentemente do fundamento do término da locação, a ação do locador para reaver o


imóvel é a de despejo.

C) em caso de morte do locador, a locação não se transmite aos herdeiros.

D) se o imóvel for alienado durante a locação, o adquirente poderá denunciar o contrato, com
o prazo de quarenta e cinco dias para a desocupação, salvo se a locação for por tempo
determinado e o contrato contiver cláusula de vigência em caso de alienação e estiver
averbado junto à matrícula do imóvel.

E) na ausência do aviso, o locador poderá exigir quantia correspondente a três meses de


aluguel e encargos.

4) Considerando a Lei de Locação, aponte a alternativa correta:


A) em casos de separação de fato ou de separação judicial, a locação residencial se extinguirá
automaticamente.

B) morrendo o locatário, ficarão sub-rogados nos seus direitos e obrigações nas locações com
finalidade residencial o cônjuge sobrevivente ou o companheiro e, sucessivamente, os
herdeiros necessários e as pessoas que viviam na dependência econômica do de cujus,
independentemente de morarem no mesmo imóvel.

C) a sublocação do imóvel independe do consentimento prévio do locador.

D) em casos de divórcio ou dissolução da união estável, a locação residencial prosseguirá


automaticamente com o cônjuge ou companheiro que permanecer no imóvel.

E) não havendo acordo, o locador ou locatário, após dois anos de vigência do contrato ou do
acordo anteriormente realizado, poderão pedir revisão judicial do aluguel, a fim de ajustá-
lo ao preço de mercado.

5) Com base na seção “Das garantias locatícias” da Lei n.º 8.245/91, marque a
alternativa correta:

A) a caução poderá ser apenas em bens imóveis.

B) a caução em dinheiro poderá ser de até quatro meses de aluguel.

C) é vedada, sob pena de nulidade, mais de uma das modalidades de garantia num mesmo
contrato de locação.

D) cessão fiduciária de quotas de fundo de investimento é vetada como garantia de locação.

E) no contrato de locação, o locatário pode exigir garantias do locador.


NA PRÁTICA

No contrato de locação, o locador pode exigir do locatário alguma modalidade de garantia. Um


exemplo é a fiança, contrato pelo qual o fiador garante satisfazer ao credor uma obrigação
assumida pelo devedor, caso este não a cumpra.

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Acesse o caso completo abaixo:

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SAIBA MAIS

Para ampliar o seu conhecimento a respeito desse assunto, veja abaixo as sugestões do
professor:

Habitação de aluguel no Brasil e em São Paulo

Leia essa pesquisa que visa entender a evolução e o estado atual do mercado de aluguel de
moradias nos Brasil, vinculando a evolução demográfica à dinâmica do mercado de locação.
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política de aluguel no País.

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Lei do Inquilinato – entenda os direitos e deveres do inquilino

Quando você vai alugar um quarto, casa ou apartamento, muitas vezes não sabe ao certo quais
são as regras básicas que deve seguir, assim como aquelas que o locador deverá cumprir. Essas
regras são convencionadas pela lei do inquilinato e devem ser seguidas, mesmo com contratos
informais entre o inquilino e o dono do imóvel. Entenda sobre o assunto lendo o artigo a seguir.

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Locação de imóveis: dúvidas sobre bonificação e taxas


A locação de imóveis gera inúmeras dúvidas entre os consumidores e, portanto, requer cuidados.
A principal dúvida refere-se à bonificação ou desconto pontualidade. Entenda sobre esse assunto
no artigo a seguir.

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Dos vícios redibitórios e da evicção

APRESENTAÇÃO

Vício redibitório consiste em um vício oculto não perceptível em um primeiro momento por
quem compra um determinado produto e que só vem a ser descoberto posteriormente. Evicção,
por sua vez, consiste na perda de um bem para um terceiro que é o verdadeiro dono da coisa.

Os institutos jurídicos vício redibitório e evicção estão previstos no Código Civil Brasileiro e
ambos possuem uma correlação baseada no princípio da garantia, o qual engloba o dever de
todo aquele que vende certo bem de assegurar que o comprador receba a coisa sem vícios
ocultos, bem como garantir que o adquirente não sofra ações judiciais propostas por terceiros e
acabe por perder o bem adquirido.

Nesta Unidade de Aprendizagem, você vai entender o que é vício redibitório e evicção, bem
como analisar os elementos ou requisitos do vício redibitório e da evicção, além de seus efeitos.

Bons estudos.

Ao final desta Unidade de Aprendizagem, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

• Definir vício redibitório e evicção.


• Analisar os elementos do vício redibitório e da evicção.
• Explicar os efeitos dos vícios redibitórios e da evicção.

DESAFIO

Quando uma pessoa compra um produto com vício redibitóriodo, poderá requerer, por meio de
uma ação judicial chamada ação redibitória, a devolução do produto mais o ressarcimento do
valor que pagou, corrigido monetariamente, ou requerer abatimento no preço que foi pago por
meio de uma ação chamada ação estimatória ou ação quanti minoris.
A distribuidora, por sua vez, apresentou defesa no processo, alegando que houve decadência do
direito de alegar vício redibitório, pois a autora tinha 30 dias para requerer esse abatimento
perante a ré, notificando-a do suposto vício. Na sentença, o juiz acatou a tese da distribuidora e
julgou a ação improcedente.

Você, na condição de advogado da autora Abasteça Barato Ltda, está no prazo para apresentar
Recurso ao Tribunal de Justiça. Nesse caso, quais seriam os argumentos do seu recurso?

INFOGRÁFICO

Evicção é a perda de um bem para um terceiro que é o verdadeiro dono da coisa. Se isso
acontecer, aquele que perdeu o bem é chamado de evicto e poderá requerer que o alienante o
indenize pelo valor que pagou. Também poderá exigir que o alienante arque com despesas
contratuais, despesas judiciais, frutos que o terceiro deixou de ganhar, além de lucros cessantes.

Veja, no Infográfico, os personagens envolvidos na evicão e os requisitos necessários para que


de fato se configure uma evicção.
CONTEÚDO DO LIVRO

Vício redibitório e evicção estão baseados no princípio da garantia. Tal princípio deve ser
observado em qualquer contrato oneroso e consiste no dever que o alienante possui de garantir
que o comprador adquira produtos e bens de acordo com o que foi contratado e livres de vícios
ocultos, bem como garantir que o adquirente não sofra ações judiciais propostas por terceiros e
acabe por perder o bem adquirido.

No capítulo Dos vícios redibitórios e da evicção, da obra Direito Civil III: Teoria geral dos
contratos, você vai entender o que são cada um desses institutos jurídicos, vai compreender os
requisitos para que possam ser alegados e os seus efeitos caso venham a ocorrer na prática.

Boa leitura.
DIREITO CIVIL III:
TEORIA GERAL DOS
CONTRATOS

Eduardo Augusto de
Souza Massarutti
Vício redibitório e evicção
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

 Definir vício redibitório e evicção.


 Analisar os elementos do vício redibitório e da evicção.
 Explicar os efeitos dos vícios redibitórios e da evicção.

Introdução
Os institutos jurídicos do vício redibitório e da evicção estão previstos
no Código Civil brasileiro. O vício redibitório consiste em um vício oculto
não perceptível em um primeiro momento por quem compra um deter-
minado produto, o qual somente vem a ser descoberto posteriormente.
O adquirente do produto com defeito poderá requerer, por meio de
uma ação judicial chamada de ação redibitória, a devolução do produto
mais o ressarcimento do valor que pagou, corrigido monetariamente, ou
requerer o abatimento no preço pago, por meio de uma ação chamada
de ação estimatória ou ação quanti minoris.
A evicção, por sua vez, consiste na perda de um bem para um terceiro,
que é o verdadeiro dono da coisa. Se isso acontecer, aquele que perdeu
o bem (chamado de evicto) poderá requerer que o alienante o indenize
pelo valor que pagou e ainda arque com despesas contratuais, despesas
judiciais, frutos que o terceiro deixou de ganhar, além de lucros cessantes.
Ambos os institutos possuem uma correlação baseada no princípio
da garantia, que engloba o dever de todo aquele que vende certo bem
de assegurar que o comprador receba a coisa sem vícios ocultos, bem
como de garantir que o adquirente não sofra ações judiciais propostas
por terceiros e acabe por perder o bem adquirido.
Neste capítulo, você vai ler sobre o vício redibitório e a evicção, bem
como analisar os elementos ou requisitos do vício redibitório e da evicção,
além dos seus efeitos.
2 Vício redibitório e evicção

Conceito, elementos e efeitos dos vícios


redibitórios
Apesar de ser um termo não muito comum, o vício redibitório ocorre dia-
riamente em várias transações comerciais.
O vício é um defeito presente em um determinado bem, o qual pode ser
visível ou não. O redibitório está relacionado à redibição ou redibir, que consiste
no meio pelo qual se anula um contrato judicialmente. Em outras palavras,
redibir é apenas um termo jurídico para dizer que uma pessoa tem o direito
de devolver algum bem que comprou com defeito. No caso dos vícios redibi-
tórios, os vícios ou defeitos devem ser ocultos, ou seja, não são percebidos de
imediato, mas somente após efetuar a compra do produto. A título de exemplo,
pense na hipótese de alguém comprar um automóvel com defeito do câmbio
e só perceber isso após alguns dias. Nesse caso, o vício está oculto, pois esse
tipo de defeito não é perceptível à primeira vista.
O tema está previsto na Seção V do Código Civil brasileiro, a partir do
art. 441, que estabelece: “Art. 441 A coisa recebida em virtude de contrato
comutativo pode ser enjeitada por vícios ou defeitos ocultos, que a tornem
imprópria ao uso a que é destinada, ou lhe diminuam o valor” (BRASIL,
2002, documento on-line).
Nas palavras de Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald (2014, p.
455), “O vício redibitório consiste no vício oculto que acomete a coisa trans-
ferida em contratos comutativos, tornando-a imprópria ao uso a que se destina
ou lhe reduzindo o valor”. Pela leitura do art. 441, podemos perceber que não
basta a presença do vício oculto, mas outros elementos ou requisitos também
devem estar presentes, como a diminuição do valor da coisa por causa do vício.
O primeiro requisito é a existência de um contrato comutativo, no qual
as prestações a que se obrigam as partes são equivalentes. Nos contratos
comutativos, o contratante e contratado podem prever antecipadamente os
benefícios e as desvantagens, os quais, normalmente, equivalem-se. Como
exemplo, considere a compra de um eletrodoméstico. Antes de finalizar a
compra de uma geladeira, por exemplo, nós conseguimos verificar o preço,
pesquisar a respeito da qualidade do produto, entre outros aspectos. E a em-
presa que vende só entrega o produto se receber o valor que considera justo.
Em uma doação gratuita, não há equivalência, portanto, aquele que recebe
a doação, também chamado de donatário, não poderia alegar vício redibitório.
Somente na doação onerosa poderia alegar-se a existência de vício redibitório.
Nesse sentido, Carlos Roberto Gonçalves (2017, p. 131) esclarece que:
Vício redibitório e evicção 3

Doação onerosa, modal, com encargo ou gravada é aquela em que o doador


impõe ao donatário uma incumbência ou dever. Remuneratória é a doação
feita em retribuição a serviços prestados, cujo pagamento não pode ser exi-
gido pelo donatário.

O segundo requisito é a existência de um vício oculto, que consiste no


defeito que não pode ser percebido com tranquilidade logo que se analisa o
objeto adquirido, como ocorre, por exemplo, quando o consumidor que, ao
entrar na loja para adquirir um celular, insere o chip, faz uma ligação, utiliza a
internet do aparelho, tudo indicando que o produto funciona adequadamente.
Depois de alguns dias, o celular para de funcionar por um defeito interno de
fábrica que não poderia ter sido verificado no momento da compra.
Por outro lado, se o defeito puder ser percebido pelo comprador logo à
primeira vista, com uma certa facilidade, posteriormente não poderá alegar
vício oculto.
A respeito do defeito perceptível no ato da compra, preciosas são as lições
de Gonçalves (2017, p. 132):

Se o defeito for aparente, suscetível de ser percebido por um exame atento,


feito por um adquirente cuidadoso no trato de seus negócios, não constituirá
vício oculto capaz de justificar a propositura da ação redibitória. Nesse caso,
presumir-se-á que o adquirente já os conhecia e que não os julgou capazes
de impedir a aquisição, renunciando, assim, a garantia legal da redibição.
Não pode alegar vício redibitório, por exemplo, o comprador de um veículo
com defeito grave no motor, se a falha pudesse ser facilmente verificada
com um rápido passeio ao volante, ou a subida de uma rampa, e o adquirente
dispensou o test drive.

O terceiro requisito é a existência de defeito grave, ou seja, que diminua o


valor do produto ou o torne impróprio para o uso a que se destina, de acordo
com o art. 441 do Código Civil.
Nesse sentido, Serpa Lopes (1962, p. 174) esclarece que:

Os vícios e defeitos ocultos devem ser tais a ponto de tornar a coisa inapta
ao uso a que é destinada, ou importar em diminuir-lhe notavelmente o seu
valor. Não ocorre tal circunstância, se a coisa for unicamente menos excelente,
menos bela, menos agradável ou se se trata de ausência de alguma qualidade,
v. g. o defeito de um quadro só porque não é ele obra do autor cujo nome traz,
pois neste e em outros casos semelhantes de erro.
4 Vício redibitório e evicção

Nos sites dos tribunais de justiça, podemos encontrar outros exemplos de


vícios considerados graves e que realmente diminuem o valor da coisa, como:

 o do animal adquirido para reproduzir, mas que é estéril;


 o veículo que aquece o motor quando está na subida;
 o chuveiro que para de aquecer após alguns minutos de banho.

Depois de analisar o vício redibitório e os requisitos para que possa ser ale-
gado, vamos abordar os efeitos ou as consequências jurídicas que decorrem da
constatação do vício redibitório, as quais estão presentes no próprio Código Civil.
O primeiro efeito está no art. 442, o qual estabelece que uma pessoa pode,
em vez de devolver o produto adquirido, cancelando o contrato, requerer um
abatimento no preço pago.
Por exemplo, se uma pessoa compra um carro de outra e depois descobre
que havia defeito no motor ou que o carro havia se envolvido em acidente,
poderá requer um desconto no valor que pagou, proporcional ao defeito oculto
que não havia percebido no momento da aquisição do bem.

Quem percebe um vício oculto suficiente para alegar vício redibitório possui duas
opções: rescindir o contrato e devolver o bem, recebendo o que pagou de volta,
ou manter o bem e requer o abatimento proporcional. Dependendo da escolha, o
adquirente terá duas espécies de ações judiciais para propor perante o Poder Judiciário,
caso não consiga resolver amigavelmente a situação. Se optar por devolver o bem e
rescindir o contrato, ele poderá propor uma ação chamada de ação redibitória. Por
outro lado, se optar por conservar o bem em seu poder e requerer o abatimento,
ele poderá propor uma ação chamada de ação estimatória ou ação quanti minoris.

A respeito do primeiro efeito, merece destaque o esclarecimento feito por


Eduardo Bussata (2007, p. 122), conforme segue:

Em relação a essas possibilidades, merece aplicação o princípio da conservação


do contrato. Sendo assim, deve-se entender que a resolução do contrato é o
último caminho a ser percorrido. Nos casos em que os vícios não geram gran-
des repercussões quanto à utilidade da coisa, não cabe ação redibitória, mas
apenas a quanti minoris, com o abatimento proporcional do preço. Anote-se que,
segundo a doutrina, se o vício for insignificante ou ínfimo e não prejudicar as
finalidades do contrato, não cabe sequer esse pedido de abatimento do preço.
Vício redibitório e evicção 5

O segundo efeito está previsto no art. 443 do Código Civil, o qual estabe-
lece que, se o vendedor conhecia o vício ou defeito do objeto vendido, deverá
devolver o valor que recebeu mais perdas e danos; se não sabia, deverá restituir
apenas o valor recebido, mais as despesas do contrato.
Nesse sentido, Maria Helena Diniz (2018, p. 143) esclarece que:

Assim, como castigo à má-fé do alienante, impõe-se que, além de restituir


o que recebeu, acrescido das perdas e danos sofridos, devidamente compro-
vados, pague os lucros cessantes, juros moratórios, honorários advocatícios
e outras despesas.

Para exemplificar, imagine que uma pessoa autônoma (ganha se trabalhar)


compra um carro de uma pessoa que mora em outra cidade e vai até esse
município para buscar o automóvel, levando um dia inteiro para fechar o
negócio. Após efetivar a compra e pagar o preço, após alguns meses, percebe
que o carro tinha um defeito gravíssimo no motor, que lhe custaria uma
quantia significativa para consertar, razão pela qual optou por devolver o
bem. Nesse caso, se provar que o vendedor conhecia o vício oculto e não lhe
informou, a pessoa, além do direito de devolver o veículo e receber o valor
que pagou de volta, também terá direito de ser reembolsada pela despesa que
teve para ir buscar o veículo e pelos valores que deixou de ganhar durante o
dia que ficou sem trabalhar. Se, eventualmente, precisar propor uma demanda
judicial, também terá direito de ser reembolsado pelos custos que teve com a
contratação de advogado.
O terceiro efeito está previsto no art. 444 do Código Civil, o qual estabelece
que: “Art. 444 A responsabilidade do alienante subsiste ainda que a coisa
pereça em poder do alienatário, se perecer por vício oculto, já existente ao
tempo da tradição” (BRASIL, 2002, documento on-line).
Em outras palavras, se um determinado bem, que já está em poder do
comprador se perde ou deteriora em razão do vício oculto, a pessoa que vendeu
continuará com a obrigação de restituir o valor pago, mesmo que o bem adqui-
rido não possa mais ser devolvido. É importante ressaltar que esse perecimento
do bem deve ser decorrente do vício oculto e não de um caso fortuito ou por
culpa de um terceiro.
Um exemplo bem esclarecedor é do fazendeiro que compra um boi repro-
dutor, que possui uma doença já existente ao tempo da venda. Nesse caso,
se o animal morrer em decorrência dessa doença, após estar sob a posse do
comprador, aquele que vendeu continuará obrigado a restituir o valor pago
pelo fazendeiro, mesmo que não possa receber o animal de volta.
6 Vício redibitório e evicção

Apesar do direito que temos de alegar vício redibitório e, com base nisso,
requerer a devolução do bem ou abatimento do preço pago, é fundamental
saber que existem prazos para que esse direito seja utilizado, chamados pela
doutrina de prazos decadenciais. Esses prazos estão previstos no Código
Civil, que estabelece o seguinte:

Art. 445 O adquirente decai do direito de obter a redibição ou abatimento no


preço no prazo de trinta dias se a coisa for móvel, e de um ano se for imóvel,
contado da entrega efetiva; se já estava na posse, o prazo conta-se da alienação,
reduzido à metade.
§ 1º Quando o vício, por sua natureza, só puder ser conhecido mais tarde, o prazo
contar-se-á do momento em que dele tiver ciência, até o prazo máximo de cento
e oitenta dias, em se tratando de bens móveis; e de um ano, para os imóveis.
§ 2º Tratando-se de venda de animais, os prazos de garantia por vícios ocultos serão
os estabelecidos em lei especial, ou, na falta desta, pelos usos locais, aplicando-se
o disposto no parágrafo antecedente se não houver regras disciplinando a matéria.
Art. 446 Não correrão os prazos do artigo antecedente na constância de cláusula
de garantia; mas o adquirente deve denunciar o defeito ao alienante nos trinta
dias seguintes ao seu descobrimento, sob pena de decadência (BRASIL, 2002,
documento on-line).

O termo decai no art. 445 significa que aquele que adquire um determinado
bem perde o direito de demandar judicialmente, requerendo devolução ou
abatimento do preço após 30 dias ou 1 ano, dependendo da característica da
coisa, ou seja, se móvel ou imóvel.
O artigo descrito estabelece, em outras palavras, que o adquirente perde
o direito de devolver o bem defeituoso ou requerer o abatimento do preço no
prazo de 30 dias se o bem for móvel. Se for imóvel, terá 1 ano para devolver
ou requerer o abatimento. Se o bem já estava com ele e a compra se efetiva, o
prazo é contado da venda, mas reduzido à metade. Contudo, se forem vícios
que somente aparecem após um bom tempo de utilização, o prazo de 30 dias
somente correrá a partir da ciência do vício, mas desde que se manifeste o
defeito dentro de 180 dias ou 1 ano, a depender se móvel ou imóvel.
A redação do art. 445 causa uma certa confusão, pois alguns doutrinadores
entendem que, após tomar ciência do vício oculto, o adquirente teria mais 180
dias para requerer a devolução do bem ou abatimento do preço. Porém, não
é essa a melhor interpretação.
Inclusive o próprio Superior Tribunal de Justiça (STJ) já se manifestou a
respeito do tema, nos seguintes termos:
Vício redibitório e evicção 7

A decadência do direito de ação tendente a devolver bem com defeito que o


torne impróprio ao uso que dele se espera é de trinta dias (artigo 445, caput,
do CC). O fato de se tratar de vício oculto altera apenas o marco inicial
da contagem e não o próprio prazo decadencial. O que o artigo 445, § 1º, do
CC prevê é o prazo máximo de 180 dias a partir da entrega do bem móvel
para que o adquirente detecte o vício oculto. O prazo decadencial continua o
mesmo: 30 dias, agora a partir da ciência do vício oculto.
[...]
O prazo decadencial para exercício da pretensão redibitória ou abatimento do
preço de bem móvel é o previsto no caput do art. 445 do Código Civil, isto
é, 30 dias. O parágrafo primeiro apenas delimita que, se o vício somente se
revelar mais tarde, em razão de sua natureza, o prazo de 30 dias fluirá a partir
do conhecimento desse defeito, desde que revelado até o prazo máximo de
180 dias, com relação aos bens móveis (BRASIL, 2014, documento on-line).

Para exemplificar, João compra uma geladeira em 10 de janeiro de 2019. Se


o vício oculto se manifestar logo após a compra, ele terá 30 dias para reclamar
a devolução ou o abatimento do preço, contados da entrega efetiva. Porém,
considerando que alguns vícios somente aparecem algum tempo depois com
a utilização prolongada da coisa, se João perceber o vício somente em 10 de
março de 2019, ele terá 30 dias, contados do conhecimento do vício, para
reclamar a devolução ou abatimento, ou seja, até 10 de abril de 2019. Ele não
terá mais 180 dias contados da ciência do vício.
Se, conforme o mesmo exemplo, João descobrisse o vício somente 160
dias após a entrega do bem, ele teria mais 30 dias para reclamar a devolução
ou o abatimento, mesmo que os 30 dias ultrapassem os 180 dias previstos no
artigo. Dessa forma, o que importa é que o vício apareça dentro dos 180 dias
contados da entrega efetiva do bem. Se tomar conhecimento depois dos 180
dias, ele não poderá mais fazer uso desse direito.

Os prazos de 30 dias, 180 dias ou 1 ano são para exercer o direito de ação para alegar
vício redibitório, com o fim de devolver a coisa ou requerer o abatimento do preço. Isso
não significa que após esses prazos o adquirente não possa requer o ressarcimento
dos danos que suportou, obedecendo a outros prazos.

A título de exemplo, uma pessoa compra um veículo em 5 de fevereiro de


2018 e descobre um defeito somente após 180 dias da compra. Nesse caso,
8 Vício redibitório e evicção

apesar de não ter mais direito de redibir o contrato devolvendo o automóvel


ou requerer o abatimento do preço, a pessoa ainda poderá, dentro de 3 anos,
conforme art. 206, § 3º, V, do Código Civil, propor demanda judicial para
requerer o ressarcimento do valor que gastou para consertar o veículo.
Elpício Donizetti e Felipe Quintella (2012) apresentam um quadro esque-
mático (Quadro 1).

Quadro 1. Decadência dos direitos à redibição e ao abatimento do preço

Hipótese Prazo Termo inicial

Coisa móvel entregue 30 dias Data da tradição


ao adquirente (entrega efetiva)

Coisa móvel que 15 dias Data da alienação


já estava na posse (tradição ficta)
do adquirente

Coisa imóvel entregue 1 ano Data da tradição


ao adquirente

Coisa imóvel que estava 6 meses Data da alienação


na posse do adquirente

Defeito da coisa móvel 30 dias, desde que Data da ciência


que mesmo após a descoberto em até do defeito
alienação permaneceu 180 dias contados
oculto, sendo da tradição
descoberto apenas em
momento posterior

Defeito da coisa imóvel 1 ano, desde que Data da ciência


que mesmo após a descoberto em até 1 do defeito
alienação permaneceu ano contado da tradição
oculto, sendo
descoberto apenas em
momento posterior

Animais O prazo estabelecido


em lei especial, ou, na
falta deste, o prazo
previsto para a coisa
móvel cujo defeito foi
percebido tardiamente

Fonte: Adaptado de Donizetti e Quintella (2012).


Vício redibitório e evicção 9

Se um determinado bem for vendido por meio de um leilão judicial e o comprador,


também conhecido como arrematante, descobrir algum vício oculto, não poderá
alegar vício redibitório. Esse entendimento está consolidado tanto pela doutrina como
pela jurisprudência brasileira. Portanto, se uma pessoa arrematar um móvel ou imóvel
em um leilão judicial e logo após descobrir que existe um defeito oculto, que não era
possível verificar no momento da compra, não terá direito de fazer uso das chamadas
ações edilícias, seja para devolver o bem ou para requerer o abatimento do preço pago.

Conceito, elementos e efeitos da evicção


Damos o nome de evicção para a hipótese em que uma pessoa compra um
determinado bem, seja móvel ou imóvel, e depois o perde por meio de uma
decisão judicial decorrente de ação proposta por um terceiro que era o ver-
dadeiro dono do bem vendido.
A evicção está fundamentada no mesmo princípio de garantia em que se
baseia a regra dos vícios redibitórios, uma vez que o dever de todo aquele que
vende certo bem é tanto assegurar que o comprador receba a coisa sem vícios
ocultos quanto garantir que o adquirente não sofra ações judiciais propostas
por terceiros e acabe por perder o bem adquirido (GONÇALVES, 2017).
Esse direito que o comprador de um móvel ou imóvel possui, de alegar
evicção e receber do vendedor o valor atualizado que pagou pela coisa perdida,
está implícito em todos os contratos onerosos, ou seja, é dispensável uma
cláusula contratual afirmando expressamente que o alienante responderá pela
evicção, isto é, pela perda do bem decorrente de demanda judicial. As diversas
hipóteses de contratos — como de compra e venda, permuta, entre outras —
garantem ao comprador o direito de ser indenizado pelos danos decorrentes
da evicção, mesmo que não exista uma cláusula contratual prevendo isso
(GONÇALVES, 2017).
Para ficar mais claro, apresentamos um exemplo elaborado por Epídio
Donizetti e Felipe Quintella (2012, p. 503):

Caio adquire de Silvio uma tela. Posteriormente, Manuel ajuíza ação em


face de Caio, reivindicando a coisa, e provando que ele, e não Silvio, era o
proprietário do bem. Caio, então, é condenado a entregar a tela a Manuel.
Silvio, na verdade, não poderia ter alienado a coisa — não era seu dono. A
essa perda se denomina evicção.
10 Vício redibitório e evicção

A evicção possui cinco elementos ou requisitos para que se possa funda-


mentar o direito de evicção:

 pagamento de um preço pelo bem;


 perda do direito do comprador;
 existência de um terceiro que é o verdadeiro dono da coisa perdida;
 sentença judicial que determine a perda da coisa;
 informar ao vendedor que existe uma demanda judicial com fundamento
no direito de evicção.

O primeiro requisito é necessário, pois só se pode falar em evicção em


contratos onerosos, uma vez que, em contratos gratuitos, não ocorre diminuição
no patrimônio do adquirente.
O segundo requisito precisa estar presente porque só existe evicção se
houver perda do domínio ou da posse do bem adquirido.
O terceiro requisito, de acordo com uma parte da doutrina, não é indis-
pensável, pois a evicção pode ser decorrente de uma decisão administrativa.
Nelson Rosenvald (2014) esclarece que a evicção não é caracterizada apenas
como decorrência de uma sentença, pois há possibilidade de seu reconheci-
mento extrajudicial, como ocorre no ato de apreensão de um automóvel furtado
por uma autoridade administrativa, impedindo o titular do bem de usufruí-lo,
veículo esse vendido com base em documentação falsa.
O quarto requisito deve estar presente porque somente causas anteriores
podem ser objeto de sentença judicial para declaração de evicção.
O último requisito, também chamado de denunciação da lide ao alienante,
significa que o comprador (evicto) precisa denunciar aquele que lhe vendeu
um bem que já era de terceiro, para que, com essa denunciação, consiga reaver
o valor que desembolsou.
Na prática, funciona assim: o terceiro (evictor) que já era o verdadeiro
dono do bem entra com ação contra aquele que está na posse do bem (o
evicto). Aquele que está na posse do bem deve fazer uma petição no processo
requerendo a citação (denunciação à lide) do alienante (evictor) para que ele
passe a fazer parte da ação e responda pelo valor da coisa, indenizando o
comprador (evicto).
Vício redibitório e evicção 11

Se caracterizada a evicção, dela decorrerão alguns efeitos ou consequên-


cias, de acordo com o art. 450 do Código Civil (BRASIL, 2002), quais sejam:

 o evicto (aquele que perdeu o bem por sentença judicial ou decisão


administrativa) será ressarcido integralmente do valor que desembolsou;
 o evicto será indenizado por eventuais frutos que tiver sido obrigado
a restituir ao terceiro verdadeiro dono da coisa;
 o evicto será indenizado pelas despesas dos contratos e pelos prejuízos
que resultarem da evicção;
 o evicto será indenizado pelas despesas judiciais e honorários advo-
catícios, no caso de demanda judicial, na qual houve sentença que
determinou a perda do bem.

Em relação aos frutos que o evicto teve que ressarcir ao verdadeiro dono,
para exemplificar, citamos a hipótese em que A comprou uma chácara pro-
dutiva, da qual colheu uma plantação inteira de laranjas, vendeu e obteve
um certo lucro. Nesse caso, após ser acionado judicialmente para entregar o
bem ao verdadeiro dono, este último lhe cobrará também os valores (frutos)
que deixou de ganhar com a venda da plantação de laranjas, razão pela qual
o evicto será indenizado por aquele que lhe vendeu a chácara que pertencia
ao terceiro, verdadeiro dono.

Apesar de o art. 450 do Código Civil mencionar apenas quatro efeitos da evicção, é
importante mencionar que há mais um, implícito na previsão legal, que se traduz no
direito de indenização pelos lucros, o que a doutrina chama de lucros cessantes, que
são lucros que o evicto poderia ganhar se permanecesse na posse da coisa perdida
para o verdadeiro dono. Para exemplificar, imaginemos que A compra o imóvel de
B e aluga para C, passando a receber aluguéis mensais por parte do locador C. Se
A, posteriormente, perder o imóvel para D, verdadeiro dono, por decisão judicial, A
poderá cobrar de B os valores que deixou de ganhar com os aluguéis mensais, a título
de lucros cessantes, ou seja, lucros que cessaram, até o limite do prazo do contrato de
aluguel, que poderia ser de 3 anos, por exemplo.
12 Vício redibitório e evicção

BRASIL. Lei nº. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Diário Oficial [da]
República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 11 jan. 2002. Disponível em: <http://www.planalto.
gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em: 21 ago. 2018.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº. 1.095.882 — SP. Rel. Maria Isabel
Gallotti. Julgado em: 9 dez. 2014. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/
documento/mediado/?componente=ITA&sequencial=1374189&num_registro=200802
169990&data=20141219&formato=PD>. Acesso em: 20 ago. 2018.
BUSSATA, E. Resolução dos contratos e teoria do adimplemento substancial. São Paulo:
Saraiva, 2007. (Coleção Prof. Agostinho Alvim).
DINIZ, M. H. Curso de Direito Civil brasileiro: teoria das obrigações contratuais e extracon-
tratuais. São Paulo: Saraiva, 2018. v. 3.
DONIZETTI, E.; QUINTELLA, F. Curso didático de Direito Civil. São Paulo: Atlas, 2012.
FARIAS, C. C; ROSENVALD, N. Curso de Direito Civil: contratos: teoria geral e contratos em
espécie. Salvador: Juspodivm, 2014.
GONÇALVES, C. R. Direito Civil brasileiro: contratos e atos unilaterais. São Paulo: Saraiva, 2017.
LOPES, M. M. S. Curso de Direito Civil. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1962.
ROSENVALD, N. In: PELUSO, C. (Coord.). Código Civil comentado: doutrina e jurisprudência.
Barueri: Manole, 2014. p. 467.

Leituras recomendadas
CAVALCANTE, F. O vício redibitório em matéria de contrato do direito civil. Revista Jus
Navigandi, Teresina, ano 19, n. 4175, 6 dez. 2014. Disponível em: <https://jus.com.br/
artigos/31030/o-vicio-redibitorio-em-materia-de-contratos-no-direito-civil>. Acesso
em: 20 ago. 2018.
ESCOLA BRASILEIRA DE DIREITO. Análise do vício redibitório e da evicção. Jusbrasil, 8 mar.
2017. Disponível em: <https://ebradi.jusbrasil.com.br/artigos/436737887/analise-do-vicio-
-redibitorio-e-da-eviccao>. Acesso em: 20 ago. 2018.
OAB DICAS. Entenda a diferença entre vício redibitório e evicção. Jornal Estado de
Minas, 26 out. 2017. Disponível em: <https://www.em.com.br/app/noticia/direito-e-
-justica/2017/10/26/interna_direito_e_justica,911984/entenda-a-diferenca-entre-vicio-
-redibitorio-e-eviccao.shtml>. Acesso em: 20 ago. 2018.
ORTEGA, F. T. Você sabe o que é evicção? Jusbrasil, 19 nov. 2016. Disponível em: <https://
draflaviaortega.jusbrasil.com.br/noticias/406729781/voce-sabe-o-que-e-a-eviccao>.
Acesso em: 20 ago. 2018.
TARTUCE, F. Direito Civil: teoria geral dos contratos e contratos em espécie. Rio de Janeiro:
Forense, 2016.
Conteúdo:
DICA DO PROFESSOR

A evicção consiste na perda da posse, para um terceiro, de um determinado bem adquirido por
meio de contrato oneroso. O terceiro é o verdadeiro dono da coisa, mas o adquirente que alega
evicção não sabia disso no momento da negociação e compra do produto.

A Dica do Professor está baseada em uma discussão a respeito da necessidade de denunciação à


lide nos casos de evicção, considerando as alterações efetuadas no Código de Processo Civil a
partir de 2015.

Assista.

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EXERCÍCIOS

1) Sérgio doou para o seu amigo Silas uma televisão seminova em ótimo estado de
conservação. Silas agradeceu ao amigo pela doação e começou a utilizar o aparelho.
Passados 15 dias do recebimento do produto, Silas percebeu que a televisão desligava
sozinha. Então, resolveu levar para um técnico, o qual lhe informou que havia um
defeito interno e que Silas teria de pagar R$ 100,00 para consertar o aparelho de
televisão. Nesse caso, que direitos cabem a Silas em relação à doação feita por Sérgio?

A) Silas poderá propor uma demanda judicial sob alegação de vício redibitório e obrigar
Sérgio a pagar o custo para conserto da televisão, mesmo que estivesse ciente do defeito.

B) Silas poderá proporá uma demanda judicial e obrigar Sérgio a pagar o custo para conserto
da televisão, desde que comprove a existência de vício oculto que não poderia ter sido
percebido no momento em que recebeu a doação.

C) Silas poderá propor uma demanda judicial e obrigar Sérgio a pagar o custo para conserto
da televisão e mais uma indenização por danos morais, mesmo que estivesse ciente do
defeito, sob alegação de vício redibitório.

D) Silas não poderá requerer judicialmente, sob alegação de vício redibitório, que Sérgio
arque com o conserto da televisão.

E) Silas poderá devolver a televisão para Sérgio e exigir que ele pague o valor integral da
televisão, bem como indenização a favor de Silas, sob alegação de vício redibitório.

2) Marta entra em uma loja de automóveis e encontra um carro usado que é exatamente
o carro que estava procurando. Encantada com a beleza e lataria do automóvel,
renuncia à sugestão do vendedor de realizar um test drive, que não apresentava
qualquer defeito ou risco, decide levar o automóvel pagando o preço negociado com o
vendedor sem nem ao menos dar um passeio com o veículo ou dar partida.

Após 10 dias de uso, o carro começa a falhar na hora de dar partida. Imediatamente,
ela procura uma oficina e descobre que havia um defeito no motor de arranque
(motor de partida), que implicaria um custo de R$ 1.000,00 para arrumar.

De acordo com o enunciado da questão, assinale a alternativa correta.

A) Marta tem direito a devolver o automóvel, por meio de ação judicial, sob alegação de vício
redibitório.

B) Marta tem direito de propor ação quanti minoris e requer o abatimento do valor que pagou,
sob o argumento de vício redibitório.

C) Marta poderá ser indenizada pelos gastos com conserto se for realizado dentro do prazo de
garantia, mas não sob o argumento de vício redibitório.

D) Marta terá o prazo de 5 anos para alegar vício redibitório.

E) Marta terá direito de receber de volta metade do que pagou pelo automóvel.
3) Mário comprou um caminhão vendido a ele por seu vizinho Cido, também
caminhoneiro. Após três meses de uso, Mário recebeu uma citação judicial. Tratava-
se de uma ação judicial proposta por Augusto, o qual alegava que já havia comprado
o caminhão do vizinho de Mário há um ano, conforme contrato de compra e venda
anexado no processo. Considerando este enunciado, quais atitudes Mario poderá
tomar?

A) Esconder o caminhão para que não sofra busca e apreensão judicial.

B) Informar onde está o caminhão e não apresentar qualquer resposta junto ao processo.

C) Entrar com uma de indenização por danos morais somente.

D) Apresentar uma defesa judicial alegando que o caminhão é dele e que tem direito de
permanecer em sua posse.

E) Apresentar uma petição de denúncia da lide no processo, requerendo ao juiz que envie
uma citação para que Cido passe a fazer parte do processo e indenize Mário pelo valor que
pagou pelo caminhão.

4) Marlene recebeu R$ 100 mil de herança após o falecimento de seu pai. Com o valor,
ela comprou de Rubens uma Van com 15 lugares e fez um contrato de transporte
com um colégio de sua cidade, por 1 (um) ano), para transportar alunos da residência
para a escola e vice-versa.

No contrato, ficou acordado que Marlene receberia R$ 2 mil por mês até completar
os 12 meses, bem como que, se qualquer das partes cancelasse o contrato antes desse
prazo, a parte culpada teria de pagar uma multa de 50%. Após um mês de prestação
do serviço de transporte para o colégio, Marlene foi citada de uma ação proposta por
Rodrigo, o qual era o verdadeiro dono da Van.

De acordo com o enunciado, assinale a alternativa correta.


A) Marlene terá de devolver a Van para Rodrigo e ainda pagar a multa ao colégio, ficando no
prejuízo total.

B) Marlene irá perder a Van para Rodrigo e poderá requer de volta o valor que pagou para
Rubens, mas a multa de 50% terá que arcar sozinha.

C) Marlene, além de poder requerer que Rubens faça parte do processo para que devolva o
valor da Van, poderá obrigá-lo a pagar a multa de 50% do contrato de transporte e mais o
valor que ela receberia até completar 12 meses.

D) No caso em tela, aplicam-se todas as regras da teoria do vício redibitório.

E) Marlene não perderá a Van e não terá de pagar qualquer tipo de multa.

5) Em relação ao vício redibitório e evicção, assinale a alternativa correta.

A) São institutos jurídicos idênticos, com as mesmas regras e requisitos.

B) Aquele que alega vício redibitório é denominado como evicto.

C) Aquele que vende um bem que não é dele, mas de terceiro, é denominado evictor.

D) Na evicção, o evictor perde o bem para o alienante e paga uma multa para o evicto.

E) Aquele que compra um bem com vício oculto pode propor ação redibitória ou ação
estimativa.

NA PRÁTICA

Vício redibitório, instituto jurídico previsto o Código Civil Brasileiro, é um defeito oculto, não
perceptível no momento em que se vai adquirir um determinado bem, presente no momento
da transferida do bem em contratos comutativos, ou seja, que obriga ambas as partes.
Porém deve ser um defeito capaz de tornar o bem impróprio para o uso a que se destina ou que
lhe diminui do valor.

Veja um caso prático no qual uma particular entrou com ação judicial alegando vício
redibitório contra outro particular que lhe vendeu um automóvel.

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SAIBA MAIS

Para ampliar o seu conhecimento a respeito desse assunto, veja abaixo as sugestões do
professor:

Análise do vício redibitório e da evicção

Leia o artigo no site sugerido e entenda conceitos e elementos do vício redibitório e da evicção.

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Diferenças entre vício redibitório e evicção

Compreenda as distinções entre vício redibitório e evicção com o artigo indicado.

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O vício redibitório em matéria de contrato do direito civil

A partir do artigo no site a seguir, entenda como se aplica o vício redibitório nos contratos de
direito civil.

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Você sabe o que é evicção?

No artigo a seguir, entenda uma pouco mais, especificamente, a respeito do tema evicção.
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Direito de superfície

APRESENTAÇÃO

O direito de superfície surgiu no ordenamento jurídico brasileiro com a intenção de substituir a


enfiteuse, que deixou de existir com o advento do Código Civil de 2002. Trata-se de um direito
real por meio do qual o proprietário concede a outra pessoa o direito de usar seu imóvel e deve
ser concretizado por meio do respectivo registro do Cartório de Imóveis. Ao se analisar o
conceito do direito de superfície, é possível identificar algumas semelhanças com o de locação
imobiliária — por exemplo, a previsão legal sobre o direito de preferência e o fato de que, em
ambos os institutos, a propriedade do bem imóvel não é transmitida e se verifica o uso e o gozo
do bem por terceiro. Contudo, não se pode confundir o direito de superfície com a locação, pois
os dois apresentam diferenças substanciais especialmente no que se refere à natureza jurídica.

Nesta Unidade de Aprendizagem, você irá conhecer os modos de constituição e de extinção do


direito de superfície, suas diferenças em relação à locação e como ele é regulamentado no
Código Civil e no Estatuto da Cidade.

Bons estudos.

Ao final desta Unidade de Aprendizagem, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

• Definir direito de superfície, bem como seus modos de constituição e extinção.


• Diferenciar direito de superfície de locação.
• Verificar as hipóteses de direito de superfície previstas no Código Civil e no Estatuto da
Cidade.

DESAFIO

O direito de superfície não pode ser confundido com a locação, de forma que, embora
apresentem algumas semelhanças, as diferenças entre os institutos são substanciais.

Sabendo disso, veja a seguinte situação:


Jonas soube, por um amigo, sobre o conceito do direito de superfície e procurou você, corretor
de imóveis, para saber sobre a viabilidade desse instituto em relação ao seu apartamento.

Considerando as disposições sobre o direito de superfície, discorra sobre como você poderia
orientar Jonas.

INFOGRÁFICO

Em muitos aspectos, como o direito de preferência e a importância da averbação do contrato no


Registro de Imóveis, o direito de superfície assemelha-se com a locação imobiliária. Contudo,
são institutos regulamentados por diplomas legais diversos, que se diferenciam substancialmente
e não podem ser confundidos especialmente no que se refere aos seus desdobramentos práticos.

No Infográfico a seguir, veja as principais diferenças entre o direito de superfície e a locação.


CONTEÚDO DO LIVRO

O Código Civil e o Estatuto da Cidade são diplomas legais vigentes e que regulamentam o
direito de superfície. Ainda que surjam divergências em suas disposições, que podem trazer
dúvidas ao intérprete, as duas legislações devem conviver em harmonia no ordenamento
jurídico, especialmente no que se refere à aplicação prática de suas diretrizes.

Na obra Relações jurídicas de propriedade, base teórica desta Unidade de Aprendizagem, leia o
capítulo Direito de superfície e conheça um pouco mais sobre essas normas e seus impactos na
operacionalização do direito de superfície.

Boa leitura.
RELAÇÕES
JURÍDICAS DE
PROPRIEDADE

Cinthia Louzada Ferreira Giacomelli


Direito de superfície
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

 Definir direito de superfície, bem como os seus modos de constituição


e extinção.
 Diferenciar direito de superfície de locação.
 Verificar as hipóteses de direito de superfície previstas no Código Civil
e no Estatuto da Cidade.

Introdução
A enfiteuse era um instituto jurídico que se caracterizava como direito real
e que foi substituída pelo direito de superfície, com o advento do Código
Civil de 2002, em razão de que esse instituto oferece mais vantagens e
maior segurança jurídica aos envolvidos. O direito de superfície é um
direito real por meio do qual o proprietário concede a outra pessoa o
direito de usar o seu imóvel, o qual deve ser concretizado por meio do
respectivo registro do Cartório de Imóveis.
Sob a perspectiva dos conceitos do direito de superfície, é possível
identificar algumas semelhanças com a locação imobiliária, como, por
exemplo, a previsão legal sobre o direito de preferência e o fato de que,
em ambos os institutos, a propriedade do bem imóvel não é transmitida
e se verificam o uso e o gozo do bem por terceiro. Contudo, o direito
de superfície não pode ser confundido com a locação, pois apresentam
diferenças substanciais especialmente no que se refere à natureza jurídica.
Neste capítulo, você vai ler sobre os modos de constituição e de
extinção do direito de superfície, as suas diferenças em relação à locação
e sua regulamentação no Código Civil e no Estatuto da Cidade.
2 Direito de superfície

Direito de superfície
O direito de superfície é um direito real, que se caracteriza pela concessão do
proprietário para outra pessoa — por tempo determinado ou não, de maneira
gratuita ou onerosa — do direito de construir ou plantar em seu imóvel. Assim
indica o art. 1.369 do Código Civil: “Art. 1.369 O proprietário pode conceder
a outrem o direito de construir ou de plantar em seu terreno, por tempo de-
terminado, mediante escritura pública devidamente registrada no Cartório de
Registro de Imóveis (BRASIL, 2002, documento on-line).
Já o art. 21 do Estatuto da Cidade — Lei nº. 10.257, de 10 de julho de
2001 — afirma: “Art. 21 O proprietário urbano poderá conceder a outrem o
direito de superfície do seu terreno, por tempo determinado ou indeterminado,
mediante escritura pública registrada no cartório de registro de imóveis”
(BRASIL, 2001, documento on-line).
O direito de superfície é, portanto, um direito real de gozo e fruição que
recai sobre bens imóveis, concretizado por meio de escritura pública registrada
no Cartório de Registro de Imóveis.
O direito de superfície surgiu no Estatuto da Cidade e no Código Civil de
2002 na intenção de substituir o instituto da enfiteuse, então banida, que se
caracterizava por permitir que o proprietário que não desejasse usar o imóvel
diretamente poderia cedê-lo a um interessado mediante a obrigação de paga-
mento de um foro para utilização do fundo. Como comenta Tartuce (2017), a
proposta do legislador era apresentar a superfície como uma alternativa mais
vantajosa do que a enfiteuse, em primeiro lugar porque a superfície pode ser
gratuita ou onerosa, enquanto a enfiteuse era sempre onerosa; em segundo,
pois a superfície é temporária ou não, enquanto a enfiteuse é necessariamente
perpétua, o que era uma grande desvantagem, pois a perpetuidade não é mais
marca dos novos tempos.
Assim, considerando que deveria ser formalizada por meio de um contrato
perpétuo, a enfiteuse firmada na vigência do Código Civil de 1916 ainda
permanecerá presente no nosso ordenamento jurídico, mesmo que não seja
mais regulamentada pelo Código Civil de 2002. Nesses casos, o diploma legal
antigo é o responsável por reger essas relações.
Feitas essas considerações iniciais, analisaremos a seguir as formas de
constituição e extinção do direito de superfície.
Direito de superfície 3

Constituição do direito de superfície


O contrato que institui a superfície pode ser gratuito ou oneroso. Nos contra-
tos gratuitos, o fundieiro fica temporariamente sem o imóvel e sem receber
qualquer contraprestação, porém, finda a concessão da superfície, receberá o
imóvel com acréscimos e mais valorizado. Da mesma forma, o superficiário
explorará o imóvel durante o prazo pactuado, podendo exercer atividade
econômica e auferir lucro.
Em caso de contrato oneroso, o pagamento poderá ser feito de uma vez
só ou parceladamente, nos termos do art. 1.370 do Código Civil. Para Diniz
(2017, p. 522), na hipótese de pagamento parcelado, o proprietário “[...] passará
a ter direito ao solarium ou cânon superficiário (remuneração periódica) e
nada obsta que haja previsão contratual de atualização monetária do valor
das prestações estipuladas”.
Não há previsão legal expressa no que se refere à constituição da superfície
por testamento, porém alguns autores, a exemplo de Flávio Tartuce (2017),
defendem tal possibilidade.
Qualquer que seja a hipótese de constituição do direito de superfície, o
superficiário deve zelar pelo imóvel como se fosse seu, respondendo também
pelos encargos e tributos incidentes sobre o bem, de acordo com o art. 1.371
do Código Civil: “Art. 1.371 O superficiário responderá pelos encargos e
tributos que incidirem sobre o imóvel” (BRASIL, 2002, documento on-line).

Há entendimentos que condenam a previsão do art. 1.371 do Código Civil, alegando


que o superficiário seria muito onerado ao arcar com tributos relativos a todo o imóvel,
incluindo áreas não ocupadas. Nesse sentido, está em tramitação na Câmara do
Deputados o Projeto de Lei nº. 699/2011, que pretende alterar o dispositivo do Código
Civil para trazer a mesma regra do Estatuto da Cidade, no art. 21, § 3º:

Art. 21 [...]
§ 3º O superficiário responderá integralmente pelos encargos e tribu-
tos que incidirem sobre a propriedade superficiária, arcando, ainda,
proporcionalmente à sua parcela de ocupação efetiva, com os encargos
e tributos sobre a área objeto da concessão do direito de superfície,
salvo disposição em contrário do contrato respectivo (BRASIL, 2002,
documento on-line).
4 Direito de superfície

Extinção do direito de superfície


As hipóteses de extinção do direito de superfície estão previstas tanto no
Código Civil quanto no Estatuto da Cidade. Diniz (2017) apresenta algumas
situações que levam a superfície à extinção, são elas:

 pela consolidação (verificada quando o superficiário adquire o imóvel


e passa a ser proprietário e não mais superficiário);
 pelo inadimplemento das obrigações;
 pelo advento do termo;
 pelo fato de o superficiário dar destinação diversa ao terreno ou não
atender à função social da propriedade;
 pela renúncia do superficiário;
 pelo distrato;
 pelo perecimento do imóvel;
 pelo não uso do direito de construir ou plantar no prazo estipulado;
 pela desapropriação;
 pelo falecimento do superficiário sem herdeiros.

Sobre a desapropriação, o art. 1.376 do Código Civil prevê: “Art. 1.376 No


caso de extinção do direito de superfície em consequência de desapropriação,
a indenização cabe ao proprietário e ao superficiário, no valor correspondente
ao direito real de cada um” (BRASIL, 2002, documento on-line).
No que se refere ao falecimento do superficiário sem herdeiros, destacamos
a previsão do art. 1.372 do Código Civil, cuja indicação é que, na existência de
herdeiros, estes serão os titulares do direito de superfície até a sua extinção.
O contrato não pode obstar a sucessão por morte, da mesma forma que não
poderá haver pagamento em virtude de transferência:

Art. 1.372 O direito de superfície pode transferir-se a terceiros e, por morte


do superficiário, aos seus herdeiros.
Parágrafo único. Não poderá ser estipulado pelo concedente, a nenhum título,
qualquer pagamento pela transferência (BRASIL, 2002, documento on-line).

Assim também dispõem os §§ 4º e 5º do art. 21 do Estatuto da Cidade:


Direito de superfície 5

Art. 21 [...]
§ 4º O direito de superfície pode ser transferido a terceiros, obedecidos os
termos do contrato respectivo.
§ 5º Por morte do superficiário, os seus direitos transmitem-se a seus herdeiros
(BRASIL, 2001, documento on-line).

A extinção do direito de superfície, assim como sua constituição, também


deverá ser averbada no Registro de Imóveis, de acordo com o § 2º do art. 24 do
Estatuto da Cidade. A partir disso, está estabelecida a recuperação do domínio
pleno do imóvel pelo proprietário. Essa situação é chamada pela doutrina de
reversão (BRASIL, 2001).

Direito de superfície e locação


Ao analisarmos as definições do direito de superfície, podemos perceber que
este não pode ser confundido com a locação imobiliária, pois o direito de
superfície é um direito real, com direitos específicos, ao passo que a locação
é um contrato, com eficácia obrigacional. Outros aspectos — como a forma de
negociação e o meio de retomada judicial do imóvel, se necessário — também
são diversos.

O direito de superfície também não pode ser confundido com o arrendamento: o


direito de superfície é uma relação de direito real, enquanto o arrendamento é uma
relação de direito obrigacional, assim como a locação imobiliária. A diferença entre
ambos é que, no arrendamento, o valor pago pode ser abatido para compra do imóvel
pelo arrendatário. Por outro lado, o arrendatário, assim como o locatário, não é dono
do imóvel, enquanto o superficiário é dono da propriedade superficiária. Além disso,
a onerosidade é essencial no arrendamento e na locação, enquanto no direito de
superfície é opcional.
6 Direito de superfície

No entanto, percebemos também semelhanças entre o direito de superfície e


o arrendamento, tendo em vista principalmente que, em ambos, a propriedade
do bem imóvel não é transmitida e se verificam o uso e o gozo do bem por
terceiro. Outro aspecto semelhante entre o direito de superfície e a locação é
o registro dessa condição no Registro de Imóveis: não é comum que contratos
de locação sejam registrados, porém a respectiva averbação é necessária e
constitui um importante elemento de eficácia do pactuado entre as partes.
Na locação, existe o que chamamos de direito de preferência. Trata-se
de um efeito perante terceiros que consiste na preferência do locatário em
adquirir o imóvel, em caso de alienação pelo proprietário. Assim prevê o art.
27 da Lei nº. 8.245, de 18 de outubro de 1991, a Lei de Locações:

Art. 27 No caso de venda, promessa de venda, cessão ou promessa de cessão


de direitos ou dação em pagamento, o locatário tem preferência para adquirir
o imóvel locado, em igualdade de condições com terceiros, devendo o locador
dar-lhe conhecimento do negócio mediante notificação judicial, extrajudicial
ou outro meio de ciência inequívoca (BRASIL, 1991, documento on-line).

Caso o proprietário não cumpra com as disposições do artigo citado, o


locatário preterido no seu direito de preferência poderá reclamar perdas e danos
ou, depositando o preço e demais despesas do ato de transferência, haver para
si o imóvel desde que o requeira no prazo de 6 meses a contar do registro do
ato no Cartório de Imóveis, nos termos do art. 33 da Lei de Locações.
O direito de preferência também está previsto no Código Civil aplicável ao
direito de superfície. Nos termos do art. 1.373: “Art. 1.373 Em caso de alienação
do imóvel ou do direito de superfície, o superficiário ou o proprietário tem direito
de preferência, em igualdade de condições” (BRASIL, 2002, documento on-line).
Para Venosa (2018, p. 492), “[...] ao estatuir a preempção ou preferência
nesse instituto, traduz-se tendência natural de extinção de direito real sobre
coisa alheia, tornando propriedade plena”. Assim, a finalidade desse direito
é consolidar a propriedade em um único titular, de preferência, tanto sob a
perspectiva do superficiário quanto do proprietário.
O Código Civil não indica a forma como deve ocorrer a preferência ao
superficiário, embora regulamente outros aspectos da preferência, nos arts.
513 e seguintes. O art. 517, por exemplo, refere o prazo de 60 dias para o
exercício do direito de preferência, após a notificação; quando esse direito
não for concedido, o alienante responderá por perdas e danos, respondendo
também solidariamente com o adquirente, caso este tenha agido com má-fé
(BRASIL, 2002).
Direito de superfície 7

O direito de preferência é garantido aos superficiários e aos proprietários. Caso o


proprietário pretenda alienar o imóvel, o superficiário tem o direito de preferência.
Caso o superficiário queira alienar o direito de superfície, o proprietário tem o direito
de preferência.

Ao contrário do que se verifica no direito de preferência, no caso das


locações imobiliárias, não há, no direito de superfície, previsão expressa que
autorize o preterido depositar o preço e haver a coisa para si, como prevê a
Lei de Locações. No entanto, há o Enunciado nº 510 do Conselho da Justiça
Federal, aprovado na V Jornada de Direito Civil, que dispõe:

Ao superficiário que não foi previamente notificado pelo proprietário para


exercer o direito de preferência previsto no art. 1.373 do CC é assegurado o
direito de, no prazo de seis meses, contado do registro da alienação, adjudicar
para si o bem mediante depósito do preço (CFJ, [2019], documento on-line).

Ressaltamos que essa hipótese é cabível apenas no caso de alienação


onerosa, considerando que as alienações gratuitas dependem da liberdade do
alienante, que poderá escolher livremente quem será o beneficiário.

Previsão legal
Conforme comentado, o direito de superfície é regulado pelo Código Civil
e pelo Estatuto da Cidade. Ambos são diplomas legais que passaram a viger
na mesma época, o que exige do intérprete atenção e cuidado em casos de
conflito de normas.
Conforme Venosa (2018, p. 490), “[...] é de se perguntar se, no conflito
de normas, o presente Código, como lei posterior, derroga os princípios do
Estatuto. [...] o Estatuto vigorará sobranceiro no seu alcance de atuação, em
princípio, sobre as demais leis, ainda que posteriores”. Aqui, o autor ressalta
a primeira diferença entre essas normas: o Estatuto da Cidade trata do direito
de superfície aplicável apenas aos imóveis urbanos, enquanto o Código Civil
abrange os imóveis urbanos e rurais, ao mencionar “[...] o direito de construir ou
de plantar em seu terreno”, no art. 1.369 (BRASIL, 2002, documento on-line).
8 Direito de superfície

Como segunda diferença entre os referidos diplomas legais, destacamos o


prazo para o exercício do direito de superfície. Ao contrário das disposições
do art. 1.369 do Código Civil, o art. 21 do Estatuto da Cidade dispõe: “Art.
21 O proprietário urbano poderá conceder a outrem o direito de superfície
do seu terreno, por tempo determinado ou indeterminado, mediante escri-
tura pública registrada no cartório de registro de imóveis” (BRASIL, 2001,
documento on-line).
No Estatuto da Cidade, ao contrário do que dispõe o Código Civil no art.
1.329, o direito de superfície pode ser por prazo determinado ou indeterminado.
A terceira diferença consiste na utilização do imóvel. Enquanto o Código
Civil, no parágrafo único do art. 1.369, indica que “[...] o direito de superfície
não autoriza obra no subsolo, salvo se for inerente ao objeto da concessão”
(BRASIL, 2002, documento on-line), o § 1º do art. 21 do Estatuto da Cidade
prevê que “[...] o direito de superfície abrange o direito de utilizar o solo, o
subsolo ou o espaço aéreo relativo ao terreno, na forma estabelecida no contrato
respectivo, atendida a legislação urbanística” (BRASIL, 2001, documento on-
-line). O que se depreende aqui é a importância de expressa previsão contratual
sobre o tema, a fim de minimizar possíveis divergências.
Alguns autores defendem que as disposições sobre o direito de superfície
constantes no Estatuto da Cidade devem ser revogadas, contudo, trata-se de
posicionamento sem forte embasamento legal. Nesse sentido, destacamos o
art. 2.043 do Código Civil: “Art. 2.043 Até que por outra forma se disciplinem,
continuam em vigor as disposições de natureza processual, administrativa ou
penal, constantes de leis cujos preceitos de natureza civil hajam sido incorpo-
rados a este Código” (BRASIL, 2002, documento on-line).
O Estatuto da Cidade é de natureza administrativa, o que justifica sua
manutenção. Da mesma forma, Tartuce (2017, p. 388) afirma que “[...] uma
norma especial anterior, como o Estatuto da Cidade, deve prevalecer sobre uma
norma geral posterior, como o CC/2002, eis que o critério da especialidade é
mais forte que o cronológico”. Assim, fato é que os dois regramentos sobre o
direito de superfície coexistem no ordenamento jurídico brasileiro e devem
ser interpretados de maneira harmônica.
Direito de superfície 9

BRASIL. Lei nº. 8.245, de 18 de outubro de 1991. Dispõe sobre as locações dos imóveis
urbanos e os procedimentos a elas pertinentes. Diário Oficial da União, 21 out. 1991. Dis-
ponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8245.htm. Acesso em: 11 jul. 2019.
BRASIL. Lei nº. 10.257, de 10 de julho de 2001. Regulamenta os arts. 182 e 183 da Consti-
tuição Federal, estabelece diretrizes gerais da política urbana e dá outras providências.
Diário Oficial da União, 11 jul. 2001. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/
leis/leis_2001/l10257.htm. Acesso em: 11 jul. 2019.
BRASIL. Lei nº. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Diário Oficial da
União, 11 jan. 2002. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/
l10406.htm. Acesso em: 11 jul. 2019.
CFJ. Enunciado no. 510. [2019]. Disponível em: https://www.cjf.jus.br/enunciados/enun-
ciado/579. Acesso em: 11 jul. 2019.
DINIZ, M. H. Curso de Direito Civil brasileiro: direito das coisas. 31. ed. São Paulo: Saraiva,
2017. v. 4.
TARTUCE, F. Direito Civil: direito das coisas. 9. ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2017. v. 4.
VENOSA, S. S. Direito Civil: reais. 18. ed. São Paulo: Atlas, 2018. v. 4.
DICA DO PROFESSOR

Constituído por meio de uma escritura pública que deve ser averbada no Registro de Imóveis, o
direito de superfície pode ser extinto por diversas razões, entre elas a desapropriação do imóvel.
Trata-se de procedimento administrativo que consiste na tomada do imóvel, pelo Poder Público,
em virtude de interesse da Administração Pública.

Na Dica do Professor de hoje, conheça os principais conceitos sobre a desapropriação e seus


desdobramentos para o direito de superfície.
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EXERCÍCIOS

1) A constituição do direito de superfície deve ocorrer mediante escritura pública


averbada no Cartório de Imóveis. Sobre o contrato que institui o direito de
superfície, é correto afirmar que:

A) o contrato pode ser gratuito ou oneroso.

B) o contrato oneroso exige parcela única, chamada de cânon superficiário.

C) é expressamente proibido constituir direito de superfície por testamento.

D) o contrato gratuito impõe que o proprietário receba uma contraprestação.

E) os tributos e encargos sobre o imóvel são de responsabilidade do proprietário.

2)
As hipóteses de extinção do direito de superfície estão previstas tanto no Código Civil
quanto no Estatuto da Cidade. Quando o superficiário adquire o imóvel e passa a ser
proprietário, o direito de superfície é extinto de que forma?

A) Pela desapropriação.

B) Pelo inadimplemento das obrigações.

C) Pela consolidação.

D) Pelo distrato.

E) Pela renúncia.

3) A locação imobiliária e o direito de superfície são institutos que não podem ser
confundidos, embora apresentem algumas semelhanças em comum. Qual das
alternativas a seguir indica uma dessas semelhanças?

A) A transferência da propriedade do bem imóvel.

B) A natureza jurídica de direito real.

C) A constituição por instrumento público.

D) A previsão do direito de preferência.

E) A retomada do imóvel por meio de ação possessória.

4) Considere a assertiva a seguir:


A onerosidade é um elemento essencial para _________ e para _________, sendo que
o valor pago por este último pode ser abatido do preço final em caso de compra do
imóvel. Por sua vez, a onerosidade não é obrigatória para __________ .

As expressões que preenchem as lacunas corretamente são:

A) o direito de superfície, a locação, o arrendamento.

B) a locação, o arrendamento, o direito de superfície.

C) o arrendamento, o direito de superfície, a locação.

D) a locação, o direito de superfície, o arrendamento.

E) o arrendamento, a locação, o direito de superfície.

5) O Código Civil e o Estatuto da Cidade regulamentam o direito de superfície no


ordenamento jurídico brasileiro. Sobre essas legislações, considere as afirmativas:

I — As disposições de uma lei são inteiramente reproduzidas na outra.

II — O Estatuto da Cidade trata do direito de superfície apenas em relação aos


imóveis urbanos.

III — O Código Civil indica que o direito de superfície deve ser de prazo
determinado, enquanto o Estatuto da Cidade prevê também a possibilidade de prazo
indeterminado.

É correto afirmar que:

A) apenas a afirmativa I está correta.

B) apenas a afirmativa II está correta.


C) apenas a afirmativa III está correta.

D) apenas as afirmativas I e II estão corretas.

E) Apenas as afirmativas II e III estão corretas.

NA PRÁTICA

Uma vez regularmente constituído, o direito de superfície opera plenamente seus efeitos até que
se verifique uma das causas de extinção, como a morte do superficiário, por exemplo. Contudo,
trata-se de hipótese que ainda assim poderá ensejar a continuidade do direito de superfície, nos
termos do Código Civil e do Estatuto da Cidade.

Conheça a história do senhor Alcir e veja uma situação em que, mesmo com a morte do
superficiário, o direito de superfície permaneceu vigente.
SAIBA MAIS

Para ampliar o seu conhecimento a respeito desse assunto, veja abaixo as sugestões do
professor:

Direito de superfície

Para saber mais sobre os conceitos do direito de superfície, leia este artigo.

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Direito de superfície é alternativa para alugar imóveis

Para saber mais sobre o direito de superfície, leia este artigo, que o trata como alternativa para a
locação de imóveis.

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IRIB Responde – direito de superfície

Acesse o site e veja como o Instituto de Registro Imobiliário do Brasil (IRIB) respondeu a uma
questão muito comum sobre o direito de superfície.

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