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PGM-RIO – PROCURADOR – TURMA EXTENSIVA

03ª RODADA

SUMÁRIO

DIREITO PROCESSUAL CIVIL ............................................................................................. 2


1.1 Processo Coletivo no NCPC ................................................................................................. 2
1.2 Demandas de massa e o NCPC ............................................................................................ 7
1.3 Métodos alternativos de solução de conflitos e a fazenda pública .................................. 12
1.4 A ordem do processo nos tribunais no CPC-2015 e o sistema de precedentes: voto
vencido, redação de acórdão e colheita de votos .................................................................. 21
DIREITO DO TRABALHO ................................................................................................. 29
2.1 Principais pontos da Reforma Trabalhista ........................................................................ 29
2.2 Reforma Trabalhista e Contratações Públicas – Impactos da reforma trabalhista sobre as
contratações públicas ............................................................................................................. 33
2.3 Responsabilidade subsidiária do Estado à luz da jurisprudência do STF e dos Tribunais
Trabalhistas ............................................................................................................................. 38
DIREITO CONSTITUCIONAL ............................................................................................ 40
3.1 Divisão de Competências em Saúde e a Responsabilidade dos Entes Federativos .......... 40
3.2 prazo em dobro à Fazenda Pública no processo objetivo de controle abstrato de
constitucionalidade ................................................................................................................. 43
DIREITO AMBIENTAL ...................................................................................................... 45
4.1 Integração e fragmentação no cadastro ambiental rural (CAR) ....................................... 45
4.2 Repartição de Competência Executiva em Matéria Ambiental ........................................ 48
4.3 Licenciamento ambiental estadual para transporte intermunicipal de produtos perigosos
................................................................................................................................................. 52
DIREITO PROCESSUAL CIVIL

1.1 Processo Coletivo no NCPC


(Palestra por Diogo Medina Maia, Advogado, em 28 de abril de 2019, na PGE-RJ)

Definição dos direitos objeto da tutela:

Utilizou-se a definição padrão dos estudos Professor Barbosa Moreira sobre os


direitos difusos, direitos coletivos em sentido estrito e os direitos individuais
homogêneos. Encontram-se no artigo 81 do Código de Defesa do Co nsumidor,
parágrafo único, incisos I, II e III, respectivamente.

É bastante difícil se compreender exatamente o que cada um quer dizer. Muitas


vezes, dentro do processo, não se sabe se o que está sendo discutido é direito
individual homogêneo, se é direit o coletivo em sentido estrito, às vezes até se
confunde com direitos difusos e não raro, também, a discussão se o direito é
heterogêneo, não sendo nenhum dos três e a hipótese não seria de defesa na
tutela coletiva.

Os direitos difusos e direitos coletivos são espécies típicas de direitos


transindividuais.

Os direitos individuais homogêneos propriamente não são coletivos. São direitos


individuais que por uma qualidade, por uma conveniência acabam sendo
defendidos de forma coletiva.

Os direitos coletivos, estritamente falando, direito típico transindividual, têm


essa característica da indivisibilidade. Não se consegue dividi -lo. São direitos que
não podem ser divididos sem que você provoque algum algum caos de no
sistema.

Os direitos difusos são caracterizad os por pessoas indeterminadas, porque a


quantidade é tão grande talvez, ou pelo direito pertencer a todos, que você não
consegue exatamente saber quem é quem. Por outro lado, há uma quantidade
bem definida, um grupo definido.

Os interesses difusos e interesses coletivos são indivisíveis, pois não tem como
dividir o sem afetar mais de uma pessoa. Porém a determinação é o fator
preponderante para você entender se o direito é difuso, se pertence a todos. Os
interesses coletivos em sentido estrito, por outro lado, são indivisíveis mas
pertencem a um grupo - grande às vezes até -, mas plenamente identificável,
porque se envolve a relação jurídica base como uma forma de vincular ou de
formar o grupo, categoria ou classe.
Já nos direitos individuais homogêneos , tem-se que por alguma conveniência, por
algum fator positivo, algum fator vantajoso, pega -se que aquele direito que é
divisível, é plenamente segmentável, e faz -se com que ele seja decidido de forma
conjunta. E aí se tem a possibilidade de produzir efeit os para além daquelas
pessoas que estão como titulares do direito figurando processo.

Legitimidade no Processo Coletivo:

Pelo nosso sistema, por padrão, definiu -se como identidade a pessoa que figura
no processo como titular do direito ou da obrigação cor respondente.

Quando há identidade absoluta entre a titularidade do direito ou da obrigação


correspondente e a parte processual, chama -se de legitimidade ordinária. a
legitimidade que se fala é ad causam no processo coletivo nesse momento.
Quem tem legitimidade ordinária é o titular do direito e é a parte figura no
processo.

Quando essa situação ela é diferente, ou seja, quando o direito que se põe em
debate vai além daquela pessoa que figura no processo, ou mesmo é até
diferente do direito próprio daquela pessoa que figura no processo defendendo,
se começa a debater sobre o outro conceito de legitimidade, que é a legitimidade
extraordinária.

Há muita discussão a respeito dos tipos de legitimidade, principalmente porque


no processo coletivo, normalmente, quem defende o direito não é o titular. A
exemplo, o Ministério Público defendendo consumidores, defendendo o direito
de outrem. Essa é a regra no processo coletivo. Logo, aqui, a regra é invertida. A
regra é que a pessoa que aparece no processo para defende r não é o titular da
relação jurídica material. Mas a regra mãe, a regra geral que existe, a cláusula de
legitimidade padrão que se tem como referência, é a do CPC.

Perspectiva histórica do Processo Coletivo e críticas :

Resumidamente, o processo coletivo vem de uma crise da jurisdicionalização de


alguns direitos, sob aquela ótica antiga do Princípio da inafastabilidade da tutela
jurisdicional de que tudo tem que cair para dentro do processo.

Até que com as ondas de renovação do acesso à justiça, a segunda onda advinda
dos estudos do Professor Mauro Cappelletti, em meados do século passado, veio
o processo coletivo, pois começou a se reconhecer que alguns direitos não
estavam bem resolvidos dentro do Direito Processual e isso tinha que ser
resolvido.
Nesse pacote vem o processo coletivo e se fala a gente fala no microssistema de
processo coletivo, que começou a Lei da Ação Civil Pública, em 1985, depois do
Código de Defesa do Consumidor, numa parte processual que traz a tutela
coletiva como um instrumento de defesa dos direitos coletivos.

Como o processo é instrumento, ele é feito para se adequar às hipóteses de


direito material a ser apreciada. Por isso se tem os procedimentos especiais.
Além disso, as ferramentas devem ser adequadas aquilo que se propõe a ser
usada.

O que precisa ser entendido é que o processo coletivo não é um instrumento de


defesa de direitos coletivos; ele é um instrumento de defesa coletiva de direitos.
A prova tá está nos direitos individuais homogêneos, que são acidentalmente
coletivos (por conta de algumas vantagens, eles são defendidos por meio da ação
coletiva).

O CPC/15 tratou de processo coletivo, mas de uma forma diferente. Deve -se
olhar para o processo coletivo de uma forma mais aberta e não tratar de
processo coletivo, mas sim da coletivização do processo. Porque se o processo
coletivo é uma ferramenta de solução coletiva de direitos, pode haver outras que
também resolvem coletivamente ou auxiliam na solução coletiva de direitos.

O CPC tratou de situações muito parecidas com a do processo coletivo sem dizer
que é processo coletivo. Se o processo coletivo como conhecemos tivesse sido
eficaz e resolvido quantidade excessiva de demandas, ninguém pensaria em IRDR,
em Recursos repetitivos etc.

Além disso, os legitimados na Lei da Aç ão Civil Pública e no Código de Defesa do


Consumidor são poucos. Então uma preocupação muito grande era não tem uma
representatividade adequada. Ou seja, uma quantidade de legitimados muito
pequena para o efetivo do problema, que são as demandas de massa, as
demandas repetidas.

O processo coletivo resolve muito, mas não resolve tudo. Por isso deve -se falar
mais do que processo coletivo, mas sim em coletivização do processo. Deve-se
pensar nos instrumentos que nos auxiliam a resolver coletivamente as demanda s,
porque até tem um viés de defesa de direitos específicos, mas tem inveja de
Administração da Justiça que não se pode deixar de analisar.

Depois que se consegue a decisão coletiva, há um gargalo difícil da execução


coletiva. Então nem para o próprio jur isdicionado que se valeu da decisão
coletiva, o processo coletivo se mostrou de fácil manejo. Ele pode até ser eficaz,
mas ele não é, nitidamente, de fácil manejo.

A coletivização do processo envolve outros instrumentos, então. O CPC focou


muito mais nisso, na coletivização do processo. Quando se cria esse tipo de
solução, se prestigia que a pessoa possa resolver o seu problema sem ir ao
judiciário. É o chamado direito de não estar em juízo. Ele pode pode vir do
direito de a pessoa se fazer representar, ou, tecnicamente, se substituir por um
terceiro dentro do processo. Ou pode ser também pelo fato de que a
jurisprudência espalhada e conhecida, seja boa, seja média e às vezes até sendo
ruim, ela vai dar ciência e vai orientar a forma como se tem que agir.

Assim, há que se falar de que a pessoa tem o direito de não estar na corte, se
não quiser, mas tem sim o direito de ser bem representado na corte, pois alguém
tem capacidade para representar e defender o seu direito.

No CPC novo isso fica claro dois instrum entos: no incidente de resolução de
demandas e no sistema de julgamento recursos repetitivos. Pode -se buscar essa
ótica coletiva, não preponderantemente, até no Incidente Assunção de
Competência, que diz-se que tem um caráter preventivo. E pode -se ver isso
também no sistema de julgamento constitucional de repercussão geral, em que
os critérios são vastos tem a ver com o interesse social.

Coletivização do processo e processo coletivo tradicional: semelhanças .

Um primeiro raciocínio diz respeito à a partici pação do Ministério Público. No


caso da ação civil pública, se o Ministério Público não for parte não for parte,
não for autor, ele participará. E se a parte do caso o abandonar ou desistir do
recurso (direito individual de direito de dispor, direito de n ão querer continuar o
recurso), de acordo com o art. 5ª, §3, caso o legitimado abandonar a ação, outros
legitimados serão intimados a assumir a legitimidade. O direito não está na mão,
necessariamente, da parte, porque a parte ali está defendendo direitos de
outros, direitos de pessoas que vão além daquela pessoa que está figurando no
processo.

Isso também acontece no IRDR e no recurso repetitivo, onde se tem que se a


parte abandonar o processo ou desistir do recurso, a tese continuará sendo
julgada. Embora ali não haja propriamente, tecnicamente um sistema de
substituição processual, mas se tem que aquele processo foi eleito como um
processo para ser julgado é um processo que está ali naquele momento para
aquela função específica, substituindo todos os dema is naquela tese.

A divulgação ampla também é uma característica que assemelha, que aproxima


os três instrumentos. Tem-se a divulgação dos bancos de dados, dos dispositivos
normativos relacionados no IRDR e no recurso repetitivo e o artigo 94 da Lei de
Ação Civil Pública, o edital de publicação nos meios de comunicação social para
divulgar a situação, que é coletiva e podem ter interessados, que não estão
figurados no processo, para que eles tomem ciência daquilo. E, ainda, a
suspensão dos processos relacionados. É uma questão que também tem na ação
civil pública, mas de uma forma diferente. Suspendem -se os recursos no IRDR ou
no recurso repetitivo, suspende o julgamento das ações no IRDR e na ação civil
pública, o titular de uma ação individual que se assem elha, pode requerer a
suspensão da sua própria da sua própria ação.
Quanto a outros aspectos do processo coletivo em si, do tradicional, existem
apenas duas previsões no CPC: o artigo 139, que diz que quando o juiz verificar o
excesso de demandas repetitivas, ele pode e deve intimar o Ministério Público e
a Defensoria para, se for o caso, promoverem a propositura da ação coletiva
respectiva.

As duas outras alterações do CPC que são valiosas para o processo coletivo
propriamente dito dizem respeito à legi timidade e à capacidade de ser parte. O
CPC de 1973, na previsão original da redação do artigo 6º, dizia que ninguém
poderia pleitear em nome próprio direito alheio, salvo quando expressamente
autorizado por lei. Esse “expressamente”o foi retirado por uma emenda do
Senado. Isso era reprodução do texto do CPC italiano, que vinha com essa
previsão estrita de autorização que deveria ser expressa. Isso caiu. Começou a
defender que como a autorização não precisava ser expressa, essa autorização da
legitimidade deveria decorrer do ordenamento jurídico. Toda vez que houver
necessidade de alguém defender direito e não existir precisamente um
legitimado pela lei e isso pudesse vir a provocar uma crise que possa conflitar e
atingir o núcleo de grande valores da Consti tuição, deve-se permitir que essas
pessoas sejam destinadas a atuar na defesa desse direito.

Tanto é assim, que o texto do CPC atual, em seu artigo 18, prevê que ninguém
poderá pleitear direito alheio em nome próprio, salvo quando autorizado pelo
ordenamento jurídico. Assim, ordenamento jurídico amplia o espectro das
possibilidades da ação coletiva.
1.2 Demandas de massa e o NCPC

(Palestra por Marco Antonio Rodrigues, Procurador na PGE-RJ, em 27 de abril de 2017, na PGE-
RJ)

Esse tema é um problema no Brasil, mas também é enfrentado por outros ordenamentos do
mundo ocidental.

O ponto de partida de seu sentido do acesso à justiça tradicionalmente no Brasil, porque


tradicionalmente, a garantia fundamental de acesso à justiça prevista no artigo 5º, XXXV da
Constituição, sempre foi vista como um direito de acesso ao poder judiciário. Não é um acesso
a solução justa. O acesso à justiça sempre foi visto como um direito de acesso ao judiciário, de
se levar uma demanda ao judiciário.

Na experiência brasileira vejam que isso ainda se agrava pensando na gratuidade de justiça. O
nosso sistema de assistência judiciária gratuita um sistema é de uma amplitude como em
nenhum outro país no mundo tem. Ao contrário, pois no direito estrangeiro, os sistemas de
assistência judiciária gratuita possuem algumas restrições e que, muitas vezes, são legítimas.
No Brasil, para não se arcar com as despesas do processo não há qualquer necessidade de
demonstração mínima de um direito. Diferentemente, em vários outros países, por exemplo, a
Alemanha, dentre muitos outros, onde aquele que se vale de uma isenção de despesas
processuais vai propor a sua demanda necessitando de demonstração mínima de que existe
em uma probabilidade de direito.

Não restam dúvidas, assim que a assistência judiciária gratuita gera um impacto em um
demandismo, ao lado do sentido do que é o acesso à justiça. Então, como consequência,
temos um elevadíssimo número de demandas tanto na justiça estadual como na justiça
federal. E isso leva a uma verdadeira crise da Justiça civil. Uma crise no sentido de que o
Judiciário não tem condições, muitas vezes, de responder com a brevidade necessária as
demandas que lhe são submetidas. Reflexo disso, na última década, quando houve a criação
da repercussão geral, a criação do regime dos recursos repetitivos (tanto na reforma
constitucional da Emenda 45, como pela reforma de 2008 sobre o Código de Processo Civil de
73).

A ideia era tentar desafogar os tribunais superiores do excesso de recursos. Mas o problema
do excesso de procedimentos não é um problema só de tribunais superiores. É um problema
do Brasil como um todo e dos nossos tribunais como um todo. E o Código de 2015 tem um
papel muito importante quando olhamos para esse problema das demandas de massa. O
Código, ciente desse problema, tenta trazer mecanismos que melhorem a eficiência da
prestação jurisdicional e, com isso, alteram os impactos que as demandas de massa aplicam na
própria celeridade do Poder Judiciário e, por via de consequência, na efetividade da prestação
jurisdicional.

Inclusive, o próprio artigo 8º, dentre as normas fundamentais do nosso Código de Processo,
prevê a eficiência enquanto norma fundamental. Não basta que cheguemos a uma decisão
daqui a 30 anos; é preciso que se tenha no processo a melhor performance possível para os
processos judiciais.
O código procura, por meio de diversos mecanismos, conter o excesso de litigiosidade. O
primeiro desses mecanismos da contenção da litigiosidade de massa em excesso é o sistema
de precedentes. O CPC de 2015 procura aprimorar um sistema de precedentes ou de padrões
decisórios. Na verdade, já tínhamos mesmo antes do Código de 2015, a previsão de certos
precedentes vinculantes ou de entendimento vinculantes. Por exemplo, a Constituição já
previa as súmulas vinculantes e o efeito vinculante das decisões de Ação Declaratória de
Constitucionalidade e Ação Direta de Inconstitucionalidade. Mas o Código de 2015 teve uma
preocupação de ampliação daqueles entendimentos que podem ser vinculantes.

Existe toda uma ética vinculada aos precedentes, pois há aqui uma preocupação com a
segurança jurídica, pela adoção de uma mesma solução para casos que tenham identidade de
direito. É uma forma, também, de assegurar a igualdade, quando se tem a obediência um
sistema de precedentes. Por isso, o CPC, no artigo 926, prevê a necessidade de que os
Tribunais observem os deveres de coerência e integridade de sua jurisprudência. Não é
possível que, no atual estágio civilizatório, essa semana tribunais decidam de uma maneira e
daqui a duas semanas decidam de maneira distinta uma mesma situação. Então, o Código
tenta combater isso pelo sistema de precedentes, ampliando quais são os precedentes
vinculantes. Com isso, o artigo 927 até tenta definir quais são alguns dos precedentes
vinculantes.

ATENÇÃO: Entendimentos vinculantes são apenas aqueles constantes dos incisos I a III do
artigo 927: As decisões do STF em controle concentrado de constitucionalidade, os enunciados
de súmula vinculante, os acórdãos em Incidentes de Assunção de Competência (art 947, CPC)
ou de Resolução de Demandas Repetitivas (art 985, CPC) e em julgamento de Recursos
extraordinário e especial repetitivos (art 1040, CPC). Com isso, tem-se o Código aprimorando o
sistema dos Recursos especiais e extraordinários repetitivos para facilitar essa aplicação da
decisão paradigmática para os casos que tratem da mesma questão.

Por exemplo, no novo Código tem-se a previsão de que o STF, ao reconhecer se tratar de um
recurso extraordinário repetitivo, ou o STJ, no caso de recurso especial, deverá proferir uma
decisão de afetação. Essa decisão que vai promover a suspensão nacional de processos sobre a
mesma questão, mas que também vai definir qual é a questão de direito que é repetitiva.

Até então, o que se tinha era a mera definição de uma tese, de maneira muito simples, que
entrava para o rol de testes que seriam julgados em recursos repetitivos. Mas agora, o Código,
até em nome da garantia da fundamentação das decisões, que foi tão prestigiada nesse
diploma de 2015, exige uma decisão de afetação. Isso vai facilitar a posterior aplicação
também daquele entendimento do recurso paradigmático para outros casos.

O Código traz o Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas. Sabe-se que as ações


coletivas, que tem previsão em vários diplomas no nosso sistema, não foram capazes de
reduzir a litigiosidade de massa. As ações coletivas não foram capazes de fazer isso porque,
pela sua própria lógica no artigo 104 do Código de Defesa do Consumidor, dá-se o direito de o
indivíduo optar propor ou prosseguir com sua ação individual na pendência de ação coletiva.
As ações coletivas, portanto, não estimulam essa redução da litigiosidade individual. Mas o
IRDR tenta reduzir essa litigiosidade, porque uma vez admitido o Incidente de Resolução de
Demandas Repetitivas, todos os processos que tratem daquela mesma questão de direito
perante o tribunal em que tramita o IRDR, ficarão suspensos por conta daquele Incidente. E a
decisão do incidente vai ter um caráter vinculante para os demais casos.
Outra forma de contenção da litigiosidade é o estímulo aos meios consensuais de solução de
controvérsias. O Artigo 3º do Código prevê no caput o direito de acesso à justiça, de forma
muito semelhante à redação do artigo 5º, XXXV da Constituição. Mas ao se analisar os
parágrafos do artigo 3º, nós tem-se a previsão dos meios consensuais de solução de
controvérsias. Há aqui uma mensagem do legislador, implícita: acessar a justiça não é só
acessar o judiciário; acessar a justiça é acessar algum meio adequado de solução da
controvérsia.

Por isso, acesso à justiça no atual sistema é acesso a solução justa para o conflito de interesses,
porque a solução justa não necessariamente advém do Poder Judiciário. O Código aqui está
aderindo a uma ideia que vem da década de 70, do direito norte-americano, a ideia dos
tribunais multiportas (multi door courts). Com essa ideia, nos Estados Unidos, há estados em
que o tribunal multiportas leva a cerca de 90% de êxito nos mecanismos de solução consensual
de controvérsias. Só 10% dos conflitos são realmente decididos pelo Judiciário.

A ideia do tribunal multiportas é de que aquele que precisa de uma solução para um conflito
de interesses, quando vai ao Judiciário, que a solução imposta por este Poder seja apenas uma
das portas para a solução do conflito. Como existem múltiplas portas, tem-se, por exemplo, a
porta da conciliação, a porta da mediação, a porta da convenção de arbitragem para que
posteriormente um árbitro decida. Então, o CPC adere essa ideia que é tão exitosa, por
exemplo, nos Estados Unidos.

Agora, porém, deve-se pensar em um segundo ponto para tentar conter a litigiosidade de
massa. Nesse momento, deve-se raciocinar como fica o papel do advogado público diante
dessas demandas de massa e diante desses mecanismos que o Código traz para conter a
litigiosidade de massa.

Deve-se ter em mente, de acordo com dados do CNJ, que dos 10 maiores litigantes nacionais,
6 são Fazendas Públicas. A fazenda tem uma quantidade infinitamente superior de relações
jurídicas do que qualquer litigante privado, justificando, portanto, sua posição em tal ranking.

O advogado público, diante do novo Código, tem um dever de orientação dos órgãos e
entidades da administração pública quanto a sua atuação diante dos precedentes. Assim, o
advogado público, diante de um precedente vinculante, deve orientar os órgãos e entidades
sobre se devem cumprir aquele precedente, e em que medida ele deve ser observado, ou em
que medida ele deve ser superado, até porque há técnicas de superação do precedente (o
distinguishing, o overruling, dentre outras).

Além disso, o advogado público vai ter um papel extremamente importante no que se refere à
eventual adoção de meios consensuais para a solução de controvérsias. Como são realidade no
CPC, a Administração Pública não fica alheia a eles. O próprio Artigo 3º, § 2º traz que o Estado
deverá, sempre que possível, promover a solução consensual do conflito. Isso mostra que a
administração pública também está sujeita a esses mecanismos. Obviamente que isso exigirá
muito mais cautelas da Administração Pública na adoção desses mecanismos.

Assim, tem-se nos precedentes vinculante um mecanismo objetivo para auxiliar a


Administração e o advogado público na avaliação de ser caso de realização de um acordo ou
não. Por exemplo, deve-se fazer a avaliação das chances de êxito na demanda, porque essa
avaliação das chances de êxito é certamente um critério para avaliar se seria adequado pensar
em um acordo.
Nesse ponto, o precedente aparece como um importante critério para adoção de um
mecanismo previsto para administração pública federal na Lei da Mediação (Lei 13.140), no
Artigo 35, a figura da transação por adesão. Nada impede que a legislação estadual ou
municipal preveja isso também por se tratar de matéria de Direito Administrativo.

Mas o que que é a transação por adesão? Diante de um parecer do advogado-geral da União
ou de uma orientação decorrente de entendimento do Tribunal Superior, a definição de
hipóteses para a realização de acordo e em que medida será feito acordo. Nesse caso,
qualquer administrado pode ir até lá e pedir para aderir àquele acordo. É um mecanismo de
realização de uma solução consensual. É muito interessante a previsão da lei federal, por uma
questão de impessoalidade, porque a transação por adesão faz com que a administração não
olhe para o administrado A, B ou C, para o nome, dele mas sim para qualquer pessoa que se
enquadre na controvérsia. Em tempos de operações de busca de combate à corrupção, isso é
uma forma de resguardar o advogado público de que amanhã não haverá qualquer tipo de
alegação de moralidade administrativa por conta de um acordo feito por um advogado público
em um caso e em outro caso idêntico, outro advogado público não celebrou o acordo.
Transações para adesão com base em precedente, então, são mecanismos que, sem dúvida,
objetivam o acordo.

Além disso, tem-se também que os precedentes têm um papel importante para definição de
chances de recursos, chances de êxito em recursos. O Código, como forma de redução de
litigiosidade em grau recursal, trouxe no Artigo 85, § 11, os honorários advocatícios recursais,
que são uma majoração da verba honorária prevista na decisão recorrida.

A crítica feita a esses honorários advocatícios recursais é de que o nosso sistema já previa a
pena de litigância de má-fé em oferta de um recurso protelatório. Só que, infelizmente, esse é
um mecanismo que praticamente caiu em desuso, a pena por litigância de má-fé pelo uso de
recurso protelatório. O que se tem, no máximo, são aquelas multas de embargos de
declaração no agravo interno protelatório sendo aplicadas. Nos demais recursos é uma
raridade ter a aplicação de multa. E aí o Código, como uma maneira de tentar reduzir o uso de
recursos de baixa chance, traz os honorários advocatícios recursais.

No caso da fazenda pública, em que se tem a indisponibilidade do interesse público que limita
a prática de atos positivos, eventual não interposição de recurso está sujeita a uma dispensa
genérica ou a uma dispensa específica? O precedente vinculante aqui tem um importante
papel para realizar um pedido de dispensa de recurso, ou até mesmo os precedentes
vinculantes, podem ser importantes mecanismos para que a Administração periodicamente
venha a editar dispensa genéricas de recurso com base nos precedentes vinculantes e, com
isso, traga uma maior eficiência para a atuação administrativa do advogado público.

Esse caso dos honorários advocatícios recursais é extremamente importante porque,


recentemente, o STF entendeu que até mesmo embargos de declaração estariam sujeitos a
honorários recursais quando tivessem por objetivo modificar a decisão. Críticas: difícil saber,
em alguns casos, se os embargos buscam a modificação da decisão ou se buscam um
verdadeiro esclarecimento da decisão. Além disso, o § 11 fala no tribunal majorar. Embargos
de declaração não são recurso puramente de competência de tribunal; embargos de
declaração de decisões de primeiro grau são da competência do juízo de primeiro grau, e pela
dicção da Lei ele não poderia.
Então, ao aplicar os horários recursais aos embargos de declaração, parece que vai ter que
haver um esforço hermenêutico tremendo porque vai se ter que ampliar a competência para
aditamento desses honorários. Não vai ser apenas do tribunal ou então eu fico diante de uma
situação anti-isonômica de só aplicar os honorários recursais para embargos declaração
perante tribunais.

Por isso se defende que os honorários recursais não contemplam embargos de declaração.
Porém, o STF chegou a admitir isso, o que nos mostra que é um espírito de tentar reduzir ao
máximo o uso de recursos.

Portanto, se nota que o CPC está ciente de que se tem um jejum de demandas de massa no
Brasil, o que faz com que o Judiciário, em todas as suas instâncias, tenha que se defender, na
prática, de tantas demandas. Diante de todos esses mecanismos que o Código traz, a solução
para o problema da tempestividade da tutela jurisdicional não está só na mão do Judiciário,
mas, sobretudo, nas mãos do advogado público e do advogado privado, porque o Código
espera dessas pessoas uma mudança de postura, uma postura de boa-fé e de cooperação,
dentro dos limites dos interesses de cada cliente.
1.3 Métodos alternativos de solução de conflitos e a fazenda pública

Conceitos básicos:

Sabemos que a via tradicional de composição de conflitos é a jurisdição contenciosa,


em que uma lide é resolvida pelo Estado-juiz, este impondo sua solução em caráter definitivo
e obrigatório às partes. Mas há outras formas, referidas na doutrina sob várias denominações
(meios alternativos de solução de controvérsias, ADR – alternative dispute resolution, etc)
fundamentadas na autonomia da vontade das partes que, de comum acordo, decidem
resolver o problema sem recorrer ao Estado (“autorregramento”). O Novo CPC deu destaque a
esses métodos, dispondo já no início:

Art. 3º Não se excluirá da apreciação jurisdicional ameaça ou lesão a direito.

§ 1º É permitida a arbitragem, na forma da lei.

§ 2º O Estado promoverá, sempre que possível, a solução consensual dos conflitos.

§ 3º A conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de


conflitos deverão ser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e
membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial.

Autocomposição x Heterocomposição:
Esses métodos alternativos podem ser de autocomposição ou heterocomposição:

Autocomposição Heterocomposição
(a solução é construída de maneira conjunta (um terceiro compõe o conflito e impõe a
pelas próprias partes do conflito) solução, substituindo a vontade das partes)
I. Transação (concessões recíprocas) i. Arbitragem*
II. Submissão (renúncia ao direito, ou ii. Jurisdição estatal**
reconhecimento da procedência do pedido)

Métodos: i) Mediação ii) Conciliação


**Entenda-se: jurisdição contenciosa, já que na
jurisdição voluntária não há verdadeiro conflito de
interesses (lide).

*Para Fredie Didier Jr. a arbitragem é também jurisdição e o Novo CPC teria acolhido esse
entendimento (minoritário; ainda prevalece que a jurisdição é atividade privativa do Estado,
que detém o monopólio da jurisdição, como uma das formas de seu ius imperium – acepção
publicística do processo.

Arbitragem x mediação e conciliação: A arbitragem é uma heterocomposição – o árbitro,


sujeito diferente das partes, decide por estas, conforme o seu próprio juízo – mas não deixa de
ser uma via consensual, pois as partes é que decidem se vão ou não submeter o conflito ao
juízo arbitral.
Arbitragem x jurisdição estatal: A arbitragem difere da jurisdição estatal (que apresenta o
atributo da inafastabilidade - art. 5º, XXXV da CF), porque a competência arbitral somente
surge se as partes assim acordarem (através de cláusula compromissória ou compromisso
arbitral). As decisões finais proferidas pelo juízo arbitral não podem ser revistas (reanálise do
mérito), mas tão somente anuladas pelo Poder Judiciário, se houver vícios, nos casos e na
forma dos arts. 32 e 33, caput, Lei n. 9.307/1996.

Mediação x Conciliação: Na mediação, o terceiro apenas aproxima as partes, possibilitando o


diálogo para que elas próprias encontrem uma solução. O mediador não pode sugerir soluções
para o conflito, por isso é comumente o melhor método para sujeitos que já possuem um
vínculo prévio, a exemplo da Administração Pública e do servidor (relação jurídica continuada).
Na conciliação, o conciliador atua orientando as partes em direção a um acordo, sua
participação na formação do consenso é mais ativa, não apenas de aproximação das partes,
mas também de condução, podendo propor soluções. Ideal para partes que não tinham
relação alguma até a ocorrência do conflito.

Art. 165, § 2o O conciliador, que atuará preferencialmente nos casos em que não houver
vínculo anterior entre as partes, poderá sugerir soluções para o litígio, sendo vedada a
utilização de qualquer tipo de constrangimento ou intimidação para que as partes
conciliem.

§ 3o O mediador, que atuará preferencialmente nos casos em que houver vínculo anterior
entre as partes, auxiliará aos interessados a compreender as questões e os interesses em
conflito, de modo que eles possam, pelo restabelecimento da comunicação, identificar, por
si próprios, soluções consensuais que gerem benefícios mútuos.

A autocomposição pode ser:

I. Judicial (dentro do processo)


II. Extrajudicial (antes ou fora do processo)

O Novo CPC expressamente acolheu essa classificação, dispondo no art. 515 que: “São títulos
executivos judiciais (...): II - a decisão homologatória de autocomposição judicial; III - a decisão
homologatória de autocomposição extrajudicial de qualquer natureza;”

O famoso “negócio jurídico processual”, permitido genericamente no art. 190 do CPC (cláusula
geral) é uma espécie de autocomposição judicial, só que neste caso o que as partes acordam
não é a matéria de fundo (direito material), mas sim regras processuais ou procedimentais. Por
isso também é chamado “convenção processual”.

A Fazenda Pública e os ADR

Tradicionalmente, o Direito brasileiro sempre guardou muitas ressalvas quanto à possibilidade


de utilização de ADR pela Fazenda Pública, mas isso está mudando, principalmente pelo
advento da legislação recente.

Óbices levantados à Administração


1º Indisponibilidade do interesse público

Segundo a doutrina tradicional, o patrimônio público de direitos e bens é apenas


administrado pelos agentes públicos, no interesse da coletividade, não podendo eles dispor do
que não lhes pertence, salvo existência de lei autorizativa, que tem a representatividade
popular necessária para legitimar o ato de disposição. Esse o princípio da indisponibilidade do
interesse público, originalmente entendido como obstáculo absoluto à negociabilidade no
âmbito da Administração.

Ocorre que, a par da polêmica e difícil distinção entre interesse público primário e
secundário, também se começou a questionar a (in)disponibilidade dos meios de tutela do
interesse público. Diogo de Figueiredo Moreira Neto (DFMN) diz que o interesse público
secundário é instrumental, logo, disponível, e, quanto ao interesse público primário – esse,
sim, indisponível - não se pode garantir que esse sempre será melhor atendido por uma
solução imposta pelo Estado-juiz. Isso decorre de um dos paradigmas da Administração
contemporânea eficiente: a consensualidade.

Assim, é possível que métodos alternativos sejam constitucionalmente mais adequados na


medida em que melhor satisfaçam o interesse público. (No mesmo sentido: Caio Tácito e
Alexandre Aragão).

Desta forma, é correto afirmar que a indisponibilidade do interesse público não se


confunde com a possibilidade de escolha (justificada) da maneira mais adequada de tutelá-lo.
São coisas distintas, de modo que, ainda que se trate de interesse público indisponível, isso
não significa, de antemão, um impedimento geral e abstrato à utilização de meios consensuais
de solução do conflito.

OBS: Quando haja lei expressa proibitiva, obviamente não há que se perquirir se o interesse
público é ou não disponível, pois essa análise já foi feita pelo legislador. É o caso da Lei
8429/92 que veda a transação, acordo ou conciliação nas ações de improbidade administrativa
(art. 17 §1º). O dispositivo chegou a ser revogado pela Medida provisória nº 703, de 2015, mas
esta não foi convertida em lei no prazo constitucional, de modo que voltou a viger a redação
original.

2º Princípio da publicidade

Alguns métodos de ADR tem como característica a confidencialidade (CPC, arts. 166 e
189) – muito comum, por exemplo, em arbitragem de causas que envolvam domínio de
tecnologias, o que seria incompatível com o princípio da publicidade (art. 37 da CF). No
entanto, há duas ressalvas: I) não é pacífico que a confidencialidade é imprescindível ao
sucesso dos métodos de ADR (v. arts. 30 e 31 da Lei 13.140/15) e II) normas legais não podem
prevalecer sobre norma de estatura constitucional, salvo quando tutelem outro valor ou
princípio também constitucional (ponderação).

Por isso, a doutrina entende que, via de regra, as normas do CPC e da Lei de
Arbitragem que impõem a confidencialidade devem sofrer a filtragem constitucional para que
o sigilo só ocorra nas hipóteses realmente justificáveis. Nesse sentido, foi editado o Enunciado
15 FPPC: As arbitragens que envolvem a Administração Pública respeitarão o princípio da
publicidade, observadas as exceções legais (vide art. 2º, § 3º, da Lei n. 9.307/1996, com a
redação da Lei n. 13.129/2015).
3º Princípio da legalidade administrativa

A necessidade de autorização legal específica para disposição de direitos por parte da


Administração sempre foi um óbice levantado pela maioria dos doutrinadores. Luis Roberto
Barroso, por exemplo, antes da alteração de 2015 na lei de arbitragem, defendia que essa
somente seria possível para a Administração nos casos pontuais previstos em leis próprias (ex:
lei da ANATEL).

Ocorre que o argumento da legalidade administrativa veio sendo enfraquecido pela


sucessão de leis que passaram a prever a possibilidade de diversos instrumentos de ADR
também para a Fazenda Pública. Vejamos:

1º Leis de algumas agências reguladoras, como a Lei 9472/97 (art. 93, XV) e Lei 9478/97
(art.43, X): autorizaram a arbitragem com a Administração.

2º Lei 11.079/2004 (PPP):

Art. 11. III – o emprego dos mecanismos privados de resolução de disputas,


inclusive a arbitragem, a ser realizada no Brasil e em língua portuguesa, nos
termos da Lei no 9.307, de 23 de setembro de 1996, para dirimir conflitos
decorrentes ou relacionados ao contrato.

3º Alteração na Lei 8.987/95 (concessões e permissões de serviços públicos):

Art. 23-A. O contrato de concessão poderá prever o emprego de mecanismos


privados para resolução de disputas decorrentes ou relacionadas ao contrato,
inclusive a arbitragem, a ser realizada no Brasil e em língua portuguesa, nos
termos da Lei no 9.307, de 23 de setembro de 1996. (Incluído pela Lei nº
11.196, de 2005)

4º Novo CPC (Lei 13.105/15) traz a possibilidade de mediação e conciliação envolvendo a


Administração Pública.

Art. 174. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios criarão câmaras


de mediação e conciliação, com atribuições relacionadas à solução consensual de
conflitos no âmbito administrativo, tais como:

I - dirimir conflitos envolvendo órgãos e entidades da administração pública;

II - avaliar a admissibilidade dos pedidos de resolução de conflitos, por meio de


conciliação, no âmbito da administração pública;

III - promover, quando couber, a celebração de termo de ajustamento de


conduta(*).

(*)Observe-se que o TAC, existente na tutela coletiva desde os anos 90 (incluído


pela Lei 8078/90 – CDC – na Lei 7347/85), é uma forma de solução consensual de
conflitos.

5º Lei 9307/96 (Lei da Arbitragem) alterada pela Lei 13.129/2015:


Art. 1º As pessoas capazes de contratar poderão valer-se da arbitragem para
dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis.

§ 1o A administração pública direta e indireta poderá utilizar-se da arbitragem


para dirimir conflitos relativos a direitos patrimoniais disponíveis. (Incluído
pela Lei nº 13.129, de 2015) (Vigência)

§ 2o A autoridade ou o órgão competente da administração pública direta para a


celebração de convenção de arbitragem é a mesma para a realização de acordos
ou transações. (Incluído pela Lei nº 13.129, de 2015) (Vigência)

6º Lei 13.140/2015: A Lei da Mediação entre particulares tratou também da Autocomposição


de conflitos no âmbito da Administração Pública federal.

As Câmaras de Mediação e Conciliação criadas no âmbito federal são


facultativas, claro, por força da inafastabilidade da jurisdição estatal. A lei só se
aplica na esfera federal, por isso Estados e Municípios necessitam editar leis
próprias regulamentando como se dará a mediação e a conciliação no âmbito de
suas Administrações, exceto na hipótese em que esses entes forem parte de um
conflito que envolva entidade da Administração federal, quando já se poderá
aplicar a lei, na forma do artigo 37:

Art. 37 É facultado aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, suas


autarquias e fundações públicas, bem como às empresas públicas e sociedades de
economia mista federais, submeter seus litígios com órgãos ou entidades da
administração pública federal à Advocacia-Geral da União, para fins de
composição extrajudicial do conflito.

O instituto da “transação por adesão” previsto no art. 35 é interessante para observar como é
perfeitamente possível a transação ser objetivamente controlada pela Administração.

Vale destacar que no Estado do Rio de Janeiro, desde 2013, já existe a Câmara de Resolução de
Litígios de Saúde (CRLS), que reúne a PGE-RJ, a PGM-RJ, o TJRJ, a Defensoria Pública do Estado,
a Defensoria Pública da União, a Secretaria de Estado de Saúde e a Secretaria Municipal de
Saúde para solucionar administrativamente demandas relacionadas a medicamentos e
tratamentos de saúde, utilizando dos métodos alternativos. Recentemente, também foi
lançado na PGE-RJ o programa “Mais Consenso”, com o objetivo de reduzir o número de
demandas judiciais no Estado através da mediação e da conciliação, buscando afirmar o
consenso como alternativa à unilateralidade e imperatividade da Administração Pública.
Destaque-se também a instituição da Câmara Administrativa de Solução de Conflitos (CASC),
que visa promover a obtenção de soluções consensuais em questões e litígios que envolvam
órgãos e entidades da Administração Pública Estadual, Direta e Indireta.

Negócios jurídicos processuais atípicos

A indisponibilidade do direito material não impede, por si só, a celebração de negócio jurídico
processual (Enunciado 135 do FPPC). A Fazenda Pública pode celebrar negócio jurídico
processual (Enunciado 256 do FPPC).
 O art. 190 CPC diz que não podem ser objeto de NJP “direitos que não admitam
autocomposição”. A doutrina exemplifica quais seriam esses direitos:

I. normas de ordem pública (v.g.: É inválida a convenção para excluir a intervenção do


Ministério Público como fiscal da ordem jurídica)
II. prerrogativas processuais da Fazenda (quando são legítimas – não meros privilégios
– são direitos indisponíveis)

Arbitragem

Com a Lei 13.129, encerrou-se a discussão quanto à “arbitrabilidade subjetiva” (quem


pode se valer da arbitragem), pois agora é expressa a possibilidade de a Administração se
submeter ao juízo arbitral. Contudo, permaneceram ainda as dúvidas acerca da
“arbitrabilidade objetiva” (o que pode ser arbitrado), pois a lei diz apenas “direitos
patrimoniais disponíveis”.

Embora seja conceito indeterminado, pode-se afirmar que todos os direitos que
podem ser objeto de contrato (negócio jurídico material) pela Administração podem ser
também objeto de arbitragem. Ressalva se faz quanto às cláusulas exorbitantes, que seriam
questões não arbitráveis, porque irrenunciáveis (tutelariam o interesse público primário,
indisponível).

Para Alexandre Câmara, por outro lado, só pode haver arbitragem para os contratos privados
da Administração, excluindo-se os contratos administrativos típicos. O tema ainda é muito
controverso, mas essas são algumas posições que vale a pena citar em prova.

Sobre o tema, é importante saber ainda que: I) a arbitragem envolvendo a Fazenda só pode
ser de direito, nunca por equidade, por causa do princípio da legalidade (art. 2º §3º Lei
9.307/96); II) a sentença arbitral não está sujeita ao reexame necessário (En. 164 FPPC); III) a
sentença arbitral é titulo executivo judicial (art. 515, VII) executável normalmente contra a
Fazenda, isto é, pelo rito dos precatórios ou RPV.

Audiência de Conciliação ou Mediação no Novo CPC

Há entendimento de que a norma do art. 334 não pode ser aplicada enquanto não houver lei
ou ato do Chefe do Executivo regulamentando-a, já que os advogados públicos precisam de
poderes especiais para transigir.

No Estado do Rio de Janeiro a Fazenda Pública não vem participando dessas audiências, sendo
entendido que, não havendo ainda regulamentação estadual sobre quais casos podem ser
submetidos à autocomposição, todas as causas se enquadram na hipótese do art. 334, §4º,
inciso II.

A mediação como uma nova visão da Advocacia

Em seminário realizado pela Procuradoria Geral do Estado do Rio de Janeiro onde se debateu a
mediação como alternativa de solução de conflitos a Procuradora do Estado Aline Paola
Camara de Almeida disse que “a mediação é uma nova visão da Advocacia” e indagou se a
consensualidade não seria um novo paradigma para a Advocacia Pública. Ela explicou que a Lei
13.140/2015, que dispõe sobre a mediação entre particulares como meio de solução de
controvérsias e sobre a autocomposição de conflitos no âmbito da administração pública, faz
parte de um contexto onde também se incluem outras leis, como a Lei de Concessões de
Serviços Públicos (LEI Nº 8.987, DE 13 DE FEVEREIRO DE 1995), a Lei das Parcerias Público-
Privadas (LEI Nº 11.079, DE 30 DE DEZEMBRO DE 2004), a Lei do Regime Diferenciado de
Contratação (LEI Nº 12.462, DE 4 DE AGOSTO DE 2011), a Lei de Arbitragem (LEI Nº 9.307, DE
23 DE SETEMBRO DE 1996) e o novo CPC.

Segundo Aline Paola Camara de Almeida, “o advogado público deve pensar na defesa do
erário, mas deve levar em conta também o custo de decisões demoradas”. Ela destacou
como casos de sucesso as duas câmaras criadas pela PGE-RJ em parceria com outros órgãos do
Estado e com a Defensoria Pública: Câmara de Resolução de Litígios de Saúde (CRLS) e Câmara
Administrativa de Solução de Conflitos (CASC) para conciliar litígios na área da educação. No
caso da CRLS, disse que atendeu 30 mil pessoas em quatro anos, das quais 15 mil tiveram seu
pleito atendido. Isso significou 15 mil ações judiciais a menos. Para ela, “as duas câmaras já
estão dando um bom exemplo, mas precisamos pensar em como ampliar essa forma de
atuação”.

A maioria das normas cuida dos contratos administrativos (concessão, PPP, o RDC), mas não é
somente nesse ramo que se pode pensar em consensualidade na administração pública
porque os conflitos não estão limitados a esses temas, das procuradorias especializadas se tem
conflito na área de tributação, na área de pessoal, na área de meio ambiente,
desapropriações, indenizações, de uma forma geral contratações públicas, alguns conflitos de
direito do trabalho, conflitos previdenciários. Portanto, tem que se pensar em novas formas de
solução e a lei 13.140 veio trazer a autocomposição para a administração.

A autocomposição ela acaba exigindo da administração o maior compromisso com a solução


do conflito, ela resolve, de uma certa maneira, colocar também nas mãos do advogado
público uma responsabilidade pela boa solução da questão, não vai bastar somente ao
procurador ser um ótimo advogado combativo, ser um ótimo advogado que vai expor perante
o tribunal todos os problemas para defender a administração até sob o ponto de vista, por
exemplo, processual, o que está em voga é a solução daquele problema para o administrado
e exige um maior compromisso entre as partes.

Como é que a administração vai colocar os seus conflitos em arbitragem se o interesse


público é indisponível? Será que todo interesse público é indisponível?

Vale inicialmente relembrar a distinção entre interesse público primário e secundário:

Interesse público primário Interesse público secundário

é o verdadeiro interesse a que se destina visa o interesse patrimonial do Estado.


a Administração Pública, pois este
alcança o interesse da coletividade e
possui supremacia sobre o particular.

Segundo a Procuradora, todo aquele negócio público que possa ser negociado, ou que pelo
menos tenham uma representação patrimonial, ele pode ser levado a formas de solução,
porque não é somente a administração pública que pode determinar que tipo de interesse
público seja esse. Ainda que se tenha a ideia da supremacia do interesse público sobre o
interesse privado, hoje a moderna ideia de administração pública é ter o cidadão dentro da
ideia de sua própria administração, ter o administrado como um resultado final da sua ação
administrativa.

Ainda que a gente pense em interesses indisponíveis, sempre há determinadas categorias de


interesses indisponíveis que possam expressar algum valor patrimonial. Como exemplo temos
as matérias relativas a meio-ambiente (ainda que esse direito seja indisponível há uma
representação financeira e patrimonial que a administração pública possa pensar. Esse pode
ser um dos caminhos muito importantes pra que se pense ou repense a indisponibilidade do
interesse público).

Questões relativas ao equilíbrio econômico-financeiro do contrato: muitas dificuldades se


tem com relação à colocação do equilíbrio, mesmo assim a posição da administração de
parceria em relação ao contratado, uma relação de mais igualdade e de compreensão do outro
lado do que está sendo apresentado, tende a trazer maiores benefícios para o parceiro da
administração, que é o contratado que tanto tempo executou as obrigações que foram
firmados, o que não deixa de mostrar também um grande incentivo para a permanência desse
contratado e a prestação dos serviços públicos com maior qualidade, dessa norma só ficam
excluídas as controversas sujeitas a autorização legislativa (ex. desafetação de um bem que
passaria por uma autorização legislativa – não pode sofrer autocomposição).

Câmaras de prevenção e resolução administrativa de conflitos: nome genérico e que abarca,


numa visão mais geral, não só a conciliação mas também a própria prevenção, elas são criadas
no âmbito das advocacias públicas (trazendo um protagonismo especial da advocacia pública
para o trato dessa questão). A câmara não é obrigatória é sempre o administrado que vai
escolher se vai submeter o seu problema o seu conflito ao poder judiciário ou se vai levar
diretamente à câmera, então, não é uma etapa prévia para que se busca a solução do seu
problema no poder judiciário e tem a forma de funcionamento estabelecido em regulamento,
elas podem atuar de ofício ou mediante provocação e uma característica importante é que não
necessariamente elas precisam ser presenciais (pode-se imaginar vídeo conferências chats,
outras formas na solução do conflito).

Desafios da advocacia pública:

(i) O protagonismo dos advogados públicos: A procuradoria durante muitos anos foi
considerada um grande escritório de advocacia, essa fama, segundo a Procuradora, veio pelo
seu bom combate muitas causas ganhas, muitos processos importantes e talvez a própria
dinâmica dos conflitos seja fazer com que o advogado público trabalhe pelo processo, então, a
administração pública tem algum conflito ela espera não resolver isso, espera que seja
judicializado, porque mandar o processo para a procuradoria e aí a administração se livra
desse processo por anos até sair uma solução de maior vantagem para o administrador é que
muitas vezes ele não se envolve com a solução do conflito então na maioria das vezes não é o
administrador quem vai pagar a conta ele deixa a conta pro outro pagar quando é ele que tem
que pagar conta isso já traz uma maior responsabilidade para o próprio gestor e acho que esse
talvez seja o nosso maior desafio.

(ii) chamar o “cliente” para a solução da controvérsia porque se o advogado público é quem
está na ponta, é o protagonista dessa solução, ele não vai poder resolver a questão e isso tem
que partir de uma cultura e uma percepção da necessidade do gestor público é ele quem tem
que dar o ponta pé inicial, mas sobretudo ter o compromisso para solucionar a questão, é um
desafio bem importante, sabe-se de alguns casos que nem com uma decisão judicial transitada
em julgado há o cumprimento, como é que vai trazer o compromisso do gestor e o alertar da
necessidade dessa nova fórmula de solução.

(iii) A capacitação dos advogados públicos o procurador do estado não vai ser só aquele
combativo que vai na audiência que vai brigar na audiência que vai fazer uma ótima
sustentação oral mas principalmente aquele que está disposto a ouvir, a perceber o conflito e
tentar resolver o conflito, acaba trazendo uma mudança de cultura o advogado tem que partir
de novas formas de aprendizado, novas formas de aplicação de tudo aquilo que ele já tinha
aprendido é o que exigirá também um aprimoramento da estrutura física, agora tem que
pensar em novas formas de estrutura física para poder receber os administrados e receber
aquelas pessoas que estão insatisfeitas com o poder público.

(iv) a esperança da celeridade no procedimento se tem a ideia de que essas formas


consensuais trarão uma celeridade muito maior do que o procedimento judicial. Quando se
pensa em administração pública se a gente imaginar que você vai tirar todos essas ações do
poder judiciário e vai transferir para o ambiente da procuradoria, para que os procuradores
possam resolver todos esses conflitos, isso é uma preocupação, porque não vai ser somente
um problema com relação à cultura, é qual vai ser o modus operandi de fazer essa mágica
funcionar dessa maneira, então, talvez a gente tem que imaginar quais são os problemas que
serão resolvidos se são os que já estão postos ou se são os futuros, embora existam formas
interessantes e mais rápidas de poder dar uma uniformidade de decisão para todos.

Conclusão

Conclui-se que a Administração pode se valer dos ADRs, mas não incondicionalmente.
Em respeito à autonomia federativa, é preciso que haja a regulamentação de cada
ente, sobretudo por força do princípio da indisponibilidade do interesse público, dispondo
sobre quais matérias e em quais casos há interesse público na autocomposição. Isso porque
apesar de não haver proibição, a priori e em abstrato, à autocomposição ou à arbitragem, a
indisponibilidade do interesse público em concreto restringe o objeto que pode ser submetido
a esses meios alternativos.

Além de proteger o interesse público primário, a regulamentação por cada ente busca
preservar a isonomia e a impessoalidade, de modo a evitar que apenas parte dos
administrados que estejam na mesma situação tenha a oportunidade de transacionar com a
Fazenda, o que violaria frontalmente a igualdade.
1.4 A ordem do processo nos tribunais no CPC-2015 e o sistema de precedentes: voto
vencido, redação de acórdão e colheita de votos

1. Introdução

Como se sabe, o CPC-2015 pressupõe e organiza um sistema de precedentes


obrigatórios no Direito brasileiro.

O estudo do julgamento de casos repetitivos envolve o estudo conjunto do IRDR


(Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas) e dos Recursos Extraordinários e Especiais
Repetitivos.

Nesse sentido, dispõe o Enunciado 345 FPPC: O incidente de resolução de demandas


repetitivas e o julgamento dos recursos extraordinários e especiais repetitivos formam um
microssistema de solução de casos repetitivos, cujas normas de regência se complementam
reciprocamente e devem ser interpretadas conjuntamente. (arts. 976, 928 e 1.036)

Ambos os mecanismos também integram o microssistema de formação concentrada


de precedentes obrigatórios (art. 927, inciso III), além de terem a mesma finalidade: conferir
mais coerência e segurança jurídica ao sistema jurisdicional, uniformizando a jurisprudência.
Como se faz isso? Através da gestão de questões repetitivas + formação de orientações
vinculantes (precedentes).

Esse sistema impõe a releitura de alguns enunciados normativos sobre a ordem do


processo nos tribunais, que, embora sejam remanescentes do CPC-1973, precisam ser
ressignificados em um contexto normativo tão diverso.

O artigo buscou abordar três pontos:

1. a função do voto vencido;


2. a competência funcional para a redação do acórdão; e
3. o procedimento de colheita de votos em tribunal.

2. Conceito de acórdão no CPC-2015

Os julgamentos, nos tribunais, devem, em princípio, ser realizados de forma colegiada.


Na sessão de julgamento, cada membro profere seu voto. O voto consiste na manifestação
dada pelo julgador do órgão colegiado.

O acórdão é o julgamento proferido pelos tribunais:

Art. 204., CPC: Acórdão é o julgamento colegiado proferido pelos tribunais.


Formalmente, o julgamento difere do acórdão.

Julgamento Acórdão

→ O julgamento antecede o → O julgamento será, posteriormente, reduzido a


acórdão. escrito, recebendo, então, a denominação de acórdão.

→ Colhidos os votos dos → acórdão é a materialização do julgamento,


integrantes do órgão julgador, consistindo na redução a escrito da solução dada pelos
haverá o julgamento integrantes do colegiado

Com conteúdo de sentença ou com conteúdo de decisão interlocutória, não importa, o


acórdão deve, sempre, observar o disposto no art. 489 do CPC.

Art. 489. São elementos essenciais da sentença:

I - o relatório, que conterá os nomes das partes, a identificação do caso, com a


suma do pedido e da contestação, e o registro das principais ocorrências havidas
no andamento do processo;
II - os fundamentos, em que o juiz analisará as questões de fato e de direito;
III - o dispositivo, em que o juiz resolverá as questões principais que as partes lhe
submeterem.

§ 1º Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela


interlocutória, sentença ou acórdão, que:

I - se limitar à indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo, sem


explicar sua relação com a causa ou a questão decidida;
II - empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo concreto
de sua incidência no caso;
III - invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão;
IV - não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em
tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador;
V - se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus
fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta
àqueles fundamentos;
VI - deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado
pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a
superação do entendimento.

§ 2º No caso de colisão entre normas, o juiz deve justificar o objeto e os critérios


gerais da ponderação efetuada, enunciando as razões que autorizam a
interferência na norma afastada e as premissas fáticas que fundamentam a
conclusão.
§ 3º A decisão judicial deve ser interpretada a partir da conjugação de todos os
seus elementos e em conformidade com o princípio da boa-fé.

Vale dizer que o acórdão deve conter relatório, fundamentação e dispositivo.

Relatório: O relatório, nos acórdãos, exerce importantíssimo papel de identificação do


caso, com a delimitação das questões fáticas que lhe dizem respeito. Essa identificação é
fundamental em um sistema de precedentes, para que possa ser compreendido o contexto
fático em que determinado entendimento foi firmado.

Atenção: O legislador brasileiro criou uma ficção legal: o voto vencido deve ser
expressamente declarado e compõe o acórdão para todos os fins legais, incluindo o pré-
questionamento (art. 941, §3º, CPC).

Art. 941. Proferidos os votos, o presidente anunciará o resultado do julgamento,


designando para redigir o acórdão o relator ou, se vencido este, o autor do
primeiro voto vencedor.
[...]
§ 3º O voto vencido será necessariamente declarado e considerado parte
integrante do acórdão para todos os fins legais, inclusive de pré-
questionamento.

Pode haver mais de um voto vencido; havendo, todos devem ser juntados e passam a
fazer parte do acórdão. Em razão dessa mudança legislativa, deve ser cancelado o enunciado
320 da súmula do STJ: “a questão federal somente ventilada no voto vencido não atende ao
requisito do prequestionamento”.

Assim, o acórdão, para o CPC-2015, compõe-se da totalidade dos votos, vencedores e


vencidos. Se o voto vencido não for juntado, será caso de nulidade do acórdão, por vício da
fundamentação. Essa é uma mudança importante e que não pode ser desconsiderada.

3. O voto vencido e a sua função em um sistema de precedentes vinculantes

É possível identificar duas espécies de voto vencido.

Primeira espécie de voto vencido = simples Segunda espécie de voto vencido = dialoga
voto contrário com o posicionamento majoritário

Segundo Luiz Guilherme MARINONI é aquele Para demonstrar o equívoco da ratio decidendi
que “em qualquer preocupação em vencedora. Esse tipo de voto vencido, que é o
evidenciar que a ratio decidendi ou os relevante em um sistema de precedentes,
fundamento majoritário e concorrente estão Segundo Marinoni “tem a importância de
equivocados ou não podem prevalecer”. conferir à ‘falta de unanimidade’ o poder de
Esse voto acaba não tendo muita relevância, alçar a questão para a discussão da
pois é uma simples manifestação de que o comunidade, evitando que ela fique submersa
julgador não está de acordo com o resultado ou quase invisível, como se a ratio houvesse
da decisão. sido amparada pela unanimidade dos votos”.

Ao se incorporar ao acórdão, o voto vencido agrega a argumentação e as teses contrárias


àquela que restou vencedora; isso ajuda no desenvolvimento judicial do Direito, ao
estabelecer uma pauta a partir da qual se poderá identificar, no futuro, a viabilidade de
superação do precedente (art. 489, §1º, VI, e art. 927, §§2º, 3º e 4º, CPC).

Além disso, Segundo Guilherme Jales Sokal, o voto vencido demonstra a possibilidade de
a tese vencedora ser revista mais rapidamente, antes mesmo de a ela ser agregada qualquer
eficácia vinculante, o que pode fragilizar a base da confiança, pressuposto fático indispensável
à incidência do princípio da proteção da confiança. O voto vencido mantém a questão em
debate, estimulando a comunidade jurídica a discuti-la.

Note, ainda, que a inclusão do voto vencido no acórdão ratifica regra imprescindível ao
microssistema de formação concentrada de precedentes obrigatórios: a necessidade de o
acórdão do julgamento de casos repetitivos reproduzir a íntegra de todos os argumentos
contrários e favoráveis à tese discutida (arts. 984, § 2º, e 1.038, § 3º, CPC).

O voto vencido serve, ainda, como para auxiliar a intepretação do posicionamento


vencedor, facilitando a identificação da ratio decidendi: o conhecimento das razões vencidas
quase sempre esclarece as razões vencedoras.

4. Decisões plurais e voto concorrente

Chama-se decisão plural aquela que, embora haja maioria em relação ao resultado,
dela não há como extrair uma ratio decidendi, segundo Marinoni, “na medida em que
nenhum dos fundamentos que nela estão contidos são sustentados pela maioria”. Trata-se de
fenômeno comum na prática judiciária brasileira, mas que, em um sistema de precedentes, é
bem ruim, porque impede a formação do precedente.

Há casos em que a maioria do colegiado é favorável a um determinado resultado, mas


não há maioria em relação ao fundamento determinante da decisão. Nesses casos, surge o
chamado voto concorrente: o julgador adere ao resultado vencedor, sem aderir ao
fundamento.

O voto concorrente pode assumir uma dupla função: a) demonstrar que há um melhor
fundamento para a obtenção de um mesmo resultado; b) impedir a formação da ratio
decidendi e, portanto, do precedente, ao não permitir a obtenção da maioria em torno um
fundamento determinante.

5. Fundamentação do voto e fundamentação do acórdão. As decisões plurais


É preciso ainda distinguir fundamentação do voto e fundamentação do acórdão. A
fundamentação do acórdão deve apresentar os fundamentos determinantes que levaram a
maioria vencedora a inclinar-se por determinado resultado; da redação do acórdão é preciso
constar o pensamento da maioria, e não o pensamento do relator. Além disso, é preciso que
constem do acórdão os fundamentos divergentes, ainda que haja unanimidade em relação à
conclusão (enunciado 598 do Fórum Permanente de Processualistas Civis).

O acórdão não pode ser compreendido como a simples reunião dos votos isolados,
embora seja essa uma prática comum e perniciosa, sobretudo porque dificulta, quando não
inviabiliza, a identificação da ratio decidendi. É por isso, aliás, que “ainda que o resultado do
julgamento seja unânime, é obrigatória a inclusão no acórdão dos fundamentos empregados
por todos os julgadores para dar base à decisão” (enunciado 597 do Fórum Permanente de
Processualistas Civis).

Pode ser conveniente, nos casos de acórdãos proferidos em incidentes de formação


concentrada de precedentes obrigatórios (incidente de julgamento de casos repetitivos,
incidente de assunção de competência e incidente de arguição de inconstitucionalidade), que
o relator submeta, eletronicamente, a proposta de redação do acórdão para o órgão que
proferiu a decisão. O regimento interno do tribunal pode estabelecer um prazo para
manifestação dos julgadores, considerando-se o silêncio como concordância com a proposta
apresentada.

6. Redação do acórdão em caso de divergência.

Proferido o julgamento colegiado, o resultado é divulgado aos advogados e às partes


pelo órgão oficial. É o que se chama, na praxe forense, de publicação da resenha de
julgamento. Nesse momento, ainda não existe acórdão. Apenas foi anunciado o resultado final
do julgamento. Os autos irão para o relator ou para quem proferiu o primeiro voto vencedor, a
fim de que seja lavrado o acórdão (CPC, art. 941).

Lavrar o acórdão significa escrever, redigir o acórdão. Essa, normalmente, é uma tarefa
atribuída ao relator, a não ser quando tenha sido vencido. A dissidência pode dizer respeito
tanto ao fundamento determinante (ratio decidendi) quanto à conclusão. É o redator do
acórdão aquele que levará a causa para reapreciação, no caso do inciso II do art. 1.040 do CPC.

Art. 1.040. Publicado o acórdão paradigma:

[...]

II - o órgão que proferiu o acórdão recorrido, na origem, reexaminará o processo


de competência originária, a remessa necessária ou o recurso anteriormente
julgado, se o acórdão recorrido contrariar a orientação do tribunal superior;

Exemplo 1: caso discorde da conclusão apresentada pelo relator, o julgador será


designado como redator para o acórdão, se o seu entendimento restar vencedor.
Exemplo 2: caso concorde com o relator em relação à conclusão, mas traga fundamento
determinante que acabe prevalecendo, o julgador que puxou a divergência será designado
como redator do acórdão – isso evita que o acórdão fique enviesado com a fundamentação do
relator originário, que ficou vencida, a despeito de a sua conclusão ter sido acolhida.

No regime do CPC-2015, que inaugura um modelo de observância de precedentes, é


preciso que o acórdão seja lavrado por quem conduziu a conclusão do julgamento ou a sua
fundamentação. Ainda que a conclusão seja unânime, é preciso que se atribua a relatoria do
acórdão a quem conduziu a fundamentação prevalecente.

O STF, ao julgar a Reclamação 9.428, interpretou a decisão proferida na ADPF 130/DF,


concluindo que a ementa redigida não refletia com fidelidade a tese jurídica acolhida pela
maioria do colegiado, pois, em diversos momentos, vários ministros destacaram a necessidade
de ponderar a liberdade de expressão com outros direitos fundamentais.

O relator, que ficara vencido nesses pontos, não refletiu esse entendimento no acórdão
– e, de resto, em sua ementa – fazendo constar seu fundamento, que restou vencido.
Houve um enviesamento que deve ser evitado, sobretudo num sistema que valoriza
precedentes. Por isso, o relator não deve lavrar o acórdão, seja quando ficar vencido na
conclusão, seja quando ficar vencido na fundamentação.

7. A votação separa dos fundamentos determinantes

Exatamente em razão da compreensão sobre a competência para a redação do acórdão,


em caso de divergência na fundamentação, com convergência na conclusão, é que é preciso
repensar o modo como se colhem os votos na sessão de julgamento.

Como visto, há casos em que a maioria dos julgadores posiciona-se no sentido de


determinado resultado do julgamento, mas com fundamentação bem diferente: não há
maioria em torno do fundamento determinante que deva ser utilizado. Nesses casos, a
decisão não formará precedente, ou porque não se sabe qual foi a ratio decidendi, ou
simplesmente porque não houve ratio decidendi.

As decisões plurais – exatamente aquelas em que há pluralidade de fundamentos


determinantes, sem que haja maioria em relação a qualquer deles – são, porém, uma
realidade inexorável no funcionamento de um tribunal, porque não há como impor um
consenso em relação ao fundamento.

Esse problema se agrava no julgamento de incidentes de formação concentrada de


precedentes obrigatórios (assunção de competência, arguição de inconstitucionalidade da lei e
o julgamento de casos repetitivos), cujo resultado deve ser a fixação de uma tese jurídica
(ratio decidendi) vinculativa.
Tudo isso dificulta, quando não inviabiliza, a edição de enunciado da súmula da
jurisprudência do tribunal.

A dúvida quanto à ratio decidendi repercute, enfim, no interesse recursal, que pode
centrar-se na discussão sobre a formação do precedente.

Um exemplo para ilustrar: Imagine que todos os julgadores decidam que a união
homoafetiva é uma entidade familiar. Um entende que é espécie de casamento; o segundo
entende que se trata de união estável; o terceiro entende que se está diante de uma terceira
espécie de família conjugal. Há unanimidade quanto ao direito à tutela jurídica estatal, mas
não se sabe sob qual regime jurídico. É possível dizer que há um fundamento mais amplo e
unânime: a união é entidade familiar – nesse ponto há uma ratio decidendi que se pode
extrair, nada obstante a pluralidade da decisão; mas não é possível definir a que regime
jurídico está submetida – quanto a esse ponto, não há ratio decidendi.

Outro exemplo: imagine que todos os julgadores decidam que o empregado


transgênero tem direito ao uso de sanitário feminino no local de seu trabalho. Um entende
que esse direito decorre do fato de esse empregado, em específico, vir sofrendo assédio no
banheiro masculino; o segundo entende que a empregadora deve construir um sanitário
especial, sendo temporário o uso do sanitário feminino; já o terceiro entende que é direito
fundamental do transgênero esse tipo de proteção, independentemente de estar ele sendo
vítima de algum tipo de violência.

Assim, é preciso que haja colheita de votos também em relação ao fundamento


determinante adotado pelo tribunal. Cada julgador expõe a sua conclusão e a sua
fundamentação, mas a contagem dos votos deve iniciar-se pela conclusão; definido o
resultado do julgamento, passa-se à definição de qual é o seu fundamento determinante.

Esse método é o mais adequado ao sistema de precedentes obrigatórios, além de ser,


também do ponto de vista pragmático, mais simples. Pode ser que, ainda assim, não se chegue
a um fundamento determinante majoritário – afinal, não há como impor o consenso e, além
do mais, todos podem estar de acordo que o recurso seja provido, divergindo apenas no
fundamento. Mas, o método de votação pode levar mais facilmente a que se esse consenso se
estabeleça. Pode não haver coincidência entre a votação do resultado e a votação do
fundamento determinante: pode haver, p. ex., unanimidade na conclusão e divergência sobre
qual o fundamento determinante deve prevalecer.

Quem proferiu voto cuja conclusão foi vencida, não participa da votação do fundamento
determinante que deve prevalecer. O voto vencido, porém, comporá o acórdão (art. 941, §3º,
CPC).
Havendo unanimidade na conclusão, a despeito da divergência na fundamentação, não
é caso de aplicar a técnica do art. 942 do CPC, que se restringe aos casos de divergência no
comando normativo da decisão.
DIREITO DO TRABALHO
2.1 Principais pontos da Reforma Trabalhista
(Palestra por Otávio Amaral Calvet, Juiz do trabalho, em 09 de janeiro de 2019 para a PGE-RJ)

Resumo ideal da reforma trabalhista seria “responsabilidade”. Essa responsabilidade vem em


três eixos principais: 1) Justiça do Trabalho (juízes) + 2) atores diretos da relação de emprego
(empregado e empregador individualmente e coletivamente, sindicatos empresas e sindicatos
patronais) + 3) advogado e uso da justiça do trabalho.

Nesses três setores, nesses três eixos houve mudanças profundas. Cabe analisar cada eixo com
mais cuidado:

1) Responsabilidade da Magistratura do Trabalho: a reforma trabalhista quis colocar em xeque


o discurso do ativismo judicial. Exemplo: a terceirização, que sempre foi tratada de uma forma
pela Justiça do Trabalho, por décadas, até que finalmente o Supremo decidiu, mas em sentido
diferentemente do tratamento que se dava.

A reforma tem dois artigos importantíssimos que afetam e discutem esses limites de atuação
de um juiz. Um deles mexe com o art. 8º da CLT, que é um dispositivo estrutural básico de
teoria geral do direito. O dispositivo da alteração menciona que o TST e os Tribunais Regionais
do Trabalho não podem criar obrigações não previstas em lei nem restringir direitos previstos
em lei. Na verdade, isso nada mais é do que o Princípio da Legalidade, que tem base na
Constituição.

De fato, isso relevante ao se analisar a jurisprudência da Justiça do Trabalho. Exemplo que


afeta diretamente as Procuradorias: terceirização ilícita na Administração Pública. O TST tem a
Orientação Jurisprudencial 383 que diz que caso se terceirize ilicitamente - e os casos que o
TST analisou foram casos da Caixa Econômica Federal com terceirização ilícita -, esse
trabalhador, que entra sem concurso, terceirizado ilicitamente na atividade-fim da Caixa
Econômica, tem direito a isonomia ao concursado, ganhando todos os direitos como se
concursado fosse.

Essa OJ é tão grave, gera tantas injustiças e situações anti-isonômicas, que eu já houve casos
em que o terceirizado ganhava mais do que o empregado público concursado. E o que
aconteceu, em seguida, é não se concedeu isonomia ao empregado concursado com o
terceirizado.
Onde que o ordenamento jurídico suporta essa conclusão? Por meio dos princípios. Eis quando
entra o ativismo judicial, quando se começam a fazer vários argumentos abstratos em cima de
princípios. A partir disso, começam as decisões sociológicas.

Mas a Magistratura tem que lembrar que alguém paga a conta. Parece fácil fazer justiça social
quando quem paga a conta é a pessoa que se está condenando, e não o próprio magistrado.

Pode acontecer, ainda, com esse ativismo judicial de surpreender a sociedade e não dar
segurança jurídica devida.

Além disso, a reforma trabalhista trouxe maiores exigências para a criação de súmulas. Agora,
devem-se observar vários requisitos. Sendo assim, a Justiça do Trabalho é a única que não
pode mais fazer súmulas pelo Regimento Interno. Agora tem lei dizendo o que precisa
preencher para fazer uma súmula. Tais requisitos são tão dificultosos, que está basicamente
impossível fazer súmula, após os requisitos impostos pela lei. Ficou clara a intenção do
legislador, então.

2) Responsabilidade dos Advogados das partes no uso da Justiça do Trabalho: entrou em vigor
a Reforma Trabalhista em 11 de novembro de 2017 e a situação mudou radicalmente.

Com a Reforma, a atuação dos advogados passou a ter atenção a alguns detalhes. O primeiro
deles foi a necessidade de se dizer os valores de cada pedido. Eles devem constar na petição
inicial.

O impacto nesse tema foi tão grande, que após a Reforma houve redução de cerca de 38% do
número de ações. E não é só a redução quantitativa, mas a qualitativa também. Pedidos
completamente desarrazoados de acúmulo de função pararam de ser feitos, pedidos de dano
moral irresponsável também deixaram de ser feitos, entre outros. Como a Reforma teve
aplicação imediata, era comum ver, a partir do dia 11 de novembro 2017 os Advogados na
mesa de audiência renunciando a diversos pedidos, alegando que sabiam que não
conseguiriam procedência deles.

3) Responsabilidade dos atores da Justiça do Trabalho: a responsabilidade que cabe aos atores
da própria relação jurídica de emprego: empregado e empregador, em nível individual; mas
em nível coletivo foi a grande revolução. Em nível coletivo, o legislador simplesmente
desarmou o ambiente sindical. Isso aconteceu com o fim da contribuição sindical compulsória,
que é constitucional, como o Supremo já definiu.

A expectativa é que dos 17.000 sindicatos, aproximadamente, que existem hoje, na


sobrevivam cerca de 300 ou 400. O déficit de representatividade dos sindicatos é gigantesco e
a própria Magistratura tem muito receio de chancelar os atos praticados pelo sindicato. É uma
cultura de paternalismo que tem que mudar. Não há motivo para outros atores sociais não
poderem atuar nessa forma.
Assim, o fim da contribuição sindical compulsória se tornou realidade no Brasil. E aí o que que
os sindicatos estão fazendo hoje? Negociações coletivas têm sido feitas da seguinte maneira:
primeiro item da negociação coletiva, reajuste salarial; segundo item, piso da categoria;
terceiro item, contribuição compulsória por negociação coletiva. É a grande pauta dos
sindicatos hoje: tentar ressuscitar algum tipo de contribuição compulsória.

Como estão fazendo isso? Estão tentando interpretar a lei de uma forma que a necessidade de
autorização do indivíduo, para ter o desconto no salário, que é o que é lei expressamente fala
no artigo 545 e artigo 611-B, XXVI da CLT, tem que autorizar prévia e expressamente. Criando-
se uma interpretação de que essa autorização prévia e expressa não precisa ser do indivíduo,
para ter desconto no seu salário, podendo ser coletiva em Assembleia, então o sindicato vai
faz uma assembleia, e nessa comparece - na prática - apenas quem é filiado ao sindicato. Esses
filiados, em Assembleia, votam a favor do desconto no salário e aquela Assembleia, por essa
interpretação, obriga a todos os filiados e não filiados ao sindicato. Ou seja, é uma tentativa de
burlar o novo sistema. O legislador claramente disse que queria que houvesse desconto
compulsório. O Supremo já falou sobre sobre contribuição confederativa e contribuição
assistencial, e mesmo assim a Justiça do Trabalho vem querendo chancelar tal entendimento.
Já existem acórdãos nesse sentido, inclusive.

Isso afasta um outro grande eixo da Reforma, que é o retorno da autonomia da vontade.
Busca-se, agora, trazer responsabilidade tanto para tutela coletiva quanto individual. Na área
coletiva essa revalorização da autonomia da vontade vem com fim da contribuição
compulsória, porque você vai se filiar se você quiser, vai pagar se você quiser. Vem, também,
com princípio da intervenção mínima. Inclusive, pode-se dizer que o princípio da intervenção
mínima é o novo princípio estruturante do direito coletivo do trabalho agora. Isso porque a
justiça trabalho agora não pode mais fazer uma interpretação que só quer um resultado que
seja sempre mais benéfico para o trabalhador, interpretando mais benéfico como aquilo que
só traz mais e mais e mais direitos para o trabalhador.

A negociação coletiva hoje - conhecida na mídia como negociado sobre legislado - tem muito
mais poder do que antigamente. Hoje, o legislador separou o que se pode negociar (artigo
611A) e o que não pode (artigo 611-B). O que você negociar, vale (se não tiver nenhum vício
de consentimento, nenhum vício de forma). E independentemente se o resultado foi bom ou
ruim para empregado.

O maior entrave da Reforma, hoje, e que sindicalismo brasileiro ainda está na pré-história se
for comparado com o sindicalismo alemão, americano e etc. Então, se forçam mudanças sem
ainda ter o esteio necessário. É esse o grande problema. O Brasil faz reforma no teto, mas
ainda não construiu a coluna. Então, antes de evoluir, vai ter um retrocesso. Vai haver um
período em que o trabalhador vai sofrer. Mas o que foi feito não é inconstitucional. Sendo
assim, os juízes não têm escolha, a não ser aplicar, já que não é inconstitucional.

Dessa maneira, essa terceira vertente quer simplesmente revalorizar autonomia da vontade e
isso mexe com o primeiro princípio do direito trabalho: o princípio da proteção. Resumindo: o
velho direito trabalho protege o trabalhador dele mesmo. É aquele princípio da proteção
absoluta. Não deixava o trabalhador fazer escolha nenhuma. O Poder Judiciário intervia ao
máximo. O novo direito trabalho quer proteger autonomia do empregado fazer suas escolhas,
quer dar condições para que ele possa escolher. É no sentido libertador, desde que o mínimo
esteja garantido, e o legislador já disse que esse mínimo existencial trabalhista seria o artigo
611-B, CLT. A partir dali se pode pensar em produzir escolhas validamente para o trabalhador.
2.2 Reforma Trabalhista e Contratações Públicas – Impactos da reforma
trabalhista sobre as contratações públicas

Seminário “Reforma Trabalhista e Contratações Públicas - Impactos da Reforma Trabalhista


sobre as Contratações Públicas”.

Carolina Tupinambá

A palestrante Carolina Tupinambá aborda as mudanças trazidas pela Reforma Trabalhista nas
contratações trabalhistas. Num primeiro momento, trataremos do cenário em que se dão as
contratações públicas e, após, cuidaremos das possibilidades de terceirização e de desafios
que têm sido vistos no plano prático em contratações realizadas pela Administração Pública.

A legislação passa a ser totalmente negociada: não se media somente conflitos concretos,
mas também conflitos em abstrato, a partir da criação das normas pelos próprios
destinatários. O art. 611-A nos dá “dicas” do que pode ser negociado, mas não se trata de um
rol taxativo. Já o art. 611-B apresenta um rol taxativo ao dispor sobre o que não pode ser
negociado.

Ao lado dessa negociação, há um “protecionismo” mais qualificado, que não protege um


ambiente dicotômico em que empregador e empregado são “inimigos”. Agora, investiga-se a
validação do consentimento e a vontade expressa no ambiente de trabalho. Essa dicotomia
precisava ser superada.

Finalmente, percebeu-se que a judicialização não é a única via de resolução de conflitos na


Justiça Trabalhista. Há uma intervenção mais racionalizada do Estado. Migrou-se do
“emprego” para o aquecimento do trabalho. Hoje, o contrato de trabalho pode ser clássico
(habitualidade, subordinação etc) ou, ainda subordinado pela CLT mas em formato
intermitente, em formato de teletrabalho e também pode ser autônomo ou terceirizado. O
“novo terceirizado”, antes, era protegido somente pela Súmula 331 do TST.

Em relação à admissão de pessoal, na Administração Pública (tanto direta quanto indireta), o


sujeito deve ser aprovado em concurso público e a subordinação aqui é mais aberta. Não há
nenhuma grande novidade. Já em relação à demissão, publicou-se recentemente a tese dos
embargos de declaração referentes ao Recurso Extraordinário que envolve a questão dos
Correios: o STF entendeu que deveria haver motivação na demissão de empregados públicos
dos Correios. O TST utilizava-se da OJ 247 TST. E foi esclarecido pelo Min. Luís Roberto Barroso
que, na verdade, para demitir, somente os Correios devem motivar formalmente.

Ou seja, todos os outros empregados de outras sociedades de economia mista, empresas


públicas e servidores da administração direta podem ser demitidos sem motivação, o que
reafirma a ideia da OJ 247. Isso significa que o sujeito pode ser demitido por não produzir, por
exemplo.

Agora, a terceirização ganha uma normatização própria na Lei nº 6.019/74 (com redação
dada pela Lei nº 13.429, de 2017). Essa regulamentação não diferencia a terceirização
realizada dentro e fora da Administração Pública. A palestrante cita a questão da possibilidade
de terceirização inclusive da atividade principal. Sobre o pagamento de salários diferentes a
terceirizados ou não, dentro da Administração Pública, ainda não se extinguiu esse problema.
O tema de Repercussão Geral 383 dizia que um trabalhador terceirizado não se tornaria
servidor por “trabalhar muito tempo na Administração Pública”, mas que seria tratado como
se fosse (princípio da isonomia). O terceirizado deve ter o mesmo tratamento que o sujeito
aprovado em concurso público? Isso ainda será decidido pelo STF.

Entende a palestrante que o que é facultativo no regime privado é também facultativo na


Administração Pública porque a Lei não diferenciou. Há apenas vedação de algumas
diferenciações, como a referente às condições de higiene de terceirizados e não terceirizados.
Aduz a palestrante que a existência de planos de cargos e salários, na Administração Pública,
acaba por impedir a terceirização destes cargos.

Na Jurisprudência, tivemos a ADC 16, que confirmou a constitucionalidade do art. 71 da Lei nº


8.666/90. Hoje, temos o Recurso Extraordinário 760931 em andamento. No segundo semestre
de 2018, houve a reunião de uma ADPF cujo objeto é a súmula 331 com o Recurso
Extraordinário. Na ADPF, defende-se que a terceirização total sempre foi possível.

Se isso se confirmar (se transitar em julgado decisão no sentido da possibilidade total de


terceirização), aponta a professora que deverá ser observado o teor do art. 505 do CPC, de
modo que as partes poderão pedir revisão. O art. 535 do CPC fala sobre a execução: se a
execução de entidade de regime público se funda em ato normativo considerado
inconstitucional, esta pode requerer sua exclusão da execução. E, ainda, a ação rescisória
também é uma opção, já que o prazo para propor a mesma se iniciaria da declaração de
inconstitucionalidade.

Enfatiza-se que o panorama atual do Direito do Trabalho é uma saída da visão de


hierarquização para uma união de esforços.

Fernando Barbalho

Desde a edição da Reforma Trabalhista, tem-se feito um esforço para adaptar o


comportamento do Estado nas contratações trabalhistas. No que a Reforma afeta a
Administração Pública? Na questão da responsabilização subsidiária nos casos de terceirização,
que é uma expressão da consensualidade.

Diversas atividades que a Administração Pública estadual terceiriza demandam muita mão de
obra: obras públicas, segurança, transporte e manutenção elétrica da própria PGE etc. Essas
contratações são feitas, via de regra, por meio de licitações e quase sempre por menor
preço. A rigor, propor um preço acessível para a Administração é um mérito do contratado, no
entanto, essa não é a visão dos órgãos de controle, principalmente do TCU.

Hoje, o Estado passou a se preocupar com uma questão: se o custo informado para a
contratação efetivamente é real. A Reforma abriu a possibilidade de reduzir o custo do
contratado pela Administração e esta deve analisar essa redução.

O art. 4º, II, da CLT foi revisado para retirar do cômputo da jornada de trabalho aspectos que
antes eram tidos como serviço efetivo, como por exemplo, a prática de atividades religiosas.
Nesses casos, o custo da mão de obra pode ou não integrar a planilha do contratante e a
Administração deve verificar se o contratado está inflando as horas em que o empregado está
à disposição ou reduzindo-as. Aqui, impõe-se uma fiscalização mais rigorosa por parte da
Administração Pública.

A Administração pode buscar se livrar de imposições ou restrições feitas indevidamente pela


jurisprudência. Várias rubricas remuneratórias que antes eram impostas aos empregados não
são mais. E o professor ressalta a importância de os advogados públicos dominarem temas de
direito coletivo do trabalho, pois a primazia das negociações demanda esse conhecimento.
Pode-se considerar até que se exija que a empresa contratada declare qual acordo ou
convenção embasa cada um de seus custos.

Sobre a responsabilidade do sócio retirante: o art. 10-A foi inserido para limitar a
responsabilidade desse sócio. E mais: a ressalva que se faz em relação a essa restrição em caso
de fraude contratual demanda também atuação do advogado público e isso pode se tornar
objeto de investigação pela Administração Pública, que pode cogitar necessidade de
comunicação de alteração societária da empresa, por exemplo.

Com o art. 11-A surge a possibilidade de trancamento de uma série de execuções. A prescrição
intercorrente significa uma redução não só do passivo financeiro mas também do acervo
judicial que as entidades públicas precisam ter.

O regime de tempo parcial instituído no art. 58-A tem impacto na remuneração por hora extra
e isso tem muito reflexo em obras públicas. Esse regime reduz o custo com hora extra, mas
cabe à Administração Pública apurar se este regime pode legalmente ser instituído, inclusive
na licitação, por exemplo.

Uma das áreas em que há mais terceirização na PGE é a de desenvolvimento de sistemas. E


isso é um exemplo clássico de teletrabalho. O art. 62, III da CLT parte do pressuposto de que
não há como controlar horários em caso de teletrabalho. No entanto, ressalta o professor que
esta é uma presunção relativa, pois as ferramentas tecnológicas permitem esse controle.

O art. 611-B, embora fale de matérias que não podem ser objeto de norma coletiva, em seu
parágrafo único dispõe que normas relativas a intervalo/duração de trabalho não se inserem
nos conceitos de higiene, saúde e segurança do trabalho, o que contraria a realidade dos fatos.
Por isso, provavelmente esse dispositivo será declarado inconstitucional. Uma boa estratégia
por parte da Administração Pública seria a transferência desse risco jurisprudencial para o
contratado, em cláusula contratual.

Tanto no momento da contratação quanto na fiscalização do trabalho, os regimes


diferenciados deverão ser analisados pela Administração Pública.

Ressalta o procurador que o termo de quitação anual é uma forma de reduzir o passivo e o
risco que a Administração assume periodicamente.

O art. 614 da CLT acabou com a possibilidade de ultratividade das normas trabalhistas. É a
ideia de tentar tirar da acomodação as entidades sindicais e de fazer o mercado evoluir. Sobre
a prevalência de acordo sobre convenção coletiva, sempre pareceu evidente que a relação
entre essas normas era de especialidade (o acordo seria especial em relação à convenção).
Mas o princípio da norma mais favorável gerava dúvidas sobre qual norma seria aplicada. Isso,
nos moldes do o art. 620 da CLT, não existe mais.
Victor Farjalla (debatedor)

- A Constituição de 88 já proporcionou aos trabalhadores liberdade sindical, direito de greve e


reconhecimento dos instrumentos coletivos/contratos normativos, dando toda a estrutura
necessária para as negociações no campo do direito do trabalho. No entanto, a Reforma
precisou concretizar isso.

- “Protecionismo qualificado”: qualificar o protecionismo significa acabar com o paternalismo.


Agora, o que se protege é a autonomia do trabalhador.

- O ativismo judicial na Justiça do Trabalho era muito grande. Os acordos feitos fora da JT não
tinham eficácia, não havia uma extinção formal do crédito. A Reforma introduziu acordo de
rescisão do contrato de trabalho e acordo extrajudicial com homologação judicial.

- O debatedor entende ser inconstitucional o intervalo de 18 meses previsto no art. 4º-A da Lei
6.019/74, porque o dispositivo restringe a liberdade profissional.

- Demissão imotivada: a limitação aos Correios foi meramente subjetiva, até porque a
Administração Pública como um todo está submetida aos princípios do art. 37 da CRFB/88.
Essa demissão é razoável e saudável em empresas públicas e sociedades de economia mista,
mas não para todo o regime público.

- Responsabilização subsidiária: deve haver controle e fiscalização do contratado. O contratado


deve justificar aquilo que deve ou não aos seus empregados para que se tenha noção exata
dos custos daquele contrato.

- O debatedor demonstra dúvida quanto à ideia de transferência dos riscos, para o contratado,
em caso de mudança jurisprudencial porque, de alguma forma, o Estado pode tirar proveiro
desse risco.

- Pode o Estado requerer a revisão do contrato em razão de entender supervenientemente


indevidas determinadas rubricas salariais por aplicação no tempo de lei nova? O que fazer com
os contratos em curso?

- Especificamente em relação à Administração Pública, em que a responsabilização é


subsidiária, com os parâmetros colocados pela súmula 331, é válido ainda este entendimento?
A Reforma colocou objetivamente a responsabilidade subsidiária? A reforma revogou o art. 71,
§1º da lei de licitações? E houve derrogação do estatuto das estatais nesse aspecto?

- Pode ser o Estado responsabilizado subsidiariamente pelo não cumprimento, pela prestadora
de serviço, de obrigação que considere indevida e não admita ingresso no custo, sendo este
custo devido, de acordo com a Justiça Trabalhista?

Réplica dos expositores

Sobre a questão do art. art. 4º-A da Lei 6.019/74, a professora Carolina Tupinambá entende
que este dispositivo é “inconveniente”.

E, de acordo com o Dr. Fernando Barbalho, a Administração pode requerer revisão de


contratos alegando a redução custos supervenientes em razão da Reforma. Mas isso se o
contratado promover uma troca expressiva de empregados. Por isso, é de suma importância a
fiscalização.

Ainda, quanto ao art. 71, §1º, este não parece ter sido derrogado. Mas o novo dispositivo da
Lei nº 6.019/74 aponta perigosamente para a objetivação dessa responsabilidade. Já em
relação à recusa em pagar determinada rubrica, indaga: se Administração não paga e o
empregador arca com o custo, há direito de regresso contra a Administração Pública?

Não se trata de convênio, em que a AP antecipa o pagamento tendo em vista custos


apresentados pelo conveniado. Em relação à contratação, a princípio a Administração não
deve ditar o que vai ou não ser pago. A Administração verifica o que será ou não pago na fase
de licitação para verificar se o preço apresentado é exequível e, principalmente, para
estabelecer o contraditório no pleito de revisão por conta de alteração no custo trabalhista.
2.3 Responsabilidade subsidiária do Estado à luz da jurisprudência do STF
e dos Tribunais Trabalhistas

Seminário: “Responsabilidade subsidiária do Estado à luz da jurisprudência do STF e dos


Tribunais Trabalhistas”.

Palestrante: Amanda Diniz Silveira

A súmula 331 do TST baseia e impõe requisitos para a responsabilização subsidiária da


Administração Pública e havia, em tese, um conflito entre a súmula e o art. 71, §1º da lei de
licitações. Na ADC 16, em 2010, o STF reconheceu a constitucionalidade do art. 71, mas essa
responsabilidade não é automática, não decorre simplesmente do inadimplemento de verbas
trabalhistas. Para que a Administração seja responsabilizada, é necessário haver culpa in
eligendo e culpa in vigilando.

A partir de 2010, o próprio TST modificou a redação de sua súmula para inserir o
entendimento do STF. Antes, a Jurisprudência fundamentava a responsabilização subsidiária
da mesma maneira que fazia para a iniciativa privada. A fundamentação passou a ser a não
fiscalização e a culpa. E houve muitos acórdãos do TST que afirmavam ser da Administração
Pública o ônus da prova de comprovar a fiscalização. Hoje, ainda há discussão sobre o ônus da
prova. O fato de o Estado juntar aos autos documentos relativos à licitação somente tem o
condão de o eximir da culpa in eligendo.

Antes mesmo do julgamento da ADC 16, o próprio STF já havia reconhecido a Repercussão
Geral desse tema no REXT 760937 (tema 231). Neste REXT, a tese fixada em repercussão geral
foi a de não transferência automática de responsabilização para a Administração Pública. A
questão que persiste é: de quem é o ônus da prova da fiscalização?

Na opinião da palestrante, o ônus da prova é da Administração Pública. O TST, fazendo


menção ao julgamento do REXT, passou a entender que o ônus é do empregado. No entanto,
isso não constou dos debates no julgamento do REXT. A ministra Rosa Weber deixa claro que o
STF não enfrentou a questão do ônus da prova.

E, em diversas reclamações constitucionais posteriores ao julgamento, relativas à decisões que


diziam que o ônus da prova era da Administração, o STF deixou claro que isso não foi analisado
porque esta é uma questão infraconstitucional, não cabendo ao Supremo Tribunal Federal
enfrentá-la. A Reclamação constitucional não é meio processual adequado para discutir a
responsabilização ou não da Administração.

Sobre o ônus da prova, o TRT 3 de Minas Gerais fixou a tese de que é do ente público a
responsabilidade do ente público. Foi o único TRT a fixar tese vinculante sobre o assunto. No
Rio de Janeiro, temos as súmulas 41 e 43 do TST.

Atualmente, no TST, ainda não está pacificada a questão. Há turmas que defendem ser da
Administração Pública e outras que defendem ser do empregado o ônus da prova relativo à
fiscalização. As turmas do TST que entendem ser o ônus do trabalhador argumentam que além
de não haver fiscalização, deve haver prova cabal de nexo de causalidade entre o dano sofrido
pelo trabalhador e a falta de fiscalização. Citam-se as súmulas 279 do STF e 126 do TST, no
sentido de que as instâncias ordinárias é que devem definir de quem é o ônus da prova.

De 2010 a 2016, o STF conhecia diversas Reclamações constitucionais e entendia que o ônus
da prova era do trabalhador, embora não tenha decidido, na ADC 16, sobre a questão. Por
isso, a 6ª Turma do TST, por exemplo, tem entendido nesse sentido. A palestrante destaca
decisões recentes do TRT do Rio de Janeiro, e em grande parte delas, decide-se pela
improcedência da responsabilização subsidiária da Administração Pública.

É importante, nas audiências trabalhistas, que prepostos e procuradores estejam preparados


para informar como se dá a fiscalização dos contratos, de acordo com a palestrante.

E, afinal, como fiscalizar de maneira adequada esses contratos? Inicialmente, deve ser exigida
a lista – sempre atualizada - de trabalhadores terceirizados (se o nome do trabalhador que
está em juízo não constar na lista, será dele o ônus de comprovar a prestação do serviço),
comprovantes de pagamento de salário, de recolhimento de INSS, FGTS e de pagamento de
férias e 13º.

Outra observação relevante é a respeito da Certidão Negativa de Débitos Trabalhistas. A CNDT


é exigida pela Administração nos procedimentos licitatórios, porém, seu prazo de validade é de
seis meses. Por isso, é necessário exigir, de seis em seis meses, esta certidão. Se este
documento for juntado ao processo judicial, é mais provável que a Administração não seja
condenada por culpa in eligendo. E, ainda, pode-se juntar as advertências que as contratadas
eventualmente recebam da Administração Pública quando não respeitarem os requerimentos
de documentos de fiscalização.
DIREITO CONSTITUCIONAL
3.1 Divisão de Competências em Saúde e a Responsabilidade dos Entes
Federativos
(Palestra por Maria Paula Gouvêa Galhardo, Juíza de direito - TJ-R, e Ciro Grynberg, Procurador
do Estado - PGE-RJ, em 20/10/2017, na PGE-RJ)

O direito à saúde é estabelecido na Constituição, no art. 196, como um “direito de todos e


dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do
risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para
sua promoção, proteção e recuperação”. Já a competência dos entes para tratar da saúde
aparece no art. 23 da CF.

Sendo assim, o nosso serviço de saúde pública é prestado pelo sistema único de saúde (SUS).
De acordo com o §1º do art 195 da CF, a saúde será custeada “com recursos do orçamento da
seguridade social, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, além de outras
fontes”. O SUS, portanto, é concebido como um sistema, ou seja, um conjunto cujas partes
encontram-se ordenadas entre si, funcionando como uma estrutura organizada, submetida a
princípios e diretrizes fixados legalmente. sendo um sistema, as partes que o compõem
integram uma rede regionalizada e hierarquizada, sob o comando da União, a quem cabe
decidir as regras gerais. Ou seja, como sistema que é, é natural que haja a “divisão de tarefas”.
Por isso, a divisão de competências é natural.

Nessa distribuição de tarefas, coube à União os procedimentos de alta complexidade; aos


estados o de média a alta; e aos municípios, os procedimentos de baixa complexidade. Isso,
sem que haja uma afirmação de cunho econômico na qualificação dessas instâncias.

Mas onde está estabelecida essa tripartição de competências? Está no texto constitucional?
Além disso, quem foi que definiu o que é alta, média e baixa complexidade? A partir disso: há
ou não responsabilidade solidária entre os entes federativos?

O art. 198 da CF aborda as diretrizes:


“I - descentralização, com direção única em cada esfera de
governo;
II - atendimento integral, com prioridade para as atividades
preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais;
III - participação da comunidade”.

Já o §3º do art. 198 da CF tratam do mecanismo de cofinanciamento. Interessante observar


que nem a LC 141, que é a mencionada nesse dispositivo, trata da divisão estanque de
competências. O mesmo se observa na Lei 8.080 (lei do SUS. Não há qualquer menção da
isenção de responsabilidade de um ente em caso de eventual omissão de um deles.

Já em âmbito infraconstitucional, o tema tem maior destaque, especialmente no que diz


respeito à complexidade dos medicamentos. O Decreto 7508/11 e a portaria 2475/06 definem
a relação nacional dos medicamentos essenciais, cuja atribuição de distribuição fica a cargo
dos municípios.
Nota-se, assim, que a definição de repartição de competência adveio de atos normativos de
origem administrativa.

Toda a celeuma parecia ter se resolvido com o julgamento, pelo STF, em repercussão geral da
tese nº 793:
Os entes da federação, em decorrência da competência
comum, são solidariamente responsáveis nas demandas
prestacionais na área da saúde, e diante dos critérios
constitucionais de descentralização e hierarquização, compete
à autoridade judicial direcionar o cumprimento conforme as
regras de repartição de competências e determinar o
ressarcimento a quem suportou o ônus financeiro.

Neste, é possível perceber o entendimento de que a norma de hierarquia inferior (os atos
normativos como portarias) não pode alterar norma de hierarquia superior. Sendo assim, um
direito previsto em norma constitucional não pode ser restringido por decreto, por exemplo.
Porém, a questão continua a ser pensada e tem raciocínio muito interessante trazido no voto
do Min. Barroso, no RE 566.471, que trata de medicamentos de alto custo.

“Para tanto, proponho 5 (cinco) requisitos cumulativos que devem ser observados pelo Poder
Judiciário para o deferimento de determinada prestação de saúde. São eles: (i) a incapacidade
financeira de arcar com o custo correspondente; (ii) a demonstração de que a não
incorporação do medicamento não resultou de decisão expressa dos órgãos competentes; (iii)
a inexistência de substituto terapêutico incorporado pelo SUS; (iv) a 3 comprovação de eficácia
do medicamento pleiteado à luz da medicina baseada em evidências; e (v) a propositura da
demanda necessariamente em face da União, já que a responsabilidade pela decisão final
sobre a incorporação ou não de medicamentos no âmbito do SUS é, em regra, desse ente
federativo”.

Atente-se, então, que o seguinte raciocínio diferenciador pode ser adotado: A tese de
repercussão geral nº 793 serve para os medicamentos incorporados pelo SUS - COMPETÊNCIA
DEFINIDA -, enquanto que, para os casos de medicamentos não incorporados pelo SUS, adota-
se nova postura - SOLIDARIEDADE DOS ENTES.

Note-se que isso é de interesse enorme dos municípios, pois, quando acionado para custear
medicamentos não incorporados na lista do SUS, poderá chamar os demais entes federados,
alegando a solidariedade existente entre todos eles.

Essa solidariedade vem do art. 23,II, CF (competência comum de todos os entes). Isso traz
maior garantia ao paciente em sua pretensão à saúde. O que é curioso é que existem diversos
outros dispositivos na CF que parecem não trazer uma responsabilidade solidária dos entes.
Ex: art 30, VII, CF. A própria ideia de regionalizar e hierarquizar o sistema já demonstra isso. A
complexidade do tratamento foi hierarquizada já tendo isso em mente. O financiamento dos
entes, assim, é distinto. Não existe um rateio per capita dentro do SUS (isso aconteceria se
todos os municípios ganhassem o mesmo valor, por exemplo). Por isso que se tem
responsabilidades distintas para cada ente, para a execução da saúde. A LC 141/12 trouxe
esses critérios de rateio de acordo com as responsabilidades assumidas pelos entes
federativos. Conclui-se, portanto, que a ideia do art 23, II, CF é que a universalidade dos entes
é para compor o SUS.

Como o SUS se estruturou?


Deve-se ter em mente que se trata de um sistema participativo, o que gera reflexos em sua
estruturação. Com essa divisão, buscou-se democratizar o acesso à saúde. A própria CF buscou
esse direcionamento, incentivando, inclusive, a participação comunitária.
3.2 prazo em dobro à Fazenda Pública no processo objetivo de controle
abstrato de constitucionalidade

O STF reafirmou o entendimento de que a regra que confere prazo em dobro à Fazenda
Pública para recorrer não se aplica aos processos objetivos, que se referem ao controle
abstrato de leis e atos normativos.

A Fazenda Pública possui prazo em dobro para recorrer. Essa é a previsão que encontramos no
art. 183 do CPC/2015:

Art. 183. A União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios e suas respectivas


autarquias e fundações de direito público gozarão de prazo em dobro para todas
as suas manifestações processuais, cuja contagem terá início a partir da
intimação pessoal.

Denomina-se essa previsão de “prerrogativa de prazo”.

Os ministros julgaram, conjuntamente, dois agravos regimentais interpostos contra decisões


monocráticas.

Um deles questionava decisão da Presidência do STF que negou seguimento ao Recurso


Extraordinário com Agravo (ARE) 830727, do Estado de Santa Catarina, por entender que a
interposição ocorreu fora do prazo. No agravo, o estado argumentava tempestividade
(observância do prazo) com base no artigo 188 do Código de Processo Civil (CPC) de 1973 –
reproduzido no artigo 183 do CPC de 2015 –, que prevê o prazo em dobro para a Fazenda
Pública (União, os Estados, o Distrito Federal, os municípios e suas respectivas autarquias e
fundações de direito público).

O outro recurso foi apresentado pela Assembleia Legislativa do Estado de Roraima contra
decisão do ministro Luís Roberto Barroso que, ao reconhecer a intempestividade, não
conheceu de agravo regimental em liminar na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5814.

Relator do recurso na ADI 5814, o ministro Luís Roberto Barroso seguiu o entendimento da
ministra Cármen Lúcia ao considerar que a hipótese contida nos dois processos é semelhante.
Ele votou pelo desprovimento dos dois agravos e manteve a jurisprudência de que, em
processo objetivo, não se contam em dobro os prazos da Fazenda Pública. No mesmo
sentido votaram os ministros Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Rosa Weber, Luiz Fux,
Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Celso de Mello.

Não há, nos processos de fiscalização normativa abstrata, a prerrogativa


processual dos prazos em dobro.
Não se aplica ao processo objetivo de controle abstrato de constitucionalidade a
norma que concede prazo em dobro à Fazenda Pública.
Assim, por exemplo, a Fazenda Pública não possui prazo recursal em dobro no
processo de controle concentrado de constitucionalidade, mesmo que seja para
a interposição de recurso extraordinário.
STF. Plenário. ARE 830727/SC, Rel. para acórdão Min. Cármen Lúcia, julgado em
06/02/2019.
STF. Plenário. ADI 5814/RR, Rel. Min. Roberto Barroso, julgado em 06/02/2019.

Segundo Barroso, a jurisprudência do STF sobre a matéria é consolidada há muitos anos e tem
precedentes de quase todos os ministros da Corte e, a menos que haja mudança relevante na
compreensão do direito ou na situação de fato, não há razão para alterá-la.

O STF entende que a previsão do prazo em dobro tem incidência unicamente nos processos
subjetivos não se aplicando nos processos de controle concentrado de constitucionalidade.
DIREITO AMBIENTAL
4.1 Integração e fragmentação no cadastro ambiental rural (CAR)

Texto-base: Integração e fragmentação no cadastro ambiental rural (CAR) – Leonardo


Barifouse (Procurador do Estado). Revista de Direito da Procuradoria-Geral do Estado do Rio
de Janeiro – 71, 2017.

Um dos maiores desafios do Direito Ambiental é a previsão de instrumentos efetivos de gestão


dos recursos naturais, sobretudo em um país como Brasil, que possui dimensões continentais,
uma estrutura burocrática reacionária e um federalismo diferenciado, tendo em vista a
autonomia dos municípios.

Um grande passo foi a criação do SISNAMA (Sistema Nacional do Meio Ambiente), pela Lei nº
6.938/81, que integra órgãos e entidades ambientais de estados municípios e da União. O
SINIMA (Sistema Nacional de Informações sobre o Meio Ambiente), vide art. 9, VII, é um dos
instrumentos de gestão ambiental de maior relevância.

A Constituição de 88 de instaurar o chamado federalismo cooperativo. No entanto, frisa o


autor que a ausência de delimitações claras, por exemplo, no art. 23, VI (que trata da
competência material comum), gera conflitos entre os entes, e o quadro piora com o art. 24,
que dispõe sobre competência legislativa concorrente em matéria ambiental, que também
carece de clareza .

Defende o autor que essa fragmentação nas previsões constitucionais sobre meio ambiente
atrapalham a integração da proteção ambiental, e isso se relaciona a uma lógica de
patrimonialização do meio ambiente. E foi nesse contexto que se deu a criação CAR (Cadastro
Ambiental Rural, pelo Código Florestal (Lei nº 12.651/12).

Este cadastro é integrado ao SINIMA, que é de responsabilidade da União (art. 7, VIII, Lei
Complementar n 140/11). No entanto, a atividade da União em relação ao SINIMA pode contar
com a colaboração de órgãos e entidades de Municípios, do Distrito Federal e dos Estados.
Ainda, os dados relativos ao CAR são gerenciados por meio de um sistema chamado SICAR
(Sistema de Cadastro Ambiental Rural).

O Código Florestal de 2012 prestigiou a interação dos entes para a operacionalização do CAR e
a LC 140/11 promoveu uma integração organizada dos entes, conforme mostram os arts. 8º,
VII e VII e 9º, VII e VIII. No entanto, a questão da fragmentariedade ainda persiste.

O CAR consiste em um cadastro da situação florestal no país. Trata, por exemplo da Reserva
Legal. A regularização de imóveis rurais que não cumpriram, em 22 de julho de 2008, o
percentual mínimo de reserva legal pode se dar pela utilização de áreas que estejam fora do
Estado, contanto que estejam localizadas em áreas prioritárias, assim identificadas pela União
ou pelos Estados, vide art. 66, III, §6º, CFlo/12.
A inscrição no CAR pode ser feita pelos Estados ou pelos Municípios, de acordo com o art. 29,
§1º, CFlo/12, mas isso não exclui a União. A grande questão é saber qual ente define o imóvel
como um imóvel rural.

Outra questão de suma importância levantada pelo autor é a ausência de integração entre o
CAR e os Registros Públicos. O CAR não é considerado título para fins de reconhecimento do
direito de propriedade e de posse. No entanto, para a inscrição no CAR, é necessária a
apresentação de identificação do imóvel por meio de planta e memorial descritivo e
comprovação da propriedade (arts. 29, II e III CFlo/12).

É de responsabilidade do proprietário do imóvel a atualização de informações do CAR, mas


nada obsta que, caso descumprido esse compromisso pelo proprietário, as informações do
CAR e do RGI sejam conflitantes, já que a base de dados do CAR estaria desatualizada.

Outro dado interessante é que a partir da vigência do Código Florestal de 2012, passou a ser
desnecessária a averbação de reserva legal no RGI do imóvel. Atualmente, por força do
disposto no art. 18, caput e §4º, do CFlo/12, essa averbação foi substituída pelo registro no
CAR, como medida de centralização de informações ambientais de imóveis rurais no CAR.

Contudo, ressalta o autor, a desoneração da averbação no RGI somente se dá a a partir do


registro no CAR. Enquanto este estiver pendente, vige a obrigação de averbação no Registro
Geral de Imóveis, que, inclusive, é gratuita para todos, nos moldes do art. 16, §9º do Código
Florestal. E, mesmo sendo desnecessária a averbação no RGI antes do registro no CAR, caso o
proprietário queira fazê-la, ficará desonerado de algumas formalidades quando do registro da
reserva legal no regime de Cadastro Ambiental Rural, conforme mostra o art. 30 do Código
Florestal de 2012.

Desse modo, restam para o proprietário de imóvel rural, em relação a reservas legais, 3
opções. Pode-se fazer o registro no CAR, diretamente; pode-se efetuar gratuitamente a
averbação no RGI, o que desonerará o proprietário de apresentação de determinadas
informações ao realizar o CAR; ou fazer o registro no CAR e também a averbação no RGI, que
neste caso não será gratuita, a fim de simplesmente dar publicidade ainda maior à situação

Neste ponto, sustenta o autor que a tentativa de integração das informações no CAR não fere
o princípio da concentração registral (referente à convergência de todas as informações
relevantes sobre o imóvel em um único lugar, que seria a matrícula nesse caso), uma vez que
as informações do CAR também são dotadas e publicidade e fé pública. E, ainda, o CAR se
mostra mais completo do que a averbação no RGI, por ser eletrônico, desburocratizando os
trâmites, e por nele constarem informações além daquelas que constam nas averbações.

O CAR, apesar de ser disciplinado por norma editada pela União (Código Florestal de 2012),
sendo integrado ao SINIMA, que opera em âmbito nacional, não pode ignorar peculiaridades
regionais e locais, especialmente aquelas relacionadas à legislação ambiental estadual e
municipal, de acordo com o autor.

É apresentado o exemplo das áreas de preservação permanente (APP) previstas na


Constituição do Estado do Rio de Janeiro, no art. 268. Estas áreas não estão contidas no Código
Florestal de 2012. E, apesar de as APPs figurarem entre normas gerais do CFlo/2012, os
Estados possuem competência legislativa suplementar para prever outras hipóteses de APPs.
Desse modo, deve o CAR estar preparado para receber esse tipo de dado proveniente do
Estado.

Frisa-se que a CERJ dispõe também sobre a averbação da reserva legal no registro de imóveis
nos arts. 269, I, 272 e no ADCT, art. 27, II: em síntese, a reserva legal deve ser averbada no
registro imobiliário. Isso conflita com o disposto no Código Florestal, o que gera a dúvida:
ainda vige esta obrigação no Estado do Rio de Janeiro?

Tendo em vista o disposto no art. 24, VI e §§2º e 3º da CRFB/88, os estados-membros possuem


competência suplementar, inclusive para editar normas gerais na ausência de norma geral
editada pela União. No entanto, também poderia ser defendida a tese de que a previsão da
Constituição Estadual é inconstitucional, por se tratar o tema de competência privativa da
União, vide art. 22, XXV, da CRFB/88.

Argumenta o autor que a Constituição Estadual parece ter tido o intuito de dispor acerca da
proteção ambiental, não sendo a matéria registral o foco da questão. O art. 18 do Código
Florestal de 2012 deve ser entendido como norma geral sobre reserva legal e entender o
contrário significaria fragmentar as informações, em prejuízo da integração dos órgãos do
SINIMA e do acesso facilitado aos dados ambientais em âmbito nacional.

Portanto, entende-se que o art. 18 do Código Florestal de 2012 suspendeu a eficácia do art.
272, parágrafo único, da CERJ e do art. 27, II, de seu ADCT de modo parcial: apenas no que se
refere à interpretação que inclui a reserva legal nas restrições sujeitas à averbação no RGI.
4.2 Repartição de Competência Executiva em Matéria Ambiental

Texto-base: Parecer nº 01/13/PG - 2 – RTAM – Parecer sobre repartição de Competência


Executiva em Matéria Ambiental – Rodrigo Tostes de Alencar Mascarenhas. Revista de
Direito da Procuradoria-Geral do Estado do Rio de Janeiro, edição especial, 2017.

O parecer, elaborado a partir de consulta formulada pelo INEA, trata da repartição de


competências administrativas dos entes federativos quanto ao exercício do poder de polícia.
Duas questões principais norteiam este estudo:

a) qual seria o procedimento a ser adotado pelo INEA em caso de denúncias referentes a
infrações relacionadas a atividades cuja competência de licenciamento é de outro ente? Neste
ponto, também é levantada a questão da fiscalização de empreendimentos não sujeitos a
licenciamento que tenham sido repassados por outro ente.

b) O INEA e seu corpo técnico estariam isentos de responsabilidade diante do mero


encaminhamento da denúncia ao órgão competente? Haveria alguma obrigação de
fiscalização?

É importante dizer que, em consulta prévia realizada pela própria Procuradoria do INEA
(parecer conjunto ASCH/LBS nº 02/13), entendeu-se que o ente federativo que tem
conhecimento de ocorrência ou iminência de degradação ambiental DEVE adotar medidas de
polícia em todos os casos e comunicar ao órgão competente para o licenciamento. Desse
modo, o mero encaminhamento da denúncia seria ILEGAL e INCONSTITUCIONAL e não
isentaria o corpo técnico do INEA de responsabilização. E, tratando-se de atividades que não se
submetem ao licenciamento, o exercício do poder de polícia ambiental compete a todos os
entes federativos.

Ainda, cita-se o art. 17 §3º da LC 140/2011. Vejamos:

“Art. 17. Compete ao órgão responsável pelo licenciamento ou


autorização, conforme o caso, de um empreendimento ou atividade,
lavrar auto de infração ambiental e instaurar processo administrativo
para a apuração de infrações à legislação ambiental cometidas pelo
empreendimento ou atividade licenciada ou autorizada.

(...)

§ 3o O disposto no caput deste artigo não impede o exercício pelos


entes federativos da atribuição comum de fiscalização da
conformidade de empreendimentos e atividades efetiva ou
potencialmente poluidores ou utilizadores de recursos naturais com a
legislação ambiental em vigor, prevalecendo o auto de infração
ambiental lavrado por órgão que detenha a atribuição de
licenciamento ou autorização a que se refere o caput.”

Defende-se, no parecer conjunto do INEA, que estes dispositivos devem ser interpretados à luz
da Constituição, sendo certo que o auto de infração lavrado pelo ente primariamente
competente deve prevalecer somente nas hipóteses em que não houver decisão de mérito em
procedimento administrativo instaurado por outro ente, de modo que se evitem gastos
públicos e atuações ineficientes. Depois de tais apontamentos, estudemos o teor do Parecer
nº 01/13/PG - 2 – RTAM.

O art. 23, incisos III, VI e VII da CFRB/88 dispõem que é comum à União, aos estados e
municípios a competência executiva em matéria ambiental, devendo esta competência ser
regulamentada via lei complementar. Defende o autor que algumas atividades, como a
fiscalizatória, são passíveis de sobreposição (exercício por mais de um ente). No entanto, em
outras atividades, como o licenciamento e a aplicação de sanções, a sobreposição poderia
causar problemas, e poderia, inclusive restar configurado bis in idem, no caso de sanções
aplicadas por entes diferentes, relacionadas à mesma hipótese de incidência.

Entende-se que a LC 140/2011 aponta um ente originalmente competente, mas que isso não
obsta a competência supletiva ou subsidiária dos outros entes. O art. 17 da lei complementar
prestigia a segurança jurídica, já que vincula a competência para multar à competência para o
licenciamento. E a princípio só um ente teria a atribuição para sancionar. Ressalta-se que
fiscalização não se confunde com sanção:

a) Fiscalização: em regra, inclui poder de entrada e permanência em estabelecimentos, poder


de inspeção destes estabelecimentos, determinação de medidas para evitar degradação em
casos que exigem urgência etc.

b) Sanção: punição por fato inquestionável, pressupõe defesa prévia e instrução processual.

Na visão do autor, há uma lacuna na LC 140/2011, já que a mesma vincula poder de punir a
competência para licenciar e é omissa em relação a atividades não sujeitas a licenciamento. E,
em relação à sobreposição de competências originárias – para licenciamento e punição -
parece claro que a vontade do legislador era a identificação de um dos entes como o
originalmente responsável. De acordo com o parecer, o melhor critério para definir essa
competência seria o territorial mitigado (a competência deve ser atribuída ao ente mais
próximo da atividade, mas com temperamentos). Dessa forma, no caso de atividades não
sujeitas a licenciamento, o município seria o ente competente para aplicar sanções desde que
cumpridos cumulativamente determinados requisitos como: infração cometida inteiramente
no território do município, existência de legislação municipal para a apuração de infrações
municipais, inexistência de danos em atividades ou empreendimentos licenciados ou
autorizados pelo Estado ou pela União, dentre outros.
Caso não observados os requisitos acima, será do Estado a competência se houver observância
cumulativa de outras exigências. Por exemplo, a infração deve ter sido cometida inteiramente
no território do Estado e não pode envolver dano em florestas públicas federais e atividades e
empreendimentos licenciados ou autorizados pela União. Caso não observados estes e outros
requisitos, a competência será do órgão federal.

Presume-se que, por conta do teor dos arts. 7º, XV, 8º, XVI e 9º, XV da LC 140/2011, este
diploma normativo, ao optar pelo ente que tem o dever de proteger a vegetação e as florestas,
escolheu o mesmo ente para a aplicação de sanções.

E no caso de existirem dois processos sancionadores abertos: um pelo ente precipuamente


competente e outro pelo ente que teria atuação supletiva? Entende-se que o ente
originariamente competente só o deixa de ser caso continue omisso ao ser instado a agir,
quando manifestamente não puder agir ou quando expressamente afirma não poder agir.

Para que se configure a omissão, é necessário averiguar se o ente competente tem inequívoca
ciência da existência de fato que, ao menos em tese, caracteriza infração ambiental e se houve
decurso de um prazo razoável contado a partir da ciência do fato (não há prazo fixado em lei,
mas entende o autor que 60 dias mais 1 seria razoável para caracterizar omissão
administrativa). Desse modo, se o ente precipuamente competente não age em 61 dias,
restará autorizada a atuação supletiva dos demais entes.

E se, após a abertura de processo administrativo pelo ente dotado de competência supletiva, o
ente originariamente competente quiser atuar? Deve prevalecer, segundo Rodrigo
Mascarenhas, o entendimento adotado no parecer do INEA, segundo o qual o auto de infração
lavrado pelo ente originariamente competente somente prevalecerá quando não existir
decisão administrativa de mérito nos autos de procedimento administrativo instaurado por
outro ente, para que se evite, principalmente, gasto público.

No entanto, faz-se uma observação: esta posição deve ter como pressuposto o fato de que o
exercício da atribuição supletiva requer inequívoca ciência do órgão originariamente
interessado, bem como o decurso do prazo de 61 dias (ou que haja manifestação no sentido
de o órgão precipuamente competente pedir a atuação de outro ente).

Ainda, conclui-se que, nos termos do parecer do INEA, o ente federativo que tiver ciência de
fato ou da iminência de fato que cause degradação ambiental deve adotar medidas de polícia,
comunicando o órgão inicialmente competente. Por isso, o medo encaminhamento de
denúncias e ilegal e inconstitucional, não isentando o corpo técnico do INEA de
responsabilização. No entanto, o parecer da PGE ressalta que quando não houver dano, pode
haver encaminhamento direto da denúncia ao ente competente e que as medidas de polícia a
que se refere este entendimento não incluem medidas sancionatórias.

E, quanto às atividades não sujeitas a licenciamento, a conclusão do INEA – de que compete a


todos os entes o poder de polícia ambiental nesses casos - de acordo com o parecer da PGE,
não merece ser aprovada. O entendimento fixado pelo Instituto Estadual do Ambiente deveria
ser substituído, de modo que seja utilizado o já mencionado critério territorial mitigado.

Desse modo, apontam-se enunciados importantes, segundo os quais as infrações


administrativas ambientais cometidas por pessoas não sujeitas ao licenciamento ambiental
devem ser investigadas pelo órgão municipal competente se cumpridas cumulativamente
condições como: existência de legislação municipal para a apuração de infrações ambientais
administrativas (e o fato em tese deve ser punível por esta legislação), a infração deve ter sido
cometida inteiramente dentro de território municipal, não pode envolver florestas públicas
estaduais ou federais, não pode envolver imóveis rurais ou atividades/empreendimentos
licenciados pelo Estado ou pela União e unidades de conservação do Estado (exceto APAs –
áreas de proteção ambiental), dentre outras.

Caso não sejam observados os requisitos acima, a competência será do INEA caso,
cumulativamente, o fato em tese seja punível pela Lei nº3.467/00 ou por outra lei estadual,
não podendo envolver florestas públicas federais e terras devolutas federais e desde que a
atividade não seja licenciada e autorizada pela União. A infração também não pode ter
ocorrido em mar territorial, plataforma continental na zona econômica exclusiva e nem em
terras indígenas. Outro requisito que merece destaque é a não relação da atividade que
resulta na infração com introdução, no país, de espécies exóticas capazes de ameaçar
ecossistemas, habitats e espécies nativas e com pesca interestadual.

Não cumpridos os requisitos citados (e outros, tendo em vista que só mencionamos os mais
relevantes), a competência será do órgão federal. O referido parecer foi aprovado pela Dra.
Lúcia Léa Guimarães Tavares, Procuradora-Geral do Estado à época.
4.3 Licenciamento ambiental estadual para transporte intermunicipal de
produtos perigosos

Texto-base: Parecer nº 01/2016 – ASCH – Parecer sobre a necessidade de licenciamento


ambiental estadual para transporte intermunicipal de produtos perigosos, ainda que o
empreendedor exerça em conjunto a atividade de transporte interestadual – Alexandre
Siuffo Schneider. Revista de Direito da Procuradoria-Geral do Estado do Rio de Janeiro, 2016.

Trata-se de manifestação da Procuradoria-Geral do Estado acerca da repartição de


competências disciplinada pela Lei Complementar 140/2011, sobretudo no que se refere ao
transporte de produtos perigosos.

O INEA, por meio de sua Procuradoria, fixou o entendimento de que, se o empreendedor


exercer simultaneamente o transporte interestadual e intermunicipal, deve ele submeter-se
exclusivamente ao licenciamento na seara federal, realizado pelo IBAMA, pautado no art. 13
da LC 140/11. No entanto, este não é o entendimento das áreas técnicas do próprio INEA,
segundo as quais há necessidade de licenciamento por esta autarquia, independentemente de
licença concedida pelo IBAMA, para a atividade de transporte intermunicipal de produtos
perigosos.

No parecer da PGE, entende-se que a LC 140/11 é constitucional, e a política legislativa por ela
proposta atende aos princípios da segurança jurídica, isonomia (pois todos os
empreendedores submetem-se à mesma disciplina) e da livre iniciativa (ao conhecer os
trâmites burocráticos previamente, o empreendedor tem a possibilidade de se organizar de
forma mais adequada).

A questão da segurança jurídica é de suma importância, tendo em vista que antes do advento
da lei complementar, a repartição das competências administrativas era feita por meio de atos
normativos esparsos cuja constitucionalidade era duvidosa, como por exemplo as diversas
resoluções do CONAMA. A necessidade de edição dessa lei residia no fato de que a
Constituição não definiu explicitamente critérios para a divisão de atividades administrativas,
e, por isso, a solução que vinha sendo utilizada era a combinação do critério da predominância
do interesse e do princípio da subsidiariedade, o que gerou um contexto de insegurança
jurídica.

Dispõe o art. 13 da LC 140/11 que os empreendimentos e atividades são licenciados ou


autorizados, ambientalmente, por um único ente federativo. A procuradoria do INEA sustenta
que a atividade de transporte de produtos perigosos é UNA, e, se a empresa realizar
transporte intermunicipal e interestadual de passageiros, necessitará apenas de licença em
âmbito federal.

Este entendimento, na visão da PGE, precisa ser superado. O fato é que a lei complementar
pretendeu, com o art. 13, evitar a existência de dezenas de licenças nos casos em que a
singularidade do objeto não justificasse o licenciamento plural. Ou seja, a lei não autorizou que
um empreendedor, no caso, por exemplo, de construção de um oleoduto que ligasse Niterói
ao município do Rio de Janeiro, fosse dispensado do licenciamento interestadual. De acordo
com o parecer, essa interpretação (de “dispensa legislativa”) afronta o princípio da prevenção.

A mesma lógica se aplicaria à atividade de transporte de produtos perigosos. Quando o


transporte se der apenas em caráter interestadual, vale a aplicação do art. 13. No entanto, se,
simultaneamente, forem realizados transportes interestadual e intermunicipal, haverá duas
atividades distintas, in casu. Isso, com amparo nos arts. 7º, XXV e 8º, XXI da LC 140/11, torna
necessário o licenciamento nas duas esferas.

Inclusive, este parece ser o entendimento do IBAMA, tendo em vista que a autarquia já se
manifestou no sentido de que a autorização para transporte interestadual de produtos
perigosos não exclui as licenças estaduais ligadas ao transporte intermunicipal. Por isso,
entende também a PGE ser cabível o licenciamento estadual para transporte intermunicipal
de transportes perigosos, mesmo que haja transporte interestadual dos mesmos produtos,
cabendo aos agentes estaduais o exercício do poder de polícia.

Vejamos o teor do art. 13, §1º da LC 140/11:

Art. 13. Os empreendimentos e atividades são licenciados ou


autorizados, ambientalmente, por um único ente federativo, em
conformidade com as atribuições estabelecidas nos termos desta Lei
Complementar.

§ 1o Os demais entes federativos interessados podem manifestar-se


ao órgão responsável pela licença ou autorização, de maneira não
vinculante, respeitados os prazos e procedimentos do licenciamento
ambiental.

Entende a PGE que este dispositivo deve ser plenamente aplicável, de forma que o INEA
intervenha nos processos federais de licenciamento ambiental das atividades de transporte
interestadual de produtos perigosos.

O parecer aqui estudado foi aprovado com observações adicionais. A primeira observação diz
respeito ao art. 14, §3º da LC 140/11. Vejamos:

Art. 14. Os órgãos licenciadores devem observar os prazos


estabelecidos para tramitação dos processos de licenciamento.

(...)
§ 3o O decurso dos prazos de licenciamento, sem a emissão da
licença ambiental, não implica emissão tácita nem autoriza a prática
de ato que dela dependa ou decorra, mas instaura a competência
supletiva referida no art. 15.

Entende-se, afinal, que nos casos de omissões referentes ao licenciamento ambiental, pode
ocorrer deslocamento de competência. Ressalta-se que há polêmica em relação ao assunto e
que não há previsão para casos de omissão da União, mas entende-se que este registro é
importante.

O último apontamento diz respeito à “possibilidade de exercício do poder de polícia pelo INEA,
ainda que determinado empreendedor desempenhe somente o transporte interestadual cuja
competência para licenciamento pertence ao IBAMA”. Aqui, relembra Rodrigo Mascarenhas,
Subprocurador Geral do Estado à época, o teor do Parecer nº 01/13/PG - 2 – RTAM, segundo o
qual o INEA pode e deve atuar nesses casos, mas a princípio, essa atuação deve se limitar à
fiscalização e à aplicação de medidas acauteladoras.

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