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04ª RODADA
SUMÁRIO
O Brasil possui o sistema uno de jurisdição, onde o mesmo Poder Judiciário julga conflitos civis
e de Direito Administrativo. O CPC, assim, trata dos dois casos, dos conflitos civis e dos
conflitos de Fazenda Pública. Portanto, o mesmo CPC traz das questões referentes à Fazenda
Pública em Juízo, como suas prerrogativas, regras processuais próprias e procedimentos
especiais (ex: execução em face da Fazenda).
O CPC/15 tentou trazer uma constitucionalização do Processo Civil, por meio de uma filtragem
constitucional das regras processuais. O CPC traz a ideologia do garantismo, a ideia de que os
direitos fundamentais processuais devem ser protegidos. Porém, não só nas normas
fundamentais, mas ao longo de todo o Código (ex: primazia da apreciação do mérito recursal).
Assim, de um lado tem-se um Código extremamente garantista. Mas, de outro, há uma série
de prerrogativas e regras próprias para a Fazenda Pública. Será que essas são normas
constitucionais? Para ter essa resposta é preciso passar todas as normas processuais pelo filtro
constitucional isoladamente. Deve-se analisar se cada prerrogativa se justifica nos direitos
fundamentais processuais.
Esse filtro que se faz não pode mais ser a supremacia do interesse público puramente. A
supremacia do interesse público não é reduzida ao interesse Fazendário, mas sim um interesse
coletivo. Assim, existem diferentes interesses públicos que podem estar em jogo. Ex: interesse
da população em saúde. Assim, na verdade, deve-se olhar para as prerrogativas em concreto.
Deve-se entender, então, que essas prerrogativas concedidas à Fazenda foram dadas como
forma de promoção a direitos fundamentais processuais das próprias Pessoas Jurídicas de
Direito Público. A Advocacia Pública ganhou papel de destaque no CPC/15, fazendo jus a um
Título próprio (a partir do art. 182), assim como o Ministério Público e a Defensoria Pública.
Lembre-se que o CPC não traz apenas normas de direito processual. O Código traz normas
bifrontes também, ou seja, normas que também tocam ao direito material. Ex: direito
probatório; art 1841, que trata de direito administrativo (regra de proteção do advogado
público e suas funções. Trata-se de regra geral de responsabilidade civil do advogado público,
valendo para as funções de consultoria, o que não aparece no diploma civil).
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Art. 184. O membro da Advocacia Pública será civil e regressivamente responsável quando agir com
dolo ou fraude no exercício de suas funções.
O art 1832, CPC, por outro lado, traz duas importantes prerrogativas em favor da Fazenda.
Por outro lado, o CPC/15 trouxe uma benesse ao administrado que parece ter duvidosa
constitucionalidade. Essas regras aparecem no art. 46, §5º3 e art 524 do CPC. Em síntese, há a
previsão de que a execução fiscal deve ser proposta no foro de domicílio do devedor. Isso
pode obstar o acesso à justiça. Ainda, o Estado, quando réu, poderá ser acionado no domicílio
do autor, em qualquer lugar do país.
A constitucionalidade é duvidosa, pois essas regras devem ser analisadas à luz do equilíbrio
federativo, à luz do federalismo. Com essas normas, é possível que, na prática, um estado
acabe ingressando na esfera de outro, sequestrando suas verbas.
Atenção! Sobre esse tema, deve-se acompanhar a ADI 5737, ainda em andamento no STF.
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Art. 183. A União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios e suas respectivas autarquias e
fundações de direito público gozarão de prazo em dobro para todas as suas manifestações processuais,
cuja contagem terá início a partir da intimação pessoal.
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Art. 46. § 5º A execução fiscal será proposta no foro de domicílio do réu, no de sua residência ou no do
lugar onde for encontrado.
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Art. 52. É competente o foro de domicílio do réu para as causas em que seja autor Estado ou o Distrito
Federal.
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§ 3º Nas causas em que a Fazenda Pública for parte, a fixação dos honorários observará os critérios
estabelecidos nos incisos I a IV do § 2º e os seguintes percentuais:
I - mínimo de dez e máximo de vinte por cento sobre o valor da condenação ou do proveito econômico
obtido até 200 (duzentos) salários-mínimos;
II - mínimo de oito e máximo de dez por cento sobre o valor da condenação ou do proveito econômico
obtido acima de 200 (duzentos) salários-mínimos até 2.000 (dois mil) salários-mínimos;
III - mínimo de cinco e máximo de oito por cento sobre o valor da condenação ou do proveito econômico
obtido acima de 2.000 (dois mil) salários-mínimos até 20.000 (vinte mil) salários-mínimos;
IV - mínimo de três e máximo de cinco por cento sobre o valor da condenação ou do proveito econômico
obtido acima de 20.000 (vinte mil) salários-mínimos até 100.000 (cem mil) salários-mínimos;
V - mínimo de um e máximo de três por cento sobre o valor da condenação ou do proveito econômico
obtido acima de 100.000 (cem mil) salários-mínimos.
Fazenda, os honorários eram arbitrados com base na equidade, pelo CPC/73. Essa regra da
equidade acaba sendo regra sujeita à discricionariedade, que é de difícil controle. Mas, como
vivemos num Estado Democrático de Direito, é preciso que haja o máximo controle da
atividade jurisdicional. Por isso, o legislador mudou o critério dos honorários advocatícios nos
casos de Fazenda, estabelecendo espécie de tabela regressiva dos honorários.
Essa tabela funciona de acordo com a seguinte lógica: a partir do valor da condenação, serão
estabelecidos valores de honorários mínimos e máximos. Essa regra, portanto, permite maior
controle da atividade jurisdicional. O problema é que o §5º6 do art. 85 traz a previsão de
escalonamento. De acordo com esse dispositivo, se a condenação ou proveito econômico for
acima da faixa do inciso I do §3º do art. 85, haverá o arbitramento dos honorários nas duas
faixas em que o valor da condenação se insira. Na prática, os magistrados irão aplicar
honorários em faixa única, esquecendo de aplicar o §5º.
Além disso, temos a problemática da sentença que arbitrou todos os parâmetros para cálculo
do valor da condenação, mas que não disse expressamente qual o valor da condenação. Ex:
sentença que condena a Fazenda em repetição de indébito tributário, sem dizer valor exato,
colocando correção monetária e acrescendo juros (trata-se de sentença líquida, pois depende
de mero cálculo do credor, mas que não disse qual o valor total da condenação, não se tendo
como saber o valor dos honorários). Nestes casos, deve-se aplicar por analogia a regra do art.
85, §4ª, II7 do CPC. Ou seja, tem que esperar o valor liquidado para se fixar as faixas dos
honorários.
Ainda, no art 85, §118, CPC, há um mecanismo para a contenção de recursos protelatórios.
Esse mecanismo quer evitar o uso abusivo de recursos. Trata-se dos honorários advocatícios
recursais. Busca-se que o recorrente avalie economicamente a demanda, já que o recurso
pode levar a uma majoração dos honorários, uma vez que desprovido. O limite desses
honorários é o limite máximo dos honorários na fase de conhecimento.
Outro mecanismo que buscou trazer maior eficiência para o processo são os meios
consensuais de solução dos conflitos, a exemplo, art 3349 do CPC. Há mudança de paradigma
aqui, só de pensar na audiência de conciliação, porque a Fazenda, nas demandas de
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§ 5º Quando, conforme o caso, a condenação contra a Fazenda Pública ou o benefício econômico
obtido pelo vencedor ou o valor da causa for superior ao valor previsto no inciso I do § 3º, a fixação do
percentual de honorários deve observar a faixa inicial e, naquilo que a exceder, a faixa subsequente, e
assim sucessivamente.
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§ 4º Em qualquer das hipóteses do § 3º :
II - não sendo líquida a sentença, a definição do percentual, nos termos previstos nos incisos I a V,
somente ocorrerá quando liquidado o julgado;
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§ 11. O tribunal, ao julgar recurso, majorará os honorários fixados anteriormente levando em conta o
trabalho adicional realizado em grau recursal, observando, conforme o caso, o disposto nos §§ 2º a 6º,
sendo vedado ao tribunal, no cômputo geral da fixação de honorários devidos ao advogado do vencedor,
ultrapassar os respectivos limites estabelecidos nos §§ 2º e 3º para a fase de conhecimento.
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Art. 334. Se a petição inicial preencher os requisitos essenciais e não for o caso de improcedência
liminar do pedido, o juiz designará audiência de conciliação ou de mediação com antecedência mínima
de 30 (trinta) dias, devendo ser citado o réu com pelo menos 20 (vinte) dias de antecedência.
procedimento comum, em princípio, não fica totalmente alheia a essa possibilidade. A Fazenda
deve buscar um meio de solução consensual, especialmente quando sabidamente errada. O
problema, neste ponto, é a ausência de previsão legal para este acordo. O estado e o
município precisam regulamentar como vão se dar essas transações.
Assim, essa audiência de conciliação, nos processos em que envolvam a Fazenda, ficará
mitigada, havendo uma flexibilização procedimental. Porém, a Fazenda não pode estar imune
a uma mudança de cultura. Assim, nesses processos de massa, de início, até que haja
autorização legal, parece não ser possível que a Fazenda se utilize desse meio consensual.
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§ 4º A audiência não será realizada:
II - quando não se admitir a autocomposição.
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Art. 8º. Ao aplicar o ordenamento jurídico, o juiz atenderá aos fins sociais e às exigências do bem
comum, resguardando e promovendo a dignidade da pessoa humana e observando a proporcionalidade,
a razoabilidade, a legalidade, a publicidade e a eficiência.
disposto nos §§ 2º a 6º, sendo vedado ao tribunal, no
cômputo geral da fixação de honorários devidos ao advogado
do vencedor, ultrapassar os respectivos limites estabelecidos
nos §§ 2º e 3º para a fase de conhecimento.
Julgamento de Apelação X
Agravo de instrumento em
face de decisão parcial de
X
mérito (Exemplo, proferida
com base no art. 356 do CPC)
Observação: é imprescindível
que o REsp ou RE tenha sido
Julgamento de recurso ofertado em face de acórdão
especial e extraordinário que tenha arbitrado
honorários originariamente
ou substituído decisão de
primeira instância que assim
tenha decidido.
X
Recursos julgados
monocraticamente Observação: devem ser
impostos pelo relator.
Observação: Posicionamento
de Marco Antonio Rodrigues
(PGE-RJ). A cominação de
Agravo interno pelo
honorários em face do
insatisfeito com a decisão
agravo interno, quando a
monocrática
decisão monocrática já os
tiver previsto, revela-se uma
dupla punição, tendo em
vista que o julgamento
unipessoal foi realizado em
substituição ao colegiado.
Observação: Posicionamento
de Marco Antonio Rodrigues
(PGE-RJ). Os embargos são
recurso da competência do
Embargos de declaração próprio órgão prolator da
decisão embargada, o que
determina que, nas hipóteses
em que opostos em face de
pronunciamentos dos juízos
de primeiro grau, não serão
julgados pelo tribunal.
A partir de qual momento tal verba deve ser arbitrada nos recursos interpostos?
O art. 85, §11º trouxe um novo direito de crédito em favor dos advogados: os honorários
recursais. A aplicação dessa previsão aos recurso em andamento ofenderia a confiança
legítima nas possíveis consequências que o recorrente esperava que seu recurso pudesse ter.
Enunciado administrativo n. 7
Segundo Marco Antonio Rodrigues (PGE-RJ), nessas hipóteses tem-se um verdadeiro vácuo
normativo, pois o art. 85 não contemplou como arbitrar os honorários recursais em tais
situações. Pois isso, considerando que essa verba honorária foi prevista de modo a não apenas
remunerar os advogados, mas também para compelir à não oferta de recursos com baixa
chance de êxito, assumindo um papel indiretamente sancionatório, não parece possível a
imposição de honorários por analogia. A solução que vem sendo adotada por vezes em tais
casos é, porem, a imposição de honorários em percentual, desde que sua totalidade –
honorários arbitrados na sentença e os recursais – não ultrapasse os percentuais dos §§ 2.º e
3.º.
Aproximação ao tema
Tendo como base os arts. 5º, 37 e 93, IX da CF 1988, em regra, o processo judicial no Brasil
deve gozar de ampla publicidade, sendo excepcional o sigilo, mesmo para que se possam
efetivar garantias fundamentais, tais como o contraditório participativo e a independência do
juiz.
De outra ponta, a mediação pauta-se muitas vezes pela confidencialidade. Em sua redação
final, a Lei n° 13.140/15 trata da confidencialidade e de suas exceções na Seção IV do Capítulo
I, especificamente nos artigos 30 e 31.
Ao contrário do texto consagrado no art. 166, § 1° do novo CPC, a Lei da Mediação, apesar de
consagrar a confidencialidade como princípio informador dessa modalidade de solução
consensual de conflitos (art. 2°, inciso VII, CPC), admite exceções, como veremos mais a frente.
Por sua vez, o art. 14 do antigo P.L. n° 4.827/98 também consagrava a confidencialidade como
regra, e admitia uma única exceção: a expressa convenção das partes.
Assim, as partes se sentem à vontade para revelar informações íntimas, sensíveis e muitas
vezes estratégicas, que certamente não se exteriorizariam num procedimento orientado pela
publicidade.
Não é por outro motivo que o Código Civil e o novo Código de Processo Civil expressamente
ratificam esse entendimento, mediante a positivação do segredo profissional.
Retornando ao exame dos dispositivos da Lei n° 13.140/15, fica claro que a regra geral é, de
fato, a confidencialidade, que aliás já havia sido alçada ao patamar de princípio fundamental
da mediação, por força do art. 2º, inciso VII da mesma Lei.
Porém, o instituto da mediação embora confidencial, não pode ser secreto. Essa distinção
assume especial relevância quando tomam parte no procedimento ou a Fazenda Pública ou
órgãos que defendem interesses coletivos em sentido amplo (difusos, coletivos ou individuais
homogêneos).
Desse modo, não podemos perder de vista que, em hipótese alguma, a sua utilização pode ser
admitida como forma de ilidir a transparência e a impessoalidade que devem sempre nortear o
uso da coisa pública. Além do mais, a mediação, como todos os outros meios de resolução de
conflito, guarda estrita correlação com os mais altos padrões éticos de conduta.
Como é o consenso que rege toda a estrutura da referida Lei, é permitido que as partes
interessadas, de comum acordo, renunciem ao sigilo. Essa circunstância deve ser esclarecida,
ao início do procedimento, pelo mediador.
É possível, ainda, que a divulgação seja exigida pela Lei. Será o caso da mediação envolvendo a
Administração Pública e seus entes (art. 32 da Lei), em razão do princípio da publicidade
insculpido no art. 37 da Carta de 1988, ressalvadas as hipóteses cujo sigilo seja imprescindível
à segurança da sociedade e do Estado, nos termos dos arts. 5º, XXXIII, da Constituição Federal,
e 3º, I, e 27 da Lei nº 12.527/2011 (Lei de Acesso à Informação).
Imagine-se, por exemplo, que uma das partes, de má-fé, faz a outra crer que há possibilidade
de acordo. Com isso, essa outra revela uma informação até então preservada para a fase
instrutória de uma eventual e futura ação judicial.
O § 3o dispõe que não está abrigada pela regra de confidencialidade a informação relativa à
ocorrência de crime de ação pública.
Assim sendo, no caso da mediação extrajudicial, uma vez identificado o crime de ação pública,
o mediador tem o dever tomar as providências necessárias, ou seja, comunicar o fato à
Presidência da Câmara, para que promova a devida notificação à autoridade policial ou ao
Ministério Público.
Outrossim, se a mediação for judicial, a informação do crime deverá ser consignada em ata e
remetida ao juiz competente para a adoção das providências necessárias pelo centro judiciário
de solução consensual de conflitos.
Observe-se que o dispositivo ressalva apenas os crimes de iniciativa pública, ficando excluídas
as figuras abrangidas pela ação penal privada, tais como o dano, a maioria dos crimes contra a
honra, e o exercício arbitrário das próprias razões, para citar as mais comuns.
Por outro lado, o legislador não distingue entre as hipóteses de ação penal pública
incondicionada ou condicionada à representação do ofendido. Aqui, o texto legal apresenta
relevante falha técnica.
Cremos, ainda, que o dispositivo deve ser interpretado restritivamente, a fim de alcançar
apenas os crimes não sujeitos à causa de extinção da punibilidade. Assim, se houver alguma
das hipóteses previstas no art. 107 do Código Penal, entendemos que não deve haver
rompimento da confidencialidade. Podemos citar como exemplos os fenômenos da prescrição,
da decadência ou mesmo da morte do agente.
Além disso, temos para nós que o dispositivo deveria abranger, também, notícias de atos de
improbidade administrativa, assim definidos pela Lei n° 8.429/92. Tal afirmação se justifica na
medida em que tais condutas são, na maioria das vezes, mais graves e com maior
potencialidade lesiva do que certos crimes sujeitos à ação penal pública condicionada.
Ademais, não custa lembrar que o art. 17, § 1° da referida Lei não permite qualquer tipo de
acordo ou consenso em matéria de improbidade .
Chegamos, então, ao § 4° do art. 30 da Lei de mediação. Tal dispositivo prevê que "a regra da
confidencialidade não afasta o dever de as pessoas discriminadas no caput prestarem
informações à administração tributária após o termo final da mediação".
O dispositivo vem preencher lacuna então existente, e que já ocasionou conflitos entre o Fisco
e contribuintes ligados às câmaras arbitrais. De fato, não nos parece razoável que o manto da
confidencialidade possa ser estendido a ponto de ocultar da autoridade fiscal a movimentação
financeira da câmara ou mesmo do mediador passível de incidência de tributos, como é o caso
do imposto de renda ou mesmo do imposto sobre serviços.
Observe-se, contudo, que as informações que interessem à administração tributária devem ser
divulgadas, apenas com o objetivo do adequado exercício da fiscalização tributária, mas o
sigilo delas passa a abranger também os servidores que operem com essa fiscalização.
Denominadas caucus por parte da doutrina, e abominadas por algumas escolas de mediação,
como o tradicional P.O.N. da Harvard Law School, as sessões privadas são utilizadas pela
maioria dos mediadores como valioso instrumento para a equalização e balanceamento do
procedimento, sobretudo quando o profissional percebe que as partes estão em diferentes
pontos de compreensão e entendimento, ou mesmo quando há indícios de que apenas uma
delas está agindo de forma colaborativa.
As sessões privadas também são bastante utilizadas para que o mediador, juntamente com
apenas uma das partes e seu advogado, conduza, junto com eles, o chamado “choque de
realidade”, com o objetivo de fazer com que aqueles envolvidos analisem a fundo as
consequências de seu comportamento durante o processo de mediação e as opções existentes
caso não se atinja um consenso com a outra parte.
Toda e qualquer informação revelada na sessão privada não pode ser compartilhada com os
demais personagens da mediação, salvo se houver expressa autorização daquele que a
disponibilizou. E isso assume uma especial relevância e, ao mesmo tempo, cria uma tensão a
mais, na mediação judicial .
Conforme dados divulgados pelo CNJ, a Administração Pública brasileira é a parte que possui
o maior número de processos judiciais em andamento no país. Nada obstante, cumpre
destacar que pouco ainda se produziu sobre as peculiaridades da resolução consensual de
conflitos envolvendo o poder público, seja a nível normativo, doutrinário ou jurisprudencial.
A Lei 13.140/15 trata da autocomposição de conflitos em que for parte pessoa jurídica de
direito público em seu Capítulo II. Dessa maneira, quando o legislador implanta o sistema de
solução de controvérsias nesse tipo de relação, "favorece o desenvolvimento das atividades
administrativas e da governança pública, o atendimento das demandas e anseios dos cidadãos,
bem como do setor produtivo", segundo Maria Tereza Fonseca Dias.
A doutrina majoritária defende que, quando houver mediação com pessoa jurídica de direito
público, o procedimento não deverá seguir as regras da confidencialidade, pois há prevalência
do interesse público na publicidade das informações obtidas, em detrimento do interesse no
acordo sobre o litígio que envolva a administração pública.
Dessa maneira, deve ser garantida a transparência nas sessões de mediação da qual alguma
pessoa jurídica de direito público faça parte, com a exceção dos casos em que a própria Lei
12.527/2011 preserve o sigilo das informações.
De acordo com o art. 31 da Lei 12.527/2011 , os dados pessoais não são públicos e terão seu
acesso restrito, podendo ser acessados apenas pelos próprios indivíduos e por terceiros, estes
apenas em casos excepcionais
As informações classificadas como sigilosas são aquelas que a divulgação possa colocar em
risco a segurança da sociedade ou do Estado, estando expressamente dispostas no art. 23 da
lei 12.527/2011 . Em vista disso, o acesso a elas deverá ser limitado por meio da classificação
da autoridade competente, apesar de serem informações públicas.
Já as informações sigilosas com base em outras leis, são aquelas amparadas por outras
legislações, tais como os sigilos fiscal, industrial e bancário a título de exemplo.
Porém, Marco Antônio Rodrigues (PGE-RJ), entende que embora seja regra geral a superação
da confidencialidade pela publicidade, esta não é absoluta. À luz do instituto ponderação de
princípios, tem-se a possibilidade de existirem valores que justifiquem a não incidência da
publicidade em situações específicas, seja por previsão legal ou por decisão judicial, se a
mediação for incidental no processo.
Considerações Finais
Contudo, ainda é cedo para se fazer uma avaliação mais precisa quanto a esse ponto, na
medida em que não temos, ainda, um quantitativo representativo apto se sujeitar a um estudo
de casos.
O legislador poderia, talvez, ter sido um pouco mais claro. Nesse sentido, não custa lembrar
que há dispositivo expresso na Lei de Arbitragem, fruto da inovação introduzida no § 3° do art.
2° pela Lei n° 13.129/2015.
Conclui-se então que, em regra, prevalece o princípio da publicidade sobre a
confidencialidade. A publicidade do acordo e dos motivos que levaram a Administração Pública
a celebrar esse pacto é garantida.
Obviamente, não se pode aniquilar por completo a confidencialidade; esta garantia estará
devidamente preservada no que se refere à intimidade do interessado na mediação,
principalmente nas tratativas, podendo variar em cada caso, sempre observadas as hipóteses
previstas na lei de acesso à informação.
Para CPC/15, chama-se tutela provisória aquela que não é definitiva. A expressão tutela
definitiva não aparece no código, mas é a partir dela que a gente tem que tentar entender o
que é isso que o código chama de tutela provisória.
Mas é possível obter, antes desse momento final, outra proteção menos intensa, porque não
será revestida dessa especial autoridade de coisa julgada. Por não ser uma tutela definitiva, o
código a chamou de provisória.
Não. Pois temos tutela provisória que é provisória, mas há tutela provisória que não é
provisória, é temporária. Há uma distinção que a doutrina reconhece há décadas entre
provisoriedade e temporariedade.
Provisório é algo que se constitui para existir até que venha a ser substituído por outra coisa, e
isto que vem para o lugar do provisório é o definitivo. Há fenômenos que são criados para
durarem algum tempo e depois desaparecerem sem que nada venha para o seu lugar, sem que
nada venha a ocupar o espaço que eles antes ocupavam isso não é provisório, é temporário.
Exemplo: medida provisória. A medida provisória é provisória porque ela vai ficar ali
disciplinando a matéria sobre a qual ela versa até que venha uma medida definitiva, que é a
lei. A medida provisória tende a ser substituída pela lei, então ela é provisória. Contudo, a
contribuição provisória sobre movimentação financeira CPMF, nunca foi provisória, tendo
sido criada para ser cobrada por um determinado período: havia uma data limite e quando
chegasse essa data a CPMF pararia de ser cobrada, e nada viria a ocupar o seu lugar, então,
não é provisória ela devia ter se chamado CTMF (contribuição temporária sobre
movimentação financeira). Assim, provisória é uma coisa, temporária é outra.
Quando num processo de alimentos o juiz ao início do processo diz: “eu estou fixando
alimentos que vão vigorar até que no final do processo eu fixe novos alimentos”, estes do início
são alimentos provisórios, que vigoraram até que venha a fixação dos alimentos definitivos.
Mas quando o juiz diz: “olha, está havendo aqui um tremendo conflito sobre um determinado
bem e há o risco de que este bem ao longo do processo pereça, então vou fazer o seguinte, eu
vou pegar esse bem e vou deixar guardado no depósito judicial e ele vai ficar lá até o final do
processo, quando o processo acabar a gente vê quem ganhou pega-se o bem e entrega para
quem ganhou”, esse depósito não é provisório esse depósito é temporário, ele vai existir
durante um tempo. Quando nós não precisarmos dele, o depósito acaba e não vem nada para
o seu lugar. Apesar de o código chamar isso de tutela provisória, não é provisório, é
temporário.
Temos tutelas não definitivas, mas que proporcionam uma satisfação provisória do direito. São
tutelas não definitivas satisfativas que são verdadeiramente provisórias.
Mas nós temos tutelas não definitivas que não satisfazem o direito de ninguém, são tutelas
não definitivas meramente assecuratórias de um futuro resultado, essas não são provisórias,
mas temporárias.
E por isso o nome tutela provisória é ruim: não devia se chamar tutela provisória, mas sim
tutela sumária, porque é isto que todas elas têm em comum, elas são todas tutelas
jurisdicionais ou processuais baseadas num exame da causa menos profundo do que aquele
que se terá para a tutela definitiva para o resultado final do processo. E este exame menos
profundo, conhecido no jargão do direito processual como cognição sumária - aquela que leva
o juiz a proferir decisões com base não em juízo de certeza, mas com base em juízos de
probabilidade – é uma tutela jurisdicional sumária.
Então, quando o código diz tutela provisória ele está a dizer tutela jurisdicional que não é
definitiva e que é baseada em um juízo de probabilidade, cognição sumária. E quando é que
isso se defere? Ou seja, quando é que se concede uma tutela sumária? (provisória para usar a
terminologia da lei). Em algumas situações diferentes:
Quando houver uma situação de urgência. Então, a lei dirá “é provável que o direito exista e,
além disso, existe uma situação de perigo eminente, uma situação de urgência”. Se a parte
demonstra que provavelmente tem direito e que há o risco de se sofrer um dano iminente, e
por isso é preciso obter uma proteção urgente, se defere uma tutela processual sumária,
porque baseada na probabilidade como um remédio para nos proteger desta situação de
perigo iminente. Isso é o que o código chama de tutela de urgência (que pode ser satisfativa
ou meramente assecuratória).
Pode-se ter uma tutela de urgência que satisfaz na prática o direito, satisfaz tanto quanto
satisfaria a tutela definitiva, mas não é definitiva porque não é baseada num exame tão
profundo da causa e por isso não será capaz de revestir-se da autoridade de coisa julgada.
Pode haver tutela de urgência não satisfativa: E o código valendo-se também de uma
tradicional terminologia chamou isso de tutela cautelar. A tutela cautelar é uma tutela de
urgência não satisfativa, ela é meramente assecuratória de um futuro resultado.
Imagine, por exemplo, que alguém se apresenta em juízo como credor de uma quantia em
dinheiro, quer exigir do devedor o pagamento, mas o devedor está na eminência de transferir
do seu patrimônio para o patrimônio de terceiros todos os seus bens penhoráveis.
Então, você está numa situação em que percebe que o devedor está na iminência de passar
tudo para o nome do “laranja”, você ainda não pode exigir o pagamento, mas precisa, pelo
menos, da apreensão de bens do devedor que garantam que no futuro você receba o que
tinha devido, e aí se determina o arresto, aprendem-se bens do devedor, não para que eles
sejam imediatamente entregues ao ganhador, mas para que eles fiquem depositados e no
final do processo está assegurado que ele receberá o valor, porque garantiu-se os meios que
viabilizaram a satisfação do crédito, isso é uma tutela de urgência meramente assecuratória,
o código deu um nome pra ela, tutela cautelar.
Tem outra tutela que o código chama de provisória, que não é de urgência, é a tutela da
evidência, e a tutela da evidência é uma tutela sumária, é uma tutela não definitiva que não
precisa de urgência, ela dispensa a urgência, e porque a gente aqui não precisa da urgência?
Por que aqui nós temos probabilidades muito fortes, isso que o código chama de evidência nós
poderíamos chamar de uma quase certeza, é uma probabilidade tão intensa, tão forte da
existência do direito que é uma quase certeza de que o direito existe, e como há uma quase
certeza da existência do direito nós vamos proteger a parte, mesmo não existindo urgência.
A tutela de evidência não é novidade do CPC/15. O código de processo civil não criou a tutela
da evidência, ampliou os casos.
Exemplo de tutela da evidência que é mais do que milenar: liminar em ação possessória de
força nova é tutela da evidência. Quando se ajuíza uma ação de reintegração de posse dentro
de ano e dia contado esbulho, o autor traz com a inicial ou produz em audiência de
justificação prova de que tinha a posse, de que sofreu o esbulho e de que isso ocorreu no
máximo um ano e um dia, antes do ajuizamento da demanda, o que faz o juiz
independentemente de urgência deferir a liminar. Trata-se de tutela da evidência, na hipótese
de se conceder a tutela não definitiva porque existe abuso do direito de defesa ou o
manifesto propósito protelatório, o que já era tutela da evidência no código anterior.
Agora o código atual criou outras hipóteses de tutela da evidência, exemplo é o art. 311, II:
Art. 311. A tutela da evidência será concedida, independentemente da demonstração de perigo
de dano ou de risco ao resultado útil do processo, quando: (...) II - as alegações de fato
puderem ser comprovadas apenas documentalmente e houver tese firmada em julgamento
de casos repetitivos ou em súmula vinculante.
A tutela da evidência não está ligada à urgência, pelo contrário, ela prescinde da urgência, a
tutela da evidência é um mecanismo de redistribuição do ônus do tempo do processo.
Historicamente todo o peso da demora do processo recaiu sobre os ombros do autor. O autor
é aquele que vai a juízo em busca de algo que ele não tem e que só vai conseguir obter através
do processo, o réu é aquele que quer que ao final do processo as coisas fiquem exatamente
como elas estavam no começo.
Pense numa ação possessória, o que o autor quer é tirar o réu do imóvel para poder ficar lá, já
o réu quer continuar no imóvel. Pense numa ação revisional de aluguel, o que o autor quer é
mudar o valor do aluguel, o que o réu quer é que o valor do aluguel fique como está. Pense
numa ação para a cobrança de dinheiro, o autor quer uma parte do dinheiro que está na
conta bancária do réu, o réu quer que aquele dinheiro continue na conta dele.
O problema do tempo do processo é que durante todo o tempo do processo as coisas ficam
do jeito que o réu quer que fique, e se lá no final do processo se der razão ao autor, aí o
autor terá acesso ao bem que ele buscava, já o réu ficará privado de seu bem. O que a tutela
da evidência promove é uma redistribuição disso, ela inverte o ônus do tempo.
Exemplo: O STJ julgou recurso repetitivo dizendo que se uma instituição financeira mandar
para minha casa um cartão de crédito que eu não solicitei ela tem que me pagar um valor a
título de dano moral. As instituições financeiras continuam mandando cartão de crédito para
todo mundo que não pediu. Continuam mandando porque a pessoa vai ter que ir ao judiciário,
vai ter que pedir uma reparação de dano, o banco vai ser citado, vai contestar, o processo vai
demorar, há possibilidade de a pessoa precisar comprar alguma coisa no cartão, aí as
instituições vão contando com o tempo que beneficia o réu.
Vamos pensar agora como é que ficam as coisas com a tutela da evidência: o autor ajuíza
inicial e diz o seguinte: “olha, eu recebi um cartão que não pedi, está aqui a prova: o cartão”.
Tudo que o autor tem que provar e que ele recebeu o cartão, ele não tem que provar que não
pediu, a instituição financeira que vai ter que provar que ele pediu, esse ônus probatório é
dela. Então, o autor junta o cartão à inicial e requer a pretensão de receber uma reparação do
dano moral, o que tem apoio num acórdão do STJ, proferido no julgamento de recurso
repetitivo, Então, o que o juiz tem que dizer logo receber a inicial: “1. condeno provisoriamente
o réu a pagar ao autor cinco mil reais a título de dano moral; 2. Cite-se”, então, enquanto o réu
está sendo citado aqui, o autor já está fazendo a execução ali, e o banco já está sendo
intimado para pagar aquele valor em 15 dias, sob pena de multa de 10% e honorários
advocatícios de 10%, para o cumprimento de sentença.
Quem tem interesse que esse processo seja rápido agora: o banco. Ele que vai correr pra
provar que aquele autor pediu aquele cartão e com isso tentar revogar aquela medida que não
é definitiva e por isso o código chamou de provisória. A gente inverte o ônus do tempo.
Então, eles vão perder todas as demandas e vão perder rápido. Sabe qual vai ser o resumo
dessa história? No final, vão parar de mandar o cartão e é isso que tem que acontecer. Então,
a tutela da evidência nos faz repensar o modo como se distribui o ônus do tempo.
2 - DIREITO ADMINISTRATIVO
2.1 - Pode o Estado sofrer dano à honra e à imagem?
(Palestra por Carlos Edison Monteiro, Procurador da PGE-RJ, em 29 de maio de 2017, na PGE-
RJ)
Aqui, o Estado está como vítima de violação dos direitos à honra e à imagem. Em
Procuradorias sempre se pensa no Estado no outro polo, mas deve-se analisar o Estado como
autor também de algumas demandas. Especificamente, busca-se saber se o Estado, como
Pessoa Jurídica de Direito Público que é, pode sofrer danos extrapatrimoniais. Essa questão
vem movimentando a doutrina e ainda não é pacificada, em que pese a Súmula 227 do STJ12,
que afirma a possibilidade da pessoa jurídica sofrer danos morais.
Essas duas situações fizeram com que a jurisprudência passasse a entender pela possibilidade
de haver danos morais para a pessoa jurídica, de que ela poderia receber por uma reparação
no plano extrapatrimonial.
Como se travou esse debate? Quais eram os argumentos contrapostos? De um lado entendeu-
se que a pessoa jurídica poderia sofrer dano moral na medida em que era detentora de uma
honra objetiva, e não de honra subjetiva (importou certos conceitos do direito penal, que os
utiliza para diferenciar os crimes de calúnia, difamação e injúria). Esses seriam o argumentos a
favor, essa diferenciação. Concluindo que a pessoa jurídica é titular de honra objetiva, (não
podendo sofrer a injúria) e tem esse espectro, que a projeta perante a sociedade. Possui uma
reputação, uma imagem, que a qualifica e a torna importante para a persecução da sua função
social. Essa honra objetiva pode ser, segundo o STJ e a doutrina predominante, passível de
violação a gerar a reparação de danos morais.
Essa constatação de que a pessoa jurídica detém uma honra objetiva ainda é muito criticada,
pois honra seria característica própria do ser humano. Sendo assim, a pessoa jurídica é incapaz
de sentimento, incapaz de sofrer os danos existenciais próprios da pessoa humana. De fato,
direitos existenciais não existem, quando relacionados à pessoa jurídica. Desde o advento da
Súmula 227 do STJ, em 1999, as vozes dissonantes continuaram.
A discussão se estende para saber se as pessoas jurídicas são ou não titulares de direitos da
personalidade. A resposta é negativa. Porém, há regra no art. 52 do CC13, de ponto de vista
pragmático, que afirma que se aplicam às pessoas jurídicas, NO QUE COUBER, essa proteção
dos direitos da personalidade. Isso não quer dizer, em momento algum, que elas são titulares
de direitos da personalidade, que são próprios da pessoa natural.
12
Súmula 227 do STJ: A pessoa jurídica pode sofrer dano moral.
13
Art. 52. Aplica-se às pessoas jurídicas, no que couber, a proteção dos direitos da personalidade.
3. Improbidade administrativa - pensando especificamente em pessoa jurídica de direito
público, no caso do Estado, há esse terceiro grupo possível, que são os casos relativos
à improbidade administrativa.
14
RECURSO ESPECIAL Nº 1.258.389 - PB (2011/0133579-9)
3 Superior Tribunal de Justiça deram origem à Súmula n. 654, assim
redigida: "A garantia da irretroatividade da lei, prevista no art. 5º,
XXXVI, da Constituição da República, não é invocável pela entidade
estatal que a tenha editado". 4. Assim, o reconhecimento de direitos
fundamentais – ou faculdades análogas a eles – a pessoas jurídicas
de direito público não pode jamais conduzir à subversão da própria
essência desses direitos, que é o feixe de faculdades e garantias
exercitáveis principalmente contra o Estado, sob pena de confusão ou
de paradoxo consistente em se ter, na mesma pessoa, idêntica
posição jurídica de titular ativo e passivo, de credor e, a um só tempo,
devedor de direitos fundamentais, incongruência essa já identificada
pela jurisprudência do Tribunal Constitucional Alemão (BVerfGE 15,
256 [262]; 21, 362. Apud. SAMPAIO, José Adércio Leite. Teoria da
Constituição e dos direitos fundamentais. Belo Horizonte: Del Rey,
2013 p. 639). 5. No caso em exame, o reconhecimento da
possibilidade teórica de o município pleitear indenização por dano
moral contra o particular constitui a completa subversão da essência
dos direitos fundamentais, não se mostrando presente nenhum
elemento justificador do pleito, como aqueles apontados pela
doutrina e relacionados à defesa de suas prerrogativas, competência
ou alusivos a garantias constitucionais do processo. Antes, o caso é
emblemático e revela todos os riscos de se franquear ao Estado a via
da ação indenizatória. 6. Pretende-se a responsabilidade de rede de
rádio e televisão local por informações veiculadas em sua
programação que, como alega o autor, teriam atingido a honra e a
imagem da própria Municipalidade. Tal pretensão representa real
ameaça a centros nervosos do Estado Democrático de Direito, como a
imprensa livre e independente, ameaça que poderia voltar-se contra
outros personagens igualmente essenciais à democracia. 7. A Súmula
n. 227/STJ constitui solução pragmática à recomposição de danos de
ordem material de difícil liquidação – em regra, microdanos –
potencialmente resultantes do abalo à honra objetiva da pessoa
jurídica. Cuida-se, com efeito, de resguardar a credibilidade
mercadológica ou a reputação negocial da empresa, que poderiam
ser paulatinamente fragmentadas por violações a sua imagem, o que,
ao fim e ao cabo, conduziria a uma perda pecuniária na atividade
empresarial. Porém, esse cenário não se verifica no caso de suposta
violação à imagem ou à honra – se existente – de pessoa jurídica de
direito público”.
Resumindo: a pessoa jurídica somente teria direito aos direitos fundamentais de ordem
processual. Mas não há que se falar em direito fundamental do Estado que justifique a ação de
indenização contra particular por dano à honra e à imagem. Sendo assim, não poderia ajuizar
uma ação contra o particular pretendendo tal indenização.
Na casuística de dano moral à pessoa jurídica de direito público há uma contrariedade entre a
palavra da jurisprudência - que se consolida no sentido contrário à possibilidade - e a palavra
majoritariamente favorável da doutrina de Direito Administrativo - que admite a possibilidade
de dano moral à pessoa jurídica de direito público.
Sobre o terceiro grupo, da improbidade administrativa, há dúvida se os atos geram ou não
dano à honra e imagem do estado. Lembrar do art. 12, III da Lei 8.42915, que trata da multa.
Alguns autores sustentam que essa multa tem natureza de ressarcimento dos danos morais a
favor do estado.
Concluindo, deve-se perceber que sim, o Estado pode sofrer dano à honra e à imagem. A rigor,
não se nega que as pessoas jurídicas de direito público sejam titulares de valores
extrapatrimoniais. O problema é que no confronto dos efeitos da lesão que se projeta sobre a
pessoa do ofendido, esses reflexos serão sempre patrimoniais. Há dano à honra, há dano à
imagem, mas os efeitos que geram a reparação serão sempre patrimoniais quando se tem o
Estado envolvido.
Assim, não é a natureza jurídica do bem tutelado, do interesse tutelado que define
exatamente a espécie de dano. O dano é o efeito da lesão, tendo que se superar a velha
discussão civilista entre subjetivistas (o dano moral é o sentimento de dor, de angústia, de
humilhação. São sentimentos produzidos na vítima pelo ato antijurídico. Dano = efeito da
lesão) e objetivistas (o dano moral é a lesão aos interesses extrapatrimoniais das pessoas.
Dano = lesão). Tanto é assim que de uma lesão a bem existencial (ex: integridade física,
psicofísica) pode decorrer dano material e dano moral. E, da mesma forma, a um bem jurídico
patrimonial, a exemplo da relação com entes queridos, pode também decorrer danos
patrimoniais e/ou morais, que podem ser reparados e cumulados, conforme súmula nº 37 do
STJ.
Hoje, há que se ver o efeito da lesão (pegando carona nas teorias subjetivistas, mas não a
adotando integralmente, pela questão da prova do sentimento de dor) para verificar suas
consequências na pessoa do ofendido. Assim, pode-se superar a questão de danos morais para
incapazes e para as pessoas jurídicas, por exemplo.
Dessa maneira, quando se fala em dano à honra e à imagem, significa que essas lesões podem
projetar efeitos patrimoniais, que devem ser ressarcidos a favor da pessoa jurídica de direito
público. Eventualmente, ainda, mesmo que não se consiga traduzir economicamente, deve-se
aplicar, por questão de pragmática, conforme a jurisprudência, a súmula 227, e mecanismos
de quantificação semelhante a dos danos morais (muito embora não se trate de danos morais,
que tem outra lógica, outra valoração axiológica, que prevalece, pois põe em jogo a dignidade
da pessoa humana). Com isso, não se deve confundir: a pessoa jurídica é tutelada, é
15
III - na hipótese do art. 11, ressarcimento integral do dano, se houver, perda da função pública,
suspensão dos direitos políticos de três a cinco anos, pagamento de multa civil de até cem vezes o valor
da remuneração percebida pelo agente e proibição de contratar com o Poder Público ou receber
benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de
pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de três anos.
instrumento de realização de valores sociais das pessoas físicas que a integram, e todos esses
valores podem ser atingidos e podem ser objeto de reparação.
Ou seja, a pessoa jurídica não pode sofrer o dano moral propriamente dito. Ela pode sofrer
uma lesão à honra e à imagem, que geram projeções em seu patrimônio. Vale lembrar que a
pessoa jurídica não é titular de direitos da personalidade (típicos da pessoa humana, exclusivo
dessas), somente sendo titular de alguns valores extrapatrimoniais.
Há que se separar, de uma vez por todas, criando dois planos: plano da lesão e plano dos
efeitos na pessoa do ofendido. No plano da lesão são os valores que foram atingidos que estão
em jogo. Ex: destruiu um bem público e a lesão será o valor desse bem público; atingiu a honra
ou a imagem, vai ter dano patrimonial projetado na pessoa do ofendido. Quando há
dificuldade quantitativa de valorar esse microdanos (há lesão, mas não há dano mensurável do
outro lado), a jurisprudência defende que se utilize a técnica de reparação de danos
extrapatrimoniais (para se reparar o que é um dano patrimonial, em última análise). Assim, se
o estado sofre lesão à honra ou à imagem, ela deverá ser reparada. Deve-se ter em mente,
aqui, o princípio da reparação integral: a cada dano deve haver a respectiva reparação).
É notório que nunca se exigiu tanto das organizações uma conduta ética, transparente e
responsável como na atualidade e é cada vez mais amplamente aceito que a ausência de uma
política corporativa de compliance e a falta de integridade tornaram-se um problema mundial
com a quantidade de escândalos, noticiada nos últimos anos, de corrupção, fraude e desvios
de conduta envolvendo o relacionamento de organizações privadas com o Poder Público.
O que é compliance?
Nesse contexto, no Brasil, a edição da Lei federal 12.846/2013 (Lei Anticorrupção ou Lei da
Probidade Empresarial) revelou esforço pioneiro na prevenção e combate a tais práticas ilícitas
praticadas contra a Administração Pública, fomentando a emergência de um novo ambiente
de negócios em que a reputação de uma organização passa a ter valor econômico e no qual
propina, suborno e congêneres consistem em infração prevista em lei.
No entanto, para que as práticas de compliance e integridade sejam efetivas, sobretudo nas
relações público-privadas, deve existir uma via de mão dupla: não se pode esquecer do papel
fundamental a ser também desempenhado pela Administração Pública, estruturando e
implementando mecanismos, procedimentos e práticas próprios que assegurem a
conformidade de sua atuação. [4]
Justamente com essa finalidade, a Lei 13.303/2016 – o Estatuto das Estatais – estabeleceu,
pela primeira vez, a obrigatoriedade de as empresas públicas e sociedades de economia mista
adotarem regras, estruturas e práticas de gestão de riscos e controle interno que abranjam: (i)
ação dos administradores e empregados, por meio da implementação cotidiana de práticas de
controle interno; (ii) área responsável pela verificação de cumprimento de obrigações e de
gestão de riscos; e (iii) auditoria interna e Comitê de Auditoria Estatutário:
No entanto, tais normas não parecem ser suficientes para assegurar e obrigar a
implementação, no âmbito da Administração Pública, de um programa voltado
especificamente à estruturação de ações de conformidade e processos destinados à
prevenção, detecção e correção de atos de fraude e corrupção.
Por outro lado, diante da omissão legal, os órgãos de controle têm expedido inúmeras
recomendações aos órgãos e gestores públicos com a finalidade de difundir a adoção de
mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de
irregularidades, bem como a aplicação de códigos de ética e de conduta.
A AGU, por exemplo, tem sido a principal responsável pela expedição de orientações e pela
determinação de ações alinhadas com o aumento da transparência, a gestão adequada de
recursos, a adoção de mecanismos de punição de agentes públicos por desvios e o
estreitamento do relacionamento do Estado com a população, com o objetivo de proteger a
Administração Pública contra riscos de corrupção e garantir a adequada prestação de serviços
à sociedade.
Isso porque, indo além da mera observância das normas, a observância de uma política de
integridade e compliance pelo poder público demanda, principalmente da alta administração –
referencial da organização –, a liderança do processo de autoconhecimento do ente, mediante
a realização de um planejamento estratégico institucional, que deve, necessariamente, estar
relacionado ao planejamento governamental macro.
A alta administração deve, assim, construir uma visão clara dos objetivos da organização, da
função pública que deve cumprir, dos seus riscos, da natureza de sua atuação e dos resultados
esperados pelas partes interessadas (pessoas, grupos ou entidades que possam afetar ou ser
afetados pela atuação da organização, como cidadãos, contribuintes, agentes políticos,
servidores públicos, usuários de serviços públicos, organizações da sociedade civil,
fornecedores, mídia).
Para tanto, cumpre ao órgão mapear atividades, processos e procedimentos, com especial
atenção às vulnerabilidades identificadas que podem trazer riscos à integridade do órgão,
como, por exemplo, o conhecimento acerca: das compras que são celebradas por meio de
contratação direta, principalmente as enquadradas como emergenciais; dos aditivos
contratuais pactuados e de que forma eles alteram a contratação original; do pagamento
realizado a fornecedores contratados; dos passos envolvidos na concessão de licenças ou
autorizações de sua competência.
Nesse sentido, algumas medidas, capitaneadas também pela Alta Administração, revelam-se
fundamentais para se estimular um comportamento íntegro na organização:
Já no que diz respeito à interação com o público externo, ganha peso, na definição de um
programa público de compliance, a definição de regras transparentes de relacionamento com
o cidadão, o setor privado e grupos de interesse. Talvez seja justamente essa a questão mais
sensível no combate a fraudes e desvios de conduta no âmbito da Administração.
Por meio, por exemplo, do estabelecimento de regras claras que disciplinem a relação e
imponham limites aos agentes envolvidos, da criação de canais para prestação de informações
ao cidadão, da definição de formas de acesso aos tomadores de decisão, da previsão de
padrões procedimentais para a realização de reuniões com interessados e da instituição de
rotinas para registro e publicação das interações promovidas, bem como da divulgação à
sociedade – de forma acessível – de informações e dados relevantes, a tendência – porque
100% de garantia nunca se terá – é que a Administração atue de forma responsável e em
conformidade com sua missão pública, alocando recursos de forma eficiente e no lugar certo.
Por outro lado, a gestão pública transparente reforça a confiança das partes interessadas no
processo administrativo decisório e, consequentemente, a credibilidade das instituições e de
seus agentes.
A esse respeito, interessante destacar que foi promovida recentemente consulta pública
acerca do projeto de decreto presidencial que pretende regulamentar a governança em
contratações públicas no âmbito da administração pública federal direta, autárquica e
fundacional, tendo como finalidade transformar a gestão das compras federais por meio da
implementação e criação de instâncias, mecanismos e instrumentos de governança.
Acrescenta, ainda, como uma das funções da governança das contratações públicas, apoiar a
alocação apropriada de recursos públicos pelo uso das compras públicas como ferramenta
estratégica; e promover o direcionamento, a avaliação e o monitoramento dos processos de
contratações.
Por fim, não se pode deixar de mencionar que, também no âmbito da Administração Púbica
federal, o Decreto 9.203, de 22 de novembro de 2017, estabelece, de forma mais ampla, a
política de governança da administração pública federal direta, autárquica e fundacional,
fixando, como princípios da governança pública, a capacidade de resposta, a integridade, a
confiabilidade, a melhoria regulatória, a prestação de contas e responsabilidade e a
transparência. Nos termos do decreto, a governança pública consiste em um conjunto de
mecanismos de liderança, estratégia e controle postos em prática para avaliar, direcionar e
monitorar a gestão, com vistas à condução de políticas públicas e à prestação de serviços de
interesse da sociedade.
Com base na norma, órgãos e entidades devem, assim, implementar e manter mecanismos,
instâncias e práticas de governança em consonância com os princípios e as diretrizes
estabelecidos no próprio decreto. A conformação adequada de tais mecanismos tende a
reduzir ou até mesmo a eliminar, inclusive, excessos. Um órgão público passa a ter clareza
acerca de sua identidade ética e o programa de integridade passa a inibir eventuais avanços no
espaço de atuação específica de outro órgão ou instituição de Estado.
Conclusão
Como visto, muito tem se falado em compliance no âmbito das organizações privadas, sem
que seja dada a devida atenção à incorporação das noções de integridade e conformidade nas
instituições que integram a Administração Pública.
Se, por um lado, o estatuto das estatais e a nova lei das agências reguladoras já regulam
expressamente o tema no tocante a essas entidades, no que se refere à Administração Pública
Direta, apesar de uma ampla gama de normas tangenciar o tema, o Direito ainda carece de
uma regulação expressa a respeito.
Mas isso não significa que os órgãos públicos estejam apartados do fenômeno irremediável do
compliance. Ao contrário, a legitimidade da atuação pública demanda, cada vez mais, sua
conformidade com mecanismos e procedimentos internos de integridade e governança,
voltados à detecção e correção de desvios, fraudes, irregularidades e atos ilícitos, bem como
a incorporação de um ambiente ético em toda a estrutura administrativa. Fundamental, a
esse respeito, que seja dada especial atenção às diversas formas de interação público-privada.
O resultado tende a ser uma gestão pública mais responsável, eficiente e transparente,
assegurando, de forma institucionalizada, que as finalidades públicas e os interesses do
cidadão sejam preservados.
Esse tema foi cobrado no último concurso para Procurador do Município do Rio de Janeiro:
A questão trata do tema "Responsabilidade do Parecerista", que sempre foi muito tormentoso
na jurisprudência e ganhou nova importância com o recentíssimo art. 28 da LINDB. Será que
um advogado público poderia vir a ser responsabilizado pessoalmente por uma opinião
técnica que emitir no exercício de suas funções? É isto que vamos analisar.
Inicialmente, vale destacar que, como regra, o parecer é considerado um ato administrativo
de caráter enunciativo, refletindo uma opinião do parecerista. Assim, a ideia é a de que o
parecer não vincule a atuação do gestor, que pode concordar ou não com suas conclusões. de
modo que não é correto pretender responsabilizar solidariamente o parecerista por tais atos,
haja vista que o ato administrativo decisório final não é do advogado público, mas sim do
gestor. Desta forma, a responsabilização do parecerista só poderia ocorrer em casos
excepcionais, tais como quando houver dolo ou erro grave inescusável. Sobre o tema, vale
mencionar o clássico Mandado de Segurança 24.073, de outubro de 2003, segundo o qual
ficou consignado que só caberia a responsabilização do parecerista em casos extremos:
Contudo, em relação ao parecer jurídico no âmbito das licitações, previsto no art. 38, PU, da
L8666, muito se discutiu acerca da possibilidade de se responsabilizar o parecerista, tendo em
vista que este parecer teria um verdadeiro caráter vinculante.
De acordo com o STF, nos autos do MS 24.584, também em 9/8/2007, o Plenário do STF
entendeu que “prevendo o artigo 38 da Lei nº 8.666/93 que a manifestação da assessoria
jurídica quanto a editais de licitação, contratos, acordos, convênios e ajustes não se limita a
simples opinião, alcançando a aprovação, ou não, descabe a recusa à convocação do Tribunal
de Contas da União para serem prestados esclarecimentos”. Assim, votou-se pela obrigação de
que os impetrantes apresentassem explicações ao TCU, considerando haver a possibilidade de
controle do ato dos pareceristas.
Isto porque a L8666 prevê, no referido dispositivo, que “as minutas de editais de licitação, bem
como as dos contratos, acordos, convênios ou ajustes devem ser previamente examinadas e
aprovadas por assessoria jurídica da Administração”. Desta forma, como a manifestação da
assessoria jurídica é essencial para a validade do processo licitatório, não é possível
considerá-lo como meramente opinativo, tendo em vista que ele integra o processo
decisório.
Neste sentido, o Min. Joaquim Barbosa se utilizou da doutrina do jurista francês René Chapus,
segundo o qual haveria três espécies de pareceres:
(I) facultativos: são opcionais, sendo solicitados por conveniência da autoridade que vai
decidir, a fim de obter uma decisão mais técnica;
(II) obrigatórios: é necessário que seja elaborado um parecer, por determinação normativa,
mas o gestor não está obrigado a segui-lo, podendo solicitar um novo parecer caso pretenda
adotar conduta diversa; e
(III) vinculantes: aqui a decisão administrativa estaria adstrita à conclusão do parecerista. Este
seria o caso do parecer previsto no art. 38, PU da L8666, no qual haveria efetiva "partilha do
poder decisório".
Sobre o tema, vale mencionar também a doutrina do professor José Vicente (PGE-RJ), segundo
o qual o tema da responsabilidade do parecerista deve seguir quatro standards: "ele será
pessoalmente responsável se (i) agir com dolo, ou (ii) cometer erro evidente e inescusável, e se
(iii) não tomar providências de cautela, sendo certo que (iv) a interpretação do que é conduta
dolosa e do que é erro evidente e escusável deve ser suficientemente restritiva para permitir a
existência de opiniões jurídicas minoritárias ou contramajoritárias, considerando que a
heterogeneidade de idéias é valor constitucional comprovadamente útil à produção dos
melhores resultados possíveis ao Direito."
Para o professor, diferentemente do que ficou decidido pelo STF, a obrigatoriedade do parecer
NÃO tem importância na responsabilização do parecerista. Trata-se de um critério formal,
estático, que não considera que a responsabilização do agente sempre se deve dar de modo
SUBJETIVO. O fato de um parecer ser obrigatório, para o autor, não desnatura sua natureza
opinativa. Não é a obrigatoriedade ou não do parecer que atrai a responsabilidade, mas a
culpa/dolo, o nexo causal e o dano.
Para somar a essa discussão, o art. 28 da LINDB veio a prever, com redação dada pela
L13655/18, que "o agente público responderá pessoalmente por suas decisões ou opiniões
técnicas em caso de dolo ou erro grosseiro." De acordo com Gustavo Binenbojm, este artigo
veio a proteger o gestor com boas motivações, ou seja, veio a tutelar o administrador com
incentivos positivos de inovação no trato da coisa pública, e que sempre se viu "com medo" de
decidir diante da frequente busca de responsabilização pessoal pelos órgaos de controle,
apegados à literalidade da lei. Busca-se, assim, criar um "ambiente proprício à inventividade",
essencial em um contexto em que se clama por uma Administração mais eficiente.
Na mesma linha do que já vinha sendo defendido pelo professor José Vicente, o professor
Binenbojm destaca que o art. 28 da LINDB veio a elucidade que, independentemente do
caráter vinculante ou não do parecer, o fato é que só haverá responsabilidade em caso de erro
grosseiro e dolo. Para o autor, "o art. 28 refere-se a opiniões e decisões, de modo que se torna
indiferente saber se há ou não caráter vinculante no parecer. O fundamental é verificar se há
dolo ou erro grosseiro".
Nesta linha, Binenbojm cita alguns exemplos do que poderiam ser considerados erros
grosseiros: aplicação de uma norma jurídica revogada, decisão que ignore a ocorrência de
prescrição e a aplicação de legislação municipal para fins de licenciamento federal.
Em conclusão, o autor afirma que o art. 28 da LINDB se apresenta como uma cláusula geral do
erro administrativo. Seu escopo, como tal é oferecer segurança jurídica ao agente público com
boas motivações, mas falível como qualquer pessoa, criando os incentivos institucionais
necessários à promoção da inovação e à atração de gestores capacitados.
Os direitos funerário e cemiterial cuidam de todos os atos, jurídicos e materiais, que dizem
respeito ao tratamento dos mortos, desde a atestação do óbito até a exumação dos restos
mortais e, também, à guarda de seus despojos em caráter (em tese) perpétuo. Eles cobrem,
dentre outros atos, a atestação do óbito, a autópsia do cadáver, o embalsamamento do morto,
o velório do defunto e os serviços que lhe sejam acessórios, o traslado do corpo,
acompanhado do fornecimento do caixão, o sepultamento ou cremação, a manutenção da
cripta e do necrotério. Na definição de Hely Lopes Meirelles (1996, p. 322), “o serviço
funerário é de competência municipal, por dizer respeito à atividade de precípuo interesse
local, qual seja, a confecção de caixões, a organização de velório, o transporte de cadáveres e a
administração de cemitérios”.
Todos os atos relativos ao direito funerário e cemiterial têm por fundamento axiológico a
garantia da dignidade da celebração da morte, de forma que é direito fundamental, não só
para o homem, como para a humanidade, ter uma morte (neste caso, morte com a conotação
de sepultamento) digna – ou, no mínimo, não ter seu corpo cadavérico insepulto por tempo
superior ao do estágio avançado de sua decomposição, não ter sua morte discriminada em
razão de sexo, idade, raça, religião ou cor, não ter seu corpo ou túmulo vilipendiados. O
sepultamento digno é fundamental e ínsito à dignidade da pessoa humana, a qual não se
esgota em vida, senão para efeitos patrimoniais, mas se projeta para além da morte: para a
incolumidade do corpo cadavérico e para o direito ao sepultamento não discriminatório, sem
falar em outros direitos extrapatrimoniais.
Neste sentido, se o enterro em cova rasa já podia ser considerado pouco digno – o que virá de
ser modificado com a próxima regulação do serviço no âmbito do Município do Rio de Janeiro
–, que dirá aquele feito “à flor da terra”.
Mas antes de se retornar aos casos concretos em estudo, mister avançar na análise abstrata da
natureza, atributos e competência para legislar e administrar matéria concernente aos direitos
funerário e cemiterial: no âmbito das normas gerais federais/nacionais e no que diz respeito à
legislação municipal carioca.
Note-se que, muito embora ao concessionário deva ser concedido o uso do necrotério público
que irá administrar, a concessão de uso do imóvel público, neste caso, será instrumental à
prestação do serviço funerário e cemiterial, sendo, portanto, não uma concessão de uso de
bem público tout court, mas uma concessão de serviço público que a engloba. É este o
magistério de Aragão (2012, p. 401) – da possibilidade de contratos que envolvam a concessão
de bens públicos serem caracterizados como contratos de concessão de serviços – para
serviços que nem se consideram serviços públicos propriamente ditos, que dirá quando o são,
como no caso dos cemiteriais:
Observe-se, outrossim, que a concessão dos serviços funerários e cemiteriais poderá ser do
tipo comum, regrada pela Lei Federal nº 8.987/1995 – quando os serviços puderem ser
remunerados ao concessionário mediante a só cobrança de tarifas aos usuários – ou especial,
disciplinada pela Lei das Parcerias Público-Privadas (Lei Federal nº 11.079/2004): 1)
patrocinada, quando àquelas tarifas custeadas pelos usuários diretos (antes da morte) ou
indiretos (seus familiares, depois do óbito) devam ser somadas contraprestações pecuniárias
do próprio Poder Público Municipal; ou 2) administrativa, quando ao concessionário couber,
além da prestação do serviço de que o Poder Público será usuário indireto – porquanto lhe
caiba prover ao serviço em cemitérios públicos –, a construção do necrotério ou o
fornecimento de suas instalações por exemplo.
Neste caso, como a morte é um evento “líquido e certo”, se não quanto ao momento, quanto
à sua inescapável chegada, presume-se que os serviços funerários e cemiteriais de uma cidade
sejam autossustentáveis, mas, como há um direito fundamental a não se ter o corpo
cadavérico insepulto (numa atípica hipótese de direito fundamental sem titular de direito,
porquanto este esteja morto), pode-se conjecturar da necessidade de “patrocínio” do serviço,
como no caso de uma cidade pequena e demograficamente jovem ou mesmo da prestação do
mesmo acoplada à construção do cemitério em si, para um Município recém emancipado, por
exemplo, que não disponha de um necrotério, hipóteses em que as parcerias público-privadas
patrocinadas e administrativas, respectivamente, fariam, em tese, sentido.
Neste sentido, não teria sido recepcionada, pelo princípio da isonomia, a restrição da condição
de concessionários de serviços funerários e cemiteriais a entidades religiosas, prevalecendo,
no Estado Brasileiro, sua posição de laico e de garantidor da liberdade, de religião e de livre
iniciativa.
Também da Lei Municipal nº 37/1998, que trata da concessão dos serviços públicos
municipais, constam normas a serem observadas pelo Município e pelo concessionário do
serviço, sem falar nos direitos dos respectivos usuários. Na ordem infra-legal, o Regulamento
que disciplina a legislação funerária e cemiterial carioca é o Decreto de nº 3.707/1970,
complementado por regulamentos que disciplinam questões específicas.
Não há legislação federal que trate dos serviços cemiteriais e funerários em âmbito nacional,
salvo em matéria ambiental, ficando em geral a cargo de cada municipalidade, que legisla
sobre assuntos de interesse local, nos termos do art. 30, inciso I, da Lei Maior.
De acordo com Philippe Ariès (apud SILVA, 2000, pp. 334-336)34, a história da morte pode ser
identificada em quatro fases: a “morte domada”, a “morte de si mesmo”, a “morte dos outros”
e a “morte interdita”.
A doutrina não se alinha, porém, quanto a qual seja a natureza jurídica do jus sepulcri,
podendo ser encontrada uma infinidade de teorias que o qualificam sob as mais diversas
roupagens, conforme se verifica na obra monumental de Justino Silva (2000), intitulada
Tratado de Direito Funerário.
Inicialmente, como bem destaca Justino Silva (2000), procura-se investigar a natureza jurídica
do direito sobre sepultura – direito de sepultar e de manter sepultado, que é conferido à
pessoa física (e seus sucessores), transmissível mortis causa, por força de negócio jurídico
celebrado com o concessionário do serviço cemiterial - de que se é titular: este titular pode ser
o próprio a dela fazer uso, caso obviamente a tenha adquirido quando ainda vivo, ou seus
herdeiros e sucessores, após a morte de quem adquiriu o direito (originário) sobre a sepultura.
Ainda de acordo com o referido autor, há duas realidades: a sepultura (em sentido lato), como
local ou construção para o descanso do morto, que é bem público, inalienável, imprescritível,
impenhorável e, de outro lado, o jus sepulchri, isto é o direito que alguém tem sobre esses
bens. “Insistimos: temos duas realidades – uma é a sepultura (sepultura ou sepulcro) e a outra
é o direito que se tem sobre ela”.
Observe-se, outrossim, que o direito ao uso sobre sepultura difere se esta estiver localizada
em cemitério privado, pertencente a particular, ou público, integrante de patrimônio de Ente
Público. Relativamente aos cemitérios privados, o tema dos direitos sobre sepulcro pertence
ao Direito Civil, na medida em que seu funcionamento, face à natureza do serviço ali realizado,
está sujeito à permissão por parte da entidade pública, no caso, a Municipalidade, que
regulamenta, disciplina e fiscaliza sua instalação e funcionamento regular, mas não altera a
natureza e a titularidade do domínio do bem, que continua privado, embora sujeito às
limitações decorrentes do poder de polícia administrativa. Tais cemitérios poderão ter caráter
secular ou religioso.
Eduardo Henrique de Oliveira Yoshikaua aborda o tema, e, discordando daqueles que veem
semelhança entre o direito de sepultar em cemitério público e privado, constata, em síntese,
relativamente ao segundo,
No entanto, interessa aqui o estudo do tema relativo aos direitos sobre sepulcro,
especialmente a jazigos localizados em cemitérios públicos, afeto ao Direito Administrativo.
Diz-se público o cemitério quando instalado em terreno público, sendo administrado
diretamente pelo Município ou explorado por terceiros através de contrato de concessão. Tais
cemitérios terão, obrigatoriamente, caráter secular, em face da natureza laica do Estado
brasileiro.
A natureza jurídica da sepultura em imóveis públicos não se confunde, todavia, com a dos
direitos que se constituem sobre sepulcros ou jus sepulchri. Para estes, Justino Silva (2000)
cataloga, conforme já se observou antes, mais de trinta naturezas jurídicas diferentes, que
estão inseridas em dois grandes grupos, a saber: 1) teorias civilistas sobre sepulturas
perpétuas, que se subdividem em: a) teorias realistas, b) direito da sepultura como direito
pessoal, c) teorias mistas ou ecléticas e d) teorias do direito fundacional e 2) teorias publicistas
sobre sepulturas perpétuas: a) teoria da conciliação de uso exclusivo com polícia, b) teoria
publicista realista, c) teoria do direito real administrativo, d) teoria da concessão
administrativa de uso, e) teoria do serviço público, f) teoria da concessão do direito de uso
administrativo, g) uso especial, h) superfície e i) enfiteuse.
A jurisprudência a respeito do tema também é claudicante, ora tratando-o como direito real
de uso, ora como direito pessoal, na modalidade de concessão de uso, corrente esta que se
pode entender como majoritária – muito embora com divergências acerca da natureza do
sepulcro em si –, num levantamento jurisprudencial adstrito aos julgados do Tribunal de
Justiça do Estado do Rio de Janeiro, circunscrição a que eventuais lides decorrentes das
relações jurídicas que exsurgem dos serviços funerários e cemiteriais prestados no âmbito dos
cemitérios, ora objeto de estudo se põem. Confiram-se alguns julgados:
Com efeito, no caso dos cemitérios públicos, o Ente Público é, a rigor, o titular da propriedade
(sepulcro), cujo atributo do uso passa a ser concedido ao delegatário do serviço, porquanto a
concessão de uso do imóvel público seja instrumental à concessão dos serviços cemiteriais e
dos funerários a eles correlatos, de forma que a constituição de “direitos sobre sepulcro”, nas
relações jurídicas havidas entre concessionários e permissionários de serviços públicos
cemiteriais e respectivos usuários, rege-se, a princípio, pelo direito privado, em parte
derrogada, no caso de respectivo exercício em necrotérios públicos, pela circunstância de a
natureza do imóvel (cemitério) ser pública, mas deve, sempre, sobre qualquer bem, merecer a
regulação e a fiscalização mortuária devidas por parte do respectivo ente delegante.
Para Yoshikawa, a natureza jurídica que melhor se amoldaria à espécie seria a de concessão de
direito real de uso de bem público, porquanto se trate de exercício do atributo do uso, por
terceiro, sobre bem imóvel público de uso especial (o cemitério público), regido pela legislação
imobiliária administrativa e decorrente de uma concessão do serviço cemiterial, de que a
concessão de uso do imóvel é acessória.
Trata-se, todavia, em regra, pelas razões logo acima apontadas, como concessão de uso tout
court, que corresponde ao “contrato administrativo pelo qual a Administração faculta ao
particular a utilização privativa de bem público, para que a exerça conforme a sua destinação.
Sua natureza é de contrato de direito público, sinalagmático, oneroso ou gratuito, comutativo
e realizado intuitu personae” (DI PIETRO, 2001, p. 555). E, dando como exemplo os sepulcros, a
autora explica:
Daí se verifica que a constituição de direitos sobre sepulcro deverá ser analisada à luz da
respectiva disciplina legal, seja a específica, cemiterial, seja a administrativa, que diz com a
gestão dos bens públicos, seja a civil, que cuida das relações travadas entre o concessionário
do serviço cemiterial – e do uso do próprio cemitério – e aquele para quem se estipula a
“subconcessão” de uso de parte “individualizável” do imóvel público.
No âmbito do Município do Rio de Janeiro, a constituição de direitos sobre sepulcro se
encontra disciplinada no Decreto-Lei nº 88/1969 e no Decreto E nº 3.707/1970, cujos artigos
assim dispõem:
Observe-se que, de acordo com tal disciplina legal, o direito sobre sepulcro, constituído por um
titular em vida, equivale à aquisição, sob condição suspensiva – embora mors omnia solvit (...)
– do direito de uso da sepultura, por si ou pelos seus herdeiros, legais ou testamentários, que
o recebem por transmissão mortis causa, numa espécie de “legado cemiterial”. A norma
também prescreve que, após a transferência do direito sobre sepulcro, que só se consumará
para valer em face de terceiros, com a notificação da administração do cemitério (o Município
ou o delegatário do serviço cemiterial), o novo titular poderá ratificar ou alterar, da mesma
forma que o titular original, a designação das pessoas cujo sepultamento nele poderá ocorrer,
de forma que, no silêncio dos novos titulares, o direito vá se transmitindo automaticamente de
geração a geração, o que caracterizaria a respectiva perpetuidade.
Neste sentido, pode-se conceber que, além da hipótese normativa expressa de perda do
direito sobre sepulcro por abandono (falta de manutenção da sepultura), o fim de uma
linhagem resolva definitivamente o direito a favor do ente público ou do delegatário do
serviço, se delegação houver, ainda que na condição de bem reversível. Por outro lado,
enquanto houver herdeiros, certo é que, na medida como hoje disciplinado o direito sepulcral
local, poderá o direito ser objeto de sucessivas transmissões/cessões.
Um conselheiro tutelar que comete faltas éticas durante o exercício de mandato anterior ao
em vigor afasta o interesse público em apurar eventuais faltas e aplicar as sanções cabíveis?
Atualização legislativa recente: Atenção, está em vigor a Lei nº 13.824/2019, que altera o
Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), para permitir a reeleição de conselheiros
tutelares para vários mandatos. Antes da nova lei, o ECA permitia essa recondução por
apenas uma vez.
3 - DIREITO CONSTITUCIONAL
3.1 - A Judicialização das Políticas Públicas e o Supremo Tribunal Federal
(Artigo publicado por Giovanna Paola Primor Ribas e Carlos Frederico Marés de Souza Filho na
Direito, Estado e Sociedade n.44 p. 36 a 50 jan/jun 2014)
Introdução
O Estado ainda é a grande instituição política do mundo “moderno”. Todavia, tem seu
papel redefinido, na contemporaneidade, pela formação dos blocos econômicos, pela
relativização do conceito de soberania e pelo aparente esvaziamento de seu poder pela
globalização.
O Estado é formado pela sociedade e deve perseguir os valores por ela calcados. O
modelo de Estado instituído e o direito são opções políticas. A sociedade brasileira,
personificada no constituinte de 1988, optou por um Estado Social Democrático de Direito. O
modelo de Estado Social, ao contrário do Liberal de matriz europeia, prega por uma
intervenção muito maior do Estado nas relações sociais, pois deve ser agente transformador
da realidade.
Não obstante a gravidade dos problemas sociais que assola o país, as políticas públicas, no
Brasil, têm assumido uma perspectiva marginal e assistencialista, desvinculada das questões
macroeconômicas, servindo mais para regulação ou administração da pobreza e dos danos
ambientais num dado patamar. O artigo visa debater sobre a implementação de políticas
públicas pelo Judiciário.
O Judiciário, no Brasil, na maioria das vezes foi um poder coadjuvante, por ser
considerado neutro politicamente. Apesar da visibilidade que ganhou por seu empenho em
resguardar valores desde o advento do novo direito constitucional, o Judiciário vem
enfrentando o dilema de adaptar sua estrutura organizacional, seus critérios de
interpretação e sua jurisprudência às situações inéditas nas relações sociais, fruto do
desenvolvimento urbano-industrial que fez surgir uma sociedade marcada por profundas
contradições econômicas, que exige cada vez mais tutelas diferenciadas para novos direitos
sociais e a proteção de interesses difusos e coletivos.
Com a crescente tensão marcada pela intensa migração interna, pela urbanização
desenfreada, pelas desigualdades regionais, pela crise fiscal e pelo fracasso das políticas
públicas, entre outras causas, o discurso institucional tradicional do Judiciário ficou fragilizado.
Essa relação entre direito e política vem sendo chamada pela doutrina de
judicialização da política. Tal fenômeno, que será melhor explicitado a seguir, é oriundo da
forte crise de representatividade do Legislativo, que pode ser exemplificado por inúmeras
decisões do Supremo Tribunal Federal, como a demarcação das terras indígenas da
Raposa/Serra do Sol e o nepotismo, entre outras.
O conceito de política pública é muito controverso e variado. Políticas públicas como área de
conhecimento surge nos Estados Unidos, no mundo acadêmico, sem estabelecer relações
com as bases teóricas sobre o papel do Estado.
Celina Souza resume política pública como sendo o campo do conhecimento que busca, ao
mesmo tempo, “colocar o governo em ação” e/ou analisar essa ação (variável independente) e,
quando necessário, propor mudanças no rumo ou curso dessas ações (variável dependente).
A política pública não se confunde com o plano, o programa ou a norma, que são,
normalmente, os instrumentos pelos quais elas se exteriorizam. Nas palavras de Bucci: “A
política é mais ampla que o plano e define--se como o processo de escolha dos meios para a
realização dos objetivos do governo, como a participação dos agentes públicos e privados”.
Dessa forma, a judicialização da política é fato, e a jurisprudência do STF não nega. Resta neste
momento analisar as causas, os fundamentos e as críticas a esse fenômeno.
As causas da judicialização
Inúmeras são as causas desse fenômeno. Algumas revelam uma tendência mundial, outras são
oriundas do sistema institucional brasileiro.
A separação dos poderes, na concepção clássica, era vista como uma garantia. A divisão
garantia que se evitasse a concentração de atribuições, e consequentemente, um governo
autocrático. A separação, como fundamento da ordenação constitucional clássica, protegia os
súditos contra o arbítrio do soberano e lhes oferecia uma visão clara das competências de cada
órgão.
A divisão dos poderes constituiu técnica fundamental de proteção dos direitos individuais,
em especial, a liberdade. Como já mencionado, a Montesquieu deve-se a mais acabada
formulação deste princípio, principal fundamento do constitucionalismo clássico e que hoje,
no entanto, apesar de já ter sofrido modificações que atenuaram sua rigidez, é alvo de críticas
severas por parte do constitucionalismo moderno (mas que não nega a importância histórica).
Atualmente, o princípio da separação dos poderes deve ser encarado como um sistema de
freios e contrapesos. Esses freios, em alguns casos, assinalam num momento formas de
equilíbrio, noutro interferência. Esse sistema foi contemplado pela Constituição Federal, no
seu art. 2º, quando dispõe que os poderes são independentes, mas também harmônicos entre
si.
Uma das grandes discussões travadas é se o Poder Judiciário tem legitimidade constitucional
para determinar um agir político do Estado. A questão que se coloca é o problema da
legitimidade democrática da função judicial.
Para Alexander Bickel, quando a Suprema Corte declara inconstitucional um ato legislativo
ou uma ação do executivo eleito, isso frustra a vontade dos representantes do “atual” povo
de aqui e de agora. Está se exercendo o controle não em nome da maioria “vigente”, mas
contra.
Justificativa normativa: decorre da constatação de que foi a Constituição Federal que atribuiu
ao Poder Judiciário o controle de constitucionalidade.
Assim, para fazer valer a Constituição e para realizar os valores democráticos, exige-se do
Judiciário a sua desneutralização, liberando-se o juiz do estrito princípio da legalidade e da
responsabilidade exclusivamente retrospectiva, obrigando-o a uma responsabilidade
prospectiva, preocupada com a realização das finalidades políticas que a Constituição
prescreve, tanto quanto o Executivo e o Legislativo.
Observa-se, dessa forma, ante os julgados acima colacionados, que o STF assumiu uma posição
ativa no que se refere à proteção e efetivação dos direitos fundamentais positivados na
Constituição de 1988, assumindo, assim, suas decisões, um caráter político.
Atenção! O tema já é importante, mas ele se torna ainda mais quando nós temos a Presidente
do Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro na nossa banca, não é mesmo? Marianna
Montebello Willeman é Doutora em Teoria do Estado e Direito Constitucional na PUC/Rio,
com tese sobre "O desenho institucional dos tribunais de contas no Brasil e sua vocação para
a tutela da accountability democrática" e foi designada para compor a banca de Direito
Constitucional do 8º concurso da PGM-RJ. Portanto, vamos aos trabalhos.
O Tribunal de Contas da União (TCU) é órgão de controle externo, que atua em auxílio ao
Congresso Nacional, cabendo-lhe acompanhar a execução orçamentária e financeira do país e
exercer as competências a ele estipuladas, na forma dos arts. 71 a 74 da Constituição Federal.
Segundo a doutrina mais moderna, como Diogo de Figueiredo Moreira Neto, trata-se de órgão
autônomo, não integrante do Poder Legislativo (e nem de nenhum outro Poder), que atua
auxiliando o Congresso Nacional no controle da legalidade, legitimidade e economicidade dos
atos da Administração. É o que dispõe os arts. 70 e 71, da CF:
Art. 70. A fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da União e das
entidades da administração direta e indireta, quanto à legalidade, legitimidade, economicidade,
aplicação das subvenções e renúncia de receitas, será exercida pelo Congresso Nacional, mediante
controle externo, e pelo sistema de controle interno de cada Poder.
Parágrafo único. Prestará contas qualquer pessoa física ou jurídica, pública ou privada, que utilize,
arrecade, guarde, gerencie ou administre dinheiros, bens e valores públicos ou pelos quais a União
responda, ou que, em nome desta, assuma obrigações de natureza pecuniária.
Art. 71. O controle externo, a cargo do Congresso Nacional, será exercido com o auxílio do Tribunal
de Contas da União, ao qual compete: (...)
O Tribunal de Contas da União é composto por 9 ministros, que possuem os mesmos direitos,
prerrogativas e impedimentos dos Ministros do STJ, conforme art. 73, caput e §§1º a 4º, da CF:
Art. 73. O Tribunal de Contas da União, integrado por nove Ministros, tem sede no Distrito Federal,
quadro próprio de pessoal e jurisdição em todo o território nacional, exercendo, no que couber, as
atribuições previstas no art. 96.
(…)
Os Tribunais de Contas ESTADUAIS (TCE), por sua vez, atuam em auxílio às respectivas
Assembleias Legislativas e são integrados por 7 (sete) Conselheiros, cabendo às Constituições
de cada Estado dispor sobre tais órgãos. Confira-se o art. 75, da CF:
Art. 75. As normas estabelecidas nesta seção aplicam-se, no que couber, à organização, composição
e fiscalização dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal, bem como dos Tribunais e
Conselhos de Contas dos Municípios.
Dentre os 3 a serem escolhidos pelo Governador, a CERJ prevê que um deles deve
ser membro do Ministério Público, mas não prevê nenhuma cadeira reservada a
Auditores do TCE, tal como dispõe o art. 73, §2º da CRFB, no plano federal.
Art. 128 - O Tribunal de Contas do Estado, integrado por sete Conselheiros, tem
sede na Capital, quadro próprio do pessoal e jurisdição em todo o território
estadual, exercendo, no que couber, as atribuições previstas no artigo 158, desta
Constituição.
Ocorre que a carreira de Auditor ainda não havia sido criada no âmbito do Estado
do RJ, e a CERJ, como visto, não reserva nenhuma vaga de conselheiro além
daquela destinada ao Ministério Público. Além do mais, a nomeação de Domingos
Brazão se deu por uma das 4 indicações destinadas livremente à ALERJ, conforme
prevê a CERJ. Nesse sentido, confira-se a Súmula 653 do STF:
Súmula 653 do STF: “No Tribunal de Contas estadual, composto por sete
conselheiros, quatro devem ser escolhidos pela Assembleia Legislativa e três pelo
Chefe do Executivo estadual, cabendo a este indicar um dentre auditores e outro
dentre membros do Ministério Público, e um terceiro à sua livre escolha”.
Importante ressaltar que, embora a CRFB tenha estabelecido que “as constituições estaduais
disporão sobre os Tribunais de Contas respectivos”, não significa que as Constituições
Estaduais possuem plena autonomia para dispor sobre a atuação das suas respectivas Cortes
de Contas, uma vez que as funções a elas atribuídas não podem afastar-se daquelas previstas
pela Constituição Federal para os Tribunais de Contas da União, por força do princípio da
simetria, que se aplica ao tema.
Não confundir!
Muitos autores distinguem os termos “Tribunais de Contas dos
Municípios” e “Tribunais de Contas Municipais”, sendo vedados apenas
estes últimos, que correspondem a órgãos municipais propriamente ditos;
já os primeiros seriam órgãos estaduais, isto é, Tribunais de Contas
Estaduais que se destinam a examinar as contas de seus Municípios.
Vejamos o seguinte julgado do STF:
Art. 71. O controle externo, a cargo do Congresso Nacional, será exercido com o auxílio do Tribunal
de Contas da União, ao qual compete:
IX - assinar prazo para que o órgão ou entidade adote as providências necessárias ao exato
cumprimento da lei, se verificada ilegalidade;
X - sustar, se não atendido, a execução do ato impugnado, comunicando a decisão à Câmara dos
Deputados e ao Senado Federal;
XI - representar ao Poder competente sobre irregularidades ou abusos apurados.
§ 1º - No caso de contrato, o ato de sustação será adotado diretamente pelo Congresso Nacional,
que solicitará, de imediato, ao Poder Executivo as medidas cabíveis.
§ 2º - Se o Congresso Nacional ou o Poder Executivo, no prazo de noventa dias, não efetivar as
medidas previstas no parágrafo anterior, o Tribunal decidirá a respeito.
§ 3º - As decisões do Tribunal de que resulte imputação de débito ou multa terão eficácia de título
executivo.
§ 4º - O Tribunal encaminhará ao Congresso Nacional, trimestral e anualmente, relatório de suas
atividades.
“Tribunal de Contas estadual. Controle prévio das licitações. Competência privativa da União (art. 22,
XXVII, da Constituição Federal). Legislação federal e estadual compatíveis. Exigência indevida feita
por ato do Tribunal que impõe controle prévio sem que haja solicitação para a remessa do edital
antes de realizada a licitação. 1. O art. 22, XXVII, da Constituição Federal dispõe ser da União,
privativamente, a legislação sobre normas gerais de licitação e contratação. 2. A Lei federal n.
8.666/93 autoriza o controle prévio quando houver solicitação do Tribunal de Contas para a remessa
de cópia do edital de licitação já publicado. 3. A exigência feita por atos normativos do Tribunal
sobre a remessa prévia do edital, sem nenhuma solicitação, invade a competência legislativa
distribuída pela Constituição Federal, já exercida pela Lei federal n. 8.666/93, que não contém essa
exigência. 4. Recurso extraordinário provido para conceder a ordem de segurança.”
Em outras palavras, não é possível estabelecer o dever genérico de envio de todas as minutas
de editais de licitação e de contratos ao Tribunal de Contas, tendo em vista o princípio da
separação de poderes. O envio deve ser solicitado pelo Tribunal em cada caso concreto.
Sobre o tema, o art. 113 da Lei 8.666/1993 vem reforçar a ideia de que os Tribunais de Contas
podem fazer o controle das licitações e contratos da Administração. Diz o § 2º que os Tribunais
de Contas poderão solicitar, até o dia útil imediatamente anterior à data de recebimento das
propostas, cópia do edital de licitação, “obrigando-se os órgãos ou entidades da
Administração interessada à adoção de medidas corretivas pertinentes que, em função desse
exame, lhes forem determinadas”.
L8666, Art. 113. O controle das despesas decorrentes dos contratos e demais instrumentos regidos
por esta Lei será feito pelo Tribunal de Contas competente, na forma da legislação pertinente,
ficando os órgãos interessados da Administração responsáveis pela demonstração da legalidade e
regularidade da despesa e execução, nos termos da Constituição e sem prejuízo do sistema de
controle interno nela previsto.
Assim, não há dúvidas de que a Lei autoriza que o Tribunal de Contas competente realize o
controle dos editais de licitação quanto à sua legalidade, legitimidade e economicidade.
Sendo o processo licitatório uma série ordenada de atos, qualquer um deles pode ser
apreciado e, eventualmente, sustado pela Corte de Contas, já que a própria CF lhe confere
essa competência.
Convém mencionar, no entanto, posição minoritária sustentada por Luis Roberto Barroso,
segundo o qual não seria cabível o controle das Cortes de Contas sobre os instrumentos
convocatórios de licitações. O principal argumento é o de que os editais de licitação em si não
geram despesas (o que poderá eventualmente gerá-las será o contrato que advenha da
licitação), e a função constitucional dos Tribunais de Contas é de controle das despesas
públicas.
De outro lado, a segunda corrente afirma a competência do Tribunal de Contas para sustar
contrato administrativo, no caso de haver transcorrido o prazo de noventa dias sem
deliberação do Congresso Nacional, com base no reconhecimento da importância, pelo texto
constitucional, da Corte de Contas, que não se subordina hierarquicamente ao Poder
Legislativo, e necessita de instrumentos aptos a tornar efetiva a sua atuação.
ATENÇÃO!!
Mesmo para os adeptos da segunda corrente, a competência para sustar o contrato
administrativa somente será reestabelecida em favor do Tribunal de Contas (art. 71, §2º,
da CF) se o prazo constitucional de noventa dias tiver transcorrido in albis, isto é, deve ter
havido omissão do órgão Legislativo.
Se, porventura, o Poder Legislativo não tiver sustado o contrato, por entender que não
padece dos vícios apontados pelo Tribunal de Contas, a competência para sustar NÃO será
devolvida ao TC.
Assim, a segunda corrente entende que o Tribunal de Contas pode sustar contratos irregulares
do Poder Executivo, mas essa sustação não é automática (primária, imediata), devendo ser
observado o seguinte rito (art. 71, IX e §§ 1.º e 2.º, da CRFB e art. 45, §§ 2.º e 3.º, da Lei
8.443/1992):
O tema ainda não está consolidado, mas o Supremo Tribunal Federal tem alguns
precedentes no sentido de NÃO ADMITIR A SUSTAÇÃO DE CONTRATOS PELO TRIBUNAL DE
CONTAS.
“I. Tribunal de Contas: competência. Contratos administrativos (CF, art. 71, IX e §§ 1º e 2º). O
Tribunal de Contas da União – embora não tenha competência, para anular ou sustar contratos
administrativos – tem competência, conforme o art. 71, IX, para determinar à autoridade
administrativa que promova a anulação do contrato e, se for o caso, da licitação de que se originou
(...)” (STF, MS nº. 23.550-1/DF, Rel. p/ acórdão, Min. Sepúlveda Pertence, pleno, DJ de 31.10.01)
ATENÇÃO!!
Como se pode notar a partir do julgado acima, os Tribunais de Contas, ainda que, segundo
alguns, não tenham competência para sustar contratos administrativos, TÊM
COMPETÊNCIA PARA DETERMINAR À AUTORIDADE ADMINISTRATIVA QUE PROMOVA A
ANULAÇÃO DO CONTRATO.
Não confundir:
Estamos falando de duas funções diferentes, com fundamentos constitucionais diferentes:
“O TCU tem legitimidade para anular acordo extrajudicial firmado entre particulares e a
Administração Pública, quando NÃO homologado judicialmente. Com base nessa orientação, a
Primeira Turma, por maioria, denegou mandado de segurança impetrado em face de ato do TCU,
que, em procedimento de tomada de contas especial, declarara a ilegalidade de acordo
extrajudicial firmado entre os ora impetrantes e o Poder Público, e determinara a devolução de
valores recebidos e a aplicação de multa. A Turma, inicialmente, assentou a possibilidade de o
TCU apurar a responsabilidade de administradores e particulares que tivessem firmado acordo
extrajudicial tido como irregular, sendo permitida a aplicação de sanções. A celebração de
transação entre as partes, na forma do art. 269, III, do CPC, não retiraria a competência
jurisdicional para a análise da legalidade do ato, a fim de homologar o acordo celebrado. Na
espécie, não haveria prova de homologação judicial do acordo firmado entre os impetrantes e a
Administração Pública, tendo ocorrido somente a desistência de ação judicial na qual se discutia
a responsabilidade do Poder Público por supostos prejuízos sofridos pelos impetrantes,
discussão esta que dera ensejo à celebração do acordo extrajudicial em discussão. Assim, não
haveria que se falar em julgamento do mérito da questão pelo Poder Judiciário, a afastar a
atuação do TCU, que ocorreria em sede administrativa. Seria certo, ademais, que a
jurisprudência do STF seria pacífica no sentido da independência entre as instâncias cível, penal
e administrativa. Outrossim, haveria, na hipótese, uma incompatibilidade absoluta entre o valor
pago pela Administração no bojo do acordo extrajudicial e o dano efetivo que estaria sendo
discutido em juízo quando de sua celebração, desproporcionalidade esta cuja avaliação
demandaria o revolvimento de matéria probatória, incabível em sede de mandado de segurança.
Vencido o Ministro Marco Aurélio, que deferia a segurança por entender que, na espécie, não se
teria situação jurídica em que o TCU, órgão administrativo, tivesse imposto sanção. No caso,
aquele tribunal simplesmente teria determinado a particulares, que não eram administradores, a
devolução de certo numerário recebido. Esse procedimento não seria possível, porquanto a
atuação daquela Corte de Contas referir-se-ia aos administradores, como previsto na
Constituição. Tendo o pronunciamento do TCU força de título executivo, por esta via, sem o
envolvimento de servidor ou de administrador, obstaculizar-se-ia o que poderia ser um processo
de conhecimento no Judiciário para discutir-se a controvérsia e o conflito de interesses. Não
caberia, portanto, ao TCU, quer impor sanção a particular, quer determinar a este a devolução de
numerário.
MS 24379/DF, rel. Min. Dias Toffoli, 7.4.2015. (MS-24379)
Exemplo:
Determinado órgão municipal causa um dano a uma empresa privada. Esta celebra acordo
extrajudicial com a Administração Pública no valor de R$5 milhões, a fim de ver seu prejuízo
recomposto. Nesse caso, enquanto o acordo não for homologado judicialmente, poderá o
respectivo tribunal de Contas responsável determinar a anulação do acordo extrajudicial
firmado entre o particular e a Administração Pública, por entender que houve violação ao
princípio da economicidade no caso concreto.
Na mesma linha, em junho de 2019, o STF decidiu que “É inconstitucional lei estadual ou
emenda à Constituição do Estado, de iniciativa parlamentar, que trate sobre organização ou
funcionamento do TCE”
Art. 71. O controle externo, a cargo do Congresso Nacional, será exercido com o auxílio
do Tribunal de Contas da União, ao qual compete:
II - julgar as contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e
valores públicos da administração direta e indireta, incluídas as fundações e sociedades
instituídas e mantidas pelo Poder Público federal, e as contas daqueles que derem
causa a perda, extravio ou outra irregularidade de que resulte prejuízo ao erário
público;
Tal competência é ampla, tendo o STF decidido em 2016 que “é inconstitucional norma da
Constituição Estadual que preveja que compete privativamente à Assembleia Legislativa
julgar as contas do Poder Legislativo estadual.” (STF, ADI 3077, Informativo 847)
Em outras palavras, não pode o constituinte estadual transferir a competência para julgamento
de contas a outros órgãos, a exemplo da Assembleia Legislativa. Não pode, por exemplo, a CE
dispor que cabe à própria Assembleia Legislativa julgar as contas do Poder Legislativo.
Art. 71. O controle externo, a cargo do Congresso Nacional, será exercido com o auxílio
do Tribunal de Contas da União, ao qual compete:
I - apreciar as contas prestadas anualmente pelo Presidente da República, mediante
parecer prévio que deverá ser elaborado em sessenta dias a contar de seu
recebimento;
Na mesma sessão, o STF entendeu que não pode haver o julgamento ficto das contas do Chefe
do Poder Executivo (que ocorreria com a omissão do poder legislativo no julgamento), uma vez
que o parecer do Tribunal de Contas tem natureza meramente opinativa16. Sendo assim, não
pode a Constituição Estadual nem dispensar o parecer prévio do TC17 e nem prever o
julgamento ficto pela omissão do Poder Legislativo. Como visto, são dois procedimentos
distintos e necessários: a análise das contas do Chefe do Executivo pelo TC e o julgamento pelo
Poder Legislativo.
Esquematizando:
Na mesma linha, o STF entendeu que o TCU possui competência para fiscalizar valores de
contribuição sindicais compulsórias. Para o STF, a contribuição sindical possui natureza
tributária e constitui receita pública, de modo os responsáveis por sua gestão estão sujeitos à
fiscalização do TCU, sendo certo que isto não representa violação à autonomia sindical (STF, MS
28465, Informativo 739)
16
Destaque-se que a natureza opinativa do parecer do Tribunal de Contas também implica que este não
poderá servir para fins de inelegibilidade, conforme decidido pelo STF na mesma oportunidade. Em
outras palavras, o Chefe do Executivo só poderá ser considerado inelegível por conta da rejeição das
contas após o julgamento pelo Legislativo.
17
“É inconstitucional norma da CE que dispensa o parecer prévio no julgamento das contas do Prefeito
caso o TCE não o elabore” (vide ADI 3077/SE).
existirem indícios suficientes de que, prosseguindo no exercício de suas funções, possa retardar
ou dificultar a realização de auditoria ou inspeção, causar novos danos ao Erário ou inviabilizar o
seu ressarcimento.
(...)
§ 2° Nas mesmas circunstâncias do caput deste artigo e do parágrafo anterior, poderá o
Tribunal, sem prejuízo das medidas previstas nos arts. 60 e 61 desta Lei, decretar, por prazo
não superior a um ano, a indisponibilidade de bens do responsável, tantos quantos
considerados bastantes para garantir o ressarcimento dos danos em apuração.
"(...) a atribuição de poderes explícitos, ao Tribunal de Contas, tais como enunciados no art. 71 da
Lei Fundamental da República, supõe que se lhe reconheça, ainda que por implicitude, a
titularidade de meios destinados a viabilizar a adoção de medidas cautelares vocacionadas a
conferir real efetividade às suas deliberações finais, permitindo, assim, que se neutralizem
situações de lesividade, atual ou iminente, ao erário público. Impende considerar, no ponto, em
ordem a legitimar esse entendimento, a formulação que se fez em torno dos poderes implícitos,
cuja doutrina, construída pela Suprema Corte dos Estados Unidos da América, no célebre caso
McCulloch v. Maryland (1819), enfatiza que a outorga de competência expressa a determinado
órgão estatal importa em deferimento implícito, a esse mesmo órgão, dos meios necessários à
integral realização dos fins que lhe foram atribuídos. (...) É por isso que entendo revestir-se de
integral legitimidade constitucional a atribuição de índole cautelar, que, reconhecida com apoio
na teoria dos poderes implícitos, permite, ao TCU, adotar as medidas necessárias ao fiel
cumprimento de suas funções institucionais e ao pleno exercício das competências que lhe foram
outorgadas, diretamente, pela própria CR." (MS 24.510, Rel. Min. Ellen Gracie, voto do Min. Celso
de Mello, julgamento em 19-11-2003, Plenário, DJ. 19-3-2004.)
“Tribunal de Contas da União. Poder geral de Cautela. Legitimidade. Doutrina dos poderes
implícitos. Precedente (STF). Consequente possibilidade do Tribunal de Contas expedir
provimentos cautelares, mesmo sem audiência da parte contrária, desde que mediante decisão
fundamentada. Deliberação do TCU, que, ao deferir a medida cautelar, justificou, extensamente,
a outorga desse provimento de urgência. Preocupação da Corte de Contas em atender, com tal
conduta, a exigência constitucional pertinente à necessidade de motivação das decisões
estatais.” (MC no MS nº 26.547/DF, rel. Min. Celso de Mello, j. Em 23.05.2007, DJ 29.05.2007)
“O Tribunal de Contas da União, a despeito da relevância das suas funções, não está autorizado a
requisitar informações que importem a quebra de sigilo bancário, por não figurar dentre aqueles
a quem o legislador conferiu essa possibilidade, nos termos do art. 38 da Lei 4.595/1964,
revogado pela Lei Complementar 105/2001.
Não há como admitir-se interpretação extensiva, por tal implicar restrição a direito fundamental
positivado no art. 5º, X, da Constituição. Precedente do Pleno (MS 22801, rel. min. Menezes
Direito, DJe-047 de 14.03.2008.)”
Sobre o tema, convém destacar que o STJ, em recente julgado (Informativo 581), entendeu que
os tribunais de contas se sujeitam ao prazo extintivo de cinco anos, que pode ser aplicado
por analogia com o art. 1º do Decreto 20.910/32, em atenção ao princípio da isonomia (prazo
a favor e contra a fazenda pública). De acordo com o tribunal, a imprescritibilidade é exceção
no nosso sistema, de modo que só deve ser admitida em situações expressas, por razões de
segurança jurídica. Além disso, o art. 37, § 5º, do CF, ao se referir a ações de ressarcimento,
deixa claro que a norma só serve para ações judiciais e não medidas administrativas, como são
os julgamentos dos tribunais de contas. Veja a tese fixada:
“É de cinco anos o prazo para o TCU, por meio de tomada de contas especial (Lei n.
8.443/1992), exigir do ex-gestor público municipal a comprovação da regular aplicação de
verbas federais repassadas ao respectivo Município”
Interpretando tal dispositivo, o STF firmou sua jurisprudência no sentido de que a legitimidade
para tal execução seria exclusiva do ente público beneficiário da condenação imposta, que
deveria executa-la através de seus procuradores. Desse modo, as decisões não poderiam ser
executadas pelos próprios Tribunais de Contas e nem pelo Ministério Público junto ao
Tribunal de Contas.
Procurando realinhar sua tese ao que foi decidido pelo STF, o STJ também passou a decidir pela
ilegitimidade ativa do MP:
Ainda sobre o tema, destaque-se entendimento do STF segundo o qual o Estado-membro não
tem legitimidade para promover a execução judicial para cobrança de multa imposta pelo
TCE à autoridade municipal, tendo em vista que a titularidade do crédito é do próprio ente
público prejudicado (no caso, o Município), a quem compete proceder a cobrança por meio de
seus representantes judiciais (RE 580943).
É necessária a inscrição das decisões condenatórias do TCU em dívida ativa? A execução das
decisões condenatórias proferidas pelos Tribunais de Contas deve ser feita através de
execução fiscal?
NÃO. De acordo com o STJ, não se aplica a Lei 6830/80, que disciplina o procedimento de
execução fiscal, à execução de decisão condenatória do TCU ainda não inscrita em dívida ativa.
Isto porque tais decisões já são títulos executivos extrajudiciais, de modo que não é necessária
a sua inscrição em dívida ativa, podendo ser adotado pelo ente beneficiário o rito executivo
previsto no CPC (STJ, Resp 1390993/RJ).
“Bis in idem” entre acórdão do TC e sentença condenatória em ação de improbidade:
Imagine a seguinte situação: o Governador de Estado é condenado por um acórdão do TCE a
ressarcir um determinado dano ao erário e, posteriormente, também é condenado em
sentença em ação de improbidade administrativa a ressarcir o mesmo dano. Haveria “bis in
idem” nesse caso?
O STJ, em recente julgado noticiado no Informativo 584, entendeu que NÃO, com o argumento
de que as instâncias judicial e administrativa não podem ser confundidas, de modo que o fato
de o TC já ter punido o administrador com o ressarcimento ao erário não impede que seja
proposta ação de improbidade administrativa relacionada com o mesmo fato e que o
administrador seja novamente condenado pelo Poder Judiciário a ressarcir ao erário.
Não obstante, para que não haja enriquecimento sem causa do poder público, o STJ entendeu
que deve haver a dedução do valor que foi pago na primeira execução. Veja a íntegra do
julgado noticiado no Informativo:
Com base nesta premissa o STF firmou o entendimento de que o prazo decadencial de 5 anos
para anulação do ato de aposentadoria (previsto no da L9784) só começa a contar a partir da
homologação pelo Tribunal de Contas.
Também com base na mesma premissa, o STF, ao editar a Súmula Vinculante nº 3º, trouxe
uma ressalva ao final da sua redação, quanto à necessidade de observância do direito ao
contraditório e à ampla defesa na apreciação da legalidade do ato de concessão inicial de
aposentadoria pelo Tribunal de Contas.
De acordo com esta súmula, devem ser assegurados aos jurisdicionados o contraditório e a
ampla defesa nos processos perante o Tribunal de Contas quando da decisão puder resultar
anulação ou revogação de ato administrativo que beneficie o interessado, EXCETUADO O ATO
DE CONCESSÃO INICIAL DE APOSENTADORIA. Este, por ainda não estar perfeito e acabado
ante a não confirmação pelo Tribunal de Contas (ato administrativo complexo, como vimos),
não exigiria a observância do contraditório e da ampla defesa, ainda que a apreciação da
legalidade pelo Tribunal de Contas pudesse resultar a extinção do ato.
Sendo assim, à luz da Súmula Vinculante nº 3, não há que se falar em violação ao contraditório
ou à ampla defesa quando do cancelamento do benefício determinado pelo TCE.
No entanto, convém fazer uma observação sobre o tema, em virtude de recente jurisprudência
do STF. Como muitas vezes o Tribunal de Contas demora a confirmar o ato de aposentadoria,
surgiram situações em que o antigo servidor já tinha começado a gozar da aposentadoria
desde a concessão pelo seu órgão, mas a mesma veio a ser cancelada muitos anos depois, sem
a observância do contraditório e da ampla defesa, com base na SV nº 3. Este quadro de
instabilidade e insegurança jurídica levou o STF a mitigar o entendimento estabelecido na
referida Súmula Vinculante
Assim, de acordo com o atual entendimento do STF, se o Tribunal de Contas demorar mais do
que 5 anos para examinar a legalidade do ato administrativo de concessão inicial da
aposentadoria, deve ser respeitado o contraditório e a ampla defesa, assegurando-se ao
servidor potencialmente prejudicado o direito de manifestar-se.
É possível que norma estadual preveja recurso das decisões do Tribunal de Contas à
Assembleia Legislativa?
NÃO. O STF entendeu que é INCONSTITUCIONAL regra da CE que preveja recurso contra as
decisões do Tribunal de Contas ao Plenário da Assembleia Legislativa (Informativo 755).
É constitucional lei que restrinja os documentos a que o Tribunal de Contas possa ter acesso
em sua atividade fiscalizatória?
NÃO. De acordo com o STF, é inconstitucional lei estadual que proíba que o TCE, no exercício de
auditorias, tenha acesso a determinados documentos da Administração Pública. Trata-se de
limitação não prevista na CRFB (Informativo 760).
No entanto, conforme destacado na Pet 3.606 AgR/DF, “o poder outorgado pelo legislador ao
TCU, de declarar, verificada a ocorrência de fraude comprovada à licitação, a inidoneidade do
licitante fraudador para participar, por até cinco anos, de licitação na Administração Pública
Federal (art. 46 da L. 8.443/92), não se confunde com o dispositivo da Lei das Licitações (art.
87), que - dirigido apenas aos altos cargos do Poder Executivo dos entes federativos (§ 3º) - é
restrito ao controle interno da Administração Pública e de aplicação mais abrangente”.
O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Dias Toffoli, concedeu medida
liminar para suspender, somente em relação ao Município de Jundiaí (SP), ordem judicial do
Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3) que havia determinado à União, ao Estado de
São Paulo e ao município o fornecimento do medicamento Spinraza (nusinersen) a uma
paciente de Atrofia Muscular Espinhal (AME). A decisão, que se deu na Suspensão de Tutela
Provisória (STP) 127, leva em conta a definição das responsabilidades de cada ente da
federação no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS) e o altíssimo custo do medicamento.
Vamos realizar uma esquematização do julgado tendo em vista sua importância para o
concurso da Procuradoria do Município.
Em suas razões iniciais, aponta o Município que a decisão combatida violou o artigo 198 da CF,
eis que, argumenta:
Sustenta grave lesão grave a economia pública, ante o alto custo da medicação, o que
“suprimirá o direito do acesso à saúde aos demais pacientes, ante os parcos recursos
disponíveis para saúde”.
Argumenta que essa ponderação não corresponde a precificação da vida da paciente, mas sim,
da promoção da “isonomia material entre todos os destinatários da política pública de
saúde, os quais não podem igualmente ser tolhidos no seu acesso as prestações de saúde,
diante da satisfação do interesse de apenas um Munícipe, que (...) não corre risco de morte”.
Aponta que o fármaco em questão não integra a política pública de fornecimento de
medicamentos do Estado de São Paulo, e consequentemente também não integra a política
pública do Município de Jundiaí. E arremata aduzindo não ser “razoável causar um caos
orçamentário ao Município, com base numa premissa jurídica de solidariedade, a qual
empiricamente não se revela verdadeira, pois os Entes Federativos têm atribuições e
orçamentos diferentes”.
Percebe-se, portanto, que os argumentos do Município estão relacionados:
A ação judicial foi proposta em face dos três níveis políticos de decisão no SUS: União, Estado
e Município; tendo a ordem judicial determinado aos réus, de modo indistinto, o
fornecimento de medicamento cuja incorporação ao Sistema Único de Saúde se deu por meio
de recente portaria do Ministro da Saúde (Portaria nº 24, de 24 de abril de 2019).
A definição da responsabilidade dos entes é de suma relevância porque os recursos do SUS são
a cada um distribuídos conforme o nível de responsabilidade assumida, assim como as
estruturas de atendimento aos cidadãos são instituídas perante os entes aos quais se reserva a
atribuição de dispensar a tecnologia.
De fato, até a STA nº 175, os precedentes desta Corte (caracterizados por decisões
monocráticas) não traçavam qualquer consideração sobre o sentido de solidariedade,
limitando-se a dispor acerca da possibilidade de inclusão de quaisquer dos entes no polo
passivo da demanda judicial e, por assim fazer, fez transparecer a adoção, por esta Corte, do
instituto “solidariedade” tal qual previsto no Código Civil. Com o julgamento daquela
suspensão de tutela antecipada, contudo, não obstante tenha este Supremo Tribunal mantido
a nomenclatura “solidária”, a responsabilidade entre os entes federados em matéria de saúde
foi apreciada sob perspectiva mais alargada, ao contemplar a possibilidade de distinção de
atribuições, consagrada na expressão do Ministro Gilmar Mendes como “subsidiariedade” de
responsabilidades. Destaque-se, inclusive, que foi sob essa ótica – inaugurada com a STA nº
175 – que acompanhou-se, no julgamento de mérito do RE nº 855.178, a reafirmação da
jurisprudência pela responsabilidade solidária, porque nessa precisa interpretação do instituto
não se impede a identificação, no caso concreto, dos entes que devem ser responsabilizados
pelo atendimento pleiteado, ainda que figurem todos eles no polo passivo.
O julgamento da STA nº 175 nitidamente evidenciou essa característica da divisibilidade das
atribuições mesmo na seara da obrigação comum de garantir saúde. Tanto assim que os
tribunais pátrios passaram a adotar – não obstante a solidariedade expressa no
entendimento desta Corte – regras quanto à condenação dos entes, com base na distinção
de atribuições a eles traçadas em âmbito legal (ou mesmo infralegal).
Lado outro, contudo, a própria Constituição traz indicativos de que não foi sua intenção
estabelecer obrigação superposta, tendo sido expressa quanto: (i) à descentralização como
uma das diretrizes do SUS (art. 198, I) e, no mesmo passo, quanto à obrigação do Município de
prestar, (ii) com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, serviços de
atendimento à saúde da população (art. 30, VII); e (iii) a existência de uma rede de
atendimento “regionalizada e hierarquizada”.
Dos dispositivos citados e da compreensão técnica inserida em cada um dos conceitos eleitos
pelo constituinte – os quais se harmonizam perfeitamente com o que decidido nos autos da
STA nº 175 – se depreende, em síntese:
Sob essa ótica, é forçoso reconhecer que, ao estabelecer o art. 23 da Constituição Federal a
competência comum aos entes federativos de “cuidar da saúde” (art. 23, II), não estipulou a
carta constitucional uma obrigação indivisa, mas, ao contrário, definiu uma responsabilidade
estruturada em níveis de atuação consentâneos com as atribuições próprias da repartição
federativa, elemento essencial à construção do modelo de atenção à saúde reformador
propugnado pela Constituição.
Nesse passo, é possível vislumbrar a Federação como um círculo, cujo feixe de raios, partindo
do ente central, a União, direciona-se ao Distrito Federal e aos estados; deste, a seu turno,
partem os raios que atingem os municípios, ocupantes da extremidade da figura. Nesse
círculo, em matéria de saúde, quanto mais se caminha em direção ao ente central do Sistema
(direção centrípeta), maior a responsabilização técnico-financeira identificada, ao passo em
que, quanto mais se dirige aos entes da linha de superfície do raio federativo, maior a
obrigação de execução das políticas de saúde.
Embora, portanto, a responsabilidade seja una, no sentido de que todos tem o dever
inafastável de garantir saúde a seus cidadãos, a divisão de responsabilidades no SUS segue
uma gradação ascendente: centrípeta na ampliação das responsabilidades técnicas e de
financiamento; e centrífuga na atribuição de execução das ações e serviços de saúde.
Importa ressaltar que foi exatamente dando concretização a esses comandos constitucionais,
que o legislador editou a Lei nº 8080/90, densificando, especialmente em seus arts. 16 a 19, a
divisão de atribuições entre os entes políticos em matéria de saúde, a qual foi ainda mais
evidenciada após a edição da lei nº 12.401/11.
E se a lógica constitucional foi observada pelo legislador, também não pode ser afastada no
bojo de demandas judiciais, sob pena de fatal desordem administrativa, com prejuízo não
apenas ao paciente da demanda, mas ainda a todos os usuários do SUS.
O que se tem hoje? Municípios sendo demandados a arcar com o financiamento de fármacos
importados, de altíssimo custo (o que impõe uma atuação técnica para a qual normalmente
não estão preparados); estados realizando incorporação de medicamentos sem respaldo
técnico da CONITEC (ante a larga escala de concessão na via judicial) apenas para facilitar o
procedimento de aquisição do produto; e a União gerenciando o fornecimento direto de
medicamentos a pacientes/autores de ações judiciais, com estruturação administrativa
própria, diferenciada – e mesmo privilegiada – face a estabelecida no SUS, já que sendo
condenada a fornecer medicamentos a pacientes e não dispondo de estrutura a tanto, envia-
os à residência do paciente (por contratação de empresa de transporte), em quantidades
exorbitantes, sem qualquer controle do seu uso.
Lado outro, em relação ao financiamento: será ele do Município ou compartido entre os três
entes (nas medicações que cumpre ao Município dispensar); do Estado (para parte dos
medicamentos do componente especializado); e da União (no componente estratégico e,
ainda, no maior nível de complexidade do componente especializado). Como se observa, o
financiamento de medicamentos no SUS segue a lógica da complexidade do tratamento da
doença, da garantia da integralidade do tratamento da doença por meio de linhas de cuidado e
da manutenção do equilíbrio financeiro entre as esferas de gestão do SUS. Desconsiderar essa
forma de atribuição de responsabilidade põe em risco a própria manutenção do sistema e o
equilíbrio das contas públicas.
No caso dos autos, todos os fatores apontam para o alto custo no fornecimento da medicação
ao SUS (além da já destacada complexidade técnica envolvida no atendimento ao paciente).
Nestes termos, concedeu-se a liminar requerida, para o fim de suspender a ordem judicial
relativamente ao Município.