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CIDADES

SUSTENTÁVEIS
CIDADES Desenvolvimento
sustentável num
planeta urbano

INTELIGENTES
L533c Leite, Carlos
Cidades sustentáveis, cidades inteligentes [recurso
eletrônico] : desenvolvimento sustentável num planeta urbano
/ Carlos Leite, Juliana di Cesare Marques Awad. – Dados
eletrônicos. – Porto Alegre : Bookman, 2012.

Editado também como livro impresso em 2012.


ISBN 978-85-407-0185-4

1. Arquitetura. 2. Arquitetura sustentável – Aspectos


ambientais. I. Awad, Juliana di Cesare Marques. II. Título.

CDU 728

Catalogação na publicação: Ana Paula M. Magnus – CRB 10/2052


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AS CIDADES SE
REINVENTAM
Em 1930, o economista John Keynes previu que a humanidade, dali a cem anos, iria
enfrentar seu problema permanente: como usar a liberdade de preocupações eco-
nômicas prementes, como ocupar o lazer que a ciência e os ganhos econômicos lhe
trariam para viver bem, sábia e agradavelmente?

Agora que faltam apenas 20 anos para o cenário proposto por Keynes, talvez seja
oportuno nos debruçarmos sobre a grande questão do século: o planeta urbano.
Afinal, se o século 19 foi dos impérios e o 20, das nações, este é o das cidades. E as
imensas inovações que ora se anunciam ocorrerão no território urbano.

Domingo, 18 de abril de 2010, 9h30. Uma elegante jovem negra corre pela calçada
limpa e com piso semipermeável, concentrada no exercício matinal na primavera
de sol. Ao virar na King Street, algumas cédulas caem de seu short sem que ela
perceba. Ato contínuo, o jovem loiro, aparentemente um junkie típico das metró-
poles contemporâneas ricas, deixa seu banco onde lia o jornal – mobiliário urbano
de design impecável –, pega as notas no chão e berra pela atenção da garota que
segue em frente sem escutá-lo, iPod ligado. Fico cada vez mais atento à cena ur-
bana. Ele põe-se a correr atrás dela e, na outra esquina, onde ela para esperando
a sinalização sonora para travessia da rua após a passagem do MUNI (o moderno
trem urbano), finalmente consegue abordá-la. Conversa rápida, sorrisos trocados,
agradecimentos gentis. Ele adentra o café da esquina.

A cena seria banal em qualquer megacidade desenvolvida não fosse a sua localiza-
ção no tempo e espaço: São Francisco Mission Bay, 2010. Esse território metropoli-
tano estava há 10 anos totalmente abandonado, apesar de imediatamente vizinho
ao centro de São Francisco.

Ainda não tem o charme excitante da cidade que fazia Gavin Elster enciumar-se
de Madeleine a cada passeio urbano dela no clássico filme de Hitchcock (Um Corpo
que Cai, 1958), porém esta antiga área portuária da cidade caminha para isso, está
se reinventando.

“A população cresceu mais de dez vezes em dez anos, esta tem sido uma enorme
experiência, é como ver emergir algo do nada” diz Corinne Woods, uma das novas
usuárias desta “nova cidade dentro da cidade” (são 122 quarteirões) (Nevius, 2010).

4 | CIDADES SUSTENTÁVEIS, CIDADES INTELIGENTES


Visitei Mission Bay pela primeira vez há seis anos, e a transformação era ainda
objeto de imensas dúvidas entre os especialistas acadêmicos, que a viam com re-
ticência. Instalava-se naquele momento o que chamamos de a mola propulsora da
regeneração urbana e reestruturação produtiva, o elemento-âncora: o novo centro
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de pesquisas em biotecnologia da Universidade da Califórnia com 170 mil m de
laboratórios e centros de pesquisa.

Naquele domingo ensolarado, testemunhei a vida urbana cotidiana ali ocorrer. Há


um novo bairro, como dizem os jornais de São Francisco. Moradia de classe média
em prédios de 4 a 10 pavimentos em meio à mistura de usos – cafés, comércio,
serviços. Alguns são de luxo, chegando a 1 milhão de dólares a unidade. Parques,
nova frente d’água com paisagismo contemporâneo e implantação de todo o re-
pertório contemporâneo de green design. Até agora, 3 mil pessoas já se mudaram
para o novo território, que está 35% construído e, daqui a 15 anos, espera-se ter
11 mil habitantes.

A síntese da história? Projeto urbano de grande porte sendo realizado. Reestrutu-


ração produtiva de antiga área industrial obsoleta. Regeneração urbana em me-
trópole contemporânea. Cluster de biotecnologia implementado como força motriz
de território inovador. Concentração de capital de talento humano, educacional,
empreendedor. Diversidade de usos. Boa densidade em área central metropolitana
(contraponto inovador e desafiador à classe média americana habituada a morar
nos subúrbios de baixíssima densidade urbana). Transporte público de alta qualida-
de – MUNI, trens regionais e o Bay Area Rapid Transit (BART – sistema de trens que
interliga toda a Bay Area, a área metropolitana de São Francisco, com seus quase
8 milhões de habitantes).

Críticas? Inevitáveis em transformações urbanas deste porte, em qualquer parte


do mundo. “Gentrificação”: neste caso praticamente não havia população local
residente a “ser expulsa”, mas houve um enorme aumento no valor do solo, que
foi parcialmente amenizado pela diretriz governamental de oferecer uma parcela
de habitação subsidiada (affordable housing). “Falta de senso de lugar” (sense of
place ou public realm): ainda falta a sempre desejável dimensão urbana nas ruas
e praças que só o tempo e o uso darão. “Rompimento com a tradição urbanística”

CAPÍTULO 1 | AS CIDADES SE REINVENTAM | 5


dos bairros de São Francisco: como construir novo território equivalente a 122
quarteirões com a arquitetura contemporânea?

A grande questão que se coloca é: O que é mais sustentável – economica, ambien-


tal e socialmente – na transformação das metrópoles contemporâneas: refazer os
seus imensos territórios centrais rarefeitos com os paradigmas contemporâneos ou
deixar a cidade crescer de modo difuso ocupando áreas distantes e pouco urbani-
zadas (urban sprawl)?

Acredito que o desenvolvimento urbano sustentável impõe o desafio de refazer a


cidade existente, reinventando-a. De modo inteligente e inclusivo.

Cidade reinventada. Cidade inovadora.


Cidade criativa
Externalidades espaciais invejáveis aos teóricos da economia urbana: de Jane Ja-
cobs – a canadense que pioneiramente anunciou os potenciais da diversidade ur-
bana que metrópoles como a sua querida Nova York traziam como diferencial de
crescimento econômico e riqueza de vida coletiva – a Edward Glaeser, o guru de
Harvard das externalidades econômicas que as metrópoles contemporâneas pro-
porcionam; de Richard Florida, o acadêmico-popstar que cunhou o conceito das
cidades criativas, ao prêmio Nobel de Economia, Paul Krugman, defensor das maio-
res densidades urbanas.

Quarenta anos atrás, Jane Jacobs mostrou-nos que o sutiã não foi inventado por
especialistas em lingerie, mas por uma costureira experimental de Nova York, que
logo reconheceu a procura por sua nova criação numa cidade ávida por inovação e
experimentação, povoada por uma concentração única de diversidade social.

Nova York continua repleta de pessoas inovadoras e criativas que estão liderando a
sua reinvenção quando, no fim do século passado, especialistas preconizaram seu
declínio – o declínio da maior megacidade do século 20, 18 milhões de habitantes,
seria inexorável numa sociedade informacional e onde o lugar perderia relevância,
quando, na verdade, a e-society só fez valorizar o ambiente real. (Megacidades
são oficialmente definidas pela Organização das Nações Unidas como cidades com
mais de 10 milhões de habitantes.)

6 | CIDADES SUSTENTÁVEIS, CIDADES INTELIGENTES


Encerra aqui o trecho do livro disponibilizado para
esta Unidade de Aprendizagem. Na Biblioteca Virtual
da Instituição, você encontra a obra na íntegra.

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