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Princípios

clássicos do
direito
contratual
Profa. Êmille Matos
Introdução
Art. 421. A liberdade
de contratar será
exercida em razão e
nos limites da função
social do contrato.
PRINCÍPIOS CONTRAT UAIS: VISÃO
TRADICIONAL DA OBRIGAÇÃO
 A primeira grande diferença é que os clássicos evidenciam um papel
de norma supletiva, serviam como um elemento auxiliar na
interpretação, tanto do contrato propriamente dito, como, em certa
medida, de situações de lacuna normativa (ausência de regra
específica a respeito daquela situação em concreto).
 são normas de ordem pública que deverão ser observadas com
primazia mesmo frente a tomadas de decisão de autonomia privada.
Exemplo:
 Ainda que as partes tenham convencionado de forma diversa, se tal
convenção colidir com um princípio normativo de ordem pública,
este prevalecerá sobre a autonomia privada, afastando-se o que foi
convencionado. No sistema clássico, o papel dos princípios não era
tão contundente: ele apenas completava, suplementava, mas sem
caráter de comando, sem obrigatoriedade, não era cogente, como
ocorre hoje com a função social do contrato, por exemplo.
Crise no Direito Contratual
 Todo o sistema clássico pautava-se na liberdade contratual e na ampla
autonomia da vontade;
 Ampla autonomia para regular os seus interesses patrimoniais e liberdade
para contratar e decidir sobre o conteúdo do contrato.
 Com o tempo, já adentrando ao século XX, as formas massificadas de
contratação começaram a massificar um modelo de negócio, que é o
modelo por adesão - um dos contratantes de fato não participa do
conteúdo do contrato, da sua elaboração, não estipula as regras, mas
apenas a elas adere.
Superação dessa crise
A liberdade se desdobrará com amplitudes diferentes na dita
liberdade contratual e na liberdade mais restrita de contratar
pura e simplesmente.
Teremos, portanto, uma liberdade subdividida em contratual e
de contratar.
• Liberdade Contratual - liberdade para estipular as regras
contidas dentro do contrato. Vale lembrar que mesmo essa
espécie não é absoluta ante a existência de normas de ordem
pública. No entanto, de toda forma, dentro das regras
dispositivas poderá haver a estipulação;
• Liberdade de Contratar - a liberdade é limitada à decisão de
aderir ou não às regras estipuladas unilateralmente.
 Contrato paritário - todas as partes terão a liberdade contratual, possuindo
igualdade de condições para decidir sobre o seu conteúdo;
 Contrato por adesão - temos a figura do estipulante, com liberdade contratual
para estipular as regras, be como a figura do aderente, cuja liberdade é limitada
a aderir ou não às regras previamente estipuladas. Evidentemente, a liberdade
de contratação não é a mesma nos contratos paritários (partes em equivalência
de posições de força) e nos por adesão (vulnerabilidade no que tange à
formação do contrato, posição assimétrica do aderente em relação ao
estipulante no que tange a elaboração do conteúdo).
Conceito de contrato - Conceito clássico x conceito
contemporâneo
a) Conceito clássico (ainda prevalece): utiliza como parâmetro o
Código Civil italiano (art. 1.321).
✓ É um conceito seguido, entre outros, por Darcy Bessone, Álvaro
Villaça e Maria Helena Diniz. O contrato é um negócio jurídico
bilateral ou plurilateral que visa à criação, à modificação ou à extinção
de direitos e deveres com conteúdo patrimonial.
Todo contrato, sem exceção, é negócio jurídico pelo menos bilateral,
por envolver duas pessoas ou duas vontades.
Questão: A doação é negócio jurídico
bilateral?
 Sim, pois é um contrato (CC, art. 538). Porém, trata-se de um
contrato unilateral, em regra, pois traz deveres para apenas uma das
partes. O contrato é o negócio jurídico “inter vivos” por excelência,
não se confundindo com os negócios jurídicos “mortis causa”.
Exemplo: testamento.
 Essa separação consta do artigo 426 do Código Civil: não pode ser
objeto de contrato a herança de pessoa viva (nulidade absoluta do
pacto sucessório ou “pacta corvina”).
 Na visão clássica, o contrato tem conteúdo patrimonial
(patrimonialidade). Seguindo essa visão, o casamento não é
um contrato, pois o seu conteúdo é mais que do patrimonial. O
casamento visa a uma comunhão plena de vida (CC, art.
1.511).
 Observação: aqui estão (na patrimonialidade) as principais
críticas à visão clássica.
b) Conceito contemporâneo (Paulo Nalin – UFPR - Obra: “Contrato:
conceito pós-moderno”). O contrato é uma relação intersubjetiva, baseada
no solidarismo constitucional, e que traz efeitos existenciais e patrimoniais
não somente em relação às partes contratantes, mas também em relação a
terceiros. O contrato também traz efeitos existenciais relativos à tutela da
pessoa humana. Exemplos:
• 1º - Uma cláusula ou um contrato que viola a dignidade humana é
antissocial e, portanto, nulo (a) de pleno direito – Ilicitude do objeto (CF,
art. 1º, III e CC, arts. 421 e 166, II).
• 2º - Enunciado n. 411 – V Jornada de Direito Civil -
“O descumprimento de um contrato pode gerar dano
moral quando envolver valor fundamental previsto na
Constituição Federal de 1988”. Exemplos: moradia e
saúde (CF, art. 6º) - contratos de aquisição da casa
própria e contratos de plano de saúde.
Princípios contratuais no Código Civil de
2002
• Princípios clássicos: Força obrigatória do contrato e Relatividade dos
efeitos contratuais.
• Princípios contemporâneos ou sociais. Autonomia privada; Função
social do contrato; Boa-fé objetiva.
 Enunciado n. 167 – III Jornada de Direito Civil: este enunciado cita
uma aproximação principiológica entre o Código Civil de 2002 e o
CDC em matéria contratual, pois ambos são incorporadores de uma
nova teoria geral dos contratos (princípios sociais: autonomia privada,
função social do contrato e boa-fé objetiva).
“Com o advento do Código Civil de 2002,houve forte
aproximação principiológica entre esse Código e o
Código de Defesa do Consumidor no que respeita à
regulação contratual, uma vez que ambos são
incorporadores de uma nova teoria geral dos
contratos”.
Constitucionalização do Direito Civil
 O contrato não possui apenas um viés patrimonial, estando
submetido a princípios como o da função social do contrato
(previsto expressamente no CC).
 A doutrina fala na personalização do Direito Civil ou do
Direito Privado, segundo a qual o foco principal do contrato
não é o patrimônio, mas sim o indivíduo que está
contratando.
Constitucionalização do Direito Civil Publicização do Direito

Interpretação dos clássicos Refere-se ao dirigismo contratual,


institutos do direito civil conforme à intervenção do Estado em
os valores consagrados na determinada relação privada com o
Constituição. propósito de assegurar a igualdade
Ex.: eficácia horizontal dos entre as partes.
direitos fundamentais
 Para Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho, o contrato é
um negócio jurídico por meio do qual as partes declarantes,
limitadas pelo princípio da função social e da boa-fé objetiva,
autodisciplinam os efeitos patrimoniais que pretendem atingir,
segundo a autonomia de suas próprias vontades.
 Na visão de Flávio Tartuce, o contrato é um negócio jurídico
bilateral ou plurilateral que visa à criação, modificação ou extinção
de direitos e deveres com conteúdo patrimonial.
 Já para Maria Helena Diniz, os contratos possuem dois
elementos fundamentais, quais sejam: (1) estrutural –
baseado na alteridade, exigindo a bi ou a plurilateralidade;
(2) funcional – fundamentado pela composição de
interesses contrapostos, constituindo, modificando e
solvendo direitos e obrigações no âmbito econômico.
Princípio da autonomia privada
Este princípio substituiu o modelo liberal puro da autonomia da vontade
por três razões:
• “Crise da vontade”: “crise do contrato” (Grant Gilmore).
• Dirigismo contratual: intervenção da lei nos contratos. Exemplos: CDC
e CC.
• Prevalência dos contratos de adesão. “Império dos contratos-modelo”
(Enzo Roppo). O contrato de adesão é aquele em que o estipulante impõe
o conteúdo do negócio, restando à outra parte, o aderente, duas opções:
aceitar ou não (“take it or leave it”, como dizem os americanos).
Fórmula: Autonomia da vontade + certa intervenção = autonomia privada
Observações: • O contrato de adesão é aquele em que o estipulante impõe
o conteúdo do negócio, restando à outra parte (aderente) duas opções:
aceitar ou não – “take it or leave it”. • O oposto de contrato de adesão é o
contrato paritário, que é aquele amplamente negociado pelas partes. ✓
Obs.: a Lei 13.874/2019 (Lei da Liberdade Econômica – origem: MP
881/2019 - LLE) é especialmente dirigida ao contrato paritário
empresarial. • O contrato de adesão não necessariamente será um contrato
de consumo (Enunciado n. 171 – III Jornada de Direito Civil). Exemplo:
franquia.
 A autonomia privada é a soma da autonomia da vontade com uma certa intervenção –
Respeito a normas de ordem pública (Lei 13.874/2019, art. 3º, V e VIII).
 Lei 13.874/2019, art. 3º, V e VIII: “São direitos de toda pessoa, natural ou jurídica,
essenciais para o desenvolvimento e o crescimento econômicos do País, observado o
disposto no parágrafo único do art. 170 da Constituição Federal: (...). V - gozar de presunção
de boa-fé nos atos praticados no exercício da atividade econômica, para os quais as dúvidas
de interpretação do direito civil, empresarial, econômico e urbanístico serão resolvidas de
forma a preservar a autonomia privada, exceto se houver expressa disposição legal em
contrário; (...). VIII - ter a garantia de que os negócios jurídicos empresariais paritários serão
objeto de livre estipulação das partes pactuantes, de forma a aplicar todas as regras de direito
empresarial apenas de maneira subsidiária ao avençado, exceto normas de ordem pública”.
 ✓ A autonomia privada foi positivada pela Lei da Liberdade
Econômica(Lei 13.874/2019) no art. 3º, V.
 A autonomia privada é o direito que a pessoa tem de regulamentar os
seus próprios interesses (direito de autorregulamentação contratual),
o que encontra limites em normas de ordem pública (art. 3º, VIII,
Lei 13.874/2019).
 A autonomia da vontade está relacionada com a ideia do indivíduo, o
individualismo. Diferencia-se do consenso ou consentimento, que é
o resultado da manifestação de duas ou mais vontades.
 Para que haja o contrato, é necessária a harmonização das vontades contrapostas, por
exemplo, se uma pessoa quer comprar uma casa, alguém precisa querer vender.
 No plano contratual, a autonomia privada se desdobra em duas liberdades:
a) Liberdade de contratar: momento + parte; faculdade de realizar ou não determinado
contrato, relaciona-se à celebração do negócio; e
b) Liberdade contratual: conteúdo (cláusulas contratuais); faculdade de se estabelecer o
conteúdo do contrato. A autonomia privada é também retirada do art. 425 do CC (além do art.
3º, V da Lei 13.874/2019), que prevê que é lícita a criação de contratos atípicos (sem
regulamentação legal mínima), desde que observadas as regras do Código Civil e de outras
leis. Exemplo: contrato de estacionamento: contrato atípico e misto (prestação de serviços +
depósito). Porém, em contrato de estacionamento, é nula a cláusula de não indenizar (“placa”).
 Fundamentos: • CDC, art. 51, I:“São nulas de pleno direito, entre outras, as
cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:
I - impossibilitem, exonerem ou atenuem a responsabilidade do fornecedor
por vícios de qualquer natureza dos produtos e serviços ou impliquem
renúncia ou disposição de direitos. Nas relações de consumo entre o
fornecedor e o consumidor pessoa jurídica, a indenização poderá ser
limitada, em situações justificáveis;”.
• CC, art. 424: “Nos contratos de adesão, são nulas as cláusulas que estipulem
a renúncia antecipada do aderente a direito resultante da natureza do
negócio”.
• CC, art. 422: “Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do
contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé”.
• CC, art. 421: “A liberdade contratual será exercida nos limites da função social do
contrato. (Redação dada pela Lei nº 13.874, de 2019).
Parágrafo único. Nas relações contratuais privadas, prevalecerão o princípio da
intervenção mínima e a excepcionalidade da revisão contratual. (Incluído pela Lei nº
13.874, de 2019)”.
• Súmula 130 do STJ: “A empresa responde, perante o cliente, pela reparação de dano
ou furto de veículo ocorridos em seu estacionamento”.
LIBERDADE DE CONTRATAR LIBERDADE CONTRATUAL
É a faculdade de realizar, ou não, determinado É a possibilidade de estabelecer o conteúdo do
contrato com a pessoa que deseja. contrato, suas cláusulas e o tipo de contrato,
É a voluntariedade em celebrar o contrato. típico ou atípico.
Liberdade de regramento do conteúdo
contratual.

Escolher o parceiro é também a liberdade de As partes podem pactuar garantias contratuais


contratar (freedom from contract), ressalvados atípicas (Enunciado 582, CJF).
os casos de contrato necessário As partes podem eleger foro contratual (art.
(art. 39, II, Lei nº 8.078/90). 78, CC e Súmula 335, STF).
 Mesmo tendo por vetor a sua função social, o contrato é um
fenômeno eminentemente voluntarista, fruto da autonomia
privada e da livre iniciativa.
 Enunciado 23 do CJF: A função social do contrato, prevista no
art. 421 do novo Código Civil, não elimina o princípio da
autonomia contratual, mas atenua ou reduz o alcance desse
princípio quando presentes interesses metaindividuais ou
interesse individual relativo à dignidade da pessoa humana.
Princípio da função social do contrato (CC, arts. 421 e 2.035,
parágrafo único)

 Miguel Reale: o contrato não deve atender apenas aos interesses das
partes contratantes, mas de toda a sociedade (efeitos externos).
Segundo Orlando Gomes, a palavra “função” representa a finalidade
e a palavra “social” representa o coletivo.
 Conceito do professor Flávio Tartuce: Função social do contrato é
princípio contratual de ordem pública (CC, art. 2.035, parágrafo
único) pelo qual o contrato deve ser, necessariamente, interpretado e
visualizado de acordo com o contexto da sociedade.
É princípio previsto expressamente no CC/2002:
Art. 421. A liberdade contratual será
exercida nos limites da função social do
contrato. (Redação dada pela Lei no 13.874,
de 2019).
Parágrafo único. Nas relações contratuais
privadas, prevalecerão o princípio da
intervenção mínima e a excepcionalidade da
revisão contratual. (Incluído pela Lei no
13.874, de 2019)
 Principal efeito: mitigação ou relativização da força obrigatória do
contrato (“pacta sunt servanda”). CC, art. 421 – Redação corrigida
pela Lei da Liberdade Econômica: A liberdade contratual será
exercida nos limites da função social do contrato.
✓ A função social do contrato limita o conteúdo das cláusulas.
✓ Essa redação já era proposta por Junqueira, Villaça, Giselda
Hironaka e Flávio Tartuce.
 CC, art. 421, parágrafo único (incluído pela Lei 13.874/2019) – O
dispositivo cita o princípio da intervenção mínima, o que causa
dúvidas entre os civilistas. Entretanto, trata-se de desdobramento do
princípio da autonomia privada e, desse modo, está submetido ao art.
3º, VIII da Lei 13.874/2019.
 Segundo esse princípio, o exercício de direitos contratuais não deve
causar influência negativa no meio social ou sobre terceiros. Como
visto, trata-se de princípio que mitiga a autonomia da vontade
(embora não a elimine).
 ✓ Âmbito de aplicação – contratos empresariais
paritários. É a paridade e simetria. CC, art. 421-A
(incluído pela Lei 13.874/2019) – O dispositivo traz
uma presunção relativa (“iuris tantum”) de que os
contratos civis e empresariais são paritários e
simétricos (igualdade entre os contratantes).
 ✓ Nos contratos civis empresariais que possuem simetria, as partes podem
estabelecer parâmetros para interpretação, revisão e resolução.
 ✓ Os riscos contratuais devem ser respeitados.
 ✓ A revisão contratual é excepcional.
 Obs.: Tudo isso é possível desde que não se contrarie nenhuma norma de ordem
pública (art. 3º, VIII, Lei 13.874/2019).
 ATENÇÃO! Constatado o caráter manifestamente excessivo da cláusula penal
contratada, o magistrado deverá, independentemente de requerimento do devedor,
proceder à sua redução. STJ. 4a Turma. REsp 1.447.247-SP, Rel. Min. Luis Felipe
Salomão, julgado em 19/04/2018 (Info 627).
 Fundamento: CC/Art. 413. A penalidade deve ser reduzida equitativamente pelo
juiz se a obrigação principal tiver sido cumprida em parte, ou se o montante da
penalidade for manifestamente excessivo, tendo-se em vista a natureza e a
finalidade do negócio.
 O controle judicial da cláusula penal abusiva consiste, portanto, em uma norma de
ordem pública, que tem como objetivos concretizar o princípio da equidade
(preservação da equivalência material do pacto) e impor o paradigma da eticidade
aos negócios jurídicos.
 Existem dois enunciados doutrinários sobre o tema:
 Enunciado 356 - CJF: Nas hipóteses previstas no art. 413 do CódigoCivil, o juiz
deverá reduzira cláusula penal de ofício.
 Enunciado 355 - CJF: Não podem as partes renunciar à possibilidade
de redução da cláusula penal se ocorrer qualquer das hipóteses
previstas no art. 413 do Código Civil, por se tratar de preceito de
ordem pública.
 Ademais, importante destacar o disposto no parágrafo único do art.
2.035 do CC, segundo o qual “nenhuma convenção prevalecerá se
contrariar preceitos de ordem pública, tais como os estabelecidos por
este Código para assegurar a função social da propriedade e dos
contratos”.
 Tem prevalecido a ideia de que a função social do contrato tem tanto eficácia interna (entre
as partes), quanto eficácia externa (para além das partes), ou seja, segundo o entendimento
majoritário, a função social do contrato tem dupla eficácia:
 • Eficácia interna: entre as partes contratantes (Enunciado n. 360 – IV ) Jornada de Direito
Civil).
 Eficácia externa: além das partes contratantes (Enunciado n. 21 – I Jornada de Direito Civil).
 Enunciado 21 do CJF: A função social do contrato, prevista no art. 421 do novo
 Código Civil, constitui cláusula geral a impor a revisão do princípio da relatividade dos
efeitos do contrato em relação a terceiros, implicando a tutela externa do crédito.
 Enunciado 360 do CJF: O princípio da função social dos contratos também pode ter
eficácia interna entre as partes contratantes.
 a) Eficácia interna: seis aplicações.
 a.1) Tutela da pessoa humana no contrato (Enunciado n. 23 – I Jornada de Direito
Civil).
 a.2) Nulidade de cláusulas antissociais, tidas como abusivas (CC, art. 166, II).
Exemplo: Súmula 302 do STJ: em contrato de plano de saúde, é nula a cláusula que
limita no tempo a internação do segurado.
 a.3) Vedação da onerosidade excessiva ou desequilíbrio contratual.
 Exemplo: CC, art. 413: redução equitativa da cláusula penal.
 a.4) Conservação contratual ou do negócio jurídico (Enunciado n. 22 – I Jornada de
Direito Civil). Exemplo: Teoria do Adimplemento Substancial.
 a.5) Proteção do vulnerável contratual.
 • CDC: consumidor.
 • CC/2002: aderente contratual - aquele a quem o conteúdo do contrato é imposto
(contratos de adesão).
 ✓ CC, art. 423: prevê a interpretação “pro aderente”, havendo cláusulas ambíguas ou
contraditórias.
 ✓ CC, art. 424: prevê a nulidade de cláusulas de renúncia antecipada a direito resultante da
natureza do negócio. A Lei da Liberdade Econômica ampliou a proteção do aderente (art. 113, §
1º, IV, CC) – “Interpretatiocontra proferentem” ou “contra stipulatorem” (interpretação contr
aquele que redigiu o documento).
 a.6) Frustração do fim do contrato ou desaparecimento da causa
 (Enunciado n. 166 – III Jornada de Direito Civil). Quando o contrato perde a sua razão de ser,
deve ser reputado extinto sem imputação de culpa.
 Exemplo: aluguel de casa para acompanhar o carnaval e, posteriormente, ele é cancelado.
 b) Eficácia externa: o contrato também gera efeitos perante terceiros.
 b.1) Tutela dos direitos difusos e coletivos: Ex.: função socioambiental do contrato.
Situação: contrato para extração de areia de um rancho que, apesar de ser um
instrumento justo e equilibrado, regula uma atividade que causa desequilíbrio ecológico.
Nesse caso, é possível dizer que contrato é nulo ou ineficaz, pois contraria a função
socioambiental do contrato.
 b.2) Tutela externa do crédito (Enunciado n. 21 da I Jornada de Direito Civil - Exceção
ao princípio da relatividade dos efeitos).
 Exemplo: CC, art. 608: Teoria do Terceiro Cúmplice. Prevê a responsabilização do
terceiro aliciador. ➢ Aplicada ao caso Zeca Pagodinho.
 Formação do contrato no Código Civil de 2002 (4 fases - Darcy Bessone e Pablo
Stolze e Rodolfo Pamplona)
 • Fase de negociações preliminares ou puntuação.
 • Fase de proposta ou policitação.
 • Fase de contrato preliminar.
 • Fase de contrato definitivo.
Fase de negociações preliminares, fase das tratativas ou de
puntuação.
 Nesta fase, ocorrem os debates prévios e iniciais para a celebração do contrato
definitivo.
 Exemplo: carta de intenções ou “acordo de cavalheiros”.
 Observações:
 • Essa fase não tem tratamento no Código Civil de 2002.
 • Não tem força vinculativa.
 Porém, se houver quebra da boa-fé objetiva nesta fase,
surgirá uma responsabilidade civil pré-contratual (origem:
culpa “in contrahendo” - Ihering).
 Fundamentos: CC, art. 422 e Enunciados n. 25 (I Jornada
de Direito Civil) e n. 170 (III Jornada de Direito Civil).
 Questão: Qual a natureza jurídica dessa responsabilidade?
Duas posições:
 • Responsabilidade contratual (minoritária): Pablo Stolze e Pamplona, Flávio
Tartuce, Mengoni e Galgano.
 • Responsabilidade extracontratual ou aquiliana (majoritária): Maria Helena Diniz,
Junqueira, Caio Mário, Carlos Alberto Bittar, Cristiano Zanetti.
Fase de proposta, policitação ou oblação (CC, arts. 427 a 435)

 Trata-se da fase de proposta formalizada que, em regra, vincula as partes (CC, art.
427).
 Partes:
 • Proponente, solicitante ou policitante: aquele que faz a proposta, estando a ela
vinculado.
 • Oblato, solicitado ou policitado: aquele que recebe a proposta. Se aceitá-la, torna-
se aceitante, estando o contrato aperfeiçoado pelo encontro das vontades.
 Se o oblato fizer uma contraproposta ou fizer modificações relevantes, haverá a
inversão dos papéis, pois haverá nova proposta (CC, art. 431). CC, art. 429 - Oferta
ao público: o oblato pode ser determinável (exemplos: internet, jornal, revista).
 Atenção:
 ➢ A oferta ao público do Código Civil pode não ser obrigatória (proposta).
 ➢ A oferta ao público CDC sempre será obrigatória (art. 30, CDC). Possui força
vinculativa.
 O artigo 428 do Código Civil prevê as hipóteses em que a proposta deixa de ser
obrigatória.
 ➢ Inc. I - Contrato com declaração consecutiva.
Se, feita sem prazo à pessoa presente, não foi imediatamente aceita.
✓ Considera-se presente quem contrata por telefone ou por outro meio de
comunicação semelhante.
 ➢ Inc. II - Contrato com declarações intervaladas.
Deixa de ser obrigatória a proposta se, feita sem prazo à pessoa ausente, tiver
decorrido tempo suficiente para chegar a resposta ao conhecimento do proponente.
 ➢ Inc. III - Se, feita à pessoa ausente, não tiver sido
expedida a resposta no prazo dado.
 ➢ Inc. IV - Se, antes da resposta ou simultaneamente a ela,
chegar ao conhecimento do oblato a retratação do
proponente.
 ✓ Essa regra se aplica ao contrato entre ausentes.
 O contrato pode ser formado:
• Entre presentes (“inter praesentes”).
• Entre ausentes (“inter absentes”) - Exemplo: contrato epistolar (por
carta).
 ➢ É preciso verificar:
• Mesmo ambiente (virtual), distância e tempo (pergunta e resposta).
Quando o contrato é formado?
 - O contrato entre presentes é formado quando o oblato aceita a proposta.
 - Quanto ao contrato entre ausentes, há duas teorias:
• 1ª teoria (regra): teoria da agnição na subteoria da expedição: o contrato
é formado quando a aceitação é expedida (CC, art. 434, “caput”).
• 2ª teoria (exceção): teoria da agnição na subteoria da recepção: o contrato
é formado quando a aceitação é recebida pelo proponente (CC, art. 434, I,
II e III). Exemplo: quando a teoria for convencionada entre as partes.
 ➢ No Brasil, para os contratos eletrônicos entre ausentes, aplica-se a
 Teoria da Recepção (Enunciado n. 173 – III Jornada de Direito Civil).
 O art. 435 do CC prevê que, para os contratos nacionais, o local do
contrato equivale ao local da proposta. LINDB, art. 9º, § 2º - No caso
de contratos internacionais, o local do contrato é o local de residência
do proponente.
Fase de contrato preliminar (CC, art. 462 a
466)
 Há um contrato preparatório, documentado, com efeitos jurídicos próprios, visando
ao contrato definitivo.
 Exemplo de efeitos jurídicos próprios: arras ou sinal (CC, arts. 417 a 420). CC, art.
462 - O contrato preliminar, exceto quanto à forma (solenidade), deve ter os
mínimos requisitos de validade do contrato definitivo.
 Ex.: O contrato preliminar não exige escritura pública.
 Segundo Maria Helena Diniz, duas são as modalidades básicas de contrato
preliminar (compromisso de contrato).
 b) Compromisso bilateral de contrato: as duas partes compõem o negócio jurídico,
assumindo o compromisso de celebrar o contrato definitivo.
 Exemplo: compromisso de compra e venda (móvel ou imóvel):
 Partes:
 • Promitente vendedor.
 • Compromissário comprador (promitente).
 Em relação ao compromisso de compra e venda de imóvel, existem duas figuras possíveis,
as quais dependerão do registro ou não do contrato preliminar na matrícula do imóvel (CRI,
RGI, RI).
 ➢ CUIDADO! Art. 463, parágrafo único, CC: “deverá ser levado ao registro” =
“poderá”.
 ✓ O registro imobiliário é apenas um fator de eficácia perante terceiros
 (Enunciado n. 30 – I Jornada de Direito Civil). Não é um requisito de validade.
 ➢ O registro cria um direito real de aquisição (CC, art. 1.225, VII). Por isso, são
possíveis duas figuras jurídicas distintas:
 b.1) Compromisso de compra e venda de imóvel não registrado na matrícula:
 • Há um contrato preliminar propriamente dito.
 • Gera efeitos obrigacionais “inter partes”.
 • Gera obrigação de fazer o contrato definitivo.
 • Pode haver uma cláusula de arrependimento ou não.
 b.1) Compromisso de compra e venda de imóvel não registrado na
matrícula:
 • Há um contrato preliminar propriamente dito.
 • Gera efeitos obrigacionais “inter partes”.
 • Gera obrigação de fazer o contrato definitivo.
 • Pode haver uma cláusula de arrependimento ou não.
 Se não constar a cláusula de arrependimento e o promitente vendedor não celebrar
o contrato definitivo, o compromissário comprador que tiver pagado o preço terá
as seguintes opções:
 1ª) CC, art. 463 - Ação de obrigação de fazer. O juiz fixa um prazo para a outorga
do contrato definitivo.
 2ª) CC, art. 464 - Esgotado esse prazo, o juiz pode suprir a vontade do réu
(promitente vendedor) - Adjudicação compulsória “inter partes” (Súmula 239 STJ e
Enunciado n. 95 – I Jornada de Direito Civil).
 b.2) Compromisso de compra e venda de imóvel registrado na matrícula (arts. 1.225, VII,
1.417 e 1.418 do CC; Decreto-Lei n. 58/37; Lei n. 6.766/79 e Lei 13.786/2018).
 • Direito real de aquisição.
 • Efeitos reais “erga omnes”.
 • Obrigação de dar (Orlando Gomes, Maria Helena Diniz e José Osório).
 Problema: afirmava-se que esse compromisso seria irretratável, sendo nula a cláusula de
arrependimento (Súmula n. 166 STF). Porém, a Lei 13.786/2018, no caso de venda em
“stands”, passou a possibilitar o exercício do direito de arrependimento do art. 49, CDC (7
dias), só passando a ser irretratável depois desse prazo.
• Se o promitente vendedor não celebrar o contrato definitivo, o compromissário
comprador que pagar o preço terá ação de adjudicação compulsória contra ele ou
contra terceiros (efeitos “erga omnes”).
 Observação: Contrato com pessoa a declarar (CC, arts. 467 a 471) (cláusula “pro
amico eligendo”).
 ➢ Por meio dessa previsão, constante em contrato preliminar, qualquer uma das
partes poderá indicar um terceiro que assumirá a sua posição contratual no
momento do contrato definitivo.
 Prazo de antecedência: cinco dias antes do contrato definitivo (CC, art. 468).
Fase de contrato definitivo:
 Aperfeiçoado o contrato pelo “encontro das vontades”, os efeitos
contratuais são plenos.
 Observações: Não há mais pré-contratualidade; Se houver
inadimplemento, aplicam-se as regras quanto ao tema (CC, art. 389 a
416)

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