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Direito Civil - Contratos – Aula

01
Esp. Bel. Matheus Carvalho de Oliveira
Especialista em Adm. Pública Municipal
Teoria geral dos contratos (CC, arts. 421 a
480)
• 1. Conceito de contrato. Conceito clássico x conceito contemporâneo
• I – Tanto o Código Civil de 1916 como o Código Civil de 2002 não definiram o contrato,
relegando a matéria para a doutrina.
• II – Conceito clássico (ainda prevalece): utiliza como parâmetro o Código Civil italiano (art.
1.321).
• O contrato é um negócio jurídico bilateral ou plurilateral que visa a criação, a modificação ou a
extinção de direitos e deveres com conteúdo patrimonial.
• É um conceito seguido, entre outros, por Darcy Bessone, Álvaro Villaça e Maria Helena Diniz.
• III – Todo contrato, sem exceção, é negócio jurídico pelo menos bilateral, por envolver duas
pessoas ou duas vontades.
• Questão n. 1: a doação é negócio jurídico bilateral? Sim, pois é um contrato (CC, art. 538).
Porém, trata-se de um contrato unilateral, em regra, pois traz deveres para apenas uma das
partes.
• IV – O contrato é o negócio jurídico “inter vivos” por excelência, não se
confundindo com os negócios “mortis causa”.
• Exemplo: testamento. Essa separação consta do artigo 426 do Código Civil1: não
pode ser objeto de contrato a herança de pessoa viva (nulidade do pacto
sucessório ou “pacta corvina”).
• V – Na visão clássica, o contrato tem conteúdo patrimonial (patrimonialidade).
• Seguindo essa visão o casamento não é um contrato, pois o seu conteúdo é mais
que patrimonial, visando a uma comunhão plena de vida (CC, art. 1.511).
• Observação n. 1: aqui estão, na patrimonialidade, as principais críticas à visão
clássica.
• VI – Conceito contemporâneo (Paulo Nalin – UFPR - Obra: Contrato: conceito pós-
moderno).
• O contrato é uma relação intersubjetiva baseada no solidarismo constitucional e que traz
efeitos existenciais e patrimoniais não somente em relação às partes contratantes, mas
também em relação a terceiros.
• VII – O contrato também traz efeitos existenciais relativos à tutela da pessoa humana.
Exemplos:
• • Uma cláusula ou um contrato que viola a dignidade humana é antissocial e, portanto, nulo
por ilicitude do objeto (CF, art. 1º, III e CC, arts. 421 e 166, II).
• • O descumprimento de um contrato pode gerar dano moral quando envolver valor
fundamental previsto na Constituição Federal de 1988 (Enunciado n. 411 – V Jornada de
Direito Civil). Exemplos: saúde e moradia (CF, art. 6º). Lembrar dos contratos de plano de
saúde e de aquisição da casa própria.
• 2. Princípios contratuais no Código Civil de 2002
• I - Veremos cinco princípios, conforme as nossas obras:
• • Autonomia privada.
• • Função social do contrato.
• • Força obrigatória da convenção.
• • Boa-fé objetiva.
• • Relatividade dos efeitos contratuais.
• II – Enunciado n. 167 – III Jornada de Direito Civil2: aproximação principiológica
entre o Código Civil de 2002 e o CDC em matéria contratual (princípios sociais:
autonomia privada, função social do contrato e boa-fé objetiva).
• 2.1. Princípio da autonomia privada
• I – Este princípio substituiu o modelo liberal puro da autonomia da vontade, por três razões:
• “Crise da vontade”: “crise do contrato” (Grant Gilmore).
• Dirigismo contratual: intervenção da lei nos contratos.
• Prevalência dos contratos de adesão. “Império dos contratos-modelo” (Enzo Roppo).
• II – O contrato de adesão é aquele em que o estipulante impõe o conteúdo do negócio,
restando à outra parte, o aderente, duas opções: aceitar ou não (“take it or leave it”, como
dizem os americanos).
• Observações:
• O contrário de contrato de adesão: contrato paritário (negociado).
• O contrato de adesão não necessariamente será um contrato de consumo (Enunciado n. 171
– III Jornada de Direito Civil). Exemplo: franquia.
• III – A autonomia privada é o direito que a parte tem de regulamentar
os próprios interesses (direito de autorregulamentação contratual).
No plano contratual, desdobra-se em duas liberdades:
• a) Liberdade de contratar: momento + parte.
• b) Liberdade contratual: conteúdo (cláusulas contratuais).
• IV - Autonomia da vontade + intervenção = autonomia privada.
• ➢ A autonomia privada não é um princípio absoluto, pois encontra limitações em outros
princípios e em normas de ordem pública. Ver, a propósito, o art. 425 do CC: é lícita a
criação de contratos atípicos (sem regulamentação legal mínima).
• Exemplo: contrato de estacionamento: atípico e misto (depósito + prestação de serviços).
Porém, em contrato de estacionamento é nula a cláusula de não indenizar.
Fundamentos:
• • CDC, art. 51: “São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas
ao fornecimento de produtos e serviços que: I - impossibilitem, exonerem ou atenuem a
responsabilidade do fornecedor por vícios de qualquer natureza dos produtos e serviços
ou impliquem renúncia ou disposição de direitos. Nas relações de consumo entre o
fornecedor e o consumidor pessoa jurídica, a indenização poderá ser limitada, em
situações justificáveis; (...)”.
• • CC, art. 424: “Nos contratos de adesão, são nulas as cláusulas que
estipulem a renúncia antecipada do aderente a direito resultante da
natureza do negócio”.
• • CC, art. 422: “Os contratantes são obrigados a guardar, assim na
conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade
e boa-fé”.
• • CC, art. 421: “A liberdade de contratar será exercida em razão e nos
limites da função social do contrato”.
• • Súmula 130 do STJ: “A empresa responde, perante o cliente, pela
reparação de dano ou furto de veículo ocorridos em seu estacionamento”.
• 2.2. Princípio da função social do contrato (CC, arts. 421 e 2.035, parágrafo único3)
• I – Miguel Reale: o contrato não deve atender apenas aos interesses das partes contratantes, mas de toda
a sociedade
• (ele tem efeitos externos).
• II – Função social do contrato: princípio contratual de ordem pública (CC, art. 2.035, parágrafo único) pelo
qual o contrato deve ser, necessariamente, interpretado e visualizado de acordo com o contexto da
sociedade.
• Principal efeito: mitigação ou relativização da força obrigatória do contrato (“pacta sunt servanda”).
• III – CC, art. 421: a liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do
contrato.
• Questão n. 2: quais os dois erros técnicos desse dispositivo apontados pela doutrina (Junqueira e Villaça)?
• • 1ª erro: o certo é liberdade contratual e não de contratar.
• • 2ª erro: “em razão “: função social do contrato não é razão, formada pela autonomia privada.
• Observação n. 2: A função social do contrato limita a autonomia privada.
• IV – Segundo o entendimento majoritário, a função social do contrato tem dupla eficácia:
• • Eficácia interna: entre as partes contratantes (Enunciado n. 360 – IV Jornada de Direito Civil4).
• • Eficácia externa: além das partes contratantes (Enunciado n. 21 – I Jornada de Direito Civil5).
• a) Eficácia interna: seis aplicações.
• a.1) Tutela da pessoa humana no contrato (Enunciado n. 23 – I Jornada de Direito Civil6).
• a.2) Nulidade de cláusulas antissociais, tidas como abusivas (CC, art. 166, II).
• Exemplo: Súmula 302 STJ: em contrato de plano de saúde é nula a cláusula que limita no tempo a
internação do segurado.
• a.3) Vedação da onerosidade excessiva ou desequilíbrio contratual.
• Exemplo: CC, art. 4137: redução equitativa da cláusula penal.
• a.4) Conservação contratual (Enunciado n. 22 – I Jornada de Direito Civil8).
• Exemplo: teoria do adimplemento substancial.
• a.5) Proteção do vulnerável contratual.
• • CDC: consumidor.
• • CC/2002: aderente contratual: aquele a quem o conteúdo do contrato é imposto (contratos de
adesão):
• ✓ CC, art. 423: interpretação “pro aderente”.
• ✓ CC, art. 424: nulidade de cláusulas de renúncia antecipada a direito resultante da natureza do
negócio.
• Exemplo (CC, art. 424): é nula a cláusula de não indenizar inserida em qualquer contrato de adesão.
• a.6) Frustração do fim do contrato ou desaparecimento da causa (Enunciado n. 166 – III Jornada
de Direito Civil9).
• Quando o contrato perde a sua razão de ser deve ser reputado extinto sem culpa das partes.
• Exemplo: aluguel de casa para acompanhar o carnaval que é cancelado.
• b) Eficácia externa: o contrato também gera efeitos perante terceiros.
• b.1) Tutela dos direitos difusos e coletivos
• Exemplo: função socioambiental da propriedade.
• b.2) Tutela externa do crédito (Enunciado n. 21 – I Jornada de Direito
Civil).
• Exemplo: CC, art. 60810: teoria do terceiro cúmplice. Aplicada ao caso
Zeca Pagodinho.
• 2.3. Princípio da força obrigatória da convenção ou do contrato
(“pacta sunt servanda”)
• I – Continua em vigor o princípio pelo qual o contrato faz lei entre as
partes, retirado dos dispositivos sobre inadimplemento (CC, arts. 389,
390 e 391).
• II – Esse princípio é fortemente mitigado pelos princípios sociais
contratuais (função social do contrato e boa-fé objetiva).
• 2.4. Princípio da boa-fé objetiva (CC, arts. 113, 187 e 422).
• I – Trata-se de uma evolução do conceito de boa-fé, que saiu do plano intencional (boa-fé
subjetiva), para o plano da conduta de lealdade das partes (boa-fé objetiva) - Menezes Cordeiro.
• II – Boa-fé no Direito privado:
• • Boa-fé subjetiva (“Guten Glauben”):
• ✓ Estado psicológico.
• ✓ Boa-intenção.
• ✓ Posse (CC, art. 1.20111).
• • Boa-fé objetiva (“Treu und Glauben” ou“correttezza” ) - associada aos deveres anexos ou laterais:
• ✓ Agir com lealdade.
• ✓ Boa conduta.
• ✓ Contrato (CC, art. 422).
• III – Três funções da boa-fé objetiva no Código Civil de 2002:
• ➢ 1ª: interpretação (CC, art. 113): os contratos devem ser interpretados
da maneira mais favorável a quem esteja de
• boa-fé.
• ➢ 2ª: controle (CC, art. 187): aquele que viola a boa-fé objetiva no
exercício de um direito comete abuso (ilícito).
• Consequências: nulidade e responsabilidade civil objetiva (Enunciado n.
37 – I Jornada de Direito Civil12).
• ➢ 3ª: integração (CC, art. 422): a boa-fé objetiva deve integrar todas as
fases contratuais (pré, contratual e pós).
• Exemplo n. 1 (pré-contratual): “Caso dos tomates” (TJ/RS, 1990, CICA): quebra de
um ciclo de confiança.
• Ver, ainda, caso IBM (REsp n. 1.309.972/SP).
• Exemplo n. 2 (fase contratual): Súmula 308 STJ13: a hipoteca firmada entre a
construtora e o banco anterior ou posterior ao compromisso de compra e venda
não gera efeitos perante os terceiros adquirentes do imóvel. A boa-fé objetiva
vence a hipoteca, que deixa de ter efeitos “erga omnes” e passa a ter efeitos “inter
partes”.
• Exemplo n. 3 (pós-contratual): Súmula 548 STJ14: dever do credor de retirar o
nome do devedor do cadastro negativo em cinco dias úteis após o efetivo
pagamento da dívida, sob pena de uma responsabilidade civil póscontratual (“post
pactum finitum”).
• IV – Função de integração: conceitos parcelares da boa-fé objetiva:
• • “Supressio” (“Verwirkung”).
• • “Surrectio” (“Erwirkung”).
• • “Tu quoque”.
• • “Exceptio doli”.
• • “Venire contra factum proprium non potest”.
• • “Duty to mitigate the loss”.
• • “Nachfrist”.
• a) “Supressio”: perda de um direito ou de uma posição jurídica pelo
seu não exercício no tempo (renúncia tácita).
• b) “Surrectio” (“o outro lado da moeda” – Simão): surgimento de um
direito por práticas, usos e costumes.
• Os dois conceitos são retirados do art. 330 do Código Civil, segundo o
qual o pagamento reiteradamente feito em outro
• local faz presumir renúncia tácita do credor relativamente ao que
constar do contrato.
• O estudo da boa-fé objetiva e dos conceitos parcelares continua na
próxima aula.

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