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DIREITO CIVIL IV –

CONTRATOS
Prof. Daniela Vargas
Direito Civil IV
TEORIA GERAL DO CONTRATO
1. CONCEITO

“O contrato é um ato jurídico bilateral, dependente de pelo menos duas declarações de


vontade, cujo objetivo é a criação, a alteração ou até mesmo a extinção de direitos e
deveres de conteúdo patrimonial. Os contratos são, em suma, todos os tipos de convenções
ou estipulações que possam ser criadas pelo acordo de vontades e por outros fatores
acessórios.” ( TARTUCE, Flávio, Direito Civil – Teoria Geral dos Contratos em Espécie)

É uma espécie de negócio jurídico cuja formação depende da presença de pelo menos duas
partes. É negócio jurídico bilateral ou plurilateral.”(Orlando Gomes)

“Acordo de vontades com a finalidade de produzir efeitos jurídicos”.(Caio Mário)


De acordo com a teoria clássica, podemos conceituar contrato como espécie de negócio
jurídico que consiste no acordo de duas (bilateral) ou mais vontades(plurilateral), capaz de
criar, regular ou extinguir relações patrimoniais.
Como todo negócio jurídico, para que se aperfeiçoe, o contrato exige:
- Declaração de vontade
- agente capaz;
- objeto lícito, possível, determinado ou determinável;
- forma prescrita ou não defesa em lei (art. 104 do CC).
PRINCÍPIOS CONTRATUAIS

Os princípios são mandamentos de otimização, que determinam que algo seja cumprido
na maior medida possível dentro das possibilidades jurídicas e fáticas existentes,
admitindo vários graus de concretização.

O sistema jurídico pátrio reconhece força normativa aos princípios, considerando-os


espécie de norma jurídica ao lado das regras. Assim, os princípios funcionam como
ditames superiores, fundantes e simultaneamente informadores do conjunto de regras
do Direito Positivo. Pairam, pois, sobre toda a legislação, dando-lhe significado
legitimador e validade jurídica.

Nessa toada, ao lado dos princípios constitucionais e dos princípios gerais do direito,
importa conhecer os princípios norteadores das relações contratuais.
1. Princípio da autonomia da vontade, da autonomia privada ou do Consensualismo

O contrato é espécie de negócio jurídico que depende fundamentalmente da vontade das partes, sendo fruto da
autonomia privada e da livre iniciativa. Mesmo em algumas modalidades de contrato nas quais uma das partes
tem reduzida a sua margem de negociação (ex.: contrato de adesão), ainda assim, a liberdade de contratar ou não
permanece.

Distingue-se a autonomia privada em duas vertentes: a liberdade de contratar e a liberdade contratual. No


âmbito da liberdade de contratar está a plena liberdade para a celebração de pactos e avenças com determinadas
pessoas, sendo o direito à contratação inerente à própria concepção de pessoa humana, um direito existencial da
personalidade advindo do princípio da liberdade (liberdade de contratar).

Em outro plano, a autonomia da pessoa pode estar relacionada com o conteúdo do negócio jurídico, ponto em
que residem limitações ainda maiores à liberdade humana (liberdade contratual). Dessa dupla liberdade da
pessoa, sujeito contratual, é que decorre a autonomia privada, que constitui a liberdade que a pessoa tem para
regular os próprios interesses.
2. Princípio da força obrigatória do contrato ou da obrigatoriedade (pacta sunt servanda)

Corolário da autonomia da vontade, preconiza que “o contrato faz lei entre as partes”,
constrangendo os contratantes ao cumprimento do conteúdo completo do negócio jurídico.
O princípio da força obrigatória como regra máxima tinha previsão já no direito romano,
segundo o qual deveria prevalecer o pacta sunt servanda, ou seja, a força obrigatória do
estipulado no pacto. Embora ainda vigente no nosso ordenamento jurídico, em razão da
prevalência dos contratos de adesão, cujo conteúdo é preestabelecido, o referido princípio já
não mais se coloca como regra geral como outrora concebido.
Atualmente, o princípio em questão está mitigado ou relativizado, sobretudo pelos princípios
sociais da função social do contrato e da boa-fé objetiva
Princípio da relatividade subjetiva dos efeitos do contrato

Por sua própria natureza, em regra, os contratos só geram efeitos entre as partes contratantes, razão por
que se pode afirmar que a sua oponibilidade não é absoluta ou erga omnes, mas tão somente, relativa.

Como negócio jurídico, em que há a manifestação espontânea da vontade para assumir livremente
obrigações, as disposições do contrato, a priori, somente interessam as partes, não dizendo respeito a
terceiros estranhos à relação jurídica obrigacional.
Assim, o contrato celebrado entre Carlos e Tício não pode, em princípio, afetar um terceiro.

Todavia, existem figuras que podem excepcionar esta regra


É o caso, por exemplo, da estipulação em favor de terceiro e do contrato com pessoa a declarar.

*Estipulação em favor de terceiro – uma parte convenciona com o devedor que este deverá realizar
determinada prestação em benefício de outrem, alheio a relação jurídica obrigacional original.

*Contrato com pessoa a declarar – consiste em uma promessa de prestação de fato de terceiro, que
também titularizará os direitos e obrigações decorrentes do negócio , caso aceite a indicação realizada –
art. 467 a 471 CC)
4. Princípio da função social do contrato

Antes da Constituição de 88, a função precípua dos contratos era a de proteger o


patrimônio. Com a constitucionalização do Direito Civil, houve uma mudança de
paradigma, de tal sorte que, hoje, o contrato deve ser visto como um instrumento para
alcançar a dignidade. Nesse contexto é que se desenvolve o princípio da função social do
contrato.

Pode-se conceituar o referido princípio como sendo “um princípio de ordem pública
(art. 2.035, parágrafo único, do CC), pelo qual o contrato deve ser, necessariamente,
interpretado de acordo com o contexto da sociedade”. Assim, “a palavra função social
deve ser visualizada com o sentido de finalidade coletiva, sendo efeito do princípio em
questão a mitigação ou relativização da força obrigatória das convenções (pacta sunt
servanda)” (TARTUCE).
A função social dos contratos é, antes de tudo, um princípio jurídico de conteúdo
indeterminado, que se compreende na medida em que lhe reconhecemos o precípuo efeito de
impor limites à liberdade de contratar, em prol do homem comum.

Significa, portanto, que os contratos não devem ser tratados de forma isolada, considerando
exclusivamente o interesse das partes, mas devem se harmonizar com a realidade social
circunscrita, de forma a atender também os interesses da pessoa humana. Dessa forma, pode-
se dizer que o princípio tem dupla eficácia, pois a função social do contrato tem tanto eficácia
interna (entre as partes), quanto eficácia externa (para além das partes).
5. Princípio da equivalência material

Desenvolvido por Paulo Luiz Netto Lôbo, o princípio em questão busca realizar e preservar o equilíbrio
real de direitos e deveres no contrato, antes, durante e após sua execução, para harmonização dos
interesses. Esse princípio preserva a equação e o justo equilíbrio contratual, seja para manter a
proporcionalidade inicial dos direitos e obrigações, seja para corrigir os desequilíbrios supervenientes,
pouco importando que as mudanças de circunstâncias pudessem ser previsíveis.

O que interessa não é mais a exigência cega de cumprimento do contrato, da forma como foi assinado ou
celebrado,
mas se sua execução não acarreta vantagem excessiva para uma das partes e desvantagem excessiva para
outra, aferível objetivamente, segundo as regras da experiência ordinária. O princípio clássico pacta sunt
servanda passou a ser entendido no sentido de que o contrato obriga as partes contratantes nos limites do
equilíbrio dos direitos e deveres entre elas.

Para parte da doutrina, o princípio da equivalência material seria um subprincípio da função social do contrato
6. Princípio da boa-fé objetiva

Boa-fé significa boa intenção. No âmbito dos negócios jurídicos, sua acepção avança para além de
tais desígnios e exige que as partes se comportem com lealdade e fidelidade; elas devem
informar, proteger a manifestação, corresponder à confiança criada (expectativas legítimas) e
respeitar os fins sociais dos ajustes. É princípio correlato ao dever de transparência, clareza,
limpidez; as partes não devem turvar a visão da outra, quer em relação ao contrato que será
celebrado, quer em relação ao contrato já celebrado e até já executado.

Diferencia-se, assim, a boa-fé objetiva da boa-fé subjetiva. A perspectiva subjetiva refere-se a


dados internos, psicológicos, contrapondo-se à má-fé. O ângulo objetivo diz respeito a como o
contratante deve agir: constitui-se, portanto, em dever de agir, em todo o desenvolvimento
contratual, de acordo com os padrões de correção,
fidelidade e lealdade socialmente recomendados (informar, proteger a manifestação,
corresponder à confiança, etc.)
Tais deveres consideram-se cláusulas anexas ao contrato, por força de lei. Ou seja, muitas vezes
pode ocorrer a boa-fé subjetiva e, ainda assim, violação objetiva do princípio. Não basta o
ângulo psicológico, devem ser cumpridos os ônus objetivamente impostos pelo legislador, em
defesa da boa-fé.

A doutrina elenca as seguintes funções da boa-fé objetiva:


• Função interpretativa e de colmatação:
a boa-fé objetiva deve ser um referencial hermenêutico ao aplicador do direito, na forma do
que dispõe o art. 113 do CC (“Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé
e os usos do lugar de sua celebração”).

• Função criadora de deveres jurídicos anexos ou de proteção: O princípio da boa-fé


estabelece, ainda, deveres invisíveis, embora existentes, os chamados deveres anexos ou de
proteção, dos quais se pode destacar o dever de lealdade e confiança recíprocos, o dever de
assistência, o dever de informação, o dever de sigilo ou confidencialidade, entre outros.
• Função delimitadora do exercício de direitos subjetivos:
Com isso, busca-se restringir o exercício de direitos subjetivos, a fim de que sejam exercidos
em observância à dignidade da pessoa humana, razão pela qual, o direito brasileiro não
admite cláusulas leoninas ou abusivas, ainda que pactuadas entre as partes, ante a
limitação do exercício de direitos subjetivos imposta pela boa-fé objetiva.

A boa-fé objetiva é fonte de deveres para os contratantes e deve ser observadaem todas as
fases do contrato (antes, durante e depois).
Desdobramentos da boa-fé objetiva

A boa-fé objetiva possui desdobramentos, também considerados como conceitos parcelares da


boa-fé objetiva, a saber: supressio, surrectio, tu quoque, exceptio doli, venire contra factum
proprium no potest. Há ainda o duty to mitigate
the loss, que encontra amparo no Enunciado 169 CJF/STJ.

Supressio - É a perda de um direito pelo não exercício no tempo. Dessa forma, significa a supressão,
por renúncia tácita, de um direito ou de uma posição jurídica, pelo seu não exercício com o passar
dos tempos.
Trata-se de instituto distinto da prescrição, que se refere a perda da própria pretensão. Aqui, o que
há é um silêncio ensudercedor, ou seja, um comportamento omissivo tal, para o exercício de um
direito, que o movimentar-se posterior soa incompatível com as legítimas expectativas até então
geradas.
Assim, na tutela da confiança, um direito não exercido durante determinado período de tempo, por conta desta
inatividade, perderia sua eficácia, não podendo mais ser exercitado. Nessa linha, a luz do princípio da boa-fé , o
comportamento de um dos sujeitos geraria no outro a convicção de que o direito não seria mais exigido.
O exemplo tradicional de supressio é o uso da área comum por condômino em regime de exclusividade por
período de tempo considerável, que implica a supressão da pretensão de cobrança de aluguel pelo período de
uso.

Surrectio - É a aquisição de um direito que não estava previsto em decorrência da efetividade social, dos
costumes e dos atos das partes. Dessa forma, significa a aquisição de um direito ou de uma posição jurídica,
pelo seu exercício com o passar dos tempos.
É o outro lado da moeda da supressio . Na supressio vislumbra-se a perda de um direito pela sua não atuação
evidente, o instituto da surrectio se configura no surgimento de um direito exigível como decorrência lógica do
comportamento de uma das partes.
O art. 330 serve como exemplo. De fato, se o credor, aceitou, durante a execução do contrato, que o pagamento
se desse em lugar diverso do convencionado, há tanto uma supressio do direito do credor de exigir o
cumprimento do contrato quanto um surrectio do devedor de exigir que o contrato seja, agora, cumprido no
novo lugar tolerado.
Tu quoque - É a ideia de que não se faz para o outro aquilo que não se deseja para si. Assim,
um contratante que violou uma norma jurídica não poderá, sem caracterização do abuso de
direito, aproveitar-se dessa situação anteriormente criada pelo desrespeito. O tu quoque é um
tipo específico de proibição de comportamento contraditório na medida em que, em face da
incoerência dos critérios valorativos, a confiança de uma das partes é violada. Isto é, a parte
adota um comportamento distinto daquele outro adotado em hipótese objetivamente
assemelhada.

Exceptio Doli - Trata-se da defesa do réu contra ações dolosas, contrárias a boafé. Aqui a boa-fé
objetiva é utilizada como defesa, tendo uma importante função reativa. É um exemplo desse
conceito a exceptio non adimplenti contractus (art. 476 do CC).
Art. 476. Nos contratos bilaterais, nenhum dos contratantes, antes de cumprida a sua
obrigação, pode exigir o implemento da do outro
Venire Contra Factum Proprium - É a vedação ao comportamento contraditório, devendo
ser mantida a confiança e o dever de lealdade, decorrentes da boa-fé objetiva, ou seja, não
é razoável admitir-se que uma pessoa pratique determinado ato ou conjunto de atos e, em
seguida, realize conduta oposta. Parte-se da premissa de que os contratantes, por
consequência lógica de confiança depositada, devem agir de forma coerente, segunda
expectativa gerada por seus comportamentos.
- Ex: art. 330 CC em que o credor, que aceitou, durante a execução de pacto de trato
sucessivo, o pagamento em lugar diverso do convencionado, não pode surpreender o
devedor com a exigência literal do contrato para alegar descumprimento.

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