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CONTRATOS
Prof. Daniela Vargas
Direito Civil IV
TEORIA GERAL DO CONTRATO
1. CONCEITO
É uma espécie de negócio jurídico cuja formação depende da presença de pelo menos duas
partes. É negócio jurídico bilateral ou plurilateral.”(Orlando Gomes)
Os princípios são mandamentos de otimização, que determinam que algo seja cumprido
na maior medida possível dentro das possibilidades jurídicas e fáticas existentes,
admitindo vários graus de concretização.
Nessa toada, ao lado dos princípios constitucionais e dos princípios gerais do direito,
importa conhecer os princípios norteadores das relações contratuais.
1. Princípio da autonomia da vontade, da autonomia privada ou do Consensualismo
O contrato é espécie de negócio jurídico que depende fundamentalmente da vontade das partes, sendo fruto da
autonomia privada e da livre iniciativa. Mesmo em algumas modalidades de contrato nas quais uma das partes
tem reduzida a sua margem de negociação (ex.: contrato de adesão), ainda assim, a liberdade de contratar ou não
permanece.
Em outro plano, a autonomia da pessoa pode estar relacionada com o conteúdo do negócio jurídico, ponto em
que residem limitações ainda maiores à liberdade humana (liberdade contratual). Dessa dupla liberdade da
pessoa, sujeito contratual, é que decorre a autonomia privada, que constitui a liberdade que a pessoa tem para
regular os próprios interesses.
2. Princípio da força obrigatória do contrato ou da obrigatoriedade (pacta sunt servanda)
Corolário da autonomia da vontade, preconiza que “o contrato faz lei entre as partes”,
constrangendo os contratantes ao cumprimento do conteúdo completo do negócio jurídico.
O princípio da força obrigatória como regra máxima tinha previsão já no direito romano,
segundo o qual deveria prevalecer o pacta sunt servanda, ou seja, a força obrigatória do
estipulado no pacto. Embora ainda vigente no nosso ordenamento jurídico, em razão da
prevalência dos contratos de adesão, cujo conteúdo é preestabelecido, o referido princípio já
não mais se coloca como regra geral como outrora concebido.
Atualmente, o princípio em questão está mitigado ou relativizado, sobretudo pelos princípios
sociais da função social do contrato e da boa-fé objetiva
Princípio da relatividade subjetiva dos efeitos do contrato
Por sua própria natureza, em regra, os contratos só geram efeitos entre as partes contratantes, razão por
que se pode afirmar que a sua oponibilidade não é absoluta ou erga omnes, mas tão somente, relativa.
Como negócio jurídico, em que há a manifestação espontânea da vontade para assumir livremente
obrigações, as disposições do contrato, a priori, somente interessam as partes, não dizendo respeito a
terceiros estranhos à relação jurídica obrigacional.
Assim, o contrato celebrado entre Carlos e Tício não pode, em princípio, afetar um terceiro.
*Estipulação em favor de terceiro – uma parte convenciona com o devedor que este deverá realizar
determinada prestação em benefício de outrem, alheio a relação jurídica obrigacional original.
*Contrato com pessoa a declarar – consiste em uma promessa de prestação de fato de terceiro, que
também titularizará os direitos e obrigações decorrentes do negócio , caso aceite a indicação realizada –
art. 467 a 471 CC)
4. Princípio da função social do contrato
Pode-se conceituar o referido princípio como sendo “um princípio de ordem pública
(art. 2.035, parágrafo único, do CC), pelo qual o contrato deve ser, necessariamente,
interpretado de acordo com o contexto da sociedade”. Assim, “a palavra função social
deve ser visualizada com o sentido de finalidade coletiva, sendo efeito do princípio em
questão a mitigação ou relativização da força obrigatória das convenções (pacta sunt
servanda)” (TARTUCE).
A função social dos contratos é, antes de tudo, um princípio jurídico de conteúdo
indeterminado, que se compreende na medida em que lhe reconhecemos o precípuo efeito de
impor limites à liberdade de contratar, em prol do homem comum.
Significa, portanto, que os contratos não devem ser tratados de forma isolada, considerando
exclusivamente o interesse das partes, mas devem se harmonizar com a realidade social
circunscrita, de forma a atender também os interesses da pessoa humana. Dessa forma, pode-
se dizer que o princípio tem dupla eficácia, pois a função social do contrato tem tanto eficácia
interna (entre as partes), quanto eficácia externa (para além das partes).
5. Princípio da equivalência material
Desenvolvido por Paulo Luiz Netto Lôbo, o princípio em questão busca realizar e preservar o equilíbrio
real de direitos e deveres no contrato, antes, durante e após sua execução, para harmonização dos
interesses. Esse princípio preserva a equação e o justo equilíbrio contratual, seja para manter a
proporcionalidade inicial dos direitos e obrigações, seja para corrigir os desequilíbrios supervenientes,
pouco importando que as mudanças de circunstâncias pudessem ser previsíveis.
O que interessa não é mais a exigência cega de cumprimento do contrato, da forma como foi assinado ou
celebrado,
mas se sua execução não acarreta vantagem excessiva para uma das partes e desvantagem excessiva para
outra, aferível objetivamente, segundo as regras da experiência ordinária. O princípio clássico pacta sunt
servanda passou a ser entendido no sentido de que o contrato obriga as partes contratantes nos limites do
equilíbrio dos direitos e deveres entre elas.
Para parte da doutrina, o princípio da equivalência material seria um subprincípio da função social do contrato
6. Princípio da boa-fé objetiva
Boa-fé significa boa intenção. No âmbito dos negócios jurídicos, sua acepção avança para além de
tais desígnios e exige que as partes se comportem com lealdade e fidelidade; elas devem
informar, proteger a manifestação, corresponder à confiança criada (expectativas legítimas) e
respeitar os fins sociais dos ajustes. É princípio correlato ao dever de transparência, clareza,
limpidez; as partes não devem turvar a visão da outra, quer em relação ao contrato que será
celebrado, quer em relação ao contrato já celebrado e até já executado.
A boa-fé objetiva é fonte de deveres para os contratantes e deve ser observadaem todas as
fases do contrato (antes, durante e depois).
Desdobramentos da boa-fé objetiva
Supressio - É a perda de um direito pelo não exercício no tempo. Dessa forma, significa a supressão,
por renúncia tácita, de um direito ou de uma posição jurídica, pelo seu não exercício com o passar
dos tempos.
Trata-se de instituto distinto da prescrição, que se refere a perda da própria pretensão. Aqui, o que
há é um silêncio ensudercedor, ou seja, um comportamento omissivo tal, para o exercício de um
direito, que o movimentar-se posterior soa incompatível com as legítimas expectativas até então
geradas.
Assim, na tutela da confiança, um direito não exercido durante determinado período de tempo, por conta desta
inatividade, perderia sua eficácia, não podendo mais ser exercitado. Nessa linha, a luz do princípio da boa-fé , o
comportamento de um dos sujeitos geraria no outro a convicção de que o direito não seria mais exigido.
O exemplo tradicional de supressio é o uso da área comum por condômino em regime de exclusividade por
período de tempo considerável, que implica a supressão da pretensão de cobrança de aluguel pelo período de
uso.
Surrectio - É a aquisição de um direito que não estava previsto em decorrência da efetividade social, dos
costumes e dos atos das partes. Dessa forma, significa a aquisição de um direito ou de uma posição jurídica,
pelo seu exercício com o passar dos tempos.
É o outro lado da moeda da supressio . Na supressio vislumbra-se a perda de um direito pela sua não atuação
evidente, o instituto da surrectio se configura no surgimento de um direito exigível como decorrência lógica do
comportamento de uma das partes.
O art. 330 serve como exemplo. De fato, se o credor, aceitou, durante a execução do contrato, que o pagamento
se desse em lugar diverso do convencionado, há tanto uma supressio do direito do credor de exigir o
cumprimento do contrato quanto um surrectio do devedor de exigir que o contrato seja, agora, cumprido no
novo lugar tolerado.
Tu quoque - É a ideia de que não se faz para o outro aquilo que não se deseja para si. Assim,
um contratante que violou uma norma jurídica não poderá, sem caracterização do abuso de
direito, aproveitar-se dessa situação anteriormente criada pelo desrespeito. O tu quoque é um
tipo específico de proibição de comportamento contraditório na medida em que, em face da
incoerência dos critérios valorativos, a confiança de uma das partes é violada. Isto é, a parte
adota um comportamento distinto daquele outro adotado em hipótese objetivamente
assemelhada.
Exceptio Doli - Trata-se da defesa do réu contra ações dolosas, contrárias a boafé. Aqui a boa-fé
objetiva é utilizada como defesa, tendo uma importante função reativa. É um exemplo desse
conceito a exceptio non adimplenti contractus (art. 476 do CC).
Art. 476. Nos contratos bilaterais, nenhum dos contratantes, antes de cumprida a sua
obrigação, pode exigir o implemento da do outro
Venire Contra Factum Proprium - É a vedação ao comportamento contraditório, devendo
ser mantida a confiança e o dever de lealdade, decorrentes da boa-fé objetiva, ou seja, não
é razoável admitir-se que uma pessoa pratique determinado ato ou conjunto de atos e, em
seguida, realize conduta oposta. Parte-se da premissa de que os contratantes, por
consequência lógica de confiança depositada, devem agir de forma coerente, segunda
expectativa gerada por seus comportamentos.
- Ex: art. 330 CC em que o credor, que aceitou, durante a execução de pacto de trato
sucessivo, o pagamento em lugar diverso do convencionado, não pode surpreender o
devedor com a exigência literal do contrato para alegar descumprimento.