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Introdução
Entendidas como os negócios em geral, as trocas realizadas entre os indi-
víduos são muito anteriores à regulamentação dos negócios pelo Direito,
uma vez que fazem parte da vida em sociedade e, consequentemente,
do desenvolvimento da civilização.
Com o passar dos séculos, esses negócios tornaram-se cada vez mais
diversos e complexos. De meros escambos e contratos sem qualquer
expressão escrita, a figura do contrato evoluiu para formas contratuais de
clausulado extenso e sofisticado. Da mesma maneira, para acompanhar
a dinâmica socioeconômica, os contratos desenvolvidos paritariamente
pelas partes pouco a pouco cederam lugar aos contratos de massa,
destinados a contratantes despersonalizados. Esses contratos eram desen-
volvidos por meio de instrumentos em que o aceitante não dispunha de
qualquer grau de liberdade ou poder para deliberar acerca das cláusulas
contratuais, de modo que apenas aderia aos termos predeterminados
pelo proponente se assim fosse a sua vontade. Caso contrário, desistia
da negociação sem a possibilidade de formular uma contraproposta.
Frente a esse novo cenário, o Direito precisou adaptar a sua concepção
tradicional de contrato às modificações trazidas pela contemporaneidade
para regular as relações negociais entre as partes, evitar a supremacia dos
interesses de um contratante sobre o outro e consolidar princípios com
vistas a guiar o bom andamento das trocas.
2 Noções gerais de contrato
micas, depreendemos que não existe contrato sem conteúdo patrimonial, dada
a concepção clássica de contrato, sendo necessário que ele crie, modifique ou
extinga uma relação jurídica de natureza econômica.
Além dessas, existem outras definições que compreendem o contrato como
inevitável e inafastável, configurando-se como uma figura jurídica de grande
relevância. Mediante a inclusão dos princípios jurídicos que regem a figura
dos contratos, podemos definir o contrato como um “[...] negócio jurídico por
meio do qual as partes declarantes, limitadas pelos princípios da função social
e da boa-fé objetiva, autodisciplinam os efeitos patrimoniais que pretendem
atingir, segundo a autonomia das suas próprias vontades” (GAGLIANO;
PAMPLONA FILHO, 2008b, p. 11). Em sentido análogo, contrato é:
Negócio jurídico bilateral, por meio do qual as partes, visando a atingir de-
terminados interesses patrimoniais, convergem as suas vontades, criando um
dever jurídico principal (de dar, fazer ou não fazer) e, bem assim, deveres
jurídicos anexos, decorrentes da boa-fé objetiva e do superior princípio da
função social (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2008b, p. 14).
Não podemos confundir o contrato com o meio pelo qual ele foi realizado.
Instrumento contratual — meio pelo qual o contrato é firmado. É o documento
composto por cláusulas contratuais que contém o conteúdo do negócio.
Preâmbulo: é a parte introdutória e contém a qualificação das partes, a descrição
do objeto, a forma de cumprimento, assim como as razões e as justificativas para
a existência do contrato.
Contexto: é o conjunto das cláusulas contratuais.
Será lícito e legítimo o contrato que respeitar o ordenamento jurídico na sua totali-
dade, ou seja, tanto os elementos exigidos pela lei quanto os princípios que validam
o seu conteúdo (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2008b).
[...] ideia que reflete o máximo de subjetivismo que a ordem legal oferece: a
palavra individual, enunciada na conformidade da lei, encerra uma centelha de
criação, tão forte e tão profunda, que não comporta retratação, e tão imperiosa
que, depois de adquirir vida, nem o Estado mesmo, a não ser excepcionalmente,
pode intervir, com o propósito de mudar o curso de seus efeitos.
As relações jurídicas contratuais já não podem ser vistas apenas sob o prisma dos
princípios da força obrigatória e da autonomia da vontade, pois exigem uma análise
sistêmica, isto é, no contexto das demais normas jurídicas, atentando aos impactos que
os contratos acarretam a terceiros ou à coletividade. Assim, um grande empreendimento
imobiliário pode causar repercussões drásticas no meio ambiente, grandes indústrias
podem estar explorando em demasia o trabalho dos seus contratados, o que os leva à
exaustão, a aquisição de ofensivos agrícolas e a sua utilização, assim como a construção
de fossas e cemitérios, podem poluir lençóis freáticos, o que representa prejuízo coletivo.
Quando alguém em uma situação de perigo conhecida pela outra parte emite
declaração de vontade contratual para salvar a si ou a alguém próximo de
morte ou grave lesão (dano), de forma a assumir obrigação excessivamente
onerosa. Segundo o art. 156 do Código Civil (BRASIL, 2002), o estado de
Noções gerais de contrato 15
Art. 113 do Código Civil: “Os negócios jurídicos devem ser interpretados
conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração” (BRASIL, 2002,
documento on-line).
Art. 422 do Código Civil: “Os contratantes são obrigados a guardar, as-
sim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de
probidade e boa-fé” (BRASIL, 2002, documento on-line).
Caso dos plantadores de tomates: a empresa Cica distribuía sementes aos agricultores
gaúchos, o que gerava a expectativa de compra da futura safra sem que qualquer
contrato fosse celebrado. Os agricultores, que confiavam na empresa, investiram na
produção dos tomates e plantaram as sementes recebidas, uma vez que em outras
ocasiões a Cica havia comprado a safra decorrente das sementes doadas. Contudo,
em dado momento a empresa optou por não comprar mais a safra desses pequenos
agricultores. Frente a isso, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul responsabilizou
a empresa pelas expectativas geradas, como segue:
Caso dos casacos de pele: na Alemanha, a dona de uma loja encomendou 120
casacos de pele de uma confecção. Os casacos foram confeccionados e entregues à loja
mediante o pagamento do preço acertado. Depois de finalizada essa relação jurídica,
a mesma confecção vendeu a mesma quantidade de casacos idênticos à loja vizinha,
agindo de forma desleal e em prejuízo das duas lojas. A primeira compradora conseguiu
uma reparação pela deslealdade post factum finitum (pós-contratual) (AZEVEDO, 2000).
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Leituras recomendadas
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22 Noções gerais de contrato