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DIREITO DOS CONTRATOS

Introdução ao Direito dos Contratos


Conceito de Contrato
Não existe uma definição legal de contrato no Código Civil atual. Existe, apenas, uma
definição doutrinária, que pode servir de referência para a aplicação do direito. A mais consensual, e
na qual nos vamos basear, vê o contrato como um acordo plurilateral que produz efeitos jurídicos
performativos e reflexivos. Com isto, podemos identificar várias características do contrato.

O contrato é um acordo
A expressão “O contrato é um acordo de vontades” é bastante criticável. Por um lado, a
vontade não é algo objetivo, existindo várias situações nas quais os efeitos produzidos não
correspondem a essa vontade (ex: várias modalidades do erro) – logo, dizer que um contrato é um
acordo de vontades não é correto, visto que o que vai contar para efeitos do mesmo é aquilo que a
parte expressa, independentemente daquilo que esta realmente quer (tirando exceções estudadas). A
vontade é, além disso, algo muito profundo, com ramificações psicológicas que não interessam ao
Direito.
Por outro lado, as pessoas coletivas também celebram contratos – ora, o que é que é a vontade no
caso de uma pessoa coletiva? A pessoa coletiva não tem vontade: esta é, por definição, algo que
pertence apenas ao ser humano; pressupõe uma pessoa que não seja coletiva. Assim, nestes casos,
temos apenas alguém que emite uma declaração.
É necessário, então, substituir esta ideia pela ideia de “acordo de declarações” – ou seja, não
interessa o que a parte quer, mas sim o que esta expressa, através de uma declaração. Assim, temos
um acordo quando existem duas ou mais declarações concordantes, que vão no mesmo sentido e
encaixam uma com a outra – daí nasce um contrato.

O contrato é um negócio jurídico plurilateral


O contrato é um facto jurídico (facto ou evento que produz efeitos jurídicos) humano, na
medida em que só os factos humanos é que são contados a nível jurídico (e não, por ex, os de animais).
Dentro destes factos humanos, o contrato é ainda um facto voluntário (e não involuntário, que não é
considerado facto jurídico) e lícito. Por sua vez, dentro dos atos lícitos, existem outros atos jurídicos
– categoria residual –, e o negócio jurídico: instituto que o CC toma como referência para a regulação
desta realidade. Temos, consequentemente, os negócios jurídicos unilaterais (ex: doações,
testamentos, promessa pública, etc.) e plurilaterais. Ora, os contratos encaixam-se nesta categoria de
negócios jurídicos plurilaterais.
Concluindo, o contrato é um facto jurídico humano, voluntário e lícito formado por duas (bilateral)
ou mais (plurilateral) declarações jurídicas.
O contrato é um acordo com efeitos jurídicos
No entanto, nem todos os acordos, em que duas declarações são emitidas em sentido igual,
são contratos: para o ser, este acordo terá de produzir efeitos jurídicos – ou seja, tem de ser capaz de
alterar, de alguma forma, situações jurídicas pré-existentes (ex: transferir um direito de propriedade
com um contrato de compra e venda, com obrigação de entrega da coisa e obrigação de pagamento
da coisa – artigo 879º). Estes, por serem jurídicos, serão então capazes de ser exigidos judicialmente.
Saber que efeitos jurídicos o contrato produz é uma questão de interpretação; e, em casos
fronteira, terão de ser as partes definir se o acordo tem ou não efeitos jurídicos, nomeadamente pelo
teor das declarações feitas. Da mesma maneira também se deverá interpretar quais os efeitos jurídicos
que se quer ver produzidos (ex: doar ou vender). De qualquer das formas, os efeitos que cada contrato
tem são sempre correspondentes ao significado do acordo obtido.

O contrato é um acordo com efeitos performativos e reflexivos


Dizer que um contrato tem efeitos performativos significa apenas que o contrato é um ato que
muda a realidade – o mero facto de o contrato produzir efeitos jurídicos faz com que seja um ato
performativo. A estes opõem-se os atos assertivos, que apenas descrevem o estado das coisas (ex:
afirmar que eu sou o proprietário deste livro vs. dizer que quero vender este livro a alguém que declara
querer comprar).
O mero ato de proferir palavras tem a capacidade de mudar a realidade; mas nem todos os
acordos performativos são contratos. Por ex, o mero facto de se proferir uma decisão por acórdão cria
no réu a obrigação de fazer algo (como pagar uma indemnização); mas este acordo não é um contrato,
na medida em que estes efeitos performativos não se irão aplicar sobre as pessoas que participaram
naquele acordo, mas sim num terceiro que é o réu. Assim, a última característica de um contrato são
estes efeitos reflexivos: são as pessoas que emitem as declarações que vão ser afetadas pelos efeitos.

Em suma, um contrato é um acordo formado por duas ou mais declarações que


produzem, para as respetivas partes, efeitos jurídicos conformes ao significado do acordo
obtido.

Nacional vs. Internacional:


No entanto, esta noção não é universal. Por exemplo, no direito francês, “um contrato é um
acordo entre duas ou mais pessoas para criar, modificar, transmitir ou extinguir obrigações” – ora,
nesta definição, não estão abrangidos todos os contratos que não têm obrigações, mas que transmitam
ou modificam outras situações jurídicas, como direitos reais ou situações de famílias (ex: contrato de
casamento, que no nosso ordenamento jurídico é um contrato).
No direito inglês, por sua vez, só há contrato se houver consideration: ideia de que é dado algo de
valor (não necessariamente monetário) em troca num acordo – ou seja, é necessário que cada parte
retire uma vantagem da celebração daquele acordo. Isto distingue-se do nosso conceito de contrato,
na medida em que contratos gratuitos (como de doação) não são vistos como tal, enquanto em
Portugal o são.
Fontes dos Contratos
Ao nos deparamos com qualquer contrato, teremos primeiro de ver se existem normais
especiais que regulam esse tipo de contrato – sendo um tipo de contrato uma “caixa” onde vários
contratos com as mesmas características caem (ex: contrato de compra e venda para consumo) –,
tanto dentro como fora do CC. Só depois de ver isso é que passamos para o regime mais geral,
procurando normas que se aplicam à categoria à qual se insere o contrato – sendo uma categoria algo
mais alargado do que um tipo, abrangendo contratos que têm apenas uma característica em comum
(ex: contrato comercial, contrato oneroso, etc.).
Finalmente, e se não encontrarmos resposta suficiente nas normas relativas ao tipo e relativas
à categoria, iremos aplicar às normas gerais aplicáveis a contratos no CC, nomeadamente: relativas
ao negócio jurídico (artigos 217º-294º); e relativas aos contratos (artigos 405-456º).
Temos ainda a Constituição, que tem referências a áreas reguladas pelos contratos (ex: direito
do trabalho ou direito do consumo) – ora, ao estabelecerem limites dentro dessas áreas, esses também
se vão aplicar aos contratos nessas áreas. Além disso, existe o costume, como existe noutras áreas.
Outra fonte importante será o direito da União Europeia. Embora não tenha referências
específicas aos contratos, existe um grande caminho traçado em termos do direito dos contratos em
tipos ou categorias específicas – por ex, quase todo o direito do consumo que temos em Portugal
provêm de diretivas ou até de regulamentos (não transposto), pelo que o direito de consumo está
bastante harmonizado. Outros documentos de legislação importantes incluem o Regulamento
1150/2019 – que regula o contrato entre o fornecedor e o gestor da plataforma (ex: Amazon) – e a
Convenção de Vienna – aplicada aos contratos internacionais, e que fez com que grande parte das
normas do CC perdessem a sua importância, já não se aplicando a esses contratos.
Temos, ainda, por fim, inúmeros diplomas avulsos em Portugal que regulam contratos em
Portugal: logo, sempre que temos um contrato à nossa frente, o mais provável é não existir normas
para o mesmo no CC (ex: Código do Trabalho, código dos contratos públicos, cláusulas contratuais
gerais, diploma relativo ao comércio eletrónico, contrato de compra e venda de consumo, contrato de
serviços públicos essenciais, etc.).

Formação dos Contratos


Independentemente do modelo, para existir um contrato, são necessários dois elementos diferentes:
1) Consenso (artigo 232º CC): Só há contrato quando houver consenso relativamente a todos os
elementos importantes para alguma das partes naquele contexto – sendo que ditos elementos
podem ser importantes naquele contexto/naquele contrato, e não noutro. O consenso, para cada
pessoa, depende do que cada pessoa valoriza.

2) Adequação formal: Além do consenso, é necessário também, para os casos que a lei OU as partes
exijam (artigo 223º), uma forma específica do contrato – sendo que estas exigências são exceções
ao princípio da liberdade da forma (artigo 219º), como por exemplo a compra e venda de imóveis.
Modelos de Contrato
O Código Civil só reconhece um modelo de contrato: proposta e aceitação (artigo 210)º.
Segundo este, temos uma proposta seguida de uma aceitação necessária, de acordo com o artigo 234º
– sendo que esta pode ser feita por declaração tácita ou declaração expressa. No entanto, há casos em
que este modelo não funciona – esta é uma opção muito limitada, não sendo, atualmente, a forma
mais comum de formação de contratos; assim, existem outros modelos.
Um deles é o modelo do documento contratual único. Segundo este, existe um documento que
contem a proposta e aceitação no mesmo texto – ou seja, existe um único documento que reúne ambas
as declarações no mesmo espaço, e que formaliza o negócio. Fica explícito que pessoa X e pessoa Y
propõe e aceita ao mesmo tempo (“Eu, António, aceito vender a minha casa a Beatriz”). Exemplo
disto são os contratos de compra e venda de imóveis, que têm de ser feitos por um documento pessoal
autenticado ou escritura pública (artigo 875º CC). O nosso CC não está preparado para este modelo
de contrato, por exemplo, nas regras sobre a interpretação da declaração.
Outro modelo é chamado de propostas cruzadas. Segundo este, existem duas propostas,
emitidas ou não ao mesmo tempo, que são coincidentes o suficiente para se determinar que existe
consenso entre as partes para se celebrar um contrato. Aqui, não existe aceitação, dado que a segunda
pessoa que emitiu a proposta fez a declaração antes de ver a primeira proposta, pelo que não está a
responder de facto à mesma. Isto é muito relevante nas operações em bolsa: existem simultaneamente,
no mercado, pessoas a declararem que querem comprar 5 mil ações e pessoas, sem referência a essas,
a declararem que querem vender 5 mil ações – ora, quando duas propostas assim se cruzam, forma-
se o contrato.
Outro modelo é chamado de diálogo oral concentrado. Segundo este, duas partes conversam
até chegarem a um acordo relativamente a tudo o que era necessário, sendo que não se consegue
identificar uma proposta e uma aceitação específica – para chegar ao acordo, as pessoas falam em
sequência até o conseguirem.
Para analisar estes quatros modelos, temos que ver o artigo 232º, de forma a perceber o que é
necessário para termos um contrato (além do requisito da forma): independentemente do modelo, “O
contrato não fica concluído enquanto as partes não houverem acordado em todas as cláusulas [não
significa regular sobre tudo, dado que existem normas subsidiárias; apenas têm que regular sobre tudo
aquilo que quiserem e que era necessário chegarem a acordo] sobre as quais qualquer delas tenha
julgado necessário o acordo”.

Proposta e Aceitação:
Proposta
Os requisitos cumulativos para a proposta ser válida são (construção doutrinária):
1) Completude: A proposta é completa quando, para a aceitar e existir um contrato, baste que a outra
pessoa diga “sim” (artigo 232º). De notar que a proposta pode não conter o preço do bem ou
serviço, desde que este seja determinável – sendo que existem critérios legais supletivos para a
determinação do preço, nomeadamente em contratos de compra e venda (artigo 883º) ou contratos
de empreitada (artigo 1211º).

2) Precisão: A proposta é precisa quando da aceitação não resultam dúvidas acerca da celebração e
do conteúdo do contrato, tendo o objeto que ser minimamente preciso/determinável. De notar que
existe, no entanto, alguma margem para admitir hipóteses em alternativa, visto que dentro dessa
imprecisão acaba por haver, na prática, precisão, dado só se poder escolher entre as alternativas
dadas (ex: se tiver uma proposta para comprar café na máquina de café, poder-se escolher café
curto ou café longo).

3) Firmeza: A proposta é firme quando demonstra a intenção inequívoca de contratar, intenção essa
retirada da interpretação da declaração – ou seja, perceber o que é que o declarante, colocando-se
na posição do real declaratário, iria perceber (artigo 236º CC).

4) Adequação Formal: A proposta é adequada formalmente quando revestir a forma exigida para o
contrato.

Todas as declarações que não cumprem estes requisitos serão tratadas como convites a
contratar (artigo 32º, nº1 do Decreto-lei??), que tem o objetivo de formar um contrato, mas que não
é suficiente para valer como proposta. Assim, o convite a contratar por si só não chega, mas não é
totalmente irrelevante: integrará o conteúdo do futuro contrato feito, após se verificar uma proposta
e consequentemente aceitação.
Outro conceito é o protesto: Situação em que a declaração tem todos os requisitos, mas o próprio
declaratário diz que não é uma proposta, não ficando assim numa situação de sujeição. Isto é possível
visto que o declaratário é livre de dispor dos seus bens da maneira como quiser, podendo por isso ver,
primeiro, quantas pessoas estão interessadas nos mesmos antes de os vender.
A proposta contratual cria, na esfera jurídica do preponente, uma situação jurídica passiva – a
sujeição; o que significa que, na esfera jurídica do destinatário, surge uma situação jurídica ativa – o
direito potestativo. Isto, na prática, significa que o destinatário tem a capacidade de produzir efeitos
jurídicos na esfera do preponente, sem que este consiga opor-se a isso – o destinatário consegue,
sozinho, concluir um contrato, apenas aceitando a proposta (ex: em contratos de compra e venda, com
a formação do contrato, a transmissão da propriedade é automática, mesmo que o preponente não
queira aceitar a aceitação de certa pessoa).
Por outras palavras, a proposta contratual é ela própria um negócio jurídico unilateral – sendo que a
aceitação é apenas um mero ato jurídico, não criando situações jurídicas como a proposta.
Por fim, a proposta pode ser extinta, deixando o preponente de estar num estado de sujeição,
com a aceitação; a rejeição; a contraproposta (que equivale a uma rejeição); a revogação (artigo 230º,
nº1: princípio da irrevogabilidade); e a retratação (artigo 230º, nº2).

Modalidades de proposta:
Uma modalidade de proposta muito comum no mercado em que vivemos é a proposta ao
público. Esta é caracterizada por não ter um destinatário determinado e concreto, sendo dirigida a um
conjunto alargado de pessoas, com o objetivo de celebrar o maior número de contratos no menor
número de tempo (para escoar o produto). É admitida, genericamente, no artigo 230º, nº3 CC, que
expressamente se refere à mesma.
De notar que a proposta ao público é uma verdadeira proposta, e não um convite a contratar,
vinculando por isso quem a emite, que fica num estado de sujeição – qualquer pessoa pode aceitar, e
o preponente fica sujeito a isso. Isso significa que, por exemplo, num estabelecimento comercial, não
é possível um lojista ter na montra um produto exposto com um certo preço; mas depois dizer ao
consumidor que dito produto não está à venda (assumindo-se que, no contexto, o declaratário normal
fica convencido de que é uma proposta ao público, dado que nem sempre um produto numa montra
é considerado como uma proposta, podendo ser só decorativo).
A principal diferença entre a proposta em geral e esta proposta ao público é que a proposta ao público
pode ser revogada ou alterada até ser aceita (artigo 230º, nº3); ao passo que a proposta em geral apenas
pode ser revogada ou alterada até o declaratário conhecer da mesma.

Aceitação
A aceitação é a declaração que tem como efeito a celebração do contrato, tendo dois requisitos
(podendo existir mais um, em casos de contratos reais quanto à sua formação – ver exercício nº5):
1) Conformidade total com a proposta: Qualquer aspeto que se adicione, altere em relação ao
conteúdo da proposta não é uma aceitação. A aceitação terá de ser “sim” a toda a proposta, e não
“sim, mas” – isto é uma contraproposta.

2) Adequação formal: A aceitação tem de ter a forma exigida para o negócio jurídico, para ser válida
e eficaz.

A aceitação pode assumir várias formas (em sentido não jurídico), podendo ser expressa ou
tácita; sendo que “tácita” não significa a ausência de palavras – por ex, acenar com a cabeça que sim
continua a ser uma aceitação expressa. Aceitação tácita acontece quando, por exemplo, se retira do
ato de cumprimento essa mesma aceitação – por exemplo, deixando um livro para retirar outro em
bibliotecas andantes; ou abastecendo numa bomba de gasolina antes de pagar (isto, quando não existe
pré-pagamento – se existir, na perspetiva do professor, celebra-se quando se chega à caixa e mostra-
se a intenção, por declaração, de querer abastecer).
Outra situação será entrar num autocarro: ao fazê-lo, estou tacitamente a aceitar o contrato de
transporte, pagando depois ao motorista – mas simplesmente ao entrar no autocarro, estou a
demonstrar, com o meu comportamento, que estou a aceitar a proposta apresentada pela Carris para
um contrato de transporte. Por exemplo, no metro, já não funciona assim, dado que o bilhete é
comprado antes de entrar no metro – esta é outra situação em que o ato de cumprimento (pagamento
do bilhete antes de passar nas cancelas) é simultaneamente o ato de aceitação.

Exercícios:
1) António vai ao restaurante e, ao sentar-se, colocam-lhe um prato de cogumelos salteados na
mesa. António provou, não gostou e não comeu mais. No final da refeição, foi-lhe cobrada uma
dose de cogumelos salteados. Foi celebrado algum contrato? António tem de pagar pelos
cogumelos salteados?
Podemos assumir, por um lado, que foi celebrado um contrato, nomeadamente quando A entra
no restaurante: este encontra-se a aceitar a proposta ao público do restaurante – sendo que o objeto
desse contrato (a comida) será determinado à medida que este fosse pedindo, não tendo de estar
determinado no momento de celebração do mesmo (artigo 400º). No entanto, por outro lado, podemos
considerar que o momento de celebração do contrato será o momento em que se pede alguma coisa,
sendo que A não pediu nada – situação que parece fazer mais sentido, tendo em conta que uma pessoa
pode entrar num restaurante e, se algo não lhe agradar, sair sem problemas.
Desta forma, existe uma declaração no momento que o prato de cogumelos é colocado na
mesa sem que fosse pedido. Esta declaração é, de facto, uma proposta, dado ter os quatro requisitos
necessários: 1) é completa, sendo que o preço não precisa de ser determinado, mas sim determinável,
no momento de formação do contrato (artigo 883º, nº1); 2) é precisa, sendo o objeto o conteúdo do
prato; 3) é firme, dado que se concluir, na circunstância, que um restaurante a apresentar um prato
estará a querer vender o mesmo; e 4) é formal, não existindo forma especial imposta para este tipo de
contrato (princípio da liberdade de forma).
Tendo uma proposta, será necessário haver uma aceitação para formar um contrato. Ora, aqui,
como já se viu, não se coloca o problema de adequação formal, sendo o caso abrangido pelo princípio
da liberdade de forma); a discussão será, então, sobre a existência de consenso. Sobre isto, podemos
concluir que A aceita tacitamente a proposta quando come do prato, deduzindo-se assim que deseja
pagar para degustar do mesmo.
Assim, tendo sido celebrado um contrato, A terá de pagar o preço, mesmo acabando por não
comer mais do mesmo. Até porque se, por exemplo, A tivesse pedido os cogumelos depois de ver a
ementa (aceitando a proposta contratual do restaurante), este teria de os pagar independentemente de
os comer ou não, de forma a cumprir a sua obrigação do pagamento da coisa consequente do contrato
(sendo que o restaurante estaria a cumprir a sua obrigação ao trazer os cogumelos para a mesa).

E se A não tivesse provado os cogumelos? Teria de os mandar para trás?


Não tendo A provado os cogumelos, este teria duas opções: ou 1) os mandava para trás, ou 2)
não dizia nada. Neste caso, qual seria o ato de aceitação? Se assumirmos que fosse necessário A os
mandar para trás, neste caso, o ato de aceitação será A agir em contrário a isso. Ao não dizer nada, A
remeter-se-ia ao silêncio, o que geralmente não conta como declaração (artigo 218º); no entanto,
poder-se-ia argumentar que o costume num restaurante é dizer quando não se quer algo, pelo que ao
não dizer nada, nesta situação específica, A estaria a aceitar o pedido.
No entanto, isto parece um argumento fraco: a prática de enviar e utilizar bens ou serviços sem haver
um pedido prévio é em alguns casos, no nosso ordenamento jurídico, penalizado – em especial em
casos de consumo. Além disso, existem também normas especiais para casos de restaurantes: o artigo
13º, nº3 do DL nº 10/2015 diz que não será cobrado nada que não tenha sido solicitado ou consumido;
ora, isso significa que o silêncio não implica necessariamente a formação de contrato
Assim, o ato de aceitação parece ser, de facto, o ato de comer. Ora, ao não ter provado, A estaria a
negar a proposta, não precisando de o dizer expressamente ao mandar os cogumelos para trás – até
porque o silêncio não pode ser visto como declaração. Em conclusão, A não teria de pagar pelos
cogumelos.

NOTA: Se António aceitasse a proposta, mas o restaurante não tivesse o prato escolhido, continuaria
a haver um contrato formado, mas este 1) ou teria incumprimento não culposo ou 2) não produziria
efeitos à luz de uma condição – cláusula contratual que determina se este vai ou não produzir os seus
efeitos típicos. Neste caso, é possível argumentar que os contratos num contexto de restaurante são
sempre celebrados sob a condição (tácita) de a cozinha conseguir fazer os pratos na ementa (proposta).
2) Bernardo viu na montra de uma loja o seu relógio de sonho. Entrou para o comprar. O
funcionário disse-lhe que o relógio não estava à venda. Foi celebrado algum contrato? Porquê?
Para perceber se existe uma proposta, temos de ver os quatro requisitos. A proposta é
completa, sendo que o preço não precisa de ser determinado, mas sim determinável, no momento de
formação do contrato (artigo 883º, nº1). Também é precisa, sendo o objeto do contrato o relógio;
assim com é adequada formalmente, não existindo forma especial imposta para este tipo de contrato
(princípio da liberdade de forma). Já a firmeza pode ser discutível: esta terá de ser analisada de acordo
com o contexto – se, por exemplo, a loja vender apenas quadros, sendo o relógio apenas usado para
decoração, conclui-se que o comerciante, à altura em que Bernardo viu o relógio, não quereria (ou
estaria) a vender o mesmo. No entanto, não havendo qualquer indicação (expressa ou tácita), na
própria montra, que o relógio não estaria à venda, Bernardo, ao vê-lo – ou seja, ao tomar
conhecimento da declaração –, perceberá, tal como o declarante (lojista) perceberia na posição real
do declaratário B, que se encontra ali uma declaração de venda do relógio séria. Assim, temos uma
proposta válida no momento que Bernardo olha para a montra; a informação de que o relógio não
estaria à venda é posterior à existência da mesma.
Além disso, nota-se que o destinatário dessa proposta é qualquer cliente, pelo que é uma proposta ao
público: não tem um destinatário determinado (artigo 230º, nº3). Isto significa que qualquer cliente
que entre na loja tem o direito potestativo de aceitar a proposta, estando o lojista sujeito a aceitar a
mesma – desde que válida.
Ora, analisado a aceitação de Bernardo – feita no momento que este declara expressamente
que quer comprar o relógio –, conclui-se que esta é adequadamente formal, sendo o caso abrangido
pelo princípio da liberdade de forma, como já foi dito. Além disso, a declaração de Bernardo encaixa
perfeitamente com a proposta da loja (assumindo que esta existe): Bernardo não tenta modificar
qualquer dos termos em que esta é apresentada, pelo que existe consenso entre as partes do contrato.
Assim, foi celebrado um contrato de compra e venda de um relógio, com o lojista tendo a obrigação
de entregar o relógio (agora propriedade de Bernardo) e Bernardo a obrigação de pagar o preço
determinado posteriormente.

3) Carlos colocou um anúncio no jornal a dizer que vendia a sua casa na Rua do Paraíso, 23 – 4.º
Esq, por € 300 000. No dia seguinte, Duarte respondeu ao anúncio, através do endereço de e-
mail aí indicado, com a seguinte mensagem: “Compro a casa. Indique-me o número da conta
para fazer a transferência”.
Para perceber se temos uma proposta válida, teremos de analisar a mesma de acordo com
quatro requisitos: completude, precisão, firmeza e adequação formal. Assim, a declaração é completa,
estando todos os detalhes mínimos necessários para que uma aceitação que diga “sim” seja suficiente
para formar um contrato. Além disso, também é precisa sendo o objeto do contrato a casa na Rua do
Paraíso; assim como é firme, não tendo o declaratário qualquer motivo para pensar que o declarante
não quis que a sua declaração fosse levada a sério. No entanto, para contrato de compra e venda de
imóveis, como é o caso, a lei exige uma forma especial (artigo 875º), nomeadamente escritura pública
ou documento particular autenticado – pelo que a proposta teria de ser feita nestes moldes. Ora, não
tendo sido feita, a declaração feita por C não é adequada formalmente; logo, não será considerada
como uma proposta.
Não sendo uma proposta, é então um convite a contratar – figura jurídica inserida no nosso
ordenamento jurídico pelo artigo 32º do DL nº7/2004, que regula o comércio eletrónico. Assim, C
não tem obrigação de contratar, pois não fica em posição de sujeição ao emitir este convite a contratar,
mesmo depois da declaração de Duarte – declaração essa que, não podendo ser uma aceitação (dado
que a existência de uma aceitação presume a existência de uma proposta anterior), será também
considerada como um convite a contratar. Em conclusão, nenhum contrato foi formado.

4) Duarte levou o carro da empresa à oficina para fazer a revisão. Pediu que lhe enviassem um
orçamento para confirmar se se avançaria com o trabalho. A empresa indicou que era cobrado
um valor de € 50 pelo orçamento, o qual seria descontado posteriormente no serviço após a
aceitação pelo cliente. Ao final do dia, foi enviado um orçamento de € 560, que Duarte recusou,
tendo ido buscar o carro no dia seguinte. Foi celebrado algum contrato? Se Duarte tivesse
avançado com a revisão, alteraria a sua resposta?
Neste caso, temos dois possíveis contratos: 1) contrato de orçamento; e 2) contrato de revisão
do carro – sendo que o primeiro tem como função ser preparatório o segundo. Isto significa que a
declaração da empresa relativamente ao preço do orçamento pedido será então vista como uma
proposta para formar o primeiro contrato, dado ser completa, precisa (o objeto está definido,
nomeadamente o orçamento), firme e adequada a nível da forma. Ora, Duarte, não se mostrando
contra a mesma, aceita essa proposta, formando-se então o contrato de orçamento – que é cumprido
pela empresa quando esta envia a Duarte um orçamento de 560€.
Relativamente ao contrato para a revisão, no momento que o Duarte leva o carro da empresa
à oficina, ainda não existe nenhuma proposta; existe, apenas, um convite a contratar. Esta proposta
só existe aquando do cumprimento do primeiro contrato, ou seja, quando a oficina envia a Duarte o
orçamento, dado que só aí é que temos, entre os outros requisitos, a precisão preenchida – o objeto
fica determinado. Duarte rejeita essa proposta, logo não existe a formação do contrato relativamente
à revisão.
Em conclusão, foi apenas celebrado um contrato de prestação de serviços relativamente ao
orçamento. Se Duarte tivesse aceitado, aí sim teríamos outro contrato formado para a revisão do carro,
que seria um contrato misto (prestação de serviços + de compra e venda das peças necessárias): assim,
Duarte teria de pagar os 560€, e a oficina teria de fazer a revisão da forma acordada.

5) Eduardo deslocou-se a uma casa de penhores e aí combinou com o funcionário que empenharia
no dia seguinte um relógio de ouro que está na família há 300 anos, recebendo em troca €500. O
dinheiro foi entregue nesse dia. No dia seguinte, Eduardo não apareceu. Foi celebrado algum
contrato? (ver arts. 666 e segs. do CC).
Denota-se, em primeiro lugar, que o verbo “combinar” significa que, do ponto de vista do
processo de celebração, houve um acordo; logo, seria de assumir que existiu a formação de um
contrato, nomeadamente por diálogo oral concentrado ou até uma proposta seguida de aceitação.
No entanto, falamos aqui de um contrato de penhor (=/= penhora, que é a apreensão dos bens
por parte de autoridades), previsto no artigo 669º, nº1. Ora, segundo o entendimento de doutrina
consensual, entende-se que este é um contrato real quanto à sua constituição; e para a formação de
um contrato assim, é necessário, além dos critérios do consenso e da adequação formal, a entrega da
coisa. Isto significa, então, que afinal não existiu a formação de qualquer contrato, dado que Eduardo
não entregou o relógio, objeto deste contrato.
Assim, os 500€ terão de ser devolvidos porque o contrato não foi celebrado, logo Eduardo não
pode ficar com o dinheiro, visto não ter qualquer fundamento jurídico que o justifique –
enriquecimento sem causa. Não poderá, no entanto, a casa de penhores exigir, em vez desta
devolução, a entrega do relógio: o artigo relativo à transmissão de propriedade com a mera formação
do contrato presume que houve essa formação; ora, não a tendo havido, o relógio continua na
propriedade de Eduardo, não podendo este ser obrigado a alienar-se dele.

NOTA: Parece resultar da CC que o contrato mútuo é sempre real quanto à sua constituição (artigo
1144º CC); no entanto, a generalidade da doutrina entende que, a par desse modelo previsto, se admite
um modelo de mútuo consensual – ou seja, um contrato mútuo poderá, também, ser formado apenas
com o acordo das partes e adequação formal, dado que, em certos regimes, a lei exige que se faça um
documento único assinado pelas partes. Isto fundamenta-se no facto de não existir outro argumento
ou “lógica” para se negar a mesma. Outro exemplo de um contrato real quanto à sua formação será
um empréstimo mútuo por grandes empresas.

6) Francisco foi ao site da FNAC e aí decidiu adquirir um computador portátil, disponível em


Marketplace, por € 562. Temos algum contrato? Em que momento foi celebrado? Quem são as
partes do contrato? (ver arts. 29.º e 32.º do DL 7/2004).
É necessário, primeiro, perceber qual o papel que a FNAC representa. Normalmente, em
situações de Marketplace, existe uma estrutura triangular, com três contratos a serem formados: 1)
um contrato entre o Francisco e a FNAC para aceder ao site; 2) um contrato entre a Empresa e a
FNAC para disponibilizar os produtos no site; e 3) um contrato de compra e venda entre o Francisco
e a Empresa – sendo que o último contrato pressupõe os outros dois.
Ora, falamos aqui no terceiro contrato de compra e venda, pelo que as partes serão o Francisco e a
Empresa, sendo a FNAC intermediário e, por isso, não responsável a nível de cumprimento.
Mas teremos, mesmo, um contrato formado? Por um lado, existe uma proposta ao público
(sem destinatário concreto e determinado) emitida pela Empresa – por uma pessoa FNAC em
representação da Empresa –, na medida em que esta declaração terá sido, sem informações em
contrário, completa, precisa, firme e adequada formalmente. Ora, como o caso nos diz, Francisco
aceitou essa proposta na sua totalidade e de forma, também, adequada formalmente, pelo que se
formou um contrato – mas em que momento é que essa formação se deu?
Segundo o artigo 32º do DL nº7/2004, o contrato fica concluído com a “simples aceitação” do
destinatário da proposta ao público; no entanto, o conteúdo do artigo 29º do mesmo DL parece algo
contraditório – “a encomenda [lendo-se, aqui, o contrato] torna-se definitiva com a confirmação do
destinatário, dada na sequência do aviso de receção, reiterando a ordem emitida”. Por outras palavras,
segundo este, quando o Francisco mostrou primeiro a intenção de comprar o portátil, existiu uma
“ordem de encomenda por via exclusivamente económica”, que foi obrigatoriamente acompanhada
de um aviso de receção (ex: “tem a certeza que quer realizar esta encomenda?”). Só depois, com a
confirmação de Francisco de que quer, de encomendar esse portátil, é que o contrato fica formado.
Relativamente a isto, existem duas teorias:
1. Teoria do “duplo clique”: Defende que existe aceitação nos dois momentos, quando o destinatário
inicialmente diz que sim E depois com a confirmação. Esta é criticada por fazer com que o
declarante não fique em posição de sujeição com o anúncio inicial, mas sim apenas com o aviso
de receção – o que significa que este anúncio não pode ser considerado como uma proposta, mas
sim como um convite a contratar.

2. Teoria em que o contrato fica celebrado com a ordem de encomenda: Defende que o aviso de
receção não relevância para a formação do contrato (sendo uma mera obrigação contratual que,
não cumprida, pode ser imposta forçosamente), e que a confirmação do destinatário é um meio
de proteção do destinatário, classificando-se juridicamente como uma “condição suspensiva” –
ou seja, o contrato, já celebrado, só produz efeitos no momento dessa confirmação (daí ser uma
“encomenda efetiva”). É, no entanto, criticada na medida em que a lei, ao acrescentar um dever
adicional, não está a proteger o consumidor – pois segundo esta lógica, na prática este não estaria
vinculado até esse dever adicional estar preenchido.

7) Gisela pediu a Helena, que faz limpezas em sua casa, para ir ao supermercado comprar um quilo
de arroz. Helena foi ao Pingo Doce e trouxe o arroz. Foi celebrado algum contrato? Por quem?
Existe, primeiramente, um contrato de trabalho entre Gisela e Helena, assumindo-se que este
é válido dado não haver informações em contrário. O mais relevante será discutir que poderes é que
o mesmo dá a Helena: não será difícil perceber que esta poderá, no âmbito do seu emprego, possuir
poderes para agir por conta de Gisela em tarefas como comprar algo à mercearia. No entanto, apesar
de Hele agir por conta de Gisela, ela não age em nome de Gisela, na medida em que não anunciou
estar a comprar o quilo de arroz sob poderes dados pela Gisela. Ora, isso significa que não podemos
considerar que existe, neste caso, representação – para haver representação, a outra parte tem de saber
que essa parte não está a agir por sua conta. Temos, assim, um mandato sem representação.
Isto significa, então que o contrato de compra e venda existente, baseado numa proposta ao
público assumidamente válida feita pelo Pingo Doce, e numa consequente aceitação por Helena da
mesma na sua totalidade. Assim, se, por exemplo, Helena não cumprir a sua obrigação de pagar o
preço, o Pingo Doce irá cobrar-lhe o mesmo, e não a Gisela.

NOTA: Num supermercado, a aceitação dá-se antes do ato de pagamento (já que este é considerado
um ato de cumprimento do contrato). No entanto, em situações como, por exemplo, o talho, existe
um pedido específico que inutiliza o bem em causa caso depois não se cumpra a obrigação de pagar
o preço – aqui, resolve-se o contrato, e o talho tem um direito a ser indemnizado pelo dano de ter
“estragado” aqueles bifes.

Cláusulas contratuais gerais


Introdução:
A expressão mais indicada para estas cláusulas é “cláusulas não negociadas individualmente”,
dado que é isso que as caracteriza – ou seja, são cláusulas que, antes da celebração efetiva de um
contrato, não se podem negociar com a outra parte (não precisando estas de ser “gerais”, dirigidas a
toda a gente). Por outras palavras, o que importa é a insusceptibilidade de as cláusulas serem
negociadas: se o aderente tem ou não o poder para influenciar as negociações, vindo da realidade
social (sendo que a lei não determina em que casos é que existe esse poder).
É verdade que o princípio geral da liberdade contratual diz que as partes são livres de contratar em
matéria em que a lei não se pronuncia – princípio da autonomia privada. No entanto, existem cada
vez mais normas que limitam a liberdade contratual em vários aspetos, com vista a proteger
determinadas pessoas que podem ser parte de um contrato (nomeadamente, quando existe um
desequilíbrio entre as partes). Ora, as CCG servem, entre outras coisas, exatamente para isso.
➔ Denote-se que a expressão “termos e condições” não é célebre no nosso ordenamento: são
normalmente cláusulas contratuais gerais, mas o seu nome acaba por referir a outros regimes –
por um lado, o termo pode ser inicial (determinando o momento em que o negócio começa a
produzir efeitos) ou final (determinando o momento até qual o negócio produz efeitos); por outro,
a condição é uma cláusula típica que pode ser suspensiva (o contrato produz efeitos apenas quando
certo facto se verifique) ou resolutiva (deixa de produzir efeitos quando certo facto se verifique).

Regime:
O regime das cláusulas contratuais gerais (CCG) encontra-se o regime no DL nº 446/85, de
25 de outubro. Segundo o nº3 do artigo 1º, presume-se que as cláusulas são cláusulas gerais, a não
ser que se prove em contrário – ou seja, que houve negociação. Além disso, se existir uma lista de
CCG, mas o aderente (quem as recebe) conseguir negociar para o seu caso específico algo diferente
com o predisponente (quem as apresenta), essa cláusula negociada individualmente irá prevalecer
sobre a CCG inicial (artigo 7º) – isto, no entanto, não obriga as empresas a negociar com o cliente;
só dá abertura a que, se por alguma razão o cliente conseguir fazer isso, então que consiga aproveitar.
Denota-se, ainda, que as cláusulas não afetam os modelos de celebração de contrato já existentes, ou
seja, não mudam os mesmos – estes continuam a ser proposta e aceitação, propostas cruzadas, etc.
De forma geral, as matérias reguladas neste decreto-lei são: 1) Inclusão das cláusulas no
contrato; e 2) Cláusulas abusivas, devido a serem manifestamente desequilibradas em detrimento do
aderente, mesmo tendo este acordado. Como esta última matéria é um problema de conteúdo, e não
de formação, do contrato, não será agora aqui desenvolvida.
Assim, relativamente à inclusão das cláusulas no contrato, o decreto-lei exige, além do
consenso e adequação formal entre as partes, a verificação de mais três requisitos (cumulativos):
1) Conexão (Artigo 4º): Tem de existir uma referência mínima à cláusula, para que ela se mostre
ligada ao contrato – sendo que, sem conexão, nunca se poderá considerar que há consenso. Assim,
passa por mostrar a inserção de uma declaração contratual no contrato a ser celebrado, seja esta
uma proposta ou um convite a contratar (ex: um supermercado afirmar que “todos os contratos
celebrados no estabelecimento estão sujeitos às cláusulas disponíveis no link x”).
o Caso contrário, as CCG não serão incluídas no contrato.

2) Comunicação (Artigo 5º): As CCG devem ser comunicadas, na íntegra, aos aderentes que se
limitem a subscrevê-las ou a aceitá-las, com a antecedência necessária (que, no caso concreto,
terá de ser avaliada) – existindo aqui uma ideia de transparência. Segundo a parte final do nº2,
consideram-se comunicadas as cláusulas se o aderente, ao fazer uso da sua diligência comum,
tomaria conhecimento efetivo da mesma (ex: no exemplo anterior, estas cláusulas teriam mesmo
de estar descritas para os aderentes as poderem ler, e não num link em separado).
3) Informação/Esclarecimento (Artigo 6º): O predisponente terá de não só esclarecer tudo o que for
pedido pelo aderente (nº2); como também, independentemente de qualquer pedido de
esclarecimento, informar, de acordo com as circunstâncias, o aderente dos aspetos compreendidos
nas CCG, cuja aclaração se justifique (nº1) – quando se lida com especificidades do contrato
bancário, aspetos ligados às redes de um contrato de telecomunicações, questões jurídicas, etc.
o Caso as CCG não passem nestes dois níveis, serão excluídas do contrato [artigo 8º, alíneas a)
e b)] – algo que não impede a manutenção do contrato: este será válido, mas sem estas
cláusulas (artigo 9º).

NOTA: O artigo 8º, alíneas c) e d) fala das “cláusulas surpresa” – cláusulas inseridas depois da
assinatura do contrato (ex: cláusulas na parte de trás da folha), cuja consequência é a exclusão.

Caso prático
António vê num cartaz na autoestrada uma promoção fantástica relativa à venda de um
computador por uma conhecida loja de eletrónica. Por baixo, em letra 14, mas impossível de ler por
quem circula pela autoestrada, é indicado que a promoção é limitada a pagamentos feitos por cartão.
O cartaz tem relevância contratual?
Um cartaz numa autoestrada tem relevância contratual, sendo uma proposta ao público (na
medida em que estão reunidos todos os requisitos falados). Assim, A poderá entrar na loja e exigir
um computador por aquele preço, passando a loja a estar sujeita à aceitação do contrato por qualquer
pessoa que a queira aceitar.

A limitação inclui o contrato que António pretenda celebrar?


Para responder a isto, teremos de ir ao artigo 21º, alínea i). Este artigo aplicar-se-ia a
documentos em papel; mas, neste caso, temos um anúncio na autoestrada, pelo que teremos de fazer
uma interpretação extensiva da norma. Consegue-se concluir que a lógica da mesma é que as cláusulas
terão de estar bem visíveis para o aderente poder tomar conhecimento das mesmas – ora, algo escrito
num cartaz em letra 14 não se consegue ver minimamente. Além disso, também não é suficiente que,
em documentos em papel, a cláusula tenha um tamanho superior a 11 para que seja obrigatoriamente
incluída – terá de passar, também, na lógica dos restantes patamares, explícitos nos restantes artigos.
Assim, esta cláusula, apesar de ser de tamanho superior a 11, será na mesma excluída, pois
não foi adequadamente comunicada, na medida em que A não a conseguiria ler enquanto circulava.

Conteúdo dos Contratos


Introdução
O termo “cláusula” refere-se, a maior parte das vezes, aos itens incluídos em contratos
escritos, que correspondem aos vários elementos que as partes tendem regular; mas este termo,
enquanto conceito genérico, não tem de se circunscrever a esta forma escrita. A cláusula corresponde,
assim, a qualquer elemento de conteúdo que as partes pretendam regular, seja ou não de forma escrita
– corresponde ao conteúdo contratual.
➔ De notar que só se “estipula” quando se acorda com outra pessoa – assim, deve-se utilizar este
verbo no direito dos contratos, mas não em contexto de “a lei estipula”.
Dentro dos limites da lei (relativamente às normas imperativas), cada um pode acordar com
outros tudo o que quiser, mesmo não estando o contrato específico no CC – princípio da liberdade
contratual (artigo 405º). Isto significa que existem tantos contratos quantos o que a nossa imaginação
permitir: podemos acordar tudo o que quisermos com qualquer pessoa, sobre o objeto que quisermos,
e com as condições que quisermos – pelo que a conjugação destes elementos vai dar um número
tendencialmente infinito de contratos possíveis. Ora, por motivos de eficiência, é necessário conseguir
organizar os contratos em diferentes estruturas, dado que, se isso não for feito, ter-se-ia de inventar
um novo regime jurídico de cada vez que se encontrasse um contrato novo.
As partes são capazes de criar documentos mais ou menos completos de regulação dos contratos, pelo
que essa regulação não precisa de estar toda na lei. No entanto, quando existe uma desigualdade entre
as partes, a lei terá, obviamente, de intervir, visto que a liberdade contratual só pode existir se ambas
as partes tiverem a liberdade igual para contratarem como quiserem.

ESTRUTURA:
A estrutura proposta para caracterizar os diferentes contratos – na medida em que se avalia
cada parcela para concluir sobre que tipo de contrato é (agrupando-se todos os contratos com
elementos semelhantes) – é a do professor Ferreira de Almeida:
➔ Pessoas: Quem celebra o contrato, ou em nome de quem o contrato é celebrado, nos casos em que
há representação (nestes casos, a categoria “pessoa” é preenchida com o nome do representado,
que vai ter os efeitos na sua esfera jurídica). São também, simultaneamente, as pessoas sobre
quem se produzem os efeitos do contrato – por isso é que são partes.

➔ Objetos: Aquilo sobre o qual incidem os efeitos do contrato, podendo ser um bem físico ou um
bem que não tem tradução física (ex: conteúdos digitais, eletricidade, etc.).

➔ Funções:
o Função eficiente: Traduz a natureza dos efeitos que se vão produzir (constitutiva,
obrigacional, extintiva, etc.) sobre o objeto – ou seja, o que acontece ao objeto.

o Função económico-social: Pretende explicar qual é o objetivo comum daquele contrato, o


porquê de as partes querem celebrar aquele contrato (troca, liberalidade, cooperação, etc.).

➔ Circunstâncias: Todos os elementos que se acrescentam para complementar o núcleo essencial do


contrato, ou seja, para dar algum contexto. Podem modelar, circunscrever, ou complementar os
restantes elementos (ex: condição, termo, tempo, espaço, etc.).

Exercícios
1) A Maria comprou um computador na FNAC, por 500 euros, tendo ficado acordado que a entrega
será no dia 30/10 em sua casa.
Aqui, as pessoas do contrato são a Maria e a FNAC, e o objeto é o computador. Temos uma
função eficiente constitutiva (existe uma transmissão de propriedade) e obrigacional (obrigação de
pagamento do preço e obrigação de entrega do computador). Relativamente à função económico-
social, temos uma troca – o objetivo da FNAC é ganhar dinheiro, logo vai entregar o computador,
mas vai receber dinheiro em troca. Finalmente, nas circunstâncias, temos o tempo (dia 30/10) e o
espaço (“em sua casa”) do contrato.
NOTA: O preço enquanto valor é absolutamente irrelevante para a estrutura contratual; apenas é
relevante, enquanto conceito, perceber que existe uma troca (mas a quantia não é relevante em si).

2) O João combinou arrendar a casa do Filipe, se conseguir entrar para o mestrado na Nova. Nesse
caso, o arrendamento terá efeitos a partir de 1 de outubro de 2022.
Aqui, as pessoas do contrato são o João e o Filipe, e o objeto é a casa do Filipe. Temos uma
função eficiente constitutiva (nomeadamente, uso-fruto). Relativamente à função económico-social,
temos uma troca – o Filipe irá receber dinheiro para deixar João aproveitar a sua casa, logo não há
unilateralidade nos efeitos jurídicos/“sacrifícios”. Finalmente, nas circunstâncias, temos uma
condição (o contrato só se irá concretizar se o João conseguir entrar no mestrado) e um termo (1 de
outubro de 2022).
NOTA: A data enunciada não se inclui na condição, dado ser a data de início da vigência do contrato
e de início de produção dos efeitos do contrato caso a condição se venha a verificar – isto é um termo
(não sendo, também, a mesma coisa que a data do cumprimento).

3) A Marta doou um calor à Associação dos Colares Valiosos.


Aqui, as pessoas do contrato são a Marta e a Associação dos Colares Valiosos, e o objeto é o
colar. Temos uma função eficiente constitutiva (existe uma transmissão de propriedade).
Relativamente à função económico-social, temos uma liberalidade – Marta dá algo sem receber nada
em troca. Finalmente, não existem circunstâncias.
NOTA: Segundo o artigo 947º, nº2 do CC, Marta pode entregar o colar e, se a associação o aceitar,
existe a celebração de um contrato. Embora não seja necessário (porque o nº1 estabelece escritura
pública apenas para as coisas imóveis), a Marta pode, se quiser, doar coisas móveis por escritura
pública ou documento particular autenticado – as partes podem sempre ter uma formalidade MAIS
exigente. A doação, quando não feita por documento escrito, é um contrato real quanto à constituição.

COMBINAÇÕES REPETIDAS COM FREQUÊNCIA NA PRÁTICA NEGOCIAL:


Quando muita gente começa a celebrar contratos parecidos, chega-se a um momento em que
aquela conjugação de elementos – exceto as pessoas e os objetos (podem ser categorias de objeto) –
justifica a criação de um tipo. Ora, normalmente, estes tipos começam por ser sociais e, depois, é que
são transcritos para a lei, tornando-se um tipo legal. Por outras palavras, a lei recolhe essa frequência
social e atribui-lhe um nome e regime, quando a sua relevância assim o justifica.
No entanto, existem situações de tipos meramente sociais: Combinações de elementos
frequentemente utilizadas, mas que não têm um regime legal. Assim, são contratos celebrados de
forma comum, mas que não têm tipo legal – podendo, no entanto, haver doutrina e até jurisprudência
sobre os mesmos (ex: contrato de franquia/franchising; contrato de utilização de loja em centro
comercial). Estes pertencem, de facto, ao nosso ordenamento jurídico, mas não estão previstos na lei,
logo são legalmente atípicos.
➔ Os contratos legalmente típicos também são contratos socialmente típicos; o contrário é que nem
é sempre verdade. Existem, ainda, contratos que nem socialmente típicos são, por serem
demasiado recentes – são socialmente (e, por isso, legalmente) atípicos.
Também existe o tipo meramente nominado: Aquele que tem um nome, mas não tem um regime legal
que o regule (ex: contrato factoring, referido no RGICSF) – sendo os tipos nominados todos os que
têm nome. Também existem contratos inominados: ou seja, sem nome, mas que têm um regime ou
elemento de regime na lei (ex: artigo 936º, nº2). Existem também os contratos mistos, que englobam
elementos de dois ou mais elementos de vários tipos contratuais (ex: contrato de hospedagem – tem
elementos de arrendamento; e de prestação de serviços).

Resolução de contratos atípicos


Para resolver problemas relativos a estes contratos atípicos, iremos procurar, primeiramente,
o regime aplicável estipulado pelas partes nas cláusulas contratuais – no entanto, este regime tem
limites, que se traduzem nas normas gerais do ordenamento jurídico. Seguidamente, iremos ver as
normas gerais aplicáveis a contratos em geral, pois apesar de lidarmos com um contrato atípico, ele
não deixa de ser um contrato – por essa lógica, poder-se-á também aplicar as normas relativas à
categoria desse contrato. No entanto, e caso a dúvida persistir, podemos ver se existem tipos legais
próximos do contrato em análise, de forma a perceber se existe analogia suficiente (justificada) entre
os dois para conseguir aplicar as normas dos mesmos.
➔ Sempre que o contrato caiba numa categoria, existem certas normas do contrato típico próximo
que serão aplicáveis na medida que estejam conforme a natureza desse tipo criado – raciocínio de
adequação por parte do aplicador. No entanto, com a força expansiva, o legislador entendeu
alargar, sempre que se justifique no caso concreto, a aplicação do regime de compra e venda a
toda a categoria de contratos em que se alienam bens (artigo 939º); e o do contrato de mandato a
todos os contratos que caiam na categoria de prestação de serviços (artigo 1156º).
Esta lógica só é possível depois de o aplicador do direito verificar se determinado contrato
pertence a algum tipo ou categoria identificável na lei, doutrina ou jurisprudência, numa operação
chamada qualificação. Primeiro, começa-se por decompor a realidade do contrato em momentos que
façam sentido; depois, olha-se para todos os tipos conhecidos e vê-se, de todos esses, quais os que se
aproximam, e eliminando os tipos que não vão fazendo sentido.
➔ De acordo com essa doutrina, um contrato cabe num tipo se preencher todos os elementos desse
tipo – doutrina da essentialia. No entanto, existe outra parte da doutrina que diz que, ao fazer isto,
está-se a deixar de fora uma grande parte da realidade e, portanto, as soluções que se irão aplicar
não vão ser adequadas, dado que estão pensadas para aquele tipo específico. Ou seja, não basta
estarem todos os elementos: só se pode integrar um contrato num tipo se este tiver todos os
elementos e mais nada – ou seja, não podendo ficar de fora nada que seja absolutamente essencial
para aquele contrato.

Pessoas
Não há possibilidade de haver contrato sem haver pessoas, pois são estas que não só criam o
contrato, mas também que fazem parte do conteúdo do mesmo. A nível formal, estas pessoas
chamam-se de partes: pessoas sobre quem recaem os efeitos do contrato – efeitos reflexivos (os
efeitos do contrato só podem recair sobre aqueles que o fizeram, salvo exceções raras). A parte pode
não pode não coincidir com a pessoa que emite a declaração contratual, nomeadamente em casos de
representação: a parte será o representado, mesmo tendo sido outra pessoa a emitir a declaração em
nome do mesmo.
Esta categoria divide-se entre: 1) sujeitos – que veem na sua esfera jurídica a produção de efeitos
desvantajosos; e 2) beneficiários – que veem na sua esfera jurídica a produção de efeitos vantajosos.
Em muitos contratos, a mesma pessoa pode ser, simultaneamente sujeito e beneficiário – ex: no
contrato de compra e venda, o comprador é simultaneamente sujeito no que diz respeito à obrigação
de pagamento do preço, mas beneficiário no que diz respeito à obrigação de transmissão de
propriedade (o mesmo não acontece em contratos de doações).
Podemos falar, aqui, da categoria de contratos próprios, nos quais a qualificação pessoal de
um dos contraentes é um requisito essencial: são contratos em que, no requisito das “pessoas”, têm
de estar determinadas pessoas em função dos requisitos que têm, não podendo estar qualquer pessoa
(ex: contrato de prestação de serviços médicos – uma das pessoas tem necessariamente de ter uma
profissão, que é médico, não sendo possível que alguém que não seja médico pratique atos médicos).
➔ NOTA: Isto é diferente do contrato intuito persona, em que tem de ser uma pessoa específica (e
não um tipo de pessoa) a fazer aquele contrato – sendo que esta pode, na mesma, ser alterada por
acordo das partes. Mas, se vier outra pessoa cumprir a obrigação – assumindo que a mesma o faz
em representação da original –, e se a outra parte o aceitar, existe uma alteração do contrato que
faz com que este não seja incumprido.
O mais comum, num contrato, é existirem duas partes; mas existem casos de pluralidade de
partes – algo diferente de contratos onde existe um intermediário e, por isto, existem vários contratos,
mas sempre entre duas pessoas (ex: comprar algo num Marketplace). Exemplo deste tipo de contratos
são: contratos de sociedade, onde várias pessoas celebram o mesmo contrato com o objetivo de
constituir uma sociedade; contratos de associação; partilha ectra-judicial da herança; contrato de
constituição de propriedade horizontal, em que se parte um direito único em várias frações.
Denota-se que, em situações de copropriedade ou cotitularidade de direito, a parte continua a ser
apenas uma porque há apenas uma situação jurídica em causa – sendo o mesmo direito para os dois,
é apenas uma parte. No entanto, se essa divisão incidir, por exemplo, num terreno com várias coisas,
aí existem vários direitos de propriedade (um fica com a casa, outra com o olival, etc.) – logo, existem
várias situações jurídicas e, por isso, trata-se de um contrato com várias partes (contrato de divisão
de coisa comum).
➔ Aqui, a diferença é entre uma parte plural – aquela que tem mais do que uma pessoa, podendo
estar numa situação de solidariedade (qualquer um responde por aquilo que deve) ou numa
situação de conjunção (“como um só”: têm de agir de forma conjunta, para satisfazer o seu direito
ou dever) –; e uma pluralidade de partes, nomeadamente quando existem mais do que duas partes.
o No direito civil, a regra relativa à parte plural é a conjunção; mas em todos os contratos
comerciais, a regra é a solidariedade.

CONTRATO A FAVOR DE TERCEIROS:


Existem situações em que, de alguma forma, faz-se referência a um terceiro no âmbito do
contrato, que está ligado a este sem ser parte. Relativamente a isto, é necessário relembrar o princípio
da relatividade dos contratos (artigo 406º, nº2): Por regra, o contrato só produz efeitos em relação às
partes, visto que não se pode modificar a esfera jurídica de um terceiro através de um contrato com
outra pessoa – exceto nas exceções previstas na lei.
Uma destas exceções é o contrato a favor de terceiros (artigos 443º e ss.): Contrato através do
qual se atribui uma vantagem patrimonial (e não uma desvantagem) a quem não é parte no contrato,
e pode nem sequer saber que o contrato existe no momento da formação do mesmo (artigo 443º, nº1).
Aqui, aquele que irá cumprir a promessa chama-se de promitente; e aquele que vai verdadeiramente
atribuir a vantagem chama-se de promissário. O terceiro chama-se de terceiro beneficiário.
Segundo o nº2 do artigo 443º, em abstrato, pode-se fazer tudo o que implica atribuir uma vantagem
ao terceiro. No entanto, não existe uma resposta expressa na lei quanto aos casos de vantagens com
encargos, dependendo essa da interpretação: ora, se se puder concluir que aquilo representa uma
vantagem patrimonial sem nenhum incómodo, então os efeitos irão produzir-se – mas, se chegarmos
à conclusão de que essa vantagem vem com incómodos que não valem a pena, aí já se cai para fora
deste regime. Nesses casos, o terceiro terá de decidir se quer ou se não quer aceitar a mesma. A lógica
é que se abre esta exceção do contrato a favor de terceiros porque é algo que é bom para o mesmo –
logo, se for algo que poderá não ser bom, já será necessário o consentimento do terceiro para
modificar, dessa forma, a sua esfera jurídica.
O contrato a favor de terceiros é uma categoria, que pode ser conjugada com vários tipos (ex:
contrato de empreitada a favor de terceiros), dado que o que distingue o contrato a favor de terceiros
é a característica única de as partes atribuírem a um terceiro uma vantagem. Além disso, este também
pode ser relativo a direitos reais (artigo 443º, nº2).

Exercícios
1) António celebrou um contrato com a empresa Vou Lá Transportes, através do qual foi estipulado
que a empresa transportaria Miguel, filho de António, de sua casa para o Porto, no dia 3 de
outubro, às 9h.
a) No dia combinado não apareceu ninguém da empresa. Quando M ligou, disseram-lhe que
como ele não ligou a confirmar o transporte, a reserva ficou sem efeito. Quid iuris?
Neste caso, temos A e a empresa T como partes do contrato: A é o promissário, enquanto a
empresa T é promitente, sendo M o terceiro beneficiário. Segundo o artigo 444º, nº1, o terceiro a
favor de quem for convencionada a promessa adquire direito à prestação, independentemente da sua
aceitação (existindo uma desnecessidade de aceitação). Ou seja, no contrato a favor de terceiros, a
situação jurídica surge na esfera do terceiro automaticamente, por efeito do contrato, não sendo
necessário qualquer tipo de aceitação por parte do mesmo. Assim, a partir do momento em que o
contrato é celebrado, surge na esfera jurídica de M um direito de crédito, e na esfera jurídica de T
uma obrigação – pelo que, no dia 3 de outubro, T deveria ter-se apresentado para cumprir a mesma.
No entanto, e segundo o artigo 447º, o terceiro PODE aceitar ou revogar – ora, se não o precisa de o
fazer, porque é que o haveria de fazer? Qual é a utilidade? A adesão serve para evitar a possibilidade
de revogação da promessa (artigo 448º) – o que significa que, até ao momento em que haja adesão, o
promissário é sempre livre de revogar a promessa. Denota-se que poderia haver uma condição em
contrário se ambas as partes, no contrato, tivessem acordado o facto de ter de se confirmar a boleia.
Assim, a partir do momento em que M adere, dando no fundo o seu consentimento, A deixa de poder
revogar a promessa.
➔ Aqui, está subjacente a lógica de uma certa desconfiança do sistema face a qualquer coisa que se
assemelhe a uma doação: aceita-se, mas permite-se sempre a quem se vai sacrificar que, até ao
último momento possível, possa voltar atrás com a sua palavra.
b) No dia combinado, A apresentou-se à porta da casa do Miguel para ir para o Porto, uma
vez que afinal o filho não podia. A empresa pode recusar-se a levá-lo.
Aqui, teremos de perceber se o promissário pode o cumprimento da promessa para si, ou se
pode apenas exigir o cumprimento da promessa para o terceiro, segundo o artigo 444º, nº2. O A já é
credor, pelo que poderia sempre exigir o cumprimento da obrigação – no entanto, este artigo significa
que o promissário A pode exigir que o promitente T leve o terceiro M (pessoa identificável no
contrato). Por outras palavras, no contrato de terceiros, existem dois credores, o que significa que
ambos podem exigir a prestação ao promitente; mas é a prestação acordada no contrato – assim, tanto
M como A são credores da obrigação, mas apenas daquela obrigação de levar M, e não de fazer o
transporte em geral. Logo, T poder-se-ia recusar a levar A, pois não foi a prestação a que se obrigou.
No entanto, a promessa pode ser revogada até ao momento da adesão. Neste caso, não houve
adesão; portanto, podemos configurar esta situação como uma revogação tácita de A da promessa
(sendo que ele não diz que quer revogar, mas diz que quer ir no lugar do M) – assumindo que o
promitente não tinha interesse na promessa e que, por isso, não precisa do seu consentimento para a
revogação (artigo 448º, nº2). Ora, com a revogação, deixa-se de atribuir uma vantagem ao terceiro,
ou seja, é a promessa que é revogada, e não todo o contrato – dado que A não pode, unilateralmente,
desvincular-se do mesmo. No entanto, também não seria justo que se mantivesse o pagamento do
preço já efetuado enquanto T deixa de ter qualquer tipo de obrigação. Logo, poder-se-á defender que,
nos casos em que a obrigação faça sentido mesmo que a promessa desapareça, ela deverá ser cumprida
perante o credor original. Assim, neste caso, não existe nenhuma razão que impeça T de cumprir
perante A e não de M (o mesmo não se verificaria se, por exemplo, o transporte fosse para crianças,
dado que A não é uma criança).
➔ Em suma, a lei não estabelece o que acontece ao contrato quando a promessa é revogada, ou seja,
quando a promissário decide que já não quer atribuir ao terceiro a vantagem – sendo que se ele
tiver ainda o direito a revogar a promessa, o contrato mantém-se. A solução passa por, se nada
houver em contrário, o promissário passar a ser o credor de uma obrigação parecida para consigo
próprio.

2) Mariana sempre quis ter um computador da Apple. Combinou, por isso, com a Rita ficar com o
MacAir desta e dar-lhe em troca um computador de outra marca, mas novo. Mariana celebrou
então um contrato de CV com a empresa de informática Pixel, tendo ficado acordado que
Mariana pagava 500 euros e o computador seria para a Rita e a esta entregue.
a) Entretanto, a Mariana arrependeu-se e decidiu revogar a promessa. Rita, descontente, exigiu
que a loja lhe entregasse o computador.
Temos, em primeiro lugar, um contrato de compra e venda, com as partes M e empresa P,
sendo R o terceiro beneficiário – temos, assim, um contrato a favor de terceiros, em que M é
promissária e P é promitente. Aqui, o direito de propriedade transfere-se diretamente para R, e a P
tem a obrigação de entrega do computador diretamente à esta, tendo M a obrigação de pagamento.
Temos, ainda, um primeiro contrato, em que há efetivamente uma troca entre um objeto por outro.
Não existe uma doação visto que as duas partes têm vantagens e desvantagens; assim como não temos
um contrato de compra e venda, que tem sempre como contrapartida o pagamento de um preço (sendo
que uma coisa não cabe certamente no conceito de “preço”).
Neste caso, os dois contratos são completamente independentes um do outro: M comprometeu-se a
dar um computador novo a R, mas, por exemplo, nada disse sobre em que sítio é que iria comprar o
computador, pelo que R nem pode exigir isso. Assim, o contrato entre M e P vai permitir a M cumprir
o primeiro contrato, mas não é um ato estrito de cumprimento do contrato entre M e R.
Relativamente à situação da alínea, temos uma situação de revogação, com M a revogar a
promessa enquanto promissária. Por um lado, no âmbito do artigo 448º, poderíamos discutir se a
promessa foi feita no interesse de ambos os outorgantes; no entanto, parece difícil dizer que a loja
teria algum interesse em que o computador fosse especificamente para a Rita – P apenas tem interesse
em vender computadores, na medida em que vai ganhar dinheiro com o contrato, independentemente
para quem depois o computador vai. O interesse do artigo 448º, de facto, refere-se ao interesse
relativamente à promessa feita, pelo que esta via não parece ser viável: a loja tem interesse no contrato
de compra e venda, e não na cláusula a favor de terceiros.
➔ Exemplo deste artigo 448º seria alguém fazer um contrato de compra e venda a um preço mais
baixo porque é para aquele terceiro específico: ora, o promitente teria também o interesse em
manter a promessa, pois caso o promissário conseguisse revogar sozinho, o promitente teria de
lhe vender pelo preço (inferior) que era específico para o terceiro.
Ora, não havendo interesse do promitente na promessa, e não havendo a adesão anterior de R,
M poderia revogar a sua promessa sozinha, enquanto promissário. Isto significa que R não poderá ir
à loja exigir que lhe entregassem o computador – poderia, no máximo, ir depois a M quando esta
comprasse o computador, de forma a satisfazer o primeiro contrato feito (devido a serem
independentes um do outro).
NOTA: Caso não houvesse revogação, R poderia exigir o computador desde o início da formação do
contrato, mesmo não tendo expressado a sua adesão.

b) E se Rita já aceitou a promessa, mas se recusa a entregar a Mariana o MacAir? Pode


Mariana exigir à empresa que não entregue o computador novo a Rita?
Em primeiro lugar, importa discutir se M pode ou não revogar a promessa; ora, neste caso, R
já aderiu à mesma, logo M não o pode fazer (artigo 448º, nº1). Se esta via está fechada, será que temos
outra via? Nomeadamente, a de utilizar outros contratos para impedir o cumprimento deste?
Releva, aqui, o princípio da relatividade dos contratos: Os efeitos dos contratos só se
produzem entre as partes, não podendo impor, através de um contrato efeitos, a terceiros. Ora, o
incumprimento da Rita diz respeito ao primeiro contrato entre R e M; portanto, e segundo o princípio
da relatividade dos contratos, não se pode, através desse contrato, estar a alterar outro – visto que não
existe qualquer norma legal que ligue os contratos. Assim, o contrato a favor de terceiros é sempre
independente dos contratos possíveis que possam ter motivado a promessa. Por outras palavras, a
relação subjacente com outros contratos é irrelevante: não é importante a razão pela qual essa
promessa existe, mesmo que essa razão deixe de fazer sentido.
Além disso, P está obrigada a cumprir o contrato, não podendo incumprir a não ser que tenha base
legal para isso. Assim, M não poderá exigir que o computador não seja entregue a R; apenas pode,
depois, tentar conseguir o cumprimento do primeiro contrato, por ex. através da impugnação pauliana.
CONTRATO PARA A PESSOA A NOMEAR (ARTIGOS 452º A 456º):
O contrato para pessoa a nomear é uma categoria de contratos, caracterizada pela existência
de uma cláusula que confere a uma parte o direito potestativo de nomear outra pessoa que assumirá
a sua posição contratual (podendo esta cláusula ser inserida em quase todos os tipos contratuais).
Por regra, a nomeação terá de ocorrer nos 5 dias posteriores ao contrato, sendo que as partes podem
estipular um período diferente (norma supletiva). Desta forma, celebra-se um contrato e reserva-se o
direito de dizer quem é a pessoa que vai “adquirir os direitos e assumir as obrigações provenientes
desse contrato” (artigo 452º, nº1) – sendo que pode de a cláusula recorrer uma restrição do direito
potestativo, na medida em que a parte poderá apenas nomear pessoas com certas características.

Exercícios
1) Bruno celebrou um contrato de locação de uma bicicleta (para o último fim-de-semana de
novembro) com a empresa Pedala. Nesse contrato, foi incluída uma cláusula que permitia ao
Bruno nomear um terceiro para o ocupar o seu lugar. Passado uma semana (7 dias), B enviou
um email para a Pedala a nomear a Ana Rita. Quem são as aprtes deste contrato agora?
Segundo o artigo 455º, nº1, a pessoa nomeada adquire os direitos e assume as obrigações
provenientes do contrato a partir da celebração dele – ou seja, desaparece de cena a parte inicial para
passar a haver um contrato celebrado entre a outra parte inicial e a pessoa nomeada. Isto é o que
acontece se a nomeação for feita de forma válida; mas não é o que acontece neste caso.
Por um lado, as partes não estabeleceram nenhum prazo para a nomeação logo aplica-se o
artigo 453º: a parte tem 5 dias para nomear outra pessoa. Neste caso, falha logo este primeiro
requisito, visto que B nomeou após 7 dias. Não sendo a nomeação eficaz, o contrato mantém-se entre
B e P. De notar que, se a parte não se opuser relativamente a esta nomeação fora de prazo, e o contrato
se der como tal, aplica-se o princípio de aproveitamento do contrato.
Por outro lado, segundo o artigo 453º, a nomeação deve ser feita mediante declaração por
escrito ao outro contraente. Aqui, teremos de concluir que um email cabe no contexto de “declaração
por escrito”, dado que a norma não pede algo mais formal como, por exemplo, uma assinatura. No
entanto, o nº2 diz que a declaração de nomeação deve ser acompanhada, sob pena de ineficácia, do
instrumento de ratificação do contrato – ora, o que é este instrumento da ratificação do contrato?
Este instrumento da ratificação do contrato refere-se ao modo através do qual a Ana Rita, terceiro,
vai aceitar este esquema contratual; isto porque, num contrato com pessoa a nomear, existe um
terceiro que vai deixar de ser terceiro e que passa a ser parte. Isto significa que, ao contrário do
contrato a favor de terceiro, este terceiro irá substituir o credor não só nas vantagens, mas também
nas obrigações. Ora, devido ao princípio da relatividade de contratos, um contrato só pode produzir
efeitos sobre as partes, ou seja, sobre as pessoas que aceitaram esse mesmo contrato – não se pode,
unilateralmente, impor a uma pessoa terceira um contrato. Assim, a pessoa nomeada só vai participar
no esquema contratual se quiser, consentido através de ratificação ou de procuração.
Em conclusão, para um contrato de pessoa a nomear, precisamos 1) de uma declaração de
nomeação, onde se diz quem é que se nomeia, feito por escrito e nos 5 dias depois da formação do
contrato; e 2) de outro elemento, do qual se retira a aceitação da pessoa que vai ser nomeada. Só
existindo estes dois elementos é que a nomeação, no contrato de pessoa a nomear, é eficaz.
Respondendo ao caso em concreto, as partes continuam a ser B e P, porque a nomeação da
Ana Rita não foi eficaz – tendo a declaração de nomeação sido fora de prazo e, além disso, não
acompanhada de documento de ratificação ou procuração, em que a Ana Rita aceitava assumir a
posição contratual do Bruno.
NOTA: Poderá haver uma cláusula para ambas as partes poderem nomear pessoas diferentes? Apesar
de o artigo 452º, nº1 dizer “pode uma das partes”, o princípio da liberdade contratual deixa as partes
negociarem como querem, pelo que pode haver uma cláusula que dê a ambas as partes o poder de
nomear pessoas diferentes – mas, com a substituição de ambas as partes, se tem um novo contrato.

2) Marta tem uma empresa de remodelação de casas. Compra casas, remodela-as e vende. No
âmbito da sua atividade, comprou a casa da Carlota (através de escritura pública). Ainda antes
de saírem do cartório notarial, combinaram também que M comprava a mesa que está na sala
de C, podendo nomear outra pessoa para assumir a sua posição. No dia seguinte, M enviou um
email para C nomeando um seu cliente – Francisco. Anexou uma procuração antiga, na qual F
lhe atribuiu poderes para comprar móveis em madeira em seu nome. C responde dizendo que
aquele email não vale nada; nem é escritura pública, nem o F concordou com a nomeação.
No primeiro contrato, temos um contrato de compra e venda de imóvel, através de escritura
pública (adequação formal), entre C e M. No segundo contrato, temos um contrato válido de compra
e venda (dado implicar uma cláusula, não tendo por isso sido um mero “combinar”), independente do
primeiro contrato de compra e venda do imóvel. Neste segundo contrato, temos também M e C,
existindo a possibilidade de nomeação por parte de M.
M nomeia F, mas C diz que esta nomeação não vale porque não foi feita em escritura pública.
Denota-se que, neste caso, os dois contratos são separados, sendo que só o primeiro precisa de
escritura pública; pelo que a ratificação do segundo contrato não tem de assumir nenhuma forma
específica (artigo 454º, nº2), tendo apenas de ser um documento escrito (artigo 454º, nº1). Seria
diferente se, por exemplo, se tivesse incluído a venda no mesmo contrato em que ocorreu a compra e
venda do imóvel: aí, a ratificação teria de assumir a mesma forma que as partes elegeram para o
contrato, e não aquela que a lei presume ser a forma – nomeadamente, escritura pública (454º, nº2).
Por outro lado, importa discutir a forma como F concordou. O artigo 453º, nº2 refere que a
declaração de nomeação deve ser acompanhada do instrumento de ratificação do contrato ou de
procuração anterior à celebração deste. A procuração é um negócio jurídico unilateral, através do qual
alguém atribui poderes a outro para atuar em seu nome – aqui, F emitiu uma declaração através do
qual atribui a M poderes para ela, em seu nome, comprar móveis em madeira. Ora, não será necessário
a aceitação expressa de F, visto que ele já a tinha dado antes, independentemente de ter sido numa
procuração “antiga”, mas válida. Assim, M comprou uma mesa em nome de F, mas não o fez
diretamente: M só age em representação no momento que o nomeia.
➔ A diferença entre M celebrar o contrato em nome de F e M nomear F é a pessoa que irá emitir a
declaração de compra: na representação, é M que emite a declaração; mas na nomeação, é F que
emite a declaração. Os efeitos serão os mesmos: nas duas situações, os efeitos da compra
(nomeadamente, transmissão da propriedade) irão produzir-se na esfera jurídica de F, sendo este
sempre uma parte do contrato por isso.
Assim, conclui-se que F concordou com a nomeação (artigo 453º, nº2), dado que esta pode
ser feita através 1) de ratificação, em momento posterior do contrato; ou 2) de representação, com
uma procuração que a parte originária do contrato tinha antes, e que lhe permite representar o terceiro
que será feito parte. Isto, mais uma vez, assumindo que a procuração é válida, neste caso
especialmente a nível temporal: F não poderá ter revogado ou posto um “limite” em que M poderia
usar a procuração. A procuração vale nos termos em que valer, existindo regras supletivas, mas
havendo a possibilidade daquele que emite a procuração fazê-lo nos seus termos, no âmbito do
princípio da liberdade contratual.
NOTA: Os efeitos, num contrato, produzem-se a partir do momento de formação de contrato. Ora,
num contrato de compra e venda com esta cláusula, a transferência de propriedade, tradicionalmente
feita com a formação do contrato, continua a passar (embora apenas inicialmente) para a parte
contratante – só passando, automaticamente, para o terceiro-parte com a nomeação válida.

Em Suma:
➔ No contrato a favor de terceiro, temos duas partes que se mantêm as mesmas; mas uma das partes
atribui uma vantagem a um terceiro, que nunca chega a ser parte do contrato – sendo isso
permitido porque só se está a atribuir uma vantagem ao mesmo.

➔ No contrato para pessoa a nomear, temos duas partes originais; e, depois, temos, se a nomeação
for válida, uma substituição de uma ou duas dessas partes – sendo a aceitação obrigatória porque
será imposto a esse terceiro substituinte não só vantagens, mas também obrigações.

Objetos
O objeto integra o conteúdo contratual, nomeadamente coisas e outros bens, não se
confundindo com os direitos e obrigações que emanam do contrato. No entanto, isso não quer dizer
que não existam contratos cujo objeto é, ele próprio, uma situação jurídica; mas isso ocorre porque o
objeto é mesmo essa situação jurídica – e não porque desse contrato resulta essa situação jurídica.
Por outras palavras, o objeto não se confunde com o direito que pode ser o efeito jurídico desse
contrato – este só o será na medida em que o próprio contrato incida sobre ele.
Os objetos podem ser:
➔ Objetos não jurídicos: Coisas em strictu sensu (corpóreas); coisas incorpóreas (sem corpo);
animais (não sendo uma coisa); ações (ex: na prestação de serviços, o objeto é a ação do serviço);
e ainda as omissões.

➔ Objetos jurídicos:
o Atos jurídicos: Negócios jurídicos unilaterais ou contratos (ex: contrato de promessa – o
objeto é outro contrato);

o Litígios: Situações em que as partes põem fim a um litígio (ex: contrato de transação, artigo
1248º), ou em que as partes decidem submeter determinado litígio a um tribunal de arbitragem
(ex: convenção de arbitragem);

o Situações jurídicas: Podem ser direitos (ex: cessão de créditos, artigo 577º – através de um
contrato, dispõe-se do direito de crédito; ou cessão de quotas em sociedades), obrigações (ex:
assunção de dívida, artigo 595º) ou ambos (ex: cessão da posição contratual – por contrato,
cede-se a posição contratual que se tem noutro contrato);

o Títulos de crédito: Podem ser transmissão de ações (em que se transmiti o próprio título de
crédito), obrigações ou outros valores mobiliários;
o Dinheiro: Aqui, discutem-se as criptomoedas – estas podem ser o objeto jurídico de um
contrato, ou por objeto de troca por outro objeto contratual; mas inserirem-se como dinheiro
já é bastante discutível (será mais sensato inseri-las na categoria de títulos de crédito).

NOTA: Num contrato com bilateralidade, em que existem vantagens e desvantagens para as duas as
partes, habitualmente há dois objetos jurídicos. Também pode haver contratos sem qualquer objeto.

Exercícios – Identifica os objetos destes contratos


1. Contrato CV de um livro: Existem dois objetos, visto que é um contrato de compra e venda –
nomeadamente, o livro e o dinheiro. De notar que, se se comprar mais do que uma coisa, cada
coisa comprada equivale a um objeto contratual.

2. Contrato de doação de um frigorífico: Existe apenas um objeto, que é o frigorífico – sendo que o
direito de propriedade só seria objeto de contrato se o próprio contrato pretendesse transmitir esse
mesmo direito, especificamente. De notar que, no contrato de doação, existe apenas um objeto do
mesmo lado, pois não existem vantagens e desvantagens para ambos.

3. Contrato de casamento: Este contrato não tem objeto – a comunhão de vida é uma finalidade, mas
não é o objeto, aquilo que se contrata. Isto porque as pessoas não podem ser objetos; por exemplo,
no contrato de trabalho, o objeto também não é a pessoa, é os serviços que a pessoa presta.

4. Contrato para ir de táxi do sítio X para Y: O objeto do contrato, assim como em todos os contratos
de prestação de serviço, é o serviço prestado. Sendo um contrato bilateral, existe outro objeto, que
será o dinheiro – sendo que também poderia existir um contrato em que, em troca deste serviço,
se desse 5 galinhas ou outro serviço prestado, por exemplo, para retribuir o primeiro serviço.

5. Contrato para limpeza a seco de um fato: O objeto do contrato é a obra, nomeadamente o ato de
limpar, visto ser um contrato de empreitada. Este contrato é uma das modalidades de prestação
de serviços, em que há algum tipo de transformação do objeto ou criação de um novo objeto –
havendo isso, temos uma obra; e tendo uma obra, temos um contrato de empreitada.

Função económico-social
As funções permitem relacionar os outros elementos contratuais (nomeadamente, as pessoas
e os objetos) entre si – por exemplo, num contrato cujo objetos são um livro e uma camisola, não se
percebe se existiu uma transmissão de propriedade ou de utilização (função eficiente), ou se houve
uma troca ou uma doação (função económico-social).
A função económico-social é o elemento que indica a finalidade meta-jurídica do contrato (ou
seja, além do jurídico). É este elemento que vai permitir saber o porquê de as partes quererem
contratar – por exemplo, uma parte quer transmitir a propriedade porque quer atribuir uma vantagem
à outra parte, ou porque quer ganhar algo em troca, etc.
Todos os tipos contratuais serão, em princípio, passivos de serem integrados numa das 5 funções
económico-sociais existentes: Troca; Liberalidade; Cooperação; Risco; e Reestruturação.
Segundo esta tabela, tanto na troca como na cooperação, ambas as partes têm vantagens e
desvantagens (bilateralidade); ao passo que na liberalidade e no risco, apenas uma parte tem
vantagens e outra tem desvantagens (unilateralidade). Na reestruturação, as vantagens e desvantagens
ou não são determináveis, ou não são relevantes (neutralidade) – ex: quando se submete um litígio a
arbitragem, o objetivo deste contrato não é dar nem receber nada, mas sim reestruturar um litígio.
➔ Isto tem correspondência com o número de objetos: se o contrato for bilateral, terá dois ou mais
objetos; se for unilateral, tem apenas um objeto; e se for neutro, tem um ou nenhum objeto.
Além disso, parece que, tanto na liberalidade como no risco, a finalidade do contrato e a finalidade
dos contratantes é coincidente, na medida em que existe, entre as partes, uma comunidade de
interesses (ex: contrato de doação – eu quero dar, e a pessoa quer receber –; ou contrato de sociedade).
Na troca, no risco e na reestruturação, a finalidade do contrato e a finalidade dos contratantes é
divergente, na medida em que as partes têm interesses separados (ex: contrato de compra e venda –
uma parte quer vender ao mais alto preço, e outra parte quer comprar ao mais baixo preço).

TROCA:
Nestes contratos, a relação entre custos e benefícios é recíproca – ambas as partes dão e
recebem. Existe, também, uma divergência de objetivos: a cada um só interessa a sua vantagem,
tolerando o sacrifício como meio para obter esse benefício. Existem diferentes categorias contratuais
de troca (não tendo, a maior parte delas, consequência jurídica – servindo apenas para organizar
melhor a realidade).

Contratos de troca sem preço


Nos contratos de troca sem preço, nenhum dos objetos jurídicos é dinheiro, entendendo-se
aqui dinheiro como meio de pagamento – ou seja, existe uma ausência de preço. Isto porque o objeto
pode ser uma nota ou uma moeda (ex: colecionadores), mas essa nota ou essa moeda estar ali como
objeto não monetário.
O mais conhecido desses contratos é a permuta, também chamado de escambo ou troca – não
existe uma estabilização da terminologia, especialmente porque não é um contrato que se encontra
tipificado no Código Civil atual. Isto porque se entendeu ser um tipo contratual que estava em
declínio, no âmbito de uma sociedade cada vez mais capitalizada, o que implicou que as trocas
passassem a ser, com mais frequência, feitas com dinheiro e não entre coisas corpóreas.
Curiosamente, nos últimos anos, este contrato tem vindo a ter um ressurgimento interessante –
nomeadamente, em troca direta de imóveis rústicos (entre proprietários de terrenos). Este
ressurgimento está ligado ao que se chama de “sharing economy”: troca de livros, de roupa, de casas,
etc. – sendo que este foi visto como um conceito pouco preciso a nível jurídico, e que tinha mais que
ver com marketing (tal como a “sustentabilidade”). De qualquer forma, observou-se, de facto, um
aumento dos contratos de troca, também devido à possibilidade de o fazer pela internet.
NOTA: O Código Comercial mantem-se até hoje em vigor – mas, por um lado, muitas das normas
encontram-se anacrónicas, não tendo sido atualizadas desde a sua redição; e, por outro lado, grande
parte das normas do Código passaram a integrar outros ramos do direito. De qualquer forma, tem
relevância naquilo que ainda regula, pelo que existem muitos contratos que encontram aí a sua
regulação – assim, o Código Comercial aplica-se a contratos no âmbito do comércio, em que uma
parte é comerciante (ex: artigo 480º).

Contratos de troca com preço


O mais evidente contrato de troca com preço será o contrato de compra e venda, em que existe
a troca de um objeto, de uma coisa, por um preço. Normalmente, são três os efeitos da compra e venda
(artigo 879º): 1) transmissão da propriedade; 2) obrigação de pagamento do preço; e 3) obrigação de
entrega da coisa.
É necessário salientar, primeiro, que podem existir mais obrigações do que estas duas obrigatórias
(ex: obrigação de entrega de documentos, quando forem necessários para o contrato em concreto).
Em segundo lugar, importa perceber se a transmissão de propriedade resulta sempre do contrato.
Apesar de ser essa a regra geral, tal não se verifica quando a obrigação, relativamente à coisa, é
genérica; ou, por exemplo, no caso de compra e venda comercial de coisa alheia, em que se vende
algo que não lhe pertence (artigo 467º do Código Comercial): nesse caso, a transmissão não se faz no
momento do contrato, dado que existe a obrigação de, primeiro, adquirir a coisa que se vendeu.
Assim, conclui-se que, na compra e venda, transmite-se a propriedade, se transmitir.
Justifica-se, no entanto, uma referência aos vários regimes que existem relativamente ao contrato de
compra e venda, que se vão aplicar consoante o ambito de aplicação de cada diploma. Os principais
são: 1) Código Civil (artigos 874º e ss.), regime geral e não específico; 2) Compra e venda comercial
(artigos 463º e ss. do Código Comercial); e 3) Compra e venda para consumo, aplicada em contratos
de consumo (Decreto-Lei nº 84/2021). Existe, ainda, o regime de compra e venda internacional de
mercadorias, aplicado no CISG – Convenção das Nações Unidas sobre Contratos para Venda
Internacional de Mercadorias (ou, de forma mais comum, a Convenção de Viena sobre compra e
venda internacional de mercadorias).

Outro contrato de troca é o contrato de prestação de serviço (artigo 1154.º CC): Aquele em
que uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou
manual, com ou sem (aqui, estaríamos na função económico-social de liberalidade) retribuição.
Este é um tipo geral, existindo depois subtipos de contrato regulados no Código Civil. Estes não são
os únicos; são apenas três exemplos que o legislador optou por incluir no Código Civil por achar,
provavelmente, que eram socialmente relevantes.
➔ Mandato (artigos 1157º e ss. CC; e artigo 231.º do Código Comercial): Contrato através do qual
uma pessoa se compromete a prestar um serviço, com a particularidade de esse serviço constituir
na prática de atos jurídicos por conta de outrem. Dentro deste, temos ainda um subtítulo: o
mandato forense, através do qual alguém pede a outro que pratique atos de patrocínio judiciário
(e não qualquer ato jurídico) por conta da mesma (reservado para profissões específicas).
o De notar que o contrato de mandato não se confunde com procuração: a procuração é um
negócio jurídico unilateral, enquanto o mandato é um acordo entre duas ou mais pessoas.

o Pode, no entanto, existir um mandato com OU sem representação: será com representação
quando, além de esta incumbência de agir por conta de outrem, existem também poderes para
se agir em nome de outrem (do mandante). Ou seja, nos dois casos, age-se por conta de
outrem, sendo que quem está a celebrar aquele contrato é a pessoa mandada, que depois
transferirá os efeitos do mesmo para o mandante.
▪ O que muda é que, na representação, age-se não só por conta, mas também em nome de
outrem, sendo que os efeitos se repercutem logo na esfera do mandante (e não do
mandato, que depois os transfere para o mandante), aplicando-se as regras de
representação (ex: informar a parte que se age em nome de outrem).

➔ Depósito (artigo 1185º CC): Contrato pelo qual uma das partes entrega à outra uma coisa, móvel
ou imóvel, para que esta a guarde durante determinado tempo, e a restitua quando for exigida ou
quando terminar o prazo. De notar que isto nada tem a ver com os chamados (incorretamente)
depósitos bancários – o que não significa, no entanto, que não se possam fazer estes tipos de
contratos de depósito com bancos (ex: pôr algo num cofre).

➔ Empreitada (artigo 1207º CC): Contrato em que uma parte se obriga, em relação à outra, a realizar
certa obra, mediante um preço. Aqui, o serviço a ser prestado é um serviço específico, devido à
existência de uma obra. O conceito de obra é um conceito que tem contornos não muito claros,
pelo que a doutrina diverge bastante sobre o que é e o que não é uma obra. A professora propõe
um conceito de obra mais amplos, alargando o âmbito de aplicação do contrato de empreitada –
algo benéfico porque, ao contrato de prestação de serviço não específico, serão aplicadas as regras
do mandato, que serão menos adequadas a contratos de empreitada ou parecidos com empreitada.
o Assim, a obra terá de ser algo 1) que se materializa numa coisa concreta, suscetível de entrega
(artigo 1218.º CC); 2) separável do processo produtivo (ex: contrato para assistir a um
concerto – o serviço a ser prestado é o concerto, e no final não há nada no qual se materialize
esse serviço); e 3) concebido em conformidade com um projeto do beneficiário ou aprovado
por ele (plano, encomenda, caderno de encargos) – artigo 1208.º CC.
▪ Esta terceira característica permite distinguir a empreitada da compra e venda: uma coisa
será a parte pedir uma sandes que já está feita vs. pedir uma sandes específica, que terá
de ser feita para a mesma. Por outras palavras, importa saber se o cliente deu algum tipo
de instrução para a obra que pretendia ou, pelo menos, aprovou um plano apresentado.

Existem outros subtipos de contratos de prestação de serviços fora do CC: por exemplo, o
contrato de transporte, através do qual uma das partes se obriga a deslocar pessoas ou objetos de um
lugar para outro, encontra-se no artigo 366º do Código Comercial e outra legislação avulsa.
Pode ainda existir outros contratos de prestação de serviços que não se encaixam em qualquer subtipo:
para estes, o OJ não tem um regime, apenas uma norma relativamente à força expansiva das normas
sobre o contrato de mandato (artigo 1156º). Este artigo determina que, quando existir tal contrato de
prestação de serviços que não se encaixa em nenhum subtipo (ou seja, que não tem um regime
específico), ir-se-á aplicar as normas relativas ao contrato de mandato.
Contrato de troca para o uso de coisa corpórea
Relativamente ao contrato de troca para uso de coisa corpórea, refere-se, essencialmente, ao
contrato de locação, em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra o gozo temporário de
uma coisa mediante retribuição (artigo 1022º CC). Este é um contrato obrigacional, não existindo
efeitos reais: ou seja, apenas se permite a utilização por parte de outra pessoa de algo, sem que a
propriedade dessa coisa seja transmitida para a sua esfera jurídica. De notar que se chama contrato de
aluguer quando se trata de coisa móvel; e contrato de arrendamento quando se trata de coisa imóvel.

Contrato de troca de dinheiro por dinheiro


O exemplo mais conhecido de um contrato de troca de dinheiro por dinheiro é o contrato
mútuo (artigo 1142º CC), em que se troca dinheiro por dinheiro com a particularidade do tempo:
nomeadamente, fala-se de casos de empréstimos, em que uma parte entrega dinheiro a outra, sendo
que essa outra terá de lhe devolver o dinheiro inicial, acompanhado por juros.
➔ Se o contrato não for oneroso, e não existir a obrigação de pagar juros ou comissões, então não é
de troca, mas sim de liberalidade.
O contrato mútuo é, muitas vezes, apresentando como exemplo de um contrato real quanto à
constituição – aquele que se constitui apenas mediante a entrega da coisa, de um dos objetos. Isto por
causa da expressão do 1142º: “empresta”. A doutrina entende esta como um ato de entrega, e,
portanto, entende que o contrato mútuo é um contrato real quanto à sua constituição. No entanto, em
termos sociais, é aceite que é possivel celebrar um contrato mútuo sem este ser real quanto à sua
constituição, podendo a entrega do dinheiro ser convencionada para momento posterior.

Contrato de troca para o uso de coisa incorpórea


Nesta categoria, o principal contrato que temos é o contrato de licença: contrato pelo qual o
titular de um direito sobre um bem incorpóreo (licenciante) proporciona a outrem (licenciado) o uso
temporário desse direito ou de uma faculdade desse direito.
Alguns exemplos deste contrato são: 1) permitir utilizar uma patente; 2) utilizar um software –
podendo o uso ser temporário mesmo durante um longo período de tempo (mas o licenciado não passa
a ser proprietário, por exemplo, do Word, mesmo que seja vitalício); 3) utilizar uma marca; ou até 4)
relativamente a direitos de personalidade, que nunca podem ser transmitidos, apenas limitados
durante um espaço de tempo (artigo 81º CC) – ex: contrato de inscrição num reality show, através do
qual se cede temporariamente à imagem ou à privacidade pessoal.

Contrato de troca para o acesso


Nos contratos de acesso, uma das partes obriga-se a proporcionar à outra, mediante
retribuição, o uso temporário de espaço ou outro bem, em partilha com outros acedentes (outras
pessoas que acedem) – esta é a característica definidora desta categoria: nunca existe um uso
exclusivo (como acontece, por exemplo, no contrato de locação).
Existe uma diferença entre os contratos de acesso e os contratos de fornecimento: Nos contratos de
fornecimento, paga-se para prestar um serviço – nomeadamente, a entrega de determinada coisa –,
sendo que se paga apenas por cada coisa que é entregue, e não por algo fixo (mesmo que estas sejam
entregues de forma “consequencial”). Já nos contratos de acesso, uma pessoa não está a pagar para
ser prestado nenhum serviço – está, sim, a pagar um valor fixo para aceder a algo na sua integridade,
mesmo que depois acabe por não a utilizar.
➔ De notar que o contrato de água tem uma parte fixa, paga mensalmente, que não varia de acordo
com o que se gaste – esta dá acesso à rede, independentemente de se usar a mesma ou não. Assim,
este é um contrato misto de acesso e de fornecimento (visto que depois se paga um valor acrescido
a esse valor fixo pela água efetivamente usada).
Alguns exemplos são o contrato de acesso: 1) a espaços físicos, como museus, monumentos,
jardins (sendo que aqui se paga para se aproveitar o que existe nesse espaço – se não se cobrar nada,
este contrato será não de troca, mas de liberalidade); 2) para a utilização de autoestradas, pontes,
túneis (paga por portagens, por exemplo); ou de acesso 3) a uma rede (ex: internet, Netflix).
➔ É discutível se entrar num centro comercial encaixa neste tipo, na medida em que é difícil dizer
que a pessoa celebrou um contrato para aceder ao mesmo.

➔ Ao entrar num autocarro e pagar o preço da viagem ao motorista, está-se a celebrar uma mera
prestação de serviços, nomeadamente de transporte – isto porque não basta que, com o contrato,
se possa aceder a um sítio. Só existe um contrato de acesso se o elemento do acesso se destacar
em relação aos outros. Ora, aqui, o elemento que distingue este contrato é a prestação de serviço
de transporte; e não o facto de, com essa prestação, conseguir aceder ao autocarro.
o E se se comprar o passe? Aqui, o contrato será, mais facilmente, qualificado como de acesso,
dado que se está a pagar pelo acesso a uma rede de transportes (tendo este contrato elementos
de contrato de transporte; mas não sendo, por isso, misto). Isto porque, aqui, já se está a pagar
pela possibilidade de utilizar qualquer meio de transporte que pertence à rede de transportes.

o NOTA: Se o preço que pagamos é um preço fixo, isso indicia que não estamos a pagar por
cada serviço que estamos a utilizar – se pagássemos por cada utilização, é que estávamos a
pagar pelo serviço que estamos a utilizar.

NOTA: Independentemente do tipo de contrato de troca, se estivermos perante conteúdos e serviços


digitais para consumo, aplica-se o Decreto-Lei nº 84/2021, na parte em que transpõe a Diretiva
relativa ao fornecimento de conteúdos e serviços digitais (770/2019). Isto porque os contratos de
conteúdos e serviços digitais para consumo são uma categoria de contratos – pelo que,
independentemente do tipo de contrato em causa, se estivermos perante contratos desta categoria (de
acordo com a norma definidora no DL), aplicar-se-á também este regime (ex: Netflix – contrato de
acesso, mas teremos de ver estas normas especiais antes de aplicarmos o regime geral).

Exercícios – identifique os tipos de contratos:


1) A Pipoca mais Doce celebrou um contrato com a Hotéis Luxuosos: passou uma semana no hotel
sem pagar; obrigou-se a fazer dois posts e duas stories no Instagram sobre o hotel.
Neste contrato, não existe dinheiro enquanto meio de pagamento, logo não existe uma
prestação de serviços ou uma compra e venda. Existe, assim, um contrato de permuta, dado que se
está a trocar dois objetos em que nenhum deles é preço – nomeadamente, trocando-se um serviço por
outro. P compromete-se a prestar um serviço, obrigando-se a fazer dois posts e duas stories; e o Hotel
compromete-se, também, a prestar um serviço de hospedagem. Se, por exemplo, o hotel lhe pagasse
para fazer o marketing, já seria um contrato de empreitada.
NOTA: Não confundir tipo contratual com o objeto do contrato.

2) Miguel combinou com Fernando dar-lhe uma moeda de 2€ cunhada em 2001 pelo Estado
espanhol em troca de 10€.
Apesar de ambos os objetos serem euros, estes não são o mesmo tipo de objeto: a moeda
cunhada é um objeto não jurídico, nomeadamente uma coisa; e os 10 euros são dinheiro enquanto
meio de pagamento por essa coisa, existindo aqui um preço. Existe um contrato de compra e venda.
Se, por exemplo, F se comprometesse a dar em troca uma moeda de 2€ cunhada em 2022 pelo
Estado português, já seria um contrato de permuta, visto que se deixaria de ter um preço em dinheiro
– nenhum dos objetos seria dinheiro no sentido de meio de pagamento. Estar-se-ia a trocar uma moeda
em concreto por outra moeda em concreto.

3) Manuel celebrou um contrato com o Hotel Relax para aí ficar hospedado uma noite.
Aqui, existe um contrato de hospedagem: este é um contrato misto, de arrendamento e de
prestação de serviços – pelo menos, podendo incluir outros tipos (ex: se a estadia incluir refeição,
pode também ter elementos de empreitada).
Se Manuel tivesse ido para um cruzeiro, continuaria a existir um contrato misto, com
elementos de contrato de aluguer – contrato de locação, dado ser uma coisa móvel (podendo-se mover
mesmo tendo a possibilidade de o barco ser atracado) –, prestação de serviços e contrato de transporte.

4) Gonçalo é dono de um espaço ao pé do aeroporto onde as pessoas podem deixar os seus


automóveis quando vão de viagem. As pessoas deixam os carros à porta, pagam, entregam a
chave e o Gonçalo arruma-os lá dentro.
Aqui, ou existe um contrato a depósito; ou existe um contrato misto de locação e prestação de
serviços. No caso do contrato por depósito, do artigo 1185º, terá de existir uma entrega, visto que se
entrega algo a outra pessoa para ela a guardar. Ora, neste caso, ao entregar a chave, está-se a entregar
uma coisa (o carro), logo existe um contrato de depósito. Se, por exemplo, não houvesse essa entrega,
tendo G apenas um terreno no qual põe uma cerca e cobra para se passar, existiria um contrato de
locação – na medida em que se arrenda um dos espaços livres daquele terreno, coisa imóvel.

5) Afonso diz a Beatriz: “vendo-te este telemóvel por 1 Bitcoin”. Beatriz aceita.
Aqui, temos um contrato de permuta, visto que a bitcoin não é considerada dinheiro enquanto
meio de pagamento; assim, existe uma troca de uma coisa por outra (e lá por a declaração negocial
dizer “vendo”, não quer dizer que seja, juridicamente, um contrato de compra e venda).
6) Rita é sócia e gerente da empresa Piino Lda. A sua loja online permite a encomenda de brincos.
Os clientes podem escolher o modelo e a cor de entre uma listagem grande. Rita anuncia no site:
“faço cada brinco à medida depois da sua encomenda”. Ana encomendou uns Búzio em oceano.
Aqui, temos um contrato de empreitada, dado existir um plano daquele que encomenda: a Ana
não criou o plano, mas aprovou-o, sendo que esta aprovação resulta apenas da escolha de um conjunto
limitado de opções. Ou seja, houve possibilidade de escolha, logo o plano veio da Ana. O contrato é
de empreitada também porque R anuncia no site que irá fazer os brincos à medida que as encomendas
chegarem – caso em que as declarações contratuais determinam o tipo contratual, visto que se não
tivéssemos isto, seria um contrato de compra e venda.

7) Inês dirigiu-se à ERA para que a ajudem a encontrar um comprador para a sua casa, que aceitou.
Temos, aqui, um contrato de mediação: contrato pelo qual uma das partes se obriga, mediante
remuneração, a promover negociações ou a indicar a contraparte para a formação de um contrato que
a outra parte no contrato de mediação pretenda celebrar (CFA, II, p. 196). O contrato de mediação é
um subtipo dos contratos de prestação de serviços; sendo é um contrato atípico, sem regime próprio
na lei (embora haja regimes próprios para subtipos de contrato de mediação, como a mediação
imobiliária). De notar que, na mediação, não são feitos atos jurídicos, logo este contrato de mediação
não cabe nos contratos de mandato.

8) Gustavo comprou um bilhete para ir ver o jogo Benfica vs Juventus no Estádio da Luz.
Temos um contrato de prestação de serviços, visto que se está a pagar para ver aquele jogo
específico, sendo o acesso acessório à experiência. Isto é a mesma situação de comprar um bilhete de
cinema: se por acaso o jogo não ocorrer, ou o filme não for o que se escolheu, a parte do contrato
pode “reclamar” (ao contrário de num contrato de acesso como o com um museu, em que não poderá
reclamar se não houver um determinado quadro, por exemplo). De notar que, mais especificamente,
temos um contrato de assistência a espetáculos (cujo regime está no Decreto-Lei nº 23/2014).

LIBERALIDADE:
A função económico-social de liberalidade é caracterizada pela unilateralidade entre custos e
benefícios, existindo sacrifício para uma parte e vantagem para a outra; e pela convergência de
objetivos – ou seja, a ambas as partes interessa a vantagem que um irá receber.
Quando se fala de contratos com função de liberalidade, é importante perceber que não basta
estar no contexto a palavra “gratuito” ou “oferta” para este o ser: as declarações negociais têm de ser
interpretadas como um todo, e o contrato deverá ser interpretado no seu contexto. Por exemplo, nas
situações em que se publicita uma situação de “leve 3, pague 2”, existe uma liberalidade meramente
aparente: a parte consumidora está sempre a pagar algo, existindo um preço (que é livre, podendo ser
estabelecido como o vendedor quiser). O regime de liberalidade e de troca são bastantes diferentes,
pelo que é necessário identificar a função dos contratos de forma correta: se, por exemplo, A oferece
algo a B, não será responsabilizado, como acontece na troca, caso essa coisa esteja desconforme.
Alguns tipos contratuais com esta função são:
➔ Doações (artigos 940º e ss. CC): Num contrato de doação, temos o doador (o que dá) e o donatário
(o que recebe).
➔ Comodato (artigos 11290º ss. CC): Contrato que implica o uso temporário e gratuito de coisa
móvel ou imóvel. Distingue-se da locação porque é gratuito, e porque não existe distinção a nível
de nomes de contratos quer seja uma coisa móvel ou imóvel.

➔ Prestação de serviços gratuita: Vários dos contratos que vimos a propósito da função de troca tem
o seu “correspondente” na liberalidade – sendo a prestação de serviços um deles (“com ou sem
retribuição” – artigo 1154º CC). Em especial, dentro da prestação de serviços, alguns subtipos
têm também a referência ao facto de poderem ser gratuitos ou onerosos.
o Mandato gratuito (artigo 1158º, nº1 CC): É em tudo igual ao regime já estudado, sem ser a
existência de receber algo em troca pelo ato jurídico praticado.

o Depósito gratuito (artigo 1186º CC): Sendo gratuito, o contrato não tem uma contraprestação,
pelo que não se paga nada à outra parte para ela guardar o objeto dado.

o Voluntariado: Contrato através do qual alguém se disponibiliza a prestar determinado serviço


sem receber nada. Nasce, deste contrato, uma obrigação para prestar serviços – logo, a parte
está obrigada a prestar os serviços com os quais se comprometeu. Poderá ser discutível se, na
situação concreta, existe mesmo um contrato jurídico, ou se existe uma mera convenção
social (ex: dizer ao meu vizinho que, se conseguir, irei ajudá-lo a cortar as flores).

o Estágios: Contrato que se distingue pelo carácter ligado à profissão ou de aprendizagem que
é pretendido com a prestação do serviço.

➔ Licença gratuita: Contrato para a utilização temporária de um bem incorpóreo, sendo que este não
tem a contraprestação.

➔ Acesso gratuito:
o O facto de o contrato com a Spotify ter uma condição resolutiva que diz que, durante 30 dias,
o utilizador pode aceder à rede de músicas sem pagar, não caracteriza o mesmo como oneroso
ou gratuito – será oneroso a partir do momento em que o utilizador paga.

COOPERAÇÃO:
A função económico-social de cooperação é caracterizada pela bilateralidade entre custos e
benefícios, existindo sacrifícios e vantagens para todas as partes; e pela convergência de objetivos,
existindo uma concertação da atividade das partes.
Alguns exemplos são:
➔ Cooperação sem fim lucrativo, por exemplo:
o Contrato de associação (artigo 167º CC): Forma de agrupar interesses para os levar mais
longe, sendo que não existe um fim lucrativo enquanto fim primário.

o Contrato de cooperativa: A pessoa jurídica não tem fim lucrativo (podendo as pessoas legais
individuais terem, no entanto, esse fim).

➔ Contrato de sociedade (Código das Sociedades Comerciais): Estas têm fim lucrativo.
➔ Contratos de distribuição: Contrato que permite a distribuição de bens e serviços através de pessoa
diversa do produtor. No fundo, é fruto da função industrial, em que a sociedade começou a ficar
tão complexa que ficou impossível o produtor vender de forma direta os seus produtos – logo,
teve de começar a utilizar intermediários.
o Agência (DL 178/86): Contrato legalmente típico.
o Franquia (franchising): Contrato socialmente típico, mas legalmente atípico.

RISCO:
A função económico-social de risco é caracterizado pela unilateralidade entre custos e
benefícios, na medida em que só uma das partes tem desvantagens ou só uma das partes tem uma
desvantagem desproporcionada (tendo ambas as partes desvantagens, mas uma delas vai dar muito
mais do que a outra); e pela divergência de objetivos: uma quer receber, por exemplo, o valor do
prémio; e outra quer ter a certeza que tem um seguro caso algo aconteça.
Estes contratos definem-se pelo carácter eventual da prestação característica: não se sabe se
uma das prestações vai ser paga, ou quanto será ou quem a pagará. Isto porque estes contratos são
para acautelar um futuro incerto: por exemplo, no contrato de seguro, não se sabe se a seguradora vai
pagar alguma coisa ou não – ela só pagará se, por exemplo, a pessoa morrer (num seguro de vida).
Alguns exemplos são:
➔ Contratos de garantia: Contrato em que alguém assume uma obrigação ou sujeição para cobertura
de um risco (ex: contrato de fiança, contrato de seguro, contrato de hipoteca).
o Contrato de fiança: Caso o devedor incumprir determinado contrato, o credor desse contrato
pode vir exigir a prestação ao fiador. O fiador não sabe se vai ter de pagar, pelo que existe
um elemento incerto. A fiança normalmente é gratuita, porque o fiador não recebe nada em
troca; mas, mesmo que seja remunerado, a função do contrato é a função de risco, pois o
objetivo do contrato continua a ser cobrir a possibilidade de um risco.

o Contrato de seguro: As partes têm interesses completamente diferentes – a seguradora não


tem qualquer interesse em pagar o montante, apenas o faz para receber o valor do prémio.

➔ Contratos de jogo (artigo 1245º CC): Contrato nos termos do qual os participantes, numa ação
competitiva ou de pura sorte, estipulam que os perdedores se obrigam a efetuar uma prestação ou
perdem uma entrada para os outros jogadores ou uma entidade promotora. À primeira vista, o CC
limita muito o jogo; mas, depois, quando este é lícito, abre a porta para outra legislação avulsa.
o Diferente do contrato de aposta.

➔ Contratos diferenciais (Código dos Valores Mobiliários): Exemplos são swaps – em que uma
delas ganha e outra perde, mas a nível dos valores mobiliários – e futuros – proteger o comprador
das flutuações do mercado.

REESTRUTURAÇÃO:
A função económico-social da reestruturação é caracterizada pela neutralidade entre custos e
benefícios, visto que estes contratos não estão propriamente preocupados com o conteúdo, com quem
ganha ou com quem perde; e pela divergência de objetivos – apesar de chegarem a um entendimento,
o contrato serve para solucionar tensões entre as partes e dar respostas aos seus interesses diferentes.
Estes contratos têm uma conexão com uma situação jurídica anterior ou futura e destinam-se
a reestruturá-la, modificando-a, solucionando-a – nunca são completamente autónomos.
Alguns exemplos são:
➔ Transação (artigo 1248º CC): Pode ocorrer ou não num tribunal, em que as partes põem fim a um
litígio, sendo este litígio o objeto do contrato.

➔ Convenção de arbitragem (artigo 1º da Lei Arbitragem Voluntária): Contrato através do qual duas
partes num litígio (atual ou futuro) decidem que esse será resolvido através de arbitragem – sendo
o litígio o objeto do contrato, não o resolvendo, mas estabelecendo a forma como será resolvido.

➔ Divisão de coisa comum (artigo 1413º CC): Se alguém for coproprietário de um terreno, pode
decidir em conjunto com os outros coproprietários dividir o terreno e cada um ficar com uma
parte específica. Assim, este tem como objetivo não a atribuição de custos e benefícios, mas
resolver uma situação jurídica anterior.

Exercícios – identifique o tipo de contrato:


1) Martim tem um restaurante. Celebrou um contrato de fornecimento de cervejas com a Super
Bock. A empresa ofereceu-lhe copos e mesas e emprestou-lhe uma arca frigorífica para as
cervejas (tudo com a marca da empresa).
Quanto aos copos e às mesas, estas não são oferecidas – estas fazem parte do contrato que
será um contrato misto. Neste contrato a SuperBock vai cobrar um preço, definido pela mesma, que
define como adequado para não só o fornecimento da cerveja, mas também para incluir as mesas e as
cadeiras. Ou seja, celebra-se um contrato único em que são acordadas diversas prestações, e nenhuma
delas existe com função de liberalidade – a SuperBock entrega copos e mesas porque isso faz parte
do contrato em si, e não as “oferece”. O preço é sempre livre em mercado, e, portanto, o preço da
cerveja não é X, e depois oferece-se as mesas; o preço acordado já inclui tudo.
Se as mesas e copos tivessem sido oferecidos fora do contrato de fornecimento de cerveja, seriam
dois contratos separados e aí já poderíamos falar em liberalidade.
Relativamente à arca frigorífica, não existindo a liberalidade, não pode ser um contrato de
comodato; existe, mais uma vez, um contrato único, em que a arca está incluída – ora, sendo troca,
temos um contrato de locação, mais especificamente de aluguer.

2) A empresa Traduz anuncia o seguinte: “Traduza os seus documentos gratuitamente no nosso


site!”. Para o utilizar o cliente apenas tem de se registar dando o seu nome, data de nascimento
e e-mail.
Estamos perante um contrato de troca, sendo que se está a trocar o serviço de traduzir os
documentos pelo registo no site, ou seja, troca-se pela entrega dos dados do utilizador, que têm valor
económico (apesar de se dizer que é gratuito, a nível de dinheiro).
Mais especificamente, não é um contrato de licença, porque a contraprestação não é dinheiro
– logo, tudo o que não é dinheiro, é permuta.
NOTAS:
➔ Acordo de Confidencialidade: Função económico-social de troca, quando se paga para manter o
segredo; mesmo não recebendo nada em específico para manter o segredo, ter-se-á de ver todo o
contexto do contrato.

➔ Leasing: Contrato de locação financeira de bem móvel, que inclui sempre uma cláusula de opção
de compra. Aqui, existe uma função económico-social de troca.

➔ Engineering: Contrato que se estende no tempo e que tem um controlo maior do que o contrato
de empreitada, não se esgotando numa atividade única.

➔ Contratos mistos: Não é um tipo contratual!

➔ Smart Contracts: Não são um tipo contratual, porque permitem que sejam utilizados para vários
tipos de contratos. O smart contract é um tipo de contrato que se caracteriza pela forma da sua
formação ser através de uma tecnologia específica, e da execução ser autonomizada.

➔ Microtransações: Contractos celebrados no ambiente virtual, dentro de um vídeo jogo, através do


qual se adquire alguma coisa disponível dentro desse jogo – função económica de troca.
Contratos que podem ter várias funções económico-sociais
Ao contrário do que acontece com as funções eficientes, um contrato só pode ter uma função
económico-social – ou seja, existem várias categorias de contratos que permitem satisfazer várias
funções económico-sociais em momentos diferentes, uma de cada vez e não todas ao mesmo tempo.

Contrato-Promessa:
O contrato-promessa é um contrato através do qual se promete celebrar outro contrato (artigos
410º a 413º CC). Ou seja, e segundo o artigo 410º, nº1, este é um contrato pelo qual um dos
contraentes (ou ambos) se obriga(m) a celebrar um contrato ou um conjunto de contratos de conteúdo
pré-determinado.
Existindo um contrato, existe bilateralidade, verificando-se duas declarações contratuais; mas
pode haver um cenário em que A se obriga, mas B não se obriga – ora, se quando A quiser celebrar
o contrato ao qual se obrigou, mas B mudar de ideias e já não quiser celebrar tal contrato, não
incumpre o contrato-promessa, porque B não tinha essa obrigação. No entanto, se ambos se obrigaram
a celebrar o contrato, e uma das partes “mudar de ideias”, já estará a incumprir o contrato-promessa.
➔ Se o A está obrigado a vender a B por contrato-promessa, mas vender a C, está a incumprir uma
obrigação e, por isso, sofrerá consequências (ex: pagar uma indemnização pelo incumprimento).
Assim, A só consegue vender a C sem incumprir a obrigação que tinha para com B, se conseguir
desfazer-se da mesma, nomeadamente revogando o contrato.
Além disso, nos casos em que apenas um dos contraentes se obriga, pode haver ou não uma
contraprestação (contrato unilateral vs. bilateral): por isso, deve-se ter algum cuidado em classificar
o contrato-promessa como “contrato unilateral”, visto que poderá haver esta contraprestação pela
obrigação, ainda que essa não seja uma obrigação de comprar ou de vender (ex: dinheiro).
O objeto do contrato-promessa é um outro contrato, sendo este incumprido quando não as
partes não celebram o contrato que acordaram celebrar. A lei exige que este contrato, enquanto objeto,
seja um contrato com conteúdo determinado – ou seja, que todos os seus elementos necessários sejam
determinados, não sendo necessárias negociações adicionais (“certo” – artigo 410º, nº1).
Aplica-se ao contrato-promessa as disposições aplicadas ao contrato prometido (enquanto objeto), no
âmbito do princípio da equiparação – artigo 410º, nº1. Pode, então, o conteúdo do contrato prometido
ser, não determinado, mas determinável? Depende de como se fazer esta aplicação das mesmas
disposições ao contrato prometido.
No entanto, este princípio da equiparação abarca algumas regras:
➔ Tudo o que é proibido fazer através de um contrato final, é proibido fazer através de um contrato-
promessa – por exemplo, não se pode prometer vender algo a filhos e a netos, dado não poder
fazer esse contrato de forma direta (artigo 877º).

➔ Não são aplicáveis as normas que, pela sua razão de ser, não devam considerar-se extensivas ao
contrato-promessa (artigo 410º, nº1): Não existe uma lista exaustiva de tais normas, mas existem
exemplos como o artigo 879º – o contrato-promessa não gera estas consequências da compra e
venda, logo não será aplicável –, ou o artigo 892º – compra e venda de bens alheios: a razão de
ser desta norma não se verifica no contrato-promessa, dado que no contrato-promessa, as partes
se vinculam a celebrar o contrato de compra e venda e, para isso, o vendedor terá de, até lá,
adquirir a propriedade, para depois a poder transmitir.
➔ A regra geral para o contrato-promessa é liberdade de forma, não tendo este de seguir as regras
relativamente à forma do contrato prometido (artigo 219º). Mas, segundo o artigo 410º, nº2 e 3,
existem normas especiais para os contratos-promessa – nomeadamente, 1) se a lei exige
documento autêntico ou particular para o contrato prometido, então o contrato de promessa terá,
também, de revestir essa forma; ou 2) quando se trata de contrato oneroso de transmissão ou
constituição de direito real sobre edifício.
o O nº2 estabelece que o contrato-promessa tem de ser assinado ou por uma das partes – se
apenas uma se obrigar a comprar ou a vender – ou por ambas as partes, se ambas se obrigam
a vender e a comprar. De notar que, na maior parte das vezes (como neste caso), a lei diz que
o contrato-promessa é unilateral ou bilateral em respeito apenas à única obrigação principal
(e não à possibilidade de contraprestação) – portanto, será unilateral se apenas uma das partes
estiver vinculada à obrigação principal.

o O nº3 estabelece que se, no âmbito do contrato prometido, existir uma transmissão ou
constituição onerosa de um direito real sobre um edifício (compra e venda de casas), para
além do documento assinado falado no nº2, terá de existir um reconhecimento presencial das
assinaturas e verificação da existência da respetiva licença de utilização. Denota-se que a
compra e venda de terrenos já recai apenas para o âmbito do nº2.

No âmbito do contrato-promessa, é necessário ainda falar da execução específica (artigo


830º): situação em que alguém se dirige a um tribunal para que este faça produzir os efeitos devidos.
Nos casos de contrato-promessa, isto é mais importante, visto que o tribunal não pode fazer as partes
constituírem um contrato em acordo; assim, quando se pede a execução específica neste âmbito, o
tribunal irá substituir a declaração contratual da pessoa que não quer cumprir o mesmo, declaração
essa que produza os efeitos da declaração negocial do incumpridor, atuando como declaração de
venda, de compra, etc.
No entanto, isto só poderá ser feito sempre que 1) a isso não se oponha a natureza da obrigação – por
exemplo, não se pode pedir ao tribunal a execução específica de um contrato-promessa que promete
um contrato de compra e venda de coisa alheia, sendo que esse bem ainda continua alheio à parte
incumpridora –; ou 2) se não houver convenção em contrário no contrato, sendo que existem situações
de não possibilidade de execução específica dadas pela lei – nomeadamente, nos casos do sinal (artigo
830º, nº2). No entanto, não pode existir convenção em contrário nos casos do artigo 410º, nº3
(havendo ou não sinal), relativo à compra e venda de edifícios ou frações de edifícios (art. 830º, nº3).
Finalmente, o regime de sinal (artigo 440º), que também não é apenas exclusivo ao contrato-
promessa (apesar de ter grande importância no mesmo), é uma forma de determinar as consequências
do incumprimento. De notar que o sinal é diferente de cláusula penal (artigo 810º), na medida em que
esta apenas determina o valor da indemnização, que é a consequência do incumprimento; enquanto o
sinal se exige entrega do valor, não sendo apenas uma cláusula no contrato.
No contrato-promessa de compra e venda, presume-se, nos termos do artigo 441º, que as quantias
entregues a uma parte por outra têm natureza de sinal. O sinal determina as consequências do
incumprimento: se a parte que incumpriu foi quem recebeu o sinal, terá de devolver o sinal em dobro;
mas se a parte que incumpriu foi quem deu o sinal, fica sem ele, podendo a outra parte reter o mesmo
(artigo 442º, nº2).
Hipóteses
1. Filipe celebrou um contrato-promessa com Mariana através do qual se obrigou a comprar a sua
televisão por 300 € no final do mês.
a) No final do mês M recusa-se a celebrar o contrato de CV – o que pode F fazer?
Aqui, F obrigou-se a comprar a televisão de M, pelo que existe um contrato unilateral, na
medida em que existe apenas uma obrigação do lado do F. Assim, não estando M obrigada a vender,
F não poderá fazer nada.

b) E se for F a recusar-se a celebrar o contrato?


Aqui, F estava obrigado a celebrar o contrato, a vender a televisão; logo, ao recusar-se, está a
incumprir essa obrigação. Assim, M terá ao seu dispor todos os mecanismos disponíveis para o
cumprimento dos contratos, relevando aqui a execução específica. Segundo o artigo 830º, regra geral,
pode haver execução específica do contrato-promessa: M poderá pedir ao tribunal que profira uma
sentença que substitua a declaração do F por uma declaração que conclua o contrato de compra e
venda. Isto porque, no caso em questão, a execução específica não vai contra a natureza da obrigação;
assim como não existe convenção em contrário. Poderá, ainda, optar pelo incumprimento, pedindo
em vez da execução específica, uma indemnização a F.

2. Guida celebrou um contrato com Bruno, através do qual prometeu vender e B prometeu comprar
uma casa que tem no Alentejo, no dia 6 de outubro, por 100.000€. Para simplificarem o processo,
G sugeriu que o contrato ficasse por escrito num documento que ambos assinaram. No momento
de assinatura deste contrato, B entregou 5.000€ a G.
a) G não cumpre – que possibilidades tem B?
Aqui, existe um contrato-promessa entre G e B, em que ambos se comprometem à celebração
do contrato (ou seja, G prometeu vender e B prometeu comprar) – assim, temos um contrato bilateral
a nível das obrigações. Para além disso, B entregou a G 5000€. O contrato prometido será um contrato
de compra e venda da casa do Alentejo: ora, o artigo 441º determina que, quando se está perante um
contrato-promessa de compra e venda, presume-se que todas as quantias entregues são tidas como
sinal – logo, aqui, os 5000€ presumem-se como sinal (não tendo sido dito nada em contrário).
Ora, dado G não ter cumprido, B pode exigir a devolução em dobro do sinal, nos termos do
artigo 442º, nº2. O regime do sinal diz que quando, num contrato-promessa, é prestado uma quantia
com carácter de sinal, significa que as partes estabeleceram como consequência para o incumprimento
que, se uma delas não cumprir, a outra pode 1) ou ficar com o sinal; ou 2) receber o dobro do sinal
pago, dependente de quem entregou o sinal.
Além disso, a existência de sinal indica que as partes acordaram que não poderiam recorrer à
execução específica. No entanto, neste caso específico, segundo o artigo 403º, nº3, as partes não
podem afastar o direito à execução específica, visto ser um contrato de compra e venda de edifício –
logo, B poderá optar, em vez do retorno do dobro do sinal, recorrer à execução específica (isto, por
também não existir condição em contrário).
b) B opta por iniciar uma ação na qual pede a execução específica do contrato. G invoca a
nulidade do contrato por falta de forma. Quid Iuris?
Segundo o artigo 410º, nº3, primeira parte, à partida tal contrato seria nulo porque, sendo um
caso de contrato de transmissão onerosa do direito de propriedade sobre um edifício, teria de existir
um reconhecimento presencial das assinaturas de B e G, assim como a verificação da respetiva
licença. Assim, o contrato seria nulo por falta de forma – e não no sentido de ser necessário ter
revestido a forma de escritura pública, devido à liberdade de forma aplicada aos contratos-promessa.
Assim, regra geral, G poderia invocar esta nulidade.
No entanto, a última parte do artigo 410º, nº3 estabelece que quem promete vender (G) só
pode invocar a falta de forma se essa omissão tiver sido causada culposamente pelo B. Ora, neste
caso, isso não aconteceu; logo, G não pode invocar esta nulidade para se desvincular. A lógica por
detrás desta norma será (provavelmente) a de que quem vende tem mais conhecimentos, logo saberá
melhor o que está a fazer. Assim, B poderá optar pela execução específica, segundo a mesma lógica
da alínea anterior.
NOTA: Se fosse um bem móvel ou mesmo um terreno, G já teria razão.

Contrato de Cessão de Posição Contratual:


O contrato de cessão de posição contratual é um contrato pelo qual se cede a posição contratual
noutro contrato (artigos 424º a 427º CC). Esta é uma categoria, e não um tipo, contratual, porque
permite fazer várias coisas diferentes, tendo a característica de cessão em comum – sendo que se pode
ceder a posição contratual em troca de preço (função troca); de forma gratuita (liberalidade); ou ainda
como forma de liquidar a entrada numa sociedade (cooperação).
Em termos de terminologia, fala-se de cedente, ou seja, quem cede a posição contratual; e cessionário,
nomeadamente a quem é cedida a posição contratual. Além disso, fala-se também de contrato de
cessão vs. contrato cedido: no contrato de cessão, o objeto é sempre a posição contratual do cedente
(e não todo o contrato cedido); já o contrato cedido trata-se de um contrato entre quem é o cedente
no contrato de cessão, e um terceiro (ou seja, o contrato de onde resulta a posição contratual em si).
Além de ter um objeto fixo, a função eficiente deste contrato é, também, sempre transmissiva:
ou seja, transmite-se sempre essa posição contratual. O que irá variar é a sua função económico-
social, o que significa que pode abranger vários tipos contratuais: compra e venda; permuta; doação;
etc. (artigo 426º, nº1: “gratuito ou oneroso”).
Normalmente, a posição contratual é considerada uma vantagem, tendo um valor em si; mas
pode, também, haver casos em que a posição contratual seja considerada uma desvantagem (ex: se
existir uma alteração das circunstâncias, e a pessoa já não conseguir suportar essa posição). Portanto,
nada impede, em vez de a pessoa receber algo para ceder a posição contratual, que pague um preço
para ceder tal posição (não sendo, assim, uma compra e venda, mas sim um contrato atípico).
Relativamente ao regime, segundo o artigo 425º, aplica-se o regime do tipo de negócio que
serve de base à cessão: sendo que “tipo de negócio” se refere à possibilidade de existirem diferentes
tipos de contrato de cessão da posição contratual. Assim, não se rege pelas normas do contrato cedido;
mas sim pelo contrato de cessão – ora, como o contrato de cessão em si não é nada, ter-se-á de ir ver
o tipo do contrato de cessão em questão (não sendo o contrato de cessão um tipo, mas uma categoria).
No entanto, existe uma regra especial. Como se sabe, não é possível, unilateralmente, alterar contratos
– assim, este contrato só será eficaz se o outro contraente concordar (artigo 424º). Ou seja, só pode
haver cessão da posição se o outro contraente do contrato cedido aceitar a substituição da pessoa com
a qual estará a contratar.
➔ Isto é diferente do contrato de pessoa a nomear, dado que, no contrato de cessão, a posição
contratual é cedida com o fundamento de uma cláusula já existente no contrato cedido – sendo
que a outra parte aceita essa cessão com a aceitação dessa mesma cláusula no contrato original.

Hipóteses
1. Guida celebrou um contrato com Bruno, através do qual prometeu vender e B prometeu comprar
uma casa no Alentejo, no dia 6 de dezembro, por 100.000€. O contrato foi celebrado por escritura
pública. No entanto, B afinal já não quer comprar a casa, pelo que pediu autorização a G, que
aceitou, e celebrou um contrato com Carlos, através do qual lhe cede a sua posição contratual.
Aqui, existe um contrato-promessa entre G e B, em que G prometeu vender e B prometeu
comprar. Existe, depois, um contrato de cessão de posição contratual entre B e C: B vai ceder a sua
posição contratual do primeiro contrato de promessa a C, passando este a ser entre G e C – sendo que
o C terá a obrigação de comprar e G manterá a sua obrigação de vender.

a) A partir de que momento o contrato de cessão é eficaz em relação à Guida?


G aceitou antes a cessão da celebração do contrato, o que é possível, de acordo com o artigo
424º, nº2: é perfeitamente possível que o consentimento de G seja anterior à cessão – sendo que,
quando se fala aqui em consentimento, tal terá de ser para aquele contraente em específico, e não para
a cessão em geral (independentemente do contraente).
Depois, celebra-se, então, o contrato entre B e C; mas este contrato só produz efeitos em relação a G
quando ela é notificada, ou quando esta age de forma a entender que conhece a nova situação geral –
mesmo já tendo, antes, autorizado essa cessão. Esta notificação terá de ser feita segundo o princípio
da liberdade de forma: não há nenhuma norma legal que preveja uma forma específica para a mesma
(apesar de, na prática, poderá ser oportuno fazer essa notificação de forma que, posteriormente, se
possa fazer prova da mesma, caso necessário).

b) G incumpre o contrato e C decide pedir uma indemnização a B. Pode?


Num contrato de cessão, o cedente tem de garantir, nos termos do artigo 426º, a existência da
posição contratual – ou seja, ele irá responder e pagar indemnização se ceder uma posição que afinal
não existia, ou que não era dele. Isso não significa, no entanto, que o cedente deve garantir o
cumprimento do contrato cedido: o cedente apenas garante que a contraparte do contrato seguinte vai
cumprir, se tal for incluído no contrato de cessão uma cláusula que diga que, caso o a contraparte do
contrato cedido incumprir, o cedente responderá por isso.
Ora, neste caso, não existe tal cláusula, logo B tem apenas de garantir a posição contratual –
ora, parecendo que esta existe, B não terá de pagar indemnização a C. Se G incumpre, C apenas
poderá exigir o que quer que seja à G, e não a B. Assim, C poderá, em relação à G, pedir uma execução
específica, segundo o artigo 830º, dado ser um contrato-promessa, exigindo a um tribunal que profira
uma sentença que substitui a declaração de venda da casa. Não existindo sinal, C não poderá utilizar
o regime do sinal, exigindo o seu pagamento em dobro.
Função eficiente
A função eficiente é o elemento do conteúdo do contrato que indica a modalidade dos seus
efeitos jurídicos. Um contrato terá tantas funções eficientes quantos efeitos jurídicos diferentes entre
si que dele saírem. Por exemplo, se existe alguém que vai celebrar um contrato de compra e venda,
com função económico-social troca, esse alguém pretende obter uma vantagem; sabendo que, em
troca, vai sofrer uma desvantagem – sendo a vantagem e os efeitos jurídicos afetos a essa vão ser
explicados pela função eficiente.
De notar que não existe, necessariamente, uma relação entre a função eficiente e a função
económico-social: pode-se, à partida, verificar que um contrato tenha duas funções económico-
sociais, que não se relacionam com a sua função eficiente.

FUNÇÃO CONSTITUTIVA:
Um contrato tem função constitutiva sempre que constitui ou cria alguma situação jurídica
nova, que não existia e passa a existir. Tal situação pode ser um direito absoluto (real, e não de
personalidade) ou direito pessoal de gozo – mas não um direito de crédito, sendo esses consumidos
pela função obrigacional. Se, por outro lado, o direito absoluto já existir e for transmitido, estará em
causa a função transmissiva, e não constitutiva, uma vez que não se cria um direito novo, mas é antes
alterado apenas o titular de uma situação jurídica existente. Por exemplo, um contrato de associação
ou de sociedade tem função constitutiva: a pessoa coletiva só se constitui por via do contrato.
➔ Quanto aos direitos pessoais de gozo, pode-se ter uma situação jurídica nova por via do contrato
de locação: ou seja, passa a existir um direito de utilizar a coisa. Não se cria um novo titular, mas
antes um novo direito.
Denota-se que é possível alguém tornar-se proprietário de algo que não existia por meio de
contrato, nomeadamente nos casos dos contratos de empreitada (ex: criação de escultura) – é criado
um direito de propriedade da coisa nova. No entanto, os casos em que se encontra um objeto no lixo
ou perdido já não implicam a constituição por meio de contrato, logo não existe função constitutiva.

FUNÇÃO OBRIGACIONAL:
Um contrato tem função obrigacional quando, através desse, se criam obrigações e os
consequentes direitos de crédito – sendo que nem todos os contratos produzem efeitos obrigacionais.
Por exemplo, o contrato de doação insere-se na função eficiente de obrigacional. Apesar de a
entrega da coisa ser requisito obrigatório para a constituição do contrato, este tipo de contrato não
constitui uma obrigação da mesma forma que se vê, por exemplo, no caso da compra e venda: na
realidade, o que acontece é que as características do contrato (que o tornam uma doação) acabam por
constituir também uma obrigação (em segundo plano).
Já o contrato de transação – resolução de parte ou totalidade de um litígio – poderá, também,
ter uma função obrigacional, no caso de as partes assim acordarem.

FUNÇÃO POTESTATIVA:
Um contrato tem função potestativa sempre que, através deste contrato, se cria um direito
potestativo e, consequente, uma posição de sujeição. O direito potestativo caracteriza-se pelo facto
de, ao ser exercido, muda a realidade existente, não tendo o outro o direito de incumprir.
Por exemplo, um pacto de preferência tem função obrigacional – obrigação de notificar – e
potestativa, dado que a contraparte tem o direito potestativo de adquirir o bem. O direito potestativo
é automaticamente exercido, não sendo necessária a colaboração entre as partes; enquanto o direito
de crédito já implica alguma harmonia entre as partes, sob pena de se cair no não cumprimento.
Assim, o pacto de preferência insere-se nesta função porque a contraparte pode exigir a sua
preferência (direito potestativo), sem a necessidade de colaboração da outra parte.
Também o contrato de opção tem função potestativa, dado que, enquanto contrato preliminar,
dá a uma das partes dá a possibilidade à outra contraparte de optar por celebrar o contrato definitivo
nas condições iniciais, ou noutras condições – ora, o direito de opção é um direito potestativo.
Já no contrato de locação financeira, o locatário financeiro tem o direito potestativo de adquirir
a coisa no termo do contrato, normalmente pagando um valor residual (que falte para completar o
valor). Este é, então, um contrato com duas funções económico-sociais (ambas de troca: de utilização
do bem; outra de financiamento); e com duas funções eficiente obrigacional e potestativa.

FUNÇÃO EXTINTIVA:
Um contrato tem função extintiva quando tem como efeito a extinção de alguma situação
jurídica (ex: remissão de dívida – o credor deixa de exigir a dívida ao devedor, pelo que se extingue
o direito a crédito). São poucos os contratos tipificados com tal função, pelo que é necessário recorrer
à liberdade contratual das partes: as partes podem celebrar um contrato visando a extinção de direitos
(ex: divórcio por mútuo consentimento).
Outro exemplo é o contrato de execução duradoura: contrato cujos efeitos se prolongam no
tempo, e que podem gerar obrigações que se vencem regularmente ou periodicamente (ex: contrato
de trabalho). Também a revogação de um contrato é, em si, um contrato em que as partes acordam a
cessão dos efeitos do primeiro contrato – logo, tem função extintiva.

FUNÇÃO TRANSMISSIVA:
A função transmissiva não é propriamente uma função autónoma, mas sim a conjugação de
duas ou mais funções – regra geral, da função constitutiva e função obrigacional (ex: contrato de
compra e venda, em que o direito de propriedade se transmite).
Outros exemplos serão: 1) permuta; 2) contrato de mútuo oneroso (função económico-social
de troca); 3) contrato de mútuo gratuito (função económico-social liberatória); 4) doação; 5) contrato
de constituição de uma sociedade – transmite-se um valor (função económico-social de cooperação)
–; e 6) transação (função económico-social de restruturação).

FUNÇÃO MODIFICATIVA:
A função não tem especial relevância: o que o contrato faz é modificar determinada realidade
– ou seja, modifica outro contrato ou uma situação jurídica existente. Em certo sentido (amplo), todos
os contratos que constituem as funções supramencionadas implicam algum tipo de modificação, na
medida em que as partes têm as suas esferas jurídicas alteradas de alguma forma.
No entanto, existem contratos que se inserem especificamente nesta função; apesar de estes
não serem tipificados, pelo que vale o princípio da liberdade contratual – ou seja, as partes podem
acordar celebrar um contrato que implique uma alteração de um contrato (por via contratual). Por
exemplo, celebrar um contrato para a alteração do cumprimento de outro contrato; ou celebrar um
contrato que altera a duração de um contrato de trabalho (como jogadores de futebol).
Neste âmbito, deve-se falar do princípio do pacto sum servanta, que diz que os contratos são
para serem cumpridos (artigo 762º). No entanto, há situações em que há alterações unilaterais dos
contratos, caso tal seja justificado – por exemplo, nos casos dos contratos em que não há uma data
determinada para o cumprimento (sem termo), tem de haver a possibilidade da parte resolver o
contrato e não aceitar a alteração unilateral (não sendo obrigada a esperar eternamente pelo mesmo).
Também a alteração do objeto do contrato pode ser alvo de uma alteração unilateral – por exemplo,
um contrato celebrado com a Netflix que vai alterando a grelha de filmes ou series. No entanto, esta
alteração pode não justificar a resolução do contrato.

Hipóteses
1) A Pipoca mais Doce celebrou um contrato com a Hotéis Luxuosos: obrigou-se a fazer dois posts
e duas stories no Instagram sobre o hotel por 1000€.
O contrato faz nascer duas obrigações: a Pipoca mais Doce tem obrigação de fazer dois posts
e duas stories, e o hotel tem a obrigação de pagamento do preço (1000€). Por isso, este contrato tem
função obrigacional.

2) Miguel combinou com Fernando dar-lhe uma moeda de 2€ cunhada em 2001 pelo Estado
espanhol em troca de 10€.
Com este contrato, transfere-se o direito de propriedade da moeda de M para F – assim, existe
uma função eficiente transmissiva. No entanto, este contrato tem também como efeito o nascimento
de uma obrigação, nomeadamente a de pagamento do preço e da entrega de coisa – logo, existe
também uma função eficiente obrigacional. Estas duas funções estão automaticamente presentes em
contratos de compra e venda, estando presentes no artigo relativo aos efeitos da compra e venda.

3) Gonçalo celebrou um contrato de arrendamento com Filomena. Nesse contrato foi incluída uma
cláusula segundo a qual G pode nomear uma pessoa para tomar o seu lugar no prazo de 10 dias.
Aqui, existe uma função potestativa, na medida em que existe um contrato por pessoa a
nomear – sendo o direito que o G tem de nomear uma pessoa um direito potestativo. Além disso,
existe também uma função obrigacional: G, se não nomear alguém, terá a obrigação de pagar o preço,
e F terá a obrigação de disponibilizar a coisa que será arrendada. Por sua vez, o arrendamento cria o
direito pessoal de gozo do arrendatário – que é um direito relativo, e não um direito real –, pelo que
também existe uma função constitutiva: cria-se um direito pessoal de gozo que não existia, sendo que
sem este contrato, G não teria este direito; e, com este contrato, F não deixa de ter este direito de
gozo, pelo que também não é função transmissiva.

4) Rita quer uma estante para a sua sala. Combinou com a Madalena que esta fará a estante
segundo o desenho que a Rita fez. Será a Rita a fornecer a madeira e os pregos para a estante.
Aqui, existe um contrato de empreitada. Ora, segundo o artigo 1212º CC, se os materiais forem
fornecidos pelo empreiteiro, a propriedade manter-se-á na sua esfera jurídica até à conclusão da obra;
mas, se forem fornecidos pelo dono da obra, como acontece no caso concreto, não existe esta
transferência da propriedade dos materiais – estes ficam sempre na esfera jurídica de Rita. Assim, tal
contrato tem função constitutiva: a situação jurídica criada é o direito de propriedade sobre a obra da
empreitada; sendo que seria transmissiva, e não constitutiva, se os materiais fossem da Madalena.
A ato de criação da obra faz surgir o direito de propriedade, que vai ser transmitido para o dono da
obra. Se for ele a fornecer os materiais, fruto do ato da Madalena de construir a obra, o direito de
propriedade nasce automaticamente na esfera jurídica do dono da obra e, por isso, existe uma função
constitutiva. Já se os materiais fossem de Madalena, o direito de propriedade sobre eles estaria na sua
esfera jurídica, e só depois de a obra estar concluída é que existiria transmissão da propriedade.
Existe, ainda, a função obrigacional já que há obrigação de fazer a obra e a obrigação de
pagamento do preço. Poderá, ainda, ser defendido que existe (ou não) uma função extintiva, na
medida que, quando surge a obra, o direito de propriedade deixa de ser sobre os materiais e passa a
ser sobre a obra criada.

5) Adalberto deve 500€ a Felismina. Como hoje é Halloween, Felismina decide perdoar-lhe a dívida
se ele se mascarar de múmia. Adalberto concorda.
Aqui, existe uma função extintiva, porque há uma obrigação (de pagamento da dívida) que
vai desaparecer. Mais concretamente, existe aqui a figura da remissão de dívida (artigo 863º), sendo
que esta tanto pode ter como função económico-social de troca ou de liberalidade.
Ora, se se considerar que é uma condição, então A não tem nenhuma obrigação aqui e, portanto, o
contrato não tem função obrigacional, podendo, no entanto, ter um ónus – ou seja, F não pode exigir
de A que se vista daquela forma porque A não tem uma obrigação de se vestir; simplesmente, se o A
não o fizer, não tem a sua dívida perdoada. Se se interpretar isto como uma condição, então se esta
se verificar, existe a extinção da dívida.
No entanto, se se interpretar o ato de mascarar de múmia como uma obrigação, então existe a função
obrigacional: argumentando-se, por um lado, pelo facto de A “concordar” – mas também se pode
argumentar que A concorda com o contrato que, por sua vez, contém uma condição.

6) Carlota diz a Zé: podes ficar com o usufruto da casa do Miguel, que é meu, por 30.000€. Zé
aceitou e ambos se dirigiram a um cartório notarial para oficializar a situação através de
escritura pública.
Existe, aqui, uma transmissão do direito de usufruto – enquanto direito real, que pode ser
separado do direito de propriedade – de Carlota para Zé: Carlota é titular do direito de usufruto sobre
a casa do Miguel, e vai vender esse direito de usufruto, de acordo com o artigo 1444º. Assim, existe
uma função eficiente transmissiva, sendo o objeto o direito de usufruto; assim como existe, também,
a função obrigacional, visto que, do outro lado, há também a obrigação de pagar o preço.
De notar que, aqui, Carlota cede o direito que tem; não sendo ela, no entanto, detentora também do
direito de propriedade. De facto, mais comum serão os casos em que é o próprio titular do direito de
propriedade que cede o direito de usufruto – nesses casos, o contrato terá uma função eficiente não
transmissiva, mas sim constitutiva, dado que esse direito de usufruto não existia anteriormente, sendo
apenas criado por via do contrato.
➔ Como o direito de propriedade consume o usufruto do bem, o proprietário tem o direito de
usufruto por ser proprietário – sendo que só se fala de direito de usufruto quando este está
separado do direito de propriedade.
7) Marta alugou o filme Família Adams para ver com a filha no Videoclube da MEO.
Com o contrato de aluguer, é criado um direito pessoal de gozo, pelo que existe, aqui, uma
função constitutiva – ora, aplica-se aqui exatamente a mesma lógica da locação: quando se arrenda
uma casa, a outra pessoa fica com um direito pessoal de gozo, direito esse que não existia antes
(existia, sim, um direito de propriedade) e, portanto, que foi constituído com o contrato. Além disso,
existe também uma função eficiente obrigacional, na medida em que existe uma obrigação de
pagamento e uma obrigação de disponibilizar o vídeo.

Circunstâncias
As circunstâncias, em geral, são elementos contratuais que irão modelar, circunscrever, ou
complementar as funções do contrato, quer seja eficiente – que dizem respeito à produção ou não dos
efeitos contratuais – ou económico-social – que dizem respeito a como esses efeitos se produzem (ex:
espaço). De todas as circunstâncias existentes, fala-se apenas de duas, da função eficiente.

CONDIÇÃO:
A condição está prevista no artigo 270º CC, e é um acontecimento futuro e incerto ao qual as
partes podem subordinar a produção dos efeitos do negócio jurídico ou a sua resolução. Denota-se
que o artigo 270º aplica-se a qualquer negócio jurídico, podendo haver condições tanto em contratos,
como também em negócios jurídicos unilaterais (ex: proposta contratual pode ter condição).
O acontecimento terá sempre de ser, simultaneamente, futuro e incerto – por exemplo, não pode
existir um contrato que só produza efeitos SE uma das partes morrer, visto que tal acontecimento é
certo na sua verificação em geral, sendo apenas incerto no momento específico que se irá verificar.
A condição poderá ser suspensiva, quando faz com que determinado negócio jurídico produza
efeitos se se verificar determinada condição, e não antes dessa verificação (ex: contrato de compra e
venda de um carro, que produz efeitos se a gasolina subir acima dos 3€/litro em 2023). Já a condição
resolutiva faz com que determinado negócio jurídico produza efeitos até determinada condição estar
preenchida (ex: contrato de compra e venda de um carro que deixa de produzir efeitos se a gasolina
descer abaixo do 1.5€/litro).
No fundo, a condição é um instituto que pode servir para várias finalidades diferentes – sendo
que serve, sobretudo, para antecipar possibilidades futuras, com o estabelecimento de consequências
jurídicas no caso de se verificar determinado facto. Poderá ser utilizada, também, para influenciar o
comportamento de uma das partes, pondo uma condição nos efeitos dos contratos (ex: compro-te um
carro se passares de ano).

Características
Relativamente às suas características, estas extraem-se no artigo 270º. Assim, a condição deve
1) ter sempre fonte contratual (“as partes podem subordinar…”), não podendo ter fonte legal. Depois,
a condição 2) diz sempre respeito a um evento futuro, em relação ao contrato, e incerto, quanto à sua
verificação e ao momento da verificação – sendo que, quanto ao momento, podem existir condições
que, caso se verificam, o irão ser a certo momento (ex: se o sporting ganhar o jogo no dia x, a condição
será verificada no dia x). Além disso, uma condição 3) afeta necessariamente a produção de todos os
efeitos jurídicos, ou seja, a sua verificação terá de conduzir ou à realização ou à cessação de vigência
do contrato como um todo, não podendo ser apenas relativa a alguns elementos do contrato (“a
produção dos efeitos jurídicos do negócio ou a sua resolução”).
Quando alguma destas características não está presente, a condição denomina-se de imprópria.
Nestes casos, o regime legal das condições poderá ser aplicado, mas com as necessárias adaptações,
dado não existirem todas as características verificadas (analogia). Assim, alguns exemplos de
condições impróprias são:
➔ Evento passado ou presente (mas desconhecido das partes): Este é um caso discutível – por
exemplo, uma igreja já foi pintada, mas a pintura da igreja não é conhecida das partes, que fazem
depender o contrato feito da condição de esse acontecer. O professor Carlos Almeida acha que
estas são, na mesma, condições “perfeita”, tendo por base a lógica de que o que é futuro é o
conhecimento, logo para as partes este é ainda incerto (mesmo que para o resto do mundo não o
seja), pelo que cabe na definição. No entanto, tal lógica pode não se verificar na situação em que
as pessoas têm a possibilidade de verificar esse facto antes de formar o contrato com a cláusula.

➔ Afeta apenas uma parte dos efeitos: Cláusulas que fazem depender de determinado acontecimento
apenas uma parte dos efeitos.

➔ Condições legais: Cláusulas que falham a característica da estipulação pelas partes (ex: registo –
artigo 687º; homologação da transação – artigo 290º, nº4 CPC).

Além disso, a condição não pode, sob pena de nulidade, ser contrária à lei ou à ordem pública
ou ofensiva dos bons costumes (artigo 271º, nº1) – sendo que, aqui, não é apenas a cláusula que é
nula, mas sim todo o contrato. Também não são admitidas cláusulas que sejam físicas ou legalmente
impossíveis (artigo 271º, nº2); aplicando-se, aqui, um regime diverso consoante se trate de condição
suspensiva ou resolutiva: 1) se for uma condição suspensiva, a consequência é a nulidade do contrato;
2) se a condição for resolutiva, a condição tem-se por não escrita, sendo apenas esta eliminada do
contrato, que se mantém sem a mesma.
Por fim, vigora também, aqui, o princípio da liberdade contratual (artigo 405.º): pode-se ter
qualquer condição em qualquer contrato. No entanto, existem exceções a esta regra: por exemplo,
negócios como o casamento ou a perfilhação não podem ser sujeitos a condição, de acordo com os
artigos 1618º, nº2 e 1852º, nº1, respetivamente.

Tipos de condições próprias


As condições podem ser casuais, potestativas ou mistas. Nas condições casuais, o evento
futuro depende de facto natural ou de terceiro (ex: chuva, nascimento, autorização, vitória no
Mundial). Já nas condições potestativas, o evento futuro depende apenas de uma das partes (ex: se te
candidatares ao mestrado); sendo que apenas as condições potestativas não arbitrárias – aquelas que
dependem de uma das partes, mas não de forma excessiva – são admissíveis (ex: se acabares o curso,
se tiveres média de 15, etc.). As condições potestativas arbitrárias – que são consideradas dependentes
de factos que têm a ver com caprichos (ex: vendo um carro “se eu quiser”, “se me apetecer”) – não
são admissíveis. Por fim, nas condições mistas, o evento depende tanto de uma das partes, como de
facto natural ou de terceiro (ex: se houver neve e uma das partes aprender a esquiar; se candidatar ao
mestrado e for aceite).
As condições podem, ainda, ser de facto positivo – o evento altera uma situação anterior (ex:
se A casar com B) – ou de facto negativo – o evento não altera uma situação anterior (ex: se C não
participar no aumento de capital). Isto depende muito como se escreve a própria condição.
Por fim, as condições podem ser certas – o momento da possível verificação está determinado
(ex: se o sporting ganhar o jogo x) – e incertas – o momento da verificação também não está
determinado (ex: se A se casar). Dentro das incertas, as condições podem ser relativamente incertas,
se estiver determinado um momento até ao qual a condição se pode verificar, para trazer alguma
“certeza” às condições incertas (ex: se A se casar até 2023 – não sendo certa porque não é um dia
específico, mas relativamente incerta porque é “até” certo dia).

Verificação e não verificação da condição (artigo 275º CC)


A condição verifica-se se e quando o evento descrito na mesma tiver ocorrido. Pelo contrário,
considera-se que a condição não se verifica nas seguintes situações: 1) quando ocorrer um facto
incompatível com a verificação do facto (ex: se a equipa com a qual o sporting ia jogar ganha); 2) se
se tiver esgotado o tempo relevante previsto (ex: se A não se casar até 2023); ou 3) se houver a certeza
de que não se pode verificar, de acordo com o artigo 275º, nº1 (ex: se tiver um filho até 2023, e a
pessoa em questão, em novembro, ainda não está grávida).
Além disso, e segundo o artigo 275º, nº2, existem situações em que, independentemente de a condição
se verificar ou não se verificar, a situação é tratada de forma diferente – ficção jurídicas. Assim, 1)
quando uma das partes, a quem a verificação da condição não interessa, impede a verificação da
mesma, ficciona-se que a condição se verificou. Pelo contrário, se 2) existir uma provocação da
verificação da condição pela parte, a quem dá jeito verificar-se, considera-se não verificada a
condição. A lógica será deixar a condição naturalmente ser verificada ou não.
Para as condições verificadas, a regra é a retroatividade dos efeitos do preenchimento das
mesmas à data da conclusão do negócio (artigo 276º) – ou seja, tudo se passa ou como se o contrato
sempre tivesse produzido efeitos (desde que foi formado); ou como se o contrato nunca tivesse
produzido efeitos (desde que foi formado).
Pelo contrário, quanto à não verificação da condição, se for uma condição suspensiva, o contrato
nunca chega a produzir os seus efeitos típicos; mas, se for condição resolutiva, o contrato começa
logo a produzir os seus efeitos típicos desde a sua formação, até ao momento em que depois se verifica
a condição – nesse momento, esses efeitos extinguem-se.
A pendência da condição é, por sua vez, o tempo que decorre entre a celebração do contrato
e a verificação ou não verificação da condição. Durante esse tempo, as partes não têm ainda quaisquer
direitos; no entanto, existe já alguma coisa – nomeadamente, uma situação jurídica que se traduz na
expetativa da parte que pode adquirir um direito no caso de se verificar a condição. Ora, existe um
conjunto de normas que salvaguardam essa situação jurídica.
Segundo o artigo 272º, ambas as partes terão de agir de boa-fé, de forma a não comprometer a
integridade do direito da outra parte. Já o artigo 273º refere-se a atos conservatórios: a parte com a
expetativa existente pode praticar atos conservatórios para garantir que a coisa que possivelmente
será dela não se estraga (mesmo ainda não existindo um direito de propriedade). Por sua vez, o artigo
274º é relativo a atos dispositivos: se uma parte vender algo com uma condição suspensiva e, durante
aquele período, o futuro possível comprador decidir vender esse algo, tal negócio irá ficar dependente
de uma “condição” – é a própria lei que determina, na prática, que a condição contratual do primeiro
contrato terá de ser verificada para que o segundo contrato feito produza efeitos.
➔ Por exemplo, A e B fazem um contrato de compra e venda de um computador, com a condição
suspensiva de Portugal ganhar o mundial. B não tem nenhum direito, porque o contrato de compra
e venda só vai produzir efeitos a partir da verificação da condição suspensiva. No entanto, há já
uma expectativa do B, de comprar o comprador, que a lei entende que deva ser salvaguardada.
Assim, A, atual proprietário, poderá, também, realizar outro contrato de compra e venda com C;
mas este também ficará dependente da verificação ou não da condição do primeiro contrato: se
esta se verificar, A irá vender a B, e o contrato com C não produz efeitos.

Hipóteses
1) Gustavo combina com a filha que lhe dá 5000 €, mas que o negócio fica sem efeito se ela não se
batizar até novembro de 2023 e não for à missa todos os domingos até lá.
a) Qual é o tipo de condição?
Aqui, existem duas condições, ambas resolutivas, dado que o negócio começa a produzir
efeitos imediatamente, e deixará de produzir efeitos se essas ditas condições não se verificarem. Além
disso, a primeira condição resolutiva é relativamente incerta (“até novembro de 2023”); já a segunda
é discutível: existe um dia em que se verifica a condição ou não, nomeadamente no último domingo
(até novembro), pelo que será possível dizer que esta é certa.
Depois, ambas são potestativas não arbitrárias, visto que ambas dependem da ação da filha –
sendo que poder-se-ia, também, classificar a segunda condição como mista, dado poder haver factos
não dependentes da filha para ela não poder ir à missa (por exemplo, se cair neve e ela não conseguir
sair de casa) – e de facto negativo.

b) Esta é válida? E quais os efeitos se não for válida?


Aqui, não existe uma exceção ao princípio da liberdade contratual, dado que não existe um
negócio em que não é legalmente admissível existir uma condição (como um contrato de casamento).
No entanto, tal contrário poderá, à luz do artigo 271º, ser visto como sendo contrário à lei ou à ordem
pública (princípios fundamentais de cada ordenamento jurídico), na medida em que mexe com o
princípio da liberdade religiosa e os seus limites, nomeadamente se se pode ou não abdicar da mesma.
Se se considerar que esta, por isso, não é válida, o contrato será nulo como um todo (artigo
271º, nº1) – não existindo, neste âmbito, a diferença entre condição resolutiva e suspensiva.

2) Gustavo combina com a filha que lhe dá 5000 €, mas que o negócio fica sem efeito se ela não
conseguir saltar 50 m no salto à vara até 15 de dezembro de 2022.
a) Qual é o tipo de condição?
Esta é uma condição relativamente incerta, resolutiva, potestativa não arbitrária e de facto
negativo.

b) Esta é válida? E quais os efeitos se não for válida?


Tal condição não é válida por ser fisicamente impossível (artigo 271º, nº2) – logo, e por ser
resolutiva, tem-se como não escrita, pelo que a filha pode conservar os 5000 euros, visto que o
contrato de doação mantém-se e apenas a condição é excluída.
3) A empresa Carros a Brilhar vendeu um automóvel a Maria. Estipularam no contrato que a
propriedade do automóvel só se transfere para M se e quando ela pagar o preço na totalidade.
Aqui, refere-se ao artigo 409º, relativo à reserva de propriedade: segundo este artigo, a
cláusula de reserva de propriedade é admissível, que faz com que a propriedade só se transfere com
o pagamento total. No entanto, esta apenas condiciona um dos efeitos, nomeadamente a transferência
da propriedade – logo, será uma condição imprópria, dado que para determinar esta cláusula como
condição, seria necessário que esta condicionasse a vigência dos efeitos de todo o contrato (por
exemplo, M já tem a obrigação de pagar a totalidade do preço, pelo que alguns efeitos do contrato de
compra e venda já estão a ser produzidos, sem ser o direito da propriedade).

4) Manuel combina com Ricardo que lhe vende o seu automóvel, mas que o contrato só produz
efeitos se o Estoril ganhar o campeonato nacional de futebol. A 5 jornadas do final o Estoril está
a 20 pontos do primeiro. M pode vender o carro a Lúcia antes do final do campeonato?
É necessário perceber se a condição já se verificou ou não, de acordo com o artigo 275º, nº1:
existe alguma certeza de que a condição já não se pode verificar? Em princípio, matematicamente,
não será possível, dado que o Estoril apenas pode acumular, no máximo, 15 pontos (5*3) – logo, a
condição é ficcionada como não se tendo verificada. Assim, M poderá vender o carro a Lúcia, dado
que o contrato entre M e R não produz efeitos.

TERMO (artigos 278º e 279º):


O termo é uma cláusula pela qual as partes acordam que os efeitos do contrato começam (ex:
celebram um contrato de fornecimento de café, estabelecendo que são fornecidos X kg de café a partir
do dia 18 de novembro) – termo inicial – ou cessam (ex: DJ contrata com uma discoteca para que
atue até o dia 31 de novembro) – termo final – a partir de certo momento. O negócio pode, ainda, ter
um termo inicial e um termo final (ex: contrato de internet produz efeitos entre o dia 1 de janeiro de
2021 e termina no 31 de dezembro de 2022).
Ao contrário da condição, no termo, a produção de efeitos ou a cessação dos efeitos do
contrato ficam na dependência de um acontecimento futuro, mas certo (ex: “quando tu morreres”).
Apesar de o termo se referir sempre a um acontecimento futuro, mas certo, na sua verificação; o
momento dessa verificação pode, contudo, ser certo ou incerto – por exemplo, os termos “o contrato
vigora entre 1 de julho e 20 de novembro de 2015” serão, respetivamente, inicial e final, ambos certos;
já o termo “o contrato produz efeitos na data da morte de A” será incerto.
Aplicam-se, ao termo, algumas das regras relativas aos efeitos da condição na sua pendência,
nomeadamente o respeito pela boa-fé (artigo 272º) e os atos conservatórios (artigo 273.º). De notar,
ainda, que há casos em que a inclusão de um termo altera o tipo contratual (ex: contrato de trabalho
a termo, diferente do tipo contratual contrato de trabalho – passando-se a aplicar um regime de normas
diferente). No entanto, na maior parte dos casos, isso não acontece.
Quanto à validade, existe, no termo, também como regra geral, o princípio da liberdade
contratual (artigo 405º) – sendo que, em regra, os negócios jurídicos que não permitem a inclusão de
condição, também não permitem a cláusula relativa ao termo (ex: casamento). Além disso, existem
ainda outros casos em que a lei estabelece limites para a estipulação do termo, muitas vezes com o
intuito de proteger uma das partes (ex: limitação do termo final de um contrato de telecomunicações,
com máximo de 24 meses).
O regime das CCG determina, nos artigos 18º e ss., que existem cláusulas que são sempre proibidas
– ora, estas cláusulas, ainda que parte de regimes supletivos, detém algum grau de imperatividade:
acontece, por exemplo, com a alínea e) do artigo 21º, que diz respeito ao termo. Pode-se, então, estar
perante uma CCG que diga respeito ao termo, e que coloque uma das partes em desvantagem.
Assim, o ordenamento jurídico não pretende que as partes fiquem vinculadas por um tempo excessivo
– pelo que se existir cláusula de termo perpétuo, o contrato é considerado nulo. O ordenamento
jurídico não tem uma lei que o determina, mas esta figura de termo perpétuo é contrária à ordem
publica: não se admitem termos excessivos, que ponham em causa a liberdade individual.

Computo/cálculo do termo (Artigo 279º)


1) “O contrato de arrendamento produz efeitos até ao meio de fevereiro” – Aqui, aplica-se a alínea
a): O termo confere-se até dia 15 de fevereiro.

2) “O contrato entra em vigor dentro de quinze dias” – Aqui, aplica-se a alínea d): Quando se diz
quinze dias, interpreta-se como duas semanas. Assim, se se celebrar o contrato dia 15/11, numa
terça-feira, o termo termina à meia-noite de terça (dia 29/11), para quarta (dia 30/11); utilizando-
se, aqui, também a alínea c).

3) “O contrato entra em vigor dentro de 48 horas” (a celebração ocorreu no dia 17 de novembro,


às 10h) – Aqui, aplica-se a alínea d): 48 horas devem ser entendidas como 2 dias. Aplica-se, ainda,
a alínea b): Quando o prazo é em dias, não se inclui o dia em que o contrato é celebrado – assim,
o prazo começará a correr no dia 18 de novembro, entrando em vigor dia 19 de novembro, à meia-
noite (ou seja, no final do dia 19, para dia 20).

4) “O contrato entra em vigor daqui a 10 minutos” – Aqui, aplica-se a alínea b): Pode-se entender,
por interpretação extensiva, que quando o prazo é contado em minutos, não se conta o minuto em
que o contrato é celebrado (ex: se o contrato tiver sido acordado às 14:24, o prazo começa-se a
contar às 14:25, e o contrato entra em vigor às 14:36).

5) “O contrato vigora durante seis meses” – Aqui, aplica-se a alínea c): O prazo fixado em meses
termina no dia correspondente do mês em causa, não importando se o mês é de 30 ou de 31 dias.

6) “Estabelece-se que o contrato produz efeitos a partir de meio de 2022” – Aqui, aplica-se a alínea
a): o contrato irá produzir efeitos a partir de 30 de junho de 2022.

7) “Cessa os efeitos dentro de 2 anos – Aqui, aplica-se a alínea c): Sendo hoje dia 16 de novembro,
logo cessa os efeitos às 24h do dia 16 de novembro de 2023, na passagem do 16 para o 17.

8) “O contrato produz efeitos durante 4 décadas” – Aplica-se a alínea c), relativamente aos prazos
com unidade de tempo superior ao ano.

NOTA: Estas regras são supletivas – por exemplo, no exercício 3, se as partes dissessem que queriam
“dentro de 48 horas, exatamente”, as normas seriam afastadas, e o contrato entrariam em vigor no dia
19, às 10h.
Interpretação dos Contratos
As regras de interpretação dos contratos estão previstas nos artigos 236º a 238º. No entanto,
por exemplo, num documento contratual único, é impossível distinguir as declarações das partes e,
com isso, é também impossível distinguir declarante ou declaratário – assim, as partes são ambos
declarantes e declaratários dos elementos que constam do negócio. Ora, muitos contratos são
concluídos pelo modelo de documento contratual único, pelo que é necessário fazer uma leitura
ajustada do artigo 236º para estes casos.

Segundo o CC, a primeira norma a que se recorre, aquela que indica a primeira tarefa a cumprir
para interpretar, é a do nº2 do 236º. Aqui, denota-se que a vontade real é algo que nunca se percebe
em concreto, é indecifrável – assim, sabendo-se o sentido que a parte queria atribuir, é esse que vale,
mesmo que não seja o sentido que resultasse para um declaratário normal. Além disso, nos casos dos
documentos únicos, quem quis pôr a cláusula no contrato e teve a iniciativa no contrato, é de quem a
vontade real interessa.
Assim, apenas se recorre ao artigo 236º, nº1 se não estiverem preenchidos os elementos para aplicar
o nº2 – nomeadamente, se não se souber o sentido que o declaratário pretendia, a sua “real vontade”.
Nesses casos, deduz-se o sentido do que seria normal de esperar do declaratário normal colocado
nesse lugar; isto, salvo se a outra parte não conseguir razoavelmente contar com aquele sentido – ou
seja, terá de existir una ligação mínima, não podendo ser algo completamente inimaginável e
inalcançável. Por outras palavras, aplica-se esta regra a não ser que o declarante não pudesse
razoavelmente contar com esse sentido “normal”. O sentido da interpretação tem, também, que ter o
mínimo de correspondência com a letra da lei do contrato.
Já o artigo 237º aplica-se em caso de dúvidas: segundo este, assume-se o sentido menos
gravoso para o predisponente, ou aquele que conduz ao maior equilíbrio das prestações. Denota-se,
aqui, que as partes podem querer celebrar um contrato profundamente desequilibrado, pelo que só se
procura o equilíbrio das prestações em contratos duvidosos. O mesmo acontece no âmbito do regime
das CCG, nomeadamente com o artigo 11º: na dúvida, privilegia-se o aderente, ou seja, quem não
negociou as cláusulas contratuais gerais.

Hipótese
O Rio e a Tóquio estão a preparar um projeto e precisam de 50 máscaras. Celebraram então um
contrato com a Party Co. através de documento contratual único. O contrato foi assinado a 28/11/22,
às 10h e inclui a seguinte cláusula: “As máscaras serão entregues no prazo de 48h”.
Para perceber quem é o declarante e quem é o declaratário, no que diz respeito à cláusula
incluída num documento único como o que está, aqui, em causa, será necessário interpretar o artigo
236º no contexto deste tipo de documentos, visto que este parte da ideia de que há alguém que redige
e declara e outra pessoa que é o destinatário – o que não é o que, de facto, acontece no documento
único. Assim, será necessário adaptar o artigo 236º, de modo a aplicá-lo melhor.
Segundo o artigo 279º, al. d), as máscaras devem ser entregues no dia 30 às 24h, começando
o prazo a contar no dia 29. No entanto, a questão que se coloca aqui é se o artigo 279º, ao abrigo da
interpretação do contrato, não deveria ser agastado, e o prazo ser dia 30 às 10h. No entanto, o contrato
é vago, pelo que se defende a aplicação do artigo 279º: se se tivesse posto “48h, a partir de agora”,
seria mais claro que não se devia aplicar o artigo 279º.
Além disso, o outro único elemento que poderia indiciar tal afastamento, era a existência de uma
urgência e necessidade que a entrega decorresse às horas certas – no entanto, o que interessa, em
última análise, é se a Party Co conhecia ou não o contexto do projeto. É, assim, necessário, muitas
vezes interpretar o contrato para decidir como interpretar as normas, tendo em conta a especificidade
do contrato e o conjunto global do contrato.


Invalidade e Ineficácia
Cessação da vigência do contrato
No regime de invalidade, também existe cessação de efeitos; no entanto, na cessação da
vigência do contrato, não se fala de invalidade: isto porque, na invalidade, a cessação de vigência é
originária – na medida em que existe retroatividade na declaração da anulabilidade ou nulidade, sendo
o motivo dessa cessação já originário do contrato. Além disso, na cessação de vigência do contrato,
fala-se de ineficácia em sentido estrito (ou seja, de um ato existente e válido, que se tornou
superveniente ineficaz); ao passo que, na invalidade, existe ineficácia em sentido amplo.
Assim, fala-se de cessação de vigência quando o contrato deixa de produzir efeitos – ou seja, quando
este se torna ineficaz. Esta cessação pode ser feita por vários fundamentos.

REALIZAÇÃO DOS EFEITOS PRETENDIDOS:


A vida normal de um contrato é iniciar a produção dos efeitos acordados e, depois, quando
todos estes efeitos tiverem sido produzidos, o contrato cessa a sua vigência – este é, então, o
fundamento que as partes têm em mente, a via mais comum.
Se, por exemplo, se estiver perante um contrato obrigacional, esta lógica será equivalente a
dizer que tal contrato se extingue quando são cumpridas todas as obrigações – ou seja, a cessação da
vigência do contrato dá-se pelo cumprimento. Outro exemplo será o contrato de comodato: segundo
o artigo 1137º, nº1, o contrato cessa vigência logo que finde o uso determinado para o qual a coisa
foi emprestada – ou seja, num contrato de comodato, os efeitos podem cessar quando a coisa foi
emprestada para um fim determinado, e esse uso determinado, que era a base para o dito contrato de
comodato, termine.
Normalmente, a realização plena dos efeitos é diferida, existindo um prazo em que o contrato
produz efeitos. No entanto, pode existir casos em que a própria cessação é imediata, dado os efeitos
se darem todos ao mesmo tempo que eles se produzem (ex: doação com tradição – com a entrega da
coisa, os efeitos começam e acabam no mesmo exato momento).

REESTRUTURAÇÃO:
As partes são livres de modificar o conteúdo contratual, sempre por acordo e dentro dos limites
da lei. Consequentemente, essas modificações, por vezes, ao reestruturarem o contrato, fazem cessar
os efeitos do contrato reestruturado. Não se fala, aqui, de distrate – ou seja, por acordo, acabar com o
contrato –; aqui são as partes que, ao restruturarem, vão acabar com o contrato que tinham.
Por exemplo, o próprio ato de dação em cumprimento (artigo 837º) corresponde a um contrato,
nomeadamente um contrato com função económico-social de reestruturação, real quanto à
constituição – emprega-se qualquer coisa para cumprimento de um contrato, que é diferente daquilo
que inicialmente tinha sido acordado. Ora, ao celebrar este contrato, na verdade as partes fazem cessar
os efeitos do contrato original, havendo uma reestruturação que modificou a forma de cumprimento
– existindo um “novo” contrato (caso a prestação modificada seja a única em falta).

DISTRATE ou REVOGAÇÃO BILATERAL:


Nestes casos, existe um contrato pelo qual as partes acordam na cessação de contrato anterior.
Esta figura é uma clara manifestação da liberdade contratual (artigo 406º): se as partes podem, por
acordo, celebrar um contrato; também podem, por acordo, concordar que o contrato celebrado fica
sem efeito. Isto, apenas se o contrato ainda estiver em vigor: não se pode distratar um contrato se ele
já tiver cessado os seus efeitos – por exemplo, é possível revogar bilateralmente um contrato compra
e venda; mas se se trocar o objeto, isto já será um novo contrato, e não um distrate do contrato anterior
(trocando, por exemplo, uma camisola comprada por outra no dia seguinte – essa troca já é um novo
contrato, e não um distrate).
➔ O distrate está mais pensado para contratos de execução duradoura; no entanto, nada impede
noutra situação de execução imediata.
As partes do contrato determinam se os efeitos são apenas para o futuro – ex nunc – ou desde
o início – ex tunc. O contrato de distrate tem como efeitos a cessação da vigência de outro contrato,
sendo que pode, também, originar efeitos positivos (ex: obrigação de devolver a coisa vendida ou
locada, devolução do preço, etc.).
Alguns tipos contratuais referem expressamente a possibilidade do distrate, mas essa
referência não é necessária – decorre, diretamente, do princípio da liberdade contratual (artigo 406º,
nº1). Dois exemplos em que a própria lei menciona a possibilidade das próprias partes revogarem o
contrato por acordo são o artigo 1170º, nº2, relativo ao mandato; e o artigo 1079º, relativo ao
arrendamento urbano.

REVOGAÇÃO (UNILATERAL):
A revogação unilateral (também referida como revogação) não é, em regra, admissível:
decorre isto do princípio pacta sunt servanda que os contratos são para serem cumpridos tal como
foram acordados pelas partes; assim como do artigo 406º, nº1 (“só pode extinguir-se por mútuo
consentimento dos contraentes”). Assim, para se perceber se, no caso concreto, é possível a revogação
unilateral, é necessário procurar autorização na lei ou no contrato – e, caso esta não exista, não pode
ser revogado o contrato.
Uma das principais diferenças entre a revogação e a resolução é que a revogação não tem fundamento
associado – é apenas uma declaração para fazer cessar o contrato. Assim, ao contrário da resolução
(fundado, por exemplo, pelo incumprimento de uma obrigação), a revogação caracteriza-se por
extinguir o contrato sem necessidade de invocação de fundamento ou justificação: uma parte declara
que já não quer mais o contrato.
Normalmente, como a revogação unilateral tem de estar prevista na lei, ela irá ter um regime
específico. Na maior parte das vezes, tendencionalmente, se um contrato for de execução duradoura,
a revogação tem efeitos para efeitos; já se for uma execução instantânea, tem efeitos retroativos.
Exemplos
Um dos exemplos em que pode haver revogação unilateral do contrato é a representação sem
poderes (artigo 268º, nº4).
Outro exemplo é o contrato de mandato (artigo 1170º, nº1 e 2): ambas as partes podem, em
regra, revogar o contrato de mandato (nº1). No entanto, esta regra não se aplica quando o mandato
tiver sido celebrado no interesse do mandatário ou de terceiro – nesse caso, não há revogação
unilateral, como resulta do nº2, sendo que o contrato só pode ser revogado por acordo ou com
fundamento em justa causa (o que já entra na resolução).
O direito à revogação unilateral é um direito potestativo; o que significa que o contrato é
livremente revogável mesmo que haja convenção em contrário, ou seja, mesmo que as partes incluam,
no contrato, uma cláusula, que estabelece que não é possível revogar o contrato.
Justifica-se esta restrição à lógica de se poder alterar o contrato por acordo, pela lógica do mandato.
Ou seja, no mandato, o mandatário produz efeitos jurídicos na esfera jurídica de outra pessoa – e, por
isso, em conformidade com o princípio da intangibilidade da esfera jurídica, faz sentido que tenha a
possibilidade de, a qualquer momento, impedir a pessoa de produzir os efeitos jurídicos na esfera
alheia. Por isso é que também o mandatário tem sempre essa possibilidade: não pode ser obrigado a
produzir atos jurídicos na esfera de outrem, se não o quiser.
Outro exemplo será o direito de arrependimento (figura do Direito do Consumo). Tal
justifica-se porque existe uma parte que está numa posição de menor poder, nomeadamente quanto à
capacidade de informação – especialmente, nos contratos celebrados à distância, previsto no artigo
10º do Decreto-Lei nº 24/2014. Segundo este, “o consumidor tem o direito de resolver o contrato sem
incorrer em quaisquer custos, [...] e sem necessidade de indicar o motivo, no prazo de 14 dias”. Ou
seja, sempre que um contrato é celebrado à distância, sem a presença simultânea das partes, o
consumidor (e apenas o consumidor) tem a capacidade de revogar – apesar de a norma dizer
“resolver”, dado que existe alguma divergência na doutrina sobre isto (isto, porque normalmente a
revogação tem efeitos retroativos, e aqui não costuma ter).

RESOLUÇÃO (artigos 432º e ss.):


A resolução também só é admitida se tiver fundada na lei ou no contrato; distinguindo-se da
revogação por essa permissão vir sempre acompanhada por um fundamento específico. Ou seja, tem
de ter acontecido qualquer coisa que fundamente a cessação dos efeitos (não basta o simples
desinteresse, por exemplo).
Assim, a resolução é a cessação da vigência por ocorrência 1) de uma condição resolutiva – efeito
automático da verificação da condição, havendo resolução do contrato quando este incluía uma
condição resolutiva, e esta se verifica – ou 2) de uma declaração de um dos contraentes, podendo este
resolver o contrato porque decorre do próprio contrato que, naquelas situações, a parte pode resolver
o contrato; ou se resulta da lei. Neste último, não é necessário ir para um tribunal para fazer esta
resolução: esta opera face a uma declaração à outra parte, sendo um direito potestativo – pelo que,
com a declaração, o contrato fica automaticamente resolvido; mas isso também não impede a
intervenção, não necessária, do tribunal, caso a outra parte ache a resolução, em si, controversa (artigo
436º, nº1).
A resolução origina ineficácia (artigos 270º – condição resolutiva – e 433º – declaração das
partes), que retroage, em princípio, ao momento da celebração (artigos 276º – condição resolutiva –
e 434º, nº1 – declaração das partes). Ou seja, a resolução é equiparada à nulidade ou à anulabilidade,
podendo ser necessário ver esses regimes para concluir sobre os seus efeitos (existindo exceções
quanto à retroatividade). No entanto, nos contratos de execução continuada ou periódica não abrange,
em princípio, as prestações já efetuadas – salvo exceções do artigo 434º, nº2, em que a resolução cria
obrigações, nomeadamente a obrigação de restituir o que tiver sido entregue.

NOTA: O termo “rescisão” é um termo que às vezes se utiliza, mas que não é um termo especialmente
preciso em termos jurídicos; normalmente, quando utilizado, é utilizado como sinónimo de resolução.
No entanto, não é aconselhável, pela sua imprecisão, que se utilize.

Resolução convencional
Na resolução convencional, as partes incluem uma cláusula que lhes permite resolver o
contrato com determinados fundamentos – tendo de ser estes diferentes dos estabelecidos legalmente
(se não for, será resolução legal). À partida, as pessoas podem estabelecer os fundamentos de
resolução que quiserem, com dois limites:
➔ Segundo o artigo 809º, tal cláusula não pode implicar, para ter esse direito à resolução, que a parte
(credor) renuncie a outros direitos, em caso de incumprimento – por exemplo, ao direito ao
cumprimento. Ou seja, não se pode ter uma cláusula em que a resolução serve como forma
encapotada de a parte renunciar a todos os outros direitos; não se podendo utilizar a mesma como
forma de diminuir a proteção de credor.

➔ A cláusula também não pode ser abusiva, por dois critérios diferentes: 1) a cláusula que coloca
uma das partes em posição de clara vantagem em posição ao outro, de tal forma que se considera
que atenta contra a boa-fé, não é admissível (ex: casos em que se estabelecem causas tão amplas,
em termos de possibilidades de resolução, que chegam a contrariar o que se considera razoável
num âmbito de um contrato); e 2) segundo o regime das CCG, artigo 22º, nº1, alínea b), são
proibidas, consoante o quadro negocial padronizado, as cláusulas que “permitem, a quem as
predisponham resolvê-lo sem motivo justificativo, fundado na lei ou em convenção”.
o Por um lado, entende-se que não é possível cláusulas que determinam a revogação unilateral
(“resolveu sem motivo justificativo”). Por outro, esse motivo justificativo será no sentido de
ser uma justificação razoável: por exemplo, a cláusula estipula que o contrato é
automaticamente cancelado se o devedor passar um dia do prazo do pagamento do serviço –
ora, um dia de incumprimento não seria suficiente enquanto motivo justificativo.

Alguns exemplos comuns destas cláusulas são: eventos anormais (ex: verificação de um
terramoto), incumprimento de deveres acessórios – que, por si só, não seriam suficientes, em termos
legais, para fundar uma resolução, mas ao qual as partes atribuem uma especial relevância –, etc. De
notar que as oscilações de preços não são condições resolutivas porque não operam automaticamente,
ou seja, exigem um exercício do direito potestativo à resolução.

Resolução legal
Na resolução legal, o fundamento de resolução está previsto na lei – ou seja, é a própria lei
que determina que, se determinada situação acontecer, a própria parte tem a possibilidade de
resolução do contrato – existindo uma decisão do credor de exercer esse direito.
Existem dois conjuntos de fundamento legais que é possível encontrar na lei:
➔ Alteração das circunstâncias (artigo 437º): Nos casos em que, apesar de ninguém ter incumprido,
existe uma alteração anormal das circunstâncias em que as partes fundaram a sua decisão de
contratar, a parte lesada pode resolver o contrato. Assim, o fundamento de resolução não é que
uma das partes fez algo de errado; mas sim algo exterior ao contrato, a que a lei atribui relevância.

➔ Alguns casos de incumprimento: Incumprimento, aqui, é usado em sentido amplo, dado que não
são todas as situações de incumprimento que dão direito à resolução do direito – como se viu, a
resolução do contrato não opera automaticamente. Assim, um dos exemplos da exceção a esta
regra é o incumprimento definitivo (artigos 808º + 801º), que está dentro da impossibilidade de
incumprimento imputável ao devedor.

DENÚNCIA:
A denúncia é a forma utilizada para a cessação de contratos de duração indeterminada ou com
renovação automática sem limite de tempo (ex: contrato de arrendamento) – sendo que a esses
contratos podem, no entanto, ser aplicadas outras formas de cessação de vigência. De notar que a
denúncia não é um instituto que se encontra no CC com carácter geral; a denúncia, como fundamento
geral, acaba por ser uma construção doutrinal, baseada na ideia de que o ordenamento jurídico
português não admite vinculações contratuais perpétuas, por contrariarem a ordem pública.
No entanto, e apesar de existir autores que defendam que a denúncia é sempre possível – o
que parece excessivo, visto que, em última análise, se admite com a denúncia uma revogação
unilateral –, tal não é verdade. Assim, em geral, a denúncia é livre, mas: 1) é necessário ver o regime
aplicável ao caso concreto, visto que há vários regimes de tipo contratual com normas específicas
sobre a denúncia; e 2) tendo em conta que a denúncia é uma construção doutrinária, com a lógica
explicada, é necessário ver, no caso concreto, se já passou o tempo suficiente para se considerar que
obrigar à manutenção do contrato é contrário à ordem pública – ou seja, se choca a ordem pública a
pessoa ter de continuar vinculada àquele contrato –, de forma a não quebrar de forma não justificada
o princípio pacta sunt servanda.
Como não há um regime geral da denúncia, esta encontra-se referida a propósito de tipos
concretos, como por exemplo:
➔ Arrendamento urbano de duração indeterminada (artigo 1100º, nº1): Prevê-se e, ao mesmo tempo,
limita-se o direito à denúncia.

➔ Arrendamento urbano com prazo certo (artigo 1097º): Prevê-se porque o contrato ir-se-á renovar
automaticamente, se as partes não tiverem convencionado nada em contrário – portanto, este
acaba por se estender no tempo. Assim, o senhorio pode impedir esta renovação automática,
mediante pré-aviso, em oposição à renovação automática – podendo-se considerar isto uma
categoria à parte da denúncia; ou uma denúncia, em termos lógicos, sendo que tal terá os mesmos
efeitos da denúncia.

➔ Comodato (artigo 1137º, nº2): Quando a parte exige a devolução da coisa, o outro é obrigado a
restituí-la – ou seja, umas das partes tem possibilidade de fazer cessar os efeitos do contrato, que
perdura no tempo.
CADUCIDADE:
A palavra “caducidade” pode ser utilizada em dois sentidos: enquanto 1) caducidade de
direitos (artigos 328º e ss.); ou enquanto 2) caducidade de contratos. Ora, nesta segunda, a extinção
do contrato opera de forma automática: ou seja, opera ipso facto, pela simples ocorrência do facto,
sem necessidade de nenhuma atuação adicional (nomeadamente, pelo tribunal ou pelas partes). É,
também, uma categoria residual: só se o caso concreto não puder ser encaixado em mais nenhuma
categoria, é que se encaixará na caducidade.
O principal fundamento da caducidade é o termo final: ou seja, sempre que se verifica o facto
que ou as partes acordaram, ou que decorre da própria lei, o contrato cessa os seus efeitos nesse
momento, pela ocorrência desse facto; isto, seja o termo certo ou incerto (ex: o artigo 1051º, alínea
a), relativo à locação).
Além disso, o contrato caduca, também, sempre que se um desaparecimento irreversível e
insubstituível de um elemento necessário do conteúdo do contrato. Está-se, assim, perante um
contrato em que as partes não estabeleceram qualquer termo. Algumas situações-exemplo são:
➔ Morte: Nos casos em que a morte – não prevista no contrato como termo – de um dos contraentes
ocorre, em regra, as posições contratuais passam através de sucessão, pelo que os efeitos do contrato
não cessam. No entanto, a morte já fará caducar o contrato, se este se tratar de uma obrigação intuitu
personae (ex: contrato de prestação de serviços para a cantora X cantar).

➔ Quando o objeto desaparece: Nos casos de impossibilidade total e superveniente da prestação


característica (artigo 795º), onde o cumprimento não é imputável ao devedor, também a
contraprestação automaticamente desaparece. Assim, fala-se, aqui, em caducidade, dentro da lógica
de que despareceu um elemento que era essencial para o contrato e, por isso, o contrato extingue-se
automaticamente (não sendo uma resolução, porque aí é necessária uma declaração). Um exemplo é
o artigo 1051º, al. e) relativa à locação: quando desaparece o objeto, extinguem-se os efeitos do
contrato – e, consequentemente, este caduca.

DISSOLUÇÃO (exceção):
A dissolução é uma figura que não é verdadeiramente uma figura de extinção. Assim, fala-se
em dissolução do casamento ou de pessoas jurídicas. Nestes casos, dissolve-se uma “comunidade”,
sendo que essa dissolução tem efeito indireto no contrato: ou seja, não se faz nada, em concreto, para
fazer cessar os contratos feito; mas, ao dissolver a pessoa coletiva ou o casamento, faz-se extinguir o
contrato através do qual essas pessoas foram criadas.
Daí que não se fale de um fundamento verdadeiro, visto que a forma como o próprio contrato
cessa é reconduzida a um outro fundamento – por exemplo, se for por um acordo de todos os
envolvidos que o contrato da sociedade se cessa, existe o fundamento do distrate; já se for no caso do
casamento, existe uma revogação unilateral. Ainda assim, é uma figura com peso e regimes próprios.
Exercícios
1. Verdadeiro ou Falso?
a) A caducidade de um contrato depende sempre do decurso do tempo: A afirmação é falsa,
dado que esta também pode depender de outros elementos que não o termo final – por
exemplo, a morte em casos de obrigação intuito personae.

b) A denúncia opera ipso facto: A afirmação é falsa, dado que a denúncia é o fundamento de
cessação de contrato de execução duradouro, precisando da declaração de uma das partes para
que cesse os efeitos. De notar que, na denúncia, será discutível se a parte tem ou não o direito
de denunciar; mas, mesmo que se conclua que existe esse direito potestativo, em nenhum
momento existirá uma ocorrência automática de cessação de efeitos.

c) Distrate e revogação são a mesma figura: A afirmação é falsa, visto que o distrate é uma
revogação bilateral, enquanto revogação é unilateral.

d) A realização dos efeitos tal como previstos no contrato produz a ineficácia: A afirmação é
verdadeira – na cessação de vigência do contrato, fala-se de ineficácia em sentido estrito (ou
seja, de um ato existente e válido, que se tornou superveniente ineficaz).

e) A revogação unilateral não é admissível: A afirmação é falsa, dado que, apesar de a regra
geral ser que as partes não podem, sozinhas, se desvincular de um contrato que foi celebrado
por um acordo, existem exceções em que esta é, no entanto, admissível.

f) A resolução depende sempre do incumprimento: A afirmação é falsa, viso que, além do


incumprimento, existem outros fundamentos legais para a resolução – por exemplo, a
alteração das circunstâncias, ou até a própria resolução convencional.

g) A morte de um contraente faz caducar o contrato: A afirmação é falsa, visto que, regra geral,
a morte transmite a posição contratual para os herdeiros. O contrato só caducará com a morte
se tiver por base uma obrigação intuito personae.

h) A revogação bilateral tem sempre eficácia retroativa: A afirmação é falsa, dado que as partes
são livres de contratar aquilo que quiserem relativamente aos efeitos do distrate.

i) Um acordo de reestruturação não é apto a cessar a vigência de um contrato: A afirmação é


falsa, visto que nem todos os acordos de reestruturação fazem cessar a vigência; sendo que
podem, no entanto, haver acordos de reestruturação que, de facto, o fazem.

j) A denúncia constitui um direito potestativo: A afirmação é verdadeira, dado que, sempre que
estão verificados os requisitos para a denúncia, conclui-se que existe um direito potestativo,
na medida em que o titular pode exercê-lo – e, ao fazê-lo, vai alterar a realidade existente sem
que a outra parte se possa opor, nomeadamente com a cessação do contrato.

2. Completa as seguintes frases:


a) A resolução do contrato pode ter fonte contratual ou legal.
b) Entre os fundamentos de cessação de vigência de um contrato, têm natureza bilateral os
seguintes: distrate e reestruturação.
3. Resolve os seguintes casos práticos:
a)
António é realizador. Celebrou um contrato de prestação de serviços sem termo final com a
empresa que produz o Big Brother para realizar as várias edições do programa. Ao fim de dois
meses, envia uma carta a dizer: “Este contrato está terminado”.
Este contrato é de execução continuada e indeterminada, pelo que a modalidade de cessação
de vigência do contrato será denúncia. Ora, quando a denúncia é baseada nos princípios da ordem
pública (e não na lei), esta é possível apenas quando se considerar que já é insuportável, para a pessoa,
manter no contrato – no entanto, isso não é o que acontece aqui. Assim, António não tinha grande
justificação/fundamento para defender que não deve ser obrigado a permanecer naquele contrato,
caindo tal lógica para a liberalidade da revogação unilateral – algo que iria acabar por violar o
princípio pacto sum servanta.
É necessário notar, ainda, que existe, aqui, um contrato de prestação de serviços; pelo que se
deve aplicar, com as devidas alterações, as disposições do mandato, sendo que a lei não regula este
tipo específico de contrato (artigo 1156º). No entanto, será esta aplicação justificável? Ou seja, a
analogia enquanto fundamento para esta aplicação tem de fazer sentido – logo, aplicam-se as normas
do mandato como o artigo 1156º manda; mas, depois, é necessário ver se a norma, no caso concreto,
se justifica. Ora, a razão pela qual o mandato é livremente revogável, é porque se entende que poder-
se-á a alguém revogar a autorização de esse alguém praticar atos em seu nome ou por conta do mesmo
– sendo que, neste caso, não existe a mesma razão de ser, não fará sentido fazer essa analogia.

Tinha ficado acordado no contrato que A tinha direito ter um escritório com vista para o Tejo
na sede da empresa. Ao fim dos mesmos dois meses dizem-lhe que isso não vai ser possível porque
não há gabinetes disponíveis. A envia uma carta a dizer: “Considero este contrato anulado, uma vez
que incumpriram o que foi acordado”.
A interpretação que um declaratário normal daria à declaração de António, é que este pretende
fazer cessar os efeitos do contrato. No entanto, esta declaração não é juridicamente correta, visto que
não há, aqui, fundamento para essa anulação.
A alteração das circunstâncias pressupõe algo externo ao credor e ao devedor, o que não é o
caso. Assim, o que existe aqui não é uma revogação unilateral ou uma denúncia, mas sim uma
capacidade de resolução – que necessita um fundamento para considerar o contrato cessado. Ter-se-
ia, então, de discutir se havia um incumprimento suficiente para ser considerado que o contrato estava
definitivamente incumprido, visto que, nesses casos, pode haver resolução por incumprimento, nos
termos dos artigos 808º e 801º, nº2.

Ao fim de 10 anos, a meio de uma edição, A recebe um convite de uma produtora rival e envia
uma carta a dizer: “Este contrato está terminado”.
Provavelmente, ao final de 10 anos, já se pode utilizar o instituto da denúncia, porque já se
pode considerar que não é razoável A estar tanto tempo vinculado ao contrato. No entanto, a denúncia
tem de respeitar as regras gerais da boa-fé e, a não ser que A demonstre que não pode, efetivamente,
esperar por alguma razão, à partida não poderá denunciar o contrato a meio de uma edição, nos termos
do artigo 762º, nº2 – isto, porque todo o comportamento contratual deve seguir as regras da boa-fé.
b)
Bernardo celebrou um contrato com Marta, ambos colecionadores de livros. Acordaram que
M compra em nome do B todas as 1.ªs edições de livros da Sophia de Mello Breyner que encontrar
durante dois anos e o B lhe paga 50 € mensais. Do contrato consta também uma cláusula que
determina a proibição de revogação do mesmo. Ao fim de um ano B envia uma carta a M a revogar
o contrato. Pode?
O contrato que está aqui em causa é o de mandato, regulado pelo artigo 1170º. A questão em
causa é, então, se a pessoa pode revogar quando existe uma cláusula no contrato que diz que não pode
ser revogada. Ora, o que esta cláusula faz é que a consequência da revogação, quando foi combinada
a irrevogabilidade, seja a indemnização da parte que não revogou o contrato; mas tal cláusula não faz
desaparecer o direito à revogação.

c)
Num contrato consta a seguinte cláusula: “Este contrato cessa os seus efeitos se o preço da
batata subir acima dos acima dos 4€ até dia 31/12/22”. Noutro a seguinte: “A parte x pode resolver
o contrato se o preço da batata subir acima dos 4€ até dia 31/12/22”. Qualifique estas cláusulas. O
que acontece a ambos os contratos no dia 1/1/22, se a batata estiver a custar 5€?
A primeira cláusula é uma condição resolutiva, sendo automática. Já a segunda não é
automática, dado ser uma cláusula que atribui o direito a uma das partes de resolver o contrato – ou
seja, é uma resolução convencional. Assim, numa condição resolutiva, esta quando se verifica o facto
da condição, os efeitos produzem-se automaticamente; já na resolução convencional, será necessário
que a parte, a que a cláusula atribui este direito, declare que o quer exercer – sendo que, se se optar
por isso, irá cessar os efeitos do contrato por via de resolução.

Incumprimento dos Contratos


Regime do incumprimento
O ordenamento jurídico português não contém um regime de incumprimento dos contratos;
assim, tudo o que se aplica a obrigações, aplica-se a direito dos contratos. Por sua vez, o regime
português é muito fragmentado, sobretudo quando comparado ao Regime da Convenção de Viena –
onde existem apenas dois conceitos chave para todo o regime do incumprimento –, existindo várias
distinções, nomeadamente 1) entre atuação culposa ou não culposa, 2) se é impossível cumprir ou
não, 3) se a impossibilidade é total ou parcial, etc.

Enquadramento sistemático:
O CC faz uma distinção entre incumprimento imputável ao devedor (incumprimento culposo
– artigos 798º a 912º) e incumprimento não imputável ao devedor (incumprimento não culposo –
artigos 790º a 797º), colocando uma grande importância sobre o elemento da culpa: assim, se a pessoa
incumprir culposamente, o regime aplicável vai ser muito mais desfavorável do que o regime aplicado
ao incumprimento sem culpa.
O conceito de culpa encontra-se no artigo 487º, que é apreciada, na falta de outro critério legal, pela
diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso (nº2). Ou seja, saber se
se está perante um cumprimento imputável ou não vai depender de se concluir que o devedor, ao
incumprir, não agiu com a diligência exigida a um bom pai de família, naquelas circunstâncias. Além
disso, no âmbito da responsabilidade contratual, a culpa presume-se, segundo o artigo 799º – ou seja,
se nada ficar provado, o incumprimento vai ser considerado culposo; só assim não será se o devedor
conseguir ilidir essa presunção, provando que agiu como um bom pai de família agiria.
A seguir, existe a distinção entre as situações de impossibilidade e as situações de
incumprimento (não impossibilidade). Nas primeiras, o devedor já não consegue cumprir a prestação,
por variadas razões – sendo que estas podem, depois, ser impossibilidades imputáveis ou
impossibilidades não imputáveis. Já nas segundas, o devedor ainda consegue cumprir a prestação –
casos que, no essencial, se reconduzem a situações de mora.
Por fim, existe uma terceira categoria: o cumprimento defeituoso. O CC não tem um regime
geral do cumprimento defeituoso, mas esta é uma categoria muito importante, onde caem todas as
situações onde há prestação, mas ela não corresponde àquilo que foi contratualmente acordado.
Assim, ter-se-á de ir à procura do regime aplicável ao cumprimento defeituoso nos regimes dos tipos
de contratos do caso concreto; e, caso isso não resulte, será necessário fazer, então, uma analogia.

Quando é que o credor pode resolver o contrato em resultado de um incumprimento?


Quando se fala de impossibilidade não culposa objetiva, existe uma extinção da obrigação que
é impossível e, consequentemente, uma desobrigação do devedor (não incumpridor) relativamente à
outra prestação correspondente (artigo 795º) – sendo-lhe esta devolvida, caso já tenha sido feita. Estes
efeitos ocorrem por mero efeito da lei; não existindo, aqui, uma resolução enquanto meio de cessação
do contrato. Se, no entanto, a impossibilidade não culposa for subjetiva – ou seja, que diz respeito à
pessoa do devedor –, esta implica a extinção da obrigação apenas se o devedor não se puder fazer
substituir por outra pessoa; ou seja, nos casos de ser uma obrigação intuito persona, desaparecendo,
depois, também a contraprestação, segundo o mesmo artigo.
Ainda dentro da impossibilidade não culposa, existem outras distinções, tais como:
➔ Impossibilidade parcial (artigo 793º): Quando o devedor só puder cumprir em parte a prestação,
a regra geral (nº1) é que este se exonera prestando aquilo que for possível, com a consequência
de que a contraprestação irá ser proporcionalmente reduzida de acordo com essa parte prestada.
O nº2, por sua vez, dá ao credor um direito potestativo à resolução nos casos em que não tenha
justificadamente (juízo de objetividade) um interesse na prestação parcial.

➔ Impossibilidade temporária (artigo 792º): Quando o devedor não puder, naquele momento,
cumprir, mas ainda o poderá fazer no futuro, a obrigação não desaparece imediatamente; assim
como não existe a possibilidade de resolver o contrato – será sempre necessário esperar pelo
desfecho, podendo este ser uma impossibilidade efetiva se, entretanto, o credor deixe de ter
interesse no cumprimento da prestação.
o De notar que, como não é imputável ao devedor, durante o tempo em que há mora, o devedor
não será responsável pelos prejuízos do credor com a mesma.

Seguidamente, existem os casos de imputabilidade ao devedor, onde se presume a culpa. Aqui,


a distinção feita é entre impossibilidade parcial e impossibilidade total; existindo, depois, também, o
regime da mora em concreto.
Relativamente à impossibilidade parcial culposa (artigo 802º), regra geral, o credor tem a faculdade
de resolver o negócio. No entanto, segundo o nº2, o credor não pode resolver o negócio se a parte em
falta for de escassa importância. Conclui-se, então, que a regra prevista para a impossibilidade parcial
não culposa é invertida: perante uma impossibilidade não culposa, o contrato mantém-se, exceto se o
credor mostrar que não tem interesse na prestação parcial; já na impossibilidade culposa, o credor
tem direito a resolver o contrato, exceto se o não cumprimento parcial tenha escassa importância.
Relativamente à mora (artigo 817º), o devedor está em mora sempre que ainda é possível o
cumprimento da prestação que não foi feita por culpa do devedor. Enquanto houver esta situação de
mora, a outra parte apenas pode exigir judicialmente o dito cumprimento e, eventualmente, uma
indemnização – mas não pode resolver o contrato.
Para conseguir fazê-lo, terá de converter a mora em incumprimento definitivo (artigo 801º, nº2),
existindo duas vias para o fazer (artigo 808º):
➔ Fixação de um prazo suplementar, na lógica de um “prazo final”: Com este prazo, num primeiro
momento, o credor não pode optar pela resolução do contrato; mas, para também não ter de ficar
sempre preso àquele contrato, através de uma declaração, pode atribuir um prazo suplementar
para o cumprimento – que terá de 1) reforçar a finalidade do prazo e 2) ser razoável, de acordo
com as circunstâncias do caso. Caso este não seja cumprido, passa-se então para uma situação de
incumprimento definitivo.

➔ Perda objetiva do interesse do credor, sendo que esta terá de ser simultaneamente subjetiva (artigo
808º, nº1 – é aquele credor que perde o interesse) e objetiva (artigo 808º, nº2 – a perda terá de ser
consequência da mora, para qualquer pessoa colocada na posição do credor).
O regime português permite que estes dois mecanismos corram ao mesmo tempo: portanto, se o
credor perder o interesse a meio do prazo, em princípio poderá fazer a conversão antes do prazo
terminar. No entanto, este terá de agir, na mesma, de boa-fé: se, por exemplo, o credor já sabia que
era possível perder o interesse a meio do prazo e, mesmo assim, estabeleceu esse prazo, então não
poderá fazer essa conversão – visto que estará a desrespeitar a expectativa que esse prazo formou no
devedor (que poderá, até, incorrer em gastos para cumprir a prestação).
Denota-se que, às vezes, esta conversão pode ser automática, na medida em que a mora afigura-se
como um mero momento lógico: no próprio momento em que se entra em mora, essa é
automaticamente convertida em incumprimento definitivo. Isto acontece, por exemplo, com
obrigações que precisam, obrigatoriamente, de ser prestadas num dia específico ou até um dia
específico para serem cumpridas – por exemplo, contratar um cantor para um casamento, sendo que
se perde o interesse caso o cantor venha cantar só no dia a seguir ao casamento.

Incumprimento na CISG (Convenção de Viena)


A versão portuguesa da Convenção de Viena, ainda que feita pelo legislador nacional, é uma
tradução que, por isso, tem de ser interpretada à luz da versão original – dado que português não é
uma língua que lhe faça fé.
Assim, a Convenção abrange contratos de compra e venda, sendo o conceito de compra e
venda da Convenção mais amplo do que o do direito português – e, por isso, alguns contratos de
empreitada (à luz do direito português) são, também, incluídos no conceito de contrato de compra e
venda da Convenção. Esta já não se aplica, no entanto, a contratos de consumo, ou seja, em contratos
onde alguém compra algo para utilização pessoal a um profissional; mesmo sendo esse contrato um
contrato de compra e venda.
Além disso, o artigo 1º estabelece que a Convenção se aplica: 1) quando ambos os Estados – existindo
um requisito de internacionalidade, em que as partes têm de ser Estados diferentes – aderiram à
Convenção; ou 2) quando as regras de Direito Internacional Privado conduzem à aplicação da lei de
um Estado Contratante.
Relativamente à sua estrutura, a principal (e única) divisão feita na Convenção é entre obrigações do
vendedor (capítulo II) e obrigações do comprador (capítulo III). Isso leva a que haja uma duplicação
de artigos: uma norma vai falar do vendedor e outra vai falar do comprador – por exemplo, o artigo
45º fala sobre os meios de defesa em caso de incumprimento contratual pelo vendedor (indemnização
por perdas e danos – alínea b do nº1); enquanto o artigo 61º quanto aos meios de defesa em caso de
incumprimento contratual pelo comprador.

A lógica da Convenção é de que existem dois patamares de gravidade do incumprimento,


distinguidos pelo conceito de violação fundamental (artigo 25º): uma violação simples está no 1º
patamar, enquanto uma violação fundamental do contrato passa o credor para o 2º patamar. No
essencial, a violação fundamental inclui dois requisitos:
➔ Privação substancial: “quando causa à outra parte um prejuízo tal que a prive substancialmente
daquilo que lhe era legítimo esperar do contrato” – ou seja, a tónica não está colocada no que o
devedor fez de mal, mas sim a consequência no credor.

➔ Previsibilidade: “salvo se a parte em incumprimento não previu esse resultado” – ou seja, a parte
em incumprimento tem de ter previsto esse resultado ou tem de dever ter previsto esse resultado,
na medida que um pessoa razoável, colocado nas mesmas circunstâncias, o teria feito. Tenta-se
perceber se o devedor conseguiria ou não prever as consequências do seu incumprimento.
o Por ex., o devedor devia ter previsto que não entregar atempadamente a encomenda, que tinha
para entregar, teria como consequência uma privação do que era legítimo ao credor esperar.
Assim, no 1º patamar, encontram-se os meios que podem ser utilizados perante uma violação do
contrato, independentemente da sua gravidade, desde que estejam respeitados os pressupostos de cada
um – trata-se, por exemplo, do direito ao cumprimento, à reparação, à redução do preço e à
especificação das características do bem. Já o 2º patamar engloba o direito à substituição ou resolução,
que só estão disponíveis para o credor em caso de violação fundamental, preenchidos os requisitos.
Pode acontecer, também, que a não situação inicial de violação fundamental seja convertida
em violação fundamental, através do mecanismo do prazo suplementar (artigos 47º e 63º). A diferença
entre este mecanismo na Convenção, e aquele presente no ordenamento jurídico português, é que,
neste último, o credor pode deixar cair o prazo suplementar disponibilizado para o devedor, e
imediatamente resolver o contrato, caso haja perda de interesse do credor. Já a Convenção não permite
isto: o credor fica obrigado a respeitar o prazo suplementar estabelecido, mesmo existindo, entretanto,
uma violação fundamental.
➔ Neste contexto, não é necessário verificar se houve culpa nem se ainda é possível cumprir. A
Convenção prescinde de juízos de valor sobre o comportamento; no que diz respeito à resolução
o regime apenas verifica se o incumprimento configura uma violação fundamental ou se, não
configurando, foi feita uma conversão com recurso ao mecanismo do prazo suplementar.
Cumprimento defeituoso
No cumprimento defeituoso, existe entrega de alguma coisa ou há prestação, mas essa coisa
entregue ou prestação feita não corresponde ao que foi acordado. Diferente acontece no
incumprimento, onde, como se viu, não há prestação nem entrega.
Se se estiver a falar de uma divergência de quantidade, a doutrina portuguesa diverge quanto à
arrumação das situações, que podem ser configuradas de duas formas. Por um lado, pode-se entender
que 1) há efetivamente uma entrega, mas que essa não corresponde ao acordado e, por isso, existe um
caso de incumprimento defeituoso. Por outro lado, pode-se entende que 2) uma entrega parcial e, por
isso, há um cumprimento parcial – logo, aplica-se o regime da impossibilidade parcial (artigo 793º,
se não for imputável ao devedor; ou artigo 802º, se for imputável).
➔ Na opinião da professora, quando se fala de uma divergência de quantidade, o regime a aplicar é
o da impossibilidade parcial, não só por uma questão de prática, mas também porque,
efetivamente, há uma parte da obrigação que não foi cumprida – ou seja, não é um cumprimento
mal feito, mas sim uma parte do cumprimento que ficou por fazer.
Destaca-se, neste âmbito, também a figura do aliud pro alio: casos em que houve a entrega de algo
totalmente diferente, inadequado para o fim pretendido com o que estava no contrato. Nestes casos,
a prestação é de tal forma distante do que foi convencionado, que nem se pode configurar que houve
incumprimento defeituoso – assim, existe incumprimento, aplicando-se o regime geral do
incumprimento. Esta figura só se aplica, no entanto, em casos gritantes: por exemplo, se se compra
um carro e é entregue uma mota.
Não há referência à figura do cumprimento defeituoso na parte geral do CC. Assim, a primeira
coisa a fazer quando se está perante um incumprimento defeituoso é ver qual o tipo contratual do caso
concreto e se, para esse tipo contratual, existe um regime para o incumprimento defeituoso. Alguns
exemplos de tipos contratuais que têm um regime previsto para o incumprimento defeituoso são:

Contrato de empreitada:
Do artigo 1222º CC, decorre que só se pode aceder ao direito à redução do preço ou resolução
do contrato, depois de esgotar os mecanismos de eliminação dos defeitos ou substituição da obra (ex:
contrato para fazer um vestido rosa, mas fazem um vestido azul) – isto, desde que tais defeitos não
tornem a obra inadequada ao fim a que se destina; caso em que o credor poderá exigir logo a redução
do preço ou resolução do contrato (ex: fazer um vestido com as medidas erradas). Aqui, o conceito
de desconformidade é mais útil, na medida em que é mais amplo, para abranger o necessário no
âmbito do direito dos contratos – nomeadamente, tudo aquilo que é acordado entre as partes: a coisa
é desconforme com o contrato sempre que não apresenta as características acordadas pelas partes.

Contrato de compra e venda:


Primeiramente, é necessário perceber que contrato de compra e venda é que se está a analisar,
em concreto. Se este estiver em contexto de contrato internacional, aplica-se o regime da Convenção;
já se for uma relação de consumo, aplica-se o Decreto-Lei nº84/21. Só nos restantes casos, é que se
aplica o regime do CC.
Relativamente ao regime do CC, este opera uma distinção entre coisa específica e genérica.
Segundo o artigo 913º, em caso de cumprimento defeituoso na venda de coisa específica,
aplica-se o regime da venda de bens onerados. Consequentemente, tal cumprimento é anulável por
erro ou dolo, se sofrer de vício que o desvalorize ou impeça a realização do fim a que é destinado; ou
se não tiver as qualidades asseguradas pelo vendedor (artigo 905º, parte final). Assim, será necessário
ir para o regime do erro (artigo 250º, nº1), e tentar perceber se os requisitos do mesmo estão
verificados, segundo o artigo 247º.
No entanto, ao determinar que o contrato é anulável quando há venda de coisa defeituosa, o legislador
assume que existe um erro, na medida em que há uma divergência entre o que se queria e aquilo que
se disse que queria (o que está por detrás do pensamento). No entanto, na realidade, não é isso que
acontece: o que aconteceu é que houve uma falha não do credor, mas do devedor, que entregou uma
coisa errada. Assim, o regime do CC é altamente protetor do vendedor e altamente não protetor do
comprador – pelo que é muito difícil resolver um contrato de compra e venda em que foi entregue
uma coisa defeituosa, dado que os requisitos da anulabilidade são muito difíceis de provar.
Assim, é possível fazer um caminho diferente, com o artigo 914º: ou seja, exigir a reparação ou
substituição da coisa que tenha defeito, desde que o vendedor não desconhecesse do vício (2ª parte).
Este é especificamente pensado para as situações em que a coisa é especifica; isto porque, quando a
obrigação é genérica, não se pode falar da “entrega de uma coisa que não era acordado”, dado que o
que foi acordado é apenas o género.
➔ Na opinião da professora, se se for por este caminho do artigo 914º, e a obrigação efetivamente
existir (ou seja, se a exceção da 2º parte não se aplicar), mas o vendedor não cumprir, já se poderá
falar de incumprimento e, daí, partir para o regime geral do incumprimento.
Já no caso de cumprimento defeituoso na venda de coisa genérica, o artigo 918º remete para
o regime geral do incumprimento, na sua segunda parte: se a venda respeitar a coisa indeterminada
de certo género entregue com algum defeito. Ter-se-á de ver, então, se o incumprimento é imputável
ou não, se ainda é possível cumprir ou não, etc. – tendo em atenção que a impossibilidade é sempre
pouco provável (artigo 540º).

Importa, ainda, fazer uma referência ao regime da Convenção. Para esta, a estrutura é unitária
para qualquer tipo de incumprimento, o que significa que o cumprimento defeituoso é tratado da
mesma forma que o incumprimento em geral. Assim, o direito à resolução atribui-se nas mesmas
circunstâncias: ou seja, apenas se houver violação fundamental ou conversão para tal violação.
Por fim, faz-se, também, referência ao regime do Decreto-Lei nº 84/2021. No essencial, este
diploma aplica-se a relações de consumo: contratos celebrados entre um profissional e
um consumidor (tendo sempre de haver um de cada). No elemento de consumidor, existem vários
subelementos, sendo o principal o elemento teológico, que determina que é consumidor aquele que
adquire determinado bem ou serviço para utilização pessoal. Este diploma diz, também, respeito ao
fornecimento de conteúdos e serviços digitais.
Relativamente a este, realçam-se os requisitos de conformidade, nos artigos 5º ao 9º.
Hipóteses
1. Alberto tem uma mercearia em Lisboa. Celebrou com a Queijos Fedorentos um contrato de CV
de 50 queijos tipo Serra. Foi acordado que a entrega ocorreria 15/12. A celebrou este contrato
porque um cliente seu vai organizar uma festa de Natal a 16/12 e pretende servir estes queijos.
QF nada sabe deste outro contrato nem tinha sido acordado que a data de entrega era essencial,
e atrasou-se na entrega. A pode resolver o contrato no dia 17/12?
Neste caso, ir-se-á aplicar o CC, visto que as partes são ambas empresas (dois profissionais)
– e, por isso, nunca se poderia aplicar o regime do DL; além de que, adicionalmente, nada diz que tal
contrato se insere no âmbito internacional.
Assim, será necessário perceber se existe ou não cumprimento. Consegue-se concluir que não
há, aqui, cumprimento defeituoso, visto que não chegou a haver entrega de nada – portanto, existe
incumprimento. Seguidamente, é necessário verificar se este é ou não culposo – ora, segundo o artigo
799º, este presume-se culposo, não existindo nada no enunciado que permita afastar tal presunção.
Portanto, ir-se-á aplicar o regime de incumprimento imputável ao devedor.
No entanto, denota-se que, aqui, está-se perante uma situação de incumprimento, e não de
impossibilidade, dado que ainda é possível cumprir a prestação; assim, o devedor encontra-se numa
situação de mora. Não se tendo acordado que a data de entrega era essencial, a mora não é apenas um
momento lógico e, consequentemente, não existe imediatamente a conversão em incumprimento.
Para haver conversão da mora, é necessário perceber se havia um novo prazo, ou se houve perda do
interesse do credor. Não tendo sido dado um prazo suplementar, será necessário avaliar apenas se
existiu perda do interesse do credor, algo avaliado a nível subjetivo e objetivo (artigo 808º, nº2).
Subjetivamente, o credor perdeu o interesse, sendo ele próprio que o diz; no entanto, para a perda de
interesse objetiva, interessa saber se outra pessoa razoável, colocada na mesma situação daquele
credor, também teria perderia o interesse. Neste caso, conclui-se que, sim, qualquer pessoa que tivesse
celebrado um contrato para revender queijos numa festa, perderia interesse nesse contrato depois do
dia da festa (independentemente de ter ou não explicitado isso no contrato). Isso significa que o credor
perde o interesse, remetendo o art. 808º para o art. 801º, nº1: o credor pode resolver o contrato.

a) E se Alberto tivesse comprado queijo Brie a um vendedor sedeado em França? Pode A


resolver o contrato?
Aqui, já será aplicada a Convenção de Viena, dado que as partes são de dois Estados
diferentes, assinantes da Convenção. Ora, neste caso, quem incumpriu foi o vendedor, pelo que é
necessário ir à parte do incumprimento contratual pelo vendedor (artigos 45º e ss.). Aqui, seria
necessário discutir se existe ou não uma violação fundamental, nos termos do artigo 25º, dado que só
se o incumprimento configurar uma violação fundamental é que o comprador (neste caso) irá poder
resolver o contrato. De notar que a conversão para essa violação não está em discussão, dado não ter
sido acionado o prazo suplementar necessário para que tal aconteça.
Para que o incumprimento configure uma violação fundamental, existem dois requisitos a
serem preenchidos. A privação substancial será fácil de provar como verificada; já quanto à
previsibilidade, para a Convenção não é suficiente que o credor tenha perdido o interesse – a parte
que está em incumprimento terá de ter tido a capacidade de prever que tal incumprimento ia resultar
numa privação substancial. Neste caso, seria difícil comprovar tal coisa, dado que o comprador não
poderia ter previsto que o seu atrasado dois dias na entrega do queijo iria resultar em privação
substancial daquilo que o vendedor podia ter esperado, dado não saber sobre a festa.
2. Maria comprou:
a) A Rafa um relógio antigo que era da sua mãe. Quando M o recebe percebe que não funciona.
Aqui, o regime aplicável é o do CC – Rafa não é profissional, nem o contrato se insere num
contexto internacional. Está-se perante uma situação de cumprimento defeituoso: existe uma entrega
efetiva de uma coisa que corresponde à coisa que tinha sido acordada, mas que tem um defeito. Assim,
é necessário identificar o tipo contratual em causa, para perceber se este tem um regime específico
do cumprimento defeituoso.
Sendo um contrato de compra e venda de coisa específica, e não genérica, a situação cai no
âmbito do artigo 913º que, por sua vez, remete para o artigo 905º: o contrato é anulável por erro ou
por dolo, sendo preciso ver o artigo 251º, que remete para o artigo 247º, quanto aos requisitos do erro;
ou para os artigos 253º e 254º, quanto aos requisitos do dolo. Conclui-se, assim, que não há resolução
do contrato – o que poderá haver é uma anulação do contrato, caso os requisitos estejam preenchidos.

b) À Worten um computador para usar no seu trabalho de designer. O computador não liga.
Aqui, o regime aplicável é o do CC, dado que o fim da compra não é uso pessoal, mas sim
para fins profissionais. Está-se perante uma situação de cumprimento defeituoso: existe uma entrega
efetiva de uma coisa que corresponde à coisa que tinha sido acordada, mas que tem um defeito. Assim,
é necessário identificar o tipo contratual em causa, para perceber se este tem um regime específico
do cumprimento defeituoso.
Sendo um contrato de compra e venda de coisa genérica, e não específica, será necessário ir
ao artigo 918º, que remete, na sua segunda parte, para o regime geral do incumprimento. Assim,
presume-se a culpa do devedor (artigo 799º), pelo que se cai no âmbito do incumprimento imputável
ao devedor. Quanto a haver impossibilidade ou mora, não existindo informação em contrário,
presume-se que o género não se esgotou – portanto, existe uma situação de mora. A única
possibilidade para resolver quando se está em mora será ou fixando um novo prazo para substituição
ou reparação que configura incumprimento; ou demonstrando que houve uma perda de interesse
subjetivo e objetivo do credor.

c) À Worten um aspirador para sua casa. Passado três meses o aspirador deixa de funcionar.
Aqui, o regime aplicável é o do Decreto-Lei nº84/2021, dado que a Worten é um profissional
e Maria um consumidor. Assim, poderá haver resolução do contrato nos termos do artigo 15º, nº4,
depois de esgotada a possibilidade de reparação ou substituição.

d) À Bella Vitta, empresa com sede em Itália, 500 cápsulas de café para servir aos clientes no
seu estúdio de design. O café sabe mal.
Aqui, já será aplicada a Convenção de Viena, dado que as partes são de dois Estados
diferentes, assinantes da Convenção. Ora, neste caso, quem incumpriu foi o vendedor, pelo que é
necessário ir à parte do incumprimento contratual pelo vendedor (artigos 45º e ss.). Aqui, seria
necessário discutir se existe ou não uma violação fundamental, nos termos do artigo 25º: por um lado,
existe uma privação substancial, dado que o facto de o café saber mal poderá prejudicar a relação
entre as empresas e os clientes; por outro, tal resultado poderia ser previsto pelo devedor incumpridor.
Logo, o contrato poderia se resolvido.

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