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INTRODUÇÃO
O que é o Direito Processual Penal?
O Direito Processual Penal e Direito Penal:
O Direito Processo Penal é um conjunto de normas que regulam a aplicação do direito penal
aos casos concretos – ou seja, que regulam o processo que conduz à aplicação de sanções criminais
aos agentes de infrações criminais. É, assim, um direito que serve o Direito Penal, esse substantivo,
ou seja, que detém os crimes pelos quais as pessoas serão julgadas.
Tal é necessário, devido à existência do princípio da judicialidade do processo: ninguém,
pode ser condenado pela prática de um crime, sem ser no âmbito de um processo penal, com
intervenção de um juiz (artigos 27º, nº2 e 32º, nº4 CRP). Assim, embora existam situações que serão
resolvidas independentemente de julgamento – nomeadamente, que o Ministério Público ache serem
possíveis resolver numa fase preliminar –, estas continuam, na mesma, a depender da intervenção do
juiz, nem que seja apenas para fins de homologação: isto, porque esta fase preliminar não é um
arquivamento do caso, mas representa sim uma afirmação da responsabilidade do agente, pelo que há
sempre a exigência de que essa responsabilidade conte com a intervenção de um juiz.
Concluindo, a relação entre o Processo Penal e o Direito Penal é, de acordo com a doutrina,
caracterizada por:
➔ Instrumentalidade: O Processo Penal é o instrumento através do qual se aplica o Direito Penal
– sem Processo Penal, o Direito Penal não se aplica (diferentemente do que acontece com o
processo civil).
➔ Autonomia: O próprio processo penal tem determinadas garantias; assim, e apesar de em última
análise se desembocar sempre no princípio da culpa, temos outras regras que são específicas do
processo penal (ex: direitos de defesa, questões de celeridade).
o Os factos na acusação são os únicos factos com que se pode contar; no entanto, é possível
que seja requerida a abertura de instrução, com o objetivo de enquadrar novos factos na
acusação feita ao arguido. Além disso, na fase do julgamento, há algumas alterações que
podem ser tomadas em conta, desde que não alterem substancialmente a acusação feita, e
sempre de acordo com o princípio do contraditório.
➔ Um procedimento legal e com um juiz imparcial, sem influências externas na formação do juízo;
➔ A existência de um direito a recurso;
➔ A existência de um direito a ser assistido por advogado;
➔ A existência de um direito a intérprete;
➔ A aplicação do princípio da presunção de inocência.
Considerando 20: «As autoridades competentes deverão abster-se de apresentar o suspeito ou o arguido como
culpado, em tribunal ou em público, através da utilização de medidas de coação física - como algemas, caixas de
vidro, gaiolas e imobilizadores da perna -, a menos que a utilização de tais medidas seja necessária por razões
específicas - quer relacionadas com a segurança (…), quer para impedir os suspeitos ou os arguidos de fugir ou de
ter contacto com terceiros, como testemunhas ou vítimas.»
Artigo 5.º, n.º 1: «Os Estados-Membros tomam as medidas adequadas para assegurar que o suspeito ou o arguido
não são apresentados como culpados, em tribunal ou em público, através da utilização de medidas de coerção
física.»
o No entanto, este artigo já foi, de facto, aplicado no Processo Penal, nomeadamente no acórdão
324/2013: segundo o TC, o 29º deve ser aplicado quanto à proibição de analogia, no caso de
aplicação de normas processuais desfavoráveis ao arguido (ex: quando uma norma é aplicada
analogicamente para negar recurso a um arguido para o STJ) – contudo, tal interpretação foi
feita uma ou duas vezes, não existindo muito esse reflexo a nível geral na jurisprudência.
▪ De notar, no entanto, que as restantes normas processuais são de aplicação imediata, ao
contrário do direito penal substantivo: se se cometer um crime hoje, e o CPP for alterado
passado uma semana, será esse novo CPP que será aplicado, e não aquele em vigência
no momento do crime. Por isso, será uma posição que se justifica no caso acima; mas
que não se aplicará a todos os casos do artigo 29º CRP.
➔ Artigo 31º, relativo ao habeas corpus contra o abuso de poder, por virtude de prisão ou detenção ilegal.
o Nº4: Competência reservada do juiz para a instrução e para a prática dos atos instrutórios que
se prendam diretamente com os direitos fundamentais.
o Nº5: Submissão da audiência de julgamento e dos atos instrutórios que a lei determinar ao
princípio do contraditório.
o Nº7: Direito de intervenção no processo por parte do ofendido.
o Nº8: Cominação da nulidade das provas obtidas mediante tortura.
o Nº9: Princípio do juiz natural
➔ Artigo 206º, relativo à publicidade das audiências (por regra, embora ajam algumas exceções)
➔ Artigos 219º e seguintes, relativos ao estatuto do Ministério Público e exercício da ação penal:
o O estatuto do Ministério Público é uma norma bastante importante do processo penal, onde
se atribui a este a titularidade da ação penal, orientada pelo princípio da legalidade: é este que
dirige o inquérito, e não o juiz de instrução. No entanto, denota-se que, caso o Ministério
Público precise de recolher prova intensa, terá de pedir autorização ao juiz – este tem de
intervir para garantir os direitos fundamentais do arguido, mas não se afigura como um
investigador: há separação de poderes.
▪ Pode-se discutir, aqui, se esta “orientação pelo princípio da legalidade” implica que não
possa haver nenhuma margem de discricionariedade ou oportunidade no processo penal.
Concluindo, o direito processual penal é dos direitos mais influenciados pela CRP, porque é um
direito que tem a ver com a perspetiva que cada Estado tem dos direitos fundamentais – ou
seja, com as opções políticas ditadas na sua Constituição.
Segredo de Justiça
Regra geral, o inquérito não está sujeito a segredo de justiça, dado o processo ser público –
princípio da publicidade. No entanto, é possível determinar o mesmo, ainda na fase de inquérito. Tal
poderá ser feito com as seguintes finalidades (artigo 86º CPP):
➔ Proteger os direitos dos participantes processuais: Proteger a vítima é das finalidades mais
fortes; no entanto, também se pretende proteger os direitos dos arguidos e também do assistente,
que poderiam ser prejudicados se o processo pudesse ser acedido por terceiros e difundido – por
exemplo, o seu direito à reputação e dignidade (caso as suspeitas não se confirmem, depois).
o Isto aplica-se, especialmente, quando estes sujeitos são pessoas conhecidas.
O segredo de justiça só pode ser decretado durante o inquérito (artigo 86º, nº 2 e 3 CPP),
apenas pelos prazos determinados. Quando decretado, a sua eficácia vale tanto externa (para
terceiros), como internamente (para os sujeitos processuais). Assim, se tais prazos forem esgotados,
acaba-se o segredo de justiça interno: a fase de inquérito continua, mas os sujeitos passam a poder
aceder ao processo (artigos 89º, nº6 e 276º CPP).
Além disso, este pode ser decretado pelo Juiz de Instrução, a requerimento do arguido, do assistente
ou do ofendido (artigo 86º, nº2 CPP), no caso da proteção dos direitos dos participantes processuais.
Também pode ser decretado pelo Ministério Público, nos casos do nº3, tendo este de ser validado
pelo Juiz de Instrução no prazo de 72 horas.
O segredo de justiça proíbe as pessoas de assistir, tomar conhecimento ou divulgar a
ocorrência ou o conteúdo de ato processual. O segredo de justiça não incide sobre a existência de
factos históricos; mas, sim, sobre o facto de estes estarem a ser investigados no âmbito de um processo
criminal, e sobre os atos processuais que sobre eles incidem (ex: é legítima a investigação jornalística
autónoma de uma história).
➔ É possível, no entanto, que se acedam a certos elementos que estejam sobre o segredo de justiça,
ou fazer esclarecimento públicos (artigo 86º, nº13 CPP).
Sendo a regra a publicidade do processo (artigo 86º, nº6 CPP), mesmo não estando o processo
em segredo de justiça, existem regras para os meios de comunicação social (artigo 88º CPP). Por
exemplo, a publicidade não implica que se possa passar as imagens ou reproduzir peças processuais
na comunicação social – é proibida a publicidade de imagens e som, a menos que seja autorizado pelo
juiz e os próprios consintam. Também a publicidade não implica que o juiz não possa proibir a entrada
de menores no julgamento.
Acórdão TC nº 360/2016
A CMVM faz parte da administração do Estado, fazendo averiguações preliminares de forma
autonóma, para apurar a possível existência da notícia de um crime contra o mercado de valores
mobiliários ou outros instrumentos financeiros. Tal é justificado devido à complexidade da
criminalidade financeira e económica: o Ministério Público não tem um contacto direto com este tipo
de criminalidade, que não é evidente e requer uma série de analises técnicas – o que faz com que a
CMVM tenha uma posição privilegiada na fase de conhecimento e seleção dos factos relevantes.
➔ Para além disso, esta competência permite assegurar a viabilidade do mercado financeiro,
permitindo suprir falhas de mercado próprias do setor – prevenção de riscos sistémicos, que
podem até colocar em causa a solvabilidade dos próprios Estados.
As averiguações preliminares, sendo efetuadas por entidades administrativas especialmente
preparadas em termos técnicos, permitem que a investigação criminal posterior se concentre no
essencial e aproveite o trabalho realizado ainda em sede administrativa, e evita que sejam
remetidos para investigação criminal elementos sem viabilidade técnica no âmbito dos crimes
contra o mercado, o que potencia a eficiência e economia de meios da atuação das instâncias de
investigação criminal (evitando, por exemplo, a duplicação inútil de provas – o que poderia até
conduzir a investigação a resultados contraditórios entre si); e obsta a que os cidadãos sejam
desnecessariamente constituídos arguidos num processo criminal à partida votado ao insucesso
por razões técnicas.
Concluído o processo de averiguações preliminares, a CMVM remete os elementos relevantes à
autoridade judiciária competente para declarar a notícia de um crime – nomeadamente, o Ministério
Público (artigo 219º CRP). Implica isto que haja situações criminais, em relação aos quais a própria
obtenção da notícia pressupõe alguma análise técnica para se chegar à conclusão de que os factos
preenchem a previsão legal.
Ora, no caso do acórdão descrito, o arguido alega uma violação do princípio da
proporcionalidade. No que toca ao seu subprincípio da adequação, não há dúvidas de que a medida
restritiva de direitos — a possibilidade de a CMVM proceder a um processo de averiguações
preliminares — é um meio apto para a obtenção de factos que possam consubstanciar a notícia
de um eventual crime. De facto, a complexidade destas matérias requer conhecimentos técnicos
especializados que as permitam compreender cabalmente, pelo que a medida em causa parece, aliás,
afigurar-se como o meio mais apto para a prossecução do respetivo fim.
Em relação ao subprincípio da exigibilidade, também aqui é possível afirmar que o procedimento de
averiguações preliminares é necessário para a obtenção de factos que possam consubstanciar a
notícia de um eventual crime, não se vislumbrando que o legislador disponha de outros meios menos
restritivos para alcançar o mesmo desiderato.
Por fim, no que concerne ao princípio da proporcionalidade em sentido estrito, em face dos fins
pretendidos, não se afigura excessivo o recurso a averiguações preliminares prosseguidas por
uma entidade administrativa não judiciária, como a CMVM. De facto, é o regular funcionamento
dos mercados e do sistema financeiro que justifica a intervenção de entidades administrativas
especializadas nos termos previstos. Assim, pode haver restrição do processo equitativo,
nomeadamente do princípio nemo tenetur em determinadas situações no processo penal e na
regulação económica e social do Estado.
Concluindo, contrariamente ao afirmado pelo recorrente, a atribuição de competência à
CMVM para o processo de averiguações preliminares (e não ao Ministério Público) não viola o
princípio da proporcionalidade, nem, em consequência, a implica a violação de qualquer norma
constitucional. Não há inconstitucionalidade, na medida em que estas sejam feitas numa fase
preliminar à notícia de infração – depois disso, quem tem de dirigir obrigatoriamente o inquérito é o
Ministério Público.
Fim do inquérito
Chegando ao fim do inquérito, o Ministério Público pode chegar a uma de quatro conclusões:
1) há indícios suficientes da prática de um crime e de quem foi o seu agente; 2) não há indícios
suficientes; 3) a pessoa não praticou o crime; ou 4) o procedimento é legalmente inadmissível.
No caso de concluir que não há indícios suficientes ou que a pessoa em questão não praticou esse
crime, o Ministério Público apenas pode arquivar o processo (artigo 277º CPP) – podendo essa
decisão ser recorrível para o juiz de instrução. Se, contudo, concluir que existem indícios suficientes,
este tem várias alternativas: poderá, por um lado, partir para a acusação (artigo 283º CPP); por outro
lado, poderá selecionar as figuras do arquivamento em caso de dispensa de pena, ou a suspensão
provisória do processo. Tais serão aplicadas, sobretudo, nos casos de pequena criminalidade.
Será de notar que estas possibilidades ou alternativas processuais (ou de diversão) só poderão ser
acionadas depois do inquérito, e não logo quando se toma conhecimento da notícia do crime. Isto
porque, no inquérito, já há averiguação de factos e de prova que permite determinar a
responsabilidade (abstrata) do suspeito – havendo, ainda, um controlo feito pelo juiz de instrução.
Ora, só depois do inquérito é que, com tais provas, se poderá fundamentar a escolha destas alternativas
processuais, existindo menos riscos de haver abusos ou de corrupção do que se se desse tal
possibilidade logo no início.
Há, também o risco de violação do princípio da igualdade, na medida em o Ministério Público, para
situações idênticas, escolha vias diferentes. Ora, as preocupações com a atribuição destes poderes
discricionários podem ser acauteladas se se previr um ato mais formal e transparente – no entanto, a
opção do CPP é de, num momento inicial (notícia do crime), o Ministério Público não ter qualquer
possibilidade de não promover crimes de pequena criminalidade. Já no decurso do processo é possível
recorrer-se a estas duas alternativas que não a acusação, o que acaba por conseguir limitar este risco.
5. RECURSOS:
Regra geral, as sentenças proferidas no fim de um julgamento são recorríveis, a não ser
que o contrário seja expressamente previsto legalmente (artigo 399º CPP). Os recursos das decisões
de 1ª instância são, regra geral, da competência dos Tribunais da Relação (artigo 427º CPP) – exceto
nos casos em que a competência é especificamente atribuída ao Supremo Tribunal de Justiça.
Assim, a sentença condenatória é recorrível tanto pelo condenado, como pelo Ministério Público: este
último defende a legalidade e a procura da verdade, pelo que tem um dever de colaboração com o
tribunal – consequentemente, este pode recorrer não só no seu próprio interesse (para aumentar a
pena), como também pode recorrer no interesse do condenado, se achar que a pena atribuída não é
justa (artigo 401º, nº1, alínea a) CPP). Já no caso da sentença absolutória, esta poderá ser recorrível
tanto pelo Ministério Público, como pelo assistente.
Existe, nos recursos feitos no interesse do arguido (tanto pelo arguido, como pelo Ministério
Público), uma proibição de reformatio in pejus (artigo 409º CPP): ou seja, tal recurso não poderá
agravar a pena decidida em 1ª instância – esta apenas pode ser confirmada ou diminuída. Isto foi
estabelecido visto que, caso contrário, estar-se-ia a esvaziar, materialmente, o direito de recurso dado
ao arguido, visto que este iria ter medo de recorrer e acabar com uma pena maior.
Tal proibição já não se verifica nos restantes recursos, dado que o objetivo do recurso do Ministério
Público (a maior parte das vezes) ou do assistente será o aumento da pena. Assim, nestes casos, o
tribunal de recurso poderá agravar a pena – mas não poderá condenar o arguido por outro crime que
não aquele que tenha sido discutido no julgamento, ao abrigo do princípio do contraditório: o arguido
tem de ter tido a possibilidade de se defender destas novas acusações e consequentes condenações.
Os Sujeitos Processuais
Os sujeitos processuais são os intervenientes no processo que têm um poder de
conformação no processo: ou seja, aqueles que têm o poder de, com os atos que praticam, conduzir
o processo para um ou para outro lado. Assim, conclui-se que as testemunhas não são sujeitos
processuais, visto que os seus testamentos não resultam num determinado andamento do processo
(resultam, sim, numa possível decisão final) – não tendo, assim, possibilidade de praticar atos para
determinar o processo, no sentido, por exemplo, da sua continuidade.
Dito de outra forma, enquanto os participantes processuais “praticam atos singulares cujo conteúdo
processual se esgota na própria atividade”, os sujeitos processuais são titulares de “direito (que
surgem muitas vezes sob a forma de poderes-deveres ou de ofícios de direito público) autónomos de
conformação da concreta tramitação do processo como um todo, em vista da sua decisão final”
(Figueiredo Dias). Ou seja, têm uma “participação constitutiva na declaração do direito do caso”.
Os sujeitos processuais são, então: 1) o juiz (de julgamento ou de instrução); 2) o Ministério
Público; 3) o arguido; 4) o assistente; e 5) o defensor.
1. Juiz:
Este sujeito é regulamentado pelos artigos 8º a 47º CPP, tendo estas regras o objetivo de
garantir o essencial do processo.
Especialmente, pretende-se garantir a independência de quem julga a responsabilidade do
arguido (artigos 203º e 204º CRP). Significa, isto, por um lado, que os tribunal são independentes
face aos restantes poderes do Estado: os juízes não estão sujeitos nem ao Ministro da Justiça, nem ao
Governo em geral – existindo um estatuto de independência em relação ao poder político e em relação
às suas próprias condições.
Por outro lado, os juízes também terão de ser independentes quanto às suas relações e interesses
pessoais – exigindo-se, assim, que estes sejam imparciais. Relativamente a isto, prevê-se, nos artigos
39º e 40º CPP, causas de suspeição do juiz – impedimentos – fundadas, por exemplo, em relações
pessoais (parentesco, de afinidade ou análogas às dos cônjuges, etc.), interesses pessoais ou pelo facto
de o juiz do julgamento ter sido o juiz da instrução. Existe, igualmente, uma cláusula geral de
suspeição: casos em que a intervenção de um juiz no processo pode ser recusada, podendo também o
próprio juiz pedir escusa, quando ocorrer risco de ser considerada suspeita, por existir motivo, sério
e grave, adequado a gerar confiança sobre a sua imparcialidade (artigo 43º, nº1 CPP).
A exigência de se ser julgado por alguém, cujas circunstâncias lhe permitam avaliar o caso com
independência – seja porque não está sujeito a instruções externas, seja porque não tem qualquer outra
relação com o caso fora da tarefa de o decidir em julgamento – é um dos principais corolários do
direito a um processo justo e equitativo.
Aplica-se, aqui, o princípio da judicialidade/jurisdicionalidade: a decisão das causas penais
e aplicação de penas e medidas de segurança é da exclusiva competência dos tribunais judiciais
(artigos 27º, nº2 e 202º CRP; e artigo 8º CPP). Isto também se aplica ao juiz de instrução, já que ele
intervém no inquérito quando há diligências que tenham que ver com direitos fundamentais (artigo
32º, nº4 CRP) – por exemplo, quando se fala de medidas de coação; ou do facto de ser o juiz de
instrução que fazer o primeiro interrogatório ao arguido preso.
2. Ministério Público:
O Ministério Público, regulada nos artigos 48º a 54º CPP, é também uma autoridade judiciária
(artigo 1º, alínea b) CPP) – no entanto, apesar de ser um sujeito processual, não se configura como
parte do processo. É, contudo, uma magistratura autónoma (artigo 219º, nº2 CRP) em relação aos
juízes e ao poder político, ainda que possa haver uma certa gestão do Ministério da Justiça (mas com
hierarquia – artigo 219º, nº4 CRP).
Isto, porque esta magistratura participa na execução de uma política criminal que não é por si definida,
mas antes pelos órgãos de soberania (Governo e Parlamento) – nomeadamente, através da definição
de objetivos, prioridades e orientações em matéria de prevenção da criminalidade, investigação da
criminalidade, ação penal e execução de penas e medidas de segurança (artigo 219º, nº1 CRP). No
entanto, esta continua a ser autónoma e independente face ao poder político, uma vez que não está
sujeita a quaisquer instruções do poder executivo relativamente à investigação, à promoção, à
condução ou à conclusão de qualquer processos penal concreto (artigo 2º, nº 1 do Estatuto do
Ministério Público).
➔ A discricionariedade que tem é vinculada pela sua obediência à lei, aos juízos de valor legais e,
sobretudo, aos programas político criminais democraticamente definidos – aos quais o Ministério
Público deve obediência e pelos quais tem de prestar contas.
3. Arguido:
O arguido é um dos sujeitos principais do processo, regulado nos artigos 57º a 61º CPP. A
constituição do arguido é obrigatória quando se verifiquem os pressupostos do artigo 58º, nº1 CPP;
ou quando resulte automaticamente da prática de um ato processual (ex: abertura da instrução, caso
da Mariana Mortágua).
Desde o momento em que uma pessoa adquire a qualidade de arguido, é-lhe assegurado o exercício
de direitos e de deveres processuais, sem prejuízo da aplicação de medidas de coação e de garantia
patrimonial e da efetivação de diligências probatórias, nos termos especificados na lei. O conteúdo
do artigo 60º CPP vai, assim, ao encontro de um processo penal de estrutura acusatória, onde o
arguido assume o papel de sujeito processual.
Assim, a constituição pode ser requerida pelo próprio arguido, o qual pode ter interesse nesta
para poder exercer os direitos previstos para tal figura (artigo 61º CPP) – em especial, o direito ao
silêncio (nº1, alínea d) CPP), nomeadamente na fase do inquérito (onde não existe princípio do
contraditório). Isto, porque as meras testemunhas, sendo chamadas a depor, têm de responder às
perguntas feitas – a não ser, claro, que estas extravasem o seu direito à intimidade privada (artigo
132º, nº2 CPP) –; mas o arguido já pode não responder a nada, não podendo o seu silêncio valorado
em seu prejuízo. No entanto, se o arguido não usar o direito ao silêncio, as declarações que prestar
poderão ser usadas no processo (artigos 141º, nº4, alínea b); e 357º CPP).
NOTA: Se o arguido depuser sem que lhe tenham sido comunicados os seus direitos, as suas
declarações não podem ser usadas como prova (artigo 58º, nº5 CPP).
4. Assistente:
O assistente tem o direito de recorrer dos atos que o afetem, passando a ser um ator do processo
a partir do momento em que se constitua como tal. Normalmente, é o ofendido quem pode constituir-
se assistente (ou quem o represente, em caso de morte ou menor de 16 anos); no entanto, co caso dos
crimes enunciados no artigo 68º, nº1, alínea e) CPP, qualquer pessoa pode constituir-se assistente.
A vítima que não se constitui assistente tem uma participação mais limitada. Esta figura
é uma novidade, prevista no artigo 67º-A CPP, sendo uma interveniente processual; no entanto,
enquanto não se constitua assistente, não é um sujeito processual. Assim, esta tem alguns direitos,
como os de informação, mas não tem poderes de conformação do processo.
5. Defensor:
Os direitos do defensor estão consagrados nos artigos 62º-67º CPP.
NOTA: Os órgãos de polícia criminal intervêm no processo subordinados pelo Ministério Público,
podendo este delegar atos a estes órgãos – ou seja, estes atos são praticados por delegação, sendo que
o Ministério Público continua a conduzir o processo, pelo que estes não são considerados sujeitos
processuais. Há, no entanto, um período anterior ao início do processo, em que os órgãos de polícia
criminal têm uma intervenção autónoma, nomeadamente quando haja suspeita por parte dos mesmos
de que existe a prática de crimes.
PROCESSO SUMÁRIO:
O processo sumário segue-se no caso de detenção em flagrante delito: ou seja, tem de se
estar perante uma situação que possa ser qualificada como tal, nos termos do artigo 256º CPP (diz o
que é o flagrante delito); e que o arguido tenha sido detido em tal situação, nos termos do artigo 255º
CPP. Isto, desde que o crime tenha, no CP, previsto uma pena abstrata superior a 5 anos (podendo ser
igual ou inferior); ou se, no caso concreto, o Ministério Público achar que se deva aplicar uma pena
inferior a 5 anos (artigo 381º, nº2 CP).
Denotar que, nos crimes particulares, a pessoa não pode ser detida em flagrante (artigo 255º, nº4
CPP). Já nos crimes semipúblicos (havendo queixa – artigo 255º, nº3 CPP) e públicos, tanto as
autoridades policiais, como qualquer outra pessoa, pode deter o agente a cometer o flagrante delito –
sendo que, neste caso, as autoridades policiais terão de comparecer no lugar, num prazo de duas horas.
Este processo é obrigatório: verificados os pressupostos, o Ministério Público não pode
escolher a forma comum. Além disso, neste, não há inquérito com a finalidade de investigar os factos
e imputá-los posteriormente a alguém numa peça específica que é a acusação, visto que o arguido já
foi preso enquanto estava a cometer o crime. Assim, o agente detido é rapidamente apresentado ao
juiz de julgamento. Poderá, no entanto, haver uma recolha de alguns elementos que o Ministério
Público necessite.
Havendo julgamento, e sendo a pessoa condenada, aplica-se as regras de recurso já faladas da mesma
forma: não há nenhuma questão diferente quanto à recorribilidade da sentença que condena a pessoa
em processo sumário (artigos 391º e 399º CPP).
➔ É desaconselhável a realização de um julgamento em processo sumário, quando a causa apresenta
índices de complexidade inadequado. Isto, porque a ideia por detrás de haver uma forma especial
de processo para quando há existência de um caso de flagrante delito é permitir diminuir os
problemas de prova sobre a prática do crime.
PROCESSO ABREVIADO:
O processo abreviado (artigo 391º-A CPP) é aplicado no caso de provas simples e evidentes,
a crimes, independentemente da natureza, com moldura não superior a 5 anos (ou se, no caso concreto,
se achar que deve ser aplicada uma pena não superior a 5 anos). Este entra, no entanto, de forma
subsidiariamente relativamente ao processo sumário – ou seja, quando, por alguma razão, não for
possível segui-lo, nos termos do artigo 391º-A, nº3, alínea a) CPP.
Nestes processo, existe um inquérito sumário, visto que é preciso recolher prova (artigo
391º-A, nº3, alínea b) CPP). Existe, contudo, um encurtamento dos prazos, nos termos do artigo 391º-
B CPP. Continua a não haver instrução; e existe, ainda, um julgamento mais simplificado, sendo a
sentença final recorrível (artigo 391º-G CPP; se for particular, nº3).
Denota-se que não é considerado uma “prova simples e evidente” o facto de o arguido
confessar. Em processo penal, a confissão é um ato que se pratica em julgamento, em frente de um
juiz. No entanto, a confissão não é uma prova simples e evidente, porque se não existirem outras
provas, o arguido poderá desmentir a confissão e, consequentemente, vir a ser absolvido. Assim,
apenas a confissão não dá um nível de segurança suficiente – isto, apesar de agora já não existir a
proibição de possibilidade de reproduzir as declarações do arguido, que já colmata esta dificuldade
até certo ponto. De qualquer forma, o Ministério Público terá de apresentar provas simples e
completamente evidentes – dado ser isso que faz possível o encurtamento dos prazos.
PROCESSO SUMARÍSSIMO:
O processo sumaríssimo poderá ser aplicado em casos de crimes com uma moldura penal não
superior a 5 anos, quando o Ministério Público entender que, no caso concreto, não deve ser
aplicada pena de prisão (artigo 392º, nº1 CPP) – estando isso previsto tanto no crime em concreto,
assim como nos termos do artigo 74º CPP (dispensa de pena). Este processo caracteriza-se pela
existência de uma decisão consensualizada, proposto pelo Ministério Público (assim como a pena que
acha que deve ser aplicada), nos termos do artigo 394º CPP. O juiz, tendo este requerimento, notifica
o arguido para saber se este se opõe (artigos 395º e 396º CPP): se este não se opuser – assim como o
assistente, nos casos dos crimes particulares –, o juiz decide, analisando o caso (artigo 397º CPP).
➔ O processo sumaríssimo pode ou não ter inquérito; no entanto, pode o Ministério Público ter
decidido pelo processo sumaríssimo a meio do inquérito – assim, não existe, no âmbito do
processo sumaríssimo, inquérito; mas este pode surgir a meio do inquérito.
Assim, embora não exista julgamento, o processo sumaríssimo dá lugar a uma decisão
condenatória (artigo 397º CPP) – ao contrário do que acontece na suspensão provisória da pena
(outra modalidade de decisão consensualizada prevista no CPP). Tendo sido tomada em consenso, tal
decisão não é recorrível: não faz sentido, depois, o arguido recorrer de uma decisão com a qual
concordou livremente.
➔ Assemelha-se, de certa forma, à negociação quanto à pena, ao plea bargain – mas, neste último,
a pessoa, com medo de lhe acontecer pior, pode concordar que lhe seja aplicada uma pena de
forma não tão livre. Ora, aqui também há esse risco: no entanto, o que o arguido concorda é uma
pena não privativa da liberdade, pelo que este risco acaba por ser mitigado.
DIFERENÇAS SEMELHANÇAS
A decisão em processo sumaríssimo é uma São ambas aplicáveis a crimes cuja moldura não
condenação; já no caso da suspensão provisória, seja superior a 5 anos.
uma vez cumpridas as injunções, o processo é
arquivado.
Direito ao silêncio:
Uma das principais manifestações deste princípio é o direito ao silêncio (artigo 61º, alínea d)
CPP): ou seja, o tribunal não pode retirar, autonomamente e sem qualquer outros fundamentos,
consequências ou juízos do silêncio do arguido – ou seja, o silêncio não pode, por si só, desfavorecer
o arguido (artigos 343º, nº1 e 345º CPP). Tal direito não é expresso, mas pode ser enquadrado nas
garantias de defesa (nº1 do artigo 32º) e na presunção de inocência (nº2).
Tal não significa, no entanto, que o juiz não possa valorar o silêncio quando este se conjuga com
outras circunstâncias – por exemplo, na situação de existirem várias provas concretas contra o
arguido. Aqui, não dizendo o arguido nada, o juiz poderá considerar as mesmas como verdadeiras,
caso sejam sólidas; mas nunca se poderá afirmar que o arguido não falar = ele é culpado.
Ou seja, do ponto de vista jurídico, não pode haver um desfavorecimento do arguido; mas, do
ponto de vista dos factos, o silêncio do arguido faz com que a acusação acabe por ser mais forte, dado
o arguido não estar propriamente a afastar a mesma – no entanto, esta fortificação só irá acontecer
nos casos em que as provas já sejam por si fortes. No fundo, o que se diz é que o silêncio não pode
levar, automaticamente, a que o juiz considere o arguido culpado, mesmo que as provas da acusação
não sejam suficientemente fortes e sólidas para o condenar.
➔ Relaciona-se, isto, com o princípio da livre apreciação da prova: ou seja, o juiz tem uma
margem de discricionariedade (balizada por algumas regras processuais) para avaliar cada prova
apresentada, decidindo com base nessa avaliação individual. Assim, o juiz decide em função
daquilo de que se convence, ou seja, com base naquilo que considera estar ou não provado.
o Ora, se a meio do julgamento, o arguido diz que afinal estava a almoçar com a mãe no
momento do crime, sem nunca ter mencionado isso anteriormente, e sem haver outras provas
que corroborem a sua afirmação. Aqui, o facto de o juiz o condenar na mesma não implica
uma violação deste direito à não incriminação: o juiz não está a retirar esta apreciação do seu
anterior silêncio, mas, pelo contrário, condena-o com base em regras de experiência comum
(a maior parte das pessoas, tendo um álibi, revelam-no logo que são interrogadas); conjugadas
com a existência de outras provas em contrário, por parte da Acusação.
O arguido deve ser sempre informado daquilo que é o seu direito ao silêncio, e as
consequências que podem ou não ser verificadas com a utilização do mesmo. As declarações do
arguido prestadas sem que este tenha sido informado do seu direito ao silêncio não podem ser
utilizadas como prova (artigo 59º, nº5 CPP).
Especificamente, aponta-se, aqui, para os artigos 58º e 141º CPP – remetendo este último (nº4, alínea
b)) para o 357º CPP: se 1) as declarações tiverem sido prestadas perante autoridade judiciária –
tribunal (autoridade judicial) ou Ministério Público, e não as autoridades criminais/policiais – e com
assistência de um defensor; ou 2) se o arguido assim o requerer, as declarações podem ser valoradas
em audiência de julgamento. Este direito pode, ainda, ser total ou parcial (artigo 345º CPP).
Direito a não facultar meios de prova:
Outra manifestação deste princípio será o direito de não colaborar na incriminação contra
si, sendo que existe uma violação deste apenas quando a pessoa é expressamente obrigada a colaborar.
No entanto, não se exclui, enquanto legítima, a possibilidade de recolha de prova forçada – por
exemplo, nos casos de buscas domiciliares para a recolha de documentos, sem que o arguido consinta;
ou os casos de recolha de ADN à força. Em ambos os casos, o que existe será uma violação do
domicílio ou uma violação à integridade física, respetivamente; mas não será uma violação do direito
à não autoincriminação, dado que tais provas existem independentemente da colaboração do arguido.
➔ Uma coisa é pedir à empresa para elaborar um documento especificamente para aquele caso
(abrangido pela garantia contra a autoincriminação); outra é ir buscar coercivamente os
documentos à empresa, por via de mandato judicial.
Faz-se, assim, uma distinção entre o que significa “colaborar” e “sujeitar”: colaborar
implica que o arguido faça alguma coisa para passar a prova às autoridades (ex: regurgitar uma bola
de droga); sujeitar implica o arguido deixar que as autoridades façam algo para recolher a prova, que
existe independentemente da sua vontade (ex: recolher documentos). Portanto, há a violação deste
princípio quando a pessoa é obrigada a colaborar, e, além disso, se obtém prova contra ela.
No entanto, importa referir a existência da figura do crime de desobediência: o arguido, não
colaborando de forma livre, será punido por tal, dado ter também o dever de sujeição a diligências de
prova. O caso mais conhecido será o exemplo de aos condutores ser pedido para soprar no balão –
caso não o faça, o condutor poderá ser punido por crime de desobediência, mesmo que tal conduta
implique abstratamente uma contribuição do próprio para a obtenção de prova possivelmente
desfavorável a si mesmo. Tal consequência negativa poderá ser justificada pelo facto de estar em
causa a recolha de um meio de prova perecível, no âmbito da prevenção e punição de comportamentos
que põem em perigo a segurança rodoviária e os valores pessoais e patrimoniais inerentes.
Concluindo, o direito à não autoincriminação refere-se ao respeito pela vontade do arguido em não
prestar declarações, não abrangendo o uso, em processo penal, de elementos que se tenham obtido do
arguido por meio de poderes coercivos, mas que existam independentemente da vontade do sujeito –
como é o caso, por exemplo, da recolha de material biológico no ar expirado e no sangue para efeitos
de análise do grau de alcoolemia.
Princípio da Acusação
O princípio da acusação exige a existência de uma acusação formal prévia deduzida por
uma entidade diferente do julgador, para a existência de uma decisão sobre a responsabilidade penal
do arguido. No entanto, em alguns casos, a lei faz equivaler um outro ato à acusação – nomeadamente,
a leitura do auto de notícia nos processo sumários (artigo 389º, nº2 CPP). A falta de acusação implica
nulidade insanável por falta de promoção, nos termos do artigo 119º, alínea b) CPP.
Existem, de facto, alguns mecanismos processuais que pressupõem uma atribuição de
responsabilidade, mas onde não há lugar à dedução de acusação. São os casos do arquivamento do
processo, em caso de dispensa de pena (artigo 280º CPP); e a suspensão provisória do processo (artigo
281º CPP). Ambos pressupõem, no entanto, intervenção judicial.
Deste princípio da acusação decorrem, ainda, outros dois subprincípios:
➔ Princípio da identidade do objeto do processo: o objeto do processo (conjunto dos factos de
que depende a imputação ao arguido de um determinado crime) deve manter-se o mesmo desde
que é fixado até ao trânsito em julgado da decisão. Esta fixação pode ser feita ou na acusação, ou
no despacho de pronúncia – isto, visto que a instrução pode ser aberta para que o juiz se pronuncie
por factos que não estão na acusação feita.
o Após a acusação, não pode haver uma alteração do objeto do processo – exceto 1) no caso de
requerimento de abertura de instrução pelo assistente; ou 2) no caso de alteração substancial
de factos (artigo 1º, alínea f) CPP). Esta segunda não é possível na instrução, mas apenas na
fase de julgamento, e terá de ter o acordo do assistente e arguido (artigo 359º, nº3 e 4 CPP).
▪ Caso contrário, os factos não podem ser conhecidos naquele processo – poderão é ser
investigados em processo autónomo. A alteração não substancial já pode ser tida em
consideração, desde que seja dado um prazo ao arguido para se defender da mesma.
Princípio do Contraditório
O princípio do contraditório pode ser encontrado no artigo 32º, nº5 CRP, segundo o qual as
decisões do tribunal devem partir de uma ponderação dos contributos dos vários sujeitos
processuais – pelo que estes terão de ter a oportunidade de se pronunciar sobre os factos e provas.
O arguido é o destinatário privilegiado do princípio, mas este também abrange os demais sujeitos
processuais. De qualquer das formas, existem os seguintes direitos do arguido:
➔ Consulta do processo e obtenção de autos (artigos 89º, nº1 e 90º CPP).
➔ Estar presente em atos processuais (artigo 61º, nº1 CPP).
➔ Ser ouvido e pronunciar-se: junção de documentos (artigo 165º, nº2 e 3 CPP); e direito a falar em
qualquer momento na audiência de julgamento (artigo 343º CPP).
Este princípio tem um reflexo diferente consoante as fases do processo: por um lado, este tem
um alcance limitado no inquérito, apenas sendo verificado, por exemplo, nas declarações para
memória futura (artigo 271º CPP), na constituição como assistente (artigo 68º, nº4 CPP), e na
aplicação de uma medida de coação (artigo 194º, nº4 CPP). Por outro lado, tanto na instrução (artigos
289º e 298º CPP) como no julgamento, tal princípio já vigora mais largamente, em geral (artigos 321º,
nº3; 322º, nº2; 327º; e 360º, nº1 e 2 CPP).
Princípio da Jurisdicionalidade
Segundo o princípio da jurisdicionalidade, as decisões acerca da responsabilidade penal, de
aplicação de penas e medidas de segurança, têm de ser sempre tomadas por um juiz – algo que
resulta dos artigos 27º, nº2 e 202º CRP (assim como do artigo 8º CPP). Este visa, sobretudo, garantir
a imparcialidade dos magistrados – daí que, quando o Ministério Público suscita alternativas
processuais que divergem daquilo que é o caminho normal do processo (ex: suspensão provisória do
processo), tem de existir sempre a intervenção de um juiz.
A CRP também atribui, no nº4 do seu artigo 32º, ao juiz a competência para a instrução.
Resgatando a discussão feita no acórdão 7/87 sobre a direção do inquérito pelo Ministério Público,
atualmente é este que conduz o inquérito (artigo 263º CPP) – no entanto, todos os atos que colidam
com direito fundamentais ou que sejam materialmente jurisdicionais têm de ter a intervenção de um
juiz (artigos 280º, 281º e 392º CPP).
PROCESSO DE CONTRAORDENAÇÃO
Introdução
O processo de contraordenação aplica-se não só às pequenas contraordenações rodoviárias,
mas também a outros tipos de contraordenações – existindo bastantes especialmente nas atividades
“reservadas”: atividades para as quais as pessoas precisam de ter uma determinada habilitação, como
bancos ou seguradoras. Assim, nestas áreas, estabelecem-se deveres que, quando violados, não dão
origem a um crime, mas sim a uma contraordenação.
A decisão de estabelecer se uma conduta é um crime ou uma contraordenação acaba por
ser política. Normalmente, uma conduta que não viola um bem jurídico de “dignidade constitucional”
não pode ser crime – daí a discussão dos crimes contra animais de companhia. No entanto, pode-se
prever como contraordenações condutas que tutelem bens com dignidade constitucional, ao abrigo
do princípio da intervenção mínima do direito penal, caso a contraordenação chegar para tutelar tal
bem – por exemplo, as normas do Código da Estrada.
Autoridades Competentes
A primeira grande característica do processo de contraordenação é que a fase que conduz à
apreciação da responsabilidade do visado – fase administrativa (obrigatória) – é, regra geral, da
titularidade de uma autoridade administrativa (artigos 33º e 34º RGIMOS) – ou seja, é esta que,
normalmente, investiga e aprecia a responsabilidade e decide se aplica uma coima, se arquiva o
processo, etc.
Não existe, aqui, intervenção judicial, a não ser em certos casos pontuais de recursos judiciais na
pendência da fase administrativa (artigos 55º RGIMOS): nomeadamente, sobre questões relacionadas
com medidas cautelares, nos casos em que os regimes especiais as prevejam. Estas decisões do
tribunal não são recorríveis, tendo um efeito meramente devolutivo.
Outra das exceções a esta características será nas situações de concurso entre crime e contraordenação
(artigos 38º e 39º RGIMOS). Nestes casos, existe uma concentração da competência nas autoridades
responsáveis pelo processo criminal: a decisão cabe ao juiz competente para julgar o crime. No
entanto, tal exceção da concentração de competências não vigora nos processos de contraordenação
do setor financeiro.
Além disso, as autoridades administrativas têm os mesmos deveres e direitos das
autoridades competentes para o processo criminal, nos termos do artigo 41º, nº2 RGIMOS. O regime
geral das contraordenações é relativamente curto e, por vezes, existem situações que têm de ser
resolvidas com recurso ao CPP – daí que exista esta norma, que remete para a aplicação subsidiária.
Instrução: Prova
O princípio da presunção de inocência também se aplica neste momento. A aplicação deste
a todas as intervenções de natureza sancionatória pública tem sido avaliada como necessário pelo
TEDH, pelo que também se aplicaria no processo contraordenacional: assim, a autoridade
administrativa não pode aplicar coima perante indícios que não comprovam solidamente que o
arguido tenha cometido a contraordenação – ou seja, terão de passar o critério da “dúvida razoável”.
Isto, porque o princípio da presunção de inocência surge como uma forma de reagir contra os abusos
das autoridades estaduais – sendo evidente, no entanto, de que o risco de não se aplicar a coima a
uma pessoa inocente (presunção de inocência enquanto escolha política) é diferente.
Será, então, que isto significa que se viola o princípio da presunção de inocência o arguido ter de
pagar logo a coima antes de recorrer? Seria o mesmo que ser logo preso no final do julgamento da 1ª
instância? Perante estas perguntas, conclui-se que o TC (acórdãos nº674/2016 e 123/2018) aplica,
sem dúvida, o princípio da presunção de inocência ao processo contraordenacional – mas, depois, faz
um juízo de proporcionalidade que chega a conclusões diferentes do que se fosse num processo penal.
Outro tópico importante a falar será o direito à não autoincriminação. Ora, no caso das
ordenações, a possibilidade de produzir prova é mais restrito do que no processo penal – isto, porque
os bens jurídicos tutelados e o modo de lesão dos mesmos que estão previstos nas contraordenações
são bastante diferentes em relação aos crimes, estando o legislador a antecipar a tutela dos mesmos.
Portanto, os tipos de comportamentos são menos graves, menos próximos da lesão do bem jurídico
ou nem são de dignidade constitucional – consequentemente, a importância da sua perseguição
também será inferior, logo haverá menos margem para o Estado se “intrometer” e produzir prova.
➔ A maior ou menor importância e, consequentemente, a maior margem para produzir prova, será
avaliada em função da conduta ser mais grave (ex: concorrência ou setor financeiro); e não do
agente, na medida se este já tiver tido várias acusações no passado.
Assim, não são permitidas provas que impliquem uma intromissão na correspondência
ou nos meios de telecomunicação (artigo 34º, nº4 CRP), nem que violem o segredo profissional
(artigo 42º RGIMOS). Existem, no entanto, soluções específicas do setor financeiro: especialmente,
quanto ao segredo profissional.
Além disso, será necessário o consentimento para exames corporais, prova de sangue e provas que
colidam com a reserva da vida privada (quanto à questão do balão, é diferente). O princípio da livre
apreciação da prova também se verifica, nos termos do artigo 127º CPP. Por fim, as testemunhas não
são ajuramentadas (mas 360º CP).
Decisão:
A decisão, tomada depois da instrução (quando esta se verifique) poderá ser: 1) uma
admoestação, que tem de ser proferida ou escrita (artigo 51º RGIMOS); 2) um arquivamento, caso
se considere não existir provas (artigo 54º, nº2 RGIMOS); ou 3) uma condenação, caso se considere
existirem provas (artigo 58º RGIMOS). Relativamente a esta última, a sanção poderá ser uma coima
(artigos 17º e 20º RGIMOS e regimes substantivos) e/ou sanções acessórias (artigos 21º a 26º
RGIMOS e regimes substantivos).
Esta decisão é tomada pela mesma autoridade administrativa que investiga e acusa – ou seja,
não existe aqui a separação de quem acusa e de quem julga, típica de uma estrutura acusatória. O
processo de contraordenação tem princípios da estrutura acusatória e da estrutura inquisitória.
No entanto, em todos os casos, a decisão administrativa é recorrível para os Tribunais, passando esta
a valer com acusação: assim, a recuperação da estrutura acusatória dá-se nesse momento, dado ser aí
que existirá a intervenção de um tribunal imparcial e independente, que decide o caso como se fosse
a primeira vez a ser acusado.
Fase Judicial
1ª instância:
A 1ª instância é aberta a todas as decisões das autoridades administrativas, dado garantir,
como já foi visto, o equilíbrio do processo de contraordenação (artigo 59º RGIMOS). Questionava-
se, anteriormente, se a admoestação também poderia ser impugnada, dado ser apenas um “ralhete”:
no entendimento do TC, no seu acórdão nº299/2013, a admoestação também poderia ser impugnada,
dado também ser uma sanção. Ora, significa isto que, sendo uma sanção, poderá contar como um
antecedente no cadastro do agente – o que acaba por retirar uma certa flexibilidade ao sistema, dado
que estaria prevista para ser aplicada a coisas pequenas e, por isso, não seria considerada como um
antecedente criminal (ficando registados para o futuro).
Normalmente, são os tribunais comuns que julgam estas decisões; mas há certos casos em que
o recurso terá de ir para os tribunais administrativos (ex: contraordenações do setor da economia, em
que os recursos vão para o Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão).
Regime
A impugnação entrega-se na autoridade administrativa, sendo esta que envia a mesma ao
Ministério Público. Este, por sua vez, apresenta a decisão ao tribunal, passando esta valer como
acusação. O juiz tem, perante a impugnação de uma decisão, a hipótese de marcar uma audiência
de julgamento (artigo 65º RGIMOS), ou de decidir por despacho (artigo 64º RGIMOS).
Esta última possibilidade será verificada quando o juiz – que decidirá em função das provas que se
encontram no processo, não as dispensando – achar que as provas já existentes são suficientes. Tal
via depende, no entanto, da não oposição do arguido e do Ministério Público – assim como, em certas
ocasiões, da autoridade administrativa que decidiu em primeiro lugar.
Decidindo-se marcar uma audiência de julgamento, por entender que são necessárias mais
provas para avaliar o caso, compete ao juiz determinar o âmbito da prova que é necessária produzir
no mesmo (ex: este decide apenas ouvir testemunhas novas, e não ouvir de novos testemunhas cujos
testemunhos estão escritos no processo – algo que não pode ser feito em processo penal). Nesta irão
participar o juiz, o arguido, o defensor e o Ministério Público.
As autoridades administrativas poderão participar, nos termos do artigo 70º RGIMOS. No entanto,
este papel das autoridades, no regime geral, não será tão proeminente quanto aos do outros sujeitos
processuais: estas podem trazer elementos ao processo, mas não têm qualquer poder de conformação
do mesmo. Noutros regimes setoriais, tal poder conformação poderá, no entanto, existir, tendo em
conta a complexidade das matérias tratadas.
2ª instância:
A segunda instância já não é aberta a todas as decisões: apenas os casos do artigo 73º
RGIMOS podem ser recorridos para o Tribunal da Relação. Este recurso é exclusivo quanto à matéria
de direito: ou seja, o tribunal da Relação não vai avaliar a matéria de facto, dado esta já ter sido
avaliada por uma autoridade administrativa e, ainda, pelo juiz da 1ª instância.
No regime geral, se o arguido for absolvido, só o Ministério Público é que pode recorrer; depois, nos
regimes setoriais, existe a possibilidade de algumas autoridades administrativas recorrerem.
➔ Para a professora, não deve haver processos a andar para trás e para a frente, para a autoridade
administrativa ir corrigindo – não tem cabimento na lei. A autoridade administrativa tem a sua
função: se não a fizer, o processo é arquivado e o arguido é absolvido pelo tribunal. Assim, não
deve poder haver remissão para as autoridades administrativas para corrigirem e sanear os seus
erros – até porque isto tem sempre o limite da prescrição.
o Por sua vez, Nuno Brandão considera que há violação do artigo 20º, nº1 CRP – no entanto,
o direito de acesso aos tribunais implica o acesso e a decisão, mas não uma decisão favorável.
▪ O objetivo de pedir a coima antes não é tanto para evitar a dissipação da mesma, já que
as entidades visadas são muito poucas e geram um valor de negócio enorme. Tal poderá
ser importante, no entanto, nos casos do exercício da atividade: ou seja, o facto de não
haver efeito da cessão do exercício de atividade até ao recurso estar decidido provoca
prejuízo – contudo, nestes casos, existe a possibilidade de aplicar uma medida cautelar.