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Noção do Direito Penal e o seu âmbito.

1. Noção de Direito Penal e seu âmbito


a) Definição Objectiva/ Material (Ius Poenale)
Direito Penal – é o conjunto de normas jurídicas que fixam penas e medidas de
segurança e os pressupostos para sua aplicação. Estas normas jurídicas são as leis
criminais. A lei criminal tem em vista a educação e correcção da conduta humana em
sociedade, mediante a formulação de tipos de conduta ou de resultados dela e a aplicação
de penas e medidas de Segurança para os infractores.
b) Conceito de Direito Penal em sentido subjectivo (ius puniendi):
Direito Penal – é o poder punitivo do Estado, resultante da sua soberana competência
para considerar como crimes certos comportamentos humanos e ligar-lhes à sanções
específicas.
Deste ponto de vista pode afirmar-se que o Direito Penal objectivo é a expressão ou
emanação do poder punitivo do Estado.

c) Âmbito do Direito Penal


1. Direito Penal substantivo, executivo e processual penal
Quando se fala pura e simplesmente em “ Direito Penal” é tão só o Direito Penal
Substantivo (Direito Material) que se quer abranger.
Refere-se, contudo também, por vezes, a existência de um Direito Penal em Sentido
amplo, ou de um ordenamento jurídico penal que abrange para além do Direito Penal
substantivo, o Direito processual Penal ou formal e o direito da execução das penas e
medidas de segurança ou direito executivo / Penitenciário.
O direito Penal Substantivo visa a definição dos pressupostos do crime e das suas
concretas formas de aparecimento e a determinação tanto em geral como em espécie das
consequências ou efeitos que a verificação da tais pressupostos se ligam, bem como as
formas de conexão entre aqueles pressupostos e estas consequências.
O Direito substantivo distingue-se do Direito processual Penal, porque este cabe a
regulamentação jurídica dos modos de realização prática do poder punitivo estadual
através da investigação e da valoração judicial do acusado do cometimento de um crime.

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Como claramente se distingue do direito penal Executivo, ao qual pertence a
regulamentação jurídica da concreta execução da pena ou da medida de segurança
decretadas na condenação proferida no processo penal.

2. Princípios Fundamentais do Direito Penal1


2.1. Princípio da legalidade (art. 60/1 CRM e 7 do CP)
A função do princípio da legalidade é uma função de garantia pela limitação do poder de
punir do Estado, e para a tutela dos direitos fundamentais do homem. Assim, “ninguém
pode ser sentenciado criminalmente, senão em virtude da lei anterior que declara
punível o acto ou omissão, nem sofrer medida de segurança cujos pressupostos não
estejam fixados em lei anterior”.
A explanação do princípio da legalidade de modo a mais seguramente indicar o seu
conteúdo mediante a referência a várias matérias a que a ele se estende é enunciada nas
formas latinas que seguem:
a) “Nullum crimen, nulla poena sine lege previa (tipicidade)”. Assim, nenhum facto
pode ser considerado crime, nem nenhuma pena pode ser aplicada ao agente do facto,
sem que a lei anterior qualifique o facto como crime e estabeleça a natureza e quantidade
da pena (vide os artigo 60 nº 1 da CRM, e os artigos 1º, 7º,, 60/2 e 111º do CP). Desta
garantia do princípio da legalidade deriva a proibição da analogia para o preenchimento
de lacunas e da interpretação extensiva para qualificar factos como crimes (art. 9 CP), a
proibição da aplicação retroactiva da lei penal, excepto quando ela beneficie o arguido
(artigo art 8 CP), pois o fundamento da medida penal não se encontraria numa lei prévia.
b) Nullum crimen, nulla poena sine lege certa: a lei penal incriminadora tem que ser
certa, isto é determinar com suficiente precisão o facto criminoso. O crime não pode
consistir numa situação, numa qualidade ou atitude pessoal. Também o facto criminoso
não pode ser inferido da lei, tem de ser definido na lei, de forma clara e inequívoca.
Intimamente ligado ao princípio da certeza, está a proibição das leis penais em branco,

1
SILVA, Germano Marques Da, Direito penal Português, Parte Geral I, Introdução a teoria da Lei Penal –
2001. p. 81 e SS

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aquelas cujo teor se apaga numa cláusula geral, que remetem o seu preenchimento para o
arbítrio do julgador, por serem incompletas.
Note-se a exigência da lei certa não consta expressamente nem na CRM, nem na lei
ordinária, mas é um postulado do princípio da legalidade, enquantro obstáculo ao arbítrio
da aplicação do Direito a casos concretos.
c) Nullum crimen, nulla poena sine lege scripta: sendo a lei do Estado a fonte das normas
que difinem as incriminações e as sanções, fica excluído o costume como facto normativo
relativamente a essas normas, ressalvando o costume internacional.
d) Nulla poena sine judicio: ao princípio da legalidade como garantia da liberdade dos
cidadãos, está estritamente ligado ao princípio da jurisdicionalidade segundo o qual a
competência para decidir a matéria penal e aplicar penas e medidas de segurança é
exclusiva da jurisdição. Assim, as decisões sobre o fundamento de qualquer acusação em
matgéria penal são da competência exclusiva dos orgãos judiciais, independenetes e
imparciais

2.2. O princípio da tipicidade ou da legalidade na incriminação (nullum crimen sine


lege prévia).
O princípio da tipicidade consiste em descrever clara, precisa e rigorosamente a
conduta ou factos considerados criminalmente reprováveis. É necessário que o
comportamento humano coincida formalmente com a descrição feita em norma
incriminadora, para que possa integrar uma infracção criminal.
A lei formula o quadro das situações de vida real que considera deverem ser
incriminadas, assim, criando os tipos legais de crime. Dentro deste quadro se manterá o
julgador, sem possibilidade de interpretações analógicas e extensivas no domínio da
incriminação.
2.3. O Princípio da culpabilidade ou da Culpa «nulla poena sine culpa»- art. 48/2
CP.
O princípio fundamental do direito penal é igualmente o princípio da culpabilidade:
«não há pena sem culpa». A essência do princípio concerne a correspondência da culpa à
pena. Toda a pena tem de ter como um suporte exiológico-normativo uma culpa concreta,

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portanto, a culpa é o fundamento da pena. O Princípio da culpabilidade prevê certas
exigências:
- A exigência de dolo ou negligência e consequente afastamento da responsabilidade
objectiva ou responsabilidade pelo risco, pois esta responsabilidade é exigível no direito
civil, visto que, no direito penal ninguém pode ser responsabilizado criminalmente se não
tiver agido com dolo ou negligencia, isto é, para que a pessoa seja responsabilizada
criminalmente tem de ter tido uma falta subjectiva que pode ser a intenção de fazer
qualquer coisa ou um certo descuido ao fazer qualquer coisa, que em principio e
considerada licita;
- a outra exigência é de que, ninguém pode ser responsabilizado criminalmente se não
tiver uma certa sanidade mental que lhe possibilite a decidir com consciência e liberdade
(menores e dementes), pois, não se pode punir uma pessoa que não é censurável, posto
que ela não sabe o que faz. Nos termos do artigo 27 cp
- A necessidade de que a pena se refira a facto próprio (exclusão da responsabilidade
colectiva). Punicao das pessoas colectivas viola o principio da culpa será?
- A necessidade de ter em conta a situação concreta em que o agente se encontrava ao
tempo de cometer o crime, para que as circunstâncias concorrentes possam exercer o seu
papel excludente ou redutor da pena.
- A exigência de que a pena seja proporcionada a culpa do agente, e é, que entre o castigo
e o facto exista equilíbrio.
Assim, ninguém pode ser responsabilizado penalmente sem culpabilidade, e só é possível
punir à medida da culpabilidade.

2.4. O princípio da não retroactividade da lei penal (art. 57, 60/2 ambos da CRM e
artigo 8 do Cp)
As leis não podem ter efeitos retroactivos, excepto quanto beneficiam o cidadão (arguido
ou réu) e outras pessoas jurídicas. Ou seja, a lei penal só se aplica retroactivamente
quando disso resultar benefício ao arguido.

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2.5. O Princípio da humanidade das penas (art. 61/1 e 40/2 ambos da CRM artigo 59
do CP)
Segundo este princípio, são proibidas penas e medidas de segurança privativas de
liberdade com carácter perpétuo, incluíndo a pena de morte.
O poder punitivo deve ajustar-se simultaneamente ao humanitarismo que é a
manifestação do respeito pela pessoa e a necessidade social do castigo. O princípio da
humanidade das penas é o limite do poder punitivo do Esatdo, este postulado do sistema
penal é incompatível com sanções que atinjam a dignidade da pessoa, como a pena de
morte, as penas corporais e infamantes, as penas de privação da liberdade de duração
execessiva ou com carácter perpétuo ou de duração indefinida.

2.6. O princípio da individualidade da responsabilidade criminal (art. 61/2 CRM, 29


CP): segundo este princípio as penas não são transmissíveis.
2.7. O princípio da non bis in idem segundo o qual ninguém pode ser julgado, mais do
que uma vez pela prática do mesmo crime (art. 59/3 CRM).

2.8. Princípio da autonomia


O Direito penal não é apenas um complemento de outros ramos de direito, um depósito
de sanções utilizáveis pela ordem jurídica, mas sim um verdadeiro direito autónomo,
material, cujas normas são primárias, novas, resultantes de considerações diversas das
que originaram as outras regras de Direito.
O carácter especial do acto criminoso faz com que deva considera-se independente o
sistema de tutela de interesses contidos pelo direito penal. Da autonomia do direito
criminal resulta, em princípio, que as leis penais se devem interpretar autonomamente,
sem atender ao modo como os outros ramos de direito defendem os interesses por ele
tutelado.

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2.9. Princípio da porporcionalidade ou da proibição de excessos
É um princípio geral do Direito, que preconiza o justo equilíbrio entre interesses em
conflito, obrigando o legislador, os juizes e demais operadores do Direito a ponderar os
interesses em conflito, para em função dos valores subjacentes e afins prosseguidos os
resolver segundo medida adequada.

No estado de Direito, a restrição legítima da liberdade pressupõe a proibição do excesso


desta restrição, e em consequência a adequação, a necessidade e a proporcionalidade
das sanções penais aplicáveis e aplicadas ao crime previsto e cometido respectivamente:
- Princípio da adequação – significa que as sanções penaislegalmente previstas devem
revelar-se adequadas para a prossecução dos fins visados pela lei;

- Princípio da necessidade – que se concretiza no princípio da intervenção mínima


significa que as sanções penais devem revelar-se necessarias, porque os fins prosseguidos
pela lei não podem ser obtidos por outros meios menos onerosos.

- Princípio da porporcionalidade em sentido estrito – significa que os meios legais


restritivos da liberdade e os fins obtidos devem situar-se numa justa medida, determinada
pela gravidade do mal causado e censurabilidade do seu autor.

O princípio da porporcionalidade vale não só para o legislador, no momento da opção


pela incriminação e determinação da espécie e medida da pena, mas também para a
determinação judicial da pena, na medida em que não há dois factos concretos iguais,
embora o possam ser nos limites essenciais previstos na lei.

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2.10. Princípio da subsidiariedade do Direito Penal
Assim, o princípio da subsidiariedade pode ser concebido em diversas acepções:
(i) Em sentido estrito: o Direito Penal só deve intervir quando a tutela conferida
pelos outros ramos do ordenamento jurídico não for suficientemente eficaz para acautelar
a manutenção dos bens considerados vitais ou fundamentais à existência do próprio
Estado e da sociedade (1ª vertente do princípio da intervenção mínima)
(ii) Em sentido amplo: a sanção penal seria preferível ainda nos casos de não
absoluta necessidade, mas sempre que a função estigmatizante, própria do direito penal
for útil para os fins de uma mais forte reprovação do comportamento e consequente mais
enérgica tutela do bem jurídico.
A este carácter subsidiário do Direito Penal, que se resume dizendo que o Direito Penal
intervém como ultima “ratio” no quadro do ordenamento jurídico instrumental, deve
opor-se um outro princípio que é:

2.11. O princípio da fragmentariedade do Direito Penal.


É um aspecto do princípio da subsidiariedade e pode ser analisado numa dupla
perspectiva: por um lado a escolha de comportamentos cuja gravidade justifica a ameaça
de uma sanção penal, faz-se de modo fragmetário- « nem todos os factos socialmente
danosos, lesivos de bens jurídicos constituem crimes, mas só aqueles que o legislador
qualifica como tais». Por outro lado, nem todos os comportamentos lesivos dos bens que
são objecto da tutela penal constituem ilícito penal, mas só aqueles que ocorram nos
termos da previsão legal. Só o facto típico é penalmente ilícito, não o é o facto não
conforme ao tipo legal ainda que seja também lesivo de bens jurídicos que são objecto
de protecção penal. V.g., Nem todo o acto que cause dano ao património de outrem
constitui ilícito penal.

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2.12. Princípio da intervenção mínima do direito penal

Exprime a ideia de que o direito penal há –de reduzir a sua intervenção só nos casos em
que seja absolutamente necessária em termos de utilidade social geral.
A referida ideia que responde ao critério de que a pena criminal só é admissivel quando
não haja outro mal menor que cumpa a mesma finalidade e tem duas manifestações:
a) Manifestação interna, segundo a qual deve prescindir-se da incriminação, sempre
que seja possível esperar similares efeitos preventivos da intervenção de meios menos
lesivos, nomedamente através de ramos de direito doutra natureza como direito civil,
admnistrativa, etc.. (coincidência com o princípio da subsidiariedade).
b) Manifestação interna segundo a qual deve prescindir-se de uma determinada sanção
penal sempre que possa esperar-se similar efeito preventivo doutra sanção menos
gravosa.

3. Posição do Direito Penal no mundo jurídico e suas relações com outros ramos
de Direito:
a) Direito Penal como ramo autónomo do Direito Público
O Direito penal é público, porque regula relações que se estabelecem não entre
particulares, mas entre o Estado, como titular do ius puniendi, por um lado, e os
particulares por outro.
O caracter público do Direito penal também se revela pela natureza indisponível das suas
normas, que acompanha a indisponibilidade dos interesses que elas visam tutelar.
O direito penal é autónomo na medida em que as suas normas fixam os pressupostos da
aplicação de reacções criminais, proíbem ou impõem concretamente as respectivas
condutas que descrevem e a violação destes comandos é que constitui ilícito criminal.
Assim, há que também considerar o Direito penal como conjunto de normas autónomas
que impõem sanções e ao mesmo tempo proibem ou impõem condutas, em vista a
proteccão de certos e determinados valores jurídicos: os valores jurídico-criminais.

b) O Direito penal e o direito processual penal

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O Direito criminal estabelece de forma geral e abstracta quais os factos que devem ser
considerados crimes e quais as penas que lhe correspondem. Saber porém se num dado caso,
um certo agente praticou um facto, e qual a pena que lhe corresponde importa uma actividade
ou processo concreto para averiguar o caso. Ora o processo criminal seria o conjunto de
normas que fixam os termos e o processo de averiguar se, num dado caso, se verificou o facto
previsto na lei criminal e qual é a pena que lhe compete.

c) Direito penal e Direito penitenciário


uma vez fixada a pena há que executá-la. Mas essa execução que normalmente em uma privação
da liberdade do deliquente, se pôe o problema de saber qual é o processo mais apto para a realizar
da maneira mais perfeita. Direito penitenciário seria o conjunto de normas jurídicas que regulam
a execução das sanções penais.
O âmbito destas normas é o mais variado e ramifica-se nos mais diversos problemas, vg, a
questão de saber como se hão de tratar os condenados duirante a sua reclusão e depois da sua
libertação...

d) Direito Penal e o Direito civil


Tanto o direto criminal como o direito penal supõem um ilícito e, por outro lado qualquer destes
complexos normativos prescreve sanções para a violação dos seus preceitos normativos.
A distinção do ilícito criminal do ilícito civil deve estabelecer-se nos seguintes termos:
1º - quanto a situação de cada um dos ordenamentos no mundo jurídico: o direito civil é um
direito privado enquanto que o direito penal pertence por sua natureza ao direito público. Ainda
neste plano formal, pode acrescentar-se que enquanto o ilícito criminal é aquele a que referem as
sanções criminais, o ilícito civil é aquele a que se referem as sanções civis.
2º - Quanto a finalidade das sanções de cada um dos ordenamentos jurídicos: as sanções do
direito civil (indemnizações) têm vista remediar patrimonialmente os interesses próprios de certas
pessoas, dando ao ofendido um valor equivalente ao dano patrimonial sofrido, ou compensando-o
por forma idêntica de um dano moral ao passo que as sanções criminais têm por fim reprovar os
crimes, prevenir a sua futura repetição e readaptar socialmente o criminoso.
3º. Quanto a natureza jurídica das sanções: enquanto que as sanções do direito civil são
privadas e disponíveis, as criminais têm um carácter público e indisponível.

e) Ilícito criminal e Ilícito administrativo

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Durante muito tempo, o problema da distinção entre o ilícito criminal e ilícito administrativo pós-
se em termos de encontrar um critério único.
Assim, o critério separador seria puramente quantitativo (FERRI): o ilícito administrativo seria
preenchido por bagatelas penais (ilícito de menor gravidade), ao passo que o ilícito penal seria
mais grave.
Para outros autores como ERIK WOLF o critério separador seria teleológico que domina a
cada um dos ilícitos. Assim, o estado quando recorre a sanções para a realização dos seus fins, os
delitos que daí resultam são criminais, ou simplesmente administrativo, consoante esses fins
sejam a realização de valores de justiça ou apenas a promoção do bem entre o bem estar e
progresso sociais.
Este critério deixa muito a desejar no aspecto da sua praticabilidade, pois haverá sempre
dificuldades de distinguir os fins que o Estado se propõe ao ligar uma sanção a prática de certos
factos.
Hoje porém reconhece-se que o problema não está tanto em encontrar um critério material único
de distinção entre o ilícito administrativo e o ilícito criminal da justiça, mas sobretudo em
conseguir caracterizar o ilícito administrativo com base nos seguintes critérios:
1º- Critério da configuração dos bens jurídicos protegidos: o direito criminal de justiça, visa
proteger com as suas incriminações, os valores ou bens fundamentais da comunidade, isto é,
aqueles interesses primários sem cuja observância a vida em sociedade não seria possível: a vida
humana, a integridade física, a liberdade sexual, a honra, o património etc.. dos cidadãos bem
como a constituição e desenvolvimento da família, a seguraça interna e exterior do Estado, etc..
Portanto o direito penal protege valores ou interesses fundamentais da vida comunitária ou da
personalidade ética do homem, ao passo que o direito criminal admnistrativo protege simples
valores da criação ou manutenção de certa ordem social, isto é, indiferentes a ordem moral.
Portanto, no ilícito criminal administrativo não estão em jogo valores ético sociais primários da
comunidade, mas a prossecução de finalidades de ordem policial ou de bem estar social.

2º - Quanto ao tipo e finalidade das sanções: as sanções consequentes à prática de um ilícito


criminal admnistrativo serão sempre sanções não criminais, quer porque são consequência de
uma apreciação feita pela autoridade administrativa, quer porque os factos que a ela se ligam não
estão tipicamente descritos mna lei penal, não sendo a sua demonstração e prova feita pelo
mesmo processo que se utiliza para o julgamento comum, quer finalmente porque não lhe devem
ser assinalados os mesmos fins imediatos que as penas criminais.

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As sanções do ilícito admnistrativo visam o cumprimento de um dever, ao contrário do que
acontece com as verdadeiras penas, cujo fim é a reprovação e intimidação de quem os sofre e
mesmo a generalidade de pessoas. Já que os valores protegistos pelo ilícito criminal
administrativo são eticamente indiferentes, falta às sanções aquela fundamnetação ética que est’a
subjacente a toda pena.
Mais difícil é a distinção entre ilícito criminal administrativo e as medidas de segurança, uma vez
que as medidas de segurança pertencendo em princ’ipio ao direito criminal de justiça, não
possuem carácter de reprovação como as penas e nem têm como estas, fundamento ético-jurídico,
enquanto não supõem e nem se baseiam na culpa do deliquente. Antes a função das medidas de
segurança é de pura defesa social, aproximando-se nessa medida das sanções administrativas.
Seja embora assim, certo é que elas pressupõem o cometimento pelo agente de um facto
objectivamente criminoso e podem deste modo continuar a ser estudadas dentro do direito
criminal. De masi, as medidas de segurança podem estar sujeitas a jurisdicionalização comum
através da forma especial do processo de segurança, pelo que também neste ponto elas se
afastarão das sanções administrativas.
3º- Quanto a competência para aplicar sanções.
No domínio processual as sanções do ilícito administrativo não são aplicadas pelos tribunais, mas
pela autoridade administrativa – caracterizada assim pela falta de jurisdicionalização, ao passo
que as sanções do ilícito criminal são sempre aplicadas pelos tribunais.

f) Ilícito criminal e Ilícito disciplinar


1º. Diferenças entre o ilícito disciplinar e administrativo
A distinção entre o ilícito criminal administrativo e disciplinar resulta de que também o
ilícito disciplinar à inteira semelhaça do que acontece com ilícito criminal de justiça é
eticamente fundado, na medida em que protege valores de obediência e disciplina em
face de certas pessoas que estão ligados a especial dever perante outras no quadro do
serviço público.

2º - Diferenças entre o ilícito criminal de justiça e o ilícito disciplinar


O ilícito disciplinar é a violação da disciplina do perfeito funcionamento e
desenvolvimento dos serviços públicos, e as penas que dele derivam são penas
disciplinares.

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O ilícito disciplinar difere-se do ilícito criminal de justiça no plano material, na medida
em que não há no ilícito disciplinar tipicização integral, antes se traçando normalmente
uma norma geral, uma cláusula delimitativa integral, antes se traçando normalmente uma
norma geral, uma cláusula delimitativa que abranja não só as faltas dos deveres
propriamente profissionais dos funcionários, mas mesmo as faltas da vida particular dos
mesmos funcionários, sempre que estas últimas sejam de natureza a repercurtir-se no
serviço.
O ilícito criminal de justiça difere-se também do ilícito criminal no plano processual: no
ilícito disciplinar trata-se da avaliação de interesses que não são da colectividade, mas o
de um grupo de pessoas de um certo serviço público. Por isso, não deve o seu julgamento
ser entregue aos tribunais comuns, mas sim a pessoas ou entidades hierarquicamente
superiores aos infractores e que estejam em condições de enquadrar a falta na orgânica e
funcionamento próprios dos respectivos serviços, de modo a perfeitamente determinar o
se e o como da punição disciplinar. Portanto o processo disciplinar é autónomo em
relação ao processo criminal comum.
4. TEORIA DOS FINS DAS PENAS2
4.1. Introdução
O Direito Penal pode encontrar legitimação a partir de duas ideias fundamentais:
- Da teoria do bem jurídico3;
- Da teoria dos fins das penas.
No âmbito dos fins das penas, pode-se distinguir, fins de duas naturezas: fins mediatos e fins
imediatos:
- Como fins mediatos das penas tem-se os fins do Estado;
- Como fins imediatos das penas tem-se a ideia de retribuição e de prevenção.
O Direito Penal é um ramo do direito produzido pelo Estado e como tal, deve em última
análise prosseguir fins imanentes a esse mesmo Estado.

2
Eduardo Correia, V. I, pág. 39-75
3
O Prof. Figueiredo Dias define bem jurídico como, expressão de um interesse de uma pessoa ou da comunidade,
integridade do Estado, vão-se sentar na própria pessoa ou na comunidade. Os bens jurídicos são uma combinação de
valores fundamentais, por referência à axiologia constitucional. São bens jurídicos fundamentais por referência à
Constituição, aqueles que visam o bom funcionamento da sociedade e das suas valorações éticas, sociais e culturais.
V.g: São bens jurídicos: Vida; Integridade física; Honra; Liberdade; Propriedade; Património em geral;
Liberdade de movimentação; Liberdade de decisão etc..

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A finalidade das penas pode ser vista não so numa óptica mediata de finalidades a prosseguir
pelo próprio Estado, mas numa óptica formal e abstracta.
Duas finalidades podem ser prosseguidas com os fins imediatos das penas:
1) Ideia de retribuição;
2) Ideia de prevenção:
a) Geral;
b) Especial.
As penas servem para retribuir o mal a quem praticou o mal, esta é a teoria retributiva das
penas: tem uma finalidade retributiva.
Ou então poder-se-á dizer que as penas servem para fazer com que as pessoas em geral não
cometam crimes, uma finalidade de prevenção geral.
Ou dizer que as penas servem para que a pessoa que é condenada a uma pena e que a tenha de
cumprir não volte ela própria a cometer crimes, tem-se aqui uma finalidade de prevenção
especial.
A estas ideias subjacentes aos fins das penas, há que distinguir entre:
- Teorias absolutas das penas;
- Teorias relativas das penas.

4.2. Teorias absolutas – teoria da retribuição ou retributiva


Apresenta a ideia de que as penas são um mal que se impõe a alguém, por esse alguém ter
praticado um crime. Significa a imposição de um mal a quem praticou um mal, uma ideia de
castigo. Escolhe-se uma pena que corresponde a determinado facto, deve ter correspondência com
a proporcionalidade na responsabilidade do agente.
É uma teoria inadequada para fundamentar a actuação do Direito Penal, embora este tenha um
fim de retribuição, não pode ter a teoria da retribuição como fim em si mesmo.

4.3. Teorias relativas


a) Teoria da prevenção:
Na óptica de prevenção geral, pode-se dizer que as penas pretendem evitar que as pessoas em
geral cometam crimes.
Numa óptica da prevenção especial, pode-se verificar que o direito penal, ao submeter um
indivíduo a uma sanção por um crime que ele cometeu, pretende evitar que esse indivíduo volte a
cometer crimes. Fá-lo por duas vias:

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1) Ou porque esse indivíduo é segregado, isto é, enquanto está a cumprir pena tem a
impossibilidade de reincidir;
2) Ou então, já não assente na ideia de segregação, mas numa ideia de regeneração, de
recuperação ou de ressociabilização, através de um tratamento que lhe será submetido no
âmbito do cumprimento da pena.
O Direito Penal é chamado a retribuir um crime, mas é concebido com uma ideia de prevenir
(teoria da prevenção geral). O objectivo da pena é essencialmente o objectivo de exercer uma
influência na comunidade geral – ameaçar quem cometer um crime, pois ao cometer fica
submetido a uma determinada pena – prevenir a prática de crimes.
Füerbach, cria a “teoria psicológica da coacção”, as infracções que as pessoas cometem têm,
um impulso psicológico, a função da pena é combater esse impulso de cometer crimes.
Intimida-se as pessoas, com esta coacção para que os cidadãos em geral não cometam crimes.
Esta prevenção geral divide-se em:
- Prevenção geral positiva, revelar à comunidade o que acontece se praticar um crime;
- Prevenção geral negativa revelar a intimidação.
Aparece a teoria da prevenção especial, tem também a ideia de prevenção, mas a prevenção já
não é0 a comunidade em geral, mas sim a prevenção do indivíduo, ou seja, que o agente não volte
a cometer um crime. Pretende evitar a reincidência.

Os principais defensores da teoria da prevenção especial asseguram-na de três formas:


1) Salvaguardar a comunidade do delinquente;
2) Intimidar o autor com a pena;
3) Evitar a reincidência.
É a teoria que mais se opõe à retributiva. O Direito Penal é cada vez mais dirigido à pessoa do
criminoso, criando condições para o sociabilizar. É alvo de críticas.
Tal como a prevenção geral, não nos fornece um critério de quanto e a duração das penas. Os
sistemas (teorias) desenvolvidos por si só são falíveis, começando a se desenvolver teorias mistas.

4.4. Teoria dialéctica dos fins das penas


Klaus Roxin desenvolve esta teoria mista, dizendo que cada uma das teorias per si, de
importância isolada são insuficientes para justificar os fins das pena, pois englobam 3 fases
Engloba três fases:
1) Fase da ameaça penal: a formulação de um preceito legal, abstractamente definido na lei,
em que exige a tipificação do comportamento como criminoso e os estabelece uma

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aespondente as esses comportamentos; os fins das penas seriam predominantemente de
natureza, de prevenção geral;
2) Fase da condenação: fase em que o indivíduo que cometeu um crime vai ser julgado e
quando o juiz lhe comunica a pena aplicável, momento da retribuição;
3) Fase da execução da pena: em que a finalidade da pena estaria aqui numa óptica de
prevenção especial, de recuperação ou ressociabilização do delinquente.

22. Outras teorias


a) Teorias unificadoras retributivas
Viam no Direito Penal o fim retributivo (fim essencial), mas partindo das insuficiências da
retribuição iam apontar ao Direito Penal a finalidade de prevenção.
b) Teorias unificadoras preventivas
Dois objectivos:
- Aproveitar o que têm de positivo a prevenção especial e geral;
- Criar o que falta nelas, a prevenção.
Características:
- Os fins das penas são essencialmente e exclusivamente preventivos;
- Renúncia de toda a ideia de retribuição;
- Princípio da culpabilidade para a limitação da pena vai-se ter em conta a culpa do agente.
Apenas não pode ultrapassar a medida de culpa. Ao grau de culpa vai-se encontrar a
medida da pena.

Conclusão: o Código Penal moçambicano assume princípios de prevenção especial e um


misto de prevenção geral – teorias unificadoras preventivas. Trata-se de um sistema
exclusivamente preventivo em que se procura fazer uma coexistência dos princípios de prevenção
especial e geral.

CAPITULO II‫ ׃‬Teoria geral da Lei criminal

1. Fontes do Direito criminal


As fontes do Direito penal moçambicano são:
CRM
a) O Código penal e legislação penal extravagante

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O Código penal moçambicano, aprovado pela Lei n. 35/2014 de 31 de Dezembro é o principal
diploma legislativo que serve como fonte de direito penal, para além da legislação penal
extravagante.

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b) Legislação penal extravagante
Não são só crimes os factos contidos no Código penal, mas também os crimes previstos e
punidos em legislação penal extravagante. Ex: C estrada, lei tutelar de menores, lei de energia
c) Costume
Em direito criminal não há possibilidade do costume ser fonte autónoma de incriminação. Ele
só pode constituir conteúdo de uma disposição legal, quando esta se refira a ele como
elemento do seu preenchimento. O que poderá acontecer maxime, quando se trate de
conceitos normativos de que a lei se serve ao descrever os seus tipos legais de crime. V.g. a
noção de pudor.

d) Tratados internacionais
Os tratados internacionais só obrigam os órgãos do Estado e os particulares, quando forem
recebidos na lei interna (art. 18 CRM). V.g., Tratado de extradição
e) Assentos
Os assentos do Tribunal Supremo só pode atribuir-se uma função interpretativa, mas quanto a
incriminação os assentos não podem ser fontes do direito criminal, porque tal coisa brigaria
com o princípio «nullum crimen sine lege».

2. Interpretação e integração da lei criminal 4

2.1. Interpretação extensiva

O artigo 9 do CP dispõe que « não é admissível analogia ou indução por paridade, ou maioria
de razão, para qualificar qualquer facto como crime, sendo sempre necessário que se
verifiquem os elementos essencialmente constitutivos do facto criminoso que a lei expressamente
declarar».

4
CORREIA, Eduardo, Direito Criminal, Vol. I, Almedina-1963, pág. 142 e SS

17
O artigo 9 do CP exclui a possibilidade de fazer uma interpretação extensiva como base de
qualificação criminosa. A segunda parte do artigo exige para se poder qualificar um facto como
criminoso que se verifiquem «os elementos essencialmente constitutivos do facto criminoso, que
a lei expressamente declarar». Isto é confirmado pela primeira parte do artigo, onde se proibem
argumentos de maioria ou identidade de razão para qualificar um facto como criminoso. E
estes argumentos são aqueles que se empregam na interpretação extensiva.

2.2. Limitações ao princípio da exclusão da interpretação extensiva


1º- A proibição da interpretação extensiva que se faz no artigo 9 do CP é apenas respeitante à
qualificação de um facto como criminoso. Pois, se um facto já está qualificado como crime e só
se trata de saber se ele se enquandra numa outra disposição em que se estabelece uma punição
menos grave, já nada impede a interpretação extensiva. A este propósito aponta-se como
exemplo, o confronto do art. 207 com o art. 209 do CP:

O art. 207 do CP dispõe que « aquele que sem concerto com o fabricador e sem que seja seu
cúmplice, passar a dita moeda, notas, inscrições ou obrigações falsificadas ou a puser à venda,
será condenado a prisão maior de dois a oito anos».

O artigo 209 dispõe que «se em qualquer dos casos declarados nos artigos antecedentes, o
passador teve conhecimento da falsidade, só depois recebido a moeda como verdadeira, a pena
será a de multa».

O artigo 207 pune o que passar moedas, notas, inscrições e obrigações falsificadas e o artigo
209 prevê o caso especial de o agente só ter tido conhecimento da falsidade depois de ter
recebido a moeda, estabelecendo penas menos grave..

Sendo certo que o artigo 209 refere-se unicamente a moeda é legítimo perguntar se se tratar de
inscrições ou obrigações?
Neste caso é permitida a interpretação extensiva do artigo 209, entendendo se que o termo
moeda, pode se estender a inscrições ou obrigações, referidas no art. 207, ambos do CP.

18
2º- Outra limitação ao princípio da proibição da interpretação extensiva refere-se a utilização de
conceitos normativos, v.g., os conceitos de propriedade alheia, documento, cheque, escritura
pública, empregado público , etc.. A lei criminal quando utiliza conceitos de outros ramos de
Direito, quer naturalmente aceitá-los e recebê-los com o sentido que eles possuem no ramo de
direito a que pertencem. E, por conseguinte, tem de aceitar os resultados a que se chegue pelos
métodos de interpretação permitidos nesse ramo de direito.

Sublinhe-se que a proibição da interpretação extensiva diz unicamente respeito à incriminação


ou seja, a qualificação dos factos como criminosos. Tal proibição so se revela no aspecto da
tipicidade, pois, todo o resto salvo quando a lei expressamente o afirma, não há razão nenhuma
para proibir a interpretação extensiva.

2.3. Interpretação histórica e actualista: a que juizo de valores se deve atender


quando se interpreta uma lei criminal?
Deve atender-se aos juizos dominantes no momento da feitura da lei (interpretação histórica).
Não é que se haja de reconstituir a vontade exteriorizada do legislador, mas trata-se só de
reconstruir os fins ou os quadros de valor a que o legislador aderiu.
É preciso notar que um cderto legislador pode modificando a legislação fazer uma interpretação
autêntica do direito anterior e a esta luz se deverá então interpretar agora todo o sistema que daí
resulta.

2.4. O problema da analogia

O art. 9 do CP veda expressamente o emprego da analogia no momento da qualificação dos


factos como criminosos. Igualmente se não pode aceitar a possibilidade da analogia quando a lei
claramente a excluir, como nos casos de enumeração taxativa. É assim quando se trata da
aplicação e substituição de penas. Pois o art. 54 CP diz que «não poderão ser aplicadas penas ou
medidas de segurança que não estejam descritas na lei» e o artigo 85 estabelece que «nenhuma
pena podera ser substituída por outra, salvo nos casos em que a lei o autorizar».s
E assim é também, quando se trata de circunstâncias agravantes, que são taxativamente indicadas
na lei (art. 37 do CP).
Também o nosso direito conhece « o princípio da legalidade das causas de justificação», por
isso, afirma o artigo 29/7 que «não eximem da responsabilidade criminal: em geral quaisquer
factos ou circunstâncias, quando a lei expressamente não declare que eles eximem da

19
responsabilidade criminal. Também a analogia é de excluir quando se trate de disposições
excepcionais.
NB: É permitida a analogia quando o direito criminal usa conceitos normativos doutros ramos
de direito (v.g., empregado público, escritura pública etc..), o seu sentido haverá de ser captado
com o socorro de todos os processos de interpretação ou integração admitidos pelo ramo de
direito a que tais conceitos originariamente pertencem.

2.5. O princípio in dúbio pro reo


O princípio in dubio pro reo manda ao intérprete que em caso de dúvida siga aquela
interpretação que mais favoreça o réu. Para alguns autores (v.g, Prof. Eduardo CORREIA), este
princípio deve ser recusado porque colide com as regras de interpretação. Assim, em caso de
dúvida, o intérprete deve socorrer-se de todos os elementos que permitam a averiguação da
verdadeira vontade do legislador. O princípio de que a liberdade é regra e a limitação é
excepção poderá permitir quando uma das interpretações conduza a limitar a liberdade, que se
renuncie a essa em beneficio da outra. Mas só em tal hipótese.
Para outros autores como Cavaleiro FERREIRA, 5 o princípio in dúbio pro reo, não interessaria a
interpretação, mas apenas a apreciação da prova dos factos.

Quando a situação de facto sugere a aplicação de vários preceitos, sem que a prova mostre
claramente se se verificam os elementos de um ou de outro deve considerar-se preenchido o
preceito que estabelece a sanção concretamente menos grave, por força do princípio de que a
aplicação da lei criminal deve , na dúvida, preferir-se a solução que traga uma menor limitação
da liberdade.

3. Aplicação da lei criminal no tempo e no espaço


3.1. Aplicação da lei criminal no tempo6

a) Princípio da não retroactividade da lei penal

5
Citado pelo Prof. Eduardo Correia, Direito criminal, V. I, pág. 150 e SS

6
Eduardo Correia, Direito criminal, V. I, pág. 153 e SS

20
A regra geral é de que as leis não podem ter efeitos retroactivos, excepto quando beneficiam o
cidadão. Ou seja, como regra geral as leis regulam para o futuro, não sendo aplicáveis com
eficácia retroactiva. Nisto consiste o princípio da irrectroactividade legal. Em termos gerais o
princípio da irrectroactividade pode ser excepcionalmente afastado pelo legislador ordinário (art.
12 CC).

Porém, no campo do Direito criminal, este princípio não pode sofrer excepções impostas pelo
legislador, sob pena de inconstitucionalidade material. Esta proibição legal representa uma
garantia com dignidade constitucional (art.57 CRM), procurando assegurar a protecção dos
direitos e liberdades individuais face ao poder punitivo do Estado. Sem prejuízo do carácter
irretroactivo, a lei penal adquire eficácia retroactiva quando a sua aplicação beneficia o
arguido (art. 60/2 CRM). Nisto consite o princípio da retroactividade da lei penal mais
favorável ao arguido. Trata-se do princípio que reveste diferentes situações jurídicas (vide o art.
6 do CP). Assim, o princípo da não retroactividade da lei penal apresenta as seguintes
excepções:

Art. 6/1ª – Excepção (caso de extinção ou criação por uma lei posterior de incriminações)

«A infracção punível por lei vigente ao tempo em que foi cometida, deixa de o ser se uma nova
lei a eliminar do número de infracções». Isto é, se uma nova lei deixa de incriminar certos factos
previstos numa lei anterior, ela deve aplicar-se retroactivamente. Tendo havido já condenação
transitada em julgado, fica extinta a pena, tenha ou não começado o seu cumprimento (art. 6/1ª
excepção).

Art. 6/2ª Excepção (o caso de modificações por leis posteriores da punição do facto ou da
pena)

Trata-se de casos em que um facto foi praticado no domínio de uma lei que estabelece para ele
certa pena, e no momento do seu julgamento esteja em vigor uma lei que estabelece para ele
punição diferente. Nestes casos qual é a lei aplicável?

É costume distinguir duas hipóteses:

1ª – Se a pena da lei nova é mais leve, deve sempre aplicar-se a lei nova

2ª – Se a pena da lei nova ser mais grave, entende-se que a lei nova não deve ser aplicada.

21
Estas hipóteses encontram expessão no artigo 6 do CP segunda parte, ao estabelecer que,
«quando a pena estabelecida na lei for diversa das estabelecidas em leis posteriores, será sempre
aplicada a pena mais leve ao infractor, que ainda não estiver condenado por sentença passada
em julgado».

Art. 6/3ª Excepção (o caso de modificação de efeitos da condenação ou das penas)

Esta exepção também encontra expressão no artigo 6 do CP, ao dispor que «as disposições da lei
sobre os efeitos da pena têm efeito retroactivo em tudo quando seja favorável aos criminosos,
ainda que estes estejam condenados por sentença passada em julgado ao tempo da promulgação
da mesma lei, salvo os direitos de terceiro». É o o princípio da lei mais favorável ao
deliquente. Apenas se limitam direitos de terceiros 8limitações patrimoniais de penas).

b) Excepções ao princípio da não retroactividade da lei penal não previstas no nosso


Código Penal.

1. Modificação dos requisitos da imputabilidade

Se uma nova lei passa a exigir certos requisitos para imputabilidade tem de aplicar-se
retroactivamente, porque da sua aplicação resulta a exclusão da incriminação.

Inversamente, se uma lei nova deixa de exigir certos requisitos para imputabilidade, não pode ser
aplicada a um facto praticado anteriormente, sob pena de corresponder a uma incriminação ex-
novo.

2. Circunstâncias agravantes e atenuantes

Deve aplicar-se retroactivamente a lei que estabelece uma atenuante, pois tem como
consequência, uma pena menos severa. Inversamente não se pode aplicar retroactivamente uma
lei que cria uma agravante.

3. Prazos de prescrição do procedimento criminal e das penas

Passado um certo prazo depois da prática de um facto deixa de ser possível o procedimento
criminal, depois de certo prazo após a condenação deixa de possível executá-la. Assim, pode ser
que uma lei nova altere os prazos destas prescrições, por exemplo de 10 para 20 anos. Nestes

22
casos qual é o prazo que deve atender-se, se já decorreu um certo prazo? Várias soluções têm
sido dadas:
a) Há que não admita a retrocatividade, defendendo a solução de que é de aplicar a lei
antiga;
b) Procuram outros encontrar uma solução intermédiária. Determinar-se-ia a fracção de
tempo já decorrido relativamente ao prazo da lei antiga e considerar-se-ia essa fracção de
tempo já decorrido relativamente ao prazo da lei nova.
c) E Outros pretendem distinguir a natureza substantiva ou adjectiva da prescrição para
decidirem.

4. Medidas de Segurança
A finalidade das medidas de segurança é reagir contra a perigosidade, que deve existir no
momento em que tais medidas se mandam aplicar. Pelo que não se pode falar em
retroactividade, mas em aplicação de uma lei a um facto que se verifica na sua vigência. A
lei que prevê estas medidas é sempre de aplicação imediata.

Aplicação no espaço da lei criminal moçambicana7

1. Sentido do problema
O problema da aplicação da lei penal no espaço procura saber até aonde se estende o
poder punitivo do Estado, ou seja, quais são os limites do poder punitivo dum
determinado Estado? Portanto, o problema fundamental do Direito internacional penal
continua a ser o da competência positiva de um certo sistema jurídico penal.

2. Princípios que orientam a aplicação da lei criminal no espaço


2.1. O princípio da territorialidade (art. 53/1 CP)
Segundo este princípio os crimes cometidos dentro do território de um Estado são regidos
pelas suas leis, qualquer que seja a nacionalidade do agente do crime ou da vítima.

7
Eduardo CORREIA, e Figueiredo DIAS, Direito criminal, Vol. I Reimpressão. Almedina 1963, pág. 164 e SS.

23
O sistema jurídico penal moçambicano parte do princípio da territorialidade. Assim,
dispõe o nº 1 do artigo 53 do CP que “a lei penal é aplicável, não havendo tratado em
contrário a todas infracções cometidas em território ou domínios moçambicanos,
qualquer que seja a nacionalidade do infractor...”
O princípio da territorialidade levanta o problema da sede do delito, ora vejamos:
A aplicação do princípio da territorialidade pode dar a várias dificuladades, sobretudo,
nos casos de crimes permanentes e de delitos colectivo ou continuados.
Crimes permanentes são aqueles que a sua consumação se protela por mais ou menos
tempo, podendo essa consumação protelada ter lugar em vários países. Por exemplo, o
crime de cárcere privado – art. 330 CP.

Delitos colectivos ou continuados são aqueles em que as várias actividades do mesmo


crime ou actos de comparticipação da mesma infracção se espalham por diversos
Estados.
Nos casos de crimes permanentes e de delitos colectivos ou continuados, põe-se o
problema de saber onde deve considerar-se a sede do delito.
A nossa lei substantiva (CP) não resolve expressamente o problema, mas o Código de
processo Penal resolve indirectamente o problema quando trata da questão da
competência (art. 46 CPP), que supõe uma solução plurilateral ou teoria da
ubiquidade, segundo a qual considera-se o lugar do crime ou sede de delito o território
nacional, quer através da actividade do agente (acção), quer através do evento
criminoso (resultado).
Existem várias soluções doutrinais para a determinação da sede do delito:
a) soluções unilaterais, segundo as quais considera-se realizado o delito no lugar
onde se levou a cabo a actividade do agente, ou seja onde este cometeu a acção ou
omissão. Outro grupo de autores de soluções unilaterais considera como lugar do
crime aquele onde se produzem os resultados. Finalmente ainda outros,
consideram como lugar do crime aquele onde foi ofendido o interesse protegido
pela lei.
b) Solução plurilateral: defende que a sede do delito é aquele onde se verificou
quer a actividade do agente (acção), quer o evento criminoso (resultado).

24
Ora, no estado actual das coisas, não havendo convenções internacionais, a adopção de
uma só solução unilateral poderia conduzir a impunidade. Basta simplesmente que um
dos diferentes países que o crime se projectasse se adoptasse critérios opostos. por
exemplo: um moçambicano em território nacional, por hipótese na fronteira, dispara um
tiro que vai ferir um indivíduo que se encontra em território Zimbabweano. A vítima
como consequência da agressão, vem a falecer na República Sul Africana. Suponhamos
agora que Moçambique adoptava a lei do lugar do resultado e que tanto no Zimbabwe
como na África do Sul se adoptava a lei do lugar da conduta do agente. Neste caso
nenhuma lei destes países se aplicaria e o crime ficaria impune.
Disto resulta que o critério aconselhável é o da solução Plurilateral, que considera a
sede do delito tanto o lugar da conduta como o do resultado (art. 46 corpo e § 1 º do
CPP)
Na verdade o artigo 46 do CPP, resolvendo o problema da competência territorial, supõe
uma solução plurilateral. Apenas se distingue no Direito moçambicano o caso do
encobrimento, mandando lhe aplicar a lei moçambicana quando praticado no país, sem
ao mesmo tempo considerar por ele abrangido o respectivo crime encoberto (§ 2º do art.
46 CPP). Por exemplo: um indivíduo rouba na Zâmbia e manda o objecto roubado para
Moçambique, para aqui ser escondido. Nesta hipótese aplica-se a lei moçambicana,
porque esta é uma forma de comparticipação criminosa, que se destaca nitidamente do
próprio crime. É uma comparticipação nos efeitos do crime (e não no crime).
Note-se que o Direito penal moçambicano não resolve uma dificuldade que pode surgir
relativamente aos crimes formais, ou seja, aqueles cuja consumação se verifica
independentemente do resultado. Por exemplo, o crime de envenenamento, P. P. pelo
art. 353 CP. Suponhamos que um agente subministra substâncias venenosas no Malawi
e a vítima vem a morrer em Moçambique. Por força da sua natureza formal deve o crime
considerar-se consumado no Malawi. Mas aqui há que distinguir duas hipóteses quanto a
aplicabilidade da lei penal moçambicana a este caso:
- Primeira hipotese: se um agente da infracção criminal subministra, por ex.emplo,
substâncias venenosas no estrangeiro e a sua vítima vem a falecer em Moçambique,
apesar de considerar-se consumado o crime no estrangeiro por força da sua natureza
formal, este resultado (morte por envenenamento em Moçambique) não deverá deixar de

25
ser tomado em conta para aplicação da lei penal moçambicana, porque não se
compreenderia, aliás, que se alguém desse uma facada num país estrangeiro a um
homem, que por via disso, veio morrer em moçambique, se aplicasse ao facto a lei
moçambicana (art. 46 CPP), e já não se aplicasse quando o instrumento da morte fosse
um veneno.
- Segunda hipótese: se um agente da infracção criminal, por ex, subministra substâncias
venenosas no estrangeiro e a sua vítima não vem a falecer, ou seja, se o resultado do
crime formal (por ex, morte por evenamento) não se verificar, apesar do crime estar em
contacto com o território moçambicano, não se aplicará a lei penal moçambicana, porque
por força da sua natureza formal deve o crime considerar-se consumado no estrangeiro e
punível provavelmente pela lei estrangeira onde a acção teve lugar. Com efeito a natureza
dos crimes formais resulta de uma ficção da sua consumação, quando o resultado não se
verifica8
O ter sido cometido qualquer dos elementos do crime em território moçambicano é o
fundamento base para a aplicação da lei moçambicana, mas o princípio da territorialidade
sofre uma ampliação e uma restrição:

- Ampliação do princípio da territorialidade (princípio da bandeira ou do pavilhão –


art. 53 nº 2 CP e 48 do CPP)
Segundo o princípio da bendeira, o Estado em que está registado o navio ou aeronave
pode sujeitar ao seu poder punitivo as infracções cometidas abordo, ainda que o facto
haja sido cometido em território de soberania estrangeira ou no alto mar.
Assim, aos crimes praticados abordo de navio moçambicano em mar alto, de navio de
guerra moçambicano surto em porto estrangeiro, ou de navio mercante moçambicano
surto em porto estrangeiro, quando os delitos tiverem lugar entre agente da tripulação
somente, e não houverem perturbado a tranquilidade do porto, a lei moçambicana deve
ser aplicada (art.52/2 CP). Esta ampliação prevista no CP, não abrange aeronaves
moçambicanos, mas a lacuna é preenchida pelo art. 48 CPP, que abrange também
aeronaves moçambicanos.

8
Ob. Citada pág. 173

26
- Restrição do princípio da territorialidade (art. 53 § 1º)
Não se aplica a lei Penal moçambicana em relação as infracções praticadas a bordo de um
navio de guerra estrangeiro em porto ou mar territorial moçambicano, ou a bordo de
navio mercante estrangeiro, quando o delito tiver lugar entre agente da tripulação
somente e não perturbar a tranquilidade do porto (art. 53 § 1º).
Esta restrição prevista no CP, não abrange aeronaves moçambicanos, mas a lacuna é
preenchida pelo art. 48 CPP, que abrange também aeronaves moçambicanos.

2.2. Princípio da defesa dos interesses nacionais (art. 53 nº 3 e 4 CP)


Segundo este princípio a lei aplicável é a da nacionalidade do bem jurídico violado ou
ameaçado, onde quer que o crime tenha sido cometido, e qualquer que seja a
nacionalidade do agente.
Há certos interesses nacionais que a lei criminal pune a sua violação, quaisquer que sejam
os seus agentes e onde quer que tenha tido lugar. A razão desta punição resulta da
circunstância de certos factos, que ofendem altos interesses nacionais, não serem punidos
nos lugares onde foram praticados, e assim poderem ficar sem defesa certos importantes
interesses nacionais, como os da segurança interior do Estado. Por ex: a falsificação da
moeda moçambicana no estrangeiro.
Nos números 3 e 4 do artigo 53 do CP, distinguem-se os nacionais dos estrangeiros,
quanto as condições de punição. Assim, não se exige para a aplicação da lei criminal
moçambicana, o comparecimento do agente moçambicano em Moçambique. Pode ser
julgado a revelia, podendo a sentença ser executada se o infractor vier a Moçambique.
Em relação aos estrangeiros, não se exclui a aplicação da lei moçambicana, quando eles
já tenham sido julgados no estrangeiro, ou seja, que não se aplica a regra non bis in
idem, dado que aos estrangeiros não se estabelece a restrição da parte final do nº 3 do
artigo 53 do CP.
Mas o professor Eduardo Correia9 ensina que se para um moçambicano poder ser
julgado em Moçambique importa que não tenha sido no estrangeiro, por maioria da
razão isto deve suceder relativamente ao estrangeiro. Portanto, deve fazer-se uma

9
Ob. Citada pág. 75-76

27
interpretação restritiva no nº 4 do artigo 53 do CP, exigindo-se que o agente não tenha
sido julgado no estrangeiro.

2.3. Princípio da nacionalidade / personalidade (art. 53 nº 5 CP)


Este princípio determina que a lei aplicável é a do país do deliquente, onde quer que ele
se encontre. O princípio da nacionalidade desdobra-se em dois subprincípios:
2.3.1. Princípio da nacionalidade activa: defende a aplicação da lei do país a que
pertence o agente, sem atender ao bem jurídico violado pelo crime.
2.3.2. Princípio da nacionalidade passiva: defende que a lei do país de origem só se
aplica quando o bem jurídico violado ou ofendido pertença a pessoas da mesma
nacionalidade.
Em Moçambique o princípio da nacionalidade é resultado do princípio da não extradição
dos nacionais (art. 67 nº 4 da CRM). Assim, se um moçambicano pratica um facto
criminoso no estrangeiro e se refugia em Moçambique, não sendo extraditado ficaria
impune se aplicarmos o princípio da territorialidade. Há que recorrer ao princípio da
nacionalidade para que que o criminoso possa ser julgado.
Mas que interesse tem o Estado moçambicano em punir a violação de uma ordem jurídica
que não é sua?
Como resposta a esta questão podemos dizer que isso se faz no cumprimento de uma
máxima do direito das gentes que manda “punire aut dedere” , ou seja, por uma razão de
reciprocidade. Pune-se o nacional por um facto praticado no estrangeiro para que o país
estrangeiro puna os seus nacionais por um facto praticado no estrangeiro.
O nº 5 do artigo 53 do CP subordina a punição a várias condições: a) que o agente se
encontre em Moçambique, b) que o facto seja punido pela lei nacional e também pela lei
do país onde foi praticado, c) que o agente não tenha sido julgado no país onde cometeu o
crime.
NB: a formulação do princípio da nacionalidade está hoje desactualizada, em virtude das
facilidades de deslocação que a vida moderna acarretou, dando origem a casos flagrantes
de fráude a lei, sobretudo a al., b) do nº 5 do artigo 53 do CP. Por via desta alínea, não
será punida a moçambicana que se desloque a país estrangeiro onde o aborto não é
punido, só para aí praticar este crime e furtar a punição da nossa lei.

28
Se já foi julgado no país onde cometeu o crime e aí não cumpriu inteiramente a pena,
volta-se novamente a julgá-lo tomando em conta a pena já sofrida (§ 3º do artigo 53 CP).
Tratando-se de crimes que correspondam penas de pouca gravidade, exige-se ainda que
haja participação especial da autoridade do país onde foi praticado o crime (§ 2º do
artigo 53 CP)

2.4. princípio da justiça universal ou da universalidade


Este princípio defende que o deliquente fica sujeito a lei do país onde for encontrado,
qualquer que seja o lugar onde o crime foi praticado, a nacionalidade do agente ou do
bem tutelado. Há certos interesses que fazem parte do património cultural da
humanidade, e que devem ser sempre defendidos criminalmente, quem quer que seja o
agente e onde quer se tenha praticado o facto que os viola.

29
3. Extradição10
3.1. Conceito e evolução do instituto de extradição
Extradição – é o facto pelo qual um governo remete um indivíduo que se refugiou no seu
seu território ao governo de um outro Estado para que ele aí seja julgado ou cumprir a
pena que lhe foi aplicada.
Quanto a evolução, a extradição fez-se inicialmente por acordos particulares. Mais tarde a
partir do século XVII, começou a ser regulada por tratados internacionais. Modernamente
o sentido é para um tratado universal sobre a extradição, ou seja uma convenção
internacional em vez de simples tratados particulares.

3.2. Quem pode pedir a extradição?


A extradição pode ser pedida por todo o Estado, que segundo as leis de competência
internacional, deve punir um determinado facto. Põe-se então o problema de saber em
favor de qual Estado pode-se conceder a extradição. A solução face ao nosso direito é a
de dar prevalência aquele Estado que pedir a extradição por aplicação da sua lei
com base no princípio da territorialidade, depois no da defesa de interesses
nacionais, e, finalmente, no da nacionalidade.
Se vários Estados pedirem a extradição com base no princípio da territorialidade, a
solução está em aplicar por analogia a lei interna reguladora dos conflitos de competência
territorial, que se encontra no artigo 55 do CPP, que dá preferência ao Estado em que
se praticou o facto mais grave, sem descurar de outras soluções previstas no mesmo
artigo.

10
Eduardo CORREIA, e Figueiredo DIAS, Direito criminal, Vol. I Reimpressão. Almedina 1963, pág. 183 e SS.

30
3.3. Condições de extradição
As condições de extradição são as seguintes:
a) A extradição não tem lugar relativamente aos indivíduos também autores de
crimes no Estado a que se pede a extradição.
b) A extradição não se aplica aos nacionais (art. 67 nº 4 da CRM).
c) Não se extradita com base em crimes políticos (art. 67 nº 2 da CRM ).
d) Nos tratados estabelecem-se os delitos que podem dar lugar a extradição.

3.4. Processo de extradição


Distinguem-se duas fases do processo de extradição:
3.4.1. Fase do pedido da extradição
Ao nível doutrinal defende-se que uma vez verificado que o criminoso se refugiou num
país estrangeiro, o Ministério Público fará uma exposição em que apresentará o assunto,
devidamente instruído com as provas, que será transmitido ao Ministério dos Negócios
estrangeiros, o qual deve fazer o pedido de estradição por via diplomática ao Ministério
dos Negócios estrangeiros do país onde o criminoso se refugiou.
3.4.2. Fase da Concessão: Quanto a apreciação do pedido há dois sistemas :
a) O sistema judiciário material e formal: Sistema judiciário material, que é o
sistema Anglo-Americano, segundo o qual é necessário previamente fixar com a
possibilidade de contradição a existência de razões sérias de culpabilidade do
extraditando. Sistema judiciário formal, que é o sistema francês, segundo o
qual o tribunal limita-se a verificar a regularidade do pedido de extradição.
Moçambique parece que adoptou o sistema judiciário formal na medida em que a
extradição só pode ter lugar por decisão judicial, nos termos do artigo 67 nº 1 da
CRM.
b) Sistema administrativo: Neste sistema, a extradição é um puro acto
administrativo do Governo, sendo o pedido, assim como as provas que que o
acompanham, objecto de estudo meramente burocrático. O Governo depois de
certificar o pedido, de acordo com as norma internacionais, dará então a ordem para
que interrogue o deliquente. Depois de analisado o processo o governo decretará, se
for caso disso, a extradição.

31
3.5. Efeitos da extradição: a extradição tem como efeito a entrega do indivíduo ao
governo que pede a extradição.
3.6. Restrições a concessão de extradição: a concessão do pedido de extradição pode
conter certas restrições. Por exemplo, não é permitida a extradição por crimes a que
corresponda na lei do Estado requisitante pena de morte ou prisão perpétua ou sempre
que fundadamente se admita que o extraditando possa vir a ser sujeito a tortura,
tratamento desumano, degradante ou cruel (art. 67 n º 3 da CRM).
3.7. Relação entre extradição e direito de asilo
Existe uma relação entre a extradição e o direito de asilo. O direito de asilo pode ser
analisado em três dimensões:
a) Dimensão internacional: o direito de asilo é um direito ou poder dos Estados de
acolher e dar refúgio a quem seja perseguido ou ameaçado de perseguição por
outro Estado.
b) Dimensão pessoal: o direito de asilo pode ser visto como direito subjectivo do
perseguido para obter asilo e refúgio, e por outro lado, o direito do persguido de
não ser remetido ou devolvido ao país perseguidor.
c) Dimensão constitucional objectiva: o direito de asilo é um mecanismo de
protecção de valores constitucionais de democracia, liberdade social e individual,
da paz entre os povos, da defesa dos direitos humanos entre outros direitos
consagrados nas Constituições modernas.
Assim, quando um Estado concede o direito de asilo ao perseguido, confere-lhe um
estatuto de refugiado político, resultando daí alguns direitos que não podem ser
violados. Um dos direitos é o de que o estrangeiro persguido não pode ser expulso ou
extraditado, porque a extradição por motivos políticos não é autorizada (art. 67 n º 2
Conjugado com o artigo 20 nº 2 da CRM).

3.8. Diferenças entre extradição e expulsão


Expulsão – é um acto jurídico unilateral pelo qual um Estado ordena a saída compulsiva
de estrangeiros do seu território, ao passo que a extradição é uma relação bilateral que se
estabelece entre dois ou mais Estados no âmbito das relações diplomáticas.

32
Entre as razões de expulsão podemos citar a entrada ilegal de estrangeiros num Estado
ou a sua permanência ilegal, normalmente depois de ter caducado o documento de
permanência nesse Estado.

5. Aplicação da lei criminal quanto as pessoas: excepcões ao princípio da


igualdade dos cidadãos perante a lei penal11.

O princípio geral em matéria de aplicação da lei criminal quanto as pessoas é o de que a


lei criminal se aplica a todas as pessoas sem distinção de classes ou hierarquias.
Há todavia, excepções, umas vezes impostas para garantir a dignidade e independência
de certas pessoas e funções, outras vezes por razões diplomáticas ou de direito
internacional.
Tais excepções podem ter carácter substantivo, quando apagam o crime, ou carácter
adjectivo ou processual, quando tornam dependente o procedimento criminal de certas
condições.

4.1. Excepções substantivas político – constitucionais


Como exemplo destas excepções pode citar-se o arigo 153 nº 1 da CRM relativo a
responsabilidade do Presidente da República e o artigo 154 da CRM, que determina que
em caso algum pode o Presidente da República no exercício efectivo das suas funções
ser sujeito a prisão preventiva.
Coisa semelhante sucede com os deputados da Assembleia da República que nos termos
do artigo 175 nº 1 da CRM não podem ser processados judicialmente, detidos ou
julgados pelas opiniões ou votos emitidos no exercício da sua função de deputado. Note-
se que esta excepção não abrange a responsabilidade criminal dos deputados por injúria,
difamação ou calúnia ( art. 175 n º 2 da CRM). Veja ainda o tratamento semelhante em
relação aos membros do Conselho do Estado (art. 165 n º 3 da CRM).

11
Eduardo CORREIA, e Figueiredo DIAS, Direito criminal, Vol. I Reimpressão. Almedina 1963, pág. 189 e SS.

33
Também os juízes são irresponsáveis pelos seus julgamentos, ressalvadas as excepções
que a lei designar (vide os artigos 217 n º 2 e 218 nº 1 ambos da CRM e o artigo 10 nº 3
da Lei 24/ 2007 de 20 de Agosto ).

4.2. Excepções processuais ou adjectivas


A acção penal pode ser intentada contra outras pessoas que não gozam de excepções
processuais e que tenham participado no crime. Por exemplo, o furto entre cônjuges e o
furto de descendente não dá lugar a acção pública de furto. Mas isso não significa que
se não proceda criminalmente contra os respectivos comparticipantes 12.
Outras excepções processuais são aquelas que exigem o consentimento da Assembleia da
República para processar deputados (art.. 174 n º 1 da CRM), ou a autorização do
Presidente da República para deter os membros do Governo (art. 211 da CRM).
Pelos crimes praticados fora do exercício das suas funções, O presidente da República
responde perante os Tribunais comuns no termo do Mandato (art. 153 n º 2 da CRM).

12
Vide art. 431 n º 1, 2 e § 1º do CP, redacção dada pela Lei nº 8/2002 de 5 de Fevereiro.

34
4.3. Excepções diplomáticas:
a) É costume e prática internacional que os Chefes de Estado estrangeiros, quando não
viagem incógnitos, e pratiquem actos criminais, não possam ser punidos, devendo apenas
ser convidados a retirarem-se ou a serem expulsos, pedindo-se depois reparações por via
diplomática.
b) É costume retirar o acordo aos diplomatas que praticarem delitos no país, fazendo-os
assim sair do território e permitindo que os respectivos países os julguem.
C) O mesmo se aplica aos agentes internacionais equiparados aos agentes diplomáticos e
ao pessoal oficial das missões diplomáticas.

Teoria Geral da infração criminal13


1. Conceito e elementos do crime
a) Conceito de Crime e seus elementos.
Podemos definir o crime sob ponto de vista formal, legal e lógico-categorical. Assim, sob
o ponto de vista formal, crime é uma desobediência a lei criminal. Recorrendo ao
critério lógico- categorical14, podemos definir o crime como uma acção ou omissão,
ilícita, culposa e típica. Assim, os elementos constitutivos do crime serão:
 Acção ou omissão - uma modificação do mundo exterior constituída pela
actividade do agente, ligada causalmente à vontade ou o incumprimento dum
dever jurídico (penal)
 Ilicitude – é a contrariedade do facto (acção ou omissão) a lei penal.
 Culpabilidade- censura ético-jurídica de um certo facto típico dirigida a um
sujeito por não ter agido de modo diverso. O pressuposto da culpa é a liberdade
de autodeterminação. (art. 26 CP: imputabilidade e 44 nº 7 CP: que considera
a culpa como essencial para a punição do facto criminoso)

13
Vide a obra do Prof. Eduardo CORREIA, Direito criminal, vol. I, Almedina, 1963 páginas 195 e seguintes.

14
Trata-se dum critério de definição, que determina os conceitos pela enumeração dos seus elementos e
explica as coisas decompondo-as nos seus elementos mais simples.

35
 Tipicidade – é necessário que o comportamento humano coincida formalmente
com a descrição feita em norma incriminadora, para que possa integrar uma
ifracção criminal.

A lei também dá um conceito legal de crime, definindo como um facto voluntário,


declarado pun’ivel pela lei penal, ou seja, Só é crime o acto ou omissão declarados
puníveis criminal (vide os artigos 1º e 15º ambos do CP). Trata-se também de um
conceito formal de crime, que acentua o facto humano na dependência da voluntariedade
como suporte e o ponto de partida da actuação do direito criminal.
Ao exigir a prática do facto humano para que o direito criminal actue, proclama-se
princípio da nuda cogitatio, segundo o qual, o simples pensamento criminoso, enquanto
não traduzido em uma concreta actuação, não pode ser objecto de qualquer punição.
b) Os pressupostos da punição por infracção criminal
Os pressupostos da punição por um infracção criminal são: (a) Facto humano, que pode
se traduzir em acção ou omissão, (b) nexo de causalidade, que se traduz num nexo
objectivo entre a conduta e o resultado, (c) Culpabilidade, que se traduz num nexo
subjectivo entre o agentee e o facto e a (d) tipicidade.
1. Facto humano (acção ou omissão)
A acção é uma modificação do mundo exterior, constituída pela actividade do agente, a
que devia juntar-se o resultado naturalístico por ela produzido, ligado à vontade por uma
rela,cão puramente causal. Já a omissão vai se traduzir em deixar fazer alguma coisa, em
deixar de levar a cabo uma certa actividade que no dado caso se esperava.
Assim, o facto humano relevante é toda a conduta positiva ou negativa, subssumível a
um preceito incriminador. Tratando-se de uma conduta positiva pode a lei mandar punir o
agente pela mera prática dessa conduta, isto é, independentemente de qualquer resultado,
caso em que o crime é formal ou de mera actividade, ou exigir um resultado, uma
modifica,c`ao do mundo exterior provocada pela conduta, casos em que o crime é
material ou de resultado.
2. Nexo de causalidade

36
Nas infracções em que a lei exige evento ou resultado, sejam praticados por acção ou
omissão, exige-se uma relação de causa para efeito entre a conduta do agente e a
modificação exterior em que se consubstancia esse resultado.
Trata-se da questão da questão do nexo de causalidade entre a conduta e o resultado que
ao nível da doutrina existem duas teorias sobre a matéria:
2.1. A teoria da condição sine qua non ou da equivalência de condições
Assenta esta teoria no conceito de causa de STUART MILL, segundo o qual, causa é o
conjunto de todas as condições de que resulta um fenómeno. Daqui se pretende concluir
que cada uma das condições sem a qual se não verificaria o resultado, seria também
causa, e assim todas as condições seriam equivaletes para o efeito de a cada uma se poder
imputatar o resultado.
A causa do resulatdo do crime é constituída por todas as condições que lhe deram origem.
Condição seria todo o antecedente sem o qual o resultado se não teria produzido. Assim,
se uma determinada conduta criminosa foi condição sine qua non do evento criminal, este
deve considerar-se como efeito daquele, embora para o resultado do crime tenham
concorrido outras causas para além do acto ilícito ou conduta do agente.
Por exemplo, A foi agredido por B, tendo sido evacuado para o hospital, onde A veio a
morrer por um incêndio ocorrido no hospital. Segundo a teoria de equivalência de
condições, B será responsabilizado pela morte de A, embora para o resultado do crime
(morte) tenham concorrido outras causas (incêndio) para além do acto ilícito ou conduta
do agente (agressão).
Inversamente o agente do crime não será responsável pelo resultado, quando provar que
ele ocorreria, independentemente da sua conduta. Por exemplo, A fere mortalmente B
num comboio. Antes de morrer, há todavia um descarrilamento que lhe causa
efectivamente a morte. Neste caso, o resultado verificar-se-ia independentemente da
acção do agente.
2.2. A teoria da causalidade adequada
Segundo esta teoria, para que se possa estabelecer um nexo de causalidade entre um
resultado e uma acção, não basta que a realização concreta daquele se não possa conceber
sem esta: é necessário que, em abstracto, a acção seja idónea para causar o resultado.
Para que uma acção se possa dizer causa de um resultado é necessário que em abstracto

37
seja adequada a produzí-lo, ou seja, é preciso que o resultado seja consequência normal
da acção.
Pode se dizer que uma acção é adequada a produção do evento quando haja um juízo de
idoneidade , referido ao momento em que a acção se realiza, como se a produção do
resultado se não tivesse ainda verificado. Esse juízo deve se fazer segundo as leis, as
regras da experiência comum. Portanto, as idoneidade determina-se segundo as regras de
experiência normais e as circunstâncias concretas em geral conhecidas, sem se abstrair
daquelas regras ou circunstâncias que o agente, efectivamente conhecia.
Um facto pode ser em concreto concreto, uma condição do resultado, sem que
normalmente , esse resultado, seja consequência desse facto, neste caso em que só em
circunstâncias anormais o resultado ocorreu, o facto não pode considerar-se causa dele.
Retomando o exemplo anterior: A foi agredido por B, tendo sido evacuado para o
hospital, onde A veio a morrer por um incêndio ocorrido no hospital. Segundo a teoria da
causalidade adequada, B não será responsabilizado pela morte de A, porque o facto
(agressão) pode ser em concreto concreto, uma condição do resultado (morte), sem que
normalmente , esse resultado, seja consequência desse facto, neste caso em que só em
circunstâncias anormais (incêndio) o resultado ocorreu, a agressão não pode
considerar-se causa da morte.
Note-se que a teoria da causalidade adequada foi perfilhada pelo Código civil
moçambicano nos artigos 563º e 483º, devendo entender-se que estas disposições têm
repercurssão do direito penal. São aplicáveis ao direito penal os princípios autorizados
por uma disposição de qualquer ramo de direito. Assim, nunca pode se verificar uma
responsabilidade penal, quando os factos sejam lícitos do ponto de vista do direito civil.
3. Culpabilidade
3.1. Noção de culpa
Culpa – é uma censura dum facto típico a pessoa do seu agente, ou seja, a culpa é uma
censura ético-jurídica dirigida a um sujeito por não ter agido de modo diverso.
Este pensamento está ligadoa aceitação da liberdade do agente a aceitação do seu poder
de agir doutra maneira. Assim, o pressuposto da culpa ética é a liberdade de cada um para
se autodeterminar de harmonia com os valores éticos juridicamente tutelados. A
consagração expressa desta ideia encontramo-la no artigo 26º do CP relativo a

38
imputabilidade ao estatuir que “ somente podem ser criminososos indivíduos que têm a
necessária inteligência e liberdade”. E também o nº 7 do artigo 44 do CP, que considera
a culpa como essencial a punição de todo o facto criminoso.
Antes de censurar alguém ou considerar o agente culpado por um certo facto seu, é
necessário averiguar se o autor é imputável, como importa ainda investigar, se a situação
exterior no quadro da qual foi tomada a resolução de levar a cabo a acção, não foi tal que
tivesse furtado ao agente a liberdade de actuar doutra maneira.
Assim, para censurar o agente por não ter actuado de modo diverso, e portanto, para o
tornar culpado pelo facto, será sempre necessário averiguar se ele, no caso concreto, tinha
a suficiente liberdade de autodeterminação, e assim será necessário investigar:
1º Dum ponto de vista endógeno, se o agente era imputável.
2º Dum ponto de vista exôgeno, se não havia quaisquer circunstâncias exeteriores, na
moldura das quais se desenvolveu o facto, que se configurassem de tal modo que
arrastassem o agente irresistivelmente para a sua prática, roubando-lhe toda a
possibilidade de se comportar difeferentemente.
3º Se o facto pode se imputar pessoalmente ao agente a título de dolo ou negligência.

39
3.2. Os elementos do juizo da culpa
Do exposto na noção de culpa, resulata que os seus elementos são: (a) a imputabilidade
do agente, (b) a sua actuação dolosa ou negligência, e (c) a inexistência de
circunstâncias que tornam não exigível outro comportamento.
3.2.1. A imputabilidade (lado enógeno do crime)
a) Noção de imputabilidade.
A imputabilidade tradu-se naqueleconjunto de qualidades pessoais que são necessárias
para ser possível a censura ao agente por ele não ter agido de outra maneira.
b) A idade como índice formal de imputabilidade.
O conjunto das qualidades acima referidas, é indiciado pelos Códigos e leis criminais por
uma certa idade mínima. Assim, no nosso Código penal nos artigos 41º e 42º nº 1e 43º
todos do CP estabelecem a idade necessária a imputabilidade, que actualmente é de 16
anos de idade. Assim, em relação aos menores de 16 anos só podem ser tomadas medidas
de assitência, educação ou correcção previstas na legisla,cão especial, que de maneira
nenhum se confundem com as penas. Vide o artigo 109º do CP.
Antes dos 16 anos são os menores absolutamente inimputáveis, não tendo as medidas que
se lhes aplicam carácter criminal.
A partir dos 16 anos os menores devem ser considerados imputáveis. Isto não quer dizer
que até aos 21 anos, a lei não considere uma certa graduação na imputabilidade, como
resulta dos artigos 39 nº 3, 107 e 108, todos do CP.

c) Necessidade de recorrer aos elementos biológicos e psicológicos como critérios


substanciais integradores da imputabilidade.
Atingida, porém a idade requerida pela lei, pode ainda a imputabilidade ser de negar pela
existência de certas perturbações da vida mental que excluem a possibilidade de censura
ao agente, que exluem a possibilidade de lhe exigir que tivesse agido doutra maneira. O
elemento determinante da imputabilidade é misto, o biológico e o psicológico.
O elemento biológico, circunscreve-se no quadro das perturbações mentais, que
produzem os seus efeitos sobre a livre determinação do agente. É costume dividir em

40
dois grupos as perturbações mentais: (a) doenças mentais e (b) doenças mentais, que
subdividem se por sua vez em débeis mentais, psicopatas15.
O elemento psicológico ou normativo: é preciso que as perturbações mentais produzam
efeitos que excluam a possibilidade de o agente se comportar de outra meneira. Certos
códigos penais exigem um puro elemento psicológico – a liberdade de
autodeterminação e outros exigem para al’em desta liberdade de autodeterminação a
consciência dos actos, não sendo imputáveis os que n~ao são capazes de avaliar a
ilicitude dos seus actos e agir segundo esta avaliação.

A censura ético-jurídica pressupõe a liberdade do agente, mas aceita que ela pode ser
limitada e excluida pela existência de certas circunstâncias endógenas da possibilidade do
deliquente. E sendo assim, o que é preciso provar não é a liberdade de determinação, mas
a existência de perturbações com tais efeitos que mecânico-causalmente a excluam. M o
juízo de imputabilidade deve se fazer só em concreto, isto é, em relação a um certo facto,
como a realização de um certo tipo legal de crime.

15
Para mais detalhes vide a obra do Prof. Eduardo CORREIA, Direito criminal, vol. I, Almedina, 1963 páginas
331 e seguintes.

41
3.2.2. Dolo e negligência
a) Noção de dolo16
Dolo – é o conhecimneto ou representação dos elementos de facto que formam o tipo
legal.
Para que a culpa do agente por um facto exista não basta a capacidade de ser objecto de
censura e a existência de um facto (imputabilidade), é necessário que este possa ser
subjectivamente imputado ao agente a título de dolo ou negligência.
Esta imputação subjectiva tem de se encarar como uma certa posição do agente para o
facto, capaz de ligar ao outro e de permitir a censura em que o juizo da culpa se traduz.
Quando pode dizer-se que existe dolo? Costuma a doutrina a doutrina apontar dois
elementos essenciais pra a existência do dolo: um elemento intelectual e outro volitivo ou
emocional.
O elemento intelectual: traduz-se no conhecimento das circunstâncias descritas nos tipos
legais de crimes , sendo costume distinguir o conhecimento material desses elementos e
o conhecimento do seu sentido ou significação.
Ou seja, o elemento intelectual traduz-se na exigência de que o agente conheça o tipo
legal de crime que a sua vontade visa realizar. As exigências contidas no elemento
intelectual do dolo são:
1. Conhecimento material do facto criminoso
O dolo exige antes de tudo o conhecimento dos elementos constitutivos do facto
criminoso. Assim, por exemplo, no homicídio a qualidade de homem da pessoa morta
(art349 CP), na falsificação de documentos, a qualidade do documento ou de certo
documento do objecto falsificado, no aborto criminoso, o conhecimento da gravidez da
pessoa que se faz abortar (art. 358 CP), o conhecimento da idade da vítima de estupro
etc...
2. Conhecimento dos elementos produzidos pela conduta do agente: o conhecimento
refere-se também aos elementos produzidos pela conduta do agente e traduz-se na sua
previsão ou representação. Assim, deve o agente prever no caso de homicício, que a sua
conduta resulta a morte de outrem.

16
Ibidem pág. 367 e SS

42
3. conhecimento do processo causal de onde resulta o evento: o conhecimento refere-
se ainda ao processo causal de onde resulta o evento, na medida em que tal processo é
elemento constitutivo do crime. A exigência desse conhecimento para que haja dolo,
resulta, por um lado, em geral, da circunstância de que a representação dos elementos
constitutivos do facto é essencial àquele grau de sobreposição da satisfação dos
sentimentos ou interesses próprios ao desvalor do ilícito e da pena.
E isso deriva, por outro lado, da própria lei, enquanto esta no artigo 44 nº6, estabelece
que justificam o facto “ os que praticam um facto cuja criminalidade provém somente
das circunstâncias especiais, que concorrem no ofendido ou no acto, se ignorarem e não
tiverem obrigação de saber a existência dessas circunstâncias especiais.
Os elementos a que estamos referindo, não abrangem as condições de punibilidade (é o
caso dum indivíduo estar enganado sobre a sua idade), e as condições objectivas de
punibilidade ou procedibilidade. Pouco interessa se o agente praticou o facto na
suposição de que o respectivo processo criminal estava dependente da denúncia ou
acusação particular do ofendido.
Note-se que o conhecimento do processo causal só deve considerar-se necessário,
quando ele for descrito como elemento constitutivo da infracção, caso contrário é
desnecessária a sua representação. Por isso, se A querendo matar B, o lança de uma
ponte ao rio para o afogar, mas B morre porque bate com a cabeça num pilar da ponte,
deve igualmente imputar-se o resultado ao agente a título de dolo.

43
4. Conhecimento de outras circunstâncias de facto
Para que possam imputar ao agente as cahamdas circunstâncias modificativas ou
agraventes, é necessário que estas sejam representadas pelo agente. Se por isso um
agente não sabe que aquele que mata é seu pai, não lhe poderia, salvo disposição expressa
da lei, imputar o crime de parricídio, mas só o crime de homicídio simples.
5. Conhecimento dos elementos normativos especialmente jurídicos, do tipo legal de
crime.
Um particular problema que se levanta relativamente ao conhecimento dos elementos
constitutivos da infracção, que o dolo exige, põe-se relativamente aos
elementosnormativos, e especilmente jurídicos utilizados pela lei. A lei fala em
documento, escritura pública, letra de câmbio, etc.. Ora para que exista dolo é
necessário que o agente conheça esses elementos jurídicos empregados.
Assim, será necessário que o agente tenha conhecimento de que um documento produza
uma certa fé no mundo jurídico, se a lei utiliza a expressão autoridade, será preciso que
o agente saiba que quem lhe dá uma ordem tem o poder legal de mandar etc...
6. Conhecimento da significação, ou ilicitude dos elementos constitutivo
constitutivos do crime.
Numa primeira aproximação, o significado e o sentido do facto como um todo é essencial
para a existência do dolo. Este problema liga-se directamente, ao da relevância a atribuir
em direito criminal ao erro sobre a proibição.
O elemento volitivo ou emocional – traduz-se numa especial direcção da vontade, ou
seja, consiste numa certa conexão do facto com a personalidade do sujeito, numa certa
posição do agente perante o facto, e subdivide-se em:
1. Dolo directo: há dolo quando o agente quis o facto criminoso.
2. Dolo necessário: também há dolo quando o agente previu o resultado criminoso como
consequência necessária da sua conduta. Quando o agente representa o resultado como
fim a atingir, deve a sua representação como consequência necessária da actividade do
agente, conduzir a uma imputação a título de dolo.
3. o problema de dolo eventual ou indirecto

44
O agente pode não dirigir a sua actividade à produção de um facto, nem o representar
como consequência necessária da sua conduta, mas apenas o representar como possível
consequência da sua actividade.
Nesta hipótese tratar-se-á de dolo eventual ou de negligência?
Diversas soluções têm sido dadas aos problema:
1. A teoria da verosimilhança: segundo a qual a existência do dolo eventual dependeria
do grau de probabilidade com que a possibilidade da verificação do resultado é
representada pelo agente. Esta teoria não dá a solução satisfactória ao problema, uma vez
que o critério de probabilidade não dá qualquer indicação precisa sobre qual é ou o
quantum de possibilidade de que a representar-se implicaria a existência do dolo
eventual.
2. A fórmula positiva de Frank e a teoria de aceitação ou consentimento
Haverá dolo quando o agente expressamente tivesse consentido ou aderido ao resultado.
O agente deveria na hipótese de ter representado o resultado como possível, té-lo
expressamente consentido, pensado: aconteça o que acontecer eu não deixo de praticar a
minha conduta”. Neste sentido, a teoria de aceitação coincide com a fórmula positiva de
Frank. Critica: Esta teoria sempre devolve para a negligência consciente certas
hipóteses puníveis por dolo.
3. Fórmula proposta pela moderna doutrina alemã
Haverá dolo quando o gente suporta a possibilidade de verificação do resultado. Haveria
dolo eventual, quando ao agente aceita ou consente na produção do resultado.
4. Fórmula hipótetica de Frank.
Haverá dolo eventual quando pudermos concluir que o agente, que previu o facto como
possível efeito da sua conduta, não teria alterado, para o evitar, mesmo que previsse
aquele efeito como necessário.

45
Objecções a fórmula de Frank:
1ª Afirma-se que a fórmula hipotética de Frank resolve o problema da existência de dolo,
não por aquilo que se passou no espírito do agente, mas por aquilo que se passaria.
2ª Diz-se que saber o que se passaria na hipótese de o agente ter representado o resultado
como necessário é coisa que só pode determinar-se apelando para a sua personalidade.
5. Solução proposta:
A solução proposta é a de sustentar que se a realização do facto for prevista como mera
consequência possível ou eventual da conduta, haverá dolo, se o agente, actuando não
confiou em que ele se não produziria. Ou seja, o dolo só se excluirá, afirmando-se a
negligência consciente, quando o agente só actuou porque confiou em que o resultado
não se produziria.
Sempre que o agente representando o resultado, não tomou posição perante este, deverá
ser punido a título de dolo eventual

b) O dolo no direito moçambicano


Não existe qualquer definição geral sobre o dolo e os seus limites na nossa lei penal.
Apenas se pode indicar o nº 7 do artigo 44 do CP, ao dispor que “ justificam o facto, em
geral, os que tiverem procedido sem intenção criminosa e sem culpa”.
A expressão culpa deve aqui ser entendida como correspondente a possiblilidade de um
juizo de censura ao agente por um seu facto, mas sob a forma de dolo ou negligência.
Afora do nº 7 do artigo 44 do CP e as disposições sobre o erro, não existe no nosso
Código Penal nada donde se possam excluir os limites do dolo.
c) O erro sobre a factualidade típica e o erro sobre a proibição.
C.1. Conceito de erro
o elemento intelectual do dolo está intimamente ligado a teoria do erro em direito
penal, sobretudo com o erro sobre a factualidade típica.
Erro é um juízo falso, um desacerto ou engano em relação a alguma coisa.
No campo do Direito Penal sobressaem-se duas espécies de erro: erro sobre a
factualidade típica e erro de proibição.
C.1. Erro sobre a factualidade típica ou erro de tipo
1) Noção de erro sobre a factualidade típica ou erro de tipo

46
Por erro de tipo entende-se aquele que incide sobre elementos ou circunstâncias do tipo,
pressupostos de facto de uma excludente da ilicitude. Esta espécie de erro exclui o dolo
(evitável ou inevitável) e, por conseguinte, a tipificação de um delito doloso, sem contudo
eximir o agente da responsabilidade por crime culposo.
O princípio geral em matéria de erro sobre a factualidade típica é o de que erro sobre
um elemento constitutivo de um legal de crime exclui o dolo.
Mas há alguma hipóteses que levantam algumas particularidades, ora vejamos:
1º - Se o dolo exige o conhecimento material do facto criminoso, o erro do agente sobre
qualquer elemento exclui o dolo. Por isso, não actua dolosamente o agente que mata um
homem a distância, na convicção de que se trata de uma peça de caça, como não actua
dolosamente o agente que faz uma mulher grávida ingerir um abortivo, na convicção de
que se trata de açucar.
Mas os sutores de tais actos poderão ser punidos por negligência, que no caso concreto se
verificarem os requisitos de negligência e a lei previr expressamente a punição do crime
respectivo a título de negligência nos termos do artigo 110º do CP.
Assim, nos exemplos dados o agente que mata um homem a distância, na convicção de
que se trata de uma peça de caça, poderia ser punido pelo crime de homicídio
involuntário (art. 369 CP), mas não será punido o agente que faz uma mulher grávida
ingerir um abortivo, na convicção de que se trata de açucar, já que a nossa lei não prevê
a punição do aborto por negligência.
2º - Igualmente é relevante no sentido de excluir o dolo, o erro sobre o processo causal,
quando este seja o elemento constutivo do crime. Assim, será irrelevante o erro e
persistirá o dolo, quando A dispara contra B, que está a beira do precipício, um tiro
para o matar, e este para se desviar do tiro, dá um salto que o laça no precipício e que
lhe produz a morte.
3º - Mas o erro será relevante se A pretendendo envenenar B, lhe injecta penicilina, em
vez de um veneno, e este vem a morrer por problemas cardiácos. Neste caso haverá que
negar o dolo na realização do tipo legal de crime de envenenamento, já que o elemento
causal (emprego de veneno), é elemento constitutivo do crime de envenenamento nos
termos do artigo 353 § único.

47
4º - Se o erro recair sobre a existência de circunstâncias modificativas agravantes, ele
não exclui o dolo relativamente ao crime fundamental, mas só ao respectivo crime
qualificado. Por exemplo: se A estrupra B, mas sem saber que é irmão da ofendida,
deverá lhe ser imputado a título de dolo o crime de estupro do artigo 392 CP, mas não a
agravante modificativa do nº 1 do artigo 398 (estupro qualificado). O mesmo se dirá
mutatis mutandi, em relação ao erro que reciai sobre a existência de uma circunstância
atenuante.
5º - O erro sobre os elementos normativos do tipo legal de crime será um erro sobre a
factualidade típica, que exclui o dolo, por que o dolo exige a representação de todos os
elementos constitutivos do tipo legal de crime, sejam eles descritivos ou normativos.

2) Caso-limites de erro sobre a factualidade (crimes sexuais)


Pretendeu-se na doutrina que em certos casos limites (crimes sexuais) não deveria tão
rigidamente afirmar-se a relevância de erro sobre a factualidade típica e a respectiva
exlusão de dolo. Por exemplo, se A teve relações sexuais com B de 12 anos ou estuprou,
com sedução , uma menor virgem de 18 anos, desconhecendo a idade da queixosa e não
tendo sequer pensado nela. Quid iuris?
Tem-se entendido pela doutrina que, havendo um erro derrivado da representação da
idade, na hipótese de crimes sexuais, tal erro será relevante e excluirá o dolo. Note-se que
a lei para a punição dos crimes sexuais, não os imputa a título de negligência. Mas para
que a solução se considere chocante, há que precisar o seguinte:
Será sempre difícil demonstrar que o agente não teve qualquer representação da idade.
Quando muito poderá recorrer-se a um juízo de normalidade que será dado pelo
aspecto corporal da vítima, pois, não é de estranhar a falta de representação da idade de
uma rapariga, que tendo 15 anos, aparente, por exemplo ter 20 anos.

3) Formas do erro de tipo ou de factualidade típica


1. Erro essencial
É o erro que incide sobre elementos ou circunstâncias do tipo legal de crime,
impossibilitando que o sujeito compreenda a natureza criminosa da sua conduta.
Subdivide-se em:

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a) invencível - aquele que não pode ser evitado pela diligência ordinária;
b) vencível - aquele que pode ser evitado pela diligência ordinária e não o foi por
negligência ou imprudência.
Efeitos do erro de tipo essencial: Tratando-se de erro de tipo essencial invencível
haverá exclusão do dolo e da culpa, em face do sujeito, após a utilização da diligência
ordinária não ter tido meios de evitar um resultado que não foi fruto de sua vontade, nem
decorrente de negligência ou imprudência.
Existem erros que incidem sobre circunstâncias (genéricos, agravantes, etc). Neste caso,
tais circunstâncias não incidirão no cômputo da pena, serão excluídas. O erro em relação
à condição integrante do tipo ensejará a desclassificação para outro delito (o erro pode
incidir sobre elementos e circunstâncias, desconfigurando um determinado crime, porém,
não eximindo o agente da responsabilidade por outro). Enfocando o erro de tipo essencial
vencível, é notada, também, a exclusão do dolo, não sendo, contudo, excluída a culpa, se
esta for prevista (art. 29, CP), persistindo desta forma, a punição a título de culpa.

2. Erro acidental
Erro de tipo acidental é aquele que, versando sobre elementos acidentais do delito ou
sobre a conduta de sua execução, não exclui o dolo, em face do sujeito agir com o
entendimento do caráter ilícito do seu comportamento.
O erro acidental apresenta-se sob diversas formas:
2.1. Erro sobre o objecto (error in objecto) –art. 29 nº3 CP
O objecto material que aqui é tratado restringe-se à coisa. O sujeito pensa estar sua
conduta recaindo sobre uma determinada coisa, enquanto, na verdade, recai sobre outra.
Tal erro não exclui o crime, pois troca de objectos não impede a tipificação do delito e
configuração do dolo.
Tratando-se de erro sobre objectos ou sobre as pessoas que constituem o objecto da
conduta criminosa, se os objectos da conduta, o que queria atingir e o que efectivamente

49
se atingiu, são tipicamente idênticos, a doutrina preponderante é no sentido de
considerar o erro irrelevante:
Por exmplo: se A queria matar Bou furtar-lhe 1000 MT, e por confusão, vem matar C
ou furtar a este aquela quantia, pratica sempre um crime doloso, nos termos do artigo 29
nº3 CP ao afirmar que não exime da responsabilidade criminal o erro sobre a pessoa ou
a coisa a que se dirigir o facto punível.

A diferença entre erro de tipo e erro de proibição está na percepção da


realidade, pois naquele o agente não sabe o que faz, tendo uma visão
distorcida da realidade, enquanto neste a pessoa sabe perfeitamente o que
faz, existindo um perfeito juízo sobre tudo o que está se passando, mas há
uma errônea apreciação sobre a antijuridicidade

50
Crimes e contravenções
c) Diferenças entre crimes e contavenções
d) Regras privativas das contravenções

2. Tipos legais de crimes


a) Crimes de acção e crimes de omissão
b) Crimes formais e crimes materiais
c) Crimes de perigo e crimes de danos

Da aplicação da pena em geral17

17
Vide Prof. Eduardo Correia, direito Criminal, II, páginas 316 e seguintes. Também foram utilizados
apontamentos de Direito Penal elaboborados por dr. Silvino Ribaué, Agosto de 2008.

51
1. Conceito da aplicação da Pena (teorização geral sobre a sanção penal)

A aplicação da pena consiste na imposição ao infractor de uma medida punitiva ao


serviço da repressão, regeneração e readaptação social do deliquente.
por um órgão judicial competente. Ou seja, a aplicação da pena deve ser entendida
como a consagração prática da reprovação jurídica que se materializa através
individualização da responsabilidade criminal, na medida em que quando reunidos
os pressuposto da punição, ao agente infractor se decreta uma medida punitiva ao
serviço da repressão, regeneração e readaptação social do deliquente.

Existem três modalidades de sanção: a sanção civil, administrativa e a sanção penal.


O direito penal prevês modalidades básicas de pena: penas privativas de liberdade,
penas privativas de direitos e a pena de multa.
Penas restritivas de direitos são aquelas cuja aplicação limita, restringe ou reduz o
exercício de certos direitos do condenado. Pena de multa consiste na imposição de
uma obrigação pecuniária de pagar a favor do Estado determinada quantia monetária.
Estas duas modalidades caracterizam as chamadas penas ou medidas alternativas.
Penas privativas de liberdade são aquelas que impedem o condenado de exercer o
seu direito à liberdade, com a sua restrição total ou parcial. São as penas mais
pesadas, por isso, devem ser aplicadas somente quanto estão em causa crimes muito
graves de natureza violenta ou brutal.
As espécies das penas privativas de liberdade são: reclusão, detenção e prisão
simples. Para reclusão existem três tipos de regime de cumprimento penal: o fechado,
o semi-aberto e, o aberto. O regime de reclusão fechado é aquele cuja execução da
pena se dá em estabelecimento de segurança máxima ou média. O semi-aberto é o
regime cuja execução ocorre em colónia agrícola, industrial ou estabelecimento
similar. O regime aberto permite a execução da pena em casa do albergado ou
estabelecimento adequado.
Prisão simples é a pena prevista para contravenções, devendo a sua execução ocorrer
em prisão comum ou estabelecimento específico. Esta pena tem vindo a ser
substituída pela restritiva de direitos, ou mais frequentemente pela pena de multa..

52
Existe também a chamada prisão processual, que ocorre ao longo do procedimento
criminal e tem natureza cautelar e provisória. Não se trata de uma pena, mas de uma
medida de prevenção e, em termos gerais a sua função é a manutenção da ordem
pública. As suas modalidades são: prisão preventiva, prisão temporária e prisão
em flagrante delito.
A prisão preventiva é aplicável quando o acusado pode atentar contra a ordem
pública, a instrução criminal, testemunhas, ou quando se verifiquem probabilidades
ou riscos de fuga. A prisão em flagrante delito ocorre nas seguintes circunstâncias:
quando o agente é encontrado a praticar o delito, quando acaba de cometer, quando é
perseguido logo após a sua prática, quando se encontram com instrumentos
indiciadores de ter sido ele o autor do delito. A prisão temporária cabe no curso do
inqueríto policial, quando imprescindível para as investigações, ou em crimes graves,
quando houver fundadas razões para a sua ordenação.

O artigo 54 Código Penal moçambiano faz a distinção entre penas e medidas de


segurança. Enquanto as penas visam a assegurar a repressão criminal, as medidas de
segurança assumem finalidade preventiva. As penas dividem-se em penas maiores
(art. 55 do CP), penas correccionais (art. 56 do CP) e, penas especiais (art. 57 do
CP). Toda a pena tem uma natureza repressiva, como reprovação jurídica em razão da
culpabilidade do deliquente. Como retribuição, a pena seria um mal a infligir ao
deliquente por ter desrespeitado a ordem social. Sem prejuízo da natureza repressiva,
a pena alimenta também a finalidade de emendar o deliquente pela sua readapta,cão e
reintegração na vida social.
2. Medida da Pena (critérios para fixação da Pena)
a) O princípio da individualização ou pessoalidade da pena
Em princípio, pena só pode atingir o próprio criminoso individualmente considerado,
e os seus efeitos não são extensivos a terceiros. O carácter pessoal da pena impõe que
esta só possa atingir o deliquente, e dimana da natureza pessoal da culpa, que é o
fundamento da individualização e principal determinante da pena. (vide arts. 28, 113,
84 todos do CP).

53
Quando dois ou mais agentes praticam o mesmo tipo legal de crime com os mesmos
resultados danosos, parte-se do princípio de que na avaliação e responsabilização das
suas actuações criminosas, não existem as mesmas condições subjectivas entre os
comparticipantes na actividade delitiva, devendo haver, por isso, uma
individualização da pena.
No ordenamento jurídico-penal moçambicano, este princípio está consagrado no
artigo 28 conjugado com 84 ambos do CP, com uma indicação criteriosa de como o
julgador deve fazer essa individualização. Determinado o tipo legal de crime
praticado, com os respectivos limites da pena, há que apurar a medida concreta da
pena, em cumprimento deste princípio da individualização sanção penal, como
consequência automática do juizo condenatório.
É na fase da individualização da pena que se determina o quantum ou a dosagem da
pena a ser aplicada ao condenado. Aplicar o princípio da individualização da pena
significa garantir ao agente o direito de ver reflectida na sanção a medida da sua
culpa, em atenção ao conjunto de circunstâncias do delito, o que signifiaca que o
indivíduo só pode responder pelo crime na medida da culpabilidade.
A medida da pena é estabelecida em conformidade com as circunstâncias agravantes
e atenuantes e com os factores de graduação da pena previsto no artigo 84 do CP,
designadamente a a culpabilidade, a gravidade do facto criminoso, os seus
resultados, a intensidade do dolo ou o grau da culpa, os motivos do crime, e a
personalidade do deliquente.

b) O peso da culpabilidade na fixação da pena


A culpabilidade aparece no Direito Penal não só como fundamento da pena, mas também
como elemento limitador da responsabilidade criminal e factor de delimitação ou
graduação da pena.
Num primeiro momento, o julgador procede ao exame da constatação dos elementos da
culpabilidade na verificação dos pressupostos da punibilidade, para a configuaração do
facto criminoso a título de dolo ou mera culpa. Nesta situação a culpabilidade funciona
como limitador da responsabilidade criminal, podendo afastar a responsabilidade criminal
nos termos da justificação do facto (art. 44 nº 7 do CP).

54
Num segundo momento, por ocasião da aplicação da pena (art. 84 do CP), o julgador
necessita de recorrer ao exame da culpabilidade para limitar a quantidade da pena. É
neste segundo momento que a culpabilidade funciona como factor de graduação da pena.
Na aplicação da pena, o exame da culpabilidade exige maior esforço do julgador, pois já
não se trata dum simples exame de constatação, mas sim de um exame de valoração ou
graduação.
Como factor de graduação da pena, a culpabilidade prevista no artigo 84 deve ser
interpretada de acordo com o seguinte sentido:
I. Infere-se do artigo 84 do CP que a culpabilidade é tanto maior
quanto maiores forem a gravidade do facto criminoso, os seus resultados, a
intensidade do dolo ou o grau de culpa, analisando-se também a maior ou menor
aceitabilidade dos motivos do crime, e a personalidade do deliquente.
II. Na fixação da sanção penal, a quantidade da pena depende do grau
de sensurabilidade ou culpabilidade do agente, quanto maior for a culpabilidade,
maior será a quantidade da pena.
III. A avaliação do grau de culpabilidade deve ter em conta o facto do
crime ter sido cometido com dolo ou mera culpa, avalaindo-se a intensidade do dolo
ou grau da culpa. Para uma boa avaliação da intensidade do dolo ou do grau da
culpa, o julgador deve considerar a posição do agente em face do bem jurídico
violado, de acordo com o seguinte: menosprezo total pelo resultado criminoso (no
dolo directo), indiferença perante o resultado (no dolo eventual), o descuido (nos
crimes meramente culposos).
IV. Quanto à personalidade, avaliam-se as qualidades morais e
sociais do deliquente, a sua maior ou menor sensibilidade ético-social, de acordo com
os padrões da moralidade e os valores da comunidade, punindo-se com maior
gravidade os deliquentes que revelem desvios de carácter demonstrativos de
perigosidade e menor sociabilidade. Neste sentido a culpabilidade será tanto maior
quanto menores forem os indíces de moralidade e sociabilidade do deliquente.
V. A gravidade do facto criminoso está intimamente relacionada não
só com o tipo de bem jurídico violado pelo infractor, mas também com os seus
resultados danosos. Significa que se pune com maior intesidade a violação de

55
interesses jurídicos com maior proteccionismo penal, tendo em especial o maior ou
menor dano provocado.
VI. Na avaliação dos motivos do crime, fa-ze uma triagem das causas
ou do móbil do crime, procurando-se apurar a maior ou menor aceitabilidade do
motivo por detrás da infracção. Há motivos que impurram ou arrastam quase
irresistivelmente o agente para o crime, mas há também motivos fúteis, situações
perfeitamente evitáveis, de tal forma não deixam de perceber a razoabilidade da
actuacção criminosa. Neste caso, quanto menor for a aceitabilidade do motivo maior
será a culpabilidade, castigando-se com maior gravidade os motivos fúteis ou
indisculpáveis.
3. Circunstâncias.
3.1. Noção de circunstâncias
A responsabilidade criminal é agravada ou atenuada, quando concorrem no crime ou
no agente,(circunstâncias) agravantes ou atenuantes. Esta agravação ou atenuação é
correlativa a agravação ou atenuação da pena (vide o artigo 30 do CP).
A doutrina define geralmente circunstância como tudo aquilo que pode ser
suprimido numa infracção criminal, conservando-se esta estruturalmente a mesma.

56
3.2. Classificação das circunstâncias
As circunstâncias podem ser:
a) Circunstâncias gerais ou modificativas
Num primeiro momento as circunstâncias podem ser gerais ou modificativas. As
crcunstâncias gerais são aquelas que somente têm a virtualidade para graduar a pena
dentro dos limites gerais abstractos. E serão circunstâncias modificativas quando
fazem que possa ultrapassar o limete geral ou abstracto ou descer a quem deste, ou
ainda aparecer um novo tipo de crime, qualificado e privilegiado, quando menos
grave.
b) Circustâncias agravantes ou atenuantes (vide os arts. 34 e 39 ambos do CP)
Quando ao efeito as circunstâncias podem ser agravantes ou atenuantes. A nossa lei
seguiu o sistema de enumerar taxativamente as circunstâncias agravantes (art. 34 do
CP) e, exemplificativamente as circunstâncias atenuantes (art. 39 do CP). Os efeitos
das agravantes e atenuantes quanto a medida da pena encontram-se regulados no
artigo 91 do CP.
c) circunstâncias reais (inerentes ao facto), pessoais (inerentes ao agente) e, de
natureza mista.
C.1. Circunstâncias reais ou inerentes ao facto/ objectivas (vide o art. 32, 34 e 39
todos do CP)
Entende-se geralmente que são circunstâncias reais, as que estabelecem a gravidade
do crime sob o aspecto de dano que produzem, isto é, sob o aspecto da ilicitude.
Podemos dar como exemplo de circunstâncias agravantes reais as previstas no artigo
34 do CP, designadamente as circunstâncias: 7ª, 9ª, 10ª, 11ª, 12ª, 13ª, 14ª, 16ª, 18ª,
19ª, 20ª, 28ª, 30ª, e 31ª.
d) Circunstâncias pessoais ou inerentes ao agente (vide o art. 31, 34 e 39 todos
do CP)
Circunstâncias pessoais são aquelas que atenuam ou agravam a reprovação do agente,
isto é, as que graduam a sua culpa pela prática do facto. Podemos dar como exemplo
de circunstâncias agravantes pessoais as previstas no artigo 34 do CP, designadamente
as circunstâncias: 3ª, 4ª, 8ª, 23ª, 26ª, 33ª e 34ª.

57
Note-se que são comunicáveis as circunstâncias relativas a ilicitude e incomunicáveis
as relativas a culpa ou à personalidade.
e) Circunstâncias de natureza mista
São aquelas que são simultaneamente objectivas e subjectivas. Para a aplicação do
regime de umas ou de outras deve-se observar a natureza predominante, se é natureza
objectiva ou subjectiva. Podemos dar como exemplo de circunstâncias agravantes
denatureza mista as previstas no artigo 34 do CP, designadamente as circunstâncias:
5ª (é mais subjectiva), 6ª, 17ª (objectiva), 22ª(objectiva), 24ª(objectiva), 27ª
(objectiva), 32ª(objectiva), 29ª(objectiva).

3.3. Circunstâncias agravantes (art. 34 do CP)


Dentre as circunstâncias agravantes previstas no artigo 34 do CP, vamos falar da
reincidência ( conceito e seus efeitos), diferenças entre reincidência, sucessão de crimes e
acumulação de infrações.
3.3.1. Reincidência ( conceito e seus efeitos)
a) Noção da reincidência (art.35 do CP)
Reincidência – é uma circunstância agravante pessoal, modificativa ou geral, que se
verifica quando ao agente, tendo sido condenado por sentença passado em julgado por
algum crime, comete outro crime da mesma natureza, antes de terem passado oito anos
desde à data da condenação, ainda que a pena do primeiro crime tenha sido prescrita ou
perdoada.
b) Fundamento da agravação por reincidência
A reincidência sendo uma circunstância agravante modificativa ou geral, a agravação por
reincidência radica numa especial propensão do deliquente para o crime. É relativa a
culpa e a perigosidade do agente e, assim, incomunicável aos comparticipantes. Note-se
que não se verifica reincidência quando o agente é autor de um crime e encobridor de
outro.
c) Requisitos da reincidência
Os requisitos da reincidência são: (1) condenação do agente por sentença anterior acom
trânsito em julgado, (2) comissão de outro crime pelo agente da mesma natureza e, (3) o
decurso de lapso de tempo inferior a oito anos desde a condenação anterior.

58
(1). Condenação do agente por sentença anterior com trânsito em julgado.
Relativamente a este requisito vale apena observar o seguinte:
 Não são levadas em conta as condenações proferidas pelos
tribunais militares por crimes militares, nem proferidas por tribunais estrangeiros (§
4º do art. 35).
 Não importa que a pena aplicada na sentença anterior tenha
sido ou não cumprida, basta o trânsito em julgado.
 Contam para efeito de reincidência os crimes prescritos e
perdoados, mas não os amnistiados.
(2) Comissão de outro crime pelo agente da mesma natureza
É esta uma das questões mais discutidas, em torno do conceito de reincidência. É certo
que os crimes da mesma natureza não são só os previstos na mesma norma
incriminadora, mas também os que apresentam a natureza idêntica, sob o ponto de vista
objectivo e subjectivo.
Segundo a doutrina da Prof. Beleza dos Santos18, são crimes da mesma natureza para
efeitos de reincidência:
 Os mesmos crimes sob o ponto de vista da ilicitude e da culpa.
 Os crimes dolosos que têm em comum elementos que traduzem o mesmo fim
imediato do agente ou fins análogos, isto é, fins que são modalidades de um outro
fim criminoso.
 Os crimes culposos que representam a infracção dos mesmos deveres ou de
deveres afins.
Para o Professor Cavaleiro Ferreira, são da mesma natureza os crimes que possam
reconduzir-se a mesma propensão criminosa, há um hábito psicologicamente orientado na
mesma direcção.
O Professor Eduardo Correia, in Direito criminal II, páginas 157 e SS, ensina que só a
homogeneidade objectiva pode ser considerada índice da perigosidade especial
correspondente a reincidência. Para este mestre a identidade das penas é requisito Da
identidade das infracções. Mas segundo a doutrina maioritária a diversidade de penas
aplicadas não obsta a verificação da reincidência.

18
Vide as anotações do Código Penal português, de Manuel Lopes Maia Gonçalves.

59
Exemplos:
o crime de abuso de confiança, de furto e de burla são da mesma natureza para efeitos
de reincidência, visto denunciarem a mesma especial tendência criminosa, que é a ilícita
apropriação de bens alheios, embora levado a efeito por processos diferentes, lesando
também o mesmo interesse jurídico que é o o direito de propriedade.

(3) O decurso de lapso de tempo inferior a oito anos desde a condenação anterior.
O Prof Eduardo Correia, Direito criminal II, pág. 181 e SS defende que é o momento em
que transita em julgado a 1ª condenação, que fixa o início do prazo de prescrição tanto da
1ª como da 2ª reincidência. Mas há orientações doutrinárias segundo as quais se
verificam 2ª e ulteriores reincidências, quando o agente pratica crimes da mesma natureza
num encadeamento em que o intervalo entre cada crime e a condenação anterior não
excede oito anos.
d) Efeitos da reincidência (na aplicação da pena)
Quanto a punição da reincidência serão observados os artigos 100º e 96§ único ambos do
CP.
O artigo 100º do CP preceitua quanto a agravação por reincidência somente para os
casos de aos crimes serem aplicáveis penas de prisão maior ou de prisão. Deve entender-
se que, quanto a todas outras penas graduáveis, a reincidência tem os efeitos de
agravante geral, e não agravante modificativa, pois pensar de outro modo seria aplicar
extensivamente uma disposição penal gravosa.
No caso de reincidência “se a pena aplicável for de prisão maior, a agravação
correspondente a reincidência será igual a metade da diferença entre os limites máximo
e mínimo da pena” (art. 100/1 CP).
Por exemplo: suponhamos que a pena aplicável é de 20-24 anos de prisão maior (art.
55/1 do CP). A agravação correspondente a reincidência será igual 24-20:2 = 4:2 = 2 anos
(dois anos). Portanto, a agravação correspondente a reincidência será de 2 anos.

“ Se a pena aplicável for de prisão, a agravação consistirá em aumentar o máximo e o


mínimo da pena de metade da duração máxima da pena aplicável” (art. 100/2 CP).

60
Por exemplo: suponhamos que a pena aplicável é de prisão simples de 3 dias – 2 anos.
(art. 56/1 do CP). A agravação correspondente a reincidência será igual 3 dias + 2anos:2 a
2 anos+ 2:2 = 1 ano e 3 dias – 3 anos. Portanto, a agravação correspondente a
reincidência implicará a mudança da moldura penal, que passará de 3 dias – 2 anos para
1 ano e 3 dias – 3 anos

4. Diferenças entre reincidência e sucessão de crimes e acumulação de infrações


4.1. Noção de sucessão de crimes
Sucessão de crimes – é uma circunstância agravante inerente a culpa, incominicável
aos comparticipantes, que se verifica quando o agente, tendo sido condenado por
sentença passado em julgado por algum crime comete outro crime que não seja da
mesma natureza, e sem atenção ao tempo que mediou entre a primeira condenação e o
segundo crime, ou que se verifica sempre que, sendo o segundo crime da mesma
natureza com o primeiro, tenham passado mais de oito anos entre a condenação
definitiva pelo primeiro e a perpetração do segundo (art. 37 conjugado com o atigo 35
ambos do CP).

Em relação a sucessão de crimes há que fazer as seguintes observações:


 Quando a pena do primeiro crime tenha sido amnistiada,
não se verifica a sucessão de crimes (art. 37 conj., com o artigo 35 § 1º do CP).
 Não são computadas para a sucessão de crimes as
condenações proferidas pelos tribunais militares por crimes militares não previstos no
código penal, nem as proferidas por tribunais estrangeiros.
 Se um do crimes for intencional e o outro culposo, não há
sucessão de crimes (art. 37 § único).
 Não exclui a sucessão de crimes a circunstância de ter sido
o agente autor de um dos crimes e cumplice do outro (art. 37 § único).

4.2. Requisitos da sucessão de crimes


Os requisitos da sucessão de crimes são:

61
(1) Condenação do agente por sentença anterior com trânsito em julgado.

(2) Comissão de outro crime pelo agente que não seja da mesma natureza, e sem atenção
ao tempo que mediou entre a primeira condenação e o segundo crime ou,

(3) Sendo o segundo crime da mesma natureza com o primeiro, tenham passado mais de
oito anos entre a condenação definitiva pelo primeiro e a perpetração do segundo.
Note-se que os requisitos da sucessão de crimes que marcam a diferença com a
reincidência são o segundo e o terceiro requisito ( supramencionados).

Sobre aplicação da pena no caso da sucessão de crimes vide o artigo 101 do CP.
No caso de sucessão de crimes, se for aplicável prisão maior, e se a condenação anterior
tiver sido também em prisão maior, a agravação correspondente a sucessão de crimes
será igual a metade da diferença entre os limites máximo e mínimo da pena (vide o
artigo 101 corpo, conjugado com o artigo 100/1 ambos do CP).
A sucessão de crimes é circunstância agravante qualificativa quando o crime actual e o
anterior forem punidos com pena maior, nos outrs casos é circunstância agravante geral.
Quando funciona como qualificativa, fica sujeito ao regime do artigo 96 § único do CP. O
último período do nº 1 do artigo 100 não tem aplicação à sucessão de crimes, pois a
segunda reincidência não tem figura paralela na sucessão19.

Nos demais casos de sucessão de crimes agravar-se-á a pena segundo as regras gerais
previstas nos artigos 91 e 92 ambos do CP (art. 101 § único do CP).

Em relação a agravação e atenuação geral das penas o princípio geral é o de que as


penas maiores agravam-se e atenuam-se, em regra, dentro do máximo e do mínimo da
respectiva medida legal. E as penas de prisão simples, agravam-se e atenuam-se, fixando
a sua duração entre os limites que a lei determinar para a infracção. A pena fixa de
suspensão de direitos políticos, porque de pana fixa se trata, agrava-se com a pena de

19
Prof. Eduardo Correia, Direito criminal, II, pág. 197.

62
multa até dois anos. Atenua-se, porém, com a redução da duração da duração a dez ou
quinze anos. A agravação, ao contrário da atenuação, já é graduável.

5. Acumulação de infracções como circunstância agravante (art. 38 do CP)

A acumulação de infracções difere-se da reincidência e da sucessão de crimes pelos seus


requisitos. Trata-se de uma circunstância agravante inerente a culpa, incominicável aos
comparticipantes, que se verifica quando:
 O agente do crime comete mais de um crime na mesma ocasião ou,
 Tendo o agente perpetrado um crime comete outro antes de ter sido condenado
pelo anterior por sentença passado em julgado.
Note-se na acumulação de infracções o agente do crime ainda não foi condenado por
sentença passada em julgado, ao passo que tanto na reincidência como na sucessão de
crimes o agente do crime já foi condenado por sentença com trâsito em julgado.
Em relação a pena aplicável no caso de acumulação de infracções observa-se o
disposto no artigo 102 do CP.

63
6. Atenuantes20 (art. 39 do CP)
Ao contrário do que sucede com a enumeração taxativa das circunstâncias agravantes,
que é taxativa, é exemplifica a enumeração das atenuantes. Mas a atenuação há-de radicar
na mitigação do lado subjectivo ou objectivo da infracção, na culpa ou na ilicitude ou em
ambas simultaneamente. É bem expressivo, neste sentido, o texto do nº 23º do artigo 39.

7. Concurso de agravantes e atenuantes (arts. 95 e 96 § único do CP)


“ Concorrendo simultaneamente circunstâncias agravantes e circunstâncias atenuantes,
conforme umas ou outras predominarem, será agravada ou atenuada a pena”- art. 95 do
CP.
“ No concurso de circunstâncias qualificativas que agravem a pena do crime em medida
especial e expressamente considerada na lei, só terá lugar a agravação resultante da
circunstância qualificativa mais grave, apreciando-se as demais circunstâncias dessa
espécie como se fossem de carácter geral”- art. 96 § único do CP.

O art. 96 § único do CP consagrou o sistema da absorção agravada. Deve indagar-se se a


lei estabelece uma agracvação ou uma pena diferente, neste último caso não tem
aplicação o art. 96 § único do CP, por a lei então autonomizar o crime, de modo a tornar
dispensável o recurso à punição do crime simples21

20
Prof. Eduardo Correia, Direito criminal, II, pág. 378-380

21
Ibidem, página 307 e SS.

64
CAPITULO VIII‫ ׃‬Concurso de crimes
1. conceito de concurso de crimes

Ocorre concurso de crimes quando um ou vários agentes praticam dois ou mais delitos,
mediante unidade ou pluralidade de açcões ou omissões.
O concurso de crimes não se confunde com o conflito aparente de normas, pois este
pressupõe unidade de facto e pluralidade de leis definindo o mesmo facto criminoso,
enquanto aquele pressupõe uma pluralidade de acções.

2. Sistemas de concurso de crimes


Para o concurso de crimes, a doutrina apresenta vários sistemas que tratam da aplicação
da pena.Vejamos os principais:
a) Sistema de acumulação material
No sistema de cúmulo material as penas dos vários crimes devem ser somadas;
b) Sistema de exasperação da pena
No sistema da exasperação da pena aplica-se a pena do crime mais grave, aumentada de
uma determinada quantidade em decorrência dos demais crimes.
c) Sistema da absorção
No sistema de absorção a pena mais grave absorve a menos grave;
d) Sistema de acumulação jurídica
No sistema da acumulação jurídica as penas dos vários crimes não devem ser somadas,
mas as penas de cada um dos delitos deve ser aumentada, a fim de gerar uma severidade
correspondente a gravidade do crime.

3. Concurso material ( Conceito e critérios para aplicação da pena)


4. Concurso formal
5. Crime continuado ( Conceito, natureza jurídica e teorias do crime continuado)

65
Efeitos da Condenação

1. Conceito e natureza.
a) Conceito: Os efeitos da condenação, seriam então todas as consequências
que resultam de uma sentença penal condenatória, consistindo na imposição da sanção
penal ao condenado, ou, se inimputável a aplicação de medidas de segurança.
b) Natureza: os efeitos das penas vêem regulados no artigo 74 e seguintes do
CP, e conforme o comando deste artigo, são taxativos. Ao condenar alguém pela prática
de um delito, o Estado-Juiz impõe-lhe a sanção penal que a lei prevê. Todavia essa
sanção, que pode ser pena de reclusão, restritiva de direitos, detenção e ou multa, não é
a única consequência da condenação penal. A condenação penal tem outros efeitos,
tanto de natureza penal (efeitos secundários) como de natureza extrapenal (efeitos
civis, administrativos, etc).
Os efeitos penais são também penas, e acrescem por força da própria lei, sem
necessidade de declaração nesse sentido na decisão condenatória, à pena ou as penas
aplicadas na decisão judicial. É o que resulta do artigo 83 do CP, ao estabelecer que os
efeitos das penas têm lugar em virtude da lei, independentemente da declaração
alguma na sentença condenatória. Portanto, esses efeitos produzem-se ope legis.
c) Efeitos da condenação de natureza penal (secundários/ específicos) /
efeitos penais da condenação.
Os efeitos penais de qualquer condenação vêm enumerados no artigo 75/1 do CP, os
efeitos penais das penas maiores no artigo 76 e, os efeitos penais de condenação em
pena correccional no artigo 77 todos do CP.

d) Efeitos da condenação de natureza extrapenal genéricos (efeitos civis,


administrativos, etc.). = efeitos extrapenais da condenação.
Os chamados efeitos extrapenais genéricos da condenação estão patente no artigo 75
nºs 2,3 e 4 do CP. As conseqüências extrapenais genéricas da condenação com
sentença passada em julgado são automáticas, dispensando sua expressa declaração na
sentença condenatória. Dentre os efeitos, o que tem maior importância para a vítima,
diz respeito ao, que torna certa a obrigação de indemnizar o dano pelo agente causador

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do crime. Portanto, a condenação penal, a partir do momento em que se torna
irrecorrível, faz coisa julgada no cível, para fins de reparação do dano. Tem natureza de
título executório, permitindo ao ofendido reclamar em juízo a indemnização civil sem
que o condenado pelo delito possa discutir a existência do crime ou a sua
responsabilidade por ele.
São efeitos genéricos extrapenais da condenação (art. 75/2, 3, 4 do CP):
 Obrigação de reparar o dano sofrido;
 Perda a favor do Estado dos bens e valores de origem ilícita
 A obrigação de restituir ao ofendido as coisas de que pelo crime o tiver privado
 Na obrigação de pagar as custas de processo e as despesas de expiação.

1. Obrigação de reparar o dano sofrido


Na fixação da indemnização devida pela prática de infracção criminal atende-se aos
critérios estabelecidos nos artigos 483 ss. do Código Civil, salvo se existir a norma
especial. Ainda nos termos dos artigos 490 e 497 ambos do CC, é solidária a
responsabilidade civil dos autores e cúmplices.
E quanto aos encobridores?
Note-se que o artigo 490 como o artigo 497 todos do CC, não fazem alusão dos
encobridores. Mas, como ensinam os Professores VAZ SERRA, responsabilidade
contratual e extracontratual, nº 2 e PIRES DE LIMA, ANTUNES VARELA, Código
Civil Anotado pag. 335, os encobridores, em casos especiais podem provocar o dano,
e são então directamente responsáveis, como sucede no caso de, em virtude de
encobrimento, o objecto do furto não poder ser recuperado. Alias, o artigo 497 do CC,
estabelece que “ se forem várias pessoas responsáveis pelo dano, é solidária a sua
responsabilidade.
O pedido de indemnização por perdas e danos resultantes de um facto punível é
feito nos termos do artigo 29 do CPP.
São atendíveis não só os danos patrimoniais, mas também os não patrimoniais.

2. Perda a favor do Estado dos bens e valores de origem ilícita

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Os instrumentos do crime que, devem ser julgados perdidos a favor do Estado não
abrangem os objectos comprados com o dinheiro obtido pela fraude, ou seja, pela
realização do crime. Mas, como nº2 do art. 75 CP se opõe a que esses objectos sejam
entregues ao ofendido, terão eles que ser restituídos ao réu, a quem foram apreendidos,
sem prejuízo de poderem a ser vir a ser executados por quem nisso tiver interesse.
Para que estes instrumentos do crime possam ser declarados pelo tribunal, perdidos a
favor do Estado, são necessárias seguintes condições:
1ª) Que seja propriedade do réu ou do agente da infracção dolosa a que corresponda
pena maior;
2ª) Que o réu ou o agente da infracção, dono do instrumento, tenha sido condenado
definitivamente;
3ª) Que o ofendido, ou terceira pessoa, não tenha direito à sua restituição.
Os objectos apreendidos em processo penal, quando não forem declarados
perdidos a favor do Estado, devem ser mandados restituir, nos termos dos arts. 75˚., nº. 2,
do CP. e 450.˚§ 2.˚, do C.P.P.
No caso dos veículos que tenham servido de instrumento destes, são declarados a
favor do Estado segundo o artigo 63.˚ do Código da Estrada.

2.1 Prazo para a sua reclamação e destino dos objectos


Todos os objectos e quantias, não reclamados pelas partes no prazo de três meses
depois do transito em julgados da decisão, prescrevem a favor da Fazenda Nacional22.

22
Para o caso de Moçambique são as Finanças

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3. Obrigação de restituir ao ofendido as coisas de que tenha sido privado.
Só devem ser entregues ao ofendido os objectos de que o mesmo tenha sido
privado em virtude da prática do crime. Encontrando se o objecto apreendido, o ofendido
deverá reclama-lo no prazo de três meses a partir da condenação; de outro modo
prescrevem para as Finanças.

e) Diferença entre os efeitos penais e penas acessórias


O artigo 83 do CP, ao estabelece que os efeitos das penas têm lugar em virtude da lei,
independentemente da declaração alguma na sentença condenatória. Portanto, esses
efeitos produzem-se ope legis. Nisto consiste o carácter diferenciador entre efeitos penais
e penas acessórias, pois estas “ não são previstas nem podem ser aplicadas senão como
consequência doutra pena, que é, contraposição, a pena principal.
As penas acessórias, diferentemente dos efeitos das penas, têm de constar na sentença
condenatória.

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