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José Ferreira - Ano Letivo 2017/2018

Direito Processual Penal - Aulas Práticas (Sónia)

Aula 1 - 07/03/18

O que é o Direito Processual Penal e do que se trata? Qual a relação que se estabelece entre o Direito Processual
Penal e o Direito Penal? Se olharmos para o percurso no âmbito do direito penal na licenciatura em direito em Coimbra
vemos que tivemos em Direito Penal I e II a doutrina geral do crime (quais são os elementos que têm de estar presente
para termos um crime - o agente tem de ter cometido uma ação humana, típica, ilícita, culposa e punível). No 4º ano no
1º semestre estuda-se as consequências jurídicas do crime, as consequências daquele que pratica uma ação humana
típica ilícita culposa e punível - essa pessoa vai ser punida com uma pena ou uma medida de segurança. Agora
veremos o que acontece desde que uma pessoa comete um ato ilícito até ser condenada. O percurso que tem de ser
feito desde a aquisição da notícia de que alguém fez um ato ilícito, culposo e punível (um crime) até que será punido/
absolvido. O Direito Processual Penal é então aquele ramo do direito que regula o percurso que tem de ser feito
desde a notícia de que alguém cometeu um crime desde que se adquiriu a notícia de que alguém que cometeu
um crime até à efetiva condenação ou eventualmente absolvição do agente.

Assim o que cabe ao Direito Processual Penal? Cabe regular o modo de averiguar se o agente cometeu um certo
facto e qual a sanção que lhe deve corresponder. O Direito Processual Penal tem uma característica que o distingue
claramente dos outros direitos processuais (para além das outras características diferentes, como a presunção da
inocência que não se justifica no direito civil; a salvaguarda dos direitos fundamentais). É possível aplicar na prática o
Direito Penal sem recurso a um Processo Penal? Não. E o Direito Civil é possível realizá-lo/fazer vigorar na prática sem
o recurso ao Processo Civil? Sim (todos os dias celebramos contratos de compra e venda, de arrendamento,
casamentos). E o mesmo para o Direito do Trabalho (todos os dias case contratam trabalhadores, todos os dias se
apresentam justificações de faltas, todos os dias se fazem requerimentos para o gozo de ferias. Pensemos também no
Direito Administrativo. Podem ser concretizado na prática sem recorrer a um Processo Civil ou a um Processo do
Trabalho ou a um Processo Administrativo. Esta é uma característica que distingue o Direito Penal dos outros ramos. Só
através do Direito Processual Penal é que se torna possível realizar o Direito Penal - só tem aplicabilidade com o
processo penal. O Direito Processual Penal é condição da concretização prática do Direito Penal substantivo. Não há
pena sem processo (nulla poena sine processum). Não há Direito Penal sem processo, daí esta íntima relação entre o
Direito Penal e o Direito Processual que se influenciam reciprocamente. Diz-se por isso que a relação entre direito
penal e direito processual penal é uma relação mutua de complementaridade funcional:

1. A conformação do Direito Processual Penal é muito influenciada pelo Direito Penal substantivo. Há exemplos
múltiplos nas lições.

• Até há uns anos atrás havia o incidente de alienação mental quando no decurso do processo penal se colocava a dúvida de
imputabilidade ou inimputabilidade, abria se um incidente processual (ao lado do processo principal) para se verificar se o agente
era ou não imputável, e em função do que fosse decidido o juiz logo veria. Agora não existe, com a evolução da doutrina geral do
crime, uma vez que a imputabilidade ou inimputabilidade é sempre em relação a um facto e por isso deve ser uma decisão tomada
no próprio direito penal. A evolução ao nível da doutrina da culpa levou a que este incidente fosse afastado - influenciaram o nosso
CPP e as suas soluções.

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2. Também o Direito Processual Penal influência algumas características do Direito Penal substantivo - o inverso
também é verdadeiro

• Nós dizemos que o direito penal é de intervenção subsidiaria ou de última ratio - o direito penal só intervém quando os bens
jurídicos em causa não poderem ser suficientemente tutelados por outro ramo do direito que tenha consequências menos
gravosas para o agressor (ex.: se puder ser resolvida pelo direito administrativo não intervém o direito penal). Esta ideia
fundamental no âmbito do Direito Penal não deixa de ter detrás de si também razoes de cariz processual - designadamente a
necessidade de que os tribunais não sejam invadidos/inundados de processos de pouca importância, de que os tribunais não
devem ser invadidos por infrações de duvidoso ético social.

3. Além disso há ainda certos institutos cuja pertinência ao Direito Penal e ao Direito Processual Penal é duvidosa.

• Não se sabe se são institutos de Direito Penal substantivo ou de Direito Processual Penal a prescrição do procedimento criminal
(art. 118º e ss CP), é o que acontece com o instituto da queixa (art. 113º e ss CP), e ainda com o instituto da acusação particular
(art. 117º CP e nos arts. 50º e ss do CPP). Diz-se até que em alguns casos estes institutos tem uma natureza mista, isto é,
apresentando características jurídico substantivas e também jurídico-processuais.

• É muito importante saber se determinado instituto tem natureza substantiva ou processual penal, uma vez que há regras que são
diferentes (p. ex. as regras de aplicação do tempo e de integração de lacunas são soluções diferentes no Direito Penal e no Direito
Processual Penal).

Apesar da forte relação entre o Direito Penal e o Direito Processual Penal, é certo, porém, que o Direito Processual
Penal é um ramo de direito autónomo, com uma teleologia própria. O processo penal tem um interesse material
específico - o interesse da administração da justiça.

Quais são as finalidades do Direito Processual Penal? Costumamos dizer que as finalidades do direito processual
penal são 3:

1. A realização da justiça e a descoberta de verdade material;

2. A proteção dos direitos fundamentais dos cidadãos perante o Estado;

3. O restabelecimento da paz jurídica comunitária e do arguido, posta em causa com a prática do crime.

(Não há hierarquia entre eles)

Fácil é perceber que, na prática, estas 3 finalidades do processo penal conflituam entre si. Por vezes a utilização
de certos meios de prova pode contender com os direitos fundamentais dos cidadãos; ou então, a questão da prisão
preventiva, que é uma medida de coação que é utilizada no processo, muitas das vezes durante a fase inicial do
inquérito do processo - a finalidade da descoberta da verdade material pode colidir com a realização dos direitos
fundamentais do indivíduo. É por isso que se diz que a verdade deve ser alcançada de um modo
processualmente válido, proibindo-se, p. ex., que o tribunal valore provas obtidas mediante coação, tortura ou
em geral ofensa à integridade física ou moral das pessoas (art. 126º CPP). Mas, por outro lado, o interesse numa

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eficaz realização da justiça conduz muitas vezes a que, no processo penal, tenham de limitar os direitos
fundamentais do arguido.

Um exemplo em que se limitam interesses fundamentais do indivíduo: quando se aplica no processo uma medida de coação, como a
prisão preventiva. Durante o processo penal o arguido pode ser sujeito a prisão preventiva.

Além disso, com o processo visa-se restabelecer a paz jurídica comunitária posta em causa pela prática do
crime, como com a suspeita da prática do crime. Com o processo penal pretende-se não só condenar os culpados
como absolver os inocentes. Pode terminar com uma condenação como com uma absolvição. Esta finalidade do
processo afirma-se tanto no interesse do arguido, que deve ser julgado no mais curto prazo possível (art. 32º CRP),
como no interesse da comunidade jurídica, que, através do processo penal, vê reforçada a sua fidelidade aos bens
jurídico-penais, apesar do crime que ocorreu/verificou/teve lugar. Porém, esta finalidade de restabelecimento da paz
jurídica não se afirma sem limitações. A segurança inerente ao restabelecimento da paz jurídica é algumas vezes
posta em causa, em obediência à finalidade de realização da justiça e da descoberta da verdade material, mesmo em
casos em que a decisão tenha sido obtida por meios válidos.

É o que acontece nas situações em que se admite um recurso de revisão - é admitido nos casos especiais previstos art. 449º CPP. Ele
é um recurso extraordinário (os ordinários interpõem-se antes de decorrer o prazo do trânsito em julgado; mas em certos casos
especiais em que há duvidas acerca da justiça da condenação, o código permite que se intervinha um recurso de revisão mesmo
depois do trânsito em julgado - aqui a descoberta da verdade material vai influenciar a finalidade de restabelecimento da paz jurídica
comunitária), ou seja, um recurso que é interposto depois do transito em julgado da decisão, ou seja, num momento em que
supostamente já se teria restabelecido a paz jurídica. Como estes exemplos, muitos outros poderíamos dar.

Podemos concluir que, na generalidade dos concretos problemas do processo penal não é possível a realização integral
das três finalidades referidas. Como vamos então resolver esta conflitualidade que se verifica entre as finalidades do
processo penal? Devemos tentar operar a concordância prática das finalidades em conflito, de modo a salvar em
cada situação o máximo conteúdo possível de cada finalidade. No fundo vamos buscar a ideia à concordância
prática do Direito Constitucional (colisão de direitos fundamentais em conflito). FIGUEIREDO DIAS vai buscar esta
ideia de concordância pratica, uma finalidade em detrimento total de outra finalidade. Esta tentativa de concordância
prática manifesta-se de modo muito claro no âmbito da aplicação de medidas de coação↓(ex.: prisão preventiva).

As aplicações de medidas de coação (ex.: prisão preventiva) vão ser aplicadas no decurso do processo penal, enquanto a pessoa não
foi condenada. A aplicação de medidas coação está submetida a um conjunto apertado de regras, que revela precisamente uma
concordância prática entre a tutela dos direitos fundamentais do arguido por um lado, e a descoberta da verdade material e a
realização da justiça por outro. Porém, quando estiver em causa a garantia da dignidade da pessoa, designadamente do arguido, não é
possível qualquer transação. A dignidade da pessoa humana é um valor absoluto, e que, por isso mesmo, não pode ceder perante
qualquer outro direito ou interesse. Neste caso, deve ser dada prevalência à finalidade do processo penal que der total cumprimento à
garantia constitucional da dignidade da pessoa humana.

É o que acontece, designadamente, em relação aos métodos proibidos de prova, previstos no art.º 126º CPP. Quando está em causa a
utilização de métodos proibidos de prova não é possível qualquer transação, já que em causa está a proteção da dignidade da pessoa.
Daí que as provas obtidas através de tais métodos são consideradas nulas e não podem ser utilizadas, ainda que elas pudessem
contribuir em grande medida para a descoberta da verdade material.

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Por regra, as 3 finalidades conflituam. Resolvemos estes conflitos através da concordância prática deles. Mas há casos
em que nçao é possível qualquer concordância prática - está em causa a dignidade da pessoa humana (sobrepõe-se à
descoberta da verdade material a finalidade da proteção dos direitos fundamentais dos cidadãos), e assim dá-se
prevalência à finalidade que permitir dar cumprimento à garantia constitucional dos direitos fundamentais dos cidadãos.

1 - ESTRUTURA DO PROCESSO PENAL

O processo penal de estrutura inquisitória (muito importante)

Esta é a estrutura processual característica da inquisição e dos Estados absolutistas e totalitários. O processo
penal de estrutura inquisitória é dominado pelo interesse do Estado na descoberta da verdade e na realização
da justiça. O arguido é visto como um objeto do processo penal, sem dele participar ativamente. Ele não é um
sujeito desse processo, e por conseguinte não é titular de um verdadeiro direito de defesa.

O processo é essencialmente escrito e secreto e a confissão é a rainha das provas, não se excluindo o recurso à
tortura para a sua obtenção - pretendia-se alcançar uma confissão a todo o custo.

O juiz nesta estrutura processual é uma entidade dependente do poder político. E é o juiz que investiga, acusa e
julga. É por isso uma mesma entidade que desempenha estas 3 tarefas. É aceitável esta centralização destas 3 funções
na mesma pessoa? Não, por uma questão de imparcialidade - quem investiga e acusa, quando chegar à altura de julgar
vai ter uma tendência para condenar, e o juiz não deve ter pré-juízos no caso (já vamos ver como é no nosso sistema).

Processo penal de estrutura acusatória (processo penal reformado)

Esta estrutura de processo processo penal surgiu na Europa Continental com os pensadores iluministas, e
afirmou-se depois com a Revolução Francesa e a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão. Está no polo
oposto do anterior, e afirma-se como uma reação ao processo penal de estrutura inquisitória. Para esta estrutura, no
centro da consideração esta agora o indivíduo com os seus direitos fundamentais.

A acusação e a defesa são vistas como partes de uma lide de que podem dispor, e para que a lide seja justa é
preciso que se afirme a igualdade de armas, surgindo por isso o arguido como um verdadeiro sujeito do
processo. Nesta estrutura, o juiz é um juiz passivo, isto é ele não tem poderes de investigação. Vale aqui o
princípio da auto-responsabilidade probatória das partes. Neste processo, a verdade que se alcança é assim uma
verdade formal, é a verdade que resulta do próprio processo, afirmando-se a presunção de inocência do acusado até ao
final do processo.

Vigora nesta estrutura processual o princípio da acusação, que que significa que há uma cisão entre a entidade que
investiga e acusa por um lado, e a entidade que julga por outro lado, como forma de garantir a imparcialidade e a
objetividade do julgador. Isto não é o mesmo de estrutura acusatória - para além do princípio da acusação vigoram
outras notas dessa estrutura do processo, não são sinónimos (erro comum das orais).

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Processo penal de estrutura mista/inquisitória mitigada/moderna

Esta é uma estrutura própria dos Estados favoráveis a ideologias totalitárias ou autoritárias (como era o nosso
Estado antes 25 de Abril de 1974). Era a estrutura típica do nosso Estado Novo.

Nesta estrutura mista a descoberta da verdade é a finalidade principal do processo penal. E nesta estrutura
respeita-se o principio da acusação - a entidade que investiga e acusa é o Ministério Público, e a que julga é o juiz.
Mas, este principio só é respeitado formalmente, daí que ele se designe princípio da forma acusatória ou
acusatório formal. Porquê? Na prática era também o juiz que dirigia a investigação, e era este que ordenava ao
Ministério Público que acusasse ou não. Assim, nesta estrutura processual, o juiz investigava, o Ministério Público
acusava sob comando do juiz e depois o juiz julgava. Era para enganar o povo.

Era mitigada designadamente derivada desta característica.

O processo penal de estrutura acusatória integrado por um princípio de investigação (muito importante)

Não é um processo de estrutura acusatória pura, como aquele que saiu da Revolução Francesa enquanto reação à
estrutura inquisitória. Esta é a estrutura processual que vigora hoje entre nós. Quais as características? Esta é a
estrutura processual que melhor cumprimento dá à harmonização ou concordância prática das finalidades
conflituantes do processo penal. Nesta estrutura respeita-se o princípio da acusação - a entidade que investiga e
acusa é distinta da entidade que julga. Quem investiga e acusa é o Ministério Público, e quem julga é o juiz.

Mas esta estrutura acusatória é integrada por um princípio de investigação, isto é, o tribunal tem o poder-dever de
investigar autonomamente os factos submetidos a julgamento, independentemente do contributo da acusação
e da defesa, de modo a criar ele mesmo as bases necessárias à boa decisão da causa (ex.: pode o juiz odernar
uma busca). Na verdade, a afirmação de que o juiz tem este poder-dever de investigação está associada/justifica a ideia
de que a verdade que se procura alcançar no processo penal é uma verdade material. Porém este poder de
investigação por parte do juiz é i) subsidiário (lança mão deste poder-dever sempre que os contributos levados ao
processo pela acusação e a defesa sejam insuficientes), ii) e limitado (ex.: um sujeito acusado pela prática do crime de furto,
e o juiz começa a fazer perguntas que levam a querer dar a entender que suspeita da prática de um crime de violação. Isto é possível?
Não, regra geral o juiz está limitado pelo objeto do processo, no máximo pode abrir um novo processo, sendo que o arguido vai
preparado para se defender dessa mesma prática de crime de furto; se bem que há o regime da modificação… - só pode ser acusado
pela prática do crime de furto). A atuação do juiz está sempre limitada pelo objeto do processo, e este é fixado antes da

fase de julgamento. Uma característica da nossa estrutura processual é a da indisponibilidade do objeto do


processo. O que encontra justificação também à luz da proteção dos direitos de defesa do arguido.

Uma outra característica do nosso processo é a participação constitutiva da acusação e da defesa na declaração
do direito no caso concreto. Dizemos por isso que o Ministério Público e o arguido são verdadeiros sujeitos
processuais (muitas vezes questionado em exames em que consiste o principio da investigação).

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Uma das características deste processo é a existência de sujeitos processuais, e por isso vamos passar à
caracterização dos intervenientes no processo penal português.

2 - PARTICIPANTES E SUJEITOS PROCESSUAIS

São várias as pessoas que intervêm no direito processual português. Quando falamos no direito processual português,
costumamos fazer uma distinção entre os participantes processuais e os sujeitos processuais (a expressão “partes” não
se pode utilizar no processo penal; o arguido, o assistente, não são partes do processo, são sujeitos):

1. Os sujeitos processuais são pessoas que intervém no processo, e que, através do exercício de direitos
autónomos de que são titulares, influenciam concretamente a tramitação desse processo. Os sujeitos
processuais têm, assim, uma participação constitutiva na declaração do direito do caso. Quem são os sujeitos
do processo penal português? Desde logo o tribunal (juiz), o Ministério Público, arguido, o assistente e o
defensor (muitas vezes questionado em exames). O ofendido no processo penal coincide, por regra, com o
assistente, só que o ofendido é um mero participante (pode ir ao processo contar o que lhe aconteceu - foi vítima do
crime, e como é que aconteceu), mas se ele quiser estar presente em todas as sessões de julgamento, se ele quiser
ter um advogado para defendê-lo e a fazer perguntas às testemunhas, e a requerer meios de prova tem de se
constituir assistente (tem de ser um verdadeiro sujeito processual). Mais à frente vamos ver os poderes e deveres
do assistente.

2. Quem são os participantes no processo penal? São as pessoas que participam nesse processo, mas não
configuram concretamente o processo, eles praticam atos singulares cujo conteúdo processual se esgota
na própria atividade. Não exercem, por isso, direitos autónomos no processo.

Exemplos de participantes - as testemunhas, os peritos em determinadas matérias, os órgãos de policia criminal, os suspeitos (a
partir do momento que o mero sujeito passa a arguido passa a ser sujeito), o ofendido enquanto tal também pode participar no
processo, mas não tem direitos autónomos (para ter direitos autónomos tem de se requerer de assistente).

Com as alterações introduzidas no CPP em 2015, com a Lei nº 130/2015 de 4 de Setembro foi introduzido o art. 67º-A, que tem como
epigrafe “vítima” , e na sequência dessas alterações tem-se discutido se a vítima deve passar a ser vista como um novo sujeito do
processo penal. MARIA JOÃO ANTUNES não integra à vitima no conjunto dos sujeitos processuais. Mais à frente vamos voltar a
este tema.

O nosso atual CPP foi aprovado em Fevereiro de 1987, e entrou em vigor em Janeiro de 1988. Antes deste código
tínhamos o CPP de 1929, código típico do Estado Novo (com algumas alterações).

Sistematização do CPP:

• Art. 1º ao 7º - temos um conjunto de disposições gerais.


• Art. 8º e ss - temos regras relativas aos sujeitos processuais.
• Art. 85º e ss - referem-se aos atos processuais.
• Art. 124º e ss - referem-se à prova.
• Art. 191º e ss - referem-se às medidas de coação e de garantia patrimonial.

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• Art. 241º (muito importante) - aquisição da notícia do crime.

• Art. 248º e ss - falam-nos das medidas cautelares e de polícia 👮 .

• Art. 262º e ss - falam-nos do inquérito.


• Art. 286º e ss - falam-nos da instrução.
• Art. 311º e ss - falam-nos do julgamento.
• Art. 381º e ss - processos especiais.
• Art. 399º e ss - recursos.

Aula 2 - 14/03/18

3 - CONFORMAÇÃO JURÍDICO-CONSTITUCIONAL DO PROCESSO PENAL

Costumamos dizer que o direito processual penal é direito constitucional aplicado numa dupla dimensão:

1. Por um lado, os fundamentos do direito processual penal são simultaneamente os alicerces constitucionais do
Estado

2. Por outro lado, a regulamentação de singulares problemas processuais deve ser conformado jurídico-
constitucionalmente.

Então, há uma íntima relação entre o direito constitucional e o direito processual penal. Na verdade, a constituição tem
um vasto conjunto de normas que releva diretamente para o direito processual penal, e é isso que vamos ver agora. Os
alunos ao longo dos anos estudam as normas do CPP, mas não sabem as normas da CRP:

1. O art. 27º CRP tem como epígrafe direito à liberdade e à segurança.

1. Afirma no nº1 que todos têm direito à liberdade e à segurança.

2. O nº2 diz-nos que ninguém pode ser total ou parcialmente privado da liberdade, a não ser por
sequência de uma sentença judicial condenatória pela prática de um ato punido por lei com pena
de prisão, ou uma aplicação judicial de uma medida de segurança - todos temos direito à
liberdade, e só nos pode ser privada em função de uma sentença condenatória pela prática de
um crime (pela aplicação de um tribunal de uma pena ou medida de segurança privativas da
liberdade).

3. Este é o princípio, mas depois o nº3 estabelece exceções a este princípio, principalmente as
alíneas a) e b) - detenção em flagrante delito (veja-se infra o que é) e detenção ou prisão
preventiva por fortes indícios de prática de crime doloso a que corresponda pena de prisão cujo
limite máximo seja superior a 3 anos (é uma medida de coação regulada no CPP, mas a própria
CRP proíbe a aplicação de uma prisão preventiva no caso de crimes que pertençam à pequena
criminalidade como o crime de furto).

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4. O nº4 estabelece o dever de informar acerca das razões da privação da liberdade, e quais os
direitos de que é titular (e esse dever de informação decorre do próprio texto constitucional).

5. O nº5 refere o dever de o Estado indemnizar o lesado por privações da liberdade ilegais.

2. O art. 28º CRP também tem grande relevância para o processo penal, cuja epígrafe é prisão preventiva.

1. O nº1 estabelece o dever de ser apresentado a juiz a pessoa detida, que tem de ser feita num
prazo máximo de 48 horas (é o máximo de tempo que uma pessoa pode estar detida sem ser
ouvida por um juiz). Depois o juiz decide o que lhe fazer - ou lhe aplica medida de coação, ou
manda libertar essa pessoa.

2. Muito importante também é o nº2, que estabelece que a prisão preventiva tem natureza
excecional (vamos estudar os pressupostos e princípios que norteiam a aplicação de medidas de
coação, e um dos princípios é o princípio da subsidiariedade da aplicação da aplicação da prisão
preventiva - esta só pode ser aplicada quando todas as outras relevarem inadequadas/
insuficientes no caso concreto).

QUESTÃO DE EXAME - Comente - a aplicação de medidas de coação está sujeita ao princípio da subsidiariedade.
Nesta questão tem de se descrever este princípio, dizendo que ele se aplica à prisão preventiva e que tem
fundamento aqui no art. 28º/2 CRP. Estas normas constitucionais são importantes, justificam ou fundamentam
algumas soluções que temos no processo penal, e devem ser referidas.

3. Está sujeita aos prazos previstos na lei (nº4) - ninguém pode estar detido preventivamente
indeterminadamente.

4. Além disso, o nº3 estabelece ainda o dever de comunicação de uma decisão judicial que ordene
ou mantenha uma medida de privação da liberdade - deve ser comunicada a alguém da
proximidade do arguido.

3. Aparece a seguir o art. 29º CRP, aplicação da lei criminal.

1. No nº1 está consagrado o princípio da legalidade criminal - não há crime nem pena sem lei -, é
válido em matéria de direito penal substantivo, mas que tem naturalmente repercussões no
processo penal.

2. Também em relação ao seu nº5 - estabelece-se a ideia de que ninguém pode ser julgado mais do
que 1x pela prática do mesmo crime (proibição ne bis in idem).

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3. O nº6 estabelece que os cidadãos injustamente condenados têm direito, nas condições que a lei
prescrever, à revisão da sentença e à indemnização pelos danos sofridos - direito à indemnização
em caso de condenação injusta. Já falámos deste recurso de revisão, a propósito dos conflitos
que se verificam entre as diversas finalidades do processo penal - pode-se interpor recurso
mesmo depois do trânsito em julgado nos casos de condenações injustas. É o recurso de revisão
admitido em casos excecionais, previsto na CRP.

4. O art. 31º CRP prevê a providência de habeas corpus (está depois também regulado no CPP). Pode
lançar mão desta providencia qualquer pessoa que seja ilegalmente detida/presa para pedir a sua
libertação imediata.

5. ⚠ O art. 32º CRP é muito importante, cuja epígrafe é garantias do processo criminal. Esta norma é

muito muito importante, e é aqui que vamos encontrar o fundamento para múltiplas soluções de direito
processual penal.

1. Desde logo, o seu nº1 estabelece que o processo criminal assegura todas as garantias de defesa,
incluindo o recurso. A própria CRP estabelece que o arguido tem garantias de defesa, e dentro do
leque das garantias de defesa está consagrado o direito ao recurso.

QUESTÃO DE EXAME - Qual é o fundamento constitucional do direito ao recurso? Art. 32º/1 CRP, o direito ao recurso é
visto pela CRP como uma garantia de defesa do arguido

2. No nº2 está plasmado o essencial princípio da presunção de inocência.

3. Por sua vez, o nº3 estabelece o direito do arguido a escolher defensor e a ser por ele assistido.
Mais um direito do arguido previsto na CRP.

4. O nº4 é também muito importante, porque estabelece a reserva do juiz para dirigir a instrução, e
para a prática de certos atos que contendem com os direitos fundamentais das pessoas. A
instrução é sempre da competência do juiz, e pode delegar em outras entidades a prática de
certos atos desde que não se prendam diretamente com os direitos fundamentais (já veremos
infra o que isto significa).

5. Avançando neste artigo aparece o nº5, que se refere expressamente à estrutura do nosso
processo penal, e sabemos que o nosso processo penal constitui um processo de estrutura
acusatória integrada por um princípio de investigação. Esta existência de estrutura acusatória
resulta da própria CRP - impõe que tenha esta estrutura. Por outro lado, acrescenta que a
audiência do julgamento e os atos instrutórios que a lei determinar estão subordinados ao
princípio do contraditório - afirmação do princípio do contraditório (muito importante para o
processo penal). Remissão para o art. 219º CRP, que nos fala das funções e estatuto do
Ministério Público - quando falamos de estrutura acusatória falamos de uma repartições de
funções entre entidades, quem investiga e acusa é o Ministério Público e quem julga é o juiz.

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6. O nº6 permite a possibilidade de haver julgamento na ausência do arguido - há casos previstos no


CPP em que se permite que se faça o julgamento sem o arguido estar presente, o que causa
alguma estranheza. Mas têm de estar assegurados direitos de defesa, direitos de recurso, enfim
todo um conjunto de pressupostos que têm de estar reunidos, e a CRP admite esta possibilidade.

7. Mais, o nº7 prevê a possibilidade de intervenção do ofendido no processo penal. Pode intervir (é
participante), mas se quiser participar ativamente sendo titular de direitos e de deveres tem de se
constituir assistente - não tem os tais direitos autónomos de conformação da decisão jurídico-
penal a aplicar àquele caso. E essa possibilidade de participar e de se constituir assistente resulta
do texto constitucional.

8. O nº8 estabelece a nulidade de provas obtidas mediante tortura, ou em geral ofensa à integridade
física ou moral das pessoas. Depois é repetida e pormenorizadamente regulamentada no art. 126º
CPP (remissão) - que nos fala dos métodos proibidos de prova, dizendo-nos também lá que estas
provas são nulas e não podem ser utilizadas.

9. Por fim, a importância do nº9 - nenhuma causa pode ser suprimida ao tribunal cuja competência
esteja fixada em lei anterior. Estabelece-se aqui o que se chama por princípio do juiz natural - a
competência para decidir as causas penais está estabelecida previamente, antes de surgir um
crime e consequente processo penal pela prática desse crime já sabemos qual será o tribunal
competente para julgar esse processo se ele vier a existir. E nenhuma causa lhe pode ser
subtraída, por razões de imparcialidade.

6. O art. 34º CRP estabelece a inviolabilidade do domicílio e da correspondência.

1. O nº1 estabelece o princípio - o domicílio e o sigilo da correspondência e dos outros meios de


comunicação privada são invioláveis.

2. Os nºs 2, 3 e 4 prevê os casos em que se permite entrar nas casas das pessoas, e aceder à
correspondência contra a sua vontade no âmbito de um processo penal, e nos termos regulados
no CPP. São direitos fundamentais previstos na constituição, e a sua limitação idem por referência
à regulamentação no CPP.

7. Há ainda outras normas da CRP que prevêem desvios à regra da aplicação igual da lei processual
penal, prevendo especialidades de regime em razão das funções exercidas por certas pessoas, p.
ex. o PR, os deputados da AR e os membros do Governo (arts. 130º, 163º/c), 157º e 196º CRP). Estão em
causa desvios/alterações na tramitação do processo penal - no PR acontece em relação aos crimes
praticados nas suas funções, respondendo perante o STJ (art. 130º CRP), por regra os processos iniciam-
se nos tribunais de comarca, depois pode-se recorrer (para a Relação, e em certos casos da decisão da
Relação para o STJ), art. 130º CRP.

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8. Além disso, o art. 207º CRP regula a intervenção do júri no julgamento dos crimes graves. No processo
penal podem haver 3 tipos de tribunais competentes em 1º instância - tribunal singular (1 só juiz), tribunal
coletivo (composto por 3 juizes) ou um tribunal de júri. O tribunal de júri é composto por 3 juizes do tribunal
coletivo mais 4 jurados. O tribunal de júri só pode intervir, segundo a CRP, no caso de crimes graves e
nunca pode intervir no caso de terrorismo e de criminalidade organizada.

Há outras normas da CRP que, não sendo exclusivas do processo penal, também têm relevância para ele (normas
gerais):

1. Art. 20º CRP - refere o acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva. O direito de acesso aos tribunais,
de um processo equitativo, a proteção adequada do segredo de justiça.

2. Art. 206º CRP - prevê a publicidade das audiências dos tribunais.

Além disso, há ainda outras normas na CRP que prevêem o estatuto e funções do juiz, do Ministério Público e da
Polícia (ver Lições).

Nas respostas, sempre que a solução implicar normas da CRP devem ser referidas sempre para cotação completa.

4 - TRAMITAÇÃO DO PROCESSO PENAL COMUM

O processo penal tem início com a aquisição da notícia do crime, dando lugar à abertura de um inquérito (1ª fase do processo penal). A
entidade que abre e dirige o inquérito é o Ministério Público, auxiliado/coadjuvado pelos órgãos de polícia criminal. O inquérito pode
terminar com um despacho de acusação ou com um despacho de arquivamento.

Após a fase do inquérito, podemos ter uma fase facultativa - a fase de instrução (só existe se for requerida). Quem a dirige é o juiz de
instrução criminal, que também é auxiliado pelos órgãos de polícia criminal. Esta fase também pode terminar com um de dois
despachos - despacho de pronúncia ou com um despacho de não pronúncia.

A seguir temos uma outra fase do processo penal, que muitas vezes é a última - a fase de julgamento. É presidida pelo juiz de
julgamento (no código quando se fala de juiz só, é juiz de julgamento por regra), que tem poderes de investigação (não é um juiz
passivo), por isso também é coadjuvado pelos órgãos de polícia criminal (mesmo na fase de julgamento). Termina o julgamento com
uma sentença/acórdão de condenação ou com uma sentença/acórdão de absolvição.

Dessa sentença pode eventualmente haver recurso.

Despacho de acusação Despacho de pronúncia Sentença de condenação

Fase de Inquérito Fase de Instrução (facultativa) Fase do Julgamento

Despacho de arquivamento Despacho de não pronúncia Sentença de absolvição

Nós vamos estudar o processo penal comum. Além do processo penal comum, existem também processos penais
especiais, que estão previstos nos arts. 381º e ss CPP - são eles o processo sumário, o processo abreviado e o

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processo sumaríssimo. O processo penal comum tem uma tramitação tendencialmente unitária, ou seja,
independentemente da natureza e da gravidade dos crimes, o processo é sempre igual para todos os casos. Porém,
nós dizemos ser “tendencialmente unitária”, porque na fase de julgamento há algumas especificidades que decorrem da
natureza e da gravidade do crime.

I. FASE DO INQUÉRITO

O processo penal tem início com o conhecimento de que houve um crime e a entidade competente para adquirir
a notícia do crime é o Ministério Público (Ministério Público) (art. 241º CPP). Nos termos do art. 262º/2 CPP, a
notícia do crime dá sempre lugar à abertura de um inquérito. O que é? Para que serve? O que se faz? O in quérito
é a fase do processo em que (art. 262º/1 CPP):

1. Primeiro, vai-se investigar se houve ou não um crime;

2. Segundo, vai-se determinar quem foram os agentes do crime e qual a sua responsabilidade;

3. Terceiro, vai-se também descobrir e recolher provas.

Nos termos do art. 263º CPP, o inquérito é dirigido pelo Ministério Público, assistido pelos órgãos de polícia
criminal (OPC). O Ministério Público abre o inquérito e depois é também ele que o dirige. Entre nós, o Ministério
Público é uma autoridade judiciária, nos termos do art. 1º/b) CPP, que contém um conjunto de definições (“Para efeitos do
disposto no presente Código considera-se: «Autoridade judiciária» o juiz, o juiz de instrução e o Ministério Público, cada um
relativamente aos atos processuais que cabem na sua competência”1 ).

CARACTERÍSTICAS DO MINISTÉRIO PÚBLICO EM PORTUGAL

Em Portugal o Ministério Público tem certas características que o distinguem de outros sistemas. O Ministério Público
português não é visto pela lei como um acusador, como um advogado do Estado. O art. 53º/1 CPP refere-se à posição
e atribuições do Ministério Público no processo, estabelecendo que o Ministério Público tem como função no
processo penal colaborar com o tribunal na descoberta da verdade e na realização do direito, obedecendo a
critérios de estrita objetividade. O art. 53º/2/d) CPP estabelece que compete ao Ministério Público interpor
recursos ainda que no exclusivo interesse da defesa - por isso, não podemos dizer que o processo penal português
é um processo de partes, em que se contraponha uma acusação e uma defesa. Por outro lado, pode acontecer que o
Ministério Público dê início a um processo penal, no final do inquérito deduza acusação e depois, no final do julgamento,
ele peça a absolvição do arguido. Não tem as mesmas funções, e muito menos faz aquele teatro todo, a que estamos
habituados nos filmes americanos (modelo anglo-saxónico) - onde o Ministério Público pede a condenação do arguido a
todo o custo, um verdadeiro advogado do Estado -, em Portugal não é assim, e deve investigar tudo/deve colher todas
as provas, quer aquilo que conduza à condenação do arguido, quer aquilo que conduza à sua absolvição. O CPP
estabelece que o Ministério Público tem como função interpor recursos ainda que no exclusivo interesse da defesa. Por

1 Muitas vezes perguntado nos exames quem são as autoridades judiciárias. Temos de saber quem são para saber quem pode praticar certos atos mencionados no CPP:

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aqui se vê que o Ministério Público não é um puro acusador. E pode acontecer que não se tenha produzido prova
suficiente na audiência do julgamento, e assim o Ministério Público tem o dever de pedir a absolvição do arguido,
embora muitas vezes na prática não aconteça (não se produz prova na audiência do julgamento e mesmo assim o
Ministério Público pede a condenação).

Nos termos do art. 219º CRP o Ministério Público goza de autonomia, nomeadamente perante o poder político.

Até 1992, estava previsto na Lei Orgânica do Ministério Público que o Ministro da Justiça podia dar instruções genéricas ao Ministério
Público, mas a Lei 23/92, de 20 de Agosto, veio reforçar a autonomia do Ministério Público e revogou a parte da norma que se referia
àquela possibilidade de o Ministro da Justiça dar instruções genéricas ao Ministério Público.

Deste modo, desde 1992, o nosso Ministério Público não tem uma ligação direta ao poder executivo, em geral nem ao Ministério da
Justiça em particular. Naturalmente, esta autonomia é saudável, desde logo porque pode haver uma investigação dos próprios
membros do Governo, livre de vícios.

Por outro lado, o Ministério Público é uma magistratura autónoma e independente da magistratura judicial, são
2 carreiras diferentes.

Até ao 25 de Abril, todos os magistrados judiciais passavam por uma fase na carreira em que eram delegados do Ministério Público. Só
depois do 25 de Abril de 1974 é que o Ministério Público passou a ser uma magistratura autónoma.

Neste sentido, qual ou quais as diferenças entre o magistrado do Ministério Público e o juiz? A diferença reside no
facto de os juízes serem independentes aos demais juízes, enquanto que o Ministério Público está organizado
numa estrutura hierárquica. Esta estrutura está definida na Lei Orgânica do Ministério Público (Lei nº 47/86, de 15
de Outubro). Esta lei foi profundamente alterada e republicada pela Lei nº 60/98 de 27 de Agosto, que define o estatuto
do Ministério Público. A sua última alteração foi em Dezembro de 2017.

No topo da hierarquia do Ministério Público está a Procuradoria-Geral da República (órgão superior do Ministério
Público), presidida pelo Procurador-Geral da República (PGR). O PGR é o único magistrado do Ministério Público
sujeito a designação pelo poder político. O PGR é nomeado e exonerado pelo Presidente da República sob proposta do
Governo (arts. 133º/m) CRP e 131º/1 EMP). Todos os outros não, ingressando no CEJ e depois na magistratura do MP.
E muito se falou neste artigo constitucional, quando a Ministra da Justiça falou numa eventual renovação do mandato da
PGR, e depois toda a gente foi à TV comentar (constitucionalistas e outras pessoas que pouco sabem da constituição)
se o mandato poderia ser renovado ou não. Imediatamente abaixo do PGR temos o Vice Procurador-Geral da
República, seguindo-se os Procuradores-Gerais Adjuntos, depois os Procuradores da República e, na base, os
Procuradores-Adjuntos. Esta hierarquia e designação dos diversos agentes do Ministério Público constam do art. 8º
EMP. Os que estão no topo da hierarquia pode dar instruções aos restantes magistrados do Ministério Público, notas
práticas da Procuradoria Geral da República, que determinam no modo de proceder da generalidade dos magistrados
do Ministério Público, ficando vinculados a elas. Coisa que não acontece na magistratura judicial.

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ÓRGÃOS DE POLÍCIA CRIMINAL

No inquérito, o Ministério Público é assistido pelos órgãos de polícia criminal (OPC), art, 263º/1 CPP, e art. 2º/2 Lei da
Organização da Investigação Criminal (LOIC, Lei nº 49/2008 de 27 de Agosto). Já foi várias vezes alterada, e a última
foi em 2015. O que são OPCs? O art. 1º/c) CPP define órgão de polícia criminal (“Para efeitos do disposto no presente
Código considera-se: «Órgãos de polícia criminal» todas as entidades e agentes policiais a quem caiba levar a cabo quaisquer actos

ordenados por uma autoridade judiciária ou determinados por este Código”), e o art. 3º LOIC refere quais são os órgãos de

polícia criminal de competência genérica - e são eles a PJ, a PSP e a GNR. Qualquer uma destas polícias pode atuar
como OPC, desde que esteja afeta a uma investigação criminal no âmbito de um processo criminal, e sob orientação de
uma autoridade judiciária. O art. 263º/1 CPP estabelece que a direcção do inquérito cabe ao Ministério Público assistido
pelos OPC, e o mesmo é dito no art. 2º/2 LOIC.

Entre nós, a PJ é a única que se encontra sob tutela do Ministério da Justiça, já a PSP e a GNR encontram-se
sob a tutela do Ministério da Administração Interna. A PJ é a nossa polícia criminal por excelência - é ela que
está vocacionada para a repressão penal, o que não significa que não tenha também funções de prevenção. As outras
duas polícias estão mais vocacionadas para a protecção da segurança das pessoas, tendo por isso uma vocação mais
preventiva, o que não significa que não possam atuar também ao nível da repressão penal. Há certos crimes cuja
investigação é da competência reservada da PJ - são aqueles que estão no catálogo do art. 7º LOIC, os crimes cuja
investigação não entrem no catálogo da PJ podem ser investigados também pela PSP e pela GNR, que têm assim uma
competência residual. A competência de cada uma das polícias está pormenorizadamente regulada nas suas Leis
Orgânicas.

No processo penal, os OPC atuam sob a direta orientação do Ministério Público e na sua dependência
funcional. Isto resulta do art. 263º/2 e também dos arts. 55º e 56º CPP. Entre nós, o modelo da relação entre o
Ministério Público e os OPCs é o modelo de dependência funcional e de autonomia técnica. As autoridades judiciárias
podem dar diretivas, ordens e instruções quanto ao modo como a investigação deve ser feita - sendo assim, p.
ex. o Ministério Público deve acompanhar e fiscalizar os atos praticados pelos OPC; além disso, o Ministério Público
pode presidir a certos atos, e pode avocar (chamar a si) o processo a todo o tempo. Mas os OPC têm autonomia para
a realização dos atos de investigação criminal que exigem políticas, estratégias e meios que são próprios da
polícia, tendo também autonomia para escolher o tempo, o lugar e o modo da prática de tais atos - por isso se diz
que se trata de uma autonomia técnica ou estratégica. Na verdade, seria impraticável - quer pela insuficiência de
recursos humanos, quer pela insuficiente preparação técnica dos magistrados do Ministério Público - que fossem estes
magistrados a levar a cabo os atos materiais de investigação. Os agentes do Ministério Público não têm formação
específica na área de investigação material/propriamente dita (os inspetores da PJ podem passar noites numa carrinha
mais ou menos camuflada estacionada junto a um local onde haja suspeitas, p. ex. de tráfico de pessoas para trabalhar
numa plantação agrícola, e o trabalho era estar lá a ver quem entrava e saía - claro que não é o magistrado do MP que
faz este trabalho), por isso, na generalidade dos casos e na prática, quem realiza os atos materiais de investigação são
os OPC que depois entregam ao Ministério Público os resultados dessa investigação. A direção do inquérito pelo
Ministério Público é assim uma direção funcional, que se exprime através de uma delegação de competências
nos OPC, nos termos do art. 270º CPP.

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Dissemos que, adquirida a notícia do crime, inicia-se um processo penal. Como é que o Ministério Público adquire a
notícia do crime? Ora, o Ministério Público pode adquirir a notícia do crime por 1 de 3 meios (art. 241º CPP):

1. Conhecimento próprio (pouco frequente) - ex.: o magistrado do MP apercebe-se que na sua rua houve
um homicídio na rua.

2. Por intermédio dos OPC (mais normal) - quando algum de nós toma conhecimento de um crime dá
conhecimento à polícia, e depois é a polícia que comunica ao MP a notícia do crime.

3. Mediante denúncia - qualquer um de nós que tem conhecimento do crime, pode-se dirigir diretamente aos
serviços do MP e fazer a denúncia.

Há, porém, certos crimes que só são investigados, isto é em relação aos quais o Ministério Público só abre
inquérito se houver uma queixa do ofendido. A queixa é um direito do ofendido, nos termos do art. 113º CP. A
denúncia pode ser feita por quaisquer pessoas, ao passo que a queixa tem de ser apresentada pelo ofendido. Impende
um dever sobre todos os cidadãos o dever de denunciar de denunciar esse crime? Não, a denúncia dos crimes, por
regra, é facultativa (art. 244º CPP). Há, porém, situações excecionais em que a denúncia é obrigatória, que estão
previstas no art. 242º CPP. A denúncia é obrigatória para as entidades policiais dos crimes de que tomarem
conhecimento e também quanto aos funcionários (na acepção do art. 386º CP, todos .os funcionários públicos), em
relação aos crimes que tomarem conhecimento no exercício das suas funções e por causa delas.

Traz problemas de resolução muito complicada este dever - imaginemos um médico que está a trabalhar num hospital (funcionário
público, nesta acepção do art. 386º CP) e atende uma senhora vítima de violência doméstica. Sobre o médico impende o dever de
denúncia (tomou conhecimento do crime no exercício das suas funções, e por causa delas) mas impende ainda o dever de segredo na
relação médico-paciente. Como resolvemos? Veremos.

Apesar de o Ministério Público ser o dominus do inquérito (aquele que o dirige), há certos atos no inquérito que
só podem ser praticados, ordenados ou autorizados pelo juiz de instrução. São os atos referidos nos arts. 268º
e 269º CPP - entende-se que o juiz de instrução é o guardião dos direitos, liberdades e garantias, e por isso tem de
intervir quando os atos puserem em causa DLG’s dos cidadãos.

A fase de inquérito termina com 1 de 2 despachos do Ministério Público - ou termina com um despacho de acusação,
nos termos do art. 283º CPP, ou termina com um despacho de arquivamento, nos termos do art. 277º CPP.

Aula 3 - 21/03/18

Vamos avançar - vamos ainda falar destes despachos. Vamos perguntar quando é que há um despacho de acusação e
quando é que há um despacho de arquivamento. Deste modo, a fase de inquérito vai acabar com despacho de
acusação ou despacho de arquivamento.

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O Ministério Público deduz acusação sempre que tiver recolhido indícios suficientes de se ter verificado um
crime e de quem foi o seu agente. Neste caso, impende sobre o Ministério Público um dever de acusação. Isto
resulta do art. 283º/1 CPP2. E quando é que o Ministério Público arquiva? Há 4 possibilidades que podem levar ao
arquivamento:

1. Quando o Ministério Público concluir que não houve crime - alguém fez uma denuncia, o Ministério Público
investigou mas concluiu que não houve crime e arquiva o processo.

2. Há um despacho de arquivamento também quando o Ministério Público concluir que não foi aquele arguido
o agente do crime. O Ministério Público abriu o inquérito, investigou aquela pessoa mas conclui que não é ela o
agente do crime.

3. O Ministério Público arquiva também quando concluir que o procedimento é legalmente inadmissível.
Porque, p. ex., já prescreveu o procedimento criminal.

4. Há arquivamento, também, quando não tiver sido possível ao Ministério Público obter indícios suficientes da
prática do crime e de quem foi o seu agente.

Tudo isto esta no art. 277º/1 e art. 277º/2 CPP.

Reparem, há uma denúncia sobre um crime e há um inquérito onde se recolhe provas. E o Ministério Público ou recolhe
provas suficientes do crime e do seu agente e tem o dever de acusação ou não recolheu e, aí, tem o dever de arquivar
tendo as quatro nuances acima verificados. E em todas estas hipóteses, há o dever de arquivar.

O art. 276º CPP refere os prazos de duração máxima do inquérito - 6 meses se houver arguidos presos ou em
obrigação de permanência na habitação; ou de 8 meses se não houver. Em casos de especial complexidade e em
certos tipos de crimes e, na prática, sabemos que uma das maiores críticas que se faz aos inquéritos em Portugal é que
são muito longos - os prazos no art. 276º CPP raramente são cumpridos. Note-se, todavia, que no caso do
incumprimento destes prazos nada se pode fazer - são prazos meramente indicativos -, pois a alternativa seria chegar a
acusações precipitadas ou arquivamentos injustos. O inquérito pode vir a ser reaberto se entretanto surgirem novas
provas nos termos do art. 279º CPP.

O que é que significa então, terminada a fase do inquérito, o Ministério Público deduzir a acusação? Significa que, em
termos processuais, o processo continua. O Ministério Público pretende submeter a causa a julgamento. E a situação
inversa? Se o Ministério Público tiver deduzido o despacho em arquivamento? Significa que, em princípio, o processo
encerra. O despacho de arquivamento significa o fim do processo.

Deste modo, após o inquérito, uma das formas de prosseguir na tramitação é seguir de imediato para a fase de
julgamento. Isto acontece sempre que o Ministério Público acusa e não for requerida a abertura de instrução. Porém,
nem sempre se passa logo do inquérito para a fase do julgamento. Tem de haver uma forma de controlar a decisão do
Ministério Público. Normalmente, como é que reagimos contra uma determinada decisão? Através de recurso. Mas não

2 Muitas vezes perguntado nos exames!

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é possível recorrer de uma decisão do Ministério Público, visto que só se pode recorrer de decisões judiciais. Por isso, a
forma de controlo das decisões do Ministério Público não pode ser só através de um recurso porque só podemos
recorrer de decisões judiciais (o Ministério Público é uma magistratura autónoma). Tem de estar previstos mecanismos
autónomos, previstos no Código para esse efeito. E quais são as formas, mecanismos, previstos no CPP para controlar
a decisão que o Ministério Público tomou no final do inquérito? Podemos distinguir dois mecanismos de controlo da
decisão do Ministério Público:

1. Mecanismo não-judicial ou hierárquico (art. 278º CPP) - este mecanismo da intervenção hierárquica só funciona
para os casos de arquivamento. Nestes casos, na sequência da intervenção hierárquica, o superior hierárquico do
Ministério Público pode determinar que seja formulada uma acusação ou que as investigações prossigam.

2. Abertura da instrução (mecanismo judicial - arts. 286.º e ss. CPP) - a instrução é a fase que se coloca entre o
inquérito e o julgamento e não é obrigatória. Só há instrução se ela for requerida pelos interessados e ela é, por
isso, uma fase eventual (expressamente previsto no art. 286º/2 CPP). A fase de instrução é dirigida pelo juiz de
instrução, que é um juiz diferente do juiz de julgamento (art. 32º/4 CRP e do art. 288º CPP). Nesta fase, o juiz de
instrução é auxiliado pelos órgãos de polícia criminal (art. 288º/1 e art. 290º/2 CPP). Deste modo, entre nós, o juiz
de instrução desempenha um duplo papel, uma dupla função - por um lado, ele é visto como o guardião dos direitos,
liberdade e garantias na fase do inquérito (nesta fase, ele pratica ou ordena os atos referidos nos arts. 268.º e art.
269º CPP); por outro lado, ele dirige a fase de instrução quando ela for requerida controlando a decisão tomada pelo
Ministério Público no final do inquérito (art. 288º CPP)

II - FASE DA INSTRUÇÃO

No caso de haver uma acusação, quem é que tem interesse em controlar? O arguido para ver se evita uma condenação
em julgamento, caso o Ministério Público tenha proferido um despacho de acusação. E ele vai requerer uma fase de
instrução na esperança de que o juiz de instrução discorde do Ministério Público para emitir um despacho de não
pronúncia. Normalmente, o arguido só requer a abertura de instrução quando tem uma expectativa fundada de não
haver despacho de não pronúncia. Quando não é assim, é preferível não haver a abertura do inquérito. Os advogados
só pretendem abertura de instrução quando há, de facto, alguma expectativa de haver uma não pronúncia.

E agora, vejamos o inverso - imaginemos que o Ministério Público emite um despacho de arquivamento. Quem poderá
ter em interesse em controlar isto? O ofendido, na qualidade de assistente, com a expectativa de que o juiz de instrução
emita um despacho de pronúncia.

O art. 287º CPP dá resposta a esta questão:

1. Quando há um despacho de acusação do Ministério Público, quem tem o direito de requerer a abertura de instrução
é o arguido. Isto esta no art. 287º/1/a) CPP.

2. Quando há um arquivamento, quem tem o direito de requerer a abertura de instrução é o assistente [art. 287º/1/b)
CPP].

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Se o assistente nada fizer quando o Ministério Público arquiva o processo, e isto significa que o processo termina. Mas
as coisas não são sempre assim tão simples, temos de considerar 3 hipóteses:

1. Imaginemos que o Ministério Público está a investigar os factos A, B e C e que arquiva. Nestes casos, já vimos que
quem tem legitimidade para requerer a abertura da instrução é o assistente.

2. Imaginemos que o Ministério Público está a investigar os factos A, B e C e acusa. Neste caso, quem tem
legitimidade para requerer a abertura de instrução é o arguido.

3. O Ministério Público está a investigar os factos A, B e C e acusa só pelos factos A e B. Neste caso, o arguido pode
requerer a abertura de instrução em relação aos factos A e B e o assistente pode requerer a abertura de instrução
em relação ao facto C. Deste modo, se no final do inquérito, o Ministério Público acusar e o arguido entender não
requerer a abertura de instrução, o processo passa imediatamente para a função de julgamento.

Num processo pode, assim, não haver fase de instrução. O direito de requerer instrução surge assim como um direito
do arguido e/ou do assistente para fazerem valer a sua posição antes do julgamento controlando, assim, a decisão do
Ministério Público.

E como é que é composta a fase de instrução? Como é que é constituída a fase de instrução? É composta por atos de
instrução que são facultativos e é composta, obrigatoriamente, por um debate instrutório que é oral e contraditório, no
qual podem participar o Ministério Público, o arguido, o defensor, o assistente e o seu advogado mas não as partes civis
(art. 289º CPP) - os lesados, as pessoas que vêm pedir uma indemnização cível pela prática do crime, que ocorre em
simultâneo por força do princípio da adesão.

E como é que termina a fase de instrução? No final da instrução, o juiz profere um de dois despachos (art. 308 CPPº) -
ou um despacho de pronúncia ou um despacho de não pronúncia.

1. Profere um despacho de pronúncia se tiverem sido recolhidos indícios suficientes de se terem verificado os
pressupostos de que dependa a aplicação ao arguido de uma pena ou medida de segurança - por outras
palavras , profere um despacho de pronúncia quando seja mais provável uma sentença de condenação do que uma
absolvição. Neste caso, se o Ministério Público tiver proferido um despacho de arquivamento, o juiz vai dizer que a
conclusão a que o Ministério Público chegou no final do inquérito estava errada. E se o juiz de instrução proferir um
despacho de pronúncia, o processo vai seguir para a fase de julgamento, que é da competência do juiz de
julgamento.

2. Mas o juiz de instrução pode decidir por proferir um despacho de não pronúncia, que será o caso quando
não tiverem sido recolhidos indícios suficientes de se terem verificados os pressupostos de que dependa a
aplicação ao arguido da aplicação de uma pena ou medida de segurança. Neste caso, se o Ministério Público
tiver acusado, o juiz vai dizer que a conclusão a que o Ministério Público chegou na fase do inquérito estava errada.
E aquela causa não vai seguir para julgamento.

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Ora bem, outra pergunta ainda em relação à natureza da fase de instrução: qual é a natureza da fase de instrução?
Qual é a função desta fase?

1. Há quem entenda que esta fase de instrução serve para fundamentar melhor a conclusão de que houve, ou que não
houve, crime. Isto é, ela tem uma natureza de investigação. E diz-se, até, neste sentido, que a instrução é um
suplemento autónomo de investigação.

2. Há, porém, quem entenda que a fase de instrução tem uma função judicial no sentido de quem entenda que a sua
finalidade é o controlo judicial da decisão do Ministério Público. Não é fundamentalmente de investigação.

E em que é que ficamos? Como a devemos entender? Ora bem, a fase de instrução é presidida pelo juiz de instrução
que é um juiz diferente do juiz de julgamento e que tem, é certo, funções de investigação. Porém, esta função de
investigação do juiz de instrução é uma função subsidiária - a fase de instrução é, essencialmente, uma fase judicial
sendo subsidiariamente uma fase de investigação.

3. Para MARIA JOÃO ANTUNES, a finalidade de instrução é a de comprovação judicial da decisão do Ministério
Público. É isto que decorre, claramente, do art. 286º/1 CPP. Por isso, MARIA JOÃO ANTUNES não concorda com os
autores que dizem que a fase de instrução é um suplemento autónomo de investigação. E, para além do disposto na
letra do art. 286º/1 CPP, há mais dois argumentos que podemos invocar no sentido de que a instrução é
essencialmente uma fase de controlo judicial. E quais são esses argumentos?

1. Primeiro, nos termos do art. 286.º/2, a instrução tem um caráter facultativo , por isso, a fase de investigação
por excelência tem de ser a fase do inquérito. A partir desta fase, a investigação tem de estar feita.

2. Por outro lado, o art. 309.º/1 do CPP culmina ou estabelece a nulidade de decisão instrutória na parte em
que pronunciar o arguido por factos que constituam uma alteração substancial dos factos descritos na
acusação do Ministério Público ou do assistente ou no requerimento para abertura de instrução.

3. Até Setembro de 2007, invocava-se ainda um outro argumento no sentido de a instrução não ser uma fase de
investigação. Até à revisão de 1998, valia entre nós a regra de que o processo penal era público apenas a partir da
decisão instrutória, ou seja, as fases de inquérito e de instrução eram fases secretas. Porém, após a revisão de 1998,
veio a prever-se no art. 86º/1 CPP a possibilidade de a fase de instrução ser pública nos casos em que fosse requerida
apenas pelo arguido e este não declarasse que se opunha à publicidade. Assim, desde 1998, a única fase do processo
penal obrigatoriamente secreta era a fase de inquérito. Entendia-se que a fase de inquérito devia ser uma fase secreta
desde logo porque pode nem sequer chegar a haver uma acusação, deste modo, quando o inquérito terminava com um
despacho de arquivamento, entendia-se que não havia necessidade de se por em causa o bom nome das pessoas
envolvidas, uma vez que a ausência de publicidade contribuía para que não se pusesse em causa o bom nome daquela.
Por outro lado, entendia-se que se o inquérito não fosse secreto, isso poderia pôr em causa a investigação. Ora, se uma
das razões para o inquérito ser secreto estava relacionada com o adequado decurso da investigação e se, em certos
casos a instrução podia ser pública, tal constituía um argumento no sentido de que a instrução não seria essencialmente
uma fase de investigação. Porém, desde Setembro de 2007, este argumento deixou de fazer sentido uma vez que a
regra é a de que todo processo penal é público - todas as fases do processo são públicas (cfr. art. 86º/1 CPP). Só se
houver um requerimento do arguido, do assistente ou do ofendido ou se o Ministério Público entender que o inquérito
deve decorrer em segredo de justiça é que a fase de inquérito será secreta.

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Deste modo, a instrução não deve ser vista como uma fase de investigação. A verdade, porém, é que certas
alterações legislativas que têm sido introduzidas nas últimas revisões do CPP têm vindo a pôr em causa este
ponto de vista, fazendo com que a instrução seja uma fase cada vez mais parecida com a fase de julgamento,
saindo, por isso, desfigurada a sua natureza de mera fase de controlo judicial da decisão de acusar ou
arquivar3 .

III - FASE DO JULGAMENTO

Então, visto o que é a fase de instrução, quem dirige, o que ela determina e a sua natureza, estamos em condições de
passar para a fase do julgamento. A fase de julgamento está regulada nos arts. 311º e ss. CPP. O julgamento, em
primeira instância, pode ser feito por um de três tribunais:

1. Tribunal Singular:

1. É composto por um só juiz.

2. E este tribunal tem competência residual e julga os crimes menos graves (art. 16.º do CPP), puníveis com
pena de prisão igual ou inferior a 5 anos.

2. Tribunal Coletivo:

1. O Tribunal Coletivo é constituído por 3 juizes - 1 juiz-presidente e 2 juizes-asas (art. 14.º CPP).

2. O tribunal coletivo julga os crimes cujo elemento típico seja a morte de uma pessoa.

3. Julga também os crimes puníveis com pena de prisão superior a 5 anos e julga, ainda, os crimes contra a
identidade cultural e a integridade pessoal (arts. 240.º e ss. CP); os crimes contra a segurança do Estado
(arts. 308.º e ss. CP) e os crimes previstos na lei penal relativa às violações do direito internacional
humanitário (Lei nº 31/2004 de 22 de Junho, foi alterada em 2007).

3. Tribunal de Júri:

1. Este tribunal é composto por três juizes do tribunal coletivo mais quatro jurados (art. 13.º do CPP).

2. Há uma especificidade em relação ao Tribunal do Júri - o Tribunal do Júri só intervêm quando for requerido pelo
Ministério Público, pelo assistente ou pelo arguido.

3. Julga, também, os crimes contra a identidade cultural e a integridade pessoal (arts. 240.º e ss. CP); os crimes
contra a segurança do Estado (arts. 308º e ss. CP) e os crimes previstos na lei penal relativa às violações do

3 É preciso saber isto para os exames, incluindo as alterações legislativas para sabermos responder a uma eventual pergunta sobre a natureza da fase de instrução.

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direito internacional humanitário (Lei nº 31/2004 de 22 de Junho, foi alterada em 2007). Julga, ainda, os crimes
puníveis com pena superior a 8 anos de prisão.

Na fase de julgamento, assume especial importância a audiência de julgamento de que nos falam os arts. 321.º e ss.
CPP. E a fase de julgamento termina com uma decisão de condenação ou uma decisão de absolvição. E, desta
decisão, pode haver recurso. E assim, passamos para aquela última fase do processo penal - a fase do recurso que só
existem quando os sujeitos recorrerem.

Os recursos estão previstos nos arts. 399.º e ss. CPP. E para onde é que se recorre? Para os Tribunais da Relação ou
para o Supremo Tribunal de Justiça. Por vezes, em processo penal, admite-se o duplo grau de recurso, isto é,
recorre-se da 1ª instância para o Tribunal da Relação e, depois, recorre-se ainda da Relação para o Supremo
Tribunal de Justiça.

5 - DISTINÇÃO DE CONCEITOS IMPORTANTES

1. Arguido - o arguido, entre nós, é um sujeito do processo penal. Ele é titular de um conjunto de direitos e
deveres que lhe permitem contribuir para aquela que vai ser a decisão final. O próprio arguido pode apresentar
meios de prova e requerer diligências probatórias. Os arts. 57.º e ss. CPP falam-nos do arguido. Nos termos do art.
59º/2 CPP, um sujeito pode pedir para ser constituído arguido. Ele pode ter vantagens em ser constituído arguido
porque o arguido tem direitos que o suspeito não tem - o art. 58º CPP refere-se à constituição de arguido, o art. 60º
CPP da posição processual do arguido e o art. 61º CPP refere um elenco não taxativo de direitos e deveres do
arguido, de entre os quais encontramos o direito ao silêncio (cfr. art. 61º/1/d) CPP) - o arguido pode recusar-se a
falar.

2. Suspeito - não é um sujeito do processo, é um mero participante processual. É aquela pessoa relativamente à
qual existe o indício de que praticou um crime ou que está em vias de cometer um crime. O CPP dá uma
noção de suspeito, logo no art. 1º/e) CPP. Uma vez que se trata de um mero participante processual, não dispõe dos
mesmos direitos que o arguido, nomeadamente o direito ao silêncio, contudo o suspeito pode pedir para ser
constituído arguido, nos termos do art. 59º/2 CPP, passando assim a gozar dos direitos e deveres dos arguidos.

Aula 4 - 11/04/18

Vamos distinguir entre outras figuras semelhantes ao arguido e suspeito, mas que não se confundem - vítima, lesado,
ofendido e assistente:

3. Vítima - a palavra vítima é mais usada num sentido criminológico - é usada em criminologia, mas habitualmente não
era usada no processo penal.

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1. Na versão originária do CPP de 1987, encontrávamos apenas 2 vezes a utilização da expressão vítima: no
art. 1º/g), a propósito do relatório social, e no art. 88º/2/c), em que se estabelecia que os meios de
comunicação social não podiam publicar a identidade das vítimas em certos crimes].

2. Na revisão de 1988 acrescentou-se mais duas - no art. 82º-A, que se refere à reparação da vítima em
situações especiais, e no art. 271º, que se refere à possibilidade de declarações para memória futura no
caso de vítimas de crimes sexuais.

3. Na revisão de 2000, após o crime de violência doméstica passar a ser crime público, foi alterado o art.o
281º CPP, que se refere à suspensão provisória do processo. De acordo com este instituto, o Ministério
Público em vez de deduzir acusação, pode suspender provisoriamente o processo, evitando o julgamento.
A suspensão provisória do processo pode ser requerida pela própria vítima, havendo-se acrescentado, com
a revisão de 2007, no nº 8, que o Ministério Público poderia suspender provisoriamente o processo em
caso de crimes sexuais contra menores, tendo em conta o interesse da vítima.

4. Nas revisões posteriores do CPP, fomos assistindo, assim, a um alargamento da referência à vítima, e com
a Lei nº 130/2015 de 04 de Setembro, o legislador aditou ao CPP o art. 67º-A que tem como epígrafe
vítima, e nesta altura criou também o estatuto da vítima, publicado em anexo à referida lei. Este artigo veio
causar confusão nas definições que vigoram no processo penal (pretendia esclarecer mas não esclareceu
o que quer que fosse):

“1 - Considera-se: a) ‘Vítima’: i) A pessoa singular que sofreu um dano, nomeadamente um atentado à sua integridade física ou
psíquica, um dano emocional ou moral, ou um dano patrimonial, diretamente causado por ação ou omissão, no âmbito da prática de
um crime; ii) Os familiares de uma pessoa cuja morte tenha sido diretamente causada por um crime e que tenham sofrido um dano em
consequência dessa morte; b) ‘Vítima especialmente vulnerável’, a vítima cuja especial fragilidade resulte, nomeadamente, da sua
idade, do seu estado de saúde ou de deficiência, bem como do facto de o tipo, o grau e a duração da vitimização haver resultado em
lesões com consequências graves no seu equilíbrio psicológico ou nas condições da sua integração social; c) ‘Familiares’, o cônjuge
da vítima ou a pessoa que convivesse com a vítima em condições análogas às dos cônjuges, os seus parentes em linha reta, os
irmãos e as pessoas economicamente dependentes da vítima; d) ‘Criança ou jovem’, uma pessoa singular com idade inferior a 18
anos. 2 - Para os efeitos previstos na subalínea ii) da alínea a) do nº 1 integram o conceito de vítima, pela ordem e prevalência
seguinte, o cônjuge sobrevivo não separado judicialmente de pessoas e bens, ou a pessoa que convivesse com a vítima em condições
análogas às dos cônjuges, os descendentes e os ascendentes, na medida estrita em que tenham sofrido um dano com a morte, com
exceção do autor dos factos que provocaram a morte. 3 - As vítimas de criminalidade violenta e de criminalidade especialmente
violenta são sempre consideradas vítimas especialmente vulneráveis para efeitos do disposto na alínea b) do nº 1. 4 - Assistem à
vítima os direitos de informação, de assistência, de proteção e de participação ativa no processo penal, previstos neste Código e no
Estatuto da Vítima. 5 - A vítima tem direito a colaborar com as autoridades policiais ou judiciárias competentes, prestando informações
e facultando provas que se revelem necessárias à descoberta da verdade e à boa decisão da causa.»”. Nº1 - Por regra, o que está

correto dizer-se sobre a pessoa que sofreu um dano patrimonial relacionado com a prática do crime é que essa pessoa
é o lesado, e por isso veio criar confusão. Veja-se o nº4 - tem direitos de participação ativa no processo penal, mas o
sujeito que sofreu uma ofensa com a prática do crime e que pode pedir uma participação no processo penal é o
assistente.

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• Deve ser a vítima também ela ser considerada um sujeito processual? Atendendo aos vários artigos em que
aparece este termo, o legislador sentiu necessidade de fornecer uma noção de vítima. Mas isto não significa que a
vítima deva ser considerada um sujeito processual - MARIA JOÃO ANTUNES não a considera como sujeito processual.
CLÁUDIA SANTOS também não considera que deva ser considerada como tal.

4. Lesado - quando falamos em lesado, estamos normalmente a falar de uma parte civil, o lesado não é um sujeito
processual em sentido material, quanto muito pode ser considerado um sujeito formal do processo penal, mas
não um sujeito material. O lesado é a pessoa que tem direito a uma indemnização por perdas e danos
emergentes da prática do crime. É aquele que tem direito a uma indemnização civil, e, uma vez que entre nós
vigora o princípio da adesão (art. 71º CPP), então este pedido de indemnização civil deve ser deduzido no
próprio processo penal, exceto os casos previstos no art. 72º CPP em que a lei permite que o pedido seja
apresentado num tribunal civil em separado (mas não é a regra) - por regra o pedido de indemnização civil
relacionado com a prática do crime vai ser deduzido no próprio processo penal (ex.: imaginemos a prática de um
crime de ofensas à integridade física, A e B envolveram-se numa luta e A ofendeu a integridade física de B, B foi
para o hospital, teve muitos dias sem trabalhar, teve de comprar medicamentos, pode ter sofrido também danos
morais, e pode ter direito a uma indemnização civil), por razões de economia e de celeridade processual (porque
imaginemos uma testemunha a que se pergunta se assistiu aos factos A, B e C - isto serve para provar o ato penal e
o direito à indemnização; em vez de se chamar a testemunha ao processo penal e depois ao processo civil, no
mesmo processo fazemos perguntas que servem ambos os propósitos), e por regra (apesar de de demorado) o
processo penal é mais célere do que o processo civil e há vantagens neste pedido, e para também evitar
contradições de julgados. É assim possível que no fim do processo penal o juiz, o mesmo juiz, condene a uma
pena de prisão de 2 anos pela prática de um crime de ofensa à integridade física e a uma indemnização de €5.000
tendo em conta esse pedido que foi feito. Pode até acontecer que se prove o direito à indemnização mas não a
prática do crime - as regras sobre a produção de prova em processo penal são diferentes das regras de produção
de prova em processo civil, e o pedido de indemnização civil rege-se pelas regras do processo civil. Ou vice-versa
(menos frequente). Mas o mais comum é que o que serve para provar o crime também serve para provar à
indemnização.

5. Ofendido - o ofendido, por regra, é a vítima do crime (na criminologia chamamos vítima, no processo penal é
ofendido), é o titular dos interesses que a lei especialmente quis proteger com a incriminação. É mero participante
processual, mas pode-se constituir assistente, nos termos do art. 68º/1/a) CPP.

6. Assistente - se o ofendido se constituir assistente, ele adquire direitos que lhe permitem ter uma
participação ativa no processo. Passa a ser um sujeito processual. O art. 69º CPP estabelece a posição
processual e as atribuições do assistente. “1 - Os assistentes têm a posição de colaboradores do Ministério Público, a
cuja actividade subordinam a sua intervenção no processo, salvas as excepções da lei.” - o Ministério Público em Portugal não

atua como sendo advogado do Estado, mas antes de acordo critérios de estrita objetividade, tem de investigar quer
aquilo que conduza à absolvição do arguido quer aquilo que conduza à sua condenação; e até pode interpor
recursos no interesse do próprio arguido. E o assistente surge, enquanto posição no processo, como colaborador do
Ministério Público. No nº2 temos um conjunto de intervenções que cabem especialmente aos assistentes - “a) Intervir
no inquérito e na instrução, oferecendo provas e requerendo as diligências que se afigurarem necessárias e conhecer os
despachos que sobre tais iniciativas recaírem; b) Deduzir acusação independente da do Ministério Público e, no caso de
procedimento dependente de acusação particular, ainda que aquele a não deduza; c) Interpor recurso das decisões que os

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afectem, mesmo que o Ministério Público o não tenha feito, dispondo, para o efeito, de acesso aos elementos processuais
imprescindíveis, sem prejuízo do regime aplicável ao segredo de justiça.”. Veja-se também depois o art. 70º CPP - o

assistente é sempre representado por advogado. Para se constituir assistente é preciso pagamento (custa), e o
Regulamento das Custas Judiciais (DL nº 34/2008, última alteração em 2016), prevê no art. 8º pagamento de uma
unidade de conta processual (UC) para se constituir assistente. Quanto vale? Está indexada à retribuição mensal
mínima, que é 1/4 desta (quando aumenta este, também aumenta a unidade de conta), agora rondará os €145.
Além de ter de constituir advogado como já vimos.

É muito perguntado nos exames/orais a distinção entre ofendido e lesado, ofendido e assistente. Os lesados não se
queixam - quem se queixa são os ofendidos (ao contrário do que diz uma ilustre advogada num curso sobre
cibercriminalidade), os lesados pedem indemnizações. Temos de ser exatos. Muitas vezes, note-se, coincide na mesma
pessoa - a vítima, o ofendido, o lesado e o assistente são a mesma pessoa (como no exemplo que demos supra, B é
vítima do crime enquanto categoria criminológica, é o ofendido pela prática do crime, pode-se constituir assistente, e
ainda pode ter o direito a pedir indemnização cível como lesado). Pode não haver coincidência de papéis - um marido
discute com a mulher, e C tem o carro ao pé do local da discussão; no meio dos pontapés e partiram o vidro do carro - C
não é vítima nem ofendida, mas pode vir ao processo penal fazer um pedido de indemnização civil.

6 - PRINCÍPIOS GERAIS DO PROCESSO PENAL

Costumamos agrupar os princípios do processo penal em 4 grupos:

1. Princípios relativos à promoção processual:

1. Princípio da oficialidade;

2. Princípio da legalidade;

3. Princípio da acusação;

2. Princípios relativos à prossecução/decurso processual:

1. Princípio do contraditório;

2. Princípio da suficiência;

3. Princípios relativos à prova:

1. Princípio da investigação;

2. Princípio da legalidade da prova;

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3. Princípio da livre apreciação da prova;

4. Princípio in dúbio pro reu;

4. Princípios relativos à forma:

1. Princípio da publicidade;

2. Princípio da oralidade;

3. Princípio da imediação;

4. Princípio da concentração;

Aqui vamos ver só os princípios que envolvem questões mais importantes.

6.1 - Princípios relativos à promoção processual

6.1.1 - Princípio da oficialidade

Trata-se aqui da questão de saber a quem compete a iniciativa ou o impulso de investigar a prática de uma
infração, e a decisão de a submeter ou não a julgamento. O que estamos a perguntar é se esta iniciativa e esta
decisão devem caber a uma entidade pública estadual oficial, ou se devem antes pertencer a quaisquer entidades
particulares, designadamente ao ofendido pela infração. Nós entendemos que o direito penal é um direito de proteção
de direitos fundamentais, e que o processo penal é um assunto da comunidade jurídica. Afirma-se por isso o monopólio
estadual da justiça penal, cabendo ao Estado a promoção do processo penal independentemente da vontade e da
atuação dos particulares.

O princípio da oficialidade desdobra-se, assim, em 2 momentos:

1. É a uma entidade pública que cabe a iniciativa de investigar a prática de uma infração, isto é, é uma entidade
pública que decide sobre a promoção do processo penal.

2. É a uma entidade pública que cabe a decisão de submeter ou não a causa a julgamento.

Essa entidade pública, entre nós, é o Ministério Público. Nos termos do art. 219º CRP é ao Ministério Público que
compete exercer a ação penal. Assim, no primeiro momento, é ao Ministério Público que compete, nos termos do art.
48º CPP, promover o processo penal após a aquisição da notícia do crime (art. 241º CPP), cabendo ao Ministério
Público receber as denúncias, as queixas e as participações, e apreciar o seguimento a dar-lhes (art. 53º/2/a) CPP). E
depois, num segundo momento, é também o Ministério Público que, no final do inquérito, decide se deduz acusação ou
se arquiva o processo, nos termos do art. 276º CPP. Deste modo, os arts. 48º e 276º CPP concretizam ao nível
legislativo o princípio da oficialidade nos seus 2 momentos.

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O princípio da oficialidade sofre uma limitação, decorrente da existência de crimes semi-públicos. E sofre uma
exceção, decorrente da existência de crimes particulares. O art. 48º CPP ressalva o estabelecido nos arts, 49º a 52º
CPP. O art. 49º CPP refere-se aos crimes semi-públicos, e o art. 50º refere-se aos crimes particulares. Na verdade, os
crimes podem ser públicos, semi-públicos ou particulares (caracterização dos crimes quanto ao procedimento criminal):

1. Crimes públicos - são aqueles em que é o Ministério Público que decide, num primeiro momento, a promoção
processual, e num segundo momento é também o Ministério Público que decide da submissão ou não da infração a
julgamento. Por isso, em relação aos crimes públicos vale inteiramente o princípio da oficialidade. Ex.: um caso de
um senhor de 73 anos, num ato de desespero numa discussão, mata a mulher. O filho, envolvido naquela situação
já tão triste de per si até preferia que não houvesse um processo penal, preferia não ver o seu pai velho passar os
seus últimos dias de vida na prisão. A vontade dos particulares vai ter alguma relevância para este efeito? Claro que
não, o crime de homicídio é um crime público, por isso independentemente da vontade da vítima/familiares da
vítima, o MP vai abrir um processo, e se entender que reuniu indícios suficientes vai deduzir acusação e a causa
segue para julgamento. Entende-se que o que está em causa não é a morte daquela Sr. A ou da Sr. B, é o bem
jurídico vida que é protegido pelo direito penal, e por isso esse bem é protegido pelo processo penal, e sempre que
é posto em causa deve haver um respetivo processo penal. Não há aqui qualquer relevância da vontade dos
particulares, o Ministério Público abre o processo, inicia um processo com a fase de inquérito e no final do inquérito
é ele que decide se acusa ou arquiva. É o caso do crime de homicídio.

2. Crimes semi-públicos - são aqueles em que o Ministério Público só pode abrir um inquérito depois de haver uma
queixa por parte do ofendido ou de outras pessoas. O art.113º CP diz-nos quem são os titulares do direito de queixa,
e o art. 49º CPP estabelece o regime dos crimes semi-públicos. Os crimes semi-públicos constituem uma limitação
ao princípio da oficialidade - o Ministério Público só pode abrir inquérito depois de haver queixa, por isso não vale o
primeiro momento do princípio da oficialidade. Porém, depois de haver queixa, o Ministério Público abre inquérito,
investiga e, no final do inquérito é o Ministério Público que decide se submete ou não a causa a julgamento (se
acusa ou se arquiva), por isso no caso dos crimes semi-públicos continua a valer o segundo momento do princípio
da oficialidade.

3. Crimes particulares - são aqueles em que, para além da queixa, é necessário que haja também uma acusação
particular. O ofendido tem de se queixar e tem de se constituir assistente. Depois o Ministério Público abre inquérito,
investiga, e no final do inquérito é o ofendido, já constituído assistente, que tem o poder de decidir se deduz
acusação ou não. Deste modo, é o ofendido que decide sobre o início da investigação da prática do crime, ao
apresentar a queixa, e depois é também ele que, já constituído assistente, decide se a causa é ou não submetida a
julgamento. É por isso que dizemos que os crimes particulares constituem uma exceção ao princípio da oficialidade -
afastam o princípio da oficialidade nos seus 2 momentos. O art. 50º CPP refere-se à legitimidade em procedimento
dependente de acusação particular, e o art. 285º CPP refere-se à acusação particular. É o caso do crime de injúria
ou difamação Ex.: alguém decidiu insultar a professora na faculdade, ela sentiu-se ofendida na sua honra, e decide
apresentar queixa. O MP investiga e no final do inquérito, como se trata de um crime particular, é ela ofendida que já
se constituiu assistente, vai ser notificada pelo MP em que este diz “a senhora fez queixa, colhemos os seguintes
indícios, se quiser acusar tem 3 dias”, e depois irá decidir se quer acusar ou não.

QUESTÃO DE EXAME - O princípio da oficialidade comporta limitações e exceções.

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Notas importantes

1- Qual é o fundamento da existência de crimes semi-públicos e particulares? Porque não são todos públicos? Há

várias razões:

1. Por vezes os crimes em causa têm uma natureza pouco grave - furto simples, injúria, ofensa à integridade
física simples -, e a comunidade não sente a necessidade de reagir automaticamente contra o infrator.
Deste modo faz-se depender o procedimento criminal de uma iniciativa particular. Se o ofendido considerar
que não há necessidade de reagir, a comunidade considera que o assunto não deve ser apreciado no
processo penal. Ex.: Alguém era assaltado, mas o computador que lhe era levado estava estragado, nem
se justifica ir á Baixa fazer queixa e passar pelo processo penal; no caso de uma injúria, entretanto o tempo
vai passando e aquilo que parecia grave afinal não era assim tanto, e não faz sentido ir despender meios e
tempo à justiça portuguesa.

2. Outras vezes, a existência de um processo-crime pode ser mais prejudicial para a vítima do que a
inexistência desse processo - no caso de um furto entre parentes, ou no caso de crime de natureza sexual
-, nestes casos, que até podem ser crimes graves, a vítima pode preferir que não haja processo penal, por
exemplo para proteger a sua intimidade, e pode preferir que ao mal do crime não se junte ao mal do
processo penal. Se bem que agora há muitos mecanismos do processo penal para evitar este mal do
processo penal - ex.: mecanismos de gravação das declarações para que a vítima não tenha de estar
constantemente a repetir as mesmas coisas; declarações para memória futura; quando o crime for
traumatizante há a possibilidade de não se ter de contrapor ao agressor. Mas ainda assim, a vítima pode
querer resguardar a sua intimidade (como o caso de violação, que pode querer esquecer).

3. Há aqui também uma ideia de descriminalização real, porque, quando os crimes não são públicos, se não
for apresentada uma queixa, na prática tudo se passa como se não houvesse crime, com o que os tribunais
acabam por ficar mais aliviados (evita-se o entupimento dos tribunais - se estes crimes menos graves
fossem todos crimes públicos, o MP dava início aos processos, os tribunais inundados de processos de
pequena importância). Ex.: no caso do crime de injúria, se não apresentar queixa na prática é como se não
tivesse havido crime.

2 - Tramitação processual dos crimes particulares - Sabemos que os crimes particulares dependem de queixa e de
acusação particular. Quem é que pode apresentar queixa e quem é que pode deduzir acusação particular? O ofendido
enquanto tal pode apresentar queixa, mas a acusação particular tem de ser deduzida pelo assistente, art. 285º CPP. Ou
seja, o ofendido que apresentou queixa tem de se constituir assistente para deduzir acusação particular.

Quando estamos perante um crime particular, temos de ter em atenção o disposto nos arts. 246º/4 CPP e 68º/2
CPP.

1. Nos termos do art. 246º/4 CPP, quando o crime é particular, no momento em que o ofendido apresenta a queixa, ele
tem obrigatoriamente de declarar que se quer constituir assistente;

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2. E, nos termos do art. 68º/2 CPP, após a declaração da pretensão de se constituir assistente, o particular tem 10 dias
para se constituir assistente. Esse prazo foi introduzido pela revisão de 1998.

Deste modo, o ofendido queixa-se, declara que quer constituir-se assistente, constitui-se assistente no prazo de 10 dias
e, no final do inquérito, deduz acusação particular.

Antes de 1998, não se exigia que o ofendido se constituísse assistente logo nos 10 dias após a apresentação da queixa. Antes de
1998, o particular só tinha de se constituir assistente no momento em que pretendesse deduzir acusação particular. Porém, o Ministério
Público e as Polícias aperceberam-se do seguinte - o ofendido apresentava queixa, o Ministério Público abria inquérito e investigava, e
depois de este trabalho, muitas vezes, o ofendido acabava por se desinteressar do processo (ex.: porque via que a constituição como
assistente implicava pagamento de custas e a constituição de advogado), e no final do inquérito ninguém deduzia acusação. Perdia-se
dinheiro assim tempo, dinheiro e justiça. Assim, desde 1998, de acordo com os atuais arts. 246º/4 e 68º/2 CPP, o Ministério Público só
abre inquérito depois de o ofendido ter apresentado queixa e se ter constituído assistente (preenche uma declaração em como se quer
constituir assistente para que o processo continue, e se não o fizer no prazo de 10 dias o processo morre ali, é como se nunca
iniciasse verdadeiramente as investigações), pretendendo-se assim evitar o desperdício de meios (ainda que teoricamente não faça
sentido o Ministério Público só iniciar as investigações depois de haver um assistente).

Voltando ao exemplo do crime de injúria (crimes particulares) - apresentava queixa, o MP iniciava a investigação, mas depois essa
pessoa informava-se melhor e via que para que o processo continue tem de se constituir assistente, e depois tinha de pagar os
honorários ao advogado, as custas processuais. O tempo passava e começou a pensar que não valia a pena - gastou-se tempo,
dinheiro e justiça.

Nos crimes particulares, quem deduz acusação é o assistente. Nestes casos o Ministério Público pode acompanhar a acusação
particular, acusando pelos mesmos factos, por parte deles ou por outros que não importem uma alteração substancial daqueles (art.
285º/4 CPP).

Nos crimes públicos e semi-públicos, quem deduz acusação é o Ministério Público. Nestes casos, o assistente pode também deduzir
acusação pelos factos acusados pelo Ministério Público, por parte deles, ou por outros que não impliquem alteração substancial
daqueles (art. 284º/1 CPP).

Aula 5 - 17/04/18

3- Quem é que decide sobre a natureza pública ou particular sobre a natureza de um crime? É o legislador. Quem

decide se um crime é público, semi-público ou particular é o legislador. Está na lei. A natureza do crime está previsto na
lei.

1. Então, se no tipo legal de crime ou nos artigos seguintes nada se disser sobre a natureza do crime - quanto
ao procedimento - é porque o crime é público. P. ex., art. 131º CP - crime de homicídio, nada se dizendo quanto
ao procedimento. Logo, o crime é público.

2. Outra hipótese - se no tipo legal de crime ou nos artigos seguintes, o legislador disser que o procedimento
criminal depende de queixa isto significa que o crime é semi-público (exs.: art. 143º/2 CP - crime de ofensa à

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integridade física simples; art. 203º/3 CP - furto; art. 212º/3 CP - crime de dano; art. 163º e ss. + art. 178º CP crime
de coação sexual ou violação). No exame escrito, faz-se isto: imaginem que A está a ser julgado por ter cometido
um crime de furto contra B e é referido o artigo do crime. Mas não se refere, em expresso, a alínea referente ao
procedimento. Mas, às vezes, não é logo no tipo legal de crime que se vê logo o procedimento. O crime de coação
sexual e violência são crimes semi-públicos; no entanto, no tipo legal de crime, não se encontra referido a existência
de queixa. Está nuns artigos mais à frente, no art. 178.º que se refere à exigência de queixa de todos os crimes
naquele capítulo.

3. Terceira hipótese - se no tipo legal de crime ou nos artigos seguintes, o legislador disser que o procedimento
criminal depende de acusação particular, isto significa que o crime é particular. Mas, nestes casos, não
podemos esquecer que, antes da acusação particular, o procedimento depende sempre da apresentação de uma
queixa e da constituição como assistente (art. 207º CP - furto entre parentes; art. 180º CP - crime de difamação; art.
181º e 188º CP - injúria).

Caso Prático nº1

A Sra. A inesperadamente aproximou-se da Sra. B na Praça da República gritando “sua lambisgoia, sua mentirosa, sua
caloteira, paga-me aquilo que deves sua ladra!”. B mal conhecia A, eram de facto vizinhas mas nunca tinham dirigido
uma à outra mais do que um bom-dia.

Partindo do princípio que A preencheu com a sua conduta o crime de injúria 181º CP, o que tem de fazer B para que A
seja julgado pelo crime que cometeu, esclarecendo qual a tramitação do processo penal no caso.

Resolução:

Qual seria a tramitação processual neste nosso caso de crime de injúria? Como é que tudo começa? De que natureza é
o crime de injúria, quanto ao procedimento criminal? É um crime particular, sendo o fundamento legal o art. 181º + art.
188º CP. Diz-se que o procedimento penal depende de acusação particular, sendo um crime particular.

E o que temos de percorrer para que esta pessoa vá ser julgada pelo crime de injúria? Se se trata de um crime de
injúria, qual é a norma do CPP que nos fala dos crimes cujo procedimento depende de acusação particular? - art. 50º
CPP, apresentação de uma queixa. E onde é que está estipulado, referido, os titulares do direito de queixa? art. 113º
CP, por isso, tínhamos de ver se aquela senhora era ou não titular do direito de queixa. Se ela tivesse menos que 16
anos, ela não teria direito de queixa. E, à partida, seria titular do direito de queixa. E no momento em que apresenta
queixa, ela tem que fazer mais alguma coisa? Tem que declarar a sua pretensão de se constituir como assistente, art.
246º/4 CPP. E o prazo a correr aqui é de 10 dias, art. 68º/2 CPP, tendo de se constituir assistente verdadeiramente no
final destes 10 dias.

E depois de se constituir assistente, o que é que acontece? Neste momento, em termos de processo, o Ministério
Público abre o inquérito onde vai investigar e recolher provas. O Ministério Público vai investigar e, no final do inquérito,

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o Ministério Público vai notificar o assistente dos factos que encontrou e vai perguntar ao assistente se ele quer deduzir
acusação (art. 285º CPP). O assistente é notificado e decide se quer, ou não, deduzir acusação particular. Nos termos
do art. 285º CPP, o Ministério Público notifica o assistente para ele, querendo, deduzir acusação particular. Quanto
tempo tem o assistente para deduzir acusação particular? 10 dias, art. 285º/1 CPP. O assistente tem 10 dias para
deduzir acusação particular e se nestes 10 dias, se o assistente não fizer nada, o Ministério Público arquiva o processo.

E o Ministério Público pode ter alguma palavra a dizer? Art. 285º/4 CPP - quando o assistente deduz acusação
particular e o Ministério Público entende que reuniu indícios suficientes dia prática do crime, pode decidir acompanhar a
acusação no prazo de 5 dias. Mas só o pode fazer se acusar pelos mesmos factos, por parte deles ou por outros que
não alterem substancialmente a natureza daqueles factos.

O Ministério Público acompanhou a acusação do assistente e qual é a fase seguinte? A fase de instrução. Quem é que
tem interesse em controlar esta fase de instrução? O arguido, a Sra. A, pode requerer a eventual fase de instrução [art.
287.º/1/a) CPP]. E depois, havendo um despacho de pronúncia, seguiremos para a fase de julgamento. E se ninguém
requerer a fase de instrução, entramos logo para a fase de julgamento.

4 - E já vimos quem decide a natureza do crime e vamos ver outra coisa: qual é a diferença entre queixa e denúncia?

Queixa e denúncia não são a mesma coisa.

1. O conceito de denúncia é mais amplo que o conceito de queixa. A queixa é uma forma de denúncia. Todas as
queixas são denúncias mas nem todas as denúncias são queixas. A queixa é uma denúncia de um crime semi-
público ou particular.

2. A denúncia pode ser feita por qualquer pessoa mas a queixa só pode ser apresentada pelos titulares do
direito de queixa, referidos no art. 113º CP, e tem que ser apresentada, por regra, no prazo de 6 meses a
contar da data em que o titular tiver tido conhecimento do facto e dos seus autores.

A denúncia é um conceito mais amplo - denuncia-se os crimes públicos e, se se tratar de um crime particular ou semi-
público, apresenta-se queixas. A denúncia é a forma de se dar notícia do crime, seja ele qual for.

Quem são, afinal, os titulares do direito de queixa? É preciso distinguirmos várias hipóteses:

1. O art. 113º/1 do CP diz-nos que o titular do direito de queixa é o ofendido. Em regra, quem apresenta a queixa é o
ofendido (e esta é a regra).

2. Pode acontecer que o ofendido venha a morrer, sem ter apresentado queixa. Imagine-se que A foi vítima de furto
mas morreu entretanto e, por isso, não apresentou queixa. Neste caso, o titulares do direito de queixa são as
pessoas identificadas no art. 113º/2 CP.

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3. Por outro lado, há outras pessoas que não são titulares do direito de queixa em virtude da idade, porque só a partir
dos 16 anos é que se adquire capacidade para exercer o direito de queixa. Assim, no caso do ofendido ser menor de
16 anos, a queixa é apresentada pelo representante legal nos termos do art. 113º/4 CP e, na falta de representante
legal, é apresentada pelas pessoas indicadas no art. 113º/2 CP. Isto resulta do art. 113.º/3 CP

4. Há duas situações em que, apesar do crime não ser público, o Ministério Público pode dar início ao processo,
sempre que o interesse do ofendido aconselhar à abertura do inquérito. Que hipóteses são estas?

1. Quando o ofendido for menor de 16 anos ou não possuir discernimento para entender o alcance, e
significado, do exercício do direito de queixam [art. 113.º/5/a) CP].

2. Quando o direito de queixa não puder ser exercido porque a sua titularidade caberia apenas ao agente do
crime, isto é, nestes casos, o titular do direito de queixa é o próprio autor do crime [art. 113.º/5/b) CP].

5. Desde 2007, há ainda uma outra possibilidade quanto à apresentação da queixa que é a seguinte - no caso de um
ofendido ser menor de 16 anos, se a queixa não for apresentada pelo titular do direito de queixa nos termos do art.
113º/4 CP nem o Ministério Público ter dado início ao processo, nos termos do art. 113º/5/a) CP, o ofendido pode
apresentar queixa a partir da data em que fizer 16 anos (art. 113º/6 CP). E ele pode apresentar a queixa de um
período de tempo muito alargado - pode apresentá-la até 6 meses a contar da data em que perfizer 18 anos (art.
115º/2 CP).

5 - Ora bem, e quanto à desistência de queixa? A pessoa pode apresentar queixa e depois desistir? Nos crimes semi-
públicos e particulares, pode haver desistência da queixa e/ou da acusação particular até à publicação da
sentença da primeira instância. Isto resulta do art. 116º/2 e art. 17º CP. Em relação aos crimes públicos, não é
possível haver qualquer desistência. Vale o princípio da imutabilidade da acusação pública.

O regime da desistência da queixa está previsto no art. 51º CPP (temos sempre que articular normas que estão no
Código Penal e no CPP, é um instituto de natureza duvidosa) E, nos termos do art. 51º/3 CPP, o arguido pode opor-se à
desistência e pode querer que o julgamento chegue ao fim para provar a sua inocência. O arguido pode estar inocente e
querer demonstrar a sua inocência numa audiência pública - está, em causa, a defesa do seu bom nome. E deve ser
homologada pelo juiz ou Ministério Público.

Nos termos do art. 116º/4 CP (novidade de 2007), depois de perfazer 16 anos, o ofendido pode vir ao processo opor-se
à sua continuação, nos casos em que a queixa tiver sido apresentada pelo representante legal ou pelas pessoas
referidas no art. 113º/2 CP e nos casos em que é o Ministério Público que, no interesse do ofendido, apresentou queixa.
Note-se que, nestes casos, não se trata de uma verdadeira desistência de queixa porque, em rigor, não houve queixa
do ofendido.

Ora bem, são estas as regras relativas à apresentação de queixa.

6 - Crimes de violência doméstica e aos crimes de natureza sexual: deverão ser crimes semi-públicos ou crimes

públicos?

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Tem havido constantes alterações à nossa legislação quanto à natureza destes crimes, o que demonstra as grandes
dúvidas do nosso legislador quanto à natureza dos crimes de violência doméstica e crimes sexuais.

I. Crime de violência doméstica

1. Em 1982, quando entrou em vigor o CPP, o crime de violência doméstica chamava-se maus tratos
conjugais, e o crime era público.

2. Com a revisão de 1995, alargou-se estes crimes também aos unidos de facto. O crime passou a ser semi-
público, passando a depender de queixa.

3. Em 1998, houve uma nova alteração - o crime continuou a ser semi-público, mas o Ministério Público podia
dar início ao processo independentemente da queixa se o interesse da vítima o impusesse.

4. Em 2000, houve nova alteração - o crime de maus tratos conjugais passou a ser um crime público.

5. Em 2007, o crime de maus tratos conjugais passou a designar-se de violência doméstica (atual art. 152º
CP) e manteve a natureza pública.

II. Em relação aos crimes sexuais, qual foi a experiência em Portugal?

1. Até 1995, os crimes sexuais contra menores, entre nós, eram semi-públicos.

2. Na revisão de 1995, continuaram a depender de queixa mas o Ministério Público podia dar início ao
processo, independentemente de queixa, se o interesse da vítima o impusesse. Era isto que constava do
nosso art. 178º/4 CP até à revisão de 2007. Nestes casos, dizia-se que o crime uma natureza atípica - não
era público nem semi-público. Os crimes sexuais contra menores até 2007 eram semi-públicos porque
estava em causa a intimidade da vítima e por outro lado a natureza semi-pública justificava-se também com
os prejuízos que o processo penal poderia acarretar para o desenvolvimento da personalidade do menor

3. Em 2007, os crimes sexuais contra menores passaram a ser crimes públicos (art. 178º/1 CP). Hoje, entre
nós, só é semi-público o crime de atos sexuais com adolescentes (art. 178º/2 + 173º CP), entre os 14 anos
e os 16 anos. O que importa que saibamos é que em 2017, os crimes sexuais contra menores são semi-
públicos. E isto deve-se a uma decisão-quadro da União Europeia - decisão-quadro de 2003 da União
Europeia relativamente à luta contra a exploração de crianças e a pornografia infantil

4. Os crimes sexuais contra adultos sempre foram semi-públicos mas o art. 178º CP foi alterado em Agosto
de 2015 (Lei nº83/2015 de 24 de Agosto) e foi acrescentado o atual nº2 em que se diz que, no caso de
crime de coação sexual e de violação contra adultos, o Ministério Público pode dar início ao processo
independentemente da queixa sempre que o interesse da vítima o aconselhar. Isto resultou da ratificação
de Portugal da Convenção de Istambul (art. 55º da Convenção de Istambul) que é uma convenção do

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Conselho da Europa para a prevenção e combate contra a violência contra as mulheres e a violência
doméstica.

Em suma: em relação aos crimes sexuais contra menores são públicos, excepto aqueles praticados contra
adolescentes; quanto a crimes sexuais contra adultos os crimes são semi-públicos, salvo em caso de coacção sexual e
de violação.

Aula 6 (extra) - 18/04/18

7 - Valor de conta processual (update) - quando o ofendido se constitui assistente, tem de pagar conta processual, e
corresponde a 1/4 do salário mínimo nacional. Atenção que a unidade de conta processual, por via do orçamento de
estado, manteve-se inalterado do ano anterior (tem o valor de €102, e não os €145 - manteve expressamente a não
atualização deste valor - , apesar do ordenado mínimo ter subido para os €580).

6.1.2 - Princípio da legalidade

Estudamos até agora o princípio da oficialidade. Vimos que o Ministério Público é a autoridade competente para abrir o
inquérito quando adquire a notícia de um crime, e é também a entidade competente para, no final do inquérito, deduzir
acusação. Sabemos que há uma limitação ao princípio da oficialidade (os crimes semi-públicos) e uma exceção (os
crimes particulares). Quando falámos do princípio da oficialidade, o que está em causa é saber quem tem competência.
Agora, nós vamos questionar se, na sua atuação, o Ministério Público é livre de decidir se abre ou não inquérito, e se,
no final do inquérito, é livre de decidir se deduz ou não acusação. A resposta é negativa, o Ministério Público não é
livre nesta sua decisão, vigora entre nós o princípio da legalidade, que se também decompõe em 2 momentos:

1. Num primeiro momento, sempre que adquire a notícia de um crime, art. 241º e ss. CPP, o Ministério Público
está obrigado a abrir um inquérito (art. 262º/2 CPP);

2. Num segundo momento, sempre que tiver recolhido indícios suficientes de se ter verificado um crime, e de
quem foi o seu agente, o Ministério Público está obrigado a deduzir acusação (art. 283º/1 CPP). Quando é que
há indícios suficientes? Quando se considera que há indícios suficientes? Há indícios suficientes quando a
condenação for mais provável que a absolvição (art. 283º/1 e 2 CPP). É um juízo de prognose, depois tudo depende
da prova que se produzir em audiência de julgamento. Sempre que não colher indícios suficientes da prática do
crime , deduz despacho de arquivamento.

Inquérito, 1º momento
Instrução, 2º momento (sempre que tiver recolhido
(o Ministério

Público
quando adquire a notícia indícios suficientes de se ter verificado um crime, e de

do crime está obrigado a quem foi o seu agente, o Ministério Público está Julgamento
abrir um inquérito) obrigado a deduzir acusação)

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No art. 262º/2 prevêem-se exceções ao princípio da legalidade:

1. Uma das excepções é constituída pelos crimes semi-públicos e particulares. Nestes casos só há lugar a abertura
de um inquérito se houver lugar de uma queixa, por isso, a simples noticia de um crime não da lugar à abertura de
um inquérito.

2. A outra excepção está relacionada com as denúncias anónimas. O regime das denúncias anónimas está previsto
no art. 246º/6, 7 e 8 CPP. Estas normas foram introduzidas na revisão de 2007. Nos termos do nº6, a denúncia
anónima só dá lugar à abertura de um inquérito se dela se retirarem indícios da prática do crime ou se a própria
denúncia constituir crime. A própria denúncia pode constituir um crime nos casos de denúncia caluniosa (cfr. art.
365º CP), ou então nos casos de simulação de crime, previsto no art. 366º CP. Deste modo, no caso de uma
denúncia anónima, nem sempre a notícia do crime dá lugar à abertura de um inquérito.

O princípio da oficialidade e da legalidade são princípios diferentes - pode ser o Ministério Público a promover o
processo e a deduzir acusação, mas o Ministério Público pode ser livre de abrir ou não um inquérito, e de deduzir ou
não acusação. Nos sistemas em que vigora o princípio da oportunidade (nos sistemas anglo-saxónicos), o Ministério
Público decide abrir ou não um inquérito, e decide acusar ou arquivar, de acordo, p. ex., com razões de ordem política,
financeira ou social. No entanto, entre nós, além do princípio da oficialidade, vigora também o princípio da legalidade -
rejeitamos por isso o princípio da oportunidade como regra/princípio geral. Entendemos que o princípio da legalidade
nos conduz ao princípio da igualdade na aplicação da lei - o Ministério Público não decide se dá ou não início a um
processo, ou se deduz acusação ou se arquiva um processos com base em critérios de conveniência, que poderiam
conduzir a um arbítrio. É por isso que se diz que o princípio da legalidade acaba por ter uma matriz constitucional no art.
13º CRP (que estabelece o princípio da igualdade), e desde 1997, a CRP consagra expressamente o princípio da
legalidade enquanto princípio da atuação do Ministério Público no exercício da ação penal (art. 219º CRP).

É claro que, na sua atuação, o Ministério Público está vinculado ao princípio geral da legalidade, o que significa que a atividade do
Ministério Público se desenvolve de acordo com a lei, mas o princípio da legalidade enquanto princípio da promoção processual tem
um sentido específico, decompondo-se naqueles dois momentos referidos supra. Leva a uma igualdade na aplicação da lei - abre um
processo crime para todos os cidadãos em igualdade de circunstâncias. A notícia do crime dá sempre lugar à abertura de um inquérito,
e sempre que tenham sido recolhidos indícios suficientes há lugar à dedução de uma acusação, o que significa que o processo segue
para julgamento, ou se for requerida, para a fase de instrução.

Nos sistemas anglo-saxónicos, onde vigora o princípio da oportunidade, os critérios não são tão apertados - há uma grande margem
para o exercício da ação penal, e a decisão de abertura de inquérito e de acusar ou não acusar pauta-se por considerações de ordem
política, económica e social.

Quais são as consequências ou decorrências do princípio da legalidade?

1. Os casos de denúncia obrigatória - o art. 242º CPP prevê casos de denúncia obrigatória para o Ministério Público.
Por regra, entre nós, a denúncia é facultativa (art. 244º CPP) - qualquer pessoa que tiver notícia de um crime pode
denunciá-lo. Mas a denúncia é obrigatória para as entidades policiais, quanto a todos os crimes de que tomarem
conhecimento, e é obrigatória também para os funcionários na acessão do art. 386º CP (funcionários públicos no

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sentido pouco rigoroso do termo 4), quanto aos crimes de que tomarem conhecimento no exercício das suas funções,
e por causa delas. Este dever de denúncia, que impende sobre os funcionários, pode conflituar com outros deveres
destes funcionários, como o dever de segredo, e o CP prevê inclusive o crime de violação de segredo - art. 195º CP
e art. 135º CPP (o caso do medico que atende no hospital uma senhora vítima de violência doméstica, etc.). Não há
uma resposta a dar, nem doutrinal nem legal, depende da ponderação a fazer nos casos em concreto, impendem 2
deveres conflitantes, são 2 bens jurídicos que estão em causa - por um lado o interesse na administração da justiça
penal e da punição dos criminosos, e por outro lado o bem jurídico confiança e a proteção que se estabelece entre
os 2 sujeitos. A decisão é feita caso a caso. De qualquer das formas, só há o dever de denúncia se estiver nas
vestes de funcionário público (no caso do médico, se atender alguém no seu consultório privado, já não está a atuar
como funcionário e sobre ele já não impende o dever de denúncia).

2. Princípio da imutabilidade da acusação pública - a acusação pública não pode ser retirada a partir do momento
em que é deduzida, isto é, a partir do momento em que o tribunal foi chamado a decidir a questão. Não pode, por
isso, haver uma renúncia ou desistência da acusação pública. Sabemos que este princípio da imutabilidade da
acusação pública não vigora no caso dos crimes semi-públicos e particulares, pois nestes casos pode haver
desistência da queixa e da acusação particular até à publicação da sentença da 1ª instância, desde que o arguido
não se oponha (art. 116º CP e 51º CPP).

Controlo do princípio da legalidade

Como vamos controlar estes deveres que sobre o Ministério Público impendem? Como é que se assegura então o
cumprimento do princípio da legalidade pelo Ministério Público? Estamos a perguntar o que acontece quando o
Ministério Público não cumpre o princípio da legalidade, e podem haver várias consequências:

1. Há a possibilidade de responsabilizar disciplinarmente o Ministério Público por violação dos seus deveres
profissionais.

2. Há ainda a possibilidade de responsabilizar criminalmente o Ministério Público, nos termos do art. 369º CP que
prevê o crime de denegação de justiça e prevaricação. Mas o tipo legal de crime está descrito de uma forma
particular, no âmbito de um inquérito processual a correr, ou seja só terá lugar se tiver aberto inquérito e depois ter
violado o dever de acusar, não vale para os casos em que recebeu noticia do crime e não abriu inquérito (pois o tipo
legal de crime pressupõe que esteja já a correr o processo penal). Vale para controlar o princípio da legalidade mas
apenas no segundo momento.

3. Há ainda outros mecanismos de controlo da decisão do Ministério Público quanto à decisão de acusar ou não
acusar:

1. Um controlo judicial, através do requerimento para abertura da fase de instrução, art. 287º CPP;

4 É uma das grandes questões que se coloca no Direito Penal de hoje - saber o que é funcionário para efeitos de vários preceitos.

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2. Um controlo hierárquico, a intervenção hierárquica, que só pode ser pedido nos casos de despacho de
arquivamento e não for requerida a instrução (art. 278º CPP).

Vimos que estes 4 mecanismos servem para controlarmos melhor/sobretudo o segundo momento do princípio da
legalidade. Mas e então quando o Ministério Público devia abrir um inquérito público e não abre, há maneira de controlar
isto? É muito mais difícil isto, porque a decisão de acusar ou arquivar é possível daqueles controlos jurídicos, mas a
decisão de não abrir o processo quando se recebe a notícia do crime é de muito mais difícil controlo.

1. Poderá haver naturalmente lugar à responsabilidade disciplinar;

2. E podemos dizer que também pode haver um certo controlo político, pois o PGR é nomeado pelo poder político (o
único magistrado do Ministério Público que é nomeado, nomeando e exonerado pelo PR sob proposta do Governo -
art. 133º/m) CRP). A estrutura do Ministério Público é hierarquizada, e que aqueles que estão no topo da hierarquia
dão instruções, notas práticas da Procuradoria Geral da República que devem ser seguidas por todos os
procuradores. Se sistematicamente um determinado procurador tiver recebido notícia do crime e não abrir
inquéritos, isso à partida deve ser sabido pelos superiores hierárquicos (há inspeções que são feitas, a ambas as
magistraturas, com alguma regularidade), e se se descobrir isto, que o PGR não está a conseguir controlar o que é
feito na própria magistratura do Ministério Público então poderá ser exonerada pelo PR sob proposta do Governo.
Mas este controlo político é um controlo muito ténue, é muito mais visível o controlo do princípio da legalidade no
segundo momento.

QUESTÃO DE EXAME - O cumprimento do princípio da legalidade é insuscetível de controlo. Comente.

Alternativas ao despacho de acusação

Quais são os desvios do princípio da legalidade? Há certos institutos entre nós que são conhecidos como um certo
desvio ao princípio da legalidade - arquivamento em caso de dispensa de pena e suspensão provisória do processo.
Sabemos que no nosso processo penal afastamos o princípio da oportunidade como princípio geral, mas há
mecanismos que constituem desvios ao princípio da legalidade - arquivamento em caso de dispensa de pena (art.
280º CPP) e a suspensão provisória do processo (art. 281º CPP).

Normalmente, o inquérito termina com um despacho de arquivamento (art. 277º CPP), ou com um despacho de
acusação (art. 283º CPP). Os institutos previstos no art. 280º e 281º CPP são alternativas ao despacho de acusação.
Nestes casos, o Ministério Público recolheu indícios suficientes de se ter verificado o crime, e de quem foi o seu agente,
mas, em vez de acusar, o Ministério Público vai lançar mão de um destes institutos (importantíssimo). A aplicação
destes mecanismos depende da verificação de vários pressupostos/requisitos. Se falhar algum destes requisitos, a
decisão do Ministério Público será necessariamente de acusar (porque naquele caso recolheu indícios suficientes da
prática do crime e de quem foi o seu agente).

Quais são as características comuns destes dois institutos?

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1. Desde logo, estes dois institutos constituem limitações ao princípio da legalidade - são meios de dar expressão a um
certo coeficiente de oportunidade e, desse modo, quebrar o tradicional monopólio do princípio da legalidade.

2. Estes mecanismos são mecanismos de diversão - no plano do direito penal substantivo, falamos de
descriminalização (quando um comportamento deixa de ser crime), mas no plano do direito adjetivo/processual
falamos em diversão, e significa que vamos resolver o conflito fora do sistema formal de aplicação da justiça penal.
No fundo, vamos aplicar uma forma divertida (diferente) de resolver o conflito. A decisão de aplicação destes
institutos não é suscetível de impugnação (art. 280º/3 e 281º/6 CPP). Também não é suscetível de controlo judicial,
nem de intervenção hierárquica, desde logo porque aquelas decisões pressupõem necessariamente a concordância/
intervenção do juiz de instrução.

3. Trata-se de institutos que, tradicionalmente, valem apenas para os casos de pequena e média criminalidade, isto é,
para os processos relativos a crimes puníveis com penas de prisão não superiores a 5 anos. Na verdade, o nosso
CPP faz um tratamento diferenciado entre a pequena e média criminalidade, por um lado, e a criminalidade grave,
por outro. Esta característica tem vindo, porém, sido posta em causa nas últimas revisões do CPP, com a inserção
do art. 281º/7 e 8 (prevêem a aplicação destes institutos para certos casos excecionais em crimes mais graves).

4. São soluções consensuais/de consenso no âmbito do processo penal - para serem aplicados é preciso haver um
acordo entre os diferentes sujeitos processuais (do processo penal).

Quais são as características/pressupostos de cada um deles?

1. Arquivamento em caso de dispensa de pena, art. 280º CPP - Se o processo for por crime relativamente ao qual
estiver expressamente previsto, na lei penal, a possibilidade de dispensa de pena, e se estiverem reunidos os
pressupostos desta dispensa (art. 74º CP), o Ministério Público, em vez de deduzir acusação, pode arquivar o
processo nos termos do art. 280º CPP. A ideia é a seguinte - se, no final do processo, tudo vai acabar com uma
dispensa de pena, então o melhor será pôr fim ao processo logo no fim do inquérito (para quê seguir para
julgamento), então o melhor será pôr fim ao processo logo no fim do inquérito (são o caso dos crimes puníveis com
pena de prisão não superiores a 6 meses, ou pena de multa até 120 dias, em que o dano tenha sido reparado, em
que a culpa seja diminuta, e não haja exigências de prevenção - o Ministério Público recolhem indícios suficientes
da prática do crime, mas em vez de seguirmos para julgamento, se tudo vai acabar numa dispensa de pena então
pode considerar que se deve pôr fim ao processo logo no fim do inquérito, e propõe o arquivamento em caso de
dispensa de pena). Estão aqui presentes razões pragmáticas de economia e celeridade processual, mas também há
outras razões mais nobres relacionadas com as exigências de prevenção geral e especial (o arquivamento há-de ser
suficiente para acautelar as exigências de prevenção, art. 280º CPP), e além disso evita-se a ida de um arguido a
julgamento, evitando-se por isso uma estigmatização desnecessária do arguido (GARFINKEL afirma que a ida a
julgamento é uma cerimónia degradante). Para que, no final do inquérito, o Ministério Público arquive o processo em
caso de dispensa de pena tem de ter a concordância do juiz de instrução. Havendo a concordância do juiz de
instrução, há o arquivamento em caso de dispensa de pena. Pode acontecer, porém, que o processo siga para a
fase de instrução, e só nesse momento o juiz se aperceba que se trata de um caso de dispensa de pena - neste
caso o juiz de instrução pode arquivar o processo com a concordância do Ministério Público e do arguido (aqui não

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basta a concordância do Ministério Público e do juiz de instrução, também é preciso a concordância do arguido). É
assim, porque sobre o arguido já impende uma acusação - costuma dizer-se que o arguido tem o direito ao
processo, e pode querer que o processo continue para que seja considerado inocente. Todo este regime fazia
sentido até 2007, porque até então o inquérito era uma fase secreta do processo penal (o público em geral não
sabia que sobre aquela pessoa corria um processo), e não fazia sentido que, no final de um inquérito secreto, se
perguntasse ao arguido se ele concordava ou não com o arquivamento em caso de dispensa de pena (não havia
razões de proteção do bom nome do arguido), mas desde 2007 a regra é a de que o processo penal é público desde
o início, ou seja, a própria fase do inquérito é, por regra, pública, e por isso podemos questionar se não seria mais
adequado permitir que o arguido pudesse opor-se ao arquivamento logo no final do inquérito. De qualquer modo,
independentemente da fase em que se dê o arquivamento, na medida em que se trata de uma solução em que se
exige o consenso dos vários sujeitos processuais, uma vez tomada a decisão de arquivar o processo em caso de
dispensa de pena, já não será possível recorrer desta decisão (art. 280º/3 CPP).

Aula 7 - 25/04/18

2. Suspensão provisória do processo, art. 281º CPP - se se verificarem os pressupostos no art. 281º CPP, o
Ministério Público determina a suspensão provisória do processo durante um certo prazo, impondo ao arguido certas
injuções e regras de conduta. Para que se aplique a suspensão provisória do processo, é necessário o consenso
entre o Ministério Público o, o juiz de instrução, o assistente e o arguido (art. 281º/1 CPP) Precisamente por se exigir
este consenso, uma vez tomada a decisão de suspender provisoriamente o processo, não haverá possibilidade de
recorrer desta decisão (art. 281º/6 CPP). Para haver suspensão provisório do processo, exige-se o acordo do
assistente se houver assistente constituído no processo. Mas, se não houver assistente constituído no processo, isto
não impedirá a aplicação do instituto da suspensão provisória do processo (art. 281º/1 CPP). Para que se possa
aplicar a suspensão provisória do processo, têm de se verificar todos estes pressupostos que estão elencados no
art. 281.º/1.

• Foi uma questão muito controversa entre nós a questão de saber se quando o juiz de instrução não concorda com com a
suspensão provisória do processo, poderá haver recurso deste despacho de não concordância do juiz de instrução. Houve várias
decisões, quer a admitir quer a não admitir o recurso deste despacho de não concordância do juiz de instrução. E, na sequência
de várias decisões divergentes, em 2009, surgiu um acórdão uniformizador de jurisprudência nesta matéria. É o AC. Supremo
Tribunal de Justiça nº16/2009. E, neste acórdão, ficou fixado - estabelecido - que a discordância do juiz de instrução em relação
à suspensão provisória do processo não é passível de recurso. Recentemente, a questão foi levada ao Tribunal Constitucional. Foi
levada a questão de saber se a inadmissibilidade de recurso da decisão de discordância do juiz de instrução, em relação à
suspensão provisória do processo, não seria inconstitucional por violação do direito ao recurso. O Tribunal Constitucional, no AC.
nº 101/2016 e mais recentemente num outro (AC. nº 139/2017), decidiu não julgar inconstitucional a norma segundo a qual a
discordância do juiz de instrução em relação à suspensão provisória do processo não é passível de recurso.

• A imposição ao arguido de injuções e regras de conduta - a aplicação da suspensão provisória do processo


implica sempre a imposição ao arguido de certas injuções ou regras de conduta, por isso, isto se diz que é um caso
de diversão com intervenção, enquanto que no arquivamento em caso de dispensa de pena, se trata de um
fenómeno de diversão simples. Os deveres e regras de conduta estão previstos no art. 281º/2 CPP. Este elenco não

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é taxativo, vejam a abertura do art. 281º/2/m) CPP. Qual é a diferença entre uma injunção e regra de conduta?
Como é que sabemos quais são as injuções as regras de conduta? As injuções são obrigações que podem ser
cumpridas de forma instantânea e extinguem-se como seu cumprimento; já as regras de conduta traduzem-se em
obrigações de cumprimento continuado, de caráter positivo ou negativo.

• Ora bem, quanto tempo dura, por regra, a suspensão provisória do processo? A suspensão provisória do processo
tem uma duração que, em regra, não pode exceder os dois anos (art. 282º/1 CPP). Se durante a suspensão
provisória do processo, o arguido cumprir as injuções e as regras de conduta, no final, o Ministério Público arquiva o
processo (art. 282º/3 CPP). Pelo contrário, se o arguido não cumprir as injuções e as regras de conduta ou se
cumprir um crime da mesma natureza pela qual venha a ser condenado, o processo prossegue, isto é, o Ministério
Público deduzirá acusação e o processo seguirá para julgamento.

• Outra nota importante é esta - a suspensão provisória do processo pode também ter lugar na fase de instrução,
desde que com o consenso do juiz de instrução (art. 307º/2 CPP).

• Nos nºs 7, 8 e 9 do art. 281º CPP, estão previstos casos especiais de suspensão provisória do processo. O art.
281º/7 CPP foi introduzido em 2000 - quando o crime de maus tratos se tornou público - e o art. 281º/8 CPP foi
introduzido em 2007, quando os crimes sexuais contra o menor passaram também a ser crimes públicos. O
legislador tornou o crime público mas entende que pode ser vontade da vítima não continuar o processo. Estes nºs
7 e 8 foram introduzidos no art. 281º CPP tendo em conta o interesse das vítimas (a suspensão provisória do
processo nos casos de violência e de crimes contra a liberdade e autodeterminação contra menores afirma-se como
um instituto que tem em conta, em primeira linha, os interesses da vítima - a suspensão provisória do processo
surge nestes casos como uma válvula de escape do sistema perante a actual natureza pública destes tipos de

crimes), o que foge, um bocadinho, àquilo que foi o sentido de criação do art. 280º e o art. 281º CPP onde se

pretendia evitar a cerimónia degradante que é o julgamento (na verdade, a suspensão provisória do processo
previstas nos números 1 a 6 do art. 281º CPP, é um instituto que confere uma especial atenção aos interesses do
arguido: pretende- se alcançar a ressocialização ou, pelo menos, a não dessocialização do arguido). No art. 282º/5

CPP, a suspensão pode ir até a um período de cinco anos, ⚠ mas a redação desta alínea está errada - são os nºs

7 e 8. Houve já quem dissesse que a suspensão provisória do processo, nestes casos, funciona como um
sucedâneo da desistência de queixa. Há dúvidas, no entanto, quanto à questão de saber se a articulação entre a
suspensão provisória do processo e a natureza pública destes crimes constituirá o modo mais adequado para
harmonizar os interesses que se encontram em conflito, pois uma coisa é a natureza semi-pública ou pública do
crime e outra é tentar resolver o problema com recurso a institutos processuais. O nº9 também se refere a uma
realidade diferente - ex.: o furto dos supermercados.

Se falhar um requisito do art. 280º ou 281º CPP só há uma alternativa para o Ministério Público - acusar.

Uma outra coisa ainda a propósito destes institutos - serão estes institutos, dos arts. 280º e 281º CPP, manifestações de
um verdadeiro princípio de oportunidade ou, pelo contrário, encontram-se ainda no âmbito do princípio da legalidade?
No fundo, o Ministério Público será livre de decidir se aplica ou não estes institutos ou está vinculado a aplicá-los,
sempre que se verifiquem os pressupostos? Se estão previstos na lei e houver um consenso de todos os sujeitos
processuais, o Ministério Público deve aplicar estes institutos. Mas como é que vamos controlar se o Ministério Público

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aplicou ou não, devidamente, estes institutos? Ora bem, se o Ministério Público acusar ou arquivar, nos termos gerais,
quais são os meios que temos para controlar esta decisão de arquivamento ou acusação? Controlo hierárquico, judicial
através de requerimento para abertura da instrução. Se em vez de acusar, o Ministério Público optar por aplicar os arts.
280º ou 281º CPP, também há um certo controlo da decisão tomada pelo Ministério Público - quando o Ministério
Público decide aplicar estes institutos, exige-se sempre a concordância do juiz de instrução que vai verificar a legalidade
da aplicação dos institutos em causa. A questão agora é esta - imaginem que há um caso em que estão reunidos os
pressupostos mas o Ministério Público não promove a aplicação destes institutos. Haverá forma de controlar? Não, não
há nenhum mecanismo na lei que permita controlar esta decisão. É certo que nestes casos, quando o Ministério Público
deduz acusação, pode ser requerida a abertura de instrução com a finalidade de se aplicar estes institutos, mas, na fase
de instrução será necessária também a concordância do Ministério Público e, se o Ministério Público não concordar,
estes institutos não poderão ser aplicados. Além disso, o juiz de instrução pode decidir não aplicar estes institutos e
proferir um despacho de pronúncia e, tendo havido uma acusação do Ministério Público e posteriormente um despacho
de pronúncia do juiz de instrução, não é possível recorrer-se deste despacho de pronúncia. Para o Ministério Público,
para o magistrado do Ministério Público, dá muito menos trabalho não deduzir acusação. Em rigor, como sabem, nem é
o magistrado do Ministério Público que vai estar em julgamento; em regra, há separação de funções. Por isso, para o
Ministério Público, um processo onde houve acusação é um processo findo, que seguiu para julgamento. Um processo
em relação ao qual ele pressupõe suspensão provisória do processo, isso não acontece. Não havendo verdadeiramente
um mecanismo de controlo nos casos em que o Ministério Público podia aplicar um instituto e não aplica, é por isso que
não podemos dizer que eles sejam institutos que atuam dentro de um estrito princípio de legalidade. Há como que uma
certa margem de oportunidade, embora não se trate da manifestação de um puro princípio da oportunidade. Reparem -
também é possível requerer a abertura de instrução para a aplicação destes institutos. Com a Diretiva da Procuradoria-
Geral da República em relação à suspensão provisória do processo fez-se um apelo de promoção ao recurso a este
instituto por forma a aliviar o trabalho dos tribunais portugueses, porém, recentemente temos assistido a críticas no
sentido inverso, havendo casos em que o mais adequado era efetivamente a dedução de acusação do arguido para que
fosse julgado (ver Directiva PGR Suspensão Provisória do Processo). COSTA ANDRADE (PAI) entende que os institutos
previstos nos art. 280º e art. 281º CPP não são, propriamente, manifestações de um princípio de oportunidade mas são
manifestações de uma legalidade aberta. Para COSTA ANDRADE (PAI), o Ministério Público ao aplicar estes institutos não
está a prosseguir um qualquer programa político-criminal diferente daquele que está codificado na lei penal substantiva.
Estes institutos são, por isso, manifestações de uma legalidade aberta a um programa político-criminal assente no
caráter subsidiário e de intervenção de última ratio do direito penal.

QUESTÃO DE EXAME - Estes institutos do art. 280º e art. 281º CPP só poderão ser aplicados nos casos dos crimes
públicos mas também no caso de crimes semi-públicos e particulares?

1. Vamos começar pelos crimes semi-públicos - sim. Quem é que deduz a acusação, nos casos de crimes semi-
públicos? O Ministério Público. Os crimes semi-públicos são uma limitação ao princípio da oficialidade, porque é
necessária a apresentação de uma denúncia e é o Ministério Público que determina se arquiva ou deduz
acusação.

2. E em relação aos crimes particulares? Num caso de um crime de particular, quem deduz a acusação é o
assistente. O assistente apresenta queixa, constitui-se assistente, o Ministério Público investiga e o Ministério
Público notifica o particular para, ele querendo, deduzir acusação. E se o particular nada fizer, não pretender
acusar, é claro que o Ministério Público não poderá abrir mão dos arts. 280º e o art. 281º CPP. Agora, se o

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assistente pretender acusar, poderemos ou não aplicar os arts. 280.º e 281º CPP? Em relação ao art. 281º CPP não
há um verdadeiro problema - a suspensão provisória do processo só é aplicável se o próprio assistente concordar.
Mas e no caso do art. 280º CPP? Discute-se se o assistente pretende deduzir acusação e se o assistente pretende
arquivar no caso de dispensa de pena. A pretensão do assistente é que o caso corra para julgamento e o Ministério
Público quer que o caso acabe logo ali. Portanto, não requer a concordância do assistente. Temos um caso de crime
particular em que o assistente pretende deduzir acusação particular, ou seja, quer que o caso siga para julgamento
mas o Ministério Público propõe o arquivamento logo ali, que é um arquivamento simples onde não são impostas
qualquer dever ou regras de conduta. E devemos aplicar este instituto na mesma ou não? A acusação particular não
assegura a existência de um julgamento; o arguido pode requerer a abertura de instrução e o juiz de instrução, na
fase de instrução, pode proferir um despacho de não pronúncia. Mesmo no caso de um crime particular, o facto de o
assistente deduzir acusação, não significa necessariamente que a sua pretensão de levar o arguido a julgamento se
concretize, por isso, há quem defenda que, a razão de ser que subjaz ao instituto no art. 280º CPP se mantém
mesmo nos casos de um crime particular em sentido estrito. E o caso do art. 280º CPP é um caso de dispensa de
pena em que no julgamento tudo vai acabar num caso de dispensa de pena, logo MARIA JOÃO ANTUNES tende a dizer
que sim que o art. 280º e o art. 281º CPP são uma alternativa não só à acusação do Ministério Público como também
a acusação particular, mas não é uma posição unânime (só parte da doutrina defende esta solução de equiparação).

6.3 - Princípio da acusação

O princípio da acusação significa que a entidade que investiga e acusa deve ser diferente da entidade que julga,
e tem consagração constitucional no art. 32º/5 CRP. Esta norma estabelece que o nosso processo penal tem
estrutura acusatória, que não é o mesmo que princípio da acusação. O princípio da acusação é apenas uma
característica do processo da estrutura acusatória. Não há estrutura acusatória sem princípio da acusação mas a
estrutura acusatória pressupõe, ainda, a participação constitutiva dos sujeitos processuais na declaração do direito no
caso concreto.

Qual é a razão de ser do princípio da acusação? Estão aqui presentes razões atinentes à imparcialidade e objetividade
da decisão final. De acordo com o princípio da acusação, a entidade que julga a infração não teve funções anteriores de
investigação nem de acusação. Entre nós, a entidade que investiga e acusa é a magistratura do Ministério Público. Isto
decorre de vários artigos do CPP, designadamente, dos arts. 48º, 241º, 262º e 263º e art. 276º (fazer remissões para
estes artigos todos). A entidade que julga é o juiz, a magistratura judicial, o que decorre também de várias normas do
CPP (art. 8º, 13º, 14º, 16º, 311º, entre outros). Entre nós, há assim uma distinção de tarefas e de fases - A
investigação e a acusação realizam-se na fase de inquérito; a tarefa de julgar realiza-se na fase de julgamento.

Mas, entre nós, além de uma distinção de tarefas e de fases há também uma distinção de magistraturas. Em
abstrato, seria admissível que o juiz de instrução investigasse e acusasse e, depois, o juiz de julgamento julgasse.
Teríamos aqui duas entidades distintas e, por isso, estaria cumprido o princípio da acusação. Porém, não é este o
modelo seguido no nosso processo penal. O nosso CPP estabelece também uma distinção entre magistraturas, com
reforço na própria CRP, art. 219º CRP (estabelece que o exercício da ação penal compete ao Ministério Público). Deste

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modo, quando no art. 32º/5 CRP se estabelece que o processo penal tem estrutura acusatória, devemos convocar
sempre também o disposto no art. 219º CRP.

Impedimentos e suspeições

Estes impedimentos e suspeições estão previstos no art. 39º e ss. CPP, e são ditados também pelas ideias de
objetividade e imparcialidade. Imaginem, por exemplo, que a juíza era esposa do arguido. Os impedimentos estão
previstos na lei no art. 39º CPP de forma objetiva e taxativa (ex.: é cônjuge do arguido, tem alguma relação com o
assistente ou ofendido, não podem participar no processo juizes que sejam cônjuges entre si, e o mesmo para o MP,
etc...). Sempre que se verificar uma das circunstâncias previstas nesta norma, o juiz fica impedido de intervir no
processo por razões de objetividade e de imparcialidade.

Todavia, o legislador não tem capacidade para prever todas as situações da vida (para prever todas as situações em
que a imparcialidade do juiz pode ser posta em causa), e, por isso, além daquele conjunto de impedimentos
expressamente previstos, o legislador criou a figura das suspeições. As suspeições estão previstas no art. 43º CPP e
são compostas pelas recusas e pelas escusas. O art. 43º CPP surge, assim, como uma cláusula geral.

Aula 8 - 16/05/18

Além daquele conjunto que estão hoje expressamente previstos no art. 39º, prevê o nosso CPP uma cláusula geral de
suspeição - as escusas e recusas (servem para aquelas situações que não se inserem em nenhuma das situações
previstas no art. 39º CPP, mas que no caso concreto pode gerar-se a desconfiança em relação à imparcialidade e
objetividade do juiz).

Qual é a diferença entre uma recusa e uma escusa? A escusa acontece quando é o próprio juiz que pede ao
tribunal que o escuse de intervir, nos termos do art. 43º/4 CPP. Fala-se de recusa quando são os outros
intervenientes processuais, designadamente o Ministério Público, o arguido, o assistente ou as partes civis que
levantam a suspeição e requerem a recusa do juiz (nos termos do art. 43º/3 CPP). Isto pode acontecer na pratica -
o juiz chega ao tribunal, vê o processo que lhe foi distribuído e pelo nome que consta no processo vê que é seu amigo,
estas relações de amizade não estão previstas como um impedimento no art. 39º CPP, mas naturalmente que o juiz não
se sente confortável e a sua imparcialidade pode ser posta em causa, e então pede escusa de intervenção naquele
processo e vai ser redistribuído; também pode acontecer que o juiz não se aperceba daquela relação de amizade, mas
depois seja o assistente que conhece a amizade a pedir a recusa daquele juiz. Estas normas sobre os impedimentos
e as suspeições não valem apenas para os juizes, valem também para os magistrados do Ministério Público
(art. 54º CPP) e ainda para os peritos, intérpretes e funcionários de justiça (art. 47º CPP).

Além destas normas, há outra muito importante - o art. 40º CPP - que se refere ao impedimento por participação
em processo. Prevê ainda certos impedimentos por causa de intervenções anteriores no mesmo processo:

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1. Nos termos da alínea a), não pode intervir em julgamento, recurso ou pedido de revisão o juiz que tiver aplicando
medida de coação prevista nos arts. 200º a 202º CPP, ou seja, o juiz que tiver aplicado a proibição e imposição de
condutas, o juiz que tiver aplicado a obrigação de permanência na habitação, ou o juiz que tiver aplicado a prisão
preventiva. Porquê só estas 3 medidas de coação? Porque são as medidas de coação mais graves, e para além
disso têm um pressuposto de aplicação específicos - fortes indícios da prática do crime, só podem ser aplicadas
quando isto houver. E é o juiz que aplica estas medidas de coação que tem de averiguar se estão ou não presentes
estes fortes indícios da prática do crime, e o legislador considera que esta averiguação implicará um conhecimento
profundo do processo por parte do juiz, por isso o legislador presume que a imparcialidade do juiz estaria posta em
causa se, posteriormente, ele interviesse no julgamento do caso.

2. Nos termos da alínea b), o juiz que tiver presidido ao debate instrutório fica impedido de participar no julgamento do
processo, pois entende-se que, porque o juiz de instrução terá proferido um despacho de pronúncia, conhecendo o
objecto do processo, poderá já ter formado pré-juízos em relação ao caso. 


Deste modo, quando o juiz participa num processo enquanto juiz de instrução (no inquérito ou na instrução), ele só
ficará impedido de participar no julgamento desse processo, nos casos expressamente previstos das alíneas a), b) e e)
do art. 40º CPP.

Quanto a outros atos isolados que o juiz tenha praticado, ordenado ou autorizado funcionará o regime das escusas e
recusas (art. 43º CPP) - entende-se que nem todos os atos praticados pelo juiz de instrução põem necessariamente em
causa a sua imparcialidade. É o que acontece, por exemplo, quando o juiz aplica uma medida de coação diferente das
referidas no art. 40º/a) CPP, ou quando ele autoriza que se faça uma escuta telefónica - nestes casos funcionará então
o regime das escusas e das recusas. Entende-se que o juiz de instrução, enquanto juiz das liberdades, só deve ficar
afastado da participação do julgamento quando a sua intervenção processual prévia tiver contendido verdadeiramente
com o objeto do processo.

7 - FASE DE INSTRUÇÃO

Regras quanto à recorribilidade e de irrecorribilidade do despacho do juiz de instrução

Temos de falar das regras da recorribilidade e de irrecorribilidade do despacho do juiz de instrução. Como termina a
fase de instrução? Pode terminar com um despacho de pronúncia ou com uma despacho de não pronúncia (art. 307º
CPP). Se, até ao encerramento da instrução, o juiz tiver recolhido indícios que tornem provável a condenação, ele
profere um despacho de pronúncia. Caso contrário, ele profere um despacho de não pronúncia (art. 308º CPP).

Como se pode reagir contra uma decisão de pronúncia ou não pronúncia? Como estamos perante uma decisão judicial,
o modo normal de reação é o recurso, e entre nós um dos princípios em matéria de recursos é o princípio da
recorribilidade - é permitido recorrer de todas as decisões cuja irrecorribilidade não esteja prevista na lei (art. 399º
CPP). Há certos casos em que a lei estabelece expressamente a impossibilidade de recurso, e um desses casos diz

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respeito à irrecorribilidade da decisão instrutória em certas situações. Em relação à decisão instrutória, podemos
distinguir 4 situações:

1. O Ministério Público acusa o arguido (quem pode requerer a abertura de instrução é o arguido), o arguido
requer abertura de instrução (art. 287º/1/a) CPP), e o juiz de instrução pronuncia. Não pode haver recurso do
despacho de pronúncia. O art. 310º/1 CPP estabelece expressamente que a decisão instrutória que pronunciar o
arguido pelos factos constantes da acusação do Ministério Público, formulada nos termos do art. 283º CPP, é
irrecorrível. Porquê? Em termos de processo penal, significa que não é mais possível parar a causa, segue para o
julgamento, e aqui o legislador estabelece uma exceção ao princípio geral da recorribilidade porque temos 2
decisões de 2 magistraturas diferentes no mesmo sentido, logo há uma concordância entre as 2 magistraturas pelo
que não se justifica a admissibilidade de recurso. E não podemos dizer que o arguido fica desprovido/diminuído de
um direito de defesa, porque ele vai exercê-lo na fase de julgamento - não se justifica o recurso, por questões de
celeridade processual, não se estranhando a ideia de irrecorribilidade do arguido uma vez que este terá, na fase de
julgamento, oportunidade de exercer o seu direito de defesa.

2. O Ministério Público acusa o arguido, o arguido requer abertura de instrução (art. 287º/1/a) CPP), e o juiz de
instrução não pronuncia. Pode-se recorrer (a lei nada diz).

3. O Ministério Público arquiva o processo (quem pode requerer a abertura de instrução é o assistente), o
assistente requer abertura de instrução (art. 287º/1/d) CPP), e o juiz de instrução pronuncia. Pode-se recorrer
(a lei nada diz).

4. O Ministério Público arquiva o processo (quem pode requerer a abertura de instrução é o assistente), o
assistente requer abertura de instrução (art. 287º/1/d) CPP), e o juiz de instrução não pronuncia. Também aqui
há 2 decisões concordantes de 2 magistraturas diferentes, e aqui o recurso é admissível. Porquê? Porque a última
decisão tomada é a decisão de não pronúncia. Nos casos referidos no art. 310º/1 CPP, em que há uma acusação e
uma pronúncia, a causa segue para julgamento, mas aqui se não fosse possível recorrer do despacho de não
pronúncia, aquela decisão do juiz de instrução tornar-se-ia a decisão final daquele caso, por isso entende o
legislador que é admissível o recurso - se assim não fosse, no entender de MARIA JOÃO ANTUNES, estaríamos a
violar o direito de acesso aos tribunais por parte do assistente bem como o princípio do juiz natural (cfr. arts. 20º/1 e
32º/9 CRP. MARIA JOÃO ANTUNES salienta, no entanto, que neste caso continua a valer a razão que justifica o art.
310º/1 CPP - há um juízo concordante de 2 magistraturas, e por isso nada impede que se defenda a solução da
irrecorribilidade da decisão instrutória que não pronunciar o arguido na sequência de um despacho de
arquivamento. A verdade é que o que está na lei é a impossibilidade de recorrer só na primeira hipótese, e não nas
restantes, mas tudo depende do peso que damos - ou damos mais relevância ao argumento que justifica a solução
legal (se não for admissível o recurso, esta seria a decisão final), ou então damos mais relevância ao argumento de
havendo a concordância de 2 magistraturas não se compreende porque é que se admite recurso.

QUESTÃO DE EXAME - O despacho do juiz de instrução é sempre recorrível. Comente. Há que referir estas hipóteses,
em que caso é recorrível e em que casos não é.

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E se se tratar de um crime particular, em que o assistente deduz acusação particular, o arguido requer a abertura da
instrução, e o juiz de instrução pronuncia, deve ou não o despacho do juiz de instrução ser recorrível neste caso?
Temos aqui de diferente que quem deduz a acusação é o assistente. Neste caso, também temos 2 decisões no mesmo
sentido (uma concordância de 2 entidades diferentes), mas não são decisões de 2 magistraturas diferentes. Trata-se de
uma acusação de um assistente, e de uma pronúncia de um juiz de instrução, e claro que há diferenças entre uma
acusação particular e uma acusação do Ministério Público - este tem de se pautar por critérios de objetividade e
legalidade, e o assistente não. Esta questão era muito discutida até 2007, e em 2007 o legislador veio esclarecer a
questão. Nos casos de crimes particulares, o despacho de pronúncia é irrecorrível, exceto se o Ministério
Público acompanhar a acusação do assistente (art. 285º/4 CPP). Isto está expressamente previsto no art. 310º/1
CPP.

8 - MEDIDAS DE COAÇÃO

O que são? São meios processuais que vão limitar a liberdade do arguido, para salvaguardar outros direitos ou
interesses constitucionalmente protegidos. Existe um catálogo taxativo de medidas de coação, inscritas no
CPP nos arts. 196º e ss., segundo uma ordem crescente de gravidade. As medidas de coação são sempre
aplicadas a um arguido - além de ser sujeito no processo penal, o arguido é também objeto de aplicação de medidas
de coação [art. 60º 1ª Parte, e art. 61º/3/d) CPP]. O art. 192º/1 CPP estabelece expressamente que a aplicação de
medidas de coação depende da prévia constituição como arguido - por isso não se pode aplicar nunca uma medida de
coação a um suspeito.

Estão diretamente relacionadas com 2 das finalidades do processo penal - a realização da justiça e da
descoberta da verdade, por um lado, e o restabelecimento da paz jurídica por outro lado. Porém, não podemos
esquecer a finalidade de proteção dos direitos do arguido, designadamente o seu direito de defesa (art. 32º/1 CRP). É
preciso então operar a concordância prática entre estas finalidades. Esta é iluminada/orientada pelo princípio da
presunção de inocência do arguido (art. 32º/2 CRP) - só podem ser aplicadas as medidas de coação que se
mostrarem comunitariamente suportadas em face da possibilidade de estarem a ser aplicadas a um inocente.

Quais são os princípios que norteiam a aplicação de medidas de coação? São vários:

1. Princípio da legalidade e da tipicidade - só podem ser aplicadas as medidas de coação previstas na lei, pois só a
lei pode restringir DLG’s. Isto resulta do art. 61º/3/d), art. 191º/1 Parte Final CPP, e ainda do art. 18º/2 e 3 CRP. E as
medidas de coação são só aquelas que estão previstas na lei, arts. 196º e ss. CPP, por uma ordem crescente de
gravidade.

2. Princípio da necessidade - decorre do art. 191º/1 1ª Parte, art. 193º/1 1ª Parte, e art. 204º CPP. Significa este
princípio que a liberdade das pessoas só pode ser limitada por aplicação de uma medida de coação em função de
exigências processuais de natureza cautelar. E é o art. 204º CPP que nos diz quais são as exigências processuais
de natureza cautelar que justificam a aplicação de medidas de coação - assim só se pode aplicar uma medida de
coação se, em concreto, se verificar fuga ou perigo de fuga; ou perigo de perturbação no decurso do inquérito; ou da
instrução do processo; e, nomeadamente, perigo para a aquisição, conservação ou veracidade da prova; ou ainda

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se se verificar perigo de continuação da atividade criminosa, ou de perturbação grave da ordem e tranquilidade


públicas. Não podemos esquecer que as exigências processuais de natureza cautelar são diferentes das exigências
da punição - as primeiras legitimam a aplicação de uma medida de coação a alguém que se presume inocente, as
segundas legitimam a condenação em uma pena de alguém que é declarado culpado. Por isso, as exigências
processuais de natureza cautelar devem ser sempre interpretadas à luz das finalidades do processo penal. Assim,
as exigências referidas nas alíneas a) e b) do art. 204º CPP devem ser interpretadas à luz da finalidade de
realização da justiça e da descoberta da verdade material, ao passo que as exigências referidas na alínea c) do art.
204º CPP devem ser interpretadas à luz da finalidade de restabelecimento da paz jurídica posta em causa com a
prática do crime. Deste modo, para a aplicação de uma medida de coação, nunca pode ser invocada qualquer razão
que diga respeito à culpa do arguido, às finalidades da punição ou à proteção do ofendido - imaginemos que o juiz
justifica uma prisão preventiva com a culpa, isto seria um erro clamoroso porque o que justifica a aplicação de
medidas de coação, pois o arguido presume-se inocente (mantém-se até ao trânsito em julgado da sentença
condenatória).

QUESTÃO DE EXAME - O juiz A justificou a aplicação de uma medida de prisão preventiva com base na culpa
agravada do agente. Comente. É um perfeito disparate, porque as exigências da punição e a culpa do agente nunca
podem justificar a aplicação de uma medida de coação, porque estas são aplicadas durante o processo, num
momento em que o arguido se presume inocente.

3. Princípio da adequação - a medida de coação a aplicar em concreto deve ser adequada à exigência cautelar que
se manifestar no caso. Isto resulta do art. 193º/1 2ª Parte CPP.

4. Princípio da proporcionalidade - a medida de coação deve ser proporcional à gravidade do crime, e à sanção que
previsivelmente venha a ser aplicada. Isto está no art. 193º/1 CPP, Parte Final. O próprio legislador concretiza este
princípio - por um lado, em geral, a aplicação das medidas de coação depende da gravidade da pena aplicável ao
crime (art. 195º CPP), e por outro lado a aplicação das medidas de coação mais graves (arts. 200º, 201º e 202º
CPP) depende da verificação de fortes indícios da prática de crime doloso.

• O conceito de fortes indícios é diferente do conceito de indícios suficientes - tem sido gerado uma confusão na doutrina
portuguesa entre ambos os conceitos para aplicação de medidas de coação. A existência de fortes indícios da prática de crime
doloso é o pressuposto de aplicação das medidas de coação previstas nos arts. 200º a 202º CPP. Deste modo, para a aplicação
destas medidas de coação, se o processo estiver na fase de inquérito, tem de haver um juízo positivo no sentido de que, em face
dos indícios já existentes há uma possibilidade razoável de ser deduzida acusação, sendo esta mais provável que o arquivamento.
Se o processo estiver na fase de instrução, para que se possa aplicar as medidas de coação referidas, tem de haver um juízo
positivo no sentido de que, em face dos indícios já existentes, há uma possibilidade razoável de ser proferido o despacho de
pronúncia, sendo este mais provável que a decisão de não pronúncia. Já o juízo de indícios suficientes da prática do crime, tem
de estar presente no momento da acusação (art. 283º CPP) ou da pronúncia (art. 308º CPP). Para que haja indícios suficientes, é
necessário que o material probatório já reunido permita concluir que será mais provável a condenação que a absolvição do
agente. Este material pode, por conseguinte, ainda não estar reunido no momento em que se aplica uma das medidas de coação
previstas nos arts. 200º a 202º CPP, e deste modo pode acontecer que os elementos de prova que seriam insuficientes para a
acusação ou pronúncia sejam considerados bastantes para dar como verificado o conceito de fortes indícios para a aplicação de
uma medida de coação, até porque a medida de coação em causa, quando aplicada na fase de inquérito, estará a ser aplicada
numa fase em que ainda se está a recolher prova. Há autores que entendem que o conceito de fortes indícios é um conceito mais

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exigente do que o conceito de indícios suficientes, mas em rigor trata-se de conceitos diferentes que não permitem uma
comparação entre si - uma coisa é haver fortes indícios no sentido de ser mais provável a acusação ou a pronúncia para efeitos de
aplicação de uma medida de coação; outra coisa é haver indícios suficientes no sentido de ser mais provável a condenação do
que a absolvição para efeitos de ser deduzido um despacho de acusação ou de ser proferido um despacho de pronúncia.

Aula 9 (extra) - 16/05/18

5. Princípio da subsidiariedade da aplicação da obrigação de permanência na habitação e da prisão preventiva


(art.193º/2, art. 201º/1 e art. 202º/2 CPP) - como estas medidas de coação são as medidas de coação mais graves,
elas só podem ser aplicadas quando todas as outras medidas de coação se revelarem, no caso, inadequadas ou
insuficientes. Por sua vez, a prisão preventiva só pode ser aplicada em última instância, deve ser dada preferência à
obrigação de permanência na habitação sempre que esta se revelar suficiente em face das exigências cautelares
(art. 193º/3 CPP). O caráter subsidiário da prisão preventiva resulta também do art. 28º/2 CRP (estabelece que a
prisão preventiva tem um caráter excecional).

6. Princípio da precariedade (art. 212º/1/b) e 212º/3 CPP, e 28º/2 CRP). Este princípio não é mais do que uma
consequência dos princípios da necessidade e da adequação. O que significa? Significa que a medida de coação é
imediatamente revogada sempre que tiverem deixado de subsistir as circunstâncias que justificaram a sua
aplicação, isto é, sempre que ela deixar de ser necessária. Por outro lado, a medida de coação será substituída por
outra menos grave ou por uma forma menos gravosa da sua execução, sempre que se verificar uma atenuação das
exigências cautelares que determinaram a sua aplicação - ou seja, sempre que ela tiver deixado de ser adequada.
Tem implicações especiais no caso da obrigação de permanência na habitação e no caso de prisão preventiva - o
art. 213º/1/a) CPP determina que o juiz oficiosamente, de 3 em 3 meses, está obrigado a verificar se se mantêm os
pressupostos de aplicação destas medidas de coação. Mas o art. 213º CPP não afasta a aplicação, também em
relação à prisão preventiva e à obrigação de permanência na habitação do disposto no art. 212º CPP que se refere
à revogação e substituição das medidas de coação pelo juiz oficiosamente ou a requerimento do Ministério Público
ou do arguido. Tendo havido uma apreciação oficiosa ou a requerimento do Ministério Público ou do arguido, ao
abrigo do art. 212º CPP e decidida que seja a manutenção da medida, só 3 meses depois desta decisão é que é
obrigatório o reexame nos termos do art. 213º CPP, e isto ainda que entre este e o reexame anterior, nos termos do
art. 213º CPP, tenham decorrido mais do que 3 meses.

Caso Prático nº2

O juiz aplicou uma prisão preventiva a 10/11/17.

1 - Diga quando é obrigatório o primeiro reexame ao abrigo do art. 213º CPP.

2 - Suponha que o arguido requereu a revogação da prisão preventiva ao abrigo do art. 212º CPP a 30/03/18, e que o
juiz decidiu manter a medida de coação, diga quando será obrigatório um novo reexame ao abrigo do art. 213º CPP.

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Resolução:

1 - O primeiro reexame, ao abrigo do art. 213º CPP, terá lugar a 10/02/18 (3 meses depois).

2 - Os 3 meses contam-se a partir da última reavaliação obrigatória, ou da reavaliação feita ao abrigo do art. 212º CPP?
3 meses a contar desde a última avaliação, e desta maneira que havemos de harmonizar as 2 normas, a 30/06/18 (ao
abrigo do art. 213º CPP).

Tendo havido uma apreciação oficiosa ou a requerimento do Ministério Público ou do arguido ao abrigo do art. 212º
CPP, e decidida que seja a manutenção da prisão preventiva, só 3 meses depois desta decisão é que é obrigatório o
reexame dos pressupostos nos termos do art. 213º CPP, ainda que entre este e o reexame anterior, feito nos termos do
art. 213º CPP, tenham decorrido mais do que os 3 meses - note-se porém que este entendimento não é feito
diretamente a partir da lei, já que esta não é clara. 


Ainda a propósito do princípio da precariedade, é de referir que relativamente a este, em relação ao princípio da
proporcionalidade, resulta ainda a exigência de um estabelecimento de um prazo máximo de duração das medidas de
coação, findo o qual estas se extinguem (art. 215º e 218º CPP), e deste princípio da precariedade resulta ainda a
extinção imediata das medidas de coação quando forem proferidas decisões processuais que infirmem a existência das
exigências processuais de natureza cautelar - decisões que façam crer que as existências processuais de natureza
cautelar já não se fazem sentir (ex.: despacho de arquivamento do inquérito, ou despacho de não pronúncia, ou
sentença de absolvição). Nestes casos, as medidas de coação são extintas.

Todos estes princípios são todos os princípios que presidem às medidas de coação. A matéria das medidas de coação e
dos princípios é muitas vezes questionada.

Continuando ainda nas medidas de coação, já vimos os princípios e vamos agora ver outro ponto - condições de
aplicação das medidas de coação. Quem é que aplica as medidas de coação? Quem é que aplica uma medida de
coação? Só o juiz pode aplicar medidas de coação e isto resulta do art. 194º e do art. 268º/1/b) CPP. Mas temos que
distinguir entre as diversas fases do processo penal, para saber de que modo é que se dá a aplicação das medidas de
coação:

1. Na fase de inquérito, é o juiz de instrução que aplica as medidas de coação a requerimento do Ministério
Público (sim, juiz de instrução está certo 5). E porque é que tem que ser sempre o juiz a aplicar as medidas de

5Basicamente é a designação do nosso código. Podemos ter processos em que não haja fase de instrução e ainda assim haver juiz de instrução - no nosso processo penal o juiz
de instrução cumpre 2 papéis:

1 - Intervém na fase de inquérito sempre que estejam em causa atos que contendam com DLG’s dos cidadãos.

2 - Vai intervir numa fase de instrução se naquele processo for requerida.

Ex.: um processo de tráfico de influências, em que o juiz de instrução aplica prisão preventiva na fase de inquérito (a requerimento do Ministério Público). Depois até deduz mais
tarde acusação, e o arguido requer instrução. Não tem de ser o mesmo juiz, aliás neste caso estaria impedido pelo art. 40º CPP.

E não há nos tribunais uma salinha cheia de juizes de instrução - são os mesmos juizes que fazem o julgamento. Nas comarcas mais pequenas em há apenas 1 juiz, e quando é
requerida a fase de instrução e esse juiz é o juiz de instrução, não pode depois de ser o juiz de julgamento, há os juizes de círculo - juizes itinerantes que andam pelas diversas
comarcas sempre que há necessidade de constituir um tribunal coletivo (2 juizes de fora) -, que vai ter de vir àquela comarca fazer aquele julgamento.

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coação? Porque elas contendem com os direitos, liberdades e garantias do arguido. Então, na fase de inquérito,
quem aplica as medidas de coação é o juiz de instrução que aplica as medidas de coação a requerimento do
Ministério Público.

2. Na fase de instrução, é o juiz de instrução que aplica as medidas de coação a requerimento do Ministério
Público ou oficiosamente, ouvindo sempre o Ministério Público.

3. Na fase de julgamento, quem é que irá aplicar as medidas de coação? O juiz do julgamento. Na fase de
julgamento, quem aplica as medidas de coação é o juiz de julgamento e o juiz de julgamento vai aplicar essas
medidas a requerimento do Ministério Público ou oficiosamente, sendo sempre ouvido o Ministério Público.

Outra questão em relação às medidas de coação, tem-se colocado entre nós a seguinte questão - na fase de inquérito,
o juiz tem de aplicar a medida de coação que é requerida pelo Ministério Público ou poderá aplicar uma medida de
coação diferente da que é requerida? Imaginemos, p. ex., que durante o inquérito o Ministério Público requer a
aplicação de uma caução. Poderá o juiz de instrução aplicar uma prisão preventiva? Está o juiz de instrução vinculado à
medida de coação que lhe é requerida pelo Ministério Público? Na fase de inquérito, é o juiz que aplica as medidas de
coação a requerimento do Ministério Público. O Ministério Público tem que indicar todos os requerimentos para aquela
medida de coação. Mas o juiz pode aplicar uma medida de coação diferente?


Até à revisão de 2007, o CPP não dava resposta a esta questão. Em 2007, o art. 194º CPP foi alterado, tendo passado
a prever-se que, durante o inquérito, o juiz de instrução poderia aplicar medida de coação diferente da requerida pelo
Ministério Público desde que não fosse uma medida de coação mais grave que a requerida. Em 2013, este artigo foi
novamente alterado, estabelecendo-se agora a seguinte distinção:

1. Quando a medida de coação for aplicada com fundamento nas alíneas a) e c) do art. 204º CPP, o juiz pode, durante
o inquérito, aplicar medida de coação diversa, ainda que mais grave que a medida de coação requerida pelo
Ministério Público (art. 194º/2 CPP).

2. Quando a medida de coação é aplicada com fundamento na alínea b) do art. 204º CPP, o juiz pode, durante o
inquérito, aplicar medida de coação diversa da requerida pelo Ministério Público desde que não seja mais grave que
a medida requerida (art. 194º/3 CPP).

Porque é que isto há-de ser assim? MARIA JOÃO ANTUNES e ANABELA RODRIGUES sempre defenderam que sendo o
Ministério Público o dominus do inquérito e, intervindo o juiz de instrução como juiz das liberdades (e não como um juiz
de investigação), a solução coerente seria a de o juiz dever respeitar o pedido feito pelo Ministério Público. Então, o juiz
ou aplicaria a medida requerida pelo Ministério Público ou não a aplicaria mas não deveria poder aplicar uma medida
diferente da requerida pelo Ministério Público. E esta solução seria justificada, também, atendendo aos princípios da
necessidade, da adequação e da proporcionalidade da aplicação das medidas de coação, pois, será o Ministério Público
a entidade que se encontra em melhores condições para avaliar as exigências processuais de natureza cautelar que se
fazem sentir no caso. Além de que a aplicação de uma medida de coação diferente da requerida pelo Ministério Público
pode pôr em causa o desenrolar do plano de investigação traçado pelo próprio Ministério Público. É o Ministério Público

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que sabe qual é o plano de investigação que está traçado. Imaginem que se trata de, p. ex., uma investigação por um
esquema de tráfico de droga e o Ministério Público não requer a prisão preventiva porque tem interesse que aquele
arguido fique em liberdade para ir atrás dele para ir encontrar as demais pessoas; o Ministério Público requereu a
medida de coação “caução” para um líder de um esquema de tráfico de droga e o juiz decide aplicar a medida de
coação “prisão de preventiva” devido à dimensão do esquema de tráfico. Na realidade, o que Ministério Público
pretendia era que o arguido permanecesse em liberdade para que pudesse prosseguir a sua actividade ilícita, tendo
vindo a medida do juiz “atrapalhar” o plano de investigação inicialmente pretendido.

MARIA JOÃO ANTUNES critica, ainda, a incoerência que resulta do atual regime previsto nos nºs 2 e 3 do art. 194º CPP.
Não se percebe que se considere que o Ministério Público é autoridade mais bem posicionada para avaliar a
repercussão que as medidas de coação podem ter nas situações previstas na alínea b) do art. 204º CPP e permitir,
depois, que o juiz de instrução possa aplicar uma medida diferente da requerida, desde que menos grave. Por outro
lado, fica, ainda, em aberto a questão de saber se o juiz de instrução poderá aplicar uma medida de coação mais grave
que a requerida pelo Ministério Público quando o requerimento se fundar não só na alínea b) do art. 204º CPP mas
também em uma das outras alíneas da mesma norma.

De acordo com o que está atualmente descrito na lei, se o requerimento se fundar nas alíneas a) e b) o juiz de instrução pode aplicar
uma medida de coação diferente ainda que mais grave. Se o legislador reconhece que, quando está em causa o decurso do inquérito,
é o Ministério Público que está mais bem posicionado para definir a medida de coação mais adequada, não se percebe como é que
ainda assim porque é que se permite que o juiz de instrução aplique uma medida de coação mais grave. Por outro outro lado, quando o
Ministério Público requer a aplicação de uma medida de coação, pode indicar diversas exigências processuais de natureza cautelar e a
questão está em saber se se indicar a alínea a) e a b), o juiz pode aplicar uma mais grave, ou aquela que foi requerida mais grave?
Estas criticas mostram a incoerência do atual sistema em relação à aplicação das medidas de coação. Muito importante!

Avançando nas medidas de coação, vamos ver mais uma medida de coação particular: características do termo de
identidade de residência, art. 196º CPP.

Quem é que pode aplicar o termo de identidade e residência? O órgão de polícia criminal e a autoridade judiciária (ver
definição do art. 1º CPP). Desde logo, há aqui já uma diferença em relação ao que vimos proceder em relação às outras
medidas de coação - o termo de identidade e residência pode ser aplicado pelo Ministério Público e pelos órgãos de
polícia criminal e trata-se, meramente, da indicação da identificação e da residência da pessoa em questão. A pessoa
presta o termo de identidade e residência e é advertida de todas as condições que estão presentes no art. 196º CPP. O
termo de identidade e residência pode ser aplicada com qualquer outra das medidas de coação previstas no Código. A
regra de que é sempre o juiz que aplica as medidas de coação não vale para uma das medidas de coação - o termo de
identidade e residência. O termo de identidade e residência está previsto no catálogo das medidas de coação mas tem
várias características que o distinguem das outras medidas de coação pelo que podemos questionar se ele será uma
verdadeira medida de coação. Há quem até diga que é uma medida de coação em sentido impróprio.

Quais são essas características que o distinguem das outras medidas de coação?

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1. Enquanto que as medidas de coação têm de ser aplicadas sempre por um juiz, o termo de identidade e residência
pode ser aplicada também pelo Ministério Público ou por um órgão de polícia criminal e isto resulta do art. 196º/1
CPP.

2. Por outro lado, por regra, de acordo com o princípio da necessidade, as medidas de coação só podem ser aplicadas
quando se verificarem as exigências cautelares referidas no art. 204º CPP. Esta regra não vale para o termo de
identidade e residência - nos termos do art. 61º/3/c) e do art. 196º/1 CPP, o termo de identidade e residência é
aplicado a todo aquele que for constituído arguido e a sua aplicação não está sujeita a qualquer dever de
fundamentação (art. 194º/6 CPP).

3. Além disso, o art. 214º/1/e) CPP não determina a extinção do termo de identidade e residência com o trânsito em
julgado da sentença condenatória como acontece com a generalidade das medidas de coação. O termo de
identidade e residência extingue-se apenas com a extinção da pena, ao contrário do que acontece com as outras
medidas de coação.

QUESTÃO DE EXAME - O termo de identidade e residência é uma medida de coação imprópria. Comente.

2 notas:

1. A primeira tem a ver com a distinção de medidas de coação e medidas de garantia patrimonial. As medidas de
coação são diferentes das medidas de garantia patrimonial. O CPP prevê duas medidas de garantia patrimonial - a
caução económica, que está prevista no art. 227º CPP, e o arresto preventivo, art. 228.º CPP. Estas medidas de
garantia patrimonial também se aplicam em função de exigências processuais de natureza cautelar, mas são
exigências diferentes das que justificam a aplicação das medidas de caução. As medidas de garantia patrimonial
destinam-se a assegurar a efetivação de prestações pecuniárias, devidas no âmbito de um procedimento criminal (p.
ex. destinam-se a assegurar o pagamento de uma multa, o pagamento das custas do processo ou o pagamento de
uma eventual indemnização civil). Deste modo, as medidas de garantia patrimonial podem ser aplicadas ao arguido,
mas também à pessoa que for civilmente responsável (ao contrário das medidas de coação que só podem ser
aplicadas aos arguidos). A caução económica, que está prevista no art. 227.º CPP como medida de garantia
patrimonial, não se confunde, por isso, com a caução que está prevista no art. 197º CPP e que é uma verdadeira
medida de coação (art. 227º/5 CPP).

2. Distinção entre prisão preventiva e detenção (aparece muitas vezes nos exames): qual é a diferença? Ora bem,
a detenção é um meio processual privativo da liberdade que consiste num ato material de captura de uma pessoa
que, em certos casos, pode ser realizado pela polícia ou, até, por qualquer outra pessoa. Por isso, a detenção
distingue-se da prisão preventiva (que é uma medida de coação, que só pode ser aplicada por um juiz). As
finalidades da detenção são as referidas no art. 254º CPP. A pessoa detida não tem que ser suspeito nem arguido;
pode deter-se, p. ex., uma testemunha para se assegurar a sua presença no ato processual. Isto resulta do art.
254º/1/b) CPP. Reparem, vimos que as medidas de coação são sempre aplicadas a um arguido. Com a detenção,
não se passam as coisas dessa maneira; pode deter-se um arguido mas também um suspeito e até uma
testemunha.

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1. Quanto à questão de saber quem é que pode deter um cidadão, é preciso atender à distinção entre
detenção em flagrante delito (art. 255º e 256º CPP) e a detenção fora de flagrante delito (art. 257º
CPP) e, no caso de detenção em flagrante delito, há, também especificidades, no caso dos crimes semi-
públicos e nos casos dos crimes particulares. Quando o crime é semi-público, a detenção efetua-se mas só
se mantém se o titular do direito de queixa o exercer (art. 255º/3 CPP). Quando o crime é particular, não há
lugar à detenção em flagrante delito. Se o crime for particular, nunca pode haver detenção em flagrante
delito. Há apenas lugar à identificação do infractor (art. 255º/4 CPP).

Aula 10 - 22/05/18

10 - MEIOS DE PROVA VS MEIOS DE OBTENÇÃO DA PROVA

Terminado este percurso pelas medidas de coação, vamos avançar e vamos estudar, nas aulas de hoje, os meios de
prova e os meios de obtenção de prova.

No Código de Processo Penal, há uma distinção de meios de prova e meios de obtenção de prova. Vamos ver quais
são os meios de prova.

Meios de prova Meios de obtenção da prova

Prova Testemunhal (arts. 128º e ss. CPP) Exames das pessoas, dos lugares e das coisas (arts. 171º e ss.
CPP)

Declarações do arguido, do assistente e das partes civis (arts. Revistas às pessoas e às buscas aos locais (arts. 174º e ss.
140º e ss. CPP);
CPP)

Prova por acareação (art. 146º CPP) Apreensões (art. 178º e ss. CPP)

Prova por reconhecimento (arts. 147º e ss. CPP) Escutas telefónicas (art. 187º e ss. CPP)

Reconstituição do facto (art. 150º CPP)

Prova pericial (arts. 151º e ss. CPP)

Prova documental (arts. 164º e ss. CPP)

Qual é a diferença entre um meio de prova e um meio de obtenção de prova? A própria designação o indica - faz-se
uma busca na casa do arguido e encontra-se lá um documento. Meio de prova é o documento e a busca é o meio de
obtenção. Os meios de prova são aqueles que vão servir de base ao convencimento do juiz; os meios de
obtenção de prova são os meios mediantes os quais as autoridades judiciárias vão obter os meios de prova.

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Ora bem, o art. 125º CPP estabelece o princípio da legalidade da prova que significa que são admissíveis as provas
que não forem proibidas por lei, e o art. 126º CPP refere-se aos métodos proibidos de prova. Em relação aos
métodos proibidos de prova, temos que ter em consideração, também, o disposto no art. 32º/8 e 34º CRP.

Um outro princípio muito importante em matéria da prova é o princípio da livre apreciação da prova que está
estabelecido no art. 127º CPP (muitas vezes questionado nos exames). Significa que a prova é apreciada, segundo as
regras da experiência e a livre convicção da entidade competente. Não vale, por isso, entre nós o sistema da prova
legal. Segundo este sistema, é o próprio legislador que estabelece o valor a atribuir a cada meio de prova, isto é, há
regras legais que determinam o valor da prova. Entre nós, não vale este sistema da prova legal mas sim o princípio da
livre apreciação da prova. E o que significa o princípio da livre apreciação da prova? Pela negativa, acabámos de ver
que este princípio significa a a ausência de critérios legais, pré-determinados do valor a atribuir à prova. E qual é o
significado positivo do princípio da livre apreciação da prova? A apreciação da prova, de acordo com a livre convicção
do julgador, não significa que tal apreciação seja uma apreciação imotivável ou incontrolável. Esta liberdade do juiz não
é uma liberdade subjetiva. A apreciação da prova tem de ser racionalizável, explicável, motivável e motivada para se
impôr à generalidade das pessoas e, designadamente, ao arguido. O arguido tem que compreender sentido das várias
decisões que o afetam, sobretudo, se se tratar de uma decisão de condenação. Costuma dizer-se que esta liberdade na
apreciação da prova é uma liberdade exercida de acordo com um dever, o dever de perseguir a verdade material - e por
isso a decisão do juiz tem de ser sempre fundamentada. Tem de se dizer, nas decisões, quais foram as provas que
conduziram àquela decisão. Tem de haver a indicação das provas que conduziram àquela decisão. Isto resulta dos arts.
365º/3, 374º/2 CPP e 375º/1 CPP que se referem à deliberação e votação da sentença, estabelecendo que cada juiz
tem de indicar os meios de prova que serviram para tomar a sua decisão. Estas normas falam-nos da fundamentação
da sentença, estabelecendo que têm de ser invocadas as provas que fundamentam a decisão e, por sua vez, o art.
379º/1/a) CPP culmina/estabelece a nulidade da sentença se ela não cumprir os requisitos do art. 374º/2 CPP.

O principio da livre apreciação da prova vale, em geral, no nosso processo penal, para todo o domínio da prova
produzida. Há, no entanto, situações em que se verificam limitações a este princípio.

O princípio é de que a entidade competente aprecia livremente a prova de acordo com as regras da experiência e a sua livre convicção
da entidade competente. E o que perguntamos foi o seguinte - o que significa isto do juiz apreciar livremente a prova segundo as suas
regras da experiência ou da livre convicção? O princípio da livre apreciação da prova pode ser encarada de dois sentidos: de um
sentido negativo, nós não temos regras a definir um valor às provas; de um sentido positivo, o juiz não aprecia da forma como quiser.
Por isso é que dizemos que a decisão tem de ser motivável, e a decisão tem de ser sempre fundamentada. E o art. 379º CPP diz que a
sentença é nula, se não forem apresentadas as provas que sustentam a sua fundamentação.

Imaginemos que temos duas testemunhas, e uma delas diz que o arguido é o culpado e o outro diz que estava de férias
com o arguido, num local distante. Temos duas testemunhas e cada uma delas apresenta duas versões. Qual das
versões vai prevalecer? Livre apreciação do juiz. O juiz vai apreciar livremente a prova, atentando a pequenas
contradições. Mas, depois, quando for decidir, ele tem que decidir que decide neste sentido baseando-se no que disse A
testemunha A e que não foi credível o que disse a testemunha F.

Esta matéria é muitas vezes questionada e os limites a este princípio que é o que vamos ver a seguir. Estivemos a ver o
art. 127º CPP - “salvo quando a lei dispuser diferentemente”. E aqui, fazemos desde já uma referência para aquelas
limitações de que vamos falar a seguir. Em que casos é que não vale a tal ideia de livre apreciação da prova?

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1. Prova testemunhal (art. 128º e ss CPP) - em relação à prova testemunhal, o princípio da livre apreciação da prova
vale inteiramente. Entre nós, só vale o testemunho direto, ou seja, para que estejamos verdadeiramente perante
uma testemunha, é necessário que essa pessoa tenha conhecimento direto dos factos. Isto resulta do art. 128º/1
CPP. Por isso, o testemunho de “ouvir dizer” não pode ser valorado pelo juiz. Em relação a este testemunho de
“ouvir dizer”, não vale o princípio da livre apreciação da prova. O CPP estabelece, aqui, uma proibição de valoração
da prova. O que o juiz deve fazer é chamar as pessoas a quem se ouviu dizer para que prestem depoimento. Mas
nos termos do art. 129º/1 CPP, o juiz já poderá valorar o testemunho de “ouvir dizer” quando não for possível a
inquirição das outras pessoas por i) morte, ii) anomalia psíquica superveniente, iii) impossibilidade de serem
encontradas. Mas, já haverá uma proibição de valoração absoluta se quem depõe se recusar ou não estiver em
condições de indicar a pessoa ou a fonte através das quais tomou conhecimento dos factos.

2. Declarações do arguido (art. 143º CPP) - o arguido tem o estatuto de sujeito processual. Ele é titular de um
conjunto de direitos e deveres. Isto resulta dos arts. 60º e 61º CPP. Mas o arguido pode ser, também, sujeito a
diligências de prova [art. 61º/3/d) CPP]. E as próprias declarações do arguido constituem um meio de prova. E
quanto às declarações do arguido, temos que fazer uma distinção entre 2 tipos de declarações:

1. As declarações do arguido sobre a sua identidade - quanto à sua identidade, qual é o regime? O
arguido tem o dever de responder e de responder com verdade às perguntas sobre a sua identidade [art.
61º/3/b) CPP, art. 143º/3 CPP, art. 342º CPP]. Se não responder com verdade, pode o arguido incorrer no
crime de falsas declarações (art. 359º/2 CP).

2. As declarações do arguido quanto aos factos: quando o arguido é questionado quanto aos factos, ele
pode ter 1 de 3 comportamentos:

1. Ele pode negar os factos - qual é o regime da negação dos factos? Quando o arguido nega
os factos, vale, inteiramente, o princípio da livre apreciação da prova do julgador. Se a
negação dos factos for uma mentira, não há qualquer responsabilização do arguido. O
arguido, diferentemente do que acontece com as testemunhas, não tem o dever de responder
com verdade às questões que lhe são colocadas sobre os factos. A testemunha tem o dever
de responder com verdade (art. 132º/1/d CPP) e a testemunha tem de prestar juramento (art.
132º/1/b) e d) CPP). Por sua vez, o arguido não presta juramento em caso algum (art. 140º/3
CPP). Não podemos dizer que o arguido tenha direito a mentir - ele não tem é um dever de
colaboração com a administração da justiça. Ele não tem um dever de falar a verdade sobre
os factos. Ora, reparem - às vezes os alunos dizem isto e está errado, a legislação não
confere ao arguido um direito de mentir, mas ele não será responsabilizado se mentir. O que
não existe é um dever de ajudar na descoberta de verdade, não recai um dever de
colaboração com a administração da justiça. O arguido pode negar os factos e, quando ele
nega, o juiz vai apreciar livremente as declarações desse arguido.

2. Ele pode confessar os factos - qual é o regime da confissão dos factos? Em audiência de
julgamento, o arguido pode optar por dizer a verdade, confessando os factos. O nosso CPP

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admite a confissão como meio de prova mas a confissão tem um valor diferente, conforme a
gravidade do crime em causa (art. 344º CPP).

1. Deste modo, tratando-se de um caso de pequena ou média criminalidade, isto é, se


for um crime punível com pena de prisão não superior a cinco anos, e sendo a
confissão livre, integral e sem reservas, tal confissão vale só por si como meio de
prova e tem os efeitos previstos no art. 344º/2 CPP. Que efeitos são esses? i) não se
produz mais prova, ii) os factos dão-se como provados, iii) passa-se de, imediato,
para a fase das alegações orais, iv) a taxa de justiça é reduzida a metade. Neste
caso, tratando-se de um caso de pequena e média criminalidade, há uma limitação
ao princípio da livre apreciação da prova. Se houver uma confissão integral e sem
reservas, os factos dão-se como provados. Porém, esta consequência ou este efeito
só tem lugar se a confissão for livre. E quando o juiz aprecia o caráter livre da
confissão, vale o princípio da livre apreciação da prova quando o juiz vai apreciar
livremente se aquela confissão é livre ou não. Por isso, nós podemos concluir que,
afinal, só aparentemente há uma limitação ao princípio da livre apreciação da prova
quando o arguido confessar a prática de um crime punível.

2. Nos demais casos previstos no art. 344º/3 e art. 344º/4 CPP, vale, inteiramente, o
princípio da livre apreciação da prova.

3. Ele pode nada dizer quanto aos factos, remetendo-se ao silêncio - o arguido pode nada
dizer quanto aos factos que lhe são imputados. O arguido tem direito ao silêncio,
expressamente afirmado no art. 61º/1/c) CPP. E este direito ao silêncio é novamente afirmado
nas normas que se referem ao julgamento no art. 343º/1 e art. 345º CPP. Esta última norma
estabelece que o arguido pode, espontaneamente, ou por recomendação do seu defensor,
recusar a resposta a algumas ou a todas as perguntas. Por isso, o silêncio pode ser total ou
parcial. Quanto aos factos, o arguido não tem o dever de colaborar com a justiça e não é pelo
facto de ele nada dizer que ele vai incorrer em responsabilidade criminal. Em processo penal,
quem cala não consente. Se o arguido optar pelo direito ao silencio, não vai valer o princípio
da livre convicção do julgador na apreciação da prova. Está estabelecido, no CPP, que o
silêncio do arguido nunca pode ser valorado contra ele. Isto resulta, como vimos, do art. 343º
e art. 345º. O juiz não pode depreender do silêncio a culpa. Isto, sim, é um verdadeiro limite à
apreciação da prova.

3. A prova pericial (arts. 151º e ss. CPP) - a prova pericial tem lugar quando a percepção ou a apreciação dos factos
exigirem especiais conhecimentos técnicos, científicos ou artísticos. Isto está no art. 151º CPP. Por exemplo, numa
ação de responsabilidade médica. Houve uma intervenção médico-cirúrgica e o paciente morreu. Está em causa
saber se houve um homicídio por negligencia. O juiz ou os advogados sabem lá se, no caso concreto, o médico
seguiu ou não o procedimento correcto; tem de se chamar ao processo um perito médico para este, no seu relatório,
qual eram as regras da arte e dizer se naquele caso concreto aquele médico seguiu ou não o procedimento.
Exigem-se especiais conhecimentos científicos que o juiz não possui. Nos termos do art. 163º CPP, o juízo técnico,

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José Ferreira - Ano Letivo 2017/2018

científico ou artístico inerente à prova pericial presume-se subtraído à livre convicção do julgador. Vale, por isso,
aquilo que o perito dizer na sua perícia. Aqui está presente uma limitação ao princípio da livre apreciação da prova.
O art. 163º/2 CPP estabelece, no entanto, que o juiz pode divergir do juízo apresentado pelo perito desde que
fundamente a divergência. Isto pode acontecer, p. ex., se houver um erro notório6 na perícia. Ou, então, se o próprio
juiz também for perito na matéria. Reparem - não é o perito que decide se o arguido é culpado ou inocente, isto é
um juízo jurídico. O perito vem apenas dizer o que devia ter sido feito e se isso foi feito ou não no caso concreto.

11 - PROBLEMA DA ALTERAÇÃO DOS FACTOS E DA ALTERAÇÃO DA QUALIFICAÇÃO JURÍDICA DOS FACTOS

Alteração dos factos é diferente da alteração da qualificação jurídica dos factos. No caso de alteração da
qualificação jurídica dos factos, os factos são os mesmos. O que há é uma alteração da sua qualificação
jurídica. Uma coisa é haver alteração dos factos, outra coisa é os factos serem os mesmos e o Ministério Público
entender que perante aqueles factos estamos perante um homicídio simples, mas o juiz de instrução entender que
aqueles mesmos factos servirem para estarmos perante um homicídio qualificado. Uma coisa é alteração de factos e
outra é a alteração da qualificação jurídica dos mesmos factos.

E vamos começar por ver o regime da alteração dos factos. A alteração dos factos pode ser uma alteração substancial
ou uma alteração não substancial. Quando é que ela é uma alteração substancial? Onde está a resposta? O CPP dá-
nos a resposta no art. 1º/f), estabelecendo que a alteração substancial dos factos é aquela que tiver, por efeito, a
imputação ao arguido de um crime diverso ou, então, que tiver por efeito a agravação dos limites máximos das
sanções aplicáveis. Assim, sempre que a alteração dos factos conduzir a que o comportamento se subsuma a um tipo
legal de crime que tenha um limite máximo da moldura penal mais elevado, então, estaremos perante uma alteração
substancial dos factos.

A questão da alteração dos factos pode colocar-se no final do inquérito, na instrução ou no julgamento.

Alteração não substancial Alteração substancial

Final do inquérito art. 284º/1 e 285º/4 CPP a) Crimes públicos ou semi-públicos -


art. 284/1 e 311º/2/b) CPP
b) Crimes particulares - art. 285º/4 e
311º/2/b) CPP

Instrução art. 303º/1 CPP arts. 303º/3 e 4 e 309º CPP

Julgamento art. 358º/1 CPP arts. 359º e art. 379º/1/b) CPP

6 Quando no relatório se diz que A = B e se conclui com A ≠ B.

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Aula 11 (extra) - 23/05/18

O que é que acontece em relação à alteração dos factos no final do inquérito? Quando nos encontramos no final do
inquérito, temos de distinguir conforme se trata de um crime público ou semi-público, por um lado; ou de um crime
particular por outro lado.

1. Qual é o regime se o crime for público ou semi-público? Nos crimes públicos e semi-públicos, quem deduz acusação
é o Ministério Público. O assistente pode acompanhar a acusação do Ministério Público, acusando pelos mesmos
factos, por parte deles ou por outros que não importem uma alteração substancial daqueles (art. 284º/1 CPP). Se o
assistente pretender que o arguido seja julgado por factos que importem uma alteração substancial dos factos
acusados pelo Ministério Público, a única coisa que ele pode fazer é requerer a abertura de instrução. O arguido
pode requerer a abertura de instrução em relação aos factos acusados e o assistente pode requerer a abertura de
instrução em relação aos factos que não foram deduzidos na acusação, na expectativa de que o juiz profira um
despacho de pronúncia sobre aqueles factos.

2. Se se tratar de um crime particular, qual é o regime? Nos crimes particulares, quem deduz a acusação é o
assistente. Neste caso, o Ministério Público pode acompanhar a acusação particular, acusando pelos mesmos
factos, por parte deles ou por outros que não importem uma alteração substancial daqueles. O Ministério Público
não pode, então, acusar por factos que importem uma alteração substancial dos factos da acusação particular (art.
285º/4 CPP). Nos termos do art. 311º/2/b) CPP, o juiz de julgamento não aceita a acusação do assistente ou do
Ministério Público na parte em que ela representar uma alteração substancial dos factos, nos termos do art. 284º/1 e
do art. 285º/4.

O que é que acontece na fase de instrução? No processo penal, pode haver fase de instrução e o problema da
alteração dos factos pode colocar-se também nesta fase. A pergunta é - quais são as peças processuais que fixam os
poderes de cognição do juiz de instrução? Depende, os poderes de cognição do juiz de instrução nem sempre são os
mesmos. Temos de distinguir situações diferentes.

1. Se tiver havido uma acusação do Ministério Público e/ou do assistente, os poderes de cognição do juiz de instrução
são delimitados pelo despacho de acusação e pelo requerimento de abertura de instrução.

2. Se no final do inquérito tiver havido um arquivamento, então, os poderes de cognição são fixados apenas pelo
requerimento de abertura de instrução. O juiz de instrução vai ver se houve, há ou não indícios se houve prática de
factos de furto. O juiz de instrução fica vinculado ao que é dito no requerimento para abertura de instrução.

Quando se coloca na fase de instrução o problema da alteração dos factos, temos de ter em atenção que o regime da
alteração não substancial está no art. 303º/1 CPP. Se se tratar de uma alteração substancial dos factos, o regime é o
que está previsto no art. 303º/3 e 4 com a consequência prevista no art. 309º CPP.

Se durante a instrução se der uma alteração não substancial dos factos (homicídio foi às 9h e não às 9h10), o que
acontece é que se dá um novo prazo de preparação para a defesa ao arguido se ele o requer.

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Mas se for uma alteração substancial dos factos, se durante a instrução, surgir um facto novo que importe a alteração
substancial dos factos acusados, o juiz de instrução não pode pronunciar sobre esse facto novo, nem prova a extinção
da instância. O juiz tem de pronunciar, desconsiderado aquele facto novo. Mas se forem automatizáveis, o juiz comunica
ao Ministério Público para ele abrir um novo processo.

Se não for requerida a abertura de instrução, a peça processual que delimita e fixa os poderes de cognição do juiz de
julgamento é, nos crimes públicos e semi-públicos, a acusação do Ministério Público acompanhada, ou não, pela
acusação do assistente. E, nos crimes particulares, a peça processual que fixa os poderes do juiz de julgamento é a
acusação do assistente, acompanhada ou não pelo Ministério Público. O art. 358º CPP fala-nos do regime da alteração
não substancial dos factos na fase de julgamento, e o art. 359º CPP estabelece o regime da alteração substancial dos
factos com a consequência previsto no art. 379º/1/b) CPP.

Se for uma alteração não substancial dos factos, na fase de julgamento, concede-se ao arguido tempo para preparação
da defesa se ele assim requerer.

Se for uma alteração substancial dos factos, o juiz de julgamento não pode condenar por factos que importem uma
alteração substancial dos factos que estavam na acusação ou na pronúncia. Só se os factos forem automatizáveis é
que o juiz de julgamento comunica ao Ministério Público. Mas há aqui uma ressalva: então, descobriu-se um facto novo
que importa uma alteração substancial dos factos; à partida, o juiz de julgamento não pode condenar por esse facto
novo, exceto se todas as partes processuais concordarem. Se eles não concordarem, ele só condenar pelos factos que
constavam do objeto do processo.

Caso Prático nº3

O Ministério Público deduziu acusação contra A pela prática de um crime de furto simples (art. 203º/1 CP - punível com
pena de prisão até 3 anos) porque não tomou em consideração que a coisa furtada tinha um valor elevado.

a) O que deverá fazer o ofendido para que A seja julgado pela prática de um crime de furto qualificado, previsto no art.
204º/1/a) CP e punível com pena de prisão até 5 anos?

b) Imagine, agora, que perante a acusação por furto simples, o arguido requereu a abertura de instrução e só durante o
debate instrutório, o juiz de instrução tomou conhecimento de que a coisa furtada tinha um valor elevado. Poderá o juiz
de instrução pronunciar o arguido pelo crime de furto qualificado?

Resolução:

a) Primeira coisa que tem sempre de se identificar: identificar o problema. É um caso de alteração dos factos ou da
alteração jurídica dos factos? É um caso de alteração substancial dos factos [art. 1º/f) CPP]. Estamos aqui perante um
problema de alteração substancial dos factos porque a moldura penal do furto qualificado é mais grave do que a
moldura penal do furto simples. O ofendido, enquanto tal, nada poderia fazer porque ele é um mero participante

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processual. Se ele quiser intervir ativamente no processo, terá de se constituir assistente nos termos do art. 68º/1/a)
CPP. O furto simples é um crime semi-público, por isso, quem deduziu a acusação foi o Ministério Público (art. 49º CPP)
e o assistente pode acompanhar. O assistente pode acompanhar a acusação do Ministério Público, acusando pelos
mesmos factos, por parte deles ou por outros que não importem uma alteração substancial daqueles (art. 284º/1 CPP).
Deste modo, o assistente não poderia, através da sua acusação, introduzir aquele facto novo no processo porque o
facto importava uma alteração substancial dos factos. Por isso, a única coisa que ele poderia fazer era requerer a
abertura de instrução, ao abrigo do art. 287º/1/b) CPP, na expectativa de que o juiz de instrução profira um despacho de
pronúncia por furto qualificado e não por furto simples.

b) Neste caso, quais são as peças processuais que delimitam o poder de cognição do juiz de instrução? Como se tratou
de uma instrução requerida pelo arguido, em princípio, este requerimento não deve ter alargado o objeto do processo,
por isso, a peça processual que vai delimitar os poderes do juiz de instrução será a acusação do Ministério Público e o
art. 303º/3 CPP dispõe que o juiz de instrução não pode ter em conta uma alteração substancial dos factos descritos na
acusação ou no requerimento para abertura de instrução nem para efeitos de pronúncia nem para efeitos de extinção da
instância. Atualmente, a comunicação da alteração dos factos ao Ministério Público, para que este abra um inquérito
quanto a eles, só pode ocorrer nos casos em que os factos novos forem autonomizáveis em relação ao objeto do
processo (art. 303º/4 CPP). Assim, no nosso caso prático, ainda que durante a instrução, o juiz de instrução descubra
que a coisa furtada tem um valor elevado, a única coisa que o juiz de instrução poderá fazer é pronunciar por furto
simples. No fundo, o juiz tem de fingir que não descobriu aquele facto novo, não pode considerar aquele facto novo. O
art. 309º do CPP comina/estabelece a sanção da nulidade na hipótese de haver uma pronúncia sobre factos que
alterem substancialmente os factos referidos na acusação e/ou no requerimento para a abertura de instrução.

Caso Prático nº4

Da prova produzida em julgamento, resultou que o arguido A violou a assistente B (art. 164º/1 CP) nos termos descritos
no despacho de acusação, tendo resultado ainda que B ficou grávida em consequência daquele crime de violação.

Sabendo que este resultado, que é a gravidez, não constava do despacho de acusação e, tendo em conta o disposto no
art. 177º/5 CP, diga que decisão deverá tomar o juiz de julgamento.

Resolução:

A gravidez resultante da violação foi um facto que só se descobriu durante a audiência do julgamento. E qual é a
decisão que deve tomar o juiz? Deve o juiz condenar, tendo em conta a moldura penal do art. 164º CP, ou deverá
considerar a moldura penal aumentada em metade, nos termos do art. 177º CP?

Este caso é um caso de alteração substancial os factos, art. 1º/f) CPP, porque há uma agravação da moldura penal
aplicável (porque quando fazemos uma alteração da qualificação jurídica dos factos, os factos vão ser os mesmos mas
vamos enquadrá-los noutro tipo legal de crime). E encontramo-nos na fase de julgamento. Neste caso, qual é a peça
processual que fixa os poderes do juiz de julgamento? A peça processual que fixou os poderes do juiz de julgamento foi

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a acusação do Ministério Público. Então, tratando-se de uma alteração substancial dos factos, os novos factos não
podem ser tomados em conta pelo tribunal para efeitos de condenação no processo em curso nem implicam a extinção
da instância (art. 359º/1 CPP). Por isso, o juiz não podia ter em consideração a agravação da pena prevista no art. 177º/
5 CP. Também na fase de julgamento, a comunicação da alteração dos factos ao Ministério Público, para que este abra
inquérito quanto a eles, só poderá ocorrer nos casos em que os novos factos forem autonomizáveis (art. 359º/2 CPP).

Porém, se o Ministério Público o arguido e o assistente estiverem de acordo, o julgamento poderá continuar mesmo em
relação aos novos factos (art. 359º/3 CPP). Havendo acordo dos vários sujeitos processuais para a continuação do
julgamento em relação aos novos factos, o arguido poderá requerer um prazo para preparar a sua defesa (art. 359º/4
CPP). Claro que, permitir-se que o julgamento continue em relação a estes factos novos, nos termos do art. 359º/3 CPP
é, ou constitui, uma violação do princípio da acusação porque vamos ter o mesmo juiz a investigar e a julgar aquele
facto novo mas esta possibilidade é permitida porque há o acordo de todos os sujeitos processuais e estão aqui
presentes, também, razões de celeridade processual.

O art. 379º/1/b) CPP estabelece a nulidade da sentença que condenar por factos diversos dos descritos na acusação ou
na pronúncia, fora das situações previstas no art. 359º CPP.

Caso Prático nº5

O Ministério Público acusou A pela prática de um crime pela violação contra B (art. 164º/1 CP). Mais tarde, veio a
descobrir-se que, além de ter violado B, A também lhe furtou uma jóia valiosa (art. 204º CP).

a) Imagine que essa descoberta se deu na fase de instrução. Poderá o juiz de instrução pronunciar o arguido, também,
pelo crime de furto qualificado do art. 204º CP?

b) Imagine, agora, que essa descoberta se deu na fase de julgamento. Poderá o juiz condenar o arguido pelo crime de
violação E pelo crime de furto qualificado?

Resolução

a) Enquadramento do problema - alteração substancial dos factos na fase de instrução [art. 1º/f) + art. 303º CPP]. O
juiz de instrução pode ou não ter em conta este facto novo, do furto da jóia? Não pode. Nos termos do art. 303º/3
CPP, o juiz de instrução não pode ter em conta esta alteração substancial dos factos. Mas neste caso, trata-se de
factos autonomizáveis ou não? O furto da jóia é um facto que se pode extrair deste processo para um
processo autónomo? Trata-se de factos autonomizáveis, por isso, o juiz de instrução comunicará a alteração dos
factos ao Ministério Público para que este abra inquérito quanto a eles (art. 303º/4 CPP).

b) E se já estivéssemos na fase de julgamento? E se só descobrisse o furto da jóia na fase de julgamento? Poderia o


juiz de julgamento condenar pelo crime de violação e pelo furto da jóia? Neste caso, trata-se de uma alteração
substancial dos factos na fase de julgamento [art. 1º/f) e art. 359º CPP]. Pode o juiz condenar também pelo furto

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qualificado ou não? Não pode. Tratando-se de uma alteração substancial dos factos, a regra é a de que os novos
factos não podem ser tidos em conta pelo tribunal (art. 359º/1 CPP) mas, como neste caso prático, os factos são
autonomizáveis em relação ao objecto do processo, então, o juiz comunicará a alteração dos factos ao Ministério
Público para que este abra inquérito quanto a eles (art. 359º/2 CPP). Mas se o arguido, o Ministério Público e o
assistente estiverem de acordo quanto ao julgamento pelos novos factos, o julgamento poderá prosseguir e o
arguido vir a ser condenado pela violação e pelo furto qualificado (art. 359º/3 CPP). Pode ser possível - reparem, o
acordo não faz qualquer sentido, não fará sentido equacioná-lo, quando os factos não sejam autonomizáveis. Ora se
a prova for óbvia e se o arguido achar que não tem como se furtar ao crime de furto, ele poderá concordar com o
processo para ganhar tempo para a preparação da defesa contra o crime de furto e termina-se logo ali o acordo. Faz
sentido haver acordo quando os factos são autonomizáveis.

Caso Prático nº6

O Ministério Público acusou A da prática de um crime de furto de um computador da marca HP no valor de €1.000 no
dia 11 de Maio.

a) O arguido requereu a fase de instrução e, nesta fase, descobriu-se que o computador furtado, afinal, era da marca
Toshiba no valor de €1.100. Poderá o juiz de instrução pronunciar o arguido pelo furto do computador da marca
Toshiba?

b) E se este facto se tivesse descoberto na audiência de julgamento? Qual seria a consequência desta descoberta?

Resolução:

Enquadramento - alteração não substancial dos factos [art. 1º/f) CPP]. Não importa a imputação de um crime diverso
ao arguido nem a imputação de uma moldura pena diversa ao arguido.

a) Na fase de instrução, qual é a norma aplicável para a alteração não substancial dos factos? O art. 303º/1 CPP - o
processo segue, descobrindo-se este facto novo na fase de instrução, mas, antes da pronúncia, o juiz concede ao
arguido um prazo para preparação da defesa se este o requerer (art. 303º/1 CPP). O juiz de instrução pode
pronunciar pelo furto de um Toshiba. Porém, neste caso, não se vai aplicar a nulidade do art. 309º CPP, pois esta
norma apenas se aplica em caso de alteração substancial dos factos.

b) Na fase de julgamento, o juiz comunica a alteração ao arguido e, se ele o requerer, concede-lhe tempo para
preparação da defesa (art. 358º/1 CPP). E a alteração dos factos não requer cuidados especiais se ela resultar de
factos alegados pela própria defesa (art. 358º/2 CPP). E se for violado o disposto no art. 358º/1 CPP, tem aplicação
o disposto no art. 379º/1/b), ou seja, a sentença será nula.

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Caso Prático nº7

O Ministério Público deduziu acusação contra A pela prática de um crime de homicídio privilegiado contra B, seu pai. O
homicídio privilegiado está previsto no art. 133º CP e prevê uma pena de prisão de 1 a 5 anos. O Ministério Público
entendeu que o arguido atuou movido por compaixão.

Na audiência de julgamento, à luz dos factos constantes da acusação do Ministério Público, e dados como provados no
julgamento, o juiz considerou, afinal, que, aquela morte, foi produzida em circunstâncias que revelam uma especial
perversidade/censurabilidade.

a) Poderá o tribunal condenar A por homicídio qualificado, punível com uma pena de prisão de 12 a 25 anos nos termos
do art. 132º/2/a) CP?

b) Imagine, agora, que o processo está ainda na fase de instrução e que é o juiz de instrução que pretende pronunciar A
pelo homicídio qualificado.

Resolução:

Enquadramento - alteração da qualificação jurídica dos factos. Partindo dos factos que estão na acusação, o juiz
entende que aquilo não é um homicídio privilegiado mas sim um homicídio qualificado.

a) Este é um caso de alteração da qualificação jurídica dos factos. Os factos são os mesmos, a sua qualificação
jurídica é que é diferente. E, nos termos do art. 358º/3 CPP, em caso de alteração da qualificação jurídica dos factos,
na fase do julgamento, o juiz concede ao arguido um novo prazo para defesa se este o requerer. Este é o regime na
fase de julgamento. Ou seja, o regime da alteração da qualificação jurídica dos factos acaba por ser igual da
alteração não substancial dos factos.

b) E se nos encontrarmos na fase de instrução? Nos termos do art. 303º/5 CPP, se a alteração da qualificação jurídica
se der durante a fase de instrução, o juiz concede ao arguido um prazo para preparação de defesa se este o
requerer. Ou seja, o regime da alteração da qualificação jurídica dos factos acaba por ser igual da alteração não
substancial dos factos.

Nota: é muito importante enquadrarmos logo bem os factos, depois, é só aplicarmos a normas que estão na norma do CPP.

Quer no caso que se trate da alteração substancial dos factos durante a fase de instrução ou durante o julgamento, o regime atual é
incompreensível. Não se percebe que se descubra em julgamento que a coisa tenha um valor elevado e que o juiz só possa
condenar em furto simples. E antes de 2007, isto não acontecia. Quando se descobria um facto novo que constituísse uma
alteração substancial do facto, o processo parava e era tudo remetido para o Ministério Público. Os factos só são enviados para
o Ministério Público se eles foram autonomizáveis. Se não forem, não são remetidos para o Ministério Público. Mas na prática,
podemos ter condenação de arguidos por crimes que não cometeram, mas outros mais graves.

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Aula 12 - 29/05/2018

12 - JULGAMENTO NA AUSÊNCIA

Vamos dar umas noções breves do julgamento na ausência.

1. No CPP de 1987, a versão originária deste Código, consagrou-se a regra de obrigatoriedade de presença do arguido
na audiência com pequenos desvios.

2. Em 1997, houve uma alteração da CRP que passou a permitir, expressamente, o julgamento na ausência no art.
32º/6 CRP.

3. E, com a reforma do CPP de 1998, abriu-se a porta ao julgamento na ausência. A grande novidade de 1998 foi a
obrigatoriedade de o arguido prestar termo de identidade e residência - . Desde 1998, no que diz respeito ao
julgamento na ausência, o que importa é distinguir se o arguido prestou, ou não, termo de identidade e residência.
Nos termos do art. 196º/1 CPP, a autoridade judiciária ou os órgãos de polícia criminal sujeitam a termo de
identidade e residência todo aquele que for constituído arguido. E, sobre o arguido, intende o dever de prestar termo
de identidade e residência [art. 61º/1/c) CPP] e do termo de identidade e residência, consta a possibilidade de o
arguido ser julgado na ausência [art. 196º/3/d) CPP].

4. Atualmente, o art. 332º CPP estabelece a obrigatoriedade de presença do arguido na audiência, permitindo-
se, todavia, em situações muito alargadas o julgamento na ausência. Hoje, nos termos do art. 333º CPP, o
arguido pode ser julgado na ausência logo na primeira data, marcada para a audiência de julgamento, isto é,
pode ser julgado na ausência logo na primeira falta, desde que ele tenha sido regularmente notificado no
despacho que designa a data de audiência.

Agora, a questão é saber quando é que se considera que o arguido foi regularmente notificado. E quando é que se
considera que o arguido foi regularmente notificado? A esta questão, responde-nos o art. 313º CPP. O art. 313º/3 CPP
prevê o despacho que designa o dia para a audiência e o arguido pode ser julgado, na ausência, sempre que tiver sido
regularmente notificado desse despacho. E o art. 313º/3 CPP estabelece o modo como o despacho que designa dia
para a audiência deve ser notificado ao arguido e esta norma remete-nos para o art. 113º CPP.

1. Nos termos do art. 113º/1/a) CPP, a notificação pode ser por contacto pessoal.

2. Nos termos do art. 113º/1/b) CPP, a notificação pode ser feita por via postal registada.

3. Nos termos do art. 113º/1/c) CPP se o arguido tiver prestado termo de identidade e residência, ele pode ser
notificado por via postal simples.

Em qualquer destas 3 situações, considera-se que o arguido foi regularmente notificado e, como tal, ele poderá ser
julgado na ausência. E a possibilidade de notificação por via postal simples veio facilitar as coisas mas é certo, porém,

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que no limite, pode haver situações em que alguém está a ser julgado na ausência sem saber (p .ex., se tiver havido um
extraído no correio). Porém, os arts. 333º e art. 334º CPP prevêem um conjunto de regras que pretende assegurar um
efetivo direito de defesa dos arguidos julgados na ausência7 .

Declaração de contumácia

E a declaração de contumácia, o que é? É um mecanismo de desmotivação da falta do arguido à audiência do


julgamento, estando previsto nos arts. 335º e ss CPP. A declaração de contumácia aplica-se nos casos em que
o arguido não tenha prestado termo de identidade e residência, e não tenha sido possível notificá-lo do dia da
audiência por via postal registada nem por contacto pessoal, não sendo possível detê-lo nem prendê-lo
preventivamente para que ele pudesse estar presente. Num caso como este, o arguido vai ser notificado por editais
para se apresentar ao processo no prazo de 30 dias, sob pena de ser declarado contumaz (art. 335º/1 CPP).

E quais são os efeitos de declaração de contumácia? Art. 337º CPP.

1. Desde logo, a declaração de contumácia implica a passagem imediata de mandado de detenção.

2. Segundo efeito - implica a morte civil do contumaz, no sentido de que implicará a anulabilidade dos negócios
jurídicos de caráter patrimonial, bem como a proibição de obter certos documentos (p. ex., se ele quiser renovar o
cartão de cidadão, ficará impedido de o fazer).

3. Implica, ainda, o arresto dos bens do arguido. Este arresto designa-se de arresto repressivo e distingue-se do
arresto preventivo, que está previsto no art. 228º CPP.

4. Além disso, a declaração de contumácia não impede o prosseguimento do processo para efeitos da declaração
de perda dos instrumentos, produtos e vantagens a favor do Estado (art. 335º/5 CPP).

Pretende-se que, em face de todos estes efeitos, o arguido se apresente às autoridades. E nos termos do art. 336º CPP,
se o contumaz se apresentar voluntariamente ou for detido, ele presta logo termo de identidade e residência e, por
conseguinte, poderá vir a ser julgado na ausência.

Pode acontecer que o arguido nunca tenha sido encontrado depois de se ter dado inicio ao processo, e a notificação ter
sido feita por carta registada, explicando-se como é que um arguido pode vir a prestar termo de identidade e residência
na fase de julgamento.

13 - RECURSOS

Antes de falarmos propriamente dos recursos, temos de falar das regras de atribuição de competência ao tribunal de
1ª instância. Para que se abordar a questão dos recursos, é necessário conhecer, previamente, as regras de atribuição

7 ESTUDAR BEM ESTAS REGRAS!!!!!!!!!!

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de competência para a realização do julgamento em primeira instância. Que tipo de tribunais podemos ter na audiência
de julgamento? O julgamento, em 1ª instância, pode ser feito por um de 3 tribunais, atendendo à gravidade dos crimes:

1. Pode ser um tribunal singular (art. 16º CPP) - tem competência residual; crimes contra a autoridade pública e com
pena igual ou inferior a 5 anos de prisão;

2. Tribunal colectivo (art. 14º CPP) - sempre que haja morte de uma pessoa; penas de prisão não superiores a 5
anos, mesmo que concurso de penas parcelares seja inferior.

3. Tribunal de júri (composto por 3 juízes do coletivo mais quatro jurados, art. 13º CPP) - em de compreender uma
pena superior a 8 anos e exige requerimento;

Hipóteses Práticas:

1. O arguido foi acusado da prática de um furto simples (art. 203º CP) e punível com pena de prisão até 3 anos. Qual é
o tribunal competente para julgar este caso, em 1ª instância? O tribunal singular [art. 16º/1 e art. 16º/2/b) CPP].

2. O arguido foi acusado da prática de um crime de roubo, previsto no art. 210º CP e punível com uma pena de 1 a 8
anos. Qual é o tribunal competente para julgar, em 1ª instância? Em princípio, como o crime é punível com uma
pena de prisão superior a cinco anos, será competente o tribunal coletivo (art. 14º/2/b) CPP). Mas pode ser
competente, também, o tribunal singular se o Ministério Público, na acusação, entender que não deve ser aplicada
pena superior a cinco anos (art. 16º/3 CPP).

3. O arguido foi acusado da prática de um homicídio, previsto no art. 131º CP e punível com uma pena de prisão de 8 a
16 anos. Qual é o tribunal competente para julgar, em 1ª instância? À partida, competente será o tribunal coletivo
porque se trata de um crime punível com pena de prisão superior a cinco anos [art. 14º/2/b) CPP] e, por outro lado, é
também um crime doloso em que faz parte do tipo a morte de uma pessoa [art. 14º/1/a) CPP]. Mas o julgamento
poderá ser também da competência do tribunal de júri, se tal for requerido porque, no caso, a pena aplicável é
superior a 8 anos de prisão (art. 13º/2 CPP).

4. O arguido foi acusado da prática de dois crimes de furto simples, previsto no art. 203º CP e punível com pena de
prisão até 3 anos. Qual é o tribunal competente para julgar, em primeira instância? Em abstrato, a pena aplicável,
como é um concurso de crimes, seria de 6 anos. Em princípio, como o crime é punível com uma pena de prisão
superior a cinco anos, será competente o tribunal coletivo [art. 14º/2/b) CPP] Mas pode ser competente, também, o
tribunal singular se o Ministério Público, na acusação, entender que não deve ser aplicada pena superior, em
concreto, a cinco anos (art. 16º/3 CPP).

Nota: Num caso sobre recursos, quando está em causa sobre os recursos, temos de definir qual foi o tribunal competente em 1ª
instância para depois sabermos onde havemos de decorrer.

E qual é o nosso sistema actual de recursos?

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1. Se o tribunal singular for o tribunal competente em 1ª instância - quando o tribunal competente em 1ª


instância é o tribunal singular, o recurso segue para o Tribunal da Relação. O art. 427º CPP estabelece que,
excetuando os casos em que há recurso direto para o Supremo Tribunal de Justiça, o recurso de uma decisão
proferida por um tribunal de !ª instância interpõe-se para a Relação, e o art. 432º CPP diz quais os casos em que se
recorre para o Supremo Tribunal de Justiça e não está referido, nesta norma, o recurso da decisão em 1ª instância
do tribunal singular. Assim, destas normas, conclui-se que o recurso de uma decisão do tribunal singular se interpõe
para o Tribunal da Relação. O art. 428º/1 CPP estabelece que as Relações conhecem matéria de facto e de direito,
por isso, o recurso da decisão do tribunal singular para o tribunal da Relação, por regra, é um recurso de apelação,
ou seja, recorre-se de matéria de facto e de matéria de direito. Mas pode haver também um recurso de revista para
a Relação, quando o recorrente recorrer apenas de matéria de direito.
2. Se o tribunal colectivo ou o tribunal de júri for o tribunal competente em primeira instância - (desde a revisão
de 2007, as regras a aplicara-se para os tribunais coletivos e de júri são as mesmas). Aqui, temos de distinguir 3
situações:

1. Se se tratar de um recurso em matéria de facto e de direito, o recurso será de apelação e interpõe-se


para a Relação (art. 427º e art. 428º CPP).

2. Se se tratar de um recurso em matéria de direito de uma decisão em que o tribunal de júri ou o


tribunal coletivo tiverem aplicado uma pena de prisão não superior a cinco anos, o recurso será um
recurso de revista e interpõe-se para a Relação (art. 427º e art. 432º CPP).

3. Se se tratar de um recurso em matéria de direito de uma decisão em que o tribunal de júri ou o


tribunal coletivo tiverem aplicado uma pena de prisão superior a cinco anos, o recurso é de revista e
interpõe-se diretamente para o Supremo Tribunal de Justiça. É chamado o recurso per saltum [art. 432º/c)
CPP].

Princípio do Duplo Grau de Recurso e as suas limitações

Vale, entre nós, o princípio do duplo grau de recurso, independentemente do tribunal que tiver sido competente em
primeira instância, ou seja, por regra, pode recorrer-se da 1ª instância para o Tribunal da Relação e, depois, pode ainda
recorrer-se da Relação para o Supremo Tribunal de Justiça. Este recurso da Relação para o Supremo Tribunal de
Justiça é sempre um recurso de revista porque o Supremo Tribunal de Justiça só conhece matéria de direito. Pode
ser, eventualmente, um recurso de revista alargada, nos termos do art. 410º/2 CPP, que permite que o Supremo
Tribunal de Justiça conheça certos vícios na matéria de facto.

Porém, há situações em que a lei impede o duplo grau de recurso, isto é, permite apenas o recurso para o Tribunal da
Relação, impedindo depois o recurso da decisão da Relação para o Supremo Tribunal de Justiça. São 3 as situações
mais importantes de grau único de recurso que decorrem do art. 400/1º CPP:

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1. A situação que está no art. 400º/1/d) CPP - quando a Relação, em recurso, profere um acórdão de absolvição não
pode haver, depois, recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, nos casos em que a decisão da 1ª instância
também tiver sido absolutória ou tiver sido de condenação em pena não privativa da liberdade ou em pena de prisão
não superior a 5 anos. Imaginemos, tivemos uma decisão em primeira instância que foi uma decisão de absolvição.
O arguido, ou o Ministério Público, recorre e a Relação também profere uma decisão de absolvição. Não pode haver
recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.

2. Hipótese do art. 400º/1/e) CPP - são os casos em que a Relação, em recuso, aplica uma pena não-privativa da
liberdade ou uma pena de prisão não superior a 5 anos. Nestes casos, também não pode, depois, haver recurso
desta decisão da Relação para o Supremo Tribunal de Justiça.

3. Hipótese do art. 400º/1/f) CPP - quando a Relação, em recurso, confirmar a decisão de primeira instância e aplicar
uma pena de prisão não superior a 8 anos, também não pode haver, depois, recurso desta decisão da Relação para
o Supremo Tribunal de Justiça.

Caso Prático nº8

A, acusado de um crime de roubo com perigo para a vida, previsto no art. 210º/2 CP e punível com uma pena de prisão
de 3 a 15 anos, foi condenado numa pena de 4 anos de prisão.

Diga qual terá sido o tribunal competente para julgamento em primeira instância, qual o tribunal de recurso e quais os
seus poderes de cognição.

Resolução:

Aqui, temos um caso prático em que em primeira instância, poderia ser competente qualquer um dos tribunais. Há
várias hipóteses para o tribunal competente em 1ª instância:

1. Tribunal singular, nos termos do art. 16º/3 CPP, se na acusação, o Ministério Público tiver entendido que o crime
não devia ser punido com pena concreta superior a 5 anos.

2. Tribunal Coletivo, uma vez que o crime é punível com pena de prisão superior a 5 anos, isto resulta do art. 14º/2/b)
CPP.

3. Tribunal de Júri, caso tivesse requerido, uma vez que o crime é punível com pena de prisão superior a 8 anos. Isto
resulta do art. 13º/2 CPP.

E está respondida a 1ª questão. Em 1ª instância, pode ter sido competente quer o singular, o coletivo e o júri.

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Agora, 2ª questão - qual era o tribunal de recurso e quais os sues poderes de cognição? Em qualquer dos casos - quer
tenha sido um tribunal singular, colectivo ou de júri - poderá haver um recurso de apelação para a Relação (art. 427º
CPP) em que a Relação poderá conhecer de matéria de facto e direito (art. 428º CPP).

E depois da decisão de Relação, poderia ainda haver recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, ou seja, poderia
haver um duplo grau de recurso? Depende. Havia várias possibilidades:

1. Se a Relação proferisse um acórdão de absolvição, podia ou não recorrer-se para o Supremo Tribunal de
Justiça? Não podia recorrer-se desta decisão para o Supremo Tribunal de Justiça em virtude do disposto no art.
400º/1/d) CPP.

2. Se a Relação proferisse um acórdão de condenação numa pena de prisão de 4 anos e meio, não poderia
recorrer-se desta decisão para o Supremo Tribunal de Justiça em virtude do disposto no art. 400º/1/e) CPP.

3. Se a Relação confirmasse a decisão da primeira instância e mantivesse a condenação na pena de prisão de


4 anos, não poderia recorrer-se desta decisão para o Supremo Tribunal de Justiça em virtude do disposto no art.
400º/1/f) CPP.

4. Se a Relação tivesse proferido um acórdão de condenação numa pena de prisão de 9 anos, neste caso, já
poderia haver recurso desta decisão para o Supremo Tribunal de Justiça, valendo aqui o princípio do duplo grau de
recurso.

Mas e se o recorrente quisesse recorrer apenas em matéria de direito? O recurso seria um recurso de revista e,
independentemente do tribunal competente em 1ª instância, o recurso seria também interposto para a Relação. Porquê?
Por que é que não podia haver um recurso per saltum? A pena tem de ser superior a 5 anos. No nosso caso, se o
recorrente pretende recorrer apenas em matéria de direito, este recurso da primeira instância para a Relação seria de
revista e, independentemente do tribunal competente em primeira instância, seria a Relação porque a pena de prisão
não foi superior a 5 anos (art. 427º + art. 432º CPP).

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