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FACULDADE DE DIREITO
DIREITO PENAL I
TEXTOS DE APOIO
LUANDA
2020
TEXTO N.º 1
TÍTULO 1: O DIREITO PENAL E SUA CIÊNCIA NO SISTEMA JURÍDICO
ESTADUAL
1
Luzia Sebastião Direito Penal I
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conjunto de normas jurídicas que têm por objecto a definição dos crimes e a
determinação das penas que lhes corresponde 1 . Por essa razão, o sistema era
denominado monista, dado que apenas uma medida- a pena, era aplicada ao agente
do crime.
Contudo, em finais do século XIX, surgiram as medidas de segurança e, ao agente
de um crime passou a poder ser aplicada ao mesmo tempo, uma pena e uma medida
de segurança, o que levou a que o sistema passasse a ser denominado, dualista,
sistema de penas e de medidas de segurança, em que em regra se aplicava ao agente
de um crime uma única medida ou consequência jurídica. Uma pena ou uma medida
de segurança sendo que, esta última, quando fosse privativa da liberdade era apenas
aplicável aos inimputáveis2.
Em virtude dessa dupla categoria de efeitos jurídicos, a designação direito penal,
tornou-se demasiado restritiva. Talvez tivesse sido melhor dar relevo ao conjunto dos
pressupostos de que a pena depende, que é o crime e denominar-se a cadeira de
direito criminal do que ficar-se confinado à pena que é, afinal, apenas uma das
consequências jurídica.
A verdade é que as medidas de segurança são aplicadas para comportamentos que
não são realizados com culpa, ou melhor, comportamentos tomados em consideração
independentemente de culpa. Mas se a culpa é elemento essencial do conceito de
crime, então o direito das medidas de segurança não pode ser criminal e assim as
designações direito penal e direito criminal poderiam até ser consideradas
equivalentes.
Porém, de um ponto de vista formal, é preferível designar a nossa disciplina, a
nossa ciência, direito penal porque por um lado, o diploma que prevê os crimes e
trata a sua disciplina chama-se Código Penal e, por outro, oficialmente o nome
escolar utilizado sempre foi Direito Penal3.
* As referências que ao longo do texto forem sendo feitas ao Direito Penal Português devem-se, por um
lado, ao facto do Direito Penal Angolano actualmente em vigor, ter ainda como fonte aquele sistema
jurídico. Por outro lado, importa ainda considerar a proximidade dos sistemas jurídicos, da mesma
família jurídica, a família romano-germânica, o que representa uma certa tradição que não pode sem
mais ser afastada, a qual seguiremos citando ou referenciando autores cuja obras utilizaremos.
1
DIAS, Jorge de Figueiredo, Direito Penal, 1975, pp. 3 e 4.
2 DIAS, Jorge de Figueiredo, Direito Penal, 1975, p. 4
2
Luzia Sebastião Direito Penal I
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5. Conclusão
3
DIAS, Jorge de Figueiredo e ANDRADE, Manuel da Costa, Direito Penal: questões fundamentais,
1996, p. 6
4O Professor Orlando Ferreira Rodrigues intitula as suas lições “Apontamentos
de Direito Penal”, veja-se Edição, Escolar Editora, 2014.
3
Luzia Sebastião Direito Penal I
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Podemos assim definir o direito penal como o conjunto de normas jurídicas que
ligam certos comportamentos humanos – os crimes – às consequências jurídicas que
são privativas deste ramo de direito. Destas consequências jurídicas, quer do ponto de
vista quantitativo quer qualitativo (social), a mais importante é a pena que só pode ser
aplicada ao agente que agir com culpa.
Simplesmente, ao lado da pena há outras consequências jurídicas – as medidas de
segurança – que se impõe não pela culpa do agente, mas pela sua perigosidade.
Definido nestes termos, o direito penal deve ser entendido em sentido objectivo ou
seja ius poenale. Dele distingue-se o direito penal em sentido subjectivo, ius
puniendi, que significa poder punitivo do Estado, resultado da sua competência para
considerar crime, certos comportamentos humanos e ligar-lhes sanções específicas
4
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5
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Fala-se muitas vezes em direito penal em sentido amplo (direito penal total) ou em
direito penal em sentido estrito (também designado por direito penal geral).
O Direito penal em sentido amplo ou total, também chamado de ordenamento
jurídico-penal, abrange para além do direito penal geral (substantivo), o direito
processual penal (adjectivo ou formal) e o direito de execução das penas e das
medidas de segurança ou direito penal executivo 7.
Quando nos referimos ao direito penal em sentido estrito, ou simplesmente
direito penal, queremos falar do também direito penal geral, substantivo, material
(aquele que se contém no Código Penal).
1.1. Esta distinção, que Beling designou distinção de princípio entre os “três sectores
de um idêntico ordenamento jurídico”, não apresenta do ponto de vista teórico
dificuldades de maior. Assim, o direito penal geral, substantivo, tem como objecto
de estudo a definição dos pressupostos do crime e das suas concretas formas de
aparecimento; a determinação quer em geral como em espécie das consequências
jurídicas que se ligam a esses pressupostos (penas e medidas de segurança), bem
como das formas de conexão entre os referidos pressupostos e as consequências
jurídicas.
7
DIAS, Jorge de Figueiredo, Direito Processual Penal, I, 1974, pp. 27 e ss.
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1.2. Se de um ponto de vista teórico foi fácil distinguir entre estes ramos do direito
penal total, já de uma perspectiva prática jurídica não é tão fácil determinar as normas
que em concreto pertencem a cada um dos institutos jurídicos desses ramos do direito.
Com efeito, muitas dessas normas e institutos têm uma dupla natureza, ou
seja, são de natureza substantiva e também adjectiva ou processual e, por isso,
exprimem uma relação de “mútua complementaridade funcional”. No direito penal
angolano, esses institutos vêm previstos no Código Penal, veja o artigo 125.º, Código
de 1886, que prevê a prescrição e a amnistia; o indulto no artigo 126.º No Projecto de
Novo Código Penal artigos 129º a 137º; artigos 138º e 139º para efeitos da extinção
da pena e do procedimento criminal por morte ou por amnistia. Também aqui têm
natureza substantiva e processual. Por exemplo, a queixa que vem prevista no
Projecto de Novo Código Penal nos artigos 124º a 127º e a acusação particular
prevista no artigo 128º, são institutos do direito processual penal.
A distribuição das normas por diferentes diplomas deve-se ao facto de, por um
lado, a regulamentação directamente relativa à determinação do conteúdo da sentença
de condenação e, por isso, a concreta “execução” da sanção criminal contida na
sentença ter carácter substantivo e, por outro, as questões relativas à “exequibilidade”
ou efeito executivo da sentença, melhor dizendo, o controlo geral da execução ter
natureza processual, adjectiva8.
A queixa e a acusação particular têm ainda e apenas natureza processual ou
adjectiva, o que significa que vêm reguladas no Código de Processo Penal. Contudo,
em algumas disposições da parte especial do Código Penal, veja-se § único do artigo
359.º e § único do artigo 360.º há disposições de natureza processual, o que reafirma o
que ficou dito acerca da dupla natureza ou da relação de complementaridade
funcional que se estabelece entre os dois ramos do ordenamento jurídico-penal. A
execução das penas e das medidas de segurança, ou seja, o direito penal executivo
tem também natureza substantiva, veja-se os artigos 113.º a 124.º do Código Penal de
1886 e artigos 109º e 110º ambos do Projecto de Novo Código Penal e nos artigos
548º a 563º do Projecto de Novo Código do Processo Penal. Isto permite reafirmar a
relação de complementaridade funcional que se estabelece entre o direito penal, o
direito processual penal e o direito penal executivo.
8
Veja-se DIAS, Jorge de Figueiredo, “Direito Penal II Português – As consequências jurídicas do
crime” § 1056 e ss. Ainda do mesmo autor “Direito Processual Penal”, p. 28 e “Direito Processual
Penal, Lições”, 1988-89, pp. 5 e ss.
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O direito penal em sentido estrito, ou direito penal geral ou somente direito penal,
é o que está contido no Código Penal e compõe-se de uma parte geral e uma parte
especial. Na parte geral, definem-se os pressupostos de aplicação da lei penal, os
elementos constitutivos do conceito de crime e as consequências que dos crimes
derivam, ou seja, as penas e as medidas de segurança 9. A parte especial contém os
crimes singulares e as consequências jurídicas que em concreto se aplicam à prática
de cada um deles.
2.1. A parte geral, produto da abstracção das concretas espécies de crime, de formas
a determinar quais são aqueles elementos que são comuns a todos eles e assim se
encontrarem as consequências jurídicas a eles aplicáveis divide-se, por sua vez, em:
fundamentos gerais do direito penal e doutrinal geral do crime ou construção
dogmática do crime10.
Nos fundamentos gerais do direito penal estuda-se, numa primeira parte, a
determinação do lugar do direito penal no sistema jurídico, a função do direito penal
9
A vigência em Angola do Código Penal de 1886 não invalida esta composição. Contudo, uma leitura
atenta das diferentes disposições e a sua comparação com o Código Penal Português em vigor permite
compreender as mudanças doutrinais na forma e no conteúdo de importantes institutos e normas. Para
melhor apreensão é de toda a utilidade consultar, também, o projecto da Parte Geral do Novo Código
Penal da República de Angola, cujo espírito já se afasta da filosofia do Código de 1886.
10
A designação doutrina geral do crime foi anteriormente conhecida por Teoria Geral da Infracção
Penal.
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2.2. A nossa atenção virar-se-á, nesta primeira fase, para a parte geral e, aqui, a
relativa aos fundamentos gerais e à doutrina geral do crime. Não se tratará dos direitos
penais especiais (direito penal militar, direito penal dos menores, direito penal
internacional, direito das medidas de segurança, direito de execução das reacções
criminais, também por alguns designado direito penitenciário, direito penal do tráfego
comercial, direito penal das sociedades, fiscal, financeiro, económico, marítimo,
médico, da imprensa, etc.) que fazem parte do direito penal em sentido amplo ou
direito penal total.
9
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TEXTO N.º 2
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Internacional dos Direitos Civis e Políticos. Para além destes há ainda a considerar:
a Convenção para a Prevenção e Sanção do Delito de Genocídio; a Convenção
contra a Tortura e outras Penas ou Tratamentos Cruéis e Degradantes; a
Convenção contra o Tráfico Ilícito de Estupefacientes e de Substâncias
Psicotrópicas; Convenções sobre Extradição, etc., todos estes ao nível da ONU e, a
Carta Africana dos Direitos do Homem e dos Povos ao nível da União Africana,
para além de tratados e convenções bilaterais e multilaterais provenientes da SADC.
Todos eles portadores de normas cujo conteúdo jurídico é de grande relevância para
o direito penal.
É claro que estes instrumentos internacionais precisam de ser ratificados, pois só
mediante a realização desse procedimento, o Estado fica obrigado a editar normas
internas para dar corpo a essa ratificação. Às normas de direito internacional penal
que existem na preocupação de muitas agências internacionais, não subjaz a
“realidade” necessária à sua vigência, porque não são suportadas por uma instância
supranacional dotada de ius puniendi.
Alguns princípios de direito internacional geral ou comum podem servir como lei
penal incriminadora11. Com efeito, o nº1 do artigo 13º da CRA, vem precisamente
suportar esta afirmação e, em consequência, pôr em causa o princípio clássico do
direito internacional, segundo o qual o direito internacional, só poderia impor deveres
e conceder direitos aos Estados e aos poderes públicos estaduais e nunca às pessoas
singulares ou a cidadãos. 12 Assim, tanto as normas como os princípios de direito
internacional devem vigorar 13 na ordem jurídica angolana – ao lado ou mesmo acima
das leis ordinárias.
A República de Angola tem vindo a desenvolver esforços no sentido da aprovação
de um Código Penal Internacional e da criação de um Tribunal Penal Internacional.
Estes, para serem dotados de ius puniendi, terão que poder ser impostos às ordens
jurídicas internas nacionais, mesmo no caso de os não terem aceite ou reconhecido 14.
11
Artigo 13º da CRA, “O Direito internacional geral ou comum, recebido nos termos da presente
Constituição, faz parte integrante da ordem jurídica angolana”.
12
O que ficou dito na nota anterior é expressão do princípio da legalidade nullum crimen nulla poena
sine lege.
13
Veja-se o que se propõe no texto constitucional, artigo 13.º.
14
Veja-se DIAS, Jorge de Figueiredo e ANDRADE, Manuel da Costa, Direito Penal, Questões
Fundamentais, 1996, p. 16, como diferentemente se passam as coisas em Portugal. Aqui, onde pela
teoria da adopção, Gomes Canotilho e Vital Moreira na anotação n.º 1 ao artigo 8.º da CRP, entendem
que o direito internacional não se “transforma em direito interno”. Essa doutrina não se modifica
11
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O direito penal é direito público por excelência; a relação que se estabelece entre o
Estado soberano, dotado do seu ius puniendi e o cidadão é de uma perfeita relação de
supra-infra ordenação. Em nenhum outro ramo de direito a relação entre a função de
preservação dos interesses e condições fundamentais à subsistência da comunidade e
o poder estadual, o poder de aplicar consequências jurídicas tão pesadas tanto para a
liberdade como para o património, é tão nítida. Em alguns casos (alguns países) essas
consequências chegam a atingir a vida e o corpo dos cidadãos.
Por estes factos, a doutrina do crime como a dos seus efeitos jurídicos estabelece uma
conexão muito estreita com o direito constitucional e a teoria do Estado. Essa conexão
encontra expressão por um lado na específica natureza das sanções deste ramo do
direito – as penas e as medidas de segurança – que negam ou limitam fortemente os
direitos fundamentais das pessoas e, por outro lado na necessidade de uma relação de
mútua referência entre a ordem axiológica (dos valores) jurídico-constitucional e a
ordem legal dos bens jurídicos que ao direito penal cabe tutelar. 15
É claro que a esfera de actuação pessoal do cidadão – a sua autonomia, auto-
realização ou autopoiese (capacidade para se satisfazer, realizar-se a si mesmo)
mesmo quando em causa estão problemas relacionados com a integração europeia. Até ao momento,
não existe um direito penal comunitário ou supranacional que seja directamente aplicável aos Estados-
membros. Por outro lado, também não se pode reconhecer às instâncias ou órgãos comunitários um
verdadeiro ius puniendi positivo, quer dizer a legitimidade para sem intermediação do legislador penal
interno impor a punibilidade de uma conduta. Qualquer sanção criminal que a Comunidade Europeia
pretenda impor, terá que fazê-lo pela via da assimilação e harmonização, ou seja, no contexto, dentro
dos limites e no quadro do direito penal nacional. Já no que se refere ao ius puniendi negativo, ou seja a
legitimidade para impor normas que reduzam ou façam recuar o direito penal estadual, o direito
comunitário prevalece sobre o nacional e, por força do princípio da unidade da ordem jurídica – “o
legislador nacional não poderá qualificar como penalmente ilícitas condutas exigidas ou autorizadas
pelo direito comunitário.” No dizer de Cuerda Riezu “a eficácia do ordenamento comunitário para
“constituir-se em legislador penal negativo dá lugar correlativamente a uma obrigação para os Estados-
membros que se analisa no dever de não punir”. É importante, contudo, salientar que esta doutrina
modificar-se-á caso venha a aprovar o Código Penal Internacional e a ser criado o Tribunal Penal
Internacional.
15
A CRA no artigo 28º expressa essa vinculação. Com efeito, o nº1 estabelece: “Os preceitos
constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias fundamentais são directamente
aplicáveis e vinculam todas as entidades públicas e privadas”. Significa que para serem aplicadas essas
normas não carecem de intermediação.
12
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Não é muito fácil determinar a exacta posição que o direito penal ocupa no
contexto do sistema jurídico estadual. Relativamente ao direito constitucional ficou
já referido que a relação é de dependência tal como a de qualquer outro ramo de
direito ordinário. Mas no que respeita a outros ramos do direito ordinário,
particularmente o direito civil, administrativo processual, que muitas vezes preveem
“penas” – embora não de natureza criminal – para violações às suas normas, a questão
torna-se muito mais complexa.
Alguns autores defendem que aqueles ramos de direito é que criam a ilicitude e ao
direito penal caberia apenas uma função sancionatória dessas ilicitudes, o que o
transformaria num ramo de direito “dependente”, “acessório”, “subordinado” ou
“secundário”, face aos demais.
Outros consideram que o direito penal deve intervir com os seus próprios meios,
mas apenas como ultima ratio, ou seja quando as sanções impostas pelos outros
ramos do direito se mostrassem ineficazes ou insuficientes 18 . Assim concebido o
direito penal estaria numa situação de dependência relativamente aos outros ramos de
direito “criadores de ilicitude”.
Mas Binding partindo da tese da unidade da ilicitude defendeu não existir uma
ilicitude específica do direito penal, do direito civil ou do direito administrativo. Em
16
ANDRADE, Manuel da Costa, Consentimento e Acordo em Direito Penal, 1990 ...
17
DIAS, Jorge de Figueiredo e ANDRADE, Manuel da Costa, Direito Penal – Questões fundamentais,
1996, pp. 17 e 18.
18
CORREIA, Eduardo, Direito Criminal I, pp. 15 e ss.
13
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obediência ao princípio da unidade da ordem jurídica, desde que uma acção viole um
imperativo jurídico qualquer, por essa acção, torna-se ilícita para qualquer ramo do
direito19.
III. 2. Deste ponto de vista, o direito penal é autónomo e criador da sua própria
ilicitude que está ligada às suas específicas consequências jurídicas: “à especificidade,
da consequência tem de corresponder se não logicamente, ao menos teleologicamente
a especificidade dos pressupostos (do Tatbestand, no sentido da Teoria Geral do
Direito) de que aquela depende, e antes de tudo a especificidade do ilícito (mas não só
dele, como também da culpa e dos restantes pressupostos da punibilidade).” 21
19
DIAS, Jorge de Figueiredo e ANDRADE, Manuel da Costa, Direito Penal – questões fundamentais,
1996, pp. 19-20.
20
DIAS, Jorge de Figueiredo e ANDRADE, Manuel da Costa, Direito Penal – questões fundamentais,
1996, p. 20. A este propósito COSTA ANDRADE em “A Dignidade Penal e a Carência de Tutela
Penal como referencia de uma Doutrina Teleológica Racional do Crime” in Revista Portuguesa de
Ciência Criminal, Ano 2, Fascículo 2, Abril/ Junho, 1992, pp. 173 e ss.
21
DIAS, Jorge de Figueiredo e ANDRADE, Manuel da Costa, Direito Penal – questões fundamentais,
1996, p. 21.
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III. 4. Conclusão
A autonomização do direito penal face aos demais ramos do direito tem tido
importantes consequências, sobretudo técnicas conceituais e de conteúdo tanto para o
direito privado como para o direito público. A tipificação dos ilícitos jurídico-penais
reclama maiores exigências do que a dos demais ramos do direito, ainda que os
conceitos utilizados sejam idênticos ou similares. “(...) Nenhum conceito extra-penal
pode ser transposto para o direito penal, na parte incriminatória, sem que antes se
tenha determinado através de cuidada hermenêutica, se ele corresponde por inteiro à
intencionalidade e à teleologia específicas do ilícito jurídico-penal...”23.
22
DIAS, Jorge de Figueiredo e ANDRADE, Manuel da Costa, Direito Penal – questões fundamentais,
1996, pp. 21-22.
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TEXTO N.º 3
23
DIAS, Jorge de Figueiredo e ANDRADE, Manuel da Costa, Direito Penal – questões fundamentais,
1996, p. 22. O aprofundamento desta questão terá lugar quando se tratar da doutrina das causas de
justificação.
24
De leitura obrigatória SEBASTIÃO, Luzia, Sobre o Tipo de Ilícito – contributo para uma
aproximação à evolução da doutrina penal contemporânea”, Edição da Faculdade de Direito da
Universidade Agostinho Neto, Lipo-Tipo, Luanda, 2006, p. 31 a 62.
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2. Até finais do séc. XIX a hoje dogmática do direito penal era a única ciência que
servia a aplicação do direito penal. Todavia, nessa altura, verificou-se que o estudo do
crime não se bastava com aquela ciência. Havia que definir estratégias de controlo
social: encontramo-nos assim no domínio da política criminal. Por outro lado, o
conhecimento empírico sobre a criminalidade e as suas causas mostrou-se
também um dado fundamental: daqui o surgimento da criminologia26.
Coube a Franz Von Liszt o mérito de na base das especiais relações que se
estabelecem entre os vários pensamentos do crime, de criar o modelo tripartido que
designou de ciência conjunta do direito penal, cuja tarefa relevaria para a aplicação do
direito penal e assim para a tarefa sócio-política de controlo do fenómeno criminal27.
25
Ciência em que se reúnem campos especiais e métodos diversificados com vista a um trabalho
comum mas capaz de coordenar correctamente os resultados parcelares especializados dentro de uma
consideração unitária nova do seu objecto global. Veja-se para mais desenvolvimentos DIAS, Jorge de
Figueiredo e ANDRADE, Manuel da Costa “Criminologia: O homem delinquente e a sociedade
criminógena”, 1984, pp. 114 e ss.
26
Para mais desenvolvimentos sobre o surgimento da criminologia, veja-se DIAS, Jorge de Figueiredo
e ANDRADE, Manuel da Costa “Criminologia: O homem delinquente e a sociedade criminógena”,
1984, pp. 93 e ss.
27DIAS, Jorge de Figueiredo e ANDRADE, Manuel da Costa, Direito Penal – questões fundamentais,
1996, p. 25.
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A perspectiva de Franz Von Liszt não conseguiu impor-se e algumas foram as críticas
que lhe dirigiram. Assim, Karl Binding acusou Von Liszt de com a sua teoria
conjunta ter abandonado o domínio firme da lei, do conhecimento da lei e da
respectiva aplicação, para penetrar em terreno movediço como o da política e das
ciências naturais, por sinal impedido a juristas como tais. Mas a ciência conjunta do
direito penal não se perdeu e ao longo do séc. XX, constituiu-se um ponto de
referência obrigatório para uma compreensão exacta e abrangente da ciência do
direito penal em sentido estrito: a dogmática jurídico-penal28.
Depois que Von Liszt acentuou a ideia da ciência conjunta do direito penal, levantou-
se a discussão em torno do estatuto de cada uma dessas ciências e da relação que entre
elas se deveria estabelecer. A definição de qualquer dessas questões ficou dependente
por um lado, da evolução dos pressupostos metodológicos e da compreensão do
sentido, do objecto e da função de cada uma delas no sistema social e, por outro, da
evolução da própria compreensão do sistema social no contexto de um Estado de
direito.29
Assim, no Estado de direito formal (liberal-individualista) subordinado a esquemas
rígidos de legalidade, alheio “à valoração das conexões de sentido, dos fundamentos
axiológicos e das intenções de justiça material ínsitos nos conteúdos definidos através
daqueles esquemas”, 30 neste tipo de Estado, à política criminal cabia apenas a
função de, a partir dos conhecimentos recebidos da criminologia, dirigir ao
legislador recomendações e propor-lhes directivas com vista à reforma do direito
penal. Por isso é que Von Liszt, embora defensor de uma dimensão social do direito
penal não deixou de defender, que no âmbito do direito penal em sentido amplo, a
28
DIAS, Jorge de Figueiredo e ANDRADE, Manuel da Costa, Direito Penal – questões fundamentais,
1996, p. 25.; DIAS, Jorge de Figueiredo, Temas Básicos, 2001, pp. 3 e ss.
29
Para mais desenvolvimentos da perspectiva da Política Criminal, veja-se DIAS, Jorge de Figueiredo,
Revista da Ordem dos Advogados, 1983, p. 9; da perspectiva da criminologia, DIAS, Jorge de
Figueiredo e ANDRADE, Manuel da Costa, Criminologia, 1984, pp. 93 e ss.
30
DIAS, Jorge de Figueiredo, Temas Básicos, p. 10
18
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31
DIAS, Jorge de Figueiredo, Temas Básicos, p. 10
32
DIAS, Jorge de Figueiredo, Temas Básicos, p. 10
33
DIAS, Jorge de Figueiredo, Temas Básicos, p. 11
34
A deviance, ou desvio social, foi uma palavra criada pela criminologia norte americana mas que
rapidamente foi aceite para expressar todos os fenómenos de patologia social ou substancialmente
aparentados com a infracção penal.
19
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35
DIAS, Jorge de Figueiredo, Temas Básicos, p. 14
36
DIAS, Jorge de Figueiredo, Temas Básicos, p. 15
37
DIAS, Jorge de Figueiredo e ANDRADE, Manuel da Costa, Direito Penal – questões fundamentais,
1996, p. 29.
20
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38
DIAS, Jorge de Figueiredo e ANDRADE, Manuel da Costa, Direito Penal – questões fundamentais,
1996, pp. 30-31.
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Conclusão
Em conclusão pode dizer-se que hoje a dogmática jurídico-penal não pode evoluir
sem tomar em atenção o trabalho prévio realizado pela criminologia, mas esta
também não pode desenvolver-se sem a mediação da política criminal que clarifica as
finalidades e os efeitos que se esperam e se apontam à aplicação do direito penal.
22
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TEXTO N.º 4
Introdução
Para que se compreenda a função que o direito penal desempenha no sistema
social e na ordem jurídica é, necessário proceder à determinação do seu objecto
material. O objecto do direito penal é o comportamento criminal e suas específicas
consequências jurídicas: as penas e as medidas de segurança. É a conjugação desses
dois elementos- a função e a determinação do objecto material- que vai permitir
estabelecer os limites do direito penal e distingui-lo das demais disciplinas que
também aplicam sanções. A análise de cada um destes aspectos permitir-nos-á
determinar a função do direito penal.
I. 1. Considerações
O exercício do ius puniendi pelo legislador ordinário, resulta do disposto na
alínea e) do n.º 1 do artigo 164.º da CRA. O que se pretende com o conceito material
de crime é, em primeiro lugar, dar-se uma resposta à questão da legitimação, ou
24
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I. 2. A perspectiva positivista-legalista
A resposta à pergunta sobre o que seja o conceito material de crime será
diferente dependendo da concepção que dominar a ciência do direito num dado
momento histórico. Assim, para que a concepção positivista-legalista de direito,
crime era tudo aquilo que o legislador legitimamente considerasse como tal. Bastava
que o legislador ameaçasse um comportamento com uma pena criminal e o
comportamento transformava-se em crime. Logo havia uma coincidência entre o
conceito formal e o conceito material de crime.
Um tal entendimento não permitira saber que qualidades deveria o comportamento
possuir para que o legislador o qualificasse como crime. Por outro lado também a
questão da legitimação ficaria por resolver uma vez que a legitimação material ficava
identificada com a observância do princípio da legalidade.
25
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I. 3. A perspectiva positivista-sociológica
A noção sociológica foi a primeira tentativa séria para se encontrar o conteúdo
do conceito material de crime. Dever-se-ia buscar nas múltiplas manifestações legais
do que fosse crime o que, à luz da realidade social, fosse como tal considerado. No
dizer de Garófalo (1885), algo que “existiria na sociedade humana (como crime)
independentemente das circunstâncias e das exigências de uma dada época ou
particular concepção” 41. Já Durkheim (1893) (...) 42 O que havia em comum nestas
duas concepções, seria o facto de a violação dos sentimentos constituir acto reprovado
pelos membros de cada sociedade.
A tentativa de definir materialmente o crime a partir da ideia de unidade de
sentido sociológico foi muito importante porque constituiu a primeira abordagem do
conceito como pré-legal, capaz, por conseguinte, de servir de padrão crítico do direito
vigente e a constituir, necessário ao conceito material de crime. Contudo, essa
tentativa não resultou porque imprecisa e ainda porque se mostrou demasiado ampla
para poder permitir que os limites da criminalização fossem atingidos.
I. 4. A perspectiva moral-social
A passagem do Estado de Direito Formal para o Estado de Direito material,
correspondeu à entrada no conceito material de crime de uma perspectiva moral,
(ético) social que considerou o crime como violação de deveres morais-sociais
elementares. Welzel definiu como “tarefa central” do direito penal o “assegurar a
validade dos valores ético-sociais positivos de acção”, ou seja, escreveu em 1947 que
40
DIAS, Jorge de Figueiredo e ANDRADE, Manuel da Costa, Direito Penal – questões fundamentais,
1996, pp. 43 a 45; DIAS, Jorge de Figueiredo, Temas Básicos, pp. 34 e 35.
41
DIAS, Jorge de Figueiredo e ANDRADE, Manuel da Costa, Direito Penal – questões fundamentais,
1996, p. 46. Para Garófalo, o crime deveria corresponder à violação de sentimentos altruístas
fundamentais. A violação do sentimento de piedade originava o crime contra as pessoas. Já a violação
do sentimento de probidade originava o crime contra o património. Na base destes dois sentimentos
construía-se a noção de delito natural que seria mais ou menos igual para todos os povos de idêntica
raça e civilização. Esse “tipo” de delito teria como denominador comum uma conduta socialmente
danosa.
42
Figueiredo Dias e Costa Andrade, partem não de uma organização civilizacional, mas de uma
formação social politicamente organizada. Seria aqui onde os sentimentos objeto de violação deveriam
ser comuns à consciência colectiva, fortes e precisos.
26
Luzia Sebastião Direito Penal I
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a tarefa do direito penal é garantir os valores de acção de uma atitude de acordo com o
direito”.
Esta concepção traduz uma atitude enraizada no espírito dos leigos que
transportam para o mundo terreno as noções de pecado e castigo que valem na ordem
religiosa ou a imoralidade que vigora na ordem moral. Todavia, ela não deixa de se
arvorar em padrão de crítica de um direito penal constituído ou a constituir.
Mas, ainda que uma posição como a acabada de referir se encontre enraizada na
opinião pública, o certo é que ela não pode ser defendida, uma vez que não é
função do direito penal, nem a título primário, nem a título secundário, tutelar a
virtude ou a moral. Isto porque tanto a virtude como a moral são específicas de um
grupo social e o direito penal tem que respeitar a liberdade de consciência de cada
um. Veja-se o que actualmente estabelece o artigo 41.º da CRA43.
De notar que nem mesmo as penas e as medidas de segurança, instrumentos de
que o direito penal se serve para a sua actuação se mostram adequados para fazer
valer na sociedade as normas da virtude e da moralidade. De resto, nem os
magistrados nem os tribunais se mostram legitimados para castigar o pecado e a
imoralidade. Estas são questões que respeitam à justiça divina e à consciência
individual.
43
Artigo 41º “1. A Liberdade de consciência, de crença religiosa e de culto é inviolável.
2. Ninguém pode ser privado dos seus direitos, perseguido ou isento de obrigações por motivo de
crença religiosa ou de convicção filosófica ou política.
3. É garantido o direito de objecção de consciência, nos teremos da lei.
4. Ninguém pode ser questionado por qualquer autoridade acerca das suas convicções ou práticas
religiosas, salvo para recolha de dados estatísticos não individualmente identificáveis”
27
Luzia Sebastião Direito Penal I
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Ora, essa função de promoção de valores sociais, não cabe ao direito penal,
mas deve ser reservada a meios não penais de política social. Por isso, neste domínio
o que é reservado ao direito penal deve ser ínfimo, mínimo.
A razão da inadequação está na natureza das sociedades pluralistas
contemporâneas onde em maior ou menor medida coexistem umas vezes de forma
pacífica ou de forma tensa “zonas de consenso com zonas de conflito”. Por outro
lado, tal inadequação também se refere às exigências morais próprias de sociedades
secularizadas onde ainda predominam os dizeres de S. Tomás de Aquino, segundo os
quais “o legislador não deve deixar-se seduzir pela tentação de tutelar com os meios
do direito penal todas as infracções à moral objectiva” 44 A negação definitiva dessa
concepção moral-social do conceito de crime pode ser situada na Alemanha Federal,
quando em 1966 e nos anos seguintes surgiu o Projecto Alternativo de Código Penal.
O Alternative – Entwurfeines Strafgestzbuch foi redigido por catorze professores de
direito penal, em resposta às objecções que na sociedade alemã suscitou o projecto
Governamental do Código Penal de 1962.
Inicialmente, a questão levantou-se em relação ao direito penal sexual. O
projecto Governamental continuou a considerar puníveis as condutas homossexuais
entre adultos como a sodomia, a “desmoralização” (kuppelei), a pornografia e
condutas análogas. Ora, o Projecto Alternativo rejeitou esta política criminal e
substituiu-a pela ideia de uma política criminal rigorosa e incensurável no sentido de
que as condutas sexuais que tivessem lugar em privado, entre adultos que nela
consentissem, não deveriam ser punidas. Neste sentido foi já legislado em Portugal,
no Código Penal de 1995 e, actualmente, no Projecto de Novo Código Penal
Angolano. Simplesmente, esta questão que se suscitou por virtude dos crimes
sexuais, muito rapidamente se estendeu e transformou em questão central da
“essência do conteúdo material do conceito de crime e da função primária do direito
penal”.45
44
DIAS, Jorge de Figueiredo e ANDRADE, Manuel da Costa, Direito Penal – questões fundamentais,
1996, pp. 50 e 51.
45
DIAS, Jorge de Figueiredo e ANDRADE, Manuel da Costa, Direito Penal – questões fundamentais,
1996, p. 52.
28
Luzia Sebastião Direito Penal I
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Embora a noção de bem jurídico seja fulcral no direito penal, ela não foi,
contudo, até hoje, determinada com a nitidez e segurança capazes de o converter num
conceito fechado e capaz de sem sombra de dúvida traçar a fronteira entre o que deve
e não deve ser criminalizado.
Não obstante o exposto, há hoje um certo consenso sobre o seu núcleo
essencial. Pode definir-se bem jurídico como “expressão de um interesse da pessoa
ou da comunidade, na manutenção ou integridade de um certo estado, objecto ou bem
em si mesmo socialmente relevante e por isso juridicamente reconhecido como
valioso”46.
5. a. 1) O autor que pela primeira vez chamou à atenção para a noção de bem jurídico
foi Birnbaum. Com ela pretendeu abranger o conjunto de substractos de natureza
liberal que fossem susceptíveis de servir de base para os comportamentos que os
ofendessem.
Assim, e numa primeira fase, o conceito de bem jurídico assumiu um
conteúdo individualista. Esteve identificado com interesses primários do indivíduo na
sociedade (ex.: a vida, o seu corpo, a sua liberdade, o seu património). A partir dessa
46
DIAS, Jorge de Figueiredo, “O problema da Consciência da Ilicitude em Direito Penal”.
29
Luzia Sebastião Direito Penal I
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aproximação foi fácil identificar a noção de bem jurídico com a de direito subjectivo
fundamental do indivíduo, merecedor de tutela penal. A referida aproximação, que já
Feuerbach havia feito, foi aplaudida pela generalidade da doutrina liberal. A este
propósito, Rupp afirmava que “a concepção exasperadamente liberal (e positivista) de
bem jurídico fez dele um “monólito jurídico corporizado”.
A viragem decisiva para a compreensão do conceito de bem jurídico
aconteceu a partir da segunda década do séc. XX. Com efeito, desenvolveu-se na
época um conceito metodológico de bem jurídico de cariz normativista ligado aos
pressupostos neokantianos da chamada Escola Sul-Ocidental Alemã ou Escola de
Baden, onde se destacaram as figuras de Windelband e Rickert 47. A compreensão do
bem jurídico a partir do conceito metodológico é de rejeitar porque com ela o
conceito torna-se intra-sistemático e por isso perde a ligação com qualquer teleologia
político-criminal e deixa de poder ser visto enquanto “padrão crítico de aferição da
legitimidade da criminalização”48. Numa palavra, perde o interesse para determinar o
conceito material de crime.
5. a. 2) Para que a noção de bem jurídico se legitime impõe uma concepção funcional,
teleológica e racional. O conceito tem de obedecer a uma série mínima mas
irrenunciável de condições. Em primeira linha, tem que traduzir um qualquer
conteúdo material para que se possa arvorar a indicador útil do conceito material de
crime; não basta por isso que se identifique com os preceitos penais cuja essência
pretende traduzir ou com qualquer outra técnica jurídica de interpretação ou aplicação
do direito. Em segundo lugar, o conceito deve servir de padrão crítico de normas
constituídas ou a constituir. Assim, ele pode arvorar-se a critério legitimador do
processo de criminalização e descriminalização. Não poderá, por conseguinte,
aparecer como um conceito imanente ao sistema normativo jurídico-penal e dele
resultante. Antes deve apresentar-se como uma noção trans-sistemática, ou seja,
transcendente ao sistema. Em terceiro lugar, há de ser político-criminalmente
orientado; por isso intra-sistemático relativamente ao sistema social e ao sistema
jurídico-constitucional.
47
Para mais pormenores sobre a questão, veja-se CORREIA, Eduardo, Direito Criminal I, pp. 205 e ss.
Ainda do mesmo autor, Unidade e Pluralidade de Infracção, 1945.
30
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48
DIAS, Jorge de Figueiredo e ANDRADE, Manuel da Costa, Direito Penal – questões fundamentais,
1996, p. 54.
49
DIAS, Jorge de Figueiredo e ANDRADE, Manuel da Costa, Direito Penal – questões fundamentais,
1996, p. 55.
50
GÜNTHER,Jakobs, Derecho Penal, Parte General Fundamentos Y Teoria de la Imputación, 2ª
Edición Corregida, Marcial Pons, Madrid,. 1997, p.56 e ss. DIAS, Jorge de Figueiredo e ANDRADE,
Manuel da Costa, Direito Penal – questões fundamentais, 1996, p. 56. Ainda DIAS, Jorge de
Figueiredo, Temas Básicos da Doutrina Penal, p. 46.
31
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51
Sem se atender a opinião de Figueiredo Dias e Costa Andrade em Direito Penal – questões
fundamentais, 1996, p. 57, claro está, à questão muito debatida entre jus-constitucionalistas, sobre se os
valores constitucionais são ou não susceptíveis de constituir uma verdadeira ordem axiológica (também
CANOTILHO, José Joaquim Gomes, Direito Constitucional, I, 1980, pp. 41 e ss. e 92 e ss.), de outra
forma não poderia ser. Atente-se no que dispõe o nº2 do artigo 3.º da Constituição da República
Portuguesa e n.º 2 do artigo 18º da referida Constituição. Veja-se para o caso de Angola o nº 2 do
artigo 6º e os Artigos 57º e 58º todos da CRA.
52
DIAS, Jorge de Figueiredo e ANDRADE, Manuel da Costa, Direito Penal – questões fundamentais,
1996, p. 57
53
DIAS, Jorge de Figueiredo e ANDRADE, Manuel da Costa, Direito Penal – questões fundamentais,
1996, pp. 57 e 58. DIAS, Jorge de Figueiredo, “Os novos rumos da Política Criminal e o Direito Penal
Português do Futuro” in Revista da Ordem dos Advogados, 1983, p. 14; “Para uma dogmática do
Direito Penal Secundário” in Revista de Legislação e Jurisprudência, n.º 17, 1984, pp. 10 a 15; “Sobre
os fundamentos da Doutrina Penal. O comportamento Criminal e a sua definição” in Temas Básicos da
Doutrina Penal, Coimbra Editora, 2001, pp. 47 e 48.
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Luzia Sebastião Direito Penal I
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5. b. 4) A distinção que se fez entre direito penal de justiça e direito penal secundário,
não se confunde com a distinção entre direito penal e direito de mera ordenação social
ou das contravenções. Com efeito, essa confusão que muitas vezes acontece deve-se
ao facto de durante muito tempo o direito penal administrativo ter sido a fonte das
contravenções ( e ainda assim é no ordenamento jurídico angolano). No sistema
jurídico-penal português, por exemplo, esse direito administrativo deu origem à
categoria não penal mas administrativa das contra-ordenações.
54
DIAS, Jorge de Figueiredo e ANDRADE, Manuel da Costa, Direito Penal – questões fundamentais,
1996, pp. 58 e 59; DIAS, Jorge de Figueiredo, Temas básicos da Doutrina Penal, p. 48 e 49.
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Contudo, hoje nos sistemas jurídicos (que não é o caso do angolano) mas do
alemão, português, espanhol, o direito penal administrativo está presente não no
direito das contraordenações, mas como direito penal, no direito penal secundário. O
direito penal administrativo é que merece ser chamado de direito penal secundário 55.
De notar, por outro lado, que os âmbitos do direito penal de justiça e do direito
penal secundário, bem como do direito penal secundário e direito das
contraordenações, não se apresentam histórica e socialmente como compartimentos
estanques; é só notar que os bens jurídicos tutelados pelo direito penal secundário
passam a bens jurídicos do direito penal de justiça e reciprocamente. De resto, pode
falar-se numa contiguidade material entre os crimes de direito penal secundário e as
contraordenações como resultado da sua origem histórica comum, da sua relevância
em zonas sociais de conflito e da sua contingência e mutabilidade.
As considerações feitas neste ponto, devem ser entendidas a título de
informação e direito a constituir. Com efeito, no actual direito penal em vigor em
Angola, a distinção faz-se entre crimes e contravenções; vejam-se os artigos 1.º e 3.º
do Código Penal de 1886, distinção que subsiste no Projecto de Novo Código Penal
artigos 142º a 146º. Não se estabeleceu, ainda, a distinção entre direito penal de
justiça, direito penal secundário e direito das contraordenações.
55
DIAS, Jorge de Figueiredo e ANDRADE, Manuel da Costa, Direito Penal – questões fundamentais,
1996, p. 59; DIAS, Jorge de Figueiredo, Temas básicos da Doutrina Penal, p. 49
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jurídicos, veja-se o caso da tentativa e hoje, cada vez mais, com a criação no direito
penal das figuras do risco e do perigo com os crimes de perigo concreto, abstracto-
concreto ou puramente abstracto, tal não se mostra suficiente para, nas sociedades dos
nossos dias, se cumprir com eficácia a função do direito penal. 56
Com efeito, alguns autores defendem que no tipo de sociedade em que hoje
vivemos e onde o desenvolvimento da técnica e da tecnologia representa para as
pessoas na realização de certas actividades, a assunção de um certo risco permitido
(como a condução automóvel, a utilização de determinadas máquinas, etc.), a
verdadeira “sociedade de perigo”, uma “sociedade de risco”, a chamada
Risikogesellschaft no dizer de Beck, o direito penal mostra-se profundamente
inadequado para exercer a função de protecção ou tutela de bens jurídicos mesmo de
cariz individualista como o liberal.
Assim, haveria que se abandonar a função de protecção e abraçar, sem mais,
numa sociedade de risco, a ideia de que o direito penal é um instrumento de governo
daquele tipo de sociedade; é um meio propulsor para se alcançar as respectivas
finalidades de governo; por isso ele ganha uma função promocional, enquanto meio
de realização da política estadual. Só assim entendida a função do direito penal, ele
pode estar à altura de se assumir com eficácia no tratamento de questões sócio-
criminais tão ingentes como as das agressões ao ambiente, a política económica,
financeira e fiscal, da droga, criminalidade organizada, etc.
Ora, Figueiredo Dias critica esta posição. Considera, que não tem legitimidade
histórica o considerar-se a actual sociedade uma sociedade de risco. Com efeito, uma
análise histórica e livre de preconceitos, leva-nos à conclusão de que o risco é algo
que sempre existiu na sociedade. Por isso, advogar o risco para antecipar a protecção
de bens jurídicos através de crimes de perigo e fazer com que o bem jurídico se
esfume e deixe de exercer a sua função de padrão crítico do direito constituído e a
constituir, não pode colher.
Ainda que o “perigo” ou o “risco” constituam a noção chave da dialéctica da
ilicitude penal, enquanto síntese entre a tese do desvalor da acção e antítese do
56
DIAS, Jorge de Figueiredo e ANDRADE, Manuel da Costa, Direito Penal – questões fundamentais,
1996, pp. 58 e 59; DIAS, Jorge de Figueiredo, in Jornadas de Direito Criminal. A revisão do Código
Penal, I, 1996, pp. 17 e ss. e pp. 30 e ss.
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5. c. 1) Por outro lado, ao direito penal não deve caber uma função promocional que o
transforme de direito penal de protecção de direitos fundamentais, individuais e
colectivos em instrumento de governo da sociedade. Essa função promocional estaria
em contradição com o fundamento da legitimação da intervenção penal, com sentido
dessa intervenção como ultima ratio de política social e ainda com as exigências de
salvaguarda do pluralismo e da tolerância próprios das sociedades democráticas
modernas. A função promocional converteria o direito penal em instrumento de uma
ideologia político social, factor de um qualquer milagre social, conduzindo ao
surgimento de um velho direito penal supostamente renascido. 58
5. c. 2) A conclusão deve ser no sentido de se reafirmar que o direito penal não é nem
deve tornar-se num direito de prevenção de riscos especiais e longínquos, nem de
promoção de finalidades específicas de política estadual. O direito penal é um direito
de tutela de bens jurídicos “ de preservação das condições indispensáveis da mais
livre realização possível de personalidade de cada homem na comunidade” 59.
A conclusão acabada de apresentar conduz a que:
a) Para se falar de uma correcta solução da questão da legitimação do
direito de punir estadual, legitimação que provém da própria existência do
contrato social em que cada cidadão cede ao estado parte mínima dos seus
direitos e liberdades para garantir o funcionamento sem entraves da
comunidade;
b) A regra do Estado de direito democrático, segundo a qual o Estado só
deve intervir nos direitos e liberdades fundamentais do um indivíduo, desde
que isso se torne imprescindível ao asseguramento dos direitos e liberdades
fundamentais dos outros indivíduos.
57
DIAS, Jorge de Figueiredo e ANDRADE, Manuel da Costa, Direito Penal – questões fundamentais,
1996, pp. 62 e 63; DIAS, Jorge de Figueiredo, Temas básicos da Doutrina Penal, p. 49 e 50.
58
DIAS, Jorge de Figueiredo e ANDRADE, Manuel da Costa, Direito Penal – questões fundamentais,
1996, p. 63.
59
DIAS, Jorge de Figueiredo e ANDRADE, Manuel da Costa, Direito Penal – questões fundamentais,
1996, p. 63.
36
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60
Com efeito, e de acordo com o Código Penal de 1886, ainda em vigor em Angola, o direito penal
sexual é entendido como um direito tutelar da “honestidade”, dos “costumes” ou dos “bons costumes”:
artigos 390 e ss. O Projecto de Novo Código Penal deixou já esse tipo de tutela porque não conformava
uma verdadeira lesão de bens jurídicos. Com a actual tutela protege-se um bem jurídico mais definido
que é a liberdade sexual e autodeterminação da pessoa na esfera sexual. Com esta tutela afasta-se a
ideia da proteção de uma qualquer moralidade que visava punir praticas sexuais consideradas desviadas
como a homossexualidade e também a prostituição, veja-se todo o Capítulo IV artigos 181º a 201º.
37
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isso é que o direito penal constitui a ultima ratio da política social, sendo a sua
intervenção de natureza definitivamente subsidiária. 62
Esta limitação da intervenção penal resulta da Constituição e respeita ao
princípio da proporcionalidade em sentido amplo, já referido a propósito das
restrições aos direitos e liberdades fundamentais – que é um dos princípios inerentes
ao Estado de direito. 63 O direito penal, com as suas sanções, utiliza meios muito
gravosos para os direitos liberdades e garantias das pessoas e, por isso, só deve
intervir nos casos em que todos os outros meios se mostrem insuficientes ou
inadequados. Tal como acontecerá nos casos em que a tutela pode ser feita por meios
do direito civil ou disciplinar, por exemplo.
O mesmo acontece quando se pretende prevenir determinados ilícitos, ou seja, sempre
que a criminalização de certos comportamentos se mostre como factor de criação de
mais violações do que aquelas que a criminalização pretende evitar; veja-se os casos
dos chamados crimes sem vítima, como o consumo de droga ou de álcool, a
prostituição, a pornografia. A prevenção e controlo desses comportamentos mostra-se
mais eficaz quando deixada para meios não penais de controlo social. Assim, pode se
afirmar com segurança que a função principal do direito penal e também a essência do
conceito material de crime é a tutela subsidiária (de ultima ratio) de bens jurídicos.
princípio da eficácia, é também preciso que esteja convencido que o direito penal vai ser eficaz,
ou seja, que com a sua criação se vão atingir os objectivos pretendidos pelo legislador”.
62
DIAS, Jorge de Figueiredo e ANDRADE, Manuel da Costa, Direito Penal – questões fundamentais,
1996, p. 66 ; DIAS, Jorge de Figueiredo, Temas básicos da Doutrina Penal, 2001, pp. 57 a 59.
39
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___________________________________________________________________________________
64
DIAS, Jorge de Figueiredo e ANDRADE, Manuel da Costa, Direito Penal – questões fundamentais,
1996, p. 68 ; DIAS, Jorge de Figueiredo, Temas básicos da Doutrina Penal, 2001, p. 59.
65
DIAS, Jorge de Figueiredo e ANDRADE, Manuel da Costa, Direito Penal – questões fundamentais,
1996, p. 69 ; DIAS, Jorge de Figueiredo, Temas básicos da Doutrina Penal, 2001, p. 60.
40
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___________________________________________________________________________________
66
DIAS, Jorge de Figueiredo e ANDRADE, Manuel da Costa, Direito Penal – questões fundamentais,
1996, pp. 70 e 71 ; DIAS, Jorge de Figueiredo, Temas básicos da Doutrina Penal, 2001, pp. 61 e 62.
41
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___________________________________________________________________________________
67
DIAS, Jorge de Figueiredo e ANDRADE, Manuel da Costa, Direito Penal – questões fundamentais,
1996, p. 72 ; DIAS, Jorge de Figueiredo, Temas básicos da Doutrina Penal, 2001, p. 62. Os itálicos são
do autor.
68
DIAS, Jorge de Figueiredo e ANDRADE, Manuel da Costa, Direito Penal – questões fundamentais,
1996, pp. 72 e 73 ; DIAS, Jorge de Figueiredo, Temas básicos da Doutrina Penal, 2001, pp. 62 a 64.
42
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___________________________________________________________________________________
TEXTO N.º 5
69
DIAS, Jorge de Figueiredo e ANDRADE, Manuel da Costa, Direito Penal – questões fundamentais,
1996, p. 75 ; DIAS, Jorge de Figueiredo, Temas básicos da Doutrina Penal, 2001, pp. 65 e 66.
43
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___________________________________________________________________________________
44
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II. 1. 2. Considerações
Durante muito tempo, a fundamentação das teorias absolutas da retribuição
assentou nos termos “compensação” do “mal do crime” e “igualação” do “mal da
pena”. Contudo, e passado o período do princípio de Talião, acabou-se por concluir
que a igualação ao mal da pena não podia ser fáctica, mas deveria ser normativa. Por
outro lado, haveria ainda que se saber se a retribuição assumia um carácter de
reparação de um dano real, de um dano ideal ou se intervinha aí alguma outra
70
DIAS, Jorge de Figueiredo e ANDRADE, Manuel da Costa, Direito Penal – questões fundamentais,
1996, p. 77 ; DIAS, Jorge de Figueiredo, Temas básicos da Doutrina Penal, 2001, p. 68.
71
DIAS, Jorge de Figueiredo e ANDRADE, Manuel da Costa, Direito Penal – questões fundamentais,
1996, p. 78 ; DIAS, Jorge de Figueiredo, Temas básicos da Doutrina Penal, 2001, pp. 68 e 69.
45
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___________________________________________________________________________________
73
DIAS, Jorge de Figueiredo e ANDRADE, Manuel da Costa, Direito Penal – questões fundamentais,
1996, p. 79; DIAS, Jorge de Figueiredo, Temas básicos da Doutrina Penal, 2001, p. 69: CORREIA,
Eduardo, Direito Criminal I, p. 45 e ss. e 63 e ss.; RODRIGUES, Anabela Miranda, A Determinação
da Medida da Pena Privativa da Liberdade, Coimbra Editora, 1995, pp. 152 e ss.; FERREIRA,
António de Cavaleiro, Direito Penal, 1982, p. 299.
46
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III. 1. As teorias relativas são teorias dos fins das penas. Essência: a pena é um mal
para quem a sofre. Mas é um instrumento mundial de política criminal. Por isso não
pode bastar-se com a característica de ser um mal destituído de qualquer sentido
social-positivo. Ela visa alcançar um fim de política criminal que é ou a prevenção
ou a profilaxia criminal. Desta forma, a pena pode ser utilizada como instrumento de
tutela subsidiária de bens jurídicos, próprios da função do direito penal. Contudo, esse
fim de política-criminal que a pena persegue tem que ser historicamente enquadrado e
distingue-se entre as doutrinas da prevenção geral e as da prevenção especial ou
individual.
74
DIAS, Jorge de Figueiredo e ANDRADE, Manuel da Costa, Direito Penal – questões fundamentais,
1996, pp. 79 e 80 ; DIAS, Jorge de Figueiredo, Temas básicos da Doutrina Penal, 2001, p. 70;
ROXIN, Claus, “Concepção bilateral e concepção unilateral do princípio da culpabilidade” in
Culpabilidad y Prevención en Derecho Penal (tradução de Muñoz Conde, 1981) pp. 187 e ss.;
RODRIGUES, Anabela Miranda, A Determinação ..., pp. 123 e ss.
75
De facto, não está em vigor no ordenamento jurídico penal e processual penal angolano, nem em
termos de direito constituído ou a constituir, o instituto da “dispensa da pena”, que assenta exatamente
no fundamento de não aplicação de uma pena a quem tem culpa. No ordenamento jurídico português,
esse instituto pode ser encontrado no artigo 74.º do Código Penal. A não aplicação da pena deve-se ao
facto de o crime não carecer dela porque não se apresenta qualquer exigência de prevenção.
47
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48
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primordial a legitimação. Por outro lado, essas doutrinas são ainda confirmadas
quando se chega à conclusão de que a pena tem como função principal a legitimação
da ordem vigente e a manutenção da estabilidade e paz jurídicas. 76
Uma perspectiva mais recente das doutrinas da prevenção geral é dada
pelas actuais teorias sistémico-sociais. Essas teorias, por um lado, reafirmam a função
de tutela subsidiária de bens jurídicos, que cabe ao direito penal para além de
encontrarem na pena, a legitimação dos seus instrumentos específicos. Por outro lado,
reforçam a redução da função da pena no sistema social à expressão simbólica de
reafirmação contra-fáctica de fidelidade devida às normas jurídicas de um dado
ordenamento positivo.77
76
DIAS, Jorge de Figueiredo e ANDRADE, Manuel da Costa, Direito Penal – questões fundamentais,
1996, pp. 84 e 85 ; DIAS, Jorge de Figueiredo e ANDRADE, Manuel da Costa, O Homem delinquente
e a sociedade criminógena”, pp. 178 e ss.; DIAS, Jorge de Figueiredo, Temas básicos da Doutrina
Penal, 2001, pp.75 e ss. Também sobre as Doutrinas da Prevenção Geral, RODRIGUES, Orlando, ob.
Cit, pp. 40, 41.
77
DIAS, Jorge de Figueiredo, Temas básicos da Doutrina Penal, 2001, p. 85; RODRIGUES, Anabela
Miranda, A determinação, pp. 254 e ss.
49
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78
DIAS, Jorge de Figueiredo e ANDRADE, Manuel da Costa, Direito Penal – questões fundamentais,
1996, pp. 86 e 87 ; DIAS, Jorge de Figueiredo, Temas básicos da Doutrina Penal, 2001, p.
50
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___________________________________________________________________________________
79
DIAS, Jorge de Figueiredo, Direito Penal Português – As consequências jurídicas do crime,
editorial Notícias, Lisboa, 1993, p. 224; na doutrina portuguesa, entre outros, CORREIA, Eduardo,
Direito Criminal II, pp. 62 e ss.; FERREIRA, Manuel de Cavaleiro, Direito Penal, 1989, pp. 103 e ss.;
GONÇALVES, Maia, Código Penal Anotado, anotação ao artigo 72.º.
80
ROXIN, Claus, “Culpabilidade e Prevenção em Direito Penal”, 1981, pp. 104 e ss.
81
RODRIGUES, Anabela Miranda, A determinação da Pena Privativa de Liberdade”, 1995, pp.
82
DIAS, Jorge de Figueiredo e ANDRADE, Manuel da Costa, Direito Penal – questões fundamentais,
1996, pp. 87 a 89 ; DIAS, Jorge de Figueiredo, Temas básicos da Doutrina Penal, 2001, p.
51
Luzia Sebastião Direito Penal I
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83
DIAS, Jorge de Figueiredo e ANDRADE, Manuel da Costa, Direito Penal – questões fundamentais,
1996, p. 89 . As doutrinas da prevenção especial segundo a doutrina penal estrangeira afirmaram-se na
segunda metade do séc. XIX por força da escola positivista sociológica italiana (Ferri, 1856-1929) e
alemã (Liszt, 1851-1919). Contudo, tanto em Portugal como em Espanha, a época histórica em que se
situa o surgimento das doutrinas da prevenção especial é anterior a essa data e encontra-se nas teses
que defenderam a escola correccionalista. Teses que convergiam na ideia de que todo o homem é, por
natureza, susceptível de ser corrigido; assim, a pena seria antes destinada a operar a correcção do
delinquente, a única e melhor forma de evitar que ele volte e continue a cometer crimes no futuro.
Estas teses tiveram a sua origem ideológica em oposição à filosofia de Krause, e a filosofia jurídico-
penal de Roeder, às teses de Kant sobre o conceito de direito e, mais vivamente saudada em Portugal
pela filosofia jurídica de Vicente Ferrer Neto Paiva. Ainda no direito português, os penalistas Levy
Maria Jordão (1831-1876) e Ayres de Gouvêa (1828-1916) fizeram dessa concepção básica o seu
estandarte que esteve na base de muitas inovações pioneiras do direito penal português.
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84
DIAS, Jorge de Figueiredo e ANDRADE, Manuel da Costa, Direito Penal – questões fundamentais,
1996, p. 93; CORREIA, Eduardo, Direito Criminal I, pp. 52 e ss. Como leitura complementar, ver
RODRIGUES, Orlando, idem, pp. 41, 42 e 43.
85
DIAS, Jorge de Figueiredo e ANDRADE, Manuel da Costa, Direito Penal – questões fundamentais,
1996, p. 94.
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TEXTO N.º 6
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a convicção de que existe uma medida óptima de tutela de bens jurídicos e das
expectativas comunitárias que a pena se propõe alcançar; medida que, pelo principio
da necessidade não pode ser excedida por considerações de prevenção especial
derivadas de qualquer perigosidade do agente.
É verdade, que essa medida óptima de prevenção geral positiva não oferece ao
juiz o quantum exacto da pena porque abaixo desse ponto óptimo, existirão outros em
que a tutela é ainda efectiva e a pena não perdeu ainda a sua função primordial de
tutela de bens jurídicos. Assim, para Figueiredo Dias e Costa Andrade é a
prevenção geral positiva e não a culpa que fornece a moldura de prevenção em
cujos limites podem e devem actuar as considerações de prevenção especial.
Fica assim, no entender daqueles autores, deslindada uma das questões mais
discutidas a propósito do papel da prevenção geral na doutrina dos fins das penas.
Com efeito, pergunta-se se seria lícita uma elevação da pena em nome de exigências
de prevenção geral negativa ou de intimidação da generalidade das pessoas. Esta é,
sem dúvida, um efeito a considerar. Simplesmente não o efeito primário, pois este é o
de tutela de bens jurídicos.
86
DIAS, Jorge de Figueiredo e ANDRADE, Manuel da Costa, Direito Penal – questões fundamentais,
1996, p. 114 e 115; RODRIGUES, Anabela Miranda, A determinação ..., 1995, pp. 44 e ss.
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É um facto que a retribuição não trouxe para a doutrina dos fins das penas
nenhuma contribuição quer quanto ao seu conteúdo, como quanto à sua história.
Porém, não se lhe pode negar o grande mérito de ter posto em evidência a
essencialidade do princípio da culpa e do significado desse princípio para o problema
dos fins das penas. Com efeito, o princípio segundo o qual “não há pena sem culpa e a
medida da pena não pode ultrapassar a medida da culpa” definiu a verdadeira função
da culpa no sistema punitivo.
A culpa desempenha no sistema uma função de proibição do excesso. Não
sendo, embora, o fundamento da pena, ela é contudo o seu limite inultrapassável,
quaisquer que sejam as exigências de prevenção geral positiva de integração ou
negativa de intimidação, especial positiva de socialização ou negativa de inocuização.
87
DIAS, Jorge de Figueiredo e ANDRADE, Manuel da Costa, Direito Penal – questões fundamentais,
1996, pp. 118 e 119; DIAS, Jorge de Figueiredo, “Direito Penal Económico” in Centro de Estudos
Judiciários, Ciclo de Estudos, Coimbra, 1985, pp. 36 e ss.
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Conclusão
Em conclusão, a teoria da pena que é defendida no presente texto pode resumir-se
nos seguintes pontos que são, também, definidos por Anabela Rodrigues 89:
1. Toda a pena serve finalidades exclusivas de prevenção geral e especial.
2. A pena concreta é limitada e o seu máximo é inultrapassável pela medida da
culpa.
3. Dentro desse limite máximo, a pena é determinada no quadro de uma moldura
de prevenção geral de integração. O limite superior dessa moldura é dado
pelo ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos enquanto que o limite mínimo
é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico.
4. Ainda dentro dessa moldura de prevenção geral de integração, a medida da
pena é encontrada em função de exigências de prevenção especial, em regra
positiva ou de socialização e só excepcionalmente negativa de intimidação ou
segurança individual.
88
DIAS, Jorge de Figueiredo e ANDRADE, Manuel da Costa, Direito Penal – questões fundamentais,
1996, p. 120; DIAS, Jorge de Figueiredo, Temas Básicos, 2001, pp. 109 e 110.
89
RODRIGUES, Anabela Miranda, A determinação ..., 1995, pp. 152 e ss.
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As normas penais incriminadoras, têm uma estrutura que mostra bem o caracter
imperativo e sancionador do direito penal. Contudo, antes de nos referirmos às
característica dessas normas, importa salientar que, para além desse tipo, o direito
penal tem outro tipo de normas que não têm caracter sancionador. Para melhor
compreensão dessa distinção, é importante olhar para a estrutura do Código Penal. Ele
contém uma parte geral, artigos 1º a 129º do Código Penal de 1886 (ainda em vigor) e
artigos 1º a 146º do Projeto de Novo Código Penal. Estas normas não são
incriminadoras. Algumas estabelecem conceitos, como o artigo 1º do CP 1886, e
artigos 19º e 20º do Projecto de Novo CP, princípios estruturantes de direito penal
artigo 5º do CP 1886, artigo 1º do Projecto de Novo CP.
As normas incriminadoras, como o conceito diz, são aquelas que qualificam os
comportamentos como crime e estabelecem a correspondente consequência jurídica
que, à luz do CP de 1886, pode ser de prisão e multa,90 e do Projecto de Novo CP, de
prisão ou multa 91 . “As normas penais incriminadoras desdobram-se em dois
90 A distinção é relevante, porque nos termos do CP de 1886, ao condenado pode ser aplicada em
simultâneo uma pena de prisão e uma pena de multa, veja-se artigo 290º que tem como epígrafe
Violação de Segredo Profissional. “Será condenado a prisão até seis meses e multa
correspondente o funcionário : 1º que revelar segredo de que só tiver conhecimento ou for
depositário, em razão do exercício do seu emprego...”. Quando o artigo refere multa
correspondente, significa que, sendo ao condenado aplicada uma pena de 3 meses de prisão, ele
terá também de pagar três meses de multa. E porque a multa é estabelecida por quantia
monetária calculada por dia, veja-se artigo 63º , Redacção do Decreto –Lei nº 7/00 de 3 de
Novembro no CP 1886, o condenado cumprirá uma pena de 3 meses de prisão e durante esses
três meses pagará ainda, por dia, a quantia que a Sentença determinar.
91 MARCELO CAETANO, História do Direito Português ( Sécs. XII-XVI), Verbo, 1ª edição 1981, 4ª
edição 2000, pp. 248 e ss. A raiz histórica da pena de multa, vem do tempo da vingança, como
forma ou primeira fase da repressão criminal. Nesta fase, o ofendido ou os seus parentes
retribuíam o mal recebido, por um mal equivalente. “ Se o acusado era considerado homicida
passava a inimigo manifesto ou conhecido e seguiam-se então as consequências, que eram
principalmente três: 1º ., tinha de pagar a calumnia (coima) ou multa criminal , devida ao rei ou
ao senhor da terra e às vezes também aos ofendidos....” No sistema de justiça da época, justiça
privada que corresponde já a uma fase de evolução, do período da vingança privada, fazia parte a
composição, que era um espécie de acordo celebrado entre as duas partes inimigas mediante a
reparação dada directamente pelo ofensor ao ofendido, que no português da época se chamava,
corregimento da ofensa. . Essa composição tinha lugar obrigatoriamente nos delitos de menos
importância. ...” Contudo “ não se deve confundir a multa ( calumnia ou coima) que os forais
mandavam pagar com a composição. A multa era devida houvesse ou não composição, e tanto
nos homicídios como noutros crimes..” mas, por razões de política criminal, a multa surgiu no
sistema sancionatório, como pena criminal dirigida a aplicar ao condenado, e não apenas como
um mero “direito de crédito do Estado”, a partir de finais do séc. XIX , para superar a crise em
que caíram as penas de prisão de curta duração. Veja-se para mais desenvolvimentos, DIAS, Jorge
de Figueiredo, Direito Penal Português, As consequências Jurídicas do Crime, Notícias, Editorial,
1ª edição Outubro de 1993, pp. 115. Interessa, contudo, trazer a razão porque hoje o Projecto de
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Novo Código Penal da República de Angola, apresenta a pena de multa como alternativa à pena
de prisão. Embora essa solução venha já do Código de 1886, não obstante não tenha
propriamente conseguido vingar, deixando para a pena de multa um papel “somente marginal e
subsidiário”, razões de política criminal ligadas ao tratamento da pequena e da média
criminalidade, Ver para mais desenvolvimentos DIAS , Jorge de Figueiredo , Direito Penal
Português, pp. 117 e ss., trouxeram a pena de multa para a posição que hoje o Projecto de Novo
Código Penal de Angola lhe concede. Veja-se artigo 205º “ (Contágio de doença sexualmente
transmissível) 1. Quem, sabendo que é portador de doença, viral ou bacteriana, sexualmente
transmissível susceptível de pôr em perigo a vida, mantiver relações sexuais com outra pessoa
sem previamente a informar desse facto é punido com pena de prisão até 2 anos, quer dizer de 3
meses a 2 anos ou com a de multa até 240 dias.” Temos aqui uma solução em que a pena de multa
é verdadeiramente utilizada como alternativa à prisão. Trata-se de um crime de perigo abstracto.
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CAPÍTULO VI
São dois polos em que o sistema das sanções do direito penal angolano
assenta: o das penas e o das medidas de segurança. As penas têm como pressuposto e
limite irrenunciável a culpa, enquanto que as medidas de segurança, têm na base a
perigosidade (individual) do delinquente. Assim entendido o sistema ele apresenta-se
como dualista ou de duplo binário.94
Foram, o Projecto de Código Penal suíço de Carl Stoos (1893) e o “Contra-
projecto” de Liszt e Kahls (1911) que trouxeram para a dogmática a consciência da
existência de um tipo de sanções diferente das penas. Contudo, antes disso, já
Despines e Lombroso e mais tarde Ferri, defenderam a necessidade de um sistema de
92 Por todos, RODRIGUES, Orlando, ob cit, pp. 27 e 28. Para efeitos de estudo das penas, das
medidas de segurança previstas no CP de 1886, pp. 28 a 30. Para as medidas sancionatórias sem
natureza penal vejam-se pp. 30 e 31.
93
De importante consulta: RODRIGUES, Orlando Ferreira, Direito Penal I, Fasc. I.
94
DIAS, Jorge de Figueiredo e ANDRADE, Manuel da Costa, Direito Penal – questões fundamentais,
1996, p. 123.
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medidas de defesa social que substituísse o anterior sistema. Mas isto não significa
que antes não existissem medidas que na linguagem do sistema mais moderno
pudessem ser reconduzidas à categoria de medidas de segurança. Significa sim que só
a partir dos referidos estudos, se ganhou maior consciência da necessidade de o
sistema de penas ser integrado por um outro de medidas que do ponto de vista
político-criminal apresentassem uma expressão diferente da das penas.
A aplicação de medidas de segurança mostrou-se, desde logo, indispensável
para o tratamento dos inimputáveis ou incapazes de culpa (menores de tenra idade,
um esquizofrénico, um oligofrénico pesado). Nestes casos, se o facto praticado e a
personalidade do agente mostrarem a existência de uma grave perigosidade, não pode
o sistema sancionatório penal deixar de intervir, sob pena de se deixar de cumprir uma
importante tarefa de defesa social que a política criminal impõe. Outra razão que
também está na base da indispensabilidade das medidas de segurança relaciona-se
com os imputáveis. Com efeito, estes são capazes de culpa; porém, pode acontecer
que os princípios que presidem à culpa e a medida da pena se revelem insuficientes
para atender à especial perigosidade, resultante das particulares circunstâncias em que
o facto ocorreu ou/e mesmo da personalidade do agente. Nestes casos, pode ficar a
ideia de por um lado se atender à culpa pela aplicação de uma pena, mas haver de se
fazer recurso a uma medida de segurança por virtude da particular perigosidade do
agente.95
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específica dos interesses de segurança da vida comunitária que aqui está, de uma
forma geral, em questão. 96 Contudo, a ideia é de socialização que deve presidir a
aplicação das medidas de segurança, não só porque princípios de humanidade e
socialidade dominam a constituição político-crimina, como a segurança só deverá
constituir finalidade autónoma das medidas de segurança, lá onde efectivamente a
socialização não se mostre possível.
Importante é ressaltar que, embora se considere a função de socialização
primária, não deverá entender-se que essa função se justifica só por si. É que as
medidas de segurança são aplicadas pela necessidade de prevenção da prática futura
de factos ilícitos típicos. Isto significa, que para se aplicar a medida de segurança e
consequentemente operar-se a socialização é necessário que antes de tudo, o agente
cometa um facto qualificado pela lei como ilícito-típico que se mostre como sintoma
que reclame socialização. Por outro lado, é ainda indispensável que a perigosidade do
agente se verifique, ou seja, que haja perigo de no futuro ele voltar a cometer factos
ilícitos típicos.97
95
DIAS, Jorge de Figueiredo e ANDRADE, Manuel da Costa, Direito Penal – questões fundamentais,
1996, p. 124.
96
DIAS, Jorge de Figueiredo e ANDRADE, Manuel da Costa, Direito Penal – questões fundamentais,
1996, p. 125.
97
DIAS, Jorge de Figueiredo e ANDRADE, Manuel da Costa, Direito Penal – questões fundamentais,
1996, pp. 125 e 126.
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prevenção geral negativa de intimidação. 98 Por outro lado, é importante notar que a
medida de segurança é aplicada ao agente pela prática de um facto ilícito-típico; isso
só pode acontecer porque a medida de segurança tem também um função de protecção
de bens jurídicos e tutela das expectativas comunitárias na validade da norma violada,
função que é assacada à pena e que cobre a finalidade de prevenção geral positiva ou
de integração de forma autónoma e não apenas reflexa ou dependente da prevenção
especial assinalada.
98
DIAS, Jorge de Figueiredo e ANDRADE, Manuel da Costa, Direito Penal – questões fundamentais,
1996, p. 127, trazem o exemplo alemão: Roxin, refere a medida de segurança de inibição da faculdade
de conduzir (que) “actua sobre a generalidade de uma mais intimidante do que a pena cabida ao delito
de tráfico”.
99
DIAS, Jorge de Figueiredo e ANDRADE, Manuel da Costa, Direito Penal – questões fundamentais,
1996, pp. 130 e 131.
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O Projecto de Novo Código Penal, trata esta matéria nos artigos 39º ... 4 .
Medidas de segurança: a) Internamento; b) Suspensão de execução do internamento;
Interdição de actividades; d) Cassação de licença de condução de veículos
motorizados; e) Interdição de concessão de licença de condução de veículos
motorizados; f) Cassação de licença de porte de arma; g) Interdição de concessão de
licença de porte de arma.
São ainda aplicáveis às medidas de segurança as disposições dos artigos 40º,
41º e 42º e os artigos 101º a 119º todos do Projecto de Novo CP. É importante ter
presente, que à semelhança das penas, as medidas de segurança estão também sujeitas
ao princípio da legalidade artigo 1º nº2 “ Só pode ser aplicada medida de segurança a
estados de perigosidade cujos pressupostos estejam fixados em lei anterior à sua
verificação”. Do mesmo modo é proibida a analogia e a interpretação extensiva para
definir um estado de perigosidade ou determinar a medida de segurança que lhe
corresponda, nº3 do artigo 1º.
Pretende-se clarificar que também as medidas de segurança estão sujeitas ao
princípio da taxatividade, ou seja, só podem ser as previstas no nº4 do artigo 39º do
Projecto de Novo Código Penal e as que vierem a ser previstas em lei posterior à
publicação do Novo Código, por exemplo, em legislação avulsa. As medidas de
segurança devem ser decretadas em sentença. 100
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TEXTO N.º 8
Resulta do exposto que o que realmente delimita o direito penal relativamente aos
outros ramos do direito é a natureza, fundamento e as finalidades das consequências
jurídicas que aplica.
100 Á semelhança da matéria relativa às penas, as medidas de segurança serão objecto de estudo
mais detalhado, no 5º ano na cadeira de Direito Penal II.
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101
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102 De notar que embora tenham ocorrido mudanças na legislação portuguesa, em Angola, as
contravenções mantêm-se com a vigência do CP de 1886 e subsistirão com a entrada em vigor do
Novo Código Penal. Assim, a distinção a fazer entre crimes e contravenções, será feita a propósito
do estudo da Teoria da Infracção Penal.
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103
Em Portugal, o ilícito de mera ordenação social foi pela primeira vez consagrado no Decreto-Lei n.º
232/79 de 14 de Julho, ainda na vigência do Código Penal de 1886. O diploma eliminou a categoria das
contravenções puníveis com pena de multa. Contudo, em seguida o Decreto-Lei n.º 232/79 substituído
pelo Decreto-Lei n.º 433/82 de 27 de Outubro que veio instituir o regime geral do direito de mera
ordenação social e respectivo processo. Este diploma sofreu, em Outubro de 1989 e Setembro de 1995,
alterações muito significativas.
104
DIAS, Jorge de Figueiredo e ANDRADE, Manuel da Costa, Direito Penal – questões fundamentais,
1996, pp. 130 e 131.
105
O exemplo refere-se à legislação portuguesa mas é de todo o interesse ser aqui apresentado pela sua
importância.
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a. Autonomia da sanção
A sanção a aplicar em caso de contra-ordenação é a coima. Trata-se de uma
sanção exclusivamente patrimonial que se diferencia tanto na essência como nas
finalidades da pena criminal. Aqui, como na pena criminal, não presidem ideias de
retribuição. Apenas a prevenção tem lugar. Por outro lado, a coima não se liga à
personalidade do agente nem à sua atitude interna, como resultado da diferente
natureza e diferente função que a culpa joga na responsabilidade por contra-
ordenação. A coima serve para advertir, repreender pelo desrespeito a determinadas
proibições ou imposições legislativas. Assim, nada aqui temos que nos leve a ideias
de prevenção especial positiva de ressocialização. Resultam por isso, importantes
consequências para o respectivo regime: o efeito da falta de pagamento da coima é a
106
DIAS, Jorge de Figueiredo e ANDRADE, Manuel da Costa, Direito Penal – questões fundamentais,
1996, p. 149.
107
A Constituição da República Portuguesa contempla esta matéria como reserva relativa de
competência e vem prevista nas alíneas c) e d) do n.º 1 do artigo 16.º. Na mesma direção vai a
Constituição angolana de 2010, a CRA, que prevê o regime geral de punição dos actos ilícitos de mera
ordenação social, e o respectivo processo, na alínea t) do nº1 do artigo 165º. Trata-se de matéria de
competência relativa da Assembleia Nacional.
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108
Em Portugal, pode o condenado, a seu requerimento, solicitar ao tribunal a substituição da coima
por prestação de trabalho a favor da comunidade (artigo 89.º do Decreto Lei n.º 433/82, acrescentado
pelo Decreto Lei n.º 244/95). Simplesmente, a prestação de trabalho a favor da comunidade é uma pena
criminal de prisão que tem natureza e finalidades específicas das quais se destaca a prevenção especial
positiva ou de socialização. Por isso, não pode, sem mais, ser transformada numa sanção contra-
ordenativa.
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109
Com efeito, aqueles autores fundamentaram a sua posição argumentando que as exigências da
tipicidade das infracções e da culpa se encontram no direito disciplinar muito adormecidas por força do
princípio da legalidade no direito penal. Na verdade, no direito penal de um Estado de direito
democrático, o direito penal é um direito do facto e não do agente
73
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110
O artigo 57.º do Código Penal de 1886, ainda em vigor, prevê a pena de demissão como pena
especial aplicável aos funcionários públicos. Esta é cumulativamente aplicada a qualquer sanção
criminal. O direito disciplinar dos
111
DIAS, Jorge de Figueiredo e ANDRADE, Manuel da Costa, Direito Penal – questões fundamentais,
1996, p. 157.
112 Código Penal Português, Anotado, com prefácio do Professor Doutor Beleza dos Santos, 7ª
Edição Revista e Actualizada, com Legislação, Doutrina e Jurisprudência, Coimbra Editora, 1971,
anotação ao artigo 65º, pp. 227, “ 1º a pena de demissão prevista no § único do artigo 65º do
Código Penal, como sanção penal acessória, não resulta automaticamente de decisão penal
condenatória que tenha aplicado a pena principal;2º Está pois a Administração impedida de
executar a aludida pena acessória, mesmo que, porventura, a decisão penal tenha omitido
indevidamente a pronúncia a que se refere o citado preceito do Código Penal; 3º O procedimento
disciplinar é autónomo em relação ao procedimento penal, embora se deva atender, no âmbito da
prova, ao disposto no artigo 153º do Código do Processo Penal e sem prejuízo da averiguação de
outros factos que interessem à jurisdição disciplinar; 4º Assim, e no caso concreto, terá a
Administração que instaurar o competente procedimento disciplinar.” Este é um parecer da
Procuradoria Geral da República de 10 de Maio de 1968. Publicado no Diário do Governo de 26
de Junho e no Boletim Oficial 184-128, contra Jurisprudência anterior, Acórdão do Supremo
Tribunal Administrativo de 27 de Junho de 1941, publicado no Diário do Governo, 2ª Série de 9
de Junho de 1942 que dizia o seguinte: “ Impondo a lei a pena de demissão como consequência do
julgado, a aplicação dessa pena resulta de condenação e não de um inútil e desnecessário
processo disciplinar”.
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§ Único: A disposição da al. e) do artigo 11º do Decreto nº33/91deverá ser interpretada no sentido
de que o funcionário ou agente demitido só poderá voltar a integrar os quadros da função pública,
satisfeitos os requisitos nele constantes e mediante participação em concurso público de ingresso,
conforme o previsto pelo artigo 6º e seguintes do Decreto nº22/91, de 22 de Junho.
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O art.º 76º do CP vigente, fala dos efeitos da condenação em pena de prisão maior. O nº1
deste artigo estabelece expressamente o seguinte: “ o réu definitivamente condenado a
qualquer pena maior incorre: na perda de qualquer emprego ou funções públicas, dignidade,
títulos, nobreza ou condecorações”.
A perda (demissão) do emprego ou funções públicas do funcionário ou agente condenado
por sentença criminal a que o artigo supra faz referência é uma pena acessória que deve ser
aplicada não pelo Juiz, mas sim pelo superior hierárquico competente do funcionário ou
agente condenado. A este respeito, estabelece o nº2do artigo 27º do Decreto nº33/91, que “ o
processo disciplinar é independente do processo criminal ou civil para efeitos de aplicação
das penas disciplinares”.
Para o efeito, será necessário que o Juiz, uma vez verificado que a sentença criminal transitou
em julgado, remeta cópia da sentença condenatória ao serviço do qual o funcionário ou
agente dependa para a promoção do competente processo disciplinar e consequentemente a
aplicação da respectiva pena de demissão.
Este processo, segundo Marcelo Caetano é um processo especial, por dispensar a defesa
do arguido por ser inútil, uma vez que foi produzida no processo criminal e não é susceptível
de modificar a responsabilidade disciplinar.
3. CONCLUSÕES
Nos termos acima referidos, podemos concluir que a readmissão do funcionário demitido em
sede de um processo disciplinar, passa necessariamente pela reunião de três pressupostos
cumulativos:
A pena de demissão enquanto pena acessória resultante de um processo crime com pena de
prisão maior, não é de aplicação automática. É necessário que o Juiz envie uma certidão da
sentença transitada em julgado ao serviço do condenado para efeitos de promoção do processo
disciplinar especial e aplicação da pena de demissão.
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O projecto de novo código penal ao prever a readmissão do funcionário público demitido após o
decurso de três anos, estará a consagrar normas que vão bulir com as vigentes sobre a matéria,
nomeadamente no que diz respeito aos requisitos exigíveis para a readmissão do funcionário
demitido uma vez ( três ou quatro)
Na eventualidade de as normas do processo disciplinar e do processo criminal estarem
simultaneamente em vigor, aplicar-se-ia a norma do CP somente nos casos em que a pena de
demissão do funcionário fosse aplicada como pena acessória.
Nos casos em que a pena de demissão do funcionário fosse aplicada como pena principal e em
processo disciplinar que não penal, aplicar-se-ia no caso de readmissão, o prazo de 4 anos;
Já nas situações em que sobre a mesma conduta promoveram-se dois processos – o disciplinar e
o criminal – aplicar-se-ia , no caso de readmissão do funcionário o prazo de 3 anos, em
homenagem ao princípio da consunção e do favor réu, isto é, o prazo de 3 anos estabelecido no CP
consumiria o de 4 previsto no Decreto nº33/91.
Ainda assim, parece que o mais razoável seria a clarificação dos regimes e aproximar o regime do
CP e do Processo Penal ao do Processo disciplinar laboral.”114
Porque a dúvida ficou suscitada, interessa, a título de exemplo, trazer o
regime que o Projecto de Novo Código Penal propõe para a pena de demissão.
Em nosso entender o CP de 1886 contém um regime mais gravoso, quanto à
problemática da cumulação da responsabilidade criminal com a disciplinar.
Com efeito o artigo 39º do Projecto, enumera as penas acessórias e nele
vem prevista a Proibição de exercício de função. Desde logo, não lhe denominou
“demissão” e sim “proibição”. O artigo 64º vem clarificar e, no nº1 estabelece que
“ o titular de cargo público, funcionário público ou agente da administração
pública, que no exercício da actividade para que foi eleito ou nomeado, cometer
crime e for condenado com pena de prisão superior a 3 anos, é também proibido
do exercício daquelas funções por um período de até 3 anos quando o facto :
a) For praticado com flagrante e grave abuso de funções ou com manifesta e
grave violação dos deveres que lhe são inerentes;
b) Revelar falta de dignidade no exercício do cargo ou da função;
c) Implicar a perda da confiança necessária ao exercício de cargo ou função;
No nº3 dispõe: “ não conta para o prazo de proibição o tempo em que o agente
estiver privado da liberdade por força de medida de coação processual, pena ou
medida de segurança. O nº5 vem ainda estabelecer o seguinte: “ Sempre que o
114Esta nota foi-nos enviada, a nosso pedido, pelo Professor Doutor Carlos Feijó. Trata-se de
uma reflexão por ele feita, que não vem publicada em nenhuma revista ou livro, nos teremos em
que está exposta. Contudo exprime, com clareza, o regime em vigor em Angola.
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115 Ouvimos a opinião avisada do Sr. Dr. Florentino Inácio, Magistrado do Ministério Público do
Foro Militar, que tem lidado com a questão, e nos traz o ponto de vista do que na Magistratura
Militar se tem entendido quanto a essas questões. “A MEDIDA DISCIPLINAR DE DETENÇÃO
E O SEU CONFRONTO COM A DETENÇÃO ENQUANTO MEDIDA DE NATUREZA
CAUTELAR115
Antes de mais, é conveniente situarmo-nos relativamente ao verdadeiro problema relacionado
com a medida disciplinar de detenção, resultante da aplicação de processo disciplinar militar.
A medida de detenção é uma das elencadas no artigo 17.º das Normas Reguladoras de
Disciplina Militar, normas essas aprovadas em 22 de Novembro de 1991, pela Comissão Conjunta
Político Militar e dentro dela pela Comissão Conjunta para a reforma das Forças Armadas.
Porém, essa medida de detenção, a par de duas outras, nomeadamente a prisão domiciliar e a prisão
domiciliar agravada, implicam materialmente a privação da liberdade do arguido ou do infractor
considerando que estamos em presença de um processo disciplinar.
A questão da inconstitucionalidade discute-se não tanto, se não mesmo, em relação a
aplicação de duas medidas da mesma natureza em virtude dos mesmos factos, sendo concretamente,
uma detenção disciplinar e outra criminal, o que poria em causa o princípio “non bis in idem”, tal como
previsto no artigo 65.º, n.º 5 da CRA, mas, sim relativamente a ilegitimidade para simples Normas
Reguladoras de Disciplina Militar limitarem direitos e liberdades fundamentais.
Senão vejamos: de acordo com o artigo 164.º da CRA, alíneas b), c), e) e j), à Assembleia
Nacional compete legislar com reserva absoluta sobre direitos, liberdades e garantias fundamentais dos
cidadãos; restrições e limitações aos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos; definição dos crimes,
penas, medidas de segurança, bem como das bases do processo criminal e por fim, sobre as bases
gerais da organização, do funcionamento e da disciplina das Forças Armadas Angolanas, das forças de
segurança pública e dos serviços de informação.
Somos, pelo exposto, forçados a concluir que as Normas Reguladoras de Disciplina Militar são, a luz
da Constituição de 2010, inconstitucionais 115 , por estarem em flagrante desacordo com as suas
disposições. Essa é, portanto, a primeira e provavelmente única situação que se reveste de interesse
teórico para uma abordagem a vários níveis, didáctico e processual.
Quanto à situação que unilateralmente chamamos de confronto entre detenção disciplinar e
detenção enquanto medida cautelar, parece-nos ser um falso problema, quando analisado com
profundidade.
Os processos disciplinar e criminal são autônomos entre si e de natureza diferente, o primeiro
apresenta-se como um processo administrativo e o segundo como um verdadeiro processo
jurisdicional. A verdade é que, qualquer um deles pode desencadear o outro bastando que existam
elementos que justifiquem tal decisão115.
De acordo com o artigo 40.º das Normas Reguladoras da Disciplina Militar, concluída a
instrução, pode tomar-se dentre as várias decisões, a seguinte: se a infracção cometida tiver natureza de
crime militar, remeter-se o processo para as instâncias competentes. Na mesma linha de pensamento,
dispõe o artigo 11.º da Lei dos Crimes Militares (Lei n.º 4/94, de 28 de Janeiro), que relativamente a
determinados crimes e considerando o valor especial de certas circunstâncias atenuantes, o processo-
crime poderá ser convertido em processo disciplinar.
Pelo exposto, parece ser de concluir com relativa segurança, que não podem correr
simultaneamente um processo disciplinar e um processo crime tendo como objecto os mesmos factos, e
o que está em causa é sem dúvidas, o princípio “non bis in idem”. Assim, também nos fica fácil
concluir que não pode haver detenção disciplinar e detenção enquanto medida cautelar, ao mesmo
“acusado” e pelos mesmos factos, porque relativamente ao processo disciplinar, a detenção, ainda que
uma medida inconstitucional, aplica-se no final do processo, o que significa que, por um lado, os
factos não foram convertidos em processo-crime e, por outro, processualmente quer sobre aqueles
factos não poderá haver mais nenhuma reação, seja disciplinar e muito menos criminal.
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Florentino Inácio
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indemnizatória, punitiva ou mista, a sua diferença da sanção penal é clara pelo que
ficou exposto.118
DIAS, Jorge de Figueiredo e ANDRADE, Manuel da Costa, Direito Penal – questões fundamentais,
118
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TEXTO N.º 9
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que, nos termos da alínea c) do nº1 do artigo 165º da Constituição da República Portuguesa, “ é
da exclusiva competência da Assembleia da República legislar sobre a definição dos crimes,
penas, medidas de segurança e respectivos pressupostos (...) salvo autorização do governo “.
Ainda segundo Faria Costa, assim consagrado o Princípio da Legalidade encerra três vertentes
principais: a) a reserva de lei da Assembleia da República, ou Reserva de Lei stricto sensu; b) a
proibição de intervenção normativa de regulamentos; e, finalmente c ) a “ exclusão do direito
consuetudinário como fonte de definição de crimes ou punição penal”. Vertentes estas com
imediatas implicações no campo das fontes do direito penal. Na mesma direcção CARVALHO,
Américo Taipa, Direito Penal, Parte Geral, Questões Fundamentais, a Teoria Geral do Crime, 2ª
Edição, Coimbra Editora, 2008, p. 156 “ ... do que acaba de dizer-se resulta que o corolário do
princípio da legalidade do nullum crimen, nulla poena sine lege scripta, significa que a única fonte
do direito penal é a lei formal, ou seja, a lei da Assembleia da República”. BELEZA, Teresa
Pizarro, Direito Penal, 1985, p. 409; CANOTILHO, J.J. Gomes, Teoria da Legislação e Teoria da
Legislação Penal. Contributo para uma teoria da legislação” in BFD ( Boletim da Faculdade de
Direito da Universidade de Coimbra ), Estudos em Homenagem a Eduardo Correia, I, 1988, p. 855.;
Para mais desenvolvimentos e informação sobre esta questão, veja-se SEBASTIÃO, Luzia
Bebiana, Legalidade Penal, Costume e Pluralismo Jurídico a Experiência angolana, o(s) direito(s) e
o (s) facto (s), Petrony Editora, 2019, 168 a 190.
122 RODRIGUES, Orlando, Ob. cit, p. 48 a 53.
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TEXTO Nº10
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125
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1.2. Fundamentos
Viu-se, pelo exposto, que o princípio da legalidade da intervenção penal tem
raízes iluministas mas a sua fundamentação é plural ou seja, podem ser considerados
fundamentos internos ou externos. Os fundamentos externos estão ligados à
concepção de Estado; importa, por isso, referir os princípios liberal democrático e o
da separação de poderes. Para o princípio liberal a intervenção do Estado na
esfera de actuação dos direitos liberdades e garantias das pessoas tem de estar
ligado à existência de uma lei, uma lei geral, anterior e abstracta, veja-se por
interpretação os artigos 67.º e 68.º da CRA. Relativamente aos princípios
democráticos e da separação de poderes, em que essa separação é entendida no
sentido da interpenetração e co-responsabilização, a intervenção penal pelo seu
peso só fica legitimada pela actuação da instância representativa do Povo no
exercício do ius puniendi; resulta daqui que qualquer intervenção penal só pode
ser feita por lei, e lei em sentido formal, ou seja, Lei da Assembleia Nacional,
alínea e) do artigo 164º da CRA.
Como fundamentos internos, apontam-se a ideia de prevenção geral e o princípio
da culpa. É certo, como diz Castanheira Neves 126 , que o verdadeiro fundamento
interno é a “axiológica normatividade do próprio direito”. Contudo, não se pode
esquecer que, para que a norma cumpra a sua função de garante da tutela dos bens
jurídicos na sua vertente “negativa”, como intimidação e, ainda na sua vertente
“positiva”, de estabilização das expectativas, os cidadãos têm de ter a oportunidade
de, através de lei anterior, escrita e certa, saber o que é permitido e o que é proibido.
126
NEVES, António de Castanheira, “Separata de Estudos Eduardo Correia”, 1988, pp. 65 e ss. e 75 e
ss.
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Por outro lado, também não seria legítimo dirigir a alguém uma censura por ter
actuado, se não existisse uma lei anterior escrita, estrita e certa considerar o
comportamento como objecto de censura, como crime.
Mesmo em relação à prevenção especial, embora sobre esta questão a maioria
da doutrina o não considere, o entendimento actual reclama a exigência do princípio
da legalidade. O comportamento que indicia a perigosidade não pode ser visto apenas
como um “sintoma ou índice da carência de socialização” mas tem de ser também
fundamento e limite da intervenção penal, ressurgindo assim a exigência da
legalidade da lei estrita.127
2. Sentido do Princípio “Nullum crimen sine lege, nulla poena sine lege”
Segundo o princípio, não há crime sem que uma lei anterior o preveja,
significa que, por mais reprovável que o comportamento se apresente no seio da
comunidade, para que ele possa ser punido, é necessário que uma lei anterior o
preveja e estabeleça a respectiva consequência jurídica. Daqui que as lacunas ou os
esquecimentos do legislador funcionam contra o legislador e a favor da liberdade: ex.
Artigo 451.º do Código Penal de 1886. Por este artigo, a burla por defraudação só é
punida a favor do próprio agente. Se for entregue a um terceiro, fica claro que essa
conduta não é punida. Houve aqui uma lacuna gravíssima de punibilidade que só pode
ser atribuída ao legislador, com a consequência de que a burla a favor de 3.º fica
impune.
Se olharmos para o artigo 417º do Projecto de Novo Código Penal, que é
direito a constituir, esta lacuna desaparece, ou seja, veremos que a burla a favor de
terceiro já é punida. “ Quem, usando de qualquer meio astucioso ou enganoso, induzir
ou mantiver outrem em erro ou engano e, com o propósito de obter para si ou pra
terceiro um enriquecimento ilícito, a levar a praticar actos que lhe causem ou causem
a terceira pessoa prejuízo patrimonial é punido .....”.
A expressão nulla poena sine lege significa que “não há pena ou medida de
segurança que não venha prevista numa lei anterior”. A CRA no artigo 75º,
embora com certa deficiência de redacção, claramente refere a necessidade de lei
DIAS, Jorge de Figueiredo e ANDRADE, Manuel da Costa, Direito Penal – questões fundamentais,
127
1996, p. 165.
89
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DIAS, Jorge de Figueiredo e ANDRADE, Manuel da Costa, Direito Penal – questões fundamentais,
128
1996, p. 168.
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medida em que esta venha a ser chamada pela lei penal para fundamentar ou agravar a
responsabilidade criminal. Esta questão levanta-se a propósito das chamadas normas
penais em branco – aquelas que cominam uma pena para comportamentos que não
descrevem, mas alcançam esses comportamentos pela remissão da norma penal para
outras leis ou regulamentos. Ex.: artigo 246.º do Código Penal de 1886. Entendem,
Figueiredo Dias e Costa Andrade que, desde que a norma penal em branco conste
da lei formal, não haverão razões para de um ponto de vista teleológico e racional,
não ser, no plano da fonte, a elas aplicável, o respeito pelo princípio da legalidade.
DIAS, Jorge de Figueiredo e ANDRADE, Manuel da Costa, Direito Penal – questões fundamentais,
129
1996, p. 172.
91
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A analogia, como procedimento que respeita à aplicação da lei, não pode ser
permitida em Direito Penal por força do princípio da legalidade, sempre que ele
funcione contra o agente e vise fundamentar ou agravar a sua responsabilidade.
O artigo 18.º do Código Penal de 1886 a prevê: “ Não é admissível a analogia ou
indução por paridade, ou por maioria de razão, para qualificar qualquer facto como
crime; sendo sempre necessário que se verifiquem os elementos essencialmente
constitutivos do facto criminoso, que a lei expressamente declarar”.
Em termos de direito a constituir, o artigo 1º do Projecto de Novo Código
Penal, estabelece no nº2 “ Não é permitido o recurso à analogia nem à interpretação
extensiva para qualificar um facto como crime, para definir um estado de
perigosidade ou para determinar a pena ou a medida de segurança que lhes
correspondem.”
DIAS, Jorge de Figueiredo e ANDRADE, Manuel da Costa, Direito Penal – questões fundamentais,
130
1996, p. 174.
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131 SEBASTIÃO, Luzia Bebiana de Almeida , Legalidade Penal, Costume e Pluralismo Jurídico, A
Experiência Angolana, o (s) Direito e o(s) Facto (s), Petrony Editora, Novembro de 2019, p. 361 a
363.
132 FEIJÓ, Carlos Maria, A Coexistência Normativa entre o Estado e as Autoridades Tradicionais na
Ordem Jurídica Plural Angolana, Almedina, 2012, p.391. No mesmo sentido embora não de forma
directa, MACHADO, Jónatas E. M. , COSTA Paulo Nogueira, HILÁRIO, Esteves Carlos, Direito
Constitucional Angolano, 2ª Edição
133 GOUVEIA, Jorge Bacelar, Direito Constitucional de Macau, IDILP, Lisboa, 2012, p. 92
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1.7. Para uma interpretação dos nºs 2 e 3 do artigo 65º (aplicação da lei
criminal) da CRA.
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DIAS, Jorge de Figueiredo e ANDRADE, Manuel da Costa, Direito Penal – questões fundamentais,
135
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Entretanto, hoje, Figueiredo Dias e Costa Andrade consideram que não porque, do
ponto de vista literal comum, a energia eléctrica não pode caber no teor da palavra
“coisa”. Esta pressupõe uma certa materialidade, corporalidade. Por isso, o legislador
alemão criou uma disposição específica para a incriminação e subtracção de energia e
de energia eléctrica: o §248C do Código Penal Alemão. Em Portugal, o desvio de
energias alheia é punido por via de falsificação, danificação ou, eventualmente, de
burla. Em Angola, para além de ainda vigorar o Assento do Supremo Tribunal de
Justiça de 1955, o desvio de energia alheia pode ser furto ou eventualmente burla,
punível nos termos do Código Penal.
O artigo 451.º do Código Penal prevê a Burla por Defraudação. O Tribunal da
Relação de Lisboa, no seu Acórdão de 9 de Outubro de 1954, publicado no Boletim
do Ministério da Justiça, n.º 41, a p. 159, considerou que quem ateasse fogo a coisa
própria com fim de receber o prémio do seguro cometeria o crime de burla por
defraudação. Entende-se que, aqui, a Jurisprudência portuguesa, violou a proibição da
analogia. Com efeito, quem tem um seguro, para que possa receber o prémio tem de
comunicar à companhia a ocorrência do incêndio. Simplesmente, a comunicação, só
por si, não pode caber no teor literal da expressão “artifício fraudulento” prevista no
artigo 451.º do Código Penal de 1886 para efeitos de burla. A jurisprudência praticou
analogia pois o que aqui existia era uma lacuna que não podia ser preenchida por
recurso à analogia, pois tratava-se de uma incriminação.
Para a República de Angola a questão permanece, mas para Portugal o artigo 219.º do
Código Penal de 1892 veio expressamente alterar esta situação criminalizando a burla
relativa a seguros.
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indicação deverá ser para um mínimo de três pessoas porque a relação entre duas
pessoas acaba geralmente no acordo e não propriamente na associação. 136
c) Castanheira Neves 137 não trata esta questão como relativa ao conteúdo e sentido do
princípio da legalidade mas como “um problema do cumprimento do princípio da
legalidade criminal”. Simplesmente, Figueiredo Dias e Costa Andrade entendem que
a posição teleológica e funcional imposta pelo conteúdo de sentido do princípio é que
conduzem à doutrina da proibição da analogia. É que a aplicação do Direito Penal que
agrave a responsabilidade e, por isso, ultrapasse o significado possível das palavras da
lei conduz ao arbítrio do poder do Estado e, consequentemente ofende os direitos,
liberdades e garantias das pessoas, contrariando a legitimidade das regras do Estado
de Direito.
Que critério deve, então, o intérprete seguir para dentre os sentidos, encontrar o
jurídico-penalmente imposto? Os critérios são os gerais da interpretação jurídica. A
interpretação tem de ser teleologicamente comandada, ou seja, é necessário atender-se
ao fim almejado pela norma e funcionalmente justificado, próprio da função que o
conceito desempenha no sistema. 138
d) Assim expostas as considerações, não faz, já, sentido a preocupação metodológica
que opunha a interpretação subjectivista que tem em conta a vontade do legislador
histórico e a objectivista que se baseia nos sentidos que a regulamentação apresenta
ou assume no momento em que se faz a interpretação.
Não se discute que o intérprete tenha que estar indissoluvelmente ligado aos juízos de
valor, sentido e finalidades do legislador histórico e não às representações fácticas.
Simplesmente, ele tem também de levar em conta a nova realidade, as novas
concepções que o legislador histórico não teria podido considerar.
Mas, ao fazer isso, não pode ultrapassar o teor literal da regulamentação, ao sentido
comum das palavras utilizadas.
e) A distinção entre analogia e interpretação é possível. 139 A interpretação e a
integração são dois momentos de um processo que é o da aplicação do direito.
136
DIAS, Jorge de Figueiredo e ANDRADE, Manuel da Costa, Direito Penal – questões fundamentais,
1996, pp. 176 e 177.
137
Obra referida na nota 3, pp. 106 e ss.
138
DIAS, Jorge de Figueiredo e ANDRADE, Manuel da Costa, Direito Penal – questões fundamentais,
1996, p. 178.
139
Embora Castanheira Neves entenda que a analogia tenha a ver com a realização do direito e não
com a lei.
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Simplesmente, alguns processos mantêm-se nos quadros dos significados comuns das
palavras usadas pelo legislador e outros em que essa conclusão ultrapassa aquele
quadro. Se se atender a esta consideração está-se a observar o conteúdo de sentido que
legitima o princípio da legalidade.
Acresce que o facto de o texto da lei, o seu teor literal pode estar indeterminado, não
impede que se possa recorrer ao critério da legalidade. Ora, é exactamente essa
indeterminabilidade que conduz ao máximo de interpretação que não pode, em caso
algum, ser ultrapassado. Todos os critérios de aplicação do direito devem funcionar
dentro desse âmbito pois só assim estarão legitimados pelo princípio da legalidade.
140
EDUARDO, Correia, Direito Criminal I, pp. 145.
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141
CARVALHO, Américo Taipa de, Sucessão de Leis Penais, Coimbra Editora, 1997, pp. 35, 208;
DIAS, Jorge de Figueiredo e ANDRADE, Manuel da Costa, Direito Penal – questões fundamentais,
1996, p. 183.
142
O actual Código Penal de 1866 nada prevê sobre esta matéria. Contudo, a proposta do Código Penal
vem resolver a questão nos termos seguintes: “O facto considera-se praticado no momento em que o
agente actuou ou, em caso de omissão, deveria ter actuado, independentemente do momento em que o
resultado típico se tenha verificado”. Veja-se também o artigo 3.º do CP Português.
143
CARVALHO, Américo Taipa de, Sucessão de Leis Penais, Coimbra Editora, 1997, pp. 54 e ss.
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144
CARVALHO, Américo Taipa de, Sucessão de Leis Penais, Coimbra Editora, 1997, pp. 61 e ss. Para
este autor, a lei nova mais grave, tratando-se de crime continuado, deve ser aplicada sempre que a
totalidade dos pressupostos da lei nova se tenham verificado na sua vigência.
145
Alguma legislação, por exemplo a Alemã §2, n.º 6 do Código Penal, defende que a proibição não
deve vigorar relativamente às medidas de segurança porque são medidas de prevenção especial positiva
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que vão no sentido do bem do agente. Durante algum tempo, em Portugal e na vigência do Código
Penal de 1886, Beleza dos Santos, Eduardo Correia e Cavaleiro de Ferreira defenderam a não aplicação
da proibição às medidas de segurança. Hoje, porém, a com a Nova Constituição da República
Portuguesa e com a entrada em vigor do Código Penal de 1982 há injunções (vejam-se os artigos 29.º,
n.º 1 e n.º 3 da CRP e os artigos 1.º e 2.º do Código Penal Português) que expressamente afastam essa
doutrina. É um facto que também relativamente à realização e execução das medidas de segurança se
faz sentir a necessidade de protecção dos direitos, liberdades e garantias das pessoas atingidas, pelo que
em relação às medidas de segurança, também devem presidir as mesmas razões que assistem às penas.
146
DIAS, Jorge de Figueiredo e ANDRADE, Manuel da Costa, Direito Penal – questões fundamentais,
1996, pp. 186 e 187.
147
O n.º 4 do artigo 29.º da CRP fixou com clareza o regime da retroactividade da lei penal mais
favorável. Assim, conferiu ao regime o relevo jurídico necessário para a salvaguarda dos direitos,
liberdade e garantias. Contudo, esta consagração levanta algumas questões que reputo importante
ressaltar. a) As situações de descriminalização em sentido técnico, ou seja, situações em que uma lei
posterior vem dizer que o facto deixou de ser considerado crime – trata-se do n.º 2 do artigo 2.º do
Código Penal Português. A Solução proposta é perfeitamente compreensível. Com efeito, se a
concepção do legislador se alterou, não parece ser político-criminalmente coerente manter-se uma
concepção já ultrapassada. Por outro lado, b) se a lei nova deixa de considerar a conduta como crime e
passa a trata-la como contra-ordenação, a Doutrina divide-se: b.1) CARVALHO, Américo Taipa de,
Sucessão de Leis Penais, pp. 88 e ss., entende que, ao qualificar-se a conduta como contra-ordenação é
uma descriminalização do facto. Assim, a nova lei apenas pode vigorar para o futuro. Não se aplica
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retroactivamente. Outros Autores, na Alemanha, entendem que o que aqui se passa é uma alteração
modificação da concepção do legislador, no sentido de aplicar um regime mais favorável. Não há aqui
uma qualquer interrupção do juízo de sancionabilidade porque o ocorreu foi uma modificação na
natureza da infracção. Logo, a lei nova aplica-se retroactivamente porque é mais favorável. c) Nos
casos em que a lei nova atenua as consequências jurídicas que se ligam ao facto – penas, medidas de
segurança e respectivos efeitos – entendem Figueiredo Dias e Costa Andrade que a lei nova deve
aplicar-se retroactivamente, desde que mais favorável (n.º4 do artigo 2.º do Código Penal Português).
d) A questão das leis intermédias que vem muito claramente coberta tanto pelo n.º 4 do artigo 2.º do CP
Português como pelo n.º 4 do artigo 29.º da CRP. Com efeito, trata-se da seguinte situação: Um lei
entra em vigor depois da prática do crime e vem puni-lo mais levemente. Entretanto, esta mesma lei
deixa de vigorar antes do crime ser julgado e, entra em vigor uma outra, que vem punir o mesmo crime
de forma outra vez mais severa. Pergunta-se: que lei aplicar? A intermédia que veio punir mais
levemente ou a nova lei? Responde-se a lei intermédia porque é a mais favorável. Para além disso, o
facto da publicação da lei intermédia fez com que o réu tivesse ganho uma posição jurídica que lhe
permite de um ponto de vista funcional e teleológico, beneficiar da proibição da retroactividade da lei
mais grave, posterior. Logo, sempre que a lei intermédia se mostrar mais favorável, é ela que deve ser
aplicada. Saber-se quando é que um determinado regime se mostra mais favorável ao agente, só em
face do caso concreto.
148
Vide RODRIGUES, Orlando Ferreira, “Direito Penal – apontamentos”, Fasc. I, pp. 37 a 33.
149
Artigo 2.º (Aplicação da Lei no Tempo)
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No caso das leis temporárias e das leis de emergência não há expectativas que
mereçam ser tuteladas.150
I. 1. Os Códigos Penais têm sempre disposições relativas ao âmbito espacial das suas
normas. Elas contêm o conjunto de regras e critérios de aplicação da lei penal no
espaço. Vulgarmente, este conjunto de normas é crismado como direito penal
internacional. Porém, este designativo tem sido criticado, primeiro porque estas não
são normas de direito internacional, mas nacional e, em segundo lugar, porque elas
não são normas de colisão como as de direito internacional privado.
Por outro lado, elas também não são normas de direito internacional público. A estas,
chama-se direito internacional penal que aqui não vamos tratar.
O que pretendo trazer agora é o direito penal internacional, conjunto de normas
nacionais que regulam a aplicação da lei penal no espaço. 152
150
Discute-se na doutrina portuguesa da inconstitucionalidade dessa solução. CARVALHO, Américo
Taipa de, Sucessão de Leis Penais, pp. 164 e ss. entende tratar-se de uma inconstitucionalidade porque
o artigo 29.º da CRP não a consagra. DIAS, Jorge de Figueiredo e ANDRADE, Manuel da Costa,
Direito Penal – questões fundamentais, 1996, pp. 193 e 194 defende que não porque “nem as leis
constitucionais ou os seus silêncios devem em caso algum ser interpretados contra a sua teleologia e a
sua funcionalidade específicas”.
151
A matéria referente a este capítulo é a que consta do texto RODRIGUES, Orlando Ferreira, “Direito
Penal – apontamentos”, Fasc. I, pp. 33 a 42, em virtude de ela ali estar doutrinada de acordo com o
direito constituído previsto no Código Penal de 1886. As referencias que farei serão para dar a
conhecer o que vem proposto em termos de direito a constituir.
152
CORREIA, Eduardo, Direito Criminal I, pp. 164 e ss.; DIAS, Jorge de Figueiredo e ANDRADE,
Manuel da Costa, Direito Penal – questões fundamentais, 1996, pp. 195 e ss.; FURTADO dos Santos,
Boletim do Ministério da Justiça, n.º 92, 1960, pp. 159 e ss.
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153
Artigo 5.º (Aplicação da lei penal angolana a factos cometidos fora do território nacional)
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Parte II
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TEXTO N.º 13
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154
DIAS, Jorge de Figueiredo e ANDRADE, Manuel da Costa, Direito Penal – questões fundamentais,
1996, pp. 226; CORREIA, Eduardo, “A teoria do tipo normativo de agente”, Boletim da Faculdade de
Direito da Universidade de Coimbra, 1943, pp. 11; DIAS, Jorge de Figueiredo, Temas Básicos..., pp.
190.
155
CORREIA, Eduardo, “A doutrina da Culpa na formação da personalidade” in Revista de Direito e
Estudos sociais, 1945, fasc. 6, p. 24.
107
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f) Foi todo o sistema acabado de referir que nos anos 30 do séc. XX é posto em
causa pela denominada Escola de Kiel. 157 No contexto político em que esta escola se
desenvolveu acabou por ser utilizada pelo nacional socialismo europeu e os seus
156
DIAS, Jorge de Figueiredo e ANDRADE, Manuel da Costa, Direito Penal – questões fundamentais,
1996, pp. 228; DIAS, Jorge de Figueiredo, Temas Básicos..., pp. 191.; CORREIA, Eduardo, Unidade
e Pluralidade de Infracções, 1974, pp. 94 e ss.
157
A escola de Kiel (assim designada porque o expoente máximo das suas teses, assim se chamava)
criticou os pressupostos do neokantismo. As suas ideias assentaram numa interpretação de alguns
pontos da filosofia de Hegel. A partir daqui virou as suas baterias contra aquilo que chamou de
“irrealidade”. Para esta escola, o conceito de crime não deveria ser desagregado pois isso torná-lo-ia
irreal. Por isso defende a manutenção da unidade do conceito.
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postulados nunca mais foram editados nem ganharam qualquer expressão no direito
penal.158
Cada uma dessas escolas procurou superar a anterior. Contudo, e como disse Jescheck
“nenhuma das teorias conseguiu afastar completamente as outras, continuando ainda
hoje vivos uns junto aos outros procedentes dos três sistemas”. 159
1. Exposição
A concepção “moderna” de facto punível remonta a von Liszt e Beling (para alguns
conhecida como Escola Clássica do direito penal) e foi patrona do pensamento
científico que dominou durante a segunda metade do séc. XIX.
O direito aqui entendido com um ideal que assentava na exactidão científica própria
das ciências da natureza e deveria incondicionalmente a ela submeter-se. Assim, o
sistema do facto punível deveria também ser constituído por realidades mensuráveis
158
DIAS, Jorge de Figueiredo e ANDRADE, Manuel da Costa, Direito Penal – questões fundamentais,
1996, pp. 229; CORREIA, Eduardo, Unidade e Pluralidade de Infracções, 1974, pp. 92 e ss.
159
DIAS, Jorge de Figueiredo e ANDRADE, Manuel da Costa, Direito Penal – questões fundamentais,
1996, pp. 230; JESCHECK, Hans-Heinrich, Tratado de Derecho Penal, Parte General, 4.ª Edición,
completamente corregida y ampliada, Traducción de José Luis Manzanares Samaniego, Editorial
Comares – Granada, pp. 180.
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Elemento Objectivo
a) A acção que era um movimento corporal que determina uma modificação essa
causalmente ligada à vontade do agente.
b) Essa acção, se fosse lógico-formalmente subsumível num tipo de crime,
tornava-se típica (de notar que aqui não entra em linha de conta qualquer referencia a
valores ou a sentidos, apenas movimento físico)
c) A acção típica, tornava-se ilícita porque contrária ao direito. Só assim não
acontecia se interviesse uma causa de justificação, ou seja, uma situação de legítima
defesa, estado de necessidade, obediência hierárquica devida que, neste caso, tornaria
a acção lícita.
Elemento Subjectivo
Neste elemento, apenas haveria que se proceder à verificação da culpa.
A acção típica e ilícita tornava-se culposa sempre que fosse possível comprovar a
existência de uma ligação psicológica entre o agente (imputável, capaz de culpa) e o
facto. Tratou-se da chamada concepção psicológica da culpa. A ligação permitia
imputar o facto ao agente, a título de dolo (que era o conhecimento e a vontade de
realização do facto) ou de negligência (deficiente vontade de realização do facto).
2. Crítica
Desde logo, o conceito de acção ao exigir um movimento corpóreo e uma
modificação do mundo exterior, dificulta toda a base da construção, a tal ponto que,
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3. Conclusão
Os fundamentos ideológicos e filosóficos em que assentou a concepção da Escola
Clássica, levaram à sua negação. Não se pode deixar de reconhecer o mérito desta
escola pelo facto de, pela primeira vez, se ter assente o sistema do crime numa
rigorosa metódica categorial-classificatória. Esta metódica é clara e simples, permite
distinguir as vertentes objectiva e subjectiva do conceito e, sobretudo, ressaltar uma
notável preocupação de segurança e certeza que são próprios do Estado de direito.
4. Fraquezas 160
O direito em geral e o direito penal em particular, tratam ou lidam com realidade que
ultrapassam a esfera psico-física e não se limitam ao mundo do ser. Não se esgota
numa metodologia de cariz positivista nem em operações de pura lógica-formal.
160
Pelo exposto, DIAS, Jorge de Figueiredo e ANDRADE, Manuel da Costa, Direito Penal – questões
fundamentais, 1996, pp. 230 a 233; sobre as fraquezas da Escola Clássica, ver também, CORREIA,
Eduardo, Unidade e Pluralidade de Infracções, 1974, pp. 69 e ss.
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Assim, a partir deste ponto de vista, o conceito de crime da escola clássica estava em
condições de ser substituído por um outro.
1. Exposição
O sistema neoclássico encontra os seus fundamentos na filosofia de origem
neokantiana desenvolvida nas primeiras décadas do séc. XX, pela Escola Sul-
Ocidental Alemã ou Escola de Baden onde se destacaram as figuras de Windelband,
Rickert e Lask.
Por esta escola, o direito era ciência do espírito e, por isso, deveria ser retirado do
mundo do ser para passar a constituir o mundo do “dever ser”. Estavam aqui em causa
valores e sentidos. Assim, o sistema do crime tem que ser preenchido com essas
referências. O crime é um ilícito e o ilícito produz “danosidade social”. A culpa é
censurabilidade e o agente é censurado por ter agido como agiu, quando poderia agir
de outro modo.
A acção, para esta escola, continuou a ser um comportamento humano que causa uma
modificação no mundo exterior por vontade do agente. É verdade que agora recheado
com a ideia de “relevância social” e não já só o movimento em sentido físico.
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subtracção da coisa móvel alheia, passando a ser ilícito só quando houvesse uma
“legítima intenção de apropriação”.
2. Crítica
Os fundamentos ideológicos e filosóficos da concepção neoclássica podem hoje ser
considerados largamente ultrapassados. Com efeito, hoje não é já defensável que a
essência do direito radique numa cisão entre o mundo do ser (a realidade) e o mundo
do dever ser (o direito). De resto, essa tese defendida até às últimas consequências
acabava por redundar nas teses do formalismo positivista.
DIAS, Jorge de Figueiredo e ANDRADE, Manuel da Costa, Direito Penal – questões fundamentais,
161
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que são verdadeiros elementos do substrato que deve ser valorado como
censurável.162
1. Exposição
O normativismo de raiz neokantiana não ofereceu garantias de justiça. Haveria, então,
que se substituir definitivamente o Estado de direito formal pelo Estado de direito
material. A via normativista deveria ser substituída pela fenomenológica
“ontológica”, “ôntica”. As leis deveriam ser determinadas a partir do “ser”, da
“natureza das coisas” que uma vez estabelecidas serviriam de fundamento às ciências
do homem e consequentemente ao direito.
Hans Welzel (1904-1977) foi o defensor desse património. Transpôs para o jurídico as
ideias ôntico-fenomenológicas. Para Welzel, o importante era determinar o “ser”, a
“natureza das coisas” que se escondia sob o conceito fundamental de toda a
construção do crime – a acção.
Welzel encontrou a essência da acção humana na verificação de que o “homem dirige
finalisticamente os processos causais naturais em direcção a fins mentalmente
antecipados, escolhendo para o efeito os meios correspondentes”. 163
O conceito de acção foi entendido por Welzel como um conceito pré-jurídico que
deveria ser determinado a partir do “ser”, do existente ontologicamente. Esse conceito
uma vez aceite pelo legislador já não poderia ser, ainda que por ele, reconfirmado, ou
seja, o conceito tinha que ser aceite não apenas em si mesmo como nas suas
implicações normativas, devendo a construção do sistema do facto como do crime,
resultar daqui.164
É esta “natureza ontológica” da acção que servirá de base à construção de todo o
sistema do crime. Este era para Welzel um princípio imutável tanto no tempo como
no espaço. A partir daqui e durante as décadas que se seguiram ao fim da Segunda
Guerra Mundial, esta foi a concepção dominante. Embora se possam dirigir severas
162
DIAS, Jorge de Figueiredo e ANDRADE, Manuel da Costa, Direito Penal – questões fundamentais,
1996, pp. 236 e ss.
163
DIAS, Jorge de Figueiredo e ANDRADE, Manuel da Costa, Direito Penal – questões fundamentais,
1996, pp. 238.
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A primeira derivada do facto de o dolo, que tanto para a escola clássica como para a
escola neoclássica pertenciam à culpa, terem passado a pertencer ao tipo, à tipicidade.
Relembrando a Escola Neoclássica (normativista) o tipo podia, por vezes, conter
elementos subjectivos, mas o seu núcleo essencial era constituído por elementos
objectivos. O finalismo rejeitou essa postura e defendeu que o tipo é sempre
constituído por uma vertente objectiva (os elementos descritivos do agente, da
conduta, o circunstancialismo em que os facto ocorrem) e por uma vertente subjectiva
(o dolo ou, eventualmente, a negligência).
Passa-se assim de uma concepção causal-objectiva para uma concepção pessoal final
do ilícito. Só este entendimento pode verdadeiramente levar a uma concepção
normativa de culpa. Segundo o finalismo, o eero na doutrina neoclássica foi ter
juntando na culpa, tanto a valoração (juízo de censura que constitui a valoração, o
assinalar o valor de uma coisa) com o objecto da valoração (o dolo – do qual faria
parte a consciente, ao menos parcial, do ilícito e a negligência). O finalismo retira da
culpa o objecto da valoração, o dolo, e coloca-o no tipo de ilícito. Assim, a culpa fica,
como diz Figueiredo Dias e Costa Andrade, purificada e reduzida àquilo que
efectivamente deve ser.
Um puro juízo de desvalor “um autêntico juízo de censura e dela passam a fazer parte
os elementos da imputabilidade que são a consciência do ilícito (ao menos potencial)
e a exigibilidade de outro comportamento. 166
164
DIAS, Jorge de Figueiredo e ANDRADE, Manuel da Costa, Direito Penal – questões fundamentais,
1996, pp. 238
165
De notar que o programa da cadeira de Direito Penal da Faculdade de Direito da Universidade
Agostinho Neto ficou aqui nos doutrinas finalistas.
115
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2. Críticas
166
DIAS, Jorge de Figueiredo e ANDRADE, Manuel da Costa, Direito Penal – questões fundamentais,
1996, pp. 238 e 239.
167
DIAS, Jorge de Figueiredo e ANDRADE, Manuel da Costa, Direito Penal – questões fundamentais,
1996, pp. 240
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1. Considerações preliminares
A concepção que agora se apresenta, não está a ser trazida como uma via
intermédia entre as construções normativa e finalista, embora na actualidade,
a concepção do conceito de facto punível possa, em certa medida ser
reconduzida quer a uma “ normativização da finalidade,” ou a uma
“finalização da normatividade” , 169 embora se reconheça que as posições
metodológicas as escola neo – clássica tanto sobre a estrutura naturalística ou
ôntica dos conceitos jurídicos, como sobre o domínio ilimitado das valorações
normativas, tivessem sido considerados válidos, o que Figueiredo Dias de
trás é um sistema emergente “ comandado pela convicção de que a construção
do conceito de facto punível deve apresentar –se como teleológica funcional e
racional.
Daqui deve entender-se que possui postulados próprios e
desenvolvimentos também próprios conduzidos pela convicção de que o
sistema e seus conceitos são formados por valorações que se fundamentam em
proposições de política criminal, que pertencem ao quadro de valores e as
finalidades jurídicas constitucionais. O percursor desta concepção, é KLAUS
ROXIN, que em 1970 a propósito das relações que se estabelecem entre a
política criminal e a Dogmática Jurídico-penal do sistema do facto punível.
SCHÜNEMANN e WOLTER, aprofundaram-no do ponto de vista
dogmático e o próprio ROXIN, no seu Tratado o sistematizou, tendo sido
referenciada em livros livros em homenagem ao próprio Roxin.
Em Portugal , Figueiredo Dias e Costa Andrade, dentre outros, são
expoentes e representantes dessa concepção e nós, na nossa Escola, também a
temos seguido.
168
DIAS, Jorge de Figueiredo e ANDRADE, Manuel da Costa, Direito Penal – questões
fundamentais, 1996, pp. 240.
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169 DIAS, Jorge de Figueiredo, Direito Penal – questões fundamentais, Coimbra Editora, 2007, p.
248, 249.
170 Idem, p. 251.
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mais larga das condutas omissivas e negligentes, embora isto não cubra a
generalidade dos domínios de actuação da lei penal e só aqueles que se relacionam
173
com os novos e grandes riscos da sociedade pós-industrial.
Seguir-se-á a concepção quadripartida trazida do método categorial
classificatório para sistematizar a exposição seguinte. Assim, em primeiro lugar,
dar-se-á tratamento aos crimes doloso de acção e considerar-se-á todos os
elementos constitutivos do facto punível (Título I); seguir-se-á os crimes
negligentes de acção (Título II) e, os crimes de omissão (Título III) distinguindo
também aqui os crimes dolosos e os crimes negligentes.
3. As categorias dogmáticas
Antes de nos ocuparmos do estudo dos diferentes factos puníveis como acima
descrito, interessa tratar cada uma das categorias dogmáticas em que, segundo
o sistema teleológico funcional e racional, deve decompor-se o conceito de
facto punível que, importa recordar vem comandado por proposições político-
criminais, conforme se destacou a propósito do estudo do “Conceito Material
de Crime”. É a este propósito que se fala das categorias dignidade penal, e
Carência de tutela penal.
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TEXTO DE APOIO Nº 14
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TEXTO DE APOIO Nº 15
O TIPO-SUBJECTIVO - DE - ILÍCITO
1.1Nos tipos- de –ilícito doloso, o dolo- do- tipo, 177 determina a direcçãoe o fim
do comportamento do agente. Representa o elemento geral do tipo – subjectivo
–de- ilícito . Também define a forma/regra da imputação subjectiva do resultado
típico à conduta do agente uma vez que, o CP., no Artº 11º estabelece que “ só é
punível o facto praticado com dolo ou, nos casos especialmente previstos na Lei ,
com negligência”. Artigo 13º “ 1. Age com negligência quem, por não proceder
com o cuidado a que, segundo as circusntâncias, está obrigado e de que é capaz:
a) Representar como possível a realização de um facto que preenche um tipo de
crime e actuar sem se conformar com aquela realização; b) Não chegar sequer a
representar a possibilidade de realização desse facto.”
Quando se diz que o dolo é o elemento subjectivo geral é para acentuar, uma vez
que ele existe em todos os crimes doloso, não sendo, todavia, o único possível,
pois ao lado dele figuram outros elementos subjectivos exigidos por lei ,
relativamente a certos tipos de crime sendo, nestes casos, designados elementos
especiais.
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Assim, para que haja dolo –do-tipo exige-se que o agente tenha:
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TEXTO DE APOIO Nº 16
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TEXTO DE APOIO Nº 17
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TEXTO DE APOIO Nº 18
O TIPO DE CULPA
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Há, contudo ainda algumas questões que interessa salientar, antes que
entremos no estudo da culpa como categoria integrante do conceito de crime. A
culpa, ou o princípio da culpa , como já referimos, é fundamental para todo o
direito penal, podendo dizer-se mesmo que é um princípio jurídico-
constitucional implícito. Para que ao agente de um crime seja aplicada uma
pena, não basta que ele tenha praticado um facto ilícito típico. É ainda necessário
que o ilícito- típico tenha sido pratica com culpa. Mas para tanto é importante
saber, o que é materialmente culpa para o direito penal. Desde logo, importa
ter em conta que a culpa é uma censura jurídica, dirigida ao agente pelo facto
que praticou.
179Para mais aprofundamento veja-se DIAS, Jorge de Figueiredo, Direito Penal- Parte Geral,
Tomo I, 2ª Edição , Coimbra Editora, 2007, p. 511 e ss, e bibliografia constante de nota 1.
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Uma outra via foi a de ligar o poder de agir de outra maneira e a culpa ,
não ao facto praticado , mas à personalidade do agente. Aqui, o que se pretende,
não é substituir uma responsabilidade pelo facto, por uma responsabilidade pela
personalidade. O que no fundo se defende , e aqui faz-se recordar a posição de
Eduardo Correia que “ vai ao ponto de sugerir que o fundamento e o próprio
critério da culpa do agente não deverão tentar encontrar-se na má utilização do
poder de agir de outra maneira, quanto na violação de um dever de conformação
da personalidade do agente às exigências do Direito ( FD, p. 522).
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2.1. Dolo e falta de consciência do ilícito (erro sobre a ilicitude art. 15º CP
2020)
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erro sobre a pessoa ou coisa a que se dirige o facto punível, nem a persuasão
pessoal da legitimidade do fim ou dos motivos que determinaram o facto.
Com este artigo pretendia-se legitimar a irrelevância da falta de
consciência da ilicitude para afastar o dolo ou a culpa. Em Portugal, e em
consequência, em Angola, esta irrelevância não foi contestada enquanto não foi
afirmado o princípio da culpa como máxima político-criminal fundamental. Em
Angola, esta mudança só ocorre com a entrada em vigor do Código Penal de
2020.
Esta doutrina partia da distinção entre erro de facto , que era o erro
sobre os factos, ou o tipo, que excluía o dolo e erro de direito, onde sem
autonomia, ficava enquadrado o erro sobre a consciência do ilícito, que em
princípio, seria irrelevante. Daqui que o que se podia fazer, era limitar a
aplicação da regra da irrelevância de todo o erro de direito ou de qualquer
ignorância da lei. Por isso, em alguns países, como por exemplo na itália,
procuraram ultrapassar esta questão, sobretudo naquelas categoria de pessoas
ou situações de ignorância da lei não penal ou extrapenal. Em todo o caso, a
autonomia da falta de consciência do ilícito para o dolo e para a culpa, seria
sempre negada e o princípio da culpa violado nos casos em que aquela falta não
devesse ser censurada ao agente.
Este ponto de vista que vigorou no direito português até 1982, altura em
que ocorre a entrada em vigor do novo Código Penal , substituto do Código de
1886, ( de notar que Angola ficou na doutrina do código de 1886, pois já era
independente e não procedeu à actualização da sua legislação nessa altura),
mostrou que afinal não foi a dicotomia entre facto e direito, ou erro de facto e
erro de direito que comandou o problema da consciência do ilícito. O que na
realidade comandou foi o diverso significado que estes dois tipos de erro ( erro
de facto e erro de direito), assumiram para a culpa. Daqui que, mais
recentemente, Figueiredo Dias tenha vindo defender que qualquer que seja a
solução a adoptar para a falta de consciência do ilícito , aquela ( solução) não
pode passar pela atribuição do relevo à simples ignorância do direito.
Aliás, sobre essa questão Beleza dos Santos e Eduardo Correia, sempre
defenderam que os comandos do artigo 29º do Código Penal de 1886, não
contrariavam a relevância jurídica da falta de consciência do ilícito e, buscavam a
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A crítica vem daqueles que entendem que do ponto de vista sistémico esta
teoria esquece que o dolo esgota o seu conteúdo e função em sede de tipo
subjectivo de ilícito e não assume qualquer efeito ao nível da culpa. Por outro
lado e do ponto de política criminal, a doutrina deixaria lacunas de punibilidade
insuportáveis porque naqueles casos em que se mostrasse necessário que o
agente fosse dotado de conhecimento altamente especializado de ciência
jurídica, como conhecer os elementos normativos , seria difícil e até improvável,
dizer e muito menos se poderia presumir, que a generalidade das pessoas
tenham esse conhecimento.
185DIAS, Jorge de Figueiredo, Ob. Cit., pp. 536 537 e bibliografia constantes das respectivas
notas.
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Para esta teoria, a punição a título de dolo, para além de ocorrer nas
situações em que o agente actua com falta de consciência do ilícito, ocorre
também noutras em que o agente actua de tal modo que, não sendo embora
estritamente reconduzíveis ao conceito de dolo, lhe devem, no entanto, ser
equiparadas para efeitos prático-normativos. Deveriam ser equiparadas a todas
as hipóteses em que a falta de consciência do ilícito fica a dever-se à concepções
do agente que sejam de todo incompatíveis com os princípios da ordem jurídica
sobre o que é lícito ou ilícito, ou seja, o agente não sabe de todo em todo que
matar é proibido, ferir, violar, sequestrar, roubar, praticar actos terroristas, em
fim.
Na doutrina portuguesa, Beleza dos Santos veio defender que deverá
considerar-se haver dolo sempre que, para além da representação e vontade de
realizar o facto “ o agente sabia que a sua conduta era ilegal ou socialmente
imoral; ou , embora não soubesse, todavia pudermos afirmar que, se tivesse
conhecimento daquela ilegalidade ou imoralidade, não teria deixado de proceder
como o fez.
Na mesma linha ainda da doutrina portuguesa, Eduardo Correia, veio
inicialmente apoiar Beleza dos Santos. Mas depois embora na mesma linha veio
dizer que “ sempre que falta a consciência do ilícito o dolo deve ser negado; em
tais hipóteses, o agente deve ainda ser punido a título de dolo – ainda que, em
rigor, a censura do facto seja a de mera negligência – sempre que seja possível
assacar-lhe , em virtude precisamente daquela falta de consciência do ilícito ,
uma particular culpa na formação ou na preparação da personalidade.
Mezger, na doutrina alemã, pela mesma altura, veio também considerar
que o verdadeiro dolo resulta da conexão do dolo do facto com a consciência
actual do ilícito ( actual, quer significar, no momento da prática do facto); mas
quando a falta dessa consciência derive de uma especial configuração da
personalidade do agente, uma espécie de cegueira ou hostilidade para como o
direito, assente nas suas convicções sobre o que é certo e o que é errado, lícito e
ilícito , essa falta de consciência não pode impedir que ao agente seja aplicada a
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moldura prevista no tipo. A punição deve-se não a qualquer ficção de dolo, mas
ao facto de ele, o agente ter uma personalidade onerada por uma particular “
culpa na condução da vida”. 186
186 DIAS, Jorge de Figueiredo, Ob. Cit., p. 5328, 539 e notas bibliográficas correspondentes.
187 DIAS, Jorge de Figueiredo, Ob. Cit., p. 539.
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Entende Figueiredo Dias que a crítica que se pode dirigir à teoria da culpa
restrita é a mesma que foi dirigida à teoria do dolo estrita, uma vez que ela
defende, como aquela que o dolo se esgota em sede do tipo de ilícito subjectivo e
que a culpa não é mais do que um mero juízo de censura, não fazendo dela parte
o objecto da valoração. Mas aceita e considera politico-criminalmente fundada a
solução para a falta de conciência do ilícito, sobretudo quando afasta o dolo nos
casos em que o erro não é censurável. Esta é uma solução que afasta o espectro
das lacunas de punibilidade devendo, por isso merecer atenção, num primeiro
momento. Porque ela também se revela inexacta para os casos em que o agente
actue erroneamente sobre a existência de uma causa de justificação ( artigo 15º
nº2) , ou nos caos de mero erro sobre a proibição artigo 15º nº1).
Esta teoria defende que sempre que o agente actue com culpa é punido a
título de dolo. E que a falta de consciência do ilícito releva para efeitos da culpa .
Todavia introduziram uma importante limitação que vem admitir a punição do
agente a título de dolo já não deve ocorrer quando apesar de ter actuado com
conhecimento do ilícito e vontade de realização do tipo de ilícito, falta-lhe a
consciência de estar a praticar um ilícito porque supôs falsamente de que
actuava na base dos pressupostos materiais de uma causa de justificação.
Esta doutrina foi depois estendia, ao estado de necessidade subjectivo, os
casos em que se desconhece a proibição porque as condutas são axiologicamente
irrelevantes, como acontece com as contra- ordenações. 189
144
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No direito Angolano que seguiu o direito Português, que por sua vez,
seguiu o direito Alemão, existem duas espécies de erros relevantes para o direito
penal, mas que produzem efeitos diferentes a saber:
Esta é uma distinção que não tem nada a ver coma distinção entre erro de facto e
erro de direito. Contudo, diferente da doutrina alemã em que o erro sobre a
proibição exclui a culpa, no direito Angolano releva para efeitos do tipo e exclui o
dolo.
Assim, no direito Angolano o erro que afasta o dolo ocorre em três situações:
Em síntese, para fazermos a distinção entre o erro que exclui o dolo e o que não
exclui o dolo é preciso considerar que: O erro exclui o dolo ( do tipo) sempre
145
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Pode acontecer que o agente represente, ainda que de forma actual, a lei,
a norma geral ou a proibição abstractamente aplicável ao caso e não possuir toda
a consciência relevante para a culpa. Isto acontece quando se trate de erro sobre
a existência ou os limites de uma causa de justificação ou de exclusão da culpa.
Trata-se de um erro que não exclui o dolo.
Exemplo: A, conhece a proibição de ofender a integridade física de
outrem. Todavia, ao dar um passeio com uma criança, filho de um amigo, dá-lhe
um puxão de orelhas, porque a criança disse um palavrão. Aqui A, actua
erroneamente na convicção de que pode exercer poder de correcção sobre a
criança. B, conhece a proibição de bater, mas bate em C, como meio adequado
para recuperar a bicicleta que este lhe furtou uns dias antes, na convicção errada
de que ainda age a coberto do direito de legítima defesa. .
Em qualquer destas hipóteses, não estamos em presença do erro que
exclui o dolo previsto no artigo 14º do CP de 2020, mas do erro sobre a ilicitude
147
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que nos termos do nº1 do artigo 15º do CP 2020, pode excluir a culpa, se não for
censurável. 192
1.4 – Culpa
148
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1.4.1 – Inimputabilidade
– em razão da idade – art.º 17.º do CP;
A inimputabilidade do agente,
– em razão de anomalia psíquica – art.º 18.º do
CP
«Prova – art.º 148.º, n.º 1 – Pericial –
192.º a 207.º do CPP»194
149
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1.4.2 – Inexigibilidade
197 Em direito penal é comum associar a ausência de culpa à inimputabilidade, não só porque
esta constitui, como vimos no Capítulo I, um obstáculo à comprovação da culpa, mas também,
porque ambos os conceitos são como sinónimos, isto é, muitas vezes afirmar que há ausência de
culpa é o mesmo que dizer que esse indivíduo é inimputável.
Como sabemos, a afirmação da inimputabilidade surge-nos preceituada no Código Penal em
razão da razão da idade e em razão de anomalia psíquica do sujeito. Diz assim o artigo 18.º do
Código Penal vigente:
É inimputável que, por força da anomalia psíquica, for incapaz, no momento da prática do
facto, de avaliar a ilicitude deste ou de se determinar de acordo com essa avaliação.
A imputabilidade não é excluída quando a anomalia psíquica tiver sido provada pelo agente
com a intenção de praticar o facto.
O Tribunal pode atenuar especialmente a pena quando o agente, por força de uma anomalia
psíquica grave no momento da prática do facto, tiver sensivelmente diminuída a capacidade
para avaliar a ilicitude deste ou para se determinar de acordo com essa a avaliação.
Segundo a nossa lei penal, é inimputável quem, por força de uma anomalia psíquica, for incapaz
no momento da prática do facto, de avaliar a ilicitude deste ou de se determinar de acordo com
essa avaliação. O que este n.º 1 do art.º 18.º do CP vigente, que dá alusão à inimputabilidade de
uma forma geral, quer dizer é que é inimputável quem sofrer de qualquer transtorno mental ou
intelectual, transtorno esse que poderá ser qualquer alteração ou mau funcionamento das
faculdades psíquicas ou da inteligência que fazem com que o agente esteja impedido de
compreender o carácter ilícito do facto ou de se orientar de acordo com essa compreensão. O ato
em si que foi praticado permanece ilícito, mas tal ilicitude e concernentes consequências não
podem ser imputadas ao agente, face à sua condição psíquica.
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Art.º 37.º do C.P – que ao agente não possa se exigir comportamento diferente;
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Conforme ensinado pela Prof. Luzia Sebastião a propósito da legítima defesa pode
suceder que o agente actue com excesso intensivo de legítima defesa, por via de
medo, perturbação ou susto, não censuráveis. Isto é, se o agente ao defender-se
provoca lesão superior à que seria necessária para sua defesa por algum dos
motivos acima enunciados, levando-o à exclusão da culpa e consequente a não
punição se o motivo for compreensível.
Mas se o medo, perturbação ou susto lhe forem censuráveis o facto é ilícito, mas a
pena pode ser atenuada, nos termos do art.º 31º, nº2 do C. Penal vigente.
Ainda como já foi sabiamente abordado pela Prof. Luzia Sebastião, o essencial deste
erro ao compará-lo com o erro sobre as proibições, ou erro sobre a punibilidade
enquanto erro ignorância, verifica-se quando:
a) o agente actua desconhecendo que a sua conduta é punida pela lei penal, não
lhe sendo censurável tal desconhecimento e tem como consequência,
precisamente, a exclusão da culpa.
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A sua verificação exclui a culpa, o que não se verificará, porém, quando a ilicitude
fosse evidente no quadro das circunstâncias representadas pelo agente. Significa isto,
então, que o carácter discutível, obscuro ou controvertido da ilicitude do facto,
constituirá caso de obediência indevida desculpante, excludente da culpa.
TEXTO DE APOIO Nº 19
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Para efeitos destes crimes que são contra a segurança do Estado, os actos
preparatórios são puníveis porque constituem crime autónomo. Continuamos a
defender o que já se entendia a propósito das leis 7/78 e da Lei dos Crimes
contra a Segurança do Estado.
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