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A relativização do princípio da presunção de inocência pelo STF

Mateus Oling
Processo Penal I

Inicialmente, cabe fazer alguns apontamentos do que é o princípio da presunção


de inocência, sua previsão legal, para só após entender o que significa o Habeas Corpus
(HC) n° 126292 julgado pelo Supremo Tribunal Federal, e o que ele representa no
âmbito penal.
Tendo o Estado monopolizado o poder punitivo, não mais dando ao cidadão o
direito de defender seus direitos pelos seus próprios meios, nasce uma série de garantias
que devem ser observadas tanto na criação das leis, como na sua aplicação, que se dará
através do processo (visto que é o instrumento do Estado para prosseguir na persecução
penal) nos âmbitos penal e cível. Essas garantias, ou princípios, são então, uma série de
medidas protetivas ao elo mais fraco da relação, o indivíduo, da arbitrariedade do
Estado.
Nesta esteira, a pedra angular de criação do princípio da presunção de inocência
é a Declaração dos Direitos Humanos, da ONU, em 1948, que preceitua que ‘’ Todo ser
humano acusado de um ato delituoso tem o direito de ser presumido inocente até que a
sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, em julgamento público no
qual lhe tenham sido asseguradas todas as garantias necessárias à sua defesa’’. Só após
essa previsão pela ONU, que nossa legislação pátria incorpora essa garantia em nossa
Constituição Federal em 1988, no artigo 5 ‘’Todos são iguais perante a lei, sem
distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros
residentes no Pais a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à
segurança e à propriedade, nos termos seguintes’’. E mais especificadamente no inciso
LVII: ‘’ninguém será culpado até o trânsito em julgado de sentença penal
condenatória’’.
Também o artigo 283 do Código de Processo Penal expõe que ‘’ Ninguém
poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da
autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada
em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão
temporária ou prisão preventiva’’.
Interpretando os dispositivos legais acima, de forma sucinta, podemos dizer que
o princípio da presunção de inocência tem como objetivo respeitar o estado de inocência
em que se encontra o acusado até que sua sentença transite em julgado definitivamente,
não cabendo mais recursos.

Feita esta análise, partimos ao Habeas Corpus n° 12629. No plenário de 17 de


Fevereiro de 2016, o Supremo Tribunal Federal mudou seu posicionamento que adotava
quanto ao princípio da presunção de inocência, e entendeu que o artigo 283 do Código
de Processo Penal não impede o início da execução da pena após condenação em
segunda instância. O entendimento volta as suas raízes, que entre 1988 (entrada em
vigor da Consituição) e 2009, que interpretava como legal a prisão de investigado que
ainda não havia esgotado todas as vias recursais. Os votos foram 7 a favor e 4 contra.

Quanto aos votos dos ministros, houve divergência concretizada nos votos.
Vários foram os argumentos, entre eles alguns chamam a atenção para as duas
interpretações quanto ao decisium. Não cabe aqui a transcrição de todos os votos, visto
seu demasiado teor, mas algumas transcrições se fazem necessárias para entender os
dois pontos de vista.

A favor da prisão após julgamento em segundo grau, o Ministro Relator Teori


Zavascki, citou vários países que apresentam em seus ordenamentos jurídicos o
princípio da presunção de inocência, porém, permitem a execução da pena antes do
trânsito em julgado, citando a Inglaterra, EUA, Canadá, França, Alemanha, França,
Portugal, Espanha, Argentina. Aduz ainda que ‘’ Não custa insistir que os recursos de
natureza extraordinária não têm por finalidade específica examinar a justiça ou injustiça
de sentenças em casos concretos. Destinam-se, precipuamente, à preservação da higidez
do sistema normativo’’ (fl. 12, HC 126292 SP). Cita ainda que:

Sustenta-se, com razão, que podem ocorrer equívocos nos juízos


condenatórios proferidos pelas instâncias ordinárias. Isso é inegável:
equívocos ocorrem também nas instâncias extraordinárias. Todavia, para
essas eventualidades, sempre haverá outros mecanismos aptos a inibir
consequências danosas para o condenado, suspendendo, se necessário, a
execução provisória da pena. Medidas cautelares de outorga de efeito
suspensivo ao recurso extraordinário ou especial são instrumentos
inteiramente adequados e eficazes para controlar situações de injustiças ou
excessos em juízos condenatórios recorridos. Ou seja: havendo plausibilidade
jurídica do recurso, poderá o tribunal superior atribuir-lhe efeito suspensivo,
inibindo o cumprimento de pena. (fl. 16, HC 126292 SP).
Já no lado contrário, o Ministro Celso de Mello discordou do relator,
argumentando que trata-se de um princípio que evoluiu historicamente, e que é
fundamental na luta contra governos despóticos e autoritários, e que tem raízes desde a
Carta Magna inglesa, efetivando-se Declaração Universal de Direitos da Pessoa
Humana em 1948 (fl. 82, HC126292 SP).

Acrescente o referido ministro, que por termos uma constituição democrática,


beaseada em princípios democráticos, deve por origem ser a antítese ao Absolutismo do
Estado:

A nossa Constituição estabelece, de maneira muito nítida, limites que não


podem ser transpostos pelo Estado (e por seus agentes) no desempenho da
atividade de persecução penal. Na realidade, é a própria Lei Fundamental que
impõe, para efeito de descaracterização da presunção de inocência, o trânsito
em julgado da condenação criminal. Veja-se, pois, que esta Corte, no caso em
exame, está a expor e a interpretar o sentido da cláusula constitucional
consagradora da presunção de inocência, tal como esta se acha definida pela
nossa Constituição, cujo art. 5º, inciso LVII (“ninguém será considerado
culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”),
estabelece, de modo inequívoco, que a presunção de inocência somente
perderá a sua eficácia e a sua força normativa após o trânsito em julgado da
sentença penal condenatória. É por isso que se mostra inadequado invocar-se
a prática e a experiência registradas nos Estados Unidos da América e na
França, entre outros Estados democráticos, cujas Constituições, ao contrário
da nossa, não impõem a necessária observância do trânsito em julgado da
condenação criminal. Mais intensa, portanto, no modelo constitucional
brasileiro, a proteção à presunção de inocência (fl. 88, HC 126292 SP).

Considerações Finais:
Após essa breve análise, cabem algumas ponderações pessoais. A mudança
jurisprudencial que ocorreu no STF altera um ponto fundamental no tocante ao Direito
Penal e ao Estado Democrático Direito no Brasil. Como é de conhecimento geral, temos
muitos processos penais tramitando na justiça, muitas prisões preventivas enquanto os
respectivos processos ainda não se encerraram, muitos recursos protelatórios,
sentimento de impunidade, caos no sistema carcerário, entre tantos outros problemas
que podemos averiguar. Dentro de tudo isso, é muito importante salvaguardar direitos
fundamentais, tal como preceitua o princípio da presunção de inocência, que percorreu
um longo caminho histórico até ser implementado nas constituições dos países
democráticos. É de fato uma garantia fundamental que o cidadão possui contra as
arbitrariedades do Estado.
A votação no plenário do STF foi apertada, sendo 7 votos a favor e 4 contra. Isso
mostra que apesar de ser um princípio basilar, estamos tendo problemas na sua
aplicação. Em parte, concordo com os argumentos do Ministro Teori Zavascki, onde
cita que os vários apelos, muitas vezes com o objetivo apenas protelatório, buscam a
prescrição, uma vez que não interrompem o prazo, tentando apenas inibir a efetividade
da jurisdição penal.

Na contramão, na ausência desse princípio, poderia ser iniciada a execução da


pena antes mesmo da sentença havendo indícios mínimos de autoria, o que é uma
afronta sem tamanho ao direito de liberdade do indivíduo, pois se está considerando-o
culpado sem a devida certeza e cautela. Ou ainda, prolatada a sentença, já se iniciar o
cárcere na espera dos recursos que poderão ser interpostos. Além disso, no cenário
atual, apesar de com a sentença em segundo grau já se ter uma certeza relativa da
autoria, ela não é privada de falhas. Todos cometemos erro, inclusive desembargadores,
e o custo moral de se aprisionar alguém sendo essa pessoa inocente é gigantesco. Ainda,
o processo deve ser analisado pela última instância, o STF ou STJ, conforme preceitua a
nossa Constituição, que em tese, são tribunais compostos de grandes juristas de notório
saber jurídico, melhor instruídos que os juízes de segundo grau, em tese.

Assim, temos que iniciar o cumprimento da pena sem a certeza de culpabilidade


ou inocência é uma decisão muito fraca juridicamente. No entanto, uma série de
recursos protelatórios tidos como estratégias processuais, também são uma afronta aos
direitos da sociedade em geral, pois se está permitindo que um indivíduo que representa
ameaça de uma forma ou de outra à coletividade permaneça solto, ou tratando-se de
crimes de fralde ou patrimoniais, perpetue novos ilícitos.

Concluo que caberia uma revisão por parte do Legislativo no sistema recursal
penal, reduzindo recursos meramente protelatórios, ou através de políticas
administrativas, acelerar a sua apreciação pelas Cortes, de forma que o investigado não
fique à espera demasiada das decisões, pondo a sociedade como um todo em risco, e
nem temendo ser preso devido a erro judiciário pela falta de apreciação de recursos.

REFERÊNCIAS:

Constituição Federal de 1988


Código de Processo Penal Brasileiro

Habeas Corpus 126.292 São Paulo – STF. Acesso em 24/05/2017. Disponível em


<http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=10964246>

Notícias STF. Acesso em 24/05/2017. Disponível em:


http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=326754

Declaração Universal dos Direitos Humanos –ONU. Acesso em 24/05/2017.


Disponível em <http://unesdoc.unesco.org/images/0013/001394/139423por.pdf>

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