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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO

FACULDADE DE DIREITO DO RECIFE


CENTRO DE CIÊ NCIAS JURÍDICAS
DEPARTAMENTO DE DIREITO PÚ BLICO GERAL E PROCESSUAL

1ª Avaliação de Direito Processual Penal 2


Professor: Pedro de Oliveira Alves
Estagiária: Juliana Trindade Ribeiro Pessoa Semestre 2020.1| Ano 2021
Aluno (a): Caio Aragão da Rocha

1. Bob Marley da Silva passou o réveillon de 2019 na praia da Pipa, Rio Grande do Norte. No dia
31, decidiu preparar alguns “doces”, cujo principal ingrediente era maconha – substância
entorpecente – para a venda. No momento em que estava expondo à venda seus “brisadeiros” e
“lombrownies”, Bob foi preso em flagrante delito. Concluído o Inquérito Policial, o Delegado de
Polícia, no quinto dia após a prisão, indiciou Bob Marley pela prática do crime contido no art. 33
da Lei Federal n. 11.343, de 23 de agosto de 2006. A defesa ajuizou pedido de Liberdade
Provisória, alegando que Bob Marley trabalha em um restaurante, durante o dia, e é cantor, no
período noturno, bem como nunca foi preso, processado ou condenado em processos criminais
anteriormente, dados estes devidamente comprovados nos autos. Instado a se manifestar, o
promotor opinou contrariamente ao pedido, sustentando a impossibilidade de deferimento frente
ao art. 44 da Lei Federal n. 11.343, de 2006. À luz das normas vigentes, notadamente as
constitucionais, como você decidiria o Pedido de Liberdade Provisória? Fundamente sua
resposta com o arcabouço teórico e os artigos que respondem à questão (Valor: 3,0)

Entende-se a análise do presente caso como um julgamento a respeito da conversão da


prisão em flagrante em prisão temporária ou a liberação do indiciado para que transcorra o
processo sem que ele seja privado de sua liberdade. Deve-se pontuar, em primeiro lugar, que não
há informações sobre eventual audiência de custódia para julgar a legalidade da prisão em
flagrante; consideraremos, no entanto, que, diante da obrigatoriedade da audiência de custódia,
ela deve ter sido realizada dentro do prazo de 24 horas previsto no art. 310 do Código de Processo
Penal.
Passando agora para a análise do pedido de Liberdade Provisória feito pela defesa do
indiciado, é preciso levar em consideração algumas circunstâncias presentes no caso para tomar
uma decisão. Pois bem, o MP se pronunciou contrário à Liberdade Provisória com base
exclusivamente no art. 44, da Lei nº 11.343.
"Art. 44. Os crimes previstos nos arts. 33, caput e § 1º , e 34 a 37 desta Lei
são inafiançáveis e insuscetíveis de sursis, graça, indulto, anistia e liberdade
provisória, vedada a conversão de suas penas em restritivas de direitos."
O dispositivo legal citado considera o crime do art. 33 (pelo qual o indiciado foi preso em
flagrante) insuscetível, dentre outras medidas, à Liberdade Provisória. No entanto, sob o regime
de repercussão geral, o Supremo Tribunal Federal fixou a tese que considera inconstitucional a
expressão “e liberdade provisória”, em sede do RE 1.038.925/SP, de relatório do Ministro Gilmar
Mendes. Assim sendo, em respeito ao entendimento do STF, não se sustenta a negativa da
Liberdade Provisória com base no art. 44 da Lei de Drogas. O desrespeito ao precedente
estabelecido pela Suprema Corte faria com que a decisão que decretasse prisão preventiva não
fosse considerada motivada e fundamentada, nos termos no art. 315, VI, CPP.
É necessário ressaltar que a Liberdade Provisória configura um direito do indiciado caso
não estejam presentes as condições necessárias para a decretação da prisão preventiva. Isso
porque, a própria Constituição determina, no art. 5º, LXVI, que "ninguém será levado à prisão ou
nela mantido, quando a lei admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança”. Tal norma
constitucional deve ser levada em consideração em conjunto com o disposto no art. 5º, LVII, CF
(que traduz a presunção de inocência) e o art. 313, § 2º, CPP (que veda a decretação de prisão
preventiva com a finalidade de antecipação de cumprimento de pena).
Assim sendo, a prisão preventiva só pode se sustentar diante das condições previstas no
art. 312, CPC. Reza o dispositivo legal:
"Art. 312. A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da
ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução
criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova
da existência do crime e indício suficiente de autoria e de perigo gerado
pelo estado de liberdade do imputado.
§ 1º A prisão preventiva também poderá ser decretada em caso de
descumprimento de qualquer das obrigações impostas por força de outras
medidas cautelares.
§ 2º A decisão que decretar a prisão preventiva deve ser motivada e
fundamentada em receio de perigo e existência concreta de fatos novos ou
contemporâneos que justifiquem a aplicação da medida adotada.”
Dessa forma, apenas diante de uma das quatro hipóteses do art. 312 (garantia da ordem
pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal e para assegurar a aplicação
da lei penal), além da constatação de prova de existência do crime, indício suficiente de autoria e
periculum libertatis. Necessário lembrar, ademais, do respeito aos critérios de contemporaneidade
e necessidade de eventual prisão preventiva.
Em análise da presença de tais critérios que embasariam a prisão preventiva, e
consequente negativa do pedido de Liberdade Provisória feito pelo indiciado, vê-se que, de fato,
há, diante das circunstâncias da prisão em flagrante, prova de existência do crime e indício
suficiente de autoria. No entanto, diante das condições subjetivas do indiciado, isto é, que
supostamente incorreu em tráfico privilegiado, sendo réu primário, portador de bons
antecedentes, que não se dedica a atividades criminosas e não integra organização criminosa (art.
33, § 4º, da Lei Federal 11.343), percebe-se que bastaria a decretação de medida cautelar pessoal
diversa da prisão preventiva para assegurar a instrução criminal e a aplicação da lei penal.
Assim sendo, incorreria em desproporcionalidade evidente uma decisão judicial que,
diante das circunstâncias do presente caso, reconhecesse a necessidade de prisão preventiva. Isso
porque a probabilidade é de conversão da pena restritiva de liberdade em pena restritiva de
direitos, em caso de efetiva condenação do indiciado. Não sendo cabível, destarte, a prisão, faz-se
preciso conceder a Liberdade Provisória ao indiciado cumulada com medidas cautelares pessoais
suficientes para a garantia da instrução criminal e da aplicação da lei penal.

2. No dia 19 de março de 2019, a 7ª Vara Federal Criminal decretou, dentre outras medidas, a
prisão preventiva de Michel Temer, ex-presidente da República. Na sentença de 46 páginas, o juiz
Marcelo Bretas invoca argumentação sobre a Convenção das Nações Unidas contra a corrupção:

“5. Cada Estado Parte terá em conta a gravidade dos delitos pertinentes ao
considerar a eventualidade de conceder a liberdade antecipada ou a liberdade
condicional a pessoas que tenham sido declaradas culpadas desses delitos
(grifei).”

Repare que o instrumento normativo internacional, cujo texto genérico se explica


pela possibilidade de ser observado por muitos e distintos sistemas jurídicos ao
redor do mundo, permite também sua incidência a um momento processual
anterior a eventual condenação. Ou seja, o que a norma convencional estatui é
que, em caso de processo por crimes de corrupção e outros relacionados, o
reconhecimento da gravidade do caso deve dificultar a concessão de liberdade
provisória, considerada sua lesividade extraordinária para a sociedade (p. 7).

Segundo o magistrado brasileiro, a prisão preventiva seria a “medida que se impõe” para a
garantia da ordem pública e por conveniência da instrução criminal. Também apresentou outros
argumentos no decorrer de sua fundamentação.

No entanto, em julgamento de Habeas Corpus, o desembargador federal Ivan Athié discordou da


fundamentação sobre a prisão preventiva. Em sua decisão liminar, após refutar a interpretação da
Convenção Internacional, também apontou que o ordenamento jurídico brasileiro não prevê
“possibilidade de prisão preventiva de pessoas que não representam perigo a outras pessoas e à
ordem pública, tampouco à investigação criminal (que no caso parece já concluída), muito menos
à instrução processual, e à aplicação da lei, e muito menos visando recuperar valores ditos
desviados”.

· Link da decisão de decretação da prisão preventiva: https://www.conjur.com.br/dl/bretas-


determina-prisao-michel-temer.pdf
· Link da decisão do TRF-2: https://www.conjur.com.br/dl/decisao-trf-soltura-temer-
moreira-franco.pdf
Considerando essas decisões judiciais, é possível afirmar que os crimes de corrupção e outros
relacionados possuem, diante do reconhecimento da gravidade em Tratado Internacional,
modelo distinto de decretação da prisão preventiva? Quais critérios devem ser observados em
casos como esses? (Valor: 3,0)

Não parece ser possível negar a gravidade dos crimes de corrupção e os a eles
relacionados, tendo em vista que efetivamente trazem danos concretos à credibilidade das
instituições e à garantia dos direitos fundamentais, uma vez que lesa diretamente o Estado
enquanto provedor de serviços públicos. Nesse sentido, reafirma a Convenção das Nações Unidas
contra a Corrupção, incorporada no ordenamento brasileiro por meio do Decreto nº 5.687/06, que
"a gravidade dos problemas e com as ameaças decorrentes da corrupção, para a estabilidade e a
segurança das sociedades, ao enfraquecer as instituições e os valores da democracia, da ética e da
justiça e ao comprometer o desenvolvimento sustentável e o Estado de Direito”. No mesmo tom,
dita a Convenção Interamericana contra a Corrupção (Decreto nº 4.410/02): "a corrupção solapa a
legitimidade das instituições públicas e atenta contra a sociedade, a ordem moral e a justiça, bem
como contra o desenvolvimento integral dos povos.”
A partir dessa perspectiva, resta evidente a incorporação pelo ordenamento pátrio da
noção de que as medidas a serem tomadas pelo Estado contra tais crimes devem ser
proporcionais à sua gravidade no intuito de minimizar seus danos e evitar sua repetição. Quanto à
concretização de tais “medidas”, sempre tratadas no âmbito das convenções internacionais de
forma mais abstrata, em relação à aplicação do instituto da prisão preventiva, faz-se necessário
levar em consideração, também, a gravidade dessa medida cautelar, responsável pela privação de
liberdade do réu.
Por essa mesma razão, não há que se cogitar que se possa ignorar os critérios definidos em
lei para a decretação de prisão preventiva, em nome da necessidade de maior cautela aos bens
públicos e à dignidade das instituições diante de supostos crimes de corrupção, assentada em uma
periculosidade social mais grave em abstração. Assim sendo, é imperativo o apego ao dispositivo
do art. 312 do Código de Processo Penal:
"Art. 312. A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da
ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução
criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova
da existência do crime e indício suficiente de autoria e de perigo gerado
pelo estado de liberdade do imputado.
§ 1º A prisão preventiva também poderá ser decretada em caso de
descumprimento de qualquer das obrigações impostas por força de outras
medidas cautelares.
§ 2º A decisão que decretar a prisão preventiva deve ser motivada e
fundamentada em receio de perigo e existência concreta de fatos novos ou
contemporâneos que justifiquem a aplicação da medida adotada.”
Presumindo-se que houve a constatação de suficiente prova da existência do crime e de
indício de autoria do réu, passamos a analisar o periculum libertatis relacionado a uma das quatro
hipóteses presentes no caput, sem deixar passar os critérios de contemporaneidade do perigo e
necessidade de tal medida cautelar.
Assim, em relação à garantia da ordem pública, já decidiram o STF e o STJ no sentido da
decretação da prisão preventiva diante da necessidade de assegurar a credibilidade das
instituições:
"DIREITO PROCESSUAL PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS.
PRISÃO PREVENTIVA. DECISÃO FUNDAMENTADA. GARANTIA DA ORDEM
PÚBLICA E CONVENIÊNCIA DA INSTRUÇÃO CRIMINAL. RECURSO
ORDINÁRIO NÃO PROVIDO. AGRAVO REGIMENTAL PREJUDICADO. 1. Pos-
sível constrangimento ilegal sofrido pelo paciente devido à ausência dos
requisitos autorizadores para a decretação de sua prisão preventiva. 2.
Diante do conjunto probatório dos autos da ação penal, a manutenção da
custódia cautelar se justifica para a garantia da ordem pública e para
conveniência da instrução criminal, nos termos do art. 312 do Código de
Processo Penal. 3. Como já decidiu esta Corte, "a garantia da ordem
pública, por sua vez, visa, entre outras coisas, evitar a reiteração delitiva,
assim resguardando a sociedade de maiores danos" (HC 84.658/PE, rel.
Min. Joaquim Barbosa, DJ 03/06/2005), além de se caracterizar "pelo
perigo que o agente representa para a sociedade como fundamento apto à
manutenção da segregação" (HC 90.398/SP, rel. Min. Ricardo
Lewandowski, DJ 18/05/2007). Outrossim, "a garantia da ordem pública é
representada pelo imperativo de se impedir a reiteração das práticas
criminosas, como se verifica no caso sob julgamento. A garantia da ordem
pública se revela, ainda, na necessidade de se assegurar a credibilidade
das instituições públicas quanto à visibilidade e transparência de políticas
públicas de persecução criminal" (HC 98.143, de minha relatoria, DJ 27-06-
2008). 4. O pressuposto de garantir a instrução criminal se concretizou
devido à constatação do fundado temor que a vítima apresenta caso o
paciente venha a ser colocado em liberdade, recordando-se que a hipótese
é de competência do tribunal do júri, caso em que poderá haver produção
de prova oral durante a sessão de julgamento. 5. Recurso ordinário em
habeas corpus não provido. 6. Agravo regimental prejudicado (STF, RHC
97449/RJ, 2ª Turma, Rel. Ellen Gracie, 09/06/2009)."

"HABEAS CORPUS LIBERATÓRIO. FORMAÇÃO DE QUADRILHA,


CONTRABANDO E TRANSPORTE ILEGAL DE AGROTÓXICOS (ARTS. 288 E 334
DO CPB E ART. 15 DA LEI 7.802/89). PRISÃO PREVENTIVA. DECRETO
SUFICIENTEMENTE FUNDAMENTADO. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA.
PACIENTE QUE SUPOSTAMENTE GERENCIA ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA
VOLTADA PARA A PRÁTICA PROFISSIONALIZADA NO CONTRABANDO DE
AGROTÓXICOS. NOTÍCIA DE REGISTRO CRIMINAL ANTERIOR. CONCRETA
POSSIBILIDADE DE REITERAÇÃO CRIMINOSA. CONDIÇÕES PESSOAIS
FAVORÁVEIS. IRRELEVÂNCIA. PARECER PELA DENEGAÇÃO DO WRIT.
ORDEM DENEGADA. 1. Sendo induvidosa a ocorrência do crime e presentes
suficientes indícios de autoria, não há ilegalidade na decisão que determina
a custódia cautelar do paciente, se presentes os temores receados pelo art.
312 do CPP. 2. In casu, a segregação provisória foi mantida pelo Tribunal a
quo para garantir a ordem pública, uma vez que o paciente supostamente
integra e gerencia organização criminosa voltada para a prática
profissionalizada de contrabando de agrotóxicos, indicando, pois, concreta
possibilidade de reiteração criminosa. 3. A preservação da ordem pública
não se restringe às medidas preventivas da irrupção de conflitos e
tumultos, mas abrange também a promoção daquelas providências de
resguardo à integridade das instituições, à sua credibilidade social e ao
aumento da confiança da população nos mecanismos oficiais de
repressão às diversas formas de delinquência. 4. Eventuais condições
subjetivas favoráveis, tais como primariedade, bons antecedentes,
residência fixa e trabalho lícito, por si sós, não obstam a segregação
cautelar, se há nos autos elementos hábeis a recomendar a sua
manutenção, como se verifica no caso em tela. Precedente do STF. 5.
Ordem denegada, em conformidade com o parecer ministerial (STJ, HC-
142526, 5ª Turma, Rel. Napoleão Nunes Maia Filho, DJE 15/03/2010).”
Por outro lado, ainda inspirados pelo direito internacional, deve-se levar em consideração a
decisão da Corte IDH, em Suárez Rosero vs. Equador, de 1997, em que se afirmou que “a prisão
cautelar deve ser decretada nos limites estritamente necessários para assegurar o
desenvolvimento normal do processo”. Portanto, há que se avaliar, diante das circunstâncias do
caso concreto, se a prisão preventiva seria a única medida capaz de assegurar a instrução criminal,
a aplicação da lei penal e a preservação da ordem pública.
Assim, mesmo seguindo a determinação presente na Convenção das Nações Unidas contra
a Corrupção de que o Estado deve levar em consideração a gravidade dos delitos diante da
concessão de liberdade ao réu, também não se pode esquecer os standards de direitos humanos
presentes na CADH e na jurisprudência da Corte IDH. Assim, em respeito à norma constitucional
presente no art. 5º, LXVI, CF, não se poderia decretar prisão preventiva em face da eficácia de
medidas cautelares suficientes aos propósitos do processo penal e que impliquem em danos
menos graves à liberdade individual do réu.

3. Para ampliar o número de vagas de creches em uma determinada cidade, a Prefeita Sasha
Marineide conseguiu firmar convênio com o Governo Federal para a construção de uma ampla
Escola de Educação Infantil na região da Ilha Paradis, comunidade rural da cidade. Segundo o
engenheiro responsável pela fiscalização da obra, a construção estava com 5% de realização no dia
20 de janeiro de 2018 (informação inserida pelo engenheiro no Sistema Integrado de
Monitoramento, Execução e Controle do Ministério da Educação – SIMEC). Segundo notas fiscais,
a Prefeitura liberou a quantia somada de 330 mil (equivalente a 18% do valor contratual total) em
benefício da Construtora Marley Ltda até março de 2018.
Ocorre que, após investigações do Tribunal de Contas da União sobre o possível atraso na
construção, verificou-se que a construção nunca foi iniciada. Agora, o Ministério Público Federal
pretende oferecer denúncia contra a Prefeita Sasha Marineide por desvio de verbas (Decreto-Lei
n. 201/1967) e em face do engenheiro fiscal e do sócio-administrador da Construtora Marley.
Diante do caso narrado, responda (de forma fundamentada):
a) No oferecimento da denúncia, seria possível solicitar alguma das medidas assecuratórias
para assegurar a devolução do dinheiro aos cofres públicos? Fundamente com a análise
particular de cada uma das medidas. (Valor: 1,0)
Devemos analisar objetivamente cada uma das possibilidades de medidas assecuratórias:
sequestro, arresto e hipoteca de bens. Na hipótese do sequestro, fundamentada no art. 125, CPP,
por ser medida que cabe contra bens (móveis e imóveis) adquiridos com os proventos da infração,
é necessário que o MP prove, nos termos do art. 126, a existência de indícios veementes da
proveniência ilícita desses bens. O nexo causal entre os proventos do crime e os bens alvo da
medida deve ser combinado com a demonstração do periculum in mora, isto é, o risco de
perecimento dos bens. Não há que se questionar a legitimidade do MP de propor tal medida
assecuratória, com base no disposto no art. 127, CPP, além de não haver óbice a sua decretação
pelo juízo na fase pré-processual. Assim, uma vez identificados os bens alvo da medida e
demonstrados sua relação com os proventos do ilícito e o periculum in mora, cabe, sim, a
solicitação de sequestro dos bens dos acusados.
A hipoteca legal, como medida que visa tutelar o interesse patrimonial da vítima,
assegurando eventual ação civil ex delicti, recai sobre bens imóveis de origem desvinculada ao
ilícito investigado. Em regra, deve ser requerida pelo ofendido enquanto assistente da acusação,
no entanto, o art. 142, CPP, confere legitimidade ao MP em casos de interesse da Fazenda Pública.
Assim, como o delito fere diretamente o patrimônio público por meio de desvio de verbas, além
de poder ser requerida em fase pré-processual, também se pode cogitar da aplicação da hipoteca,
uma vez demonstrados o fumus comissi delicti e os prejuízos sofridos em consequência do ilícito.
Diante de eventual insuficiência de bens imóveis sobre os quais podem incidir a hipoteca,
pode-se requerer o arresto de bens móveis. Esses bens devem ser desconexos com a atividade
delituosa. Os mesmos critérios para a hipoteca são aqui válidos, ou seja, pode o MP requerer tal
medida no momento atual da investigação diante de interesse da Fazenda Pública.

b) A medida deve ser realizada contra todos os acusados ou alguém específico? (Valor: 1,0)
As medidas assecuratórias tem, entre um de seus objetivos, garantir a reparação dos danos
causados pelo ilícito. Dessa forma, é necessário para sua decretação que haja uma relação entre a
ação do acusado e a perda patrimonial sofrida pela vítima. É por isso que, pelas circunstâncias
presentes no caso, pode-se requerer tais medidas, em uma primeira vista, contra o sócio-
administrador da construtora. Isso porque, em tese, foi o sócio que aferiu ganhos patrimoniais
diretos, e foi a prefeita (tendo se beneficiado patrimonialmente ou não) que desviou as verbas
públicas, sendo seus atos responsáveis pelo prejuízo causado aos cofres públicos. No caso do
engenheiro responsável pela obra, sua fraude em relação ao andamento da obra não constituiu
per se prejuízo ao patrimônio público, mas apenas prejudicou a atuação dos órgãos de controle;
assim, não caberia medida assecuratória contra ele se não for constatado nenhum provento
advindo de seu ilícito.

c) Seria possível realizar arresto contra bens da pessoa jurídica envolvida (Construtora
Marley)? (Valor: 1,0)
Sendo constatado indício de ocultação de patrimônio do sócio-administrador acusado em
nome da pessoa jurídica da construtora, deve-se analisar a possibilidade de decretação de arresto
de bens contra a PJ.
Deve-se levar em consideração o disposto no caput do art. 4º da Lei Federal nº 9.613/98:
"Art. 4o O juiz, de ofício, a requerimento do Ministério Público ou
mediante representação do delegado de polícia, ouvido o Ministério
Público em 24 (vinte e quatro) horas, havendo indícios suficientes de
infração penal, poderá decretar medidas assecuratórias de bens, direitos
ou valores do investigado ou acusado, ou existentes em nome de
interpostas pessoas, que sejam instrumento, produto ou proveito dos
crimes previstos nesta Lei ou das infrações penais antecedentes.
(…)
§ 2º O juiz determinará a liberação total ou parcial dos bens, direitos e
valores quando comprovada a licitude de sua origem, mantendo-se a
constrição dos bens, direitos e valores necessários e suficientes à
reparação dos danos e ao pagamento de prestações pecuniárias, multas e
custas decorrentes da infração penal.”
Segundo o dispositivo, seria, sim, possível decretar medidas assecuratórias contra bens em
nome de pessoas (inclusive jurídicas) que sirvam de instrumento, produto ou proveito. No
entanto, o § 2º restringe a incidência de tais medidas a bens adquiridos por meio de origem ilícita.
Assim, ficam restritas as medidas assecuratórias à aplicação de sequestro de bens, tendo em vista
a necessidade de se constatar origem ilícita dos bens alvo de tal medida.
Portanto, não havendo previsão legal para a decretação de arresto de bens de origem
diversa dos proventos do ilícito de titularidade da pessoa jurídica, e em respeito ao princípio da
pessoalidade da responsabilidade penal, não há que se cogitar incidência de arresto em tal
hipótese. Deve-se, destarte, limitar o arresto a bens do próprio agente com vistas à reparação dos
danos e ao pagamento de multas.

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