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1. Bob Marley da Silva passou o réveillon de 2019 na praia da Pipa, Rio Grande do Norte. No dia
31, decidiu preparar alguns “doces”, cujo principal ingrediente era maconha – substância
entorpecente – para a venda. No momento em que estava expondo à venda seus “brisadeiros” e
“lombrownies”, Bob foi preso em flagrante delito. Concluído o Inquérito Policial, o Delegado de
Polícia, no quinto dia após a prisão, indiciou Bob Marley pela prática do crime contido no art. 33
da Lei Federal n. 11.343, de 23 de agosto de 2006. A defesa ajuizou pedido de Liberdade
Provisória, alegando que Bob Marley trabalha em um restaurante, durante o dia, e é cantor, no
período noturno, bem como nunca foi preso, processado ou condenado em processos criminais
anteriormente, dados estes devidamente comprovados nos autos. Instado a se manifestar, o
promotor opinou contrariamente ao pedido, sustentando a impossibilidade de deferimento frente
ao art. 44 da Lei Federal n. 11.343, de 2006. À luz das normas vigentes, notadamente as
constitucionais, como você decidiria o Pedido de Liberdade Provisória? Fundamente sua
resposta com o arcabouço teórico e os artigos que respondem à questão (Valor: 3,0)
2. No dia 19 de março de 2019, a 7ª Vara Federal Criminal decretou, dentre outras medidas, a
prisão preventiva de Michel Temer, ex-presidente da República. Na sentença de 46 páginas, o juiz
Marcelo Bretas invoca argumentação sobre a Convenção das Nações Unidas contra a corrupção:
“5. Cada Estado Parte terá em conta a gravidade dos delitos pertinentes ao
considerar a eventualidade de conceder a liberdade antecipada ou a liberdade
condicional a pessoas que tenham sido declaradas culpadas desses delitos
(grifei).”
Segundo o magistrado brasileiro, a prisão preventiva seria a “medida que se impõe” para a
garantia da ordem pública e por conveniência da instrução criminal. Também apresentou outros
argumentos no decorrer de sua fundamentação.
Não parece ser possível negar a gravidade dos crimes de corrupção e os a eles
relacionados, tendo em vista que efetivamente trazem danos concretos à credibilidade das
instituições e à garantia dos direitos fundamentais, uma vez que lesa diretamente o Estado
enquanto provedor de serviços públicos. Nesse sentido, reafirma a Convenção das Nações Unidas
contra a Corrupção, incorporada no ordenamento brasileiro por meio do Decreto nº 5.687/06, que
"a gravidade dos problemas e com as ameaças decorrentes da corrupção, para a estabilidade e a
segurança das sociedades, ao enfraquecer as instituições e os valores da democracia, da ética e da
justiça e ao comprometer o desenvolvimento sustentável e o Estado de Direito”. No mesmo tom,
dita a Convenção Interamericana contra a Corrupção (Decreto nº 4.410/02): "a corrupção solapa a
legitimidade das instituições públicas e atenta contra a sociedade, a ordem moral e a justiça, bem
como contra o desenvolvimento integral dos povos.”
A partir dessa perspectiva, resta evidente a incorporação pelo ordenamento pátrio da
noção de que as medidas a serem tomadas pelo Estado contra tais crimes devem ser
proporcionais à sua gravidade no intuito de minimizar seus danos e evitar sua repetição. Quanto à
concretização de tais “medidas”, sempre tratadas no âmbito das convenções internacionais de
forma mais abstrata, em relação à aplicação do instituto da prisão preventiva, faz-se necessário
levar em consideração, também, a gravidade dessa medida cautelar, responsável pela privação de
liberdade do réu.
Por essa mesma razão, não há que se cogitar que se possa ignorar os critérios definidos em
lei para a decretação de prisão preventiva, em nome da necessidade de maior cautela aos bens
públicos e à dignidade das instituições diante de supostos crimes de corrupção, assentada em uma
periculosidade social mais grave em abstração. Assim sendo, é imperativo o apego ao dispositivo
do art. 312 do Código de Processo Penal:
"Art. 312. A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da
ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução
criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova
da existência do crime e indício suficiente de autoria e de perigo gerado
pelo estado de liberdade do imputado.
§ 1º A prisão preventiva também poderá ser decretada em caso de
descumprimento de qualquer das obrigações impostas por força de outras
medidas cautelares.
§ 2º A decisão que decretar a prisão preventiva deve ser motivada e
fundamentada em receio de perigo e existência concreta de fatos novos ou
contemporâneos que justifiquem a aplicação da medida adotada.”
Presumindo-se que houve a constatação de suficiente prova da existência do crime e de
indício de autoria do réu, passamos a analisar o periculum libertatis relacionado a uma das quatro
hipóteses presentes no caput, sem deixar passar os critérios de contemporaneidade do perigo e
necessidade de tal medida cautelar.
Assim, em relação à garantia da ordem pública, já decidiram o STF e o STJ no sentido da
decretação da prisão preventiva diante da necessidade de assegurar a credibilidade das
instituições:
"DIREITO PROCESSUAL PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS.
PRISÃO PREVENTIVA. DECISÃO FUNDAMENTADA. GARANTIA DA ORDEM
PÚBLICA E CONVENIÊNCIA DA INSTRUÇÃO CRIMINAL. RECURSO
ORDINÁRIO NÃO PROVIDO. AGRAVO REGIMENTAL PREJUDICADO. 1. Pos-
sível constrangimento ilegal sofrido pelo paciente devido à ausência dos
requisitos autorizadores para a decretação de sua prisão preventiva. 2.
Diante do conjunto probatório dos autos da ação penal, a manutenção da
custódia cautelar se justifica para a garantia da ordem pública e para
conveniência da instrução criminal, nos termos do art. 312 do Código de
Processo Penal. 3. Como já decidiu esta Corte, "a garantia da ordem
pública, por sua vez, visa, entre outras coisas, evitar a reiteração delitiva,
assim resguardando a sociedade de maiores danos" (HC 84.658/PE, rel.
Min. Joaquim Barbosa, DJ 03/06/2005), além de se caracterizar "pelo
perigo que o agente representa para a sociedade como fundamento apto à
manutenção da segregação" (HC 90.398/SP, rel. Min. Ricardo
Lewandowski, DJ 18/05/2007). Outrossim, "a garantia da ordem pública é
representada pelo imperativo de se impedir a reiteração das práticas
criminosas, como se verifica no caso sob julgamento. A garantia da ordem
pública se revela, ainda, na necessidade de se assegurar a credibilidade
das instituições públicas quanto à visibilidade e transparência de políticas
públicas de persecução criminal" (HC 98.143, de minha relatoria, DJ 27-06-
2008). 4. O pressuposto de garantir a instrução criminal se concretizou
devido à constatação do fundado temor que a vítima apresenta caso o
paciente venha a ser colocado em liberdade, recordando-se que a hipótese
é de competência do tribunal do júri, caso em que poderá haver produção
de prova oral durante a sessão de julgamento. 5. Recurso ordinário em
habeas corpus não provido. 6. Agravo regimental prejudicado (STF, RHC
97449/RJ, 2ª Turma, Rel. Ellen Gracie, 09/06/2009)."
3. Para ampliar o número de vagas de creches em uma determinada cidade, a Prefeita Sasha
Marineide conseguiu firmar convênio com o Governo Federal para a construção de uma ampla
Escola de Educação Infantil na região da Ilha Paradis, comunidade rural da cidade. Segundo o
engenheiro responsável pela fiscalização da obra, a construção estava com 5% de realização no dia
20 de janeiro de 2018 (informação inserida pelo engenheiro no Sistema Integrado de
Monitoramento, Execução e Controle do Ministério da Educação – SIMEC). Segundo notas fiscais,
a Prefeitura liberou a quantia somada de 330 mil (equivalente a 18% do valor contratual total) em
benefício da Construtora Marley Ltda até março de 2018.
Ocorre que, após investigações do Tribunal de Contas da União sobre o possível atraso na
construção, verificou-se que a construção nunca foi iniciada. Agora, o Ministério Público Federal
pretende oferecer denúncia contra a Prefeita Sasha Marineide por desvio de verbas (Decreto-Lei
n. 201/1967) e em face do engenheiro fiscal e do sócio-administrador da Construtora Marley.
Diante do caso narrado, responda (de forma fundamentada):
a) No oferecimento da denúncia, seria possível solicitar alguma das medidas assecuratórias
para assegurar a devolução do dinheiro aos cofres públicos? Fundamente com a análise
particular de cada uma das medidas. (Valor: 1,0)
Devemos analisar objetivamente cada uma das possibilidades de medidas assecuratórias:
sequestro, arresto e hipoteca de bens. Na hipótese do sequestro, fundamentada no art. 125, CPP,
por ser medida que cabe contra bens (móveis e imóveis) adquiridos com os proventos da infração,
é necessário que o MP prove, nos termos do art. 126, a existência de indícios veementes da
proveniência ilícita desses bens. O nexo causal entre os proventos do crime e os bens alvo da
medida deve ser combinado com a demonstração do periculum in mora, isto é, o risco de
perecimento dos bens. Não há que se questionar a legitimidade do MP de propor tal medida
assecuratória, com base no disposto no art. 127, CPP, além de não haver óbice a sua decretação
pelo juízo na fase pré-processual. Assim, uma vez identificados os bens alvo da medida e
demonstrados sua relação com os proventos do ilícito e o periculum in mora, cabe, sim, a
solicitação de sequestro dos bens dos acusados.
A hipoteca legal, como medida que visa tutelar o interesse patrimonial da vítima,
assegurando eventual ação civil ex delicti, recai sobre bens imóveis de origem desvinculada ao
ilícito investigado. Em regra, deve ser requerida pelo ofendido enquanto assistente da acusação,
no entanto, o art. 142, CPP, confere legitimidade ao MP em casos de interesse da Fazenda Pública.
Assim, como o delito fere diretamente o patrimônio público por meio de desvio de verbas, além
de poder ser requerida em fase pré-processual, também se pode cogitar da aplicação da hipoteca,
uma vez demonstrados o fumus comissi delicti e os prejuízos sofridos em consequência do ilícito.
Diante de eventual insuficiência de bens imóveis sobre os quais podem incidir a hipoteca,
pode-se requerer o arresto de bens móveis. Esses bens devem ser desconexos com a atividade
delituosa. Os mesmos critérios para a hipoteca são aqui válidos, ou seja, pode o MP requerer tal
medida no momento atual da investigação diante de interesse da Fazenda Pública.
b) A medida deve ser realizada contra todos os acusados ou alguém específico? (Valor: 1,0)
As medidas assecuratórias tem, entre um de seus objetivos, garantir a reparação dos danos
causados pelo ilícito. Dessa forma, é necessário para sua decretação que haja uma relação entre a
ação do acusado e a perda patrimonial sofrida pela vítima. É por isso que, pelas circunstâncias
presentes no caso, pode-se requerer tais medidas, em uma primeira vista, contra o sócio-
administrador da construtora. Isso porque, em tese, foi o sócio que aferiu ganhos patrimoniais
diretos, e foi a prefeita (tendo se beneficiado patrimonialmente ou não) que desviou as verbas
públicas, sendo seus atos responsáveis pelo prejuízo causado aos cofres públicos. No caso do
engenheiro responsável pela obra, sua fraude em relação ao andamento da obra não constituiu
per se prejuízo ao patrimônio público, mas apenas prejudicou a atuação dos órgãos de controle;
assim, não caberia medida assecuratória contra ele se não for constatado nenhum provento
advindo de seu ilícito.
c) Seria possível realizar arresto contra bens da pessoa jurídica envolvida (Construtora
Marley)? (Valor: 1,0)
Sendo constatado indício de ocultação de patrimônio do sócio-administrador acusado em
nome da pessoa jurídica da construtora, deve-se analisar a possibilidade de decretação de arresto
de bens contra a PJ.
Deve-se levar em consideração o disposto no caput do art. 4º da Lei Federal nº 9.613/98:
"Art. 4o O juiz, de ofício, a requerimento do Ministério Público ou
mediante representação do delegado de polícia, ouvido o Ministério
Público em 24 (vinte e quatro) horas, havendo indícios suficientes de
infração penal, poderá decretar medidas assecuratórias de bens, direitos
ou valores do investigado ou acusado, ou existentes em nome de
interpostas pessoas, que sejam instrumento, produto ou proveito dos
crimes previstos nesta Lei ou das infrações penais antecedentes.
(…)
§ 2º O juiz determinará a liberação total ou parcial dos bens, direitos e
valores quando comprovada a licitude de sua origem, mantendo-se a
constrição dos bens, direitos e valores necessários e suficientes à
reparação dos danos e ao pagamento de prestações pecuniárias, multas e
custas decorrentes da infração penal.”
Segundo o dispositivo, seria, sim, possível decretar medidas assecuratórias contra bens em
nome de pessoas (inclusive jurídicas) que sirvam de instrumento, produto ou proveito. No
entanto, o § 2º restringe a incidência de tais medidas a bens adquiridos por meio de origem ilícita.
Assim, ficam restritas as medidas assecuratórias à aplicação de sequestro de bens, tendo em vista
a necessidade de se constatar origem ilícita dos bens alvo de tal medida.
Portanto, não havendo previsão legal para a decretação de arresto de bens de origem
diversa dos proventos do ilícito de titularidade da pessoa jurídica, e em respeito ao princípio da
pessoalidade da responsabilidade penal, não há que se cogitar incidência de arresto em tal
hipótese. Deve-se, destarte, limitar o arresto a bens do próprio agente com vistas à reparação dos
danos e ao pagamento de multas.