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JOÃO DAS COUVES, já qualificado nos autos, vem por meio de seu advogado (procuração
anexa), apresentar REVOGAÇAO DE PRISÃO PREVENTIVA, com fundamento no 316 do
Código de Processo Penal, pelos seguintes fatos e fundamentos:
DOS FATOS
Conforme ocorrência policial já inserida nos autos, o acusado foi flagrado dentro de sua
residência praticado atos libidinosos consistentes com sexo oral e conjunção carnal com sua
namorada Luluzinha, que na época dos fatos tinha 13 anos de idade. Os fatos se deram da
seguinte forma:
Os policiais civis, cientes de toda a ocorrência, foram até a sua residência e bateram à porta,
solicitando a entrada. João das Couves não atendeu ao chamado, pois estava em um momento
íntimo com sua namorada, praticando atos libidinosos e conjunção carnal, tendo os policiais
civis invadido o local sem terem a certeza de que o investigado estaria praticando os
mencionados atos sexuais. Ademais, ingressaram na residência sem qualquer consentimento
do morador.
Com sua prisão em flagrante, João das Couves fora encaminhado para audiência de custódia,
que fora realizada 72 horas após os fatos, pelo juiz de direito da 1ª Vara Criminal da Comarca
de São Paulo/SP.
Foi requerido o relaxamento da prisão em flagrante, tendo em vista que ela não fora feita de
forma legal, uma vez que se descumpriu o art. 310, caput, CPP, que exige o prazo de 24 horas
para a sua realização, bem como não estavam presentes os requisitos da prisão preventiva,
forte, ainda, que a investigação foi lastreada em denúncia anônima e o flagrante foi feito sem
observar os balizamentos jurisprudenciais de consentimento do morador.
Todavia, o magistrado com atuação na audiência de custódia, entendeu por bem decretar a
prisão preventiva com base nos seguintes fundamentos: “Entendo que o prazo legal de 24
horas para a realização da audiência de custódia é impróprio e não merece ser cumprido à
risca; a invasão de domicílio feita pelos policiais é justificável, pois estava ali sendo praticado
um crime hediondo, constituindo a ausência de consentimento mera irregularidade; eventuais
abusos cometidos contra o acusado devem ser resolvidos na via própria”.
Dessa forma, o réu, neste momento, encontra-se preso preventivamente na cidade de São
Paulo/SP, mais precisamente por ordem da 1ª Vara Criminal da Capital. Cumpre ressaltar que
até o presente momento não houve indiciamento, já se ultimando 120 dias de investigação,
sem qualquer análise posterior da necessidade de manutenção da prisão preventiva.
Por fim, o magistrado entendeu que por tratar-se de crime permanente, o flagrante poderia ser
dado a qualquer tempo, independentemente de autorização judicial, bem como que a
inexistência de consentimento do morador para o ingresso em sua residência constitui mera
irregularidade.
Cumpre ressaltar que até o presente momento não houve indiciamento, já se ultimando 120
dias de investigação, ultrapassando-se o prazo previsto no artigo 51 da Lei nº 11.343/06.
Além disso, até o presente momento, o laudo pericial acerca da perda ou não da virgindade de
Luluzinha ainda não ficou pronto, inexistindo nos autos qualquer materialidade acerca dos
eventuais atos sexuais perpetrados.
DOS FUNDAMENTOS
DA INEXISTENCIA DOS REQUISITOS DO ART. 312, CPP
Inicialmente, deve ser alertado o mandamento constitucional de que ninguém deve ser
considerado culpado, senão depois do trânsito em julgado de uma sentença condenatória, com
base no artigo 5º, LVII, CF.
Além disso, destaca-se que o artigo 312, CPP deveria ter sido preenchido de forma exaustiva,
o que nem de longe ocorrera no presente feito.
Ora, a prisão preventiva deve ser decretada quando houver a existência de periculum libertatis
e fumus comissi delicti, como bem preleciona o Professor Avena, in verbis:
Por sua vez, o art. 312 do CPP demonstra os requisitos indispensáveis para a realização da
prisão preventiva, verbis:
Art. 312. A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem
pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal ou
para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência
do crime e indício suficiente de autoria e de perigo gerado pelo estado de
liberdade do imputado. (BRASIL, 1941, [s. p.])
O Código de Processo Penal estabelece no art. 312 os pontos necessários para fundamentação
da prisão preventiva, pois, além de ser necessária a prova da existência do crime e indícios
suficientes de autoria, a decretação deverá motivar-se em um dos seus requisitos, sob pena de
ilegalidade da prisão.
O primeiro requisito consiste na garantia da ordem pública. A doutrina majoritária critica esse
requisito autorizador da medida cautelar, pois o conceito de tal expressão é bastante amplo.
Para alguns doutrinadores, como Leonardo Barreto:
Nessa linha de pensamento, o Superior Tribunal de Justiça entende que a prisão preventiva
decretada para garantir a ordem pública não pode basear-se em dados abstratos, como, a título
de exemplificação, estar o indivíduo submetido a processo criminal ou já ter sido condenado
por outro crime, bem como o fato de a capacidade econômica dele ser elevada e isso, por si
só, já configurar elemento suficiente para consubstanciar-se na chamada na garantia da ordem
pública.
No caso concreto deve ser demonstrado exaustivamente que a liberdade do indivíduo coloca a
ordem pública em perigo, por ser uma exceção tal prisão, não pode basear-se em fatos
abstratos. Nesses termos, é o pensamento do Superior Tribunal de Justiça:
EMENTA
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EM HABEAS CORPUS.
TRÁFICO DE DROGAS.
PRISÃO PREVENTIVA. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA
QUANTO AO PERICULUM LIBERTATIS. QUANTIDADE REDUZIDA
DE DROGAS. MEDIDAS CAUTELARES ALTERNATIVAS.
SUFICIÊNCIA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL CONFIGURADO.
RECURSO MINISTERIAL DESPROVIDO.
1. Para a decretação da prisão preventiva, é indispensável a demonstração da
existência da prova da materialidade do crime e a presença de indícios
suficientes da autoria. Exige-se, ainda, que a decisão esteja pautada em
lastro probatório que se ajuste às hipóteses excepcionais da norma em
abstrato (art. 312 do CPP), demonstrada, ainda, a imprescindibilidade da
medida. Precedentes do STF e STJ.
2. Na espécie, as instâncias ordinárias não apontaram elementos concretos
robustos, relativos à conduta perpetrada pelo agravado, que demonstrem a
imprescindibilidade da medida restritiva da liberdade, nos termos do art.
312 do CPP. Além disso, a gravidade abstrata do delito, por si só, não
justifica a decretação da prisão preventiva. Precedentes.
3. No caso, embora haja um aparente risco de reiteração delitiva, por se
tratar de réu que já responde a processo por delito da mesma natureza, não
há registro de excepcionalidades para justificar a medida extrema. Além
disso, a quantidade de droga apreendida não se mostra expressiva (2g de
crack em 25 pedras e 2g de cocaína em 5 trouxinhas) e não há qualquer
dado indicativo de que o acusado, que é primário, integre organização
criminosa ou esteja envolvido de forma profunda com a criminalidade,
contexto que evidencia a possibilidade de aplicação de outras medidas
cautelares mais brandas. Constrangimento ilegal configurado. Precedentes.
4. Agravo regimental a que se nega provimento (AgRg no RHC 167773 /
CE).
O segundo requisito é para garantir a ordem econômica. In casu, deve ficar comprovado que a
liberdade do acusado possa gerar um grave abalo à ordem econômica. Todavia, essa forma de
prisão cautelar é totalmente genérica e de difícil constatação no caso concreto, muito em razão
de ser bem parecida com a garantia da ordem pública.
A par de ilustrar, citam-se os crimes de sonegação fiscal com cifras exponenciais, lavagem de
capitais praticada por meio de uma avançada engenharia econômica de forma a ocultar
valores estratosféricos desviados de empresas públicas ou graves fraudes em licitações
públicas que possam comprometer toda a estabilidade social local.
O terceiro requisito consiste na garantia da instrução criminal. Nesse ponto, a lei prevê a
possibilidade de prisão preventiva de alguém que esteja desafiando a produção probatória,
ameaçando testemunhas ou destruindo provas. Mais uma vez, é bom lembrar que tais
situações devem ser concretamente comprovadas nos autos.
Como último requisito, a prisão pode ser decretada para garantia da aplicação da lei penal. In
casu, a possibilidade de prisão preventiva diz respeito àquela situação em que o agente evade
e fica difícil o cumprimento da penalidade a ele imposta no final do processo.
Logo, a invocação da gravidade em abstrato do crime não constitui motivo suficiente para a
decretação dessa medida extrema.
Por outro lado, inovando-se no Código de Processo Penal, o pacote anticrime estabeleceu ser
a prisão cautelar medida extrema, ou seja, antes de decretar o encarceramento do indivíduo,
cumpre ao magistrado estudar a possibilidade de decretar medidas cautelares diversas da
prisão, caso sejam suficientes para proteger o bem jurídico protegido e o resguardo do devido
processo legal, sendo que essas cautelares estão dispostas no art. 319, CPP.
Outra observação relevante para fins de análise da prisão preventiva é a regra inscrita no
artigo 316, CPP, determinando-se ao juiz a necessidade de revisão da prisão preventiva
decretada após o decurso do prazo de 90 dias, sob pena de ela ser classificada como ilegal,
nestes termos:
Art. 316. O juiz poderá, de ofício ou a pedido das partes, revogar a prisão
preventiva se, no correr da investigação ou do processo, verificar a falta de
motivo para que ela subsista, bem como novamente decretá-la, se
sobrevierem razões que a justifiquem. (Redação dada pela Lei nº 13.964, de
2019)
Parágrafo único. Decretada a prisão preventiva, deverá o órgão emissor da
decisão revisar a necessidade de sua manutenção a cada 90 (noventa) dias,
mediante decisão fundamentada, de ofício, sob pena de tornar a prisão
ilegal.
Art. 316. O juiz poderá, de ofício ou a pedido das partes, revogar a prisão
preventiva se, no correr da investigação ou do processo, verificar a falta de
motivo para que ela subsista, bem como novamente decretá-la, se
sobrevierem razões que a justifiquem. (Redação dada pela Lei nº 13.964, de
2019)
Parágrafo único. Decretada a prisão preventiva, deverá o órgão emissor da
decisão revisar a necessidade de sua manutenção a cada 90 (noventa) dias,
mediante decisão fundamentada, de ofício, sob pena de tornar a prisão
ilegal. (BRASIL, 1941, [s. p.])
No caso em tela, o magistrado que decretou a prisão preventiva ainda não se manifestou,
mesmo após o período de 120 dias, acerca da necessidade ou não de manutenção da prisão
preventiva, sendo que até a presente data inexiste decisão nesse sentido.
Ora, o Pacote Anticrime, com a novel disposição legal, veio com o intuito de impedir as
famigeradas prisões sem prazo determinado, em que o acusado era esquecido nas masmorras
estatais e entregue a sua própria sorte.
Trata-se de regra importante para que não persistam as famigeradas prisões sem prazo, em
que o acusado permanecia preso a totalidade da persecução penal sem qualquer
fundamentação robusta, não havendo, ainda, nenhuma revisão do decreto prisional. Com a
novel modificação legal, o juiz que decretou a prisão preventiva deverá atentar-se, após o
prazo de 90 dias, para a necessidade ou não de sua manutenção, conforme vem decidindo o
Supremo Tribunal Federal, in verbis:
Pelo dispositivo legal e pela visão jurisprudencial, o magistrado que decretou a prisão
preventiva deve analisar se os pressupostos e requisitos da prisão preventiva subsistem para
fins de manutenção da custódia cautelar, devendo ser observado o prazo legal de 90 dias.
Outro ponto fundamental que deve ser observado nos crimes sexuais é que os laudos periciais
devem ser juntados aos autos do processo para demonstrar que houve a materialidade do
delito em testilha, uma vez que a palavra da vítima sozinha não pode ser levada ao extremo.
Além disso, nos casos em que há consentimento para a prática do ato sexual, é mais difícil
ainda de se afirmar que houve algum tipo de lesão ou violência, sendo o exame de corpo de
delito de suma importância.
Nesse espeque, cita-se o artigo 158 do Código de Processo Penal, que assim elucida a
questão:
Pelo que se observa, nos crimes que deixam vestígios, a necessidade do laudo pericial é
fundamental, de forma a comprovar a existência da materialidade do crime contra a dignidade
sexual, notadamente naqueles em que se apuram a prática de atos sexuais.
Caso não se entenda que seria justa a restituição integral da liberdade do acusado, pugna
sejam aplicadas medidas cautelares diversas da prisão, na forma do artigo 319, CPP, nestes
termos:
Deve ser ressaltado como inobservância do princípio do devido processo legal que não se
cumpriram as disposições previstas na lei própria de regência.
Ora, o prazo legal para o encerramento de um inquérito policial estando o réu preso é de 30
dias, o que já fora ultrapassado e permite a ideia de excesso de prazo, devendo a liberdade ser
restituída de forma imediata. Além disso, não houve qualquer indiciamento até o presente
momento e o acusado segue preso sem previsão de encerramento das investigações.
Não obstante, por motivo de já deixar a matéria prequestionada, inexistem os laudos periciais
pertinentes para o correto processamento de alguém nos moldes da Lei nº 11.343/06, sendo
caso patente de ausência de materialidade.
DOS PEDIDOS
Diante do exposto, respeitosamente, requer a revogação da prisão preventiva, haja visto que:
a) Não foram preenchidos, de forma concreta, os requisitos do art. 312, CPP, pois não se
demonstrou com elementos hábeis a presença da garantia da ordem pública ou qualquer outro
elemento autorizador.
b) Não se cumpriu o mandamento legal do art. 316 do CPP, inexistindo razão para o seu
descumprimento, uma vez que trata de imposição legislativa, bem como não se atenderam aos
dispositivos legais previstos na Lei nº 11.343/06, artigos 50 e seguintes.
c) Requer, caso não seja revogada a prisão preventiva, pelo princípio da eventualidade, a
aplicação das medidas cautelares diversas da prisão, conforme prudente arbítrio de Vossa
Excelência, na forma do art. 319, CPP.
c) Requer, ainda, a imediata expedição de alvará́ de soltura em nome do acusado, para que ele
possa, em liberdade, defender-se no curso da ação penal, comprometendo-se a comparecer a
todos os atos processuais.
São Paulo,
Assinatura
OAB