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NÚCLEO DE PÓS GRADUAÇÃO

CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO
Coordenação Pedagógica – IBRA

DISCIPLINA

SISTEMA PRISIONAL
E SEGURANÇA
PÚBLICA
I. DA PRISÃO
Apostila montada com base no texto da Autora: Dra. Maria da Penha Meirelles Almeida Costa

1. Conceito de prisão

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É a privação da liberdade de locomoção em virtude do recolhimento da pessoa


humana ao cárcere, seja em virtude de flagrante delito, ordem escrita e
fundamentada competente, seja nos casos de transgressão militar ou crime
propriamente militar.
ESPÉCIES DE PRISÃO
a) Prisão-pena ou prisão penal: é a que resulta de condenação transitada em
julgado, na qual foi imposta pena privativa de liberdade. Tem finalidade
repressiva.

b) Prisão processual penal ou cautelar, também denominada prisão cautelar


ou prisão provisória, subdivide-se em três modalidades:

b.1. Prisão em flagrante (CPP arts. 301 a 310);

b.2. Prisão preventiva (CPP, arts. 311 a 318);

b.3. Prisão temporária (Lei n. 7.960, de 21-12-1989).

c) Prisão civil: é a decretada em casos de devedor de alimentos e depositário


infiel, única permitida pela Constituição (art. 5º, LXVII).
CADH- Convenção Americana de Direitos Humanos - só ressalva a prisão civil
do devedor de alimentos.
Cancelamento da Súmula 619 STF.
Por maioria, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF)
arquivou, nesta quarta-feira (03), o Recurso Extraordinário (RE)
349703 e, por unanimidade, negou provimento ao RE 466343,
que discutiam a prisão civil de alienante fiduciário infiel. O
Plenário estendeu a proibição de prisão civil por dívida, prevista
no artigo 5º, inciso LXVII, da Constituição Federal (CF), à
hipótese de infidelidade no depósito de bens e, por analogia,
também à alienação fiduciária, tratada nos dois recursos.
Assim, a jurisprudência da Corte evoluiu no sentido de que a
prisão civil por dívida é aplicável apenas ao responsável pelo
inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação
alimentícia. O Tribunal entendeu que a segunda parte do
dispositivo constitucional que versa sobre o assunto é de
aplicação facultativa quanto ao devedor – excetuado o
inadimplente com alimentos – e, também, ainda carente de lei
que defina rito processual e prazos.
Em toda a discussão sobre o assunto prevaleceu o
entendimento de que o direito à liberdade é um dos direitos
humanos fundamentais priorizados pela Constituição Federal
(CF) e que sua privação somente pode ocorrer em casos
excepcionalíssimos. E, no entendimento de todos os ministros
presentes à sessão, neste caso não se enquadra a prisão civil
por dívida.

Súmula Vinculante n.º 25: É ilícita a prisão civil de depositário infiel, qualquer
que seja a modalidade de depósito.

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Art. 282. A exceção do flagrante delito, a prisão não poderá efetuar-se
senão em virtude de pronúncia ou nos casos determinados em lei, e
mediante ordem escrita da autoridade competente.
As hipóteses de prisão processual, que é a que nos interessa especialmente no
presente estudo, são as seguintes:

A prisão em flagrante;

A prisão preventiva;

A prisão temporária;

A prisão processual tem natureza cautelar, ou seja, visa a proteger bens


jurídicos envolvidos no processo ou que o processo pode, hipoteticamente,
assegurar.
Isso significa que precisam estar presentes os pressupostos das medidas
cautelares, que são o fumus boni iuris e o periculum in mora. O fumus
boni iuris é a probabilidade de a ordem jurídica amparar o direito que, por
essa razão, merece ser protegido. O periculum in mora é o risco de perecer
que corre o direito se a medida não for tomada para preservá-lo.
O primeiro princípio que rege a prisão processual informa que: a prisão não se
mantém nem se decreta se não houver perigo à aplicação da lei penal,
perigo à ordem pública ou necessidade para a instrução criminal.
O segundo princípio é o de que a prisão deve ser necessária para que se
alcance um daqueles objetivos. Não pode caber qualquer critério de
oportunidade ou conveniência; o critério é de legalidade e de adequação a uma
das hipóteses legais.
O terceiro princípio é o de que os fundamentos da prisão processual podem
suceder-se, mas não se cumulam. Assim, se a prisão em flagrante é válida,
não se decreta, sobre ela, a preventiva. Esta ou aquela, por sua vez, são
substituídas pela prisão por pronúncia ou por sentença condenatória recorrível.
PRISÃO EM DOMICÍLIO

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A Constituição Federal dispõe, no seu art. 5º, XI, que “a casa é o asilo
inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem
consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre,
ou para prestar socorro, ou durante o dia, por determinação judicial”.
Com isso, temos duas situações distintas - a violação do domicílio à noite e
durante o dia:

a) durante a noite: somente se pode penetrar no domicílio alheio em quatro


hipóteses:
Com o consentimento do morador;
Em caso de flagrante delito;
Desastre; ou
Para prestar socorro.

b) durante o dia, cinco são as hipóteses:


Consentimento do morador;
Flagrante delito;
Desastre;
Para prestar socorro; ou
Mediante mandado judicial de prisão ou de busca e
apreensão

4. Mandado de Prisão

Salvo o caso de flagrante, a prisão sempre se efetiva com mandado escrito da


autoridade judicial, representado por um instrumento que corporifica a ordem
judicial competente.

Art. 285. “A autoridade que ordenar a prisão fará expedir o


respectivo mandado”.

4.1. Requisitos do mandado de prisão:

Deve ser lavrado pelo escrivão e assinado pela autoridade competente;

Deve designar a pessoa que tiver de ser presa, por seu nome, alcunha ou
sinais característicos;

Deve conter a infração penal que motivou a prisão (a CF exige que a ordem
seja fundamentada - art. 5º, LXI);

Deve indicar qual o agente encarregado de seu cumprimento (oficial de


justiça ou agente da polícia judiciária);
Cumprimento do mandado:

A prisão poderá ser efetuada a qualquer dia e a qualquer hora, inclusive


domingos e feriados, e mesmo durante a noite, respeitada apenas a
inviolabilidade do domicílio acima mencionada (CPP, art. 283);
O executor entregará ao preso, logo depois da prisão, cópia do mandado, a
fim de que o mesmo tome conhecimento do motivo pelo qual está sendo
preso, conforme art. 286, do CPP);

O preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer


calado, sendo-lhe assegurada à assistência da família e de advogado (CF,
art. 5º, LXIII);

O preso tem direito à identificação dos responsáveis por sua prisão ou por seu
interrogatório extrajudicial (CF, art. 5º, LXIV);

A prisão, excepcionalmente, pode ser efetuada sem a apresentação do


mandado, desde que o preso seja imediatamente apresentado ao juiz que
determinou sua expedição, conforme art. 287 do CPP).

Não é permitida a prisão de eleitor, desde 5 dias antes até 48 horas depois da
eleição, salvo flagrante delito ou em virtude de sentença penal condenatória
(art. 236, caput, do Código Eleitoral).

CUSTÓDIA
Art. 288. Ninguém será recolhido à prisão, sem que seja exibido o
mandado ao respectivo diretor ou carcereiro, a quem será entregue cópia
assinada pelo executor ou apresentada à guia expedida pela autoridade
competente, devendo ser passado recibo da entrega do preso, com
declaração de dia e hora.
PRISÃO FORA DO TERRITÓRIO DO JUIZ
Art. 289. Quando o acusado estiver no território nacional, fora da jurisdição do
juiz processante, será deprecada a sua prisão, devendo constar da precatória o
inteiro teor do mandado. (Redação dada pela Lei nº 12.403, de 2011).
§ 1o Havendo urgência, o juiz poderá requisitar a prisão por qualquer meio
de comunicação, do qual deverá constar o motivo da prisão, bem como o valor
da fiança se arbitrada. (Incluído pela Lei nº 12.403, de 2011).
§ 2o A autoridade a quem se fizer a requisição tomará as precauções
necessárias para averiguar a autenticidade da comunicação. (Incluído pela Lei
nº 12.403, de 2011).
§ 3o O juiz processante deverá providenciar a remoção do preso no prazo
máximo de 30 (trinta) dias, contados da efetivação da medida. (Incluído pela
Lei nº 12.403, de 2011).
Art. 289-A. O juiz competente providenciará o imediato registro do
mandado de prisão em banco de dados mantido pelo Conselho Nacional de
Justiça para essa finalidade. (Incluído pela Lei nº 12.403, de 2011).
§ 1o Qualquer agente policial poderá efetuar a prisão determinada no
mandado de prisão registrado no Conselho Nacional de Justiça, ainda que fora
da competência territorial do juiz que o expediu. (Incluído pela Lei nº 12.403, de
2011).
§ 2o Qualquer agente policial poderá efetuar a prisão decretada, ainda que
sem registro no Conselho Nacional de Justiça, adotando as precauções
necessárias para averiguar a autenticidade do mandado e comunicando ao juiz
que a decretou, devendo este providenciar, em seguida, o registro do mandado
na forma do caput deste artigo. (Incluído pela Lei nº 12.403, de 2011).
§ 3o A prisão será imediatamente comunicada ao juiz do local de
cumprimento da medida o qual providenciará a certidão extraída do registro do
Conselho Nacional de Justiça e informará ao juízo que a decretou. (Incluído
pela Lei nº 12.403, de 2011).
§ 4o O preso será informado de seus direitos, nos termos do inciso LXIII
do art. 5o da Constituição Federal e, caso o autuado não informe o nome de
seu advogado, será comunicado à Defensoria Pública. (Incluído pela Lei nº
12.403, de 2011).
§ 5o Havendo dúvidas das autoridades locais sobre a legitimidade da
pessoa do executor ou sobre a identidade do preso, aplica-se o disposto no §
2o do art. 290 deste Código. (Incluído pela Lei nº 12.403, de 2011).
§ 6o O Conselho Nacional de Justiça regulamentará o registro do
mandado de prisão a que se refere o caput deste artigo. (Incluído pela Lei nº
12.403, de 2011)

7. Prisão em perseguição

Art. 290. Se o réu, sendo perseguido, passar ao território de outro município ou


comarca, o executor poderá efetuar lhe a prisão no lugar onde o alcançar,
apresentando-o imediatamente à autoridade local, depois de lavrado, se for o
caso, o auto de flagrante, providenciará para a remoção do preso.
Parágrafo 1º - Entender-se-á que o executor vai à perseguição do réu,
quando:
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a) tendo-o avistado, for perseguindo sem interrupção, embora depois o


tenha perdido de vista;

b) sabendo, por indícios ou informações fidedignas, que o réu tenha


passado, há pouco tempo, em tal ou qual direção, pelo lugar em que o procure,
for ao seu encalço.

Parágrafo 2º - Quando as autoridades locais tiverem fundadas razões


para duvidar da legitimidade da pessoa do executor ou da legalidade do
mandado que apresentar, poderão pôr em custódia o réu, até que fique
esclarecida a dúvida.

Nesta hipótese, contanto que a perseguição não seja interrompida, o executor


poderá efetuar a prisão onde quer que alcance o capturando, desde que dentro
do território nacional.

PRISÃO ESPECIAL

Art. 295. Serão recolhidos a quartéis ou a prisão especial, à disposição da


autoridade competente, quando sujeitos a prisão antes de condenação
definitiva:

I- os ministros de Estado;

II - os governadores ou interventores de Estados ou Territórios, o prefeito do


Distrito Federal, seus respectivos secretários, os prefeitos municipais, os
vereadores e os chefes de Polícia.

III - os membros do Parlamento Nacional, do Conselho de Economia


Nacional e das Assembleias Legislativas dos Estados;
IV - os cidadãos inscritos no “Livro de Mérito”;

V- os oficiais das Forças Armadas e do Corpo de Bombeiros;

VI - os magistrados;

VII - os diplomados por qualquer das faculdades superiores da República;

VIII - os ministros de confissão religiosa;

IX - os ministros do Tribunal de Contas;

X- os cidadãos que já tiveram efetivamente a função de jurado, salvo


quando excluídos da lista por motivo de incapacidade para o exercício daquela
função;

XI - os delegados de polícia e os guardas-civis dos Estados e Territórios,


ativos e inativos.

Leis especiais ampliam o rol, como por exemplo, para professores e pilotos de
aeronaves.

Consoante redação do artigo supramencionado, observamos que determinadas


pessoas, em razão da função que desempenham ou de uma condição especial
que ostentam, têm direito à prisão provisória em quartéis ou em cela especial.

O Superior Tribunal de Justiça já decidiu que, na ausência de acomodações


adequadas em presídio especial, o titular do benefício poderá ficar preso em
estabelecimento militar (HC 3.375-2, 5ª T., DJU, 12 jun. 1995, p.17634).
A prisão especial perdurará enquanto não transitar em julgado a sentença
condenatória. Após esta, o condenado será recolhido ao estabelecimento
comum.
O presidente da República, durante o seu mandado, não está sujeito a nenhum
tipo de prisão provisória, já que Constituição Federal exige sentença
condenatória (art. 86, parágrafo 3º).

Art. 300. As pessoas presas provisoriamente ficarão separadas das que já


estiverem definitivamente condenadas, nos termos da lei de execução penal.
(Redação dada pela Lei nº 12.403, de 2011).

Parágrafo único. O militar preso em flagrante delito, após a lavratura


dos procedimentos legais, será recolhido a quartel da instituição a que
pertencer, onde ficará preso à disposição das autoridades competentes.
(Incluído pela Lei nº 12.403, de 2011).

9. Prisão provisória domiciliar


Art. 317. A prisão domiciliar consiste no recolhimento do indiciado ou
acusado em sua residência, só podendo dela ausentar-se com autorização
judicial. (Redação dada pela Lei nº 12.403, de 2011).
Art. 318. Poderá o juiz substituir a prisão preventiva pela domiciliar
quando o agente for: (Redação dada pela Lei nº 12.403, de 2011).
I - maior de 80 (oitenta) anos; (Incluído pela Lei nº 12.403, de 2011).
II - extremamente debilitado por motivo de doença grave; (Incluído pela Lei
nº 12.403, de 2011).
III - imprescindível aos cuidados especiais de pessoa menor de 6 (seis)
anos de idade ou com deficiência; (Incluído pela Lei nº 12.403, de 2011).
IV - gestante a partir do 7o (sétimo) mês de gravidez ou sendo esta de alto
risco. (Incluído pela Lei nº 12.403, de 2011).
Parágrafo único. Para a substituição, o juiz exigirá prova idônea dos
requisitos estabelecidos neste artigo. (Incluído pela Lei nº 12.403, de 2011).
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jpg

Nas localidades onde não houver estabelecimento adequado para o


recolhimento em prisão especial, o juiz, considerando a gravidade da infração e
ouvido o Ministério Público, poderá autorizar a prisão do réu ou indiciado na
própria residência, de onde não poderá ele afastar-se sem prévia autorização
judicial (Lei n. 5.256, de 6-4-1967).

A prisão domiciliar não exonera o preso de comparecer e de outras restrições


estabelecidas pelo juiz. Poderá haver vigilância quanto ao cumprimento da
prisão domiciliar, mas deverá respeitar a intimidade da residência. A violação
de qualquer das condições impostas implicará perda do benefício, devendo o
réu ser recolhido a estabelecimento penal, onde permanecerá separado dos
demais presos.

A prisão domiciliar tem sido utilizada como alternativa para a prisão-albergue


(forma de cumprimento de pena, regime aberto), em locais em que não há
estabelecimento adequado para o cumprimento da prisão-albergue. Essa
prática, ainda que justificável, não tem base legal, porque a prisão domiciliar,
enquanto forma de cumprimento da pena alternativa ao regime aberto, só é
prevista para o condenado maior de 80 anos, ou extremamente debilitado,
dentre outros.

II - PRISÕES CAUTELARES

1. Prisão em flagrante

O termo flagrante provém do latim flagrare, que significa queimar, arder, ou


seja, representa o crime que ainda queima, que está sendo cometido ou
acabou de sê-lo.

É, portanto, medida restritiva da liberdade, de natureza cautelar, consistente


na prisão, independente de ordem escrita do juiz competente, de quem é
surpreendido cometendo, ou logo após ter cometido, um crime ou uma
contravenção. Consoante entendimento da maioria da doutrina. No flagrante
deve haver a certeza visual do crime, razão pela qual a pessoa que o assiste
está autorizada a prender o seu autor, conduzindo-o, em seguida, à autoridade
competente, conforme autorização legal prevista no art. 301, do CPP.

Art. 301. Qualquer do povo poderá e as autoridades policiais e seus


agentes deverão prender quem quer que seja encontrado em flagrante
delito.

1.1. Espécies de flagrante

As espécies de flagrante estão implícitas na própria norma processual abaixo


transcrita. Vejamos:

Art. 302. Considera-se em flagrante delito quem:

I - está cometendo a infração penal;


II - acaba de cometê-la;
III - é perseguido, logo após, pela autoridade, pelo ofendido ou por qualquer
pessoa, em situação que faça presumir ser autor da infração;
IV - é encontrado, logo depois, com instrumentos, armas, objetos ou papéis
que façam presumir ser ele autor da infração.

a) Flagrante próprio (perfeito, real ou verdadeiro) - CPP, art. 302, I e II.

É aquele em que o agente é surpreendido cometendo uma infração


penal ou quando acaba de cometê-la.

b) Flagrante impróprio (irreal ou quase-flagrante) - CPP, art. 302, III.

Ocorre quando o agente é perseguido, logo após cometer o ilícito, em


situação que faça presumir ser o autor da infração. A expressão “logo
após” compreende todo o espaço de tempo necessário para a polícia
chegar ao local, colher as provas elucidadoras da ocorrência do delito e
dar início à perseguição do autor. Não tem qualquer fundamento a
regra popular de que e de vinte e quatro horas o prazo entre a hora do
crime e a prisão em flagrante, pois, no caso de flagrante impróprio, a
perseguição pode levar até dias, desde que ininterrupta.

c) Flagrante presumido (ficto ou assimilado) - CPP, art. 302, IV.

O agente é preso, logo depois de cometer a infração, com instrumentos,


armas, objetos ou papéis que façam presumir ser ele o autor da
infração. Não é necessário que haja perseguição, bastando que a
pessoa seja encontrada logo depois da prática do ilícito em situação
suspeita. A doutrina tem entendido que o “logo depois”, do flagrante
presumido, comporta um lapso temporal maior do que o “logo após”, do
flagrante impróprio.

d) Flagrante preparado ou provocado – delito de ensaio – delito


putativo por obra do agente provocador
Uma vez provado, estará presente a modalidade de crime impossível,
pois, embora o meio empregado e o objeto material sejam idôneos, há
um conjunto de circunstâncias previamente preparadas que eliminam
totalmente a possibilidade de produção do resultado. Neste caso, em
face da ausência de vontade livre e espontânea do infrator e da
ocorrência de crime impossível, a conduta é considerada atípica. Aliás, o
entendimento jurisprudencial é farto neste sentido.
Acaba configurando a hipótese de prisão ilegal devendo ser Relaxada.
Súmula 145 STF: NÃO HÁ CRIME, QUANDO A PREPARAÇÃO DO
FLAGRANTE PELA POLÍCIA TORNA IMPOSSÍVEL A SUA
CONSUMAÇÃO.

e) Flagrante esperado

Nesse caso, a atividade do policial ou do terceiro consiste em simples


aguardo do momento do cometimento do crime, sem qualquer atitude de
induzimento ou instigação.
A prisão neste caso é LEGAL. Não há induzimento, não há agente
provocador.

f) Flagrante prorrogado ou retardado

Está previsto no art. 2º, II da Lei n. 9.034/95, chamada de Lei do Crime


Organizado, e “consiste em retardar a interdição policial do que se
supõe ação praticada por organizações criminosas ou a ela vinculada,
desde que mantida sob observação e acompanhamento para que a
medida legal se concretize no momento mais eficaz do ponto de vista da
formação de provas e fornecimento de informações”. Neste caso,
portanto, o agente policial detém discricionariedade para deixar de
efetuar a prisão em flagrante no momento em que presencia a prática da
infração penal, podendo aguardar um momento mais importante do
ponto de vista da investigação criminal ou da colheita de prova.
Somente é possível na ocorrência de crime organizado.
g) flagrante forjado ou urdido
Quando a autoridade policial ou particulares criam provas de um crime
inexistente, a fim de firmar um flagrante.
É uma prisão ILEGAL.

Obs.: O flagrante é obrigatório quando a autoridade policial ou seus


agentes estão obrigados a efetuar a prisão em flagrante, não tendo
discricionariedade sobre a conveniência ou não de efetivá-la. Ocorre em
qualquer das hipóteses previstas no art. 302 (flagrante próprio, impróprio
e presumido).

O flagrante é facultativo quando se referir às pessoas comuns do


povo, que consiste na faculdade de efetuá-lo ou não, de acordo com
critérios de conveniência e oportunidade. Abrange, também, todas as
espécies de flagrante estabelecidas no art. 302, do CPP.

1.2. Flagrante nas várias espécies de crimes

a) Crime permanente: enquanto não cessar a permanência, o agente


encontra-se em situação de flagrante delito (art. 303).

Art. 303. Nas infrações permanentes, entende-se o agente em flagrante


delito enquanto não cessar a permanência.

b) Crime de ação penal privada: nada impede a prisão em flagrante, uma


vez que o art. 301 não distingue entre crime de ação pública e privada,
referindo-se genericamente a todos os sujeitos que se encontrarem em
flagrante delito. No entanto, capturado o autor da infração, deverá o
ofendido autorizar a lavratura do auto ou ratificá-la dentro do prazo da
entrega da nota de culpa, sob pena de relaxamento.
d) Crime Habitual: é aquele que depende da reiteração de determinada
conduta, ex: exercício ilegal da medicina – art. 282, CP. É possível o
flagrante, desde que, no momento da captura seja provada a
habitualidade.
e) Crimes Culposos: é perfeitamente possível.
f) Crimes Formais: é possível que ocorra o flagrante, que deve ocorrer
enquanto o agente estiver em situação de flagrância, e não no momento
do exaurimento do delito.
1.3. Formalidades do auto de prisão em flagrante

http://portalcorreio.uol.com.br/obj/83/104925,362,80,0,0,362,271,0,0,0,0.jpg

São as seguintes as etapas do auto de prisão em flagrante:

a) antes da lavratura do auto, a autoridade policial deve comunicar à família


do preso, ou à pessoa por ele indicada, acerca da prisão (CF, art. 5º,
LXIII, 2ª parte);

b) em seguida, procede-se à oitiva do condutor (agente público ou


particular), que é a pessoa que conduziu o preso até a autoridade.

b) Após, ouvem-se as testemunhas que acompanharam o condutor, que


devem ser, no mínimo, duas (a jurisprudência tem admitido que o
condutor funcione como testemunha, necessitando-se, portanto, de
apenas mais uma, além dele - RT, 665/297);
d) a falta de testemunhas da infração não impedirá a lavratura do auto de
prisão em flagrante, mas, nesse caso, com o condutor deverão assinar a
peça pelo menos duas pessoas que tenham testemunhado a
apresentação do preso à autoridade (testemunhas instrumentais ou
indiretas); estas testemunhas só servem para confirmar que o preso foi
apresentado pelo condutor à autoridade;

e) ouvidas às testemunhas, a autoridade interrogará o acusado sobre a


imputação que lhe é feita (CPP, art. 304), devendo alertá-lo sobre o seu
direito constitucional de permanecer calado (CF, art. 5º, LXIII); em caso
de crime de ação privada ou pública condicionada, deve ser procedida,
quando possível à oitiva da vítima;

f) a presença de advogado não é obrigatória, não é necessário curador para


menor de 21 anos, mas para incapaz é necessário;

g) o auto é lavrado pelo escrivão e por ele encerrado, devendo ser assinado
pela autoridade, condutor, ofendido (se ouvido), testemunhas (ou
testemunha), pelo preso, seu curador (se incapaz) ou defensor;

h) no caso de alguma testemunha ou do ofendido recusarem-se, não


souberem ou não puderem assinar o termo, a autoridade pedirá a alguém
que assine em seu lugar, depois de lido o depoimento na presença do
depoente (CPP, art.216);

i) se o acusado se recusar a assinar, não souber ou não puder fazê-lo, o


auto será assinado por duas testemunhas (instrumentárias) que tenham
ouvido a leitura, na presença do acusado, do condutor e das testemunhas
(CPP, art.304, § 3º); encerrada a lavratura do auto de prisão em flagrante,
à prisão deve ser imediatamente comunicada ao juiz competente que, por
sua vez, deve dar vista ao Ministério Público para que este, na qualidade
de fiscal da lei, se manifeste sobre a regularidade formal do auto de
prisão em flagrante e sobre a possibilidade de liberdade provisória.
j) A prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontre serão
comunicados imediatamente ao juiz competente, ao Ministério Público e à
família do preso ou à pessoa por ele indicada. E em até vinte e quatro
horas após a lavratura do auto, será dada nota de culpa ao preso, que é
um instrumento informativo dos motivos da prisão. Dela constará, nome
do condutor e os das testemunhas (CPP, art.306, caput). A não entrega
da nota de culpa dentro do prazo acima fixado, implica, obrigatoriamente,
no relaxamento da prisão em flagrante.

Art. 309. Se o réu se livrar solto, deverá ser posto em liberdade, depois de
lavrado o auto de prisão em flagrante.

2. Prisão preventiva

2.1. Conceito
Representa uma das espécies do gênero “prisão cautelar”, cuja detenção
antecede a sentença penal condenatória. Somente poderá ser decretada pelo
juiz durante o inquérito policial ou o processo criminal, sempre que estiverem
preenchidos os requisitos legais e ocorrerem os motivos autorizadores.

Art. 311- Em qualquer fase da investigação policial ou do processo penal,


caberá a prisão preventiva decretada pelo juiz, de ofício, se no curso da
ação penal, ou a requerimento do Ministério Público, do querelante ou do
assistente, ou por representação da autoridade policial

2.2. Requisitos e pressupostos legais para a prisão preventiva

Os requisitos legais e os pressupostos para a decretação da prisão preventiva vêm


implícitos no art. 312, do CPP, senão vejamos:

Art. 312. A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da


ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução
criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova
de existência do crime e indícios suficientes da autoria.

2.2.1. Requisitos:

a) garantia da ordem pública: a prisão cautelar é decretada com a


finalidade de preservar bem jurídico essencial à convivência social,
como, por exemplo, a proteção social contra réu perigoso que poderá
voltar a delinquir; a proteção das testemunhas ameaçadas pelo
acusado ou proteção da vítima, garantindo a credibilidade da justiça,
em crimes que provoquem grande clamor popular;

b) conveniência da instrução criminal: visa impedir que o agente


perturbe ou impeça a produção de provas, ameaçando testemunhas,
apagando vestígios do crime, destruindo documentos etc., situações
que demonstram evidente o periculum in mora, pois não se chegará à
verdade real se o réu permanecer solto até o final do processo.

c) garantia de aplicação da lei penal: no caso de iminente fuga do


agente do distrito da culpa, inviabilizando a futura execução da pena.
Se o acusado ou indiciado não tem residência fixa, ocupação lícita,
nada, enfim, que o radique no distrito de culpa, há um sério risco para a
eficácia da futura decisão se ele permanecer solto até o final do
processo, diante da sua provável evasão.

d) garantia da ordem econômica: o art. 86 da Lei n. 8.884, de 11


de junho de 1994 (Lei Antitruste), incluiu no art. 312 do CPP esta
hipótese de prisão preventiva. Trata-se de uma repetição do requisito
“garantia da ordem pública”.
2.2.2. Pressupostos:

a) prova da existência do crime (prova da materialidade delitiva)

b) indícios suficientes da autoria.

Com efeito, esses pressupostos constituem o fumus boni iuris para a


decretação da custódia. O juiz somente poderá decretar a prisão
preventiva se estiver demonstrada a probabilidade de que o réu tenha
sido o autor de um fato típico.

Observa-se que, nessa fase, não se exige prova plena, bastando


meros indícios, isto é, que se demonstre a probabilidade do réu ou
indiciado ter sido o autor do fato delituoso. A dúvida, portanto, milita
em favor da sociedade, e não do réu (princípio do in dubio pro
societate).
Os fundamentos da preventiva nada mais são do que o outro da tutela
cautelar, qual seja, o periculum in mora.

2.3. Momento para a decretação da prisão preventiva

Conforme previsto no art. 311, do CPP, supramencionado, a prisão preventiva


pode ocorrer em qualquer fase do inquérito policial ou da instrução criminal, em
virtude de requerimento do Ministério Público, representação da autoridade
policial (seguida de manifestação do parquet), ou de ofício pelo juiz. Cabe
tanto em ação penal pública quanto em ação privada.

Nada obsta que se, não houver IP, o próprio Ministério Público a requeira,
quando já tiver materialidade e indícios suficientes de autoria, comprovados por
documento.

Decretada à prisão preventiva, na fase do inquérito policial, terá a autoridade


policial o prazo de 10(dez) dias para concluí-lo.
Encerrada a fase instrutória, a prisão cautelar só pode decorrer de sentença
penal condenatória recorrível.

Obs.: Se, recebidos os autos de inquérito policial relatados, o Ministério


Público devolvê-los para diligências complementares, o juiz não poderá
decretar a prisão preventiva, pois, se ainda não há indícios de autoria
suficientes para a denúncia, o juiz não poderá decretá-la. Entretanto, convém
lembrar o art. 10, caput, do CPP, onde o prazo para a conclusão do inquérito,
no caso de haver prisão preventiva, começa a contar do cumprimento efetivo
do mandado.

2.4. Admissibilidade da prisão preventiva


Art. 313. Nos termos do art. 312 deste Código, será admitida a
decretação da prisão preventiva: (Redação dada pela Lei nº 12.403, de 2011).
I - nos crimes dolosos punidos com pena privativa de liberdade
máxima superior a 4 (quatro) anos; (Redação dada pela Lei nº 12.403, de
2011).
II - se tiver sido condenado por outro crime doloso, em sentença transitada
em julgado, ressalvado o disposto no inciso I do caput do art. 64 do Decreto-Lei
no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal; (Redação dada pela Lei
nº 12.403, de 2011).
III - se o crime envolver violência doméstica e familiar contra a mulher,
criança, adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com deficiência, para garantir
a execução das medidas protetivas de urgência; (Redação dada pela Lei nº
12.403, de 2011).
IV - (Revogado pela Lei nº 12.403, de 2011).
Parágrafo único. Também será admitida a prisão preventiva quando
houver dúvida sobre a identidade civil da pessoa ou quando esta não fornecer
elementos suficientes para esclarecê-la, devendo o preso ser colocado
imediatamente em liberdade após a identificação, salvo se outra hipótese
recomendar a manutenção da medida. (Incluído pela Lei nº 12.403, de 2011).
Consoante o artigo supracitado, não cabe prisão preventiva em caso de
crime culposo, contravenção penal.

2.5. Autoridade competente para decretá-la

a) A prisão preventiva só poderá ser decretada pela autoridade judicial;

b) Se for processo da competência originária dos tribunais, a competência é do


Relator, o qual poderá fazê-lo de ofício, assim como o juiz, nesse caso, desde
que já exista processo.

2.6. Proibição
Conforme dispõe o art. 314, do CPP, abaixo transcrito, não poderá ser
decretada a PP se houver prova inequívoca de que o acusado agiu acobertado
por uma das causas de exclusão de ilicitude, descritas no art. 23, incisos I, II e
III, do Código Penal.

Art. 314. A prisão preventiva em nenhum caso será decretada se o juiz


verificar pelas provas constantes dos autos ter o agente praticado o fato
nas condições do art. 19, incisos I, II ou III, do Código Penal. (No atual
Código Penal encontra-se no art. 23, incisos I, II ou III).

2.7. Necessidade de fundamentação

Em obediência ao princípio constitucional da motivação das decisões judiciais, o


despacho que decretar ou denegar a prisão preventiva será sempre fundamentado,
isto é, o juiz deve realçar as provas da existência do crime ou não, e os indícios
suficientes de autoria ou não. Deverá ainda demonstrar a sua necessidade para
garantia da ordem pública, como conveniência da instrução criminal ou para assegurar
a aplicação da lei penal. Inteligência do art. 315, do CPP, a seguir transcrito:

Art. 315. A decisão que decretar, substituir ou denegar a prisão preventiva


será sempre motivada. (Redação dada pela Lei nº 12.403, de 2011).
2.8. Recursos

a) Da decisão que não concede a PP cabe RESE, conforme art. 581, V, do


CPP;

b) Da decisão que conceder a PP não cabe nenhum recurso, valendo-se o


acusado do remédio heroico denominado Habeas Corpus, conforme art.
647 e segs. Do CPP.

c) Da decisão que revoga a prisão preventiva cabe RESE.

2.9. Revogação

Segundo dispõe o art. 316, do CPP, a seguir transcrito, o juiz poderá revogar a
PP quando cessar os motivos que a ensejaram, a qualquer tempo. Se não o
fizer, a instância superior, via habeas corpus, poderá contrastar-lhe o
despacho denegatório.

Art. 316. O juiz poderá revogar a prisão preventiva se, no decorrer do


processo, verificar a falta de motivo que subsista, bem como de novo
decretá-la, se sobrevierem razões que a justifiquem.

Todavia, vale lembrar que da decisão que revoga a prisão preventiva, cabe
recurso em sentido estrito (CPP, art. 581, V).

2.10. Legitimidade para requerer

Conforme dispõe o art., 311, do CPP, já transcrito no início deste tópico, a lei confere
legitimidade ao:

Ministério Público;
Querelante;
Autoridade Policial.
OBS.: os dois primeiros sob a forma de requerimento, e a Autoridade
Policial sob a forma de representação (demonstrando a conveniência da
determinação da medida extrema.

III. PRISÃO TEMPORÁRIA

3.1. Previsão legal

A prisão temporária foi editada pela Medida Provisória n. 111, de 24 de


novembro de 1989, posteriormente substituída pela Lei n. 7.960, de dezembro
de 1989.

3.2. Conceito

Representa uma das espécies do gênero “prisão cautelar de natureza


processual”, cuja detenção terá prazo pré-fixado pela autoridade judicial, a
possibilitar as investigações a respeito de crimes graves, somente durante o
inquérito policial.

3.3. Autoridade competente para decretação

Só pode ser decretada pela autoridade judiciária, mediante representação da


autoridade policial ou requerimento do Ministério Público.

3.4. Fundamentos

A prisão temporária pode ser decretada nas seguintes situações:

a) imprescindibilidade da medida para as investigações do IP;


b) indiciado não tem residência fixa ou não fornece dados necessários ao
esclarecimento de sua identidade;

c) fundadas razões da autoria ou participação do indiciado em qualquer um


dos seguintes crimes: homicídio doloso, sequestro ou cárcere privado,
roubo, extorsão, extorsão mediante sequestro, estupro, atentado violento
ao pudor, rapto violento, epidemia com resultado morte, envenenamento
de água potável ou substância alimentícia ou medicinal com resultado
morte, quadrilha ou bando, genocídio, tráfico de drogas e crimes contra o
sistema financeiro.

Ressalta-se, por oportuno que, para Tourinho, os requisitos são alternativos: ou


um, ou outro. Já para Scarance Fernandes há necessidade de estarem
presentes os três requisitos, sendo, portanto, cumulativos.

Por outro lado, Damásio E. de Jesus entende que só pode ser decretada nos
crimes acima relacionados, desde que concorra qualquer uma das duas
primeiras situações.

Consoante posição esposado por Vicente Greco Filho, pode ser decretada em
qualquer das situações legais, desde que, com ela, concorram os motivos que
autorizam a decretação da prisão preventiva.
Por fim, segundo entendimento de Fernando Capez, a prisão temporária
somente pode ser decretada nos crimes em que a lei permite à custódia, desde
que o agente seja apontado como suspeito ou indiciado, e, além disso, deve
estar presente pelo menos um dos outros dois requisito, evidenciadores do
periculum in mora.

3.5. Prazo
Em regra, 05 (cinco) dias, prorrogáveis por igual período. Este prazo não deve
ser computado naquele que deve ser respeitado para a conclusão da instrução
criminal.
Se for crime hediondo, o prazo será de 30 dias, prorrogáveis por mais 30 dias
em caso de extrema e comprovada necessidade.
3.6. A prisão temporária e os crimes hediondos

http://www.efetividade.blog.br/wp-content/uploads/2013/12/Crime.jpg

São os crimes hediondos previstos na Lei n. 8.072, de 25-7-1990:

Homicídio qualificado;

Homicídio praticado em atividade típica de grupo de extermínio, ainda


que cometido por um só agente;

Latrocínio;

Extorsão qualificada pelo resultado morte;

Extorsão mediante sequestro, na forma simples e qualificada;

Estupro;

Estupro de vulnerável;
Epidemia com resultado morte;

Favorecimento da prostituição ou de outra forma de exploração sexual


de criança ou adolescente ou de vulnerável

Falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de produto


destinado a fins terapêuticos ou medicinais

Genocídio (de acordo com a nova redação dada ao art. 1º, por força da Lei
n. 8.930, de 6-9-1994).

Tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins;

Terrorismo;

Tortura.

Nos termos do art. 2º, parágrafo 3º, da Lei n. 8.072, para todos esses crimes o
prazo de prisão temporária será de 30 dias, prorrogáveis por mais trinta,
em caso de comprovada e extrema necessidade. Também não se computa
neste o prazo para encerramento da instrução.

3.7. Sujeito passivo e oportunidade para decretação

Sujeito passivo: o indiciado, ou mesmo o suspeito, não havendo necessidade


de indiciamento formalizado.

Oportunidade: o momento em que pode ser decretada vai da ocorrência


do fato até o recebimento da denúncia, porque, se instaurada a
ação penal, o juiz deverá examinar a hipótese como de prisão
preventiva.
3.8. Características

A prisão temporária será decretada pelo juiz, mediante representação da


autoridade policial ou a requerimento do Ministério Público, pois o juiz deve
ser inerte na fase investigatória;

Não pode ser decretada pelo juiz de ofício;

No caso de representação da autoridade policial, o Ministério Público deve ser


ouvido;

O juiz tem o prazo de 24 horas, a partir do recebimento da representação


ou requerimento, para decidir fundamentadamente sobre a prisão;

O mandado de prisão deve ser expedido em duas vias, uma das quais deve
ser entregue ao indiciado, servindo como nota de culpa;

Efetuada a prisão, a autoridade policial deve advertir o preso do direito


constitucional de permanecer calado;

O prazo de 5 (ou 30) dias pode ser prorrogado, desde que comprovada à
extrema necessidade;
A lei nº 13.869 de 2019 diz em seu capítulo VIII, inciso 7º o seguinte:
Decorrido o prazo contido no mandado de prisão, a autoridade
responsável pela custódia deverá, independentemente de nova ordem
da autoridade judicial, pôr imediatamente o preso em liberdade, salvo se
já tiver sido comunicada da prorrogação da prisão temporária ou da
decretação da prisão preventiva.

O preso temporário deve permanecer separado dos demais detentos.


III - LIBERDADE PROVISÓRIA

http://revistavisaojuridica.uol.com.br/advogados-leis-jurisprudencia/69/imagens/i318200.jpg
1. Conceito

A liberdade provisória é uma medida contra cautelar que substitui a prisão em


flagrante, desde que o acusado preencha certos requisitos, ficando o agente
sujeito ao cumprimento de certas condições, que se não cumpridas enseja na
sua revogação.

2. Espécies

Art. 321. Ausentes os requisitos que autorizam a decretação da prisão


preventiva, o juiz deverá conceder liberdade provisória, impondo, se for o
caso, as medidas cautelares previstas no art. 319 deste Código e
observados os critérios constantes do art. 282 deste Código.
I - (Revogado pela Lei nº 12.403, de 2011).
II - (Revogado pela Lei nº 12.403, de 2011)
Art. 322. A autoridade policial somente poderá conceder fiança nos casos
de infração cuja pena privativa de liberdade máxima não seja superior a 4
(quatro) anos. (Redação dada pela Lei nº 12.403, de 2011).
Parágrafo único. Nos demais casos, a fiança será requerida ao
juiz, que decidirá em 48 (quarenta e oito) horas. (Redação dada pela Lei nº
12.403, de 2011).

Obs.: A lei n. 9.099/95, em seu art. 69, parágrafo único, instituiu


nova hipótese de liberdade provisória obrigatória: quando o autor do
fato, surpreendido em flagrante, assumir o compromisso de
comparecer à sede do juizado.

b) Permitida ou facultativa:

Ocorre nas hipóteses em que não couber prisão preventiva;

Nas hipóteses em que o réu pronunciado tem o direito de


aguardar o julgamento em liberdade (CPP, art. 408, parágrafo
2º);

Quando o condenado tem o direito de apelar em liberdade (CPP,


art.594);

Quando o juiz verificar que o agente praticou o fato nas condições


de alguma excludente de ilicitude (CPP, art. 310 e seu parágrafo
único);
Nos casos de fiança em que o acusado não pode prestá-la porque é
pobre (CPP, art. 350)
Em todos os casos supracitados poderá ser concedida pelo juiz,
subdividindo-se em liberdade provisória com fiança e liberdade
provisória sem fiança.

c) Vedada:
Art. 323: Não será concedida fiança: (Redação dada pela Lei nº 12.403,
de 2011).
I - nos crimes de racismo; (Redação dada pela Lei nº 12.403, de 2011).
II - nos crimes de tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins,
terrorismo e nos definidos como crimes hediondos; (Redação dada pela Lei nº
12.403, de 2011).
III - nos crimes cometidos por grupos armados, civis ou militares, contra a
ordem constitucional e o Estado Democrático; (Redação dada pela Lei nº
12.403, de 2011).
IV - (Revogado pela Lei nº 12.403, de 2011).
V - (Revogado pela Lei nº 12.403, de 2011).
Art. 324. Não será, igualmente, concedida fiança: (Redação dada pela Lei
nº 12.403, de 2011).
I - aos que, no mesmo processo, tiverem quebrado fiança anteriormente
concedida ou infringido, sem motivo justo, qualquer das obrigações a que se
referem os arts. 327 e 328 deste Código; (Redação dada pela Lei nº 12.403, de
2011).
II - em caso de prisão civil ou militar; (Redação dada pela Lei nº 12.403,
de 2011).
III - (Revogado pela Lei nº 12.403, de 2011).
IV - quando presentes os motivos que autorizam a decretação da prisão
preventiva (art. 312). (Redação dada pela Lei nº 12.403, de 2011).

Quando proibida por lei. Por exemplo: a proibição de liberdade


provisória para crimes previstos na Lei de Crimes Hediondos (Lei
n. 8.072/90, art. 2º, II).

3. Liberdade provisória sem recolhimento de fiança


Em algumas hipóteses não há necessidade de o agente prestar fiança para
obter o benefício da liberdade provisória. São elas:

3.1. Infrações penais de que o réu se livra solto

São aquelas punidas com pena privativa de liberdade ou aquelas em que a


pena privativa de liberdade não ultrapassa de três meses, dando ao agente
direito à liberdade provisória, sem efetuar o recolhimento da fiança.

3.2. Infrações praticadas sob causa de exclusão de ilicitude

No caso de o juiz verificar que o agente praticou fato acobertado por


causa de exclusão da ilicitude; torna-se irrelevante saber se a infração é
afiançável, inafiançável ou daquelas em que o réu se livra solto;

3.3. Quando não couber a prisão preventiva

Nesta hipótese não importa se a infração é inafiançável, afiançável ou


daquelas em que o réu se livra solto. Não sendo necessária para a
garantia da ordem pública, conveniência da instrução criminal ou para
assegurar a aplicação da lei penal, não se vislumbra periculum in mora
para a manutenção da custódia;

3.4. Nos casos de fiança em que o acusado não pode prestá-la porque é
pobre.
Art. 350. Nos casos em que couber fiança, o juiz, verificando a situação
econômica do preso, poderá conceder-lhe liberdade provisória, sujeitando-o às
obrigações constantes dos arts. 327 e 328 deste Código e a outras medidas
cautelares, se for o caso. (Redação dada pela Lei nº 12.403, de 2011).
Parágrafo único. Se o beneficiado descumprir, sem motivo justo, qualquer
das obrigações ou medidas impostas, aplicar-se-á o disposto no § 4o do art.
282 deste Código. (Redação dada pela Lei nº 12.403, de 2011).

4. Competência e recurso
Só o juiz pode conceder a liberdade provisória sem fiança, mas sempre depois
de ouvir o Ministério Público. O acusado assinará termo de compromisso,
comprometendo-se a comparecer em todos os atos do processo, sob pena de
revogação.

Da decisão que conceder liberdade provisória cabe recurso em sentido estrito


(CPP, art. 581, V).

5. Liberdade provisória com recolhimento de fiança


Nos demais casos, tratando-se de crimes afiançáveis e preenchendo o acusado os
demais requisitos, a liberdade provisória é concedida mediante fiança e vinculação,
obedecendo ao estabelecido no art. 5º, inciso LXVI, da Constituição federal, abaixo
transcrito:

Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer
natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no
País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à
segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
LXVI - ninguém será levado à prisão ou nela mantido quando a lei admitir
a liberdade provisória com ou sem fiança.

6. Conceito de fiança

A fiança é uma caução destinada a garantir o cumprimento das obrigações


processuais do réu.

7. Infrações inafiançáveis

Art. 323. Não será concedida fiança:


Art. 323. Não será concedida fiança: (Redação dada pela Lei nº 12.403,
de 2011).
I - nos crimes de racismo; (Redação dada pela Lei nº 12.403, de 2011).
II - nos crimes de tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins,
terrorismo e nos definidos como crimes hediondos; (Redação dada pela Lei nº
12.403, de 2011).
III - nos crimes cometidos por grupos armados, civis ou militares, contra a
ordem constitucional e o Estado Democrático; (Redação dada pela Lei nº
12.403, de 2011).
IV - (Revogado pela Lei nº 12.403, de 2011).
V - (Revogado pela Lei nº 12.403, de 2011).
Art. 324. Não será, igualmente, concedida fiança: (Redação dada pela Lei
nº 12.403, de 2011).
I - aos que, no mesmo processo, tiverem quebrado fiança anteriormente
concedida ou infringido, sem motivo justo, qualquer das obrigações a que se
referem os arts. 327 e 328 deste Código; (Redação dada pela Lei nº 12.403, de
2011).
II - em caso de prisão civil ou militar; (Redação dada pela Lei nº 12.403,
de 2011).
III - (Revogado pela Lei nº 12.403, de 2011).
IV - quando presentes os motivos que autorizam a decretação da prisão
preventiva (art. 312). (Redação dada pela Lei nº 12.403, de 2011).

8. Valor da fiança
Art. 325. O valor da fiança será fixado pela autoridade que a conceder
nos seguintes limites: (Redação dada pela Lei nº 12.403, de 2011).
a) (revogada); (Redação dada pela Lei nº 12.403, de 2011).
b) (revogada); (Redação dada pela Lei nº 12.403, de 2011).
c) (revogada). (Redação dada pela Lei nº 12.403, de 2011).
I - de 1 (um) a 100 (cem) salários mínimos, quando se tratar de infração
cuja pena privativa de liberdade, no grau máximo, não for superior a 4 (quatro)
anos; (Incluído pela Lei nº 12.403, de 2011).
II - de 10 (dez) a 200 (duzentos) salários mínimos, quando o máximo da
pena privativa de liberdade cominada for superior a 4 (quatro) anos. (Incluído
pela Lei nº 12.403, de 2011).
§ 1o Se assim recomendar a situação econômica do preso, a fiança
poderá ser: (Redação dada pela Lei nº 12.403, de 2011).
I - dispensada, na forma do art. 350 deste Código; (Redação dada pela Lei
nº 12.403, de 2011).
II - reduzida até o máximo de 2/3 (dois terços); ou (Redação dada pela Lei
nº 12.403, de 2011).
III - aumentada em até 1.000 (mil) vezes. (Incluído pela Lei nº 12.403, de
2011).
§ 2o (
I - (Revogado pela Lei nº 12.403, de 2011).
II - (Revogado pela Lei nº 12.403, de 2011).
III - (Revogado pela Lei nº 12.403, de 2011).
Art. 326. Para determinar o valor da fiança, a autoridade terá em
consideração a natureza da infração, as condições pessoais de fortuna e
vida pregressa do acusado, as circunstâncias indicativas de sua
periculosidade, bem como a importância provável das custas do
processo, até final julgamento.

O valor da fiança é arbitrado pela autoridade que a conceder, segundo faixas


correspondentes à maior ou menor gravidade da infração, conforme dispõe o
art. 325, acima transcrito, e tendo em vista as condições econômicas e vida
pregressa do réu, bem como as circunstâncias indicativas de sua
periculosidade, de acordo com o estabelecido no art. 326, também transcrito
acima.

9. Modalidades de fiança

A fiança é o depósito em dinheiro ou valores feito pelo acusado ou em seu


nome para liberá-lo da prisão, nos casos previstos em lei, com a finalidade de
compeli-lo ao cumprimento do dever de comparecer e permanecer vinculado
ao distrito da culpa, conforme dispõe o art. 330, a seguir transcrito:

Art. 330. A fiança, que será sempre definitiva, consistirá em depósito de


dinheiro, pedras, objetos ou metais preciosos, títulos da dívida pública,
federal, estadual ou municipal, ou em hipoteca inscrita em primeiro lugar.
§ 1º - A avaliação do imóvel, ou de pedras, objetos ou metais preciosos, será
feita imediatamente por perito nomeado pela Autoridade.

§ 2º Quando a fiança consistir em caução de títulos da dívida pública, o valor


será determinado pela sua cotação em Bolsa, e, sendo nominativos, exigir-se-á
prova de que se acham livres de ônus.

10. Competência

Art. 332. Em caso de prisão em flagrante, será competente para


conceder a fiança à autoridade que presidir ao respectivo auto, e, em
caso de prisão por mandado, o juiz que o houver expedido, ou a
autoridade judiciária ou policial a quem tiver sido requisitada a prisão.

11. Recurso

Das decisões do juiz sobre a fiança cabe recurso em sentido estrito com
fundamento no artigo 581, V e VII.

Art. 333. Depois de prestada a fiança, que será concedida


independentemente de audiência do Ministério Público, este terá vista do
processo a fim de requerer o que julgar conveniente.

12. Oportunidade para sua concessão

A fiança, se cabível, será concedida imediatamente após a lavratura do


flagrante, mas também poderá ser concedida a qualquer tempo do processo,
enquanto não transitar em julgado da sentença condenatória, é o que dispõe o
art. 334, do CPP, a seguir transcrito:

Art. 334. A fiança poderá ser prestada em qualquer termo do processo,


enquanto não transitar em julgado a sentença condenatória.
13. Recusa ou demora na concessão

No caso de recusa ou demora da concessão da fiança pela autoridade policial,


o preso, ou alguém ou ele, poderá prestá-la, mediante petição, diretamente ao
juiz, que decidirá depois de ouvir aquela autoridade, é o que dispõe o art. 335,
do CPP, a seguir transcrito:

Art. 335. Recusando ou retardando a autoridade policial à concessão da


fiança, o preso, ou alguém por ele, poderá prestá-la, mediante simples
petição, perante o juiz competente, que decidirá, em 48 (quarenta e oito
horas) horas.

14. Restituição da fiança

http://www.globalframe.com.br/gf_base/empresas/MIGA/imagens/43FEDB7D91F5525B29DFB0
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A fiança prestada será motivo de restituição, respeitadas as condições


previstas nos artigos 336 e 337 do CPP, a seguir transcritos:
Art. 336. O dinheiro ou objetos dados como fiança servirão ao
pagamento das custas, da indenização do dano e da multa, se o réu for
condenado.

§ Único - Este dispositivo terá aplicação ainda no caso da prescrição depois da


sentença condenatória (Código Penal, art.110).

Art. 337. Se a fiança for declarada sem efeito ou passar em julgado a sentença
que houver absolvido o acusado ou declarada extinta a ação penal, o valor que
a constituir, atualizado, será restituído sem desconto, salvo o disposto no
parágrafo único do artigo 336.

15. Cassação

Haverá cassação da fiança prestada se concedida fora das hipóteses legais ou


se houver alteração da classificação da infração para outra inafiançável,
conforme disposto nos arts. 338 e 339, do CPP, a seguir transcritos:

Art. 338. A fiança que se reconheça não ser cabível na espécie será
cassada em qualquer fase do processo.

Art. 339. Será também cassada a fiança quando reconhecida a existência


do delito inafiançável, no caso de inovação na classificação do delito.

16. Reforço de fiança

Será exigido um reforço quando a fiança for tomada, por engano, em valor
insuficiente, quando inovada a classificação do delito ou quando houver
depreciação do valor dos bens hipotecados ou caucionados, é o que dispõe o
art. 340, do CPP, a seguir transcrito:

Art. 340. Será exigido o reforço da fiança:


I - quando a autoridade tomar, por engano, fiança insuficiente;
II - quando houver depreciação material ou perecimento dos bens
hipotecados ou caucionados, ou depreciação dos metais ou pedras preciosas;
III - quando for inovada a classificação do delito.
Parágrafo único. A fiança ficará sem efeito e o réu será recolhido à
prisão, quando, na conformidade deste artigo, não for reforçada.

17. Quebramento de fiança

Haverá quebramento se o acusado descumprir as obrigações de comparecer,


não mudar de residência e não se ausentar sem comunicar à autoridade (art.
341, abaixo transcrito), com perda da metade do valor e expedição de ordem
de prisão (art. 343, abaixo transcrito). No entanto, o quebramento pode ser
relevado se o acusado demonstrar justo motivo para o descumprimento do
ônus.

Art. 341. Julgar-se-á quebrada a fiança quando o acusado: (Redação dada


pela Lei nº 12.403, de 2011).
I - regularmente intimado para ato do processo, deixar de comparecer,
sem motivo justo; (Incluído pela Lei nº 12.403, de 2011).
II - deliberadamente praticar ato de obstrução ao andamento do
processo; (Incluído pela Lei nº 12.403, de 2011).
III - descumprir medida cautelar imposta cumulativamente com a
fiança; (Incluído pela Lei nº 12.403, de 2011).
IV - resistir injustificadamente a ordem judicial; (Incluído pela Lei nº
12.403, de 2011).
V - praticar nova infração penal dolosa. (Incluído pela Lei nº 12.403, de
2011).

Art. 342. Se vier a ser reformado o julgamento em que se declarou quebrada a


fiança, esta subsistirá em todos os seus efeitos
Art. 343. O quebramento injustificado da fiança importará na perda de metade
do seu valor, cabendo ao juiz decidir sobre a imposição de outras medidas
cautelares ou, se for o caso, a decretação da prisão preventiva. (Redação dada
pela Lei nº 12.403, de 2011).

18. Perda total da fiança

Haverá perda total se o acusado, condenado, não se apresentar à prisão, é o


que dispõe o art. 344, do CPP, a seguir transcrito:

Art. 344. Entender-se-á perdido, na totalidade, o valor da fiança, se,


condenado, o acusado não se apresentar para o início do cumprimento da
pena definitiva imposta.

Art. 345. No caso de perda da fiança, o seu valor, deduzidas as custas e mais
encargos a que o acusado estiver obrigado, será recolhido ao fundo
penitenciário, na forma da lei. (Redação dada pela Lei nº 12.403, de 2011).
Art. 346. No caso de quebramento de fiança, feitas as deduções previstas no
art. 345 deste Código, o valor restante será recolhido ao fundo penitenciário, na
forma da lei. (Redação dada pela Lei nº 12.403, de 2011).
Art. 347. Não ocorrendo a hipótese do art. 345, o saldo será entregue a quem
houver prestado a fiança, depois de deduzidos os encargos a que o réu estiver
obrigado.
Art. 348. Nos casos em que a fiança tiver sido prestada por meio de hipoteca,
a execução será promovida no juízo cível pelo órgão do Ministério Público.
Art. 349. Se a fiança consistir em pedras, objetos ou metais preciosos, o juiz
determinará a venda por leiloeiro ou corretor.
Art. 350. Nos casos em que couber fiança, o juiz, verificando a situação
econômica do preso, poderá conceder-lhe liberdade provisória, sujeitando-o às
obrigações constantes dos arts. 327 e 328 deste Código e a outras medidas
cautelares, se for o caso. (Redação dada pela Lei nº 12.403, de 2011).
Parágrafo único. Se o beneficiado descumprir, sem motivo justo, qualquer das
obrigações ou medidas impostas, aplicar-se-á o disposto no § 4o do art. 282
deste Código. (Redação dada pela Lei nº 12.403, de 2011).

ARTIGO PARA REFLEXÃO

Prisões, Violência e Direitos Humanos no Brasil

Sergio Adorno*

Introdução
Não temos mortos a lamentar. Desde 1982, os fatos têm se repetido. Com
frequência, a opinião pública é sacudida com notícias de rebeliões nos
presídios brasileiros. Aqui e acolá, seja em estabelecimentos penitenciários de
grande porte seja em delegacias e distritos policiais, cidadãos condenados ou
sob tutela das instituições encarregadas de controle da ordem pública
amotinam-se. Armados, tomam funcionários como reféns e reivindicam fugas
sob o patrocínio do poder público. O desfecho desses acontecimentos, que
colocam em confronto as forças da legalidade versus o mundo dos ilegalismos,
tem caminhado no sentido da negociação, do diálogo e do convencimento dos
amotinados, procedimentos que evitam vítimas fatais e restabelecem a ordem.
No entanto, nem sempre foi e tem sido assim. Quando ocorre a radicalização
do conflito, colocando em risco a vida de funcionários justamente incumbidos
de zelar pela segurança do presídio - e por essa via, pela segurança dos
demais cidadãos - opta-se pelo recurso mais arriscado: o emprego de uma
força maior para conter a demonstração de força dos amotinados. O saldo,
conhecemos. Mortes de presos, justamente aqueles cuja vida deveria estar sob

*
Livre-Docente em Ciências Humanas, área de concentração em Sociologia Política, Universidade de São Paulo (1996). Doutor em
Ciências Humanas, Universidade de São Paulo (1984). Pós-Doutorado no Centre de Recherches Socilogiques sur le Droit et les
Institution Pénales/CESDIP, Paris, 1994-95 e Maison des Sciences de l'Homme, Paris, 1994-95. Atualmente, é Secretário-Executivo
da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais -ANPOCS. Foi Presidente da Sociedade Brasileira de
Sociologia; Vice-Coordenador Científico do Núcleo de Estudos da Violência, USP e Diretor Técnico do Instituto de Medicina
Social e de Criminologia de São Paulo.
tutela do poder público.
O cidadão comum, espectador desses acontecimentos, pouco pode intervir.
Diante do vídeo de TV onde passivamente acompanha os noticiários ou lendo
quotidianamente seu jornal, não tem como indagar do poder público se as
mortes, de quem quer que fosse, poderiam ter sido poupadas. Para alguns, o
desenrolar dos acontecimentos não poderia ter sido outro. Para outros, esse é
o modo “natural” e adequado de lidar com bandidos, essa espécie de “dejeto”
social que deve ser extirpada do corpo social sadio. Não é surpreendente que
reações desta ordem, sugestiva de exclusão moral (Cardia, 1994)1 de cidadãos
envolvidos com o mundo do crime, sejam inclusive justificadas por autoridades
públicas, como necessárias e imperativas. Em 1986, após rebelião na
Penitenciária de Presidente Wenceslau, interior do estado de São Paulo, na
qual resultaram 16 mortos, entre presos e funcionários, o então Coordenador
dos Estabelecimentos Penitenciários do Estado (COESPE), um ex-delegado de
polícia, declarou enfaticamente: “Não temos mortos a lamentar”. Contundente,
esta frase não provocou indignação dos cidadãos. Muito ao contrário, sequer
sofreu censura de seu superior, o Secretário de Justiça do Estado de São
Paulo, menos ainda resultou em punição disciplinar ou coisa que o valha.
Não é estranho que o início dos anos 80 assistiu, em várias capitais brasileiras,
a intensificação de motins e rebeliões de presos em cadeias públicas, distritos
policiais, casas de detenção e penitenciárias. Em algumas delas, os eventos
foram controlados, negociações foram realizadas, pouparam-se vítimas. Mas,
em outras, sobretudo naqueles estabelecimentos que concentravam grande
número de presos, os resultados foram quase sempre deploráveis pois
resultaram em mortos e feridos, fossem presos ou agentes do sistema
penitenciário, a par da destruição implacável do patrimônio público. Nas mais
diferentes regiões do país, intervenções policial-militares para conter tais
manifestações da massa carcerária quase sempre resultam em mortos e
feridos. Em todo o país, essas intervenções vêm-se sucedendo com relativa
constância desde 1982, sendo crescente o número de mortos. De modo geral,
resultam em desfecho trágico de uma política de segurança que encara o
controle da ordem pública como um problema de enfrentamento bélico e
estratégico, em que há inimigos a serem vencidos e eliminados não importando
o custo material e simbólico destas operações.
Durante esses eventos, as portas das prisões brasileiras são abertas à
visibilidade pública, seja através do relato de visitas de autoridades e de
representantes da sociedade civil organizada, seja através das câmaras de
televisão, das ondas do rádio ou das acres letras da imprensa. E o espetáculo
apresentado não pode deixar de ser dantesco. Por maior o desprezo de parte
substantiva da sociedade brasileira para com as condições de vida e mesmo o
destino do preso, ninguém pode se revelar indiferente diante do cenário
oferecido pelas prisões: às mais precárias condições de habitabilidade e à falta
de serviços de apoio, assistência e educação vem se associar uma violência
desmedida e incontrolável, grave obstáculo a qualquer proposta de reinserção
social de quem quer que tenha algum dia, em momento qualquer, transgredido
as normas jurídicas desta sociedade e, por conseguinte, sido punido pela
Justiça pública. As cenas são por demais fortes: o escuro das celas, a sujeira

1
Segundo Deutch, o processo de exclusão moral ocorre quando “pessoas que normalmente obedecem e respeitam as leis aceitam
ações bárbaras contra indivíduos ou grupos” [Apud Cardia, N. (1994). Direitos humanos: ausência de cidadania e exclusão moral.
Princípios de Justiça e Paz. São Paulo: Arquidiocese de São Paulo/Comissão Justiça e Paz. 88p.].
pelos cantos, a alimentação insossa, a falta de higiene, o perigo disseminado
por todos os cantos e corredores, as doenças convivendo par a par com a
saúde, os espancamentos e agressões gratuitas, as violações sexuais. Talvez,
os sorteios de morte entre os prisioneiros, típicos das prisões brasileiras, porém
trazidos ao público pelo descalabro em que se encontravam no início da
década passada as prisões mineiras, sejam os exemplos de maior impacto e
perplexidade que as páginas dessa história mal digerida nos legou ao presente
(Paixão, 1984).
No domínio das prisões, esses fatos são indicativos de uma crise há tempos
instalada no sistema de Justiça criminal. Todas as imagens de degradação e
de desumanização, de debilitamento de uma vida cívica conduzida segundo
princípios éticos reconhecidos e legítimos parecem se concentrar em torno
dessas “estufas de modificar pessoas e comportamentos” (Goffman, 1974).
Nelas aparecem com todas as suas letras, cores e números as marcas do
fracasso de sucessivos governos em conter a delinquência dentro dos marcos
da legalidade e sobretudo em formular políticas penais capazes de
efetivamente oferecer segurança à população estancando a insegurança
generalizada que hoje parece ter tomado conta do espírito sobressaltado do
cidadão comum, sobretudo o habitante das grandes cidades. As prisões
revelavam a face cruel de toda essa história: os limites que se colocam na
sociedade brasileira à implementação de uma política de proteção dos direitos
fundamentais da pessoa humana, nela incluído o respeito às regras mínimas
estipuladas pela ONU para o tratamento de presos.

O Crescimento da Criminalidade Urbana Violenta e seu impacto


sobre as prisões
Desde meados da década de 1970, exacerbou-se o sentimento de medo e
insegurança, diante da expectativa, cada vez mais provável, de qualquer
cidadão, independentemente de sua condição de raça, classe, cultura, gênero,
geração, credo ou origem étnica e regional, ser vítima de uma ofensa criminal.
Não parece infundado esse sentimento. As estatísticas oficiais de criminalidade
indicam, a partir dessa década, a aceleração do crescimento de todas as
modalidades delituosas. Dentre elas, crescem mais rapidamente os crimes que
envolvem a prática de violência, como os homicídios, os roubos, os sequestros,
os estupros. Esse crescimento veio acompanhado de mudanças substantivas
nos padrões convencionais de criminalidade individual bem como no perfil das
pessoas envolvidas com a delinquência. Assiste-se, desde duas décadas, à
generalização e internacionalização do crime organizado, constituído sobretudo
às voltas do narcotráfico e que em muito se assemelha às organizações
criminosas de Chicago e New York nas décadas de 1910 e 1920 e às
quadrilhas de Marselha e do Sul da Itália (Enzensberger, 1967). Trata-se de
uma tendência universal que se manifesta em diferentes países e sociedades
(Robert e Van Outrive, 1993).
No município do Rio de Janeiro, desde os anos 60, sabe-se da existência de
quadrilhas organizadas investindo contra pessoas jurídicas (Paixão, 1990). Os
estudos de Edmundo Campos Coelho (1978 e 1988) indicam o crescimento da
criminalidade violenta, no período de 1978-1988. As taxas de homicídio eram,
em 1977, da ordem de 15 ocorrências/cem mil habitantes. Em 1986, essa taxa
havia saltado para 50 ocorrências. Estudo mais recente (Soares e outros,
1996) veio apontar taxas ainda mais elevadas para os anos subsequentes. Em
São Paulo, tendências ao crescimento do crime violento revelam-se igualmente
alarmantes. Estudo realizado por Feiguin & Lima (1995) observou que a
participação dos crimes violentos no total das ocorrências criminais registradas
cresceu, no período de 1984-1993, 10, 1%. Nesse período, esses crimes
representam, em média, 28, 8% da massa de ocorrências oficialmente
detectadas. Os crimes violentos saltaram de uma taxa de 945, 1
ocorrências/cem mil habitantes, em 1988, para 1119, 2 ocorrências/cem mil
habitantes, em 1993; isto é, um crescimento da ordem de 18, 4%. Convém
destacar, como indicam outras fontes, que as taxas de homicídios dolosos/cem
mil habitantes significaram algo em torno de 42 ocorrências, no ano de 1994
(Teodózio e outros, 1994).
Quanto ao segmento inquérito-processo penal, dados relativos ao período de
1970-1982, para o Estado de São Paulo, indicam que, em relação ao total geral
dos inquéritos apreciados, os inquéritos crescem 191, 4%, as ações penais
crescem 148, 5% e os inquéritos arquivados crescem 326, 2%. Tais valores
significam que os inquéritos arquivados crescem 43, 3% mais do que os
inquéritos apreciados, enquanto as ações penais crescem menos 14, 7%
comparativamente aos inquéritos apreciados. Semelhante comportamento
repete-se, em maior ou menor grau, para a maioria dos delitos. O crescimento
de pessoas processadas é maior do que o crescimento dos denunciados que,
por sua vez, é maior do que o dos condenados. Em 1970, do total de pessoas
processadas, 75% foram denunciadas, 27% condenadas e 48% absolvidas.
Uma década mais tarde, em 1982, essas proporções reduziram-se
respectivamente para 65%, 22% e 43%. Em compensação, a extinção de
punibilidade que era da ordem de 3, 4% em 1970 sobe para 6, 3% no final do
período. Assim o número percentual de condenações vem caindo e, por
conseqüência, aumentando as taxas de réus isentos da aplicação de sanções
penais2. De acordo com Campos Coelho, no município do Rio de Janeiro, para
os cinco últimos anos da década (1976-1980) é possível calcular as chances
de condenação tendo sido cometido um crime contra o patrimônio: 1976 - 0,
0506; 1977 - 0, 0475; 1978 - 0, 0406; 1979 - 0, 0356; 1980 - 0, 0428. [...] Em
outras palavras, em 1976, para cada cem crimes contra o patrimônio,
condenava-se cinco infratores; em 1980, apenas quatro infratores" (Coelho,
1988: 155). Neste mesmo município, apurou-se que 92% dos inquéritos
policiais instaurados, em 1992, para apurar responsabilidade em crimes de
morte não chegam a ser convertidos em processos penais (Soares e outros,
1996)3.
Essa queda relativa das principais atividades judiciárias se reflete na outra
ponta do sistema de justiça criminal - as prisões. O número total de presos, no
país, no ano de 1995, foi de 148.760 ou seja 95, 47 presos/cem mil habitantes,
um coeficiente paradoxalmente baixo quando comparado com o coeficiente de
outras sociedades, encontrando-se atrás do Canadá (133/cem mil habitantes),
da Nova Zelândia (127/cem mil habitantes), da Espanha (122/cem mil

2
A inexistência de dados disponíveis para o período subseqüente (1983-1990), não apenas para o Estado de São Paulo, impede uma
avaliação do comportamento dessa tendência ao longo da década de 1980.
3
Essas informações a respeito do movimento da criminalidade reproduzem parcialmente textos já publicados em Adorno, S.
(1994). Cidadania e administração da justiça criminal. In: Diniz, E. e outros (orgs.). O Brasil no rastro da crise. São Paulo: Hucitec;
Brasília: IPEA. Adorno, S. Adorno, S. Consolidação democrática e políticas de segurança pública no Brasil: rupturas e
continuidades. In: Zaverucha, Jorge (org). Democracia e instituições políticas brasileiras no final do século XX. Recife: Edições
Bargaço, 1988, pp. 149-189; Adorno, S. O gerenciamento público da violência urbana: a justiça em ação. In: Pinheiro, P.S. e outros.
São Paulo sem medo. Um diagnóstico da violência urbana. Rio de Janeiro: Garamond, 1998, pp. 227-246.
habitantes) e do Reino Unido (99/cem mil habitantes), países onde as taxas de
delinquência e de criminalidade violenta são reconhecidamente mais baixas do
que no Brasil, ainda que tenha conhecido tendências ao aumento no final da
década passada e início desta década. Nos Estados Unidos, por exemplo, esse
coeficiente, no mesmo período, foi da ordem de 411 presos/cem mil
habitantes4, em 1993. Saltou para 600 presos/cem mil habitantes, nos anos
1994-1995, segundo estatísticas coligidas pelo Comitê de Cooperação
Penitenciária, do Conselho da Europa, refletindo uma tendência, desde a
década de 1980, de crescimento e ampliação do Estado penal, constituído
sobretudo em torno do arsenal prisional5 face à rápida retração do Welfare
State6.
No Estado do Rio de Janeiro, enquanto o crescimento da criminalidade, entre
1977 e 1986, foi da ordem de 50%, a taxa de aprisionamento (população
prisional/cem mil habitantes) decresceu 27, 4%. Essa população prisional
oscilou entre o máximo de 9.081 internos (1977) e um mínimo de 8.853 em
1980 (excluídos aqueles recolhidos aos xadrezes policiais). Trata-se, conforme
assevera Coelho, de uma estreita margem de variação, indicativa do
esgotamento da capacidade do sistema penitenciário. Ademais, estima-se a
existência de 55 mil infratores, em liberdade, com mandados de prisão a serem
cumpridos (Coelho, 1988, p. 156). Aliás, segundo o Censo Penitenciário,
realizado nesse Estado, no ano de 1988, havia 8.672 presos, distribuídos em
vinte e seis estabelecimentos penitenciários (inclusive hospitais gerais,
hospitais psiquiátricos e hospital de Custódia e Tratamento). Essa população
compunha-se de pessoas concentradas nos grupos etários de 25-29 anos (27,
17%), 30-34 anos (21, 78%) e 21-24 anos (19, 57%). Cerca de 74, 54% não
registraram passagem anterior por instituição de bem-estar (do tipo
Recolhimentos Provisórios ou FEBEMs). A maior parte residia em domicílio
urbano (90%). Do mesmo modo, a maior parte era constituída de negros
(pretos e pardos), representando o percentual de 67, 75%. Em termos de
escolaridade, 63, 51% possuíam primeiro grau incompleto. Quanto à ocupação
mais frequente ao longo da vida, 32, 19% se dedicavam à indústria de
transformação e à construção civil; 13, 86% ao comércio e às suas atividades
auxiliares; 12, 67% à prestação de serviços. Apenas 4, 44% declarou
encontrar-se sem ocupação ou nunca haver trabalhado. Em contrapartida,
dentro dos estabelecimentos penitenciários, tão somente 29, 83% estavam
ocupados, distribuídos nas atividades de faxina, cozinha e outras tarefas de
manutenção dos estabelecimentos penitenciários. Os demais (70, 16%)
encontravam-se, à época do Censo, desocupados. Por fim, na sua grande
maioria (84, 65%) cumpriam pena em regime fechado (Estado do Rio de
Janeiro, Censo Penitenciário, 1989)7.

4
Comparativamente a 1980, essa cifra representa um crescimento de mais de 150%. (Cf. World Almanac, 1993).
5
Cf. Donziger, S.R. (ed). (1993). The real war on crime. The report of the National Criminal Justice Commission. New York:
Harper Collins Publishers.
6
Cf. Wacqüant, L. (1996). De l’État charitable à l’Etat pénal – notes sur le traitement politique de la misère en Amérique. Regards
Sociologiques, 11: 30-38, maio.
7
Ao que parece, essa iniciativa do Estado do Rio de Janeiro em realizar um censo penitenciário, é inédita. Cumpre ressaltar, no
entanto, a relativa fidedignidade dos dados coletados, pois que essa tarefa foi realizada por agentes penitenciários. Ainda que
tenham sido treinados, esse grupo institucional não constitui pessoal adequado para a execução de atividades dessa natureza.
Convivendo no mesmo meio, partilhando dos valores e dos modelos de comportamento próprios da cultura organizacional, a
contaminação e os vícios na coleta de dados são inevitáveis. Para uma crítica do censo penitenciário, vide Zaluar (1990). Pri são,
trabalho e cidadania: o censo penitenciário. Revista da Escola do Serviço Penitenciário. Porto Alegre: Escola do Serviço
Penitenciário, v. I, 5: 69-74.
No Estado de São Paulo, no período de 1983-1989, apesar do baixo
coeficiente de presos/cem mil habitantes, verificou-se o crescimento das
prisões por crimes de homicídio (62, 4%), seguida do crescimento de crimes de
roubo e extorsão (32, 4%) e tráfico de entorpecentes (17, 2%). Em
compensação, houve decréscimo das taxas de prisões relativas aos demais
crimes. No entanto, é preciso ressaltar que a maior parte dessas prisões não
corresponde efetivamente a pessoas processadas e condenadas. Assim, a
título de ilustração, na Região Metropolitana da Grande São Paulo, no ano de
1982, do total de 4.274 processados, presos pela prática de crimes contra a
pessoa, encontravam-se condenados 33%. No caso dos crimes contra o
patrimônio, essa proporção é ainda menor. Do total de 20.564 presos
responsabilizados por esses crimes, somente encontravam-se condenados
28%.
A superpopulação é uma realidade presente na maior parte das prisões
brasileiras, em especial nos Estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas
Gerais. Segundo dados coligidos pelo Censo Penitenciário (1995), promovido
pelo Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, órgão do Ministério
da Justiça, em cada cela, habitavam em média 2, 1 presos, dos quais 95, 6%
homens e 4, 4% mulheres, distribuídos quanto à cor entre brancos (52, 1%) e
não brancos - isto é, mulatos, negros e outra cor (47, 9%). Desses, 71, 4%
encontravam-se condenados, enquanto que 28, 6% correspondiam a presos
provisórios. A maior parte (49, 3%) encontrava-se cumprindo pena em virtude
de crime contra o patrimônio: roubo (32, 9%) e furto (16, 4%). Paradoxalmente,
o homicídio cujas taxas, em cidades como São Paulo, Rio de Janeiro, Recife e
Porto Alegre vieram e vem crescendo a ritmos acelerados, representam tão-
somente 15% de todas as condenações recolhidas às prisões.
Mais significativo é constatar que cumpriam pena irregularmente fora dos
sistemas penitenciários estaduais 38, 6% dos recolhidos às prisões,
possivelmente em Cadeias Públicas, Distritos Policiais e Xadrezes. Como se
sabe, esses estabelecimentos não são adequados para o cumprimento da
pena. As consequências para o processo de ressocialização do preso
sentenciado à pena privativa de liberdade - seja lá o que se possa entender por
ressocialização - são irreversíveis, afetando sobretudo as condições sociais de
retomada dos direitos civis. Em decorrência, impõe-se considerar um segundo
aspecto: a reincidência penitenciária. Conquanto haja avaliações oficiais a
respeito, nenhuma delas é confiável. Estudo realizado junto à população
penitenciária da Penitenciária do Estado de São Paulo (Adorno e Bordini, 1989
e 1991), alcançou a taxa de 46, 04%. Ainda que se refira a um único
estabelecimento, é de se supor que não haja diferenças estatisticamente
significativas entre as demais unidades prisionais. Convém observar o
significado dessa taxa: a cada dois egressos penitenciários que retomam seus
direitos civis, um comete novo delito, é condenado a pena privativa de
liberdade e retorna à prisão8.
Ademais, a superpopulação pode ser avaliada pelo déficit de vagas no sistema.

8
É justamente esse processo que diferencia reincidência penitenciária de reincidência criminal, esta não requer necessariamente o
cumprimento de pena em estabelecimento penitenciário. Há estudo sobre reincidência penitenciária, para o Estado do Rio de Janeiro
[Lemgruber, J. (1989). Reincidência e reincidentes penitenciários no sistema penal do Estado do Rio de Janeiro. Revista da Escola do
Serviço Penitenciário. Porto Alegre, ano I, 1(2): 45-76.). Embora adotando metodologia distinta daquela empregada por Adorno
e Bordini, os resultados alcançados por Lemgruber não são completamente divergentes. Cf. Adorno, S. & Bordini, E. (1989).
Reincidência e reincidentes penitenciários em São Paulo, 1974-1985. Revista Brasileira de Ciências Sociais. São Paulo: ANPOCS,
9(3): 70-94. fev.
No período considerado, havia 348 estabelecimentos penitenciários, dos quais
42, 52% exclusivamente dedicados ao cumprimento de penas em regime
fechado. No conjunto, todos os tipos de estabelecimento (exclusivamente
fechados, exclusivamente abertos, unidades hospitalar/clínicas, exclusivamente
semiaberto, mais de um regime e unidades psiquiátricas) compreendiam
68.597 vagas. Considerando o número de presos recolhidos, o déficit de vagas
era da ordem de 75.887. Para suprir esse déficit, sem contar o crescimento
“vegetativo” da população carcerária e igualmente sem contar o cumprimento
de mandados de prisão cujos condenados à pena supressiva da liberdade não
foram ainda recolhidos às prisões, estima-se a necessidade de construir algo
em torno de 130 estabelecimentos penitenciários, com capacidade unitária
para 500 presos, ao custo de US$15 milhões.
Nesse contexto de carências, as prisões do estado de São Paulo não
constituem exceções. Conquanto não se trate de fenômeno recente, ao que
parece mesmo endêmico9, o acúmulo de problemas relativos à administração
de amplas massas carcerárias vem se agravando ano após ano. Dados
coligidos pela Secretaria de Administração Penitenciária, correspondentes ao
censo penitenciário de 1997, indicam a existência de uma população
carcerária, de 66.335 presos, ou seja, nesse Estado estavam concentrados
algo em torno de 40 a 43% da população carcerária do país. Do total de
condenados (=51.700 réus), 30, 66% encontravam-se cumprindo suas penas
fora do sistema penitenciário, cenário que recentemente começou a ser
alterado com a transferência de presos dos distritos policiais, cadeias públicas
e xadrezes para novos estabelecimentos penitenciários, recém inaugurados no
interior do Estado. De qualquer modo, os dados disponíveis, para o ano de
1995 (Ministério da Justiça, Censo Penitenciário 1995) apontavam um déficit de
32.332 vagas, avaliação que poderia ser ainda mais agravada se confirmada a
suspeita segundo a qual há cerca de 152.009 mandados de prisão decretados
a cumprir10. Convém ressaltar que a atual Casa de Detenção de São Paulo foi
planejada e construída, logo no início da década de 1960, para abrigar 3500
indiciados e réus, custodiados pela Justiça Criminal, aguardando decisão
judiciária. Em dezembro de 1992, esse estabelecimento contava com 7.050
detidos, muitos dos quais inclusive cumprindo pena privativa de liberdade, o
que representava uma média de 2, 16 presos/cela. Não sem razões, esse
estabelecimento tem sido palco privilegiado de motins, oportunidade em que a
Polícia Militar intervém, algumas vezes com resultados deploráveis, como
aquela intervenção ocorrida em outubro desse ano, em que 111 presos foram
mortos, em operação destinada a conter suposta rebelião (Azevedo Marques &
Machado, 1993; Pietá & Justino, 1993).
Finalmente, cabem ainda duas observações. Em primeiro lugar, o sentimento
coletivo, expresso em não poucas sondagens de opinião pública, segundo o
9
De fato, a maior parte das reformas institucionais implementadas por diferentes governos estaduais foi estimulada por prement es
problemas decorrentes de superpopulação carcerária. É o que se verificou sobretudo no Rio de Janeiro e em São Paulo, logo no
início do regime republicano. Neste último estado, em 1955, o governo Jânio Quadros empreendeu substantiva reforma no sistema
penitenciário, projetando uma expansão de vagas para as duas décadas seguintes, projeto implementado nas gestões subsequentes,
inclusive com a construção de uma nova Casa de Detenção, e que acabou consolidado no governo Paulo Egydio Martins (1975 -79).
Alguns anos mais tarde, já se anunciavam novos sinais de esgotamento da oferta de vagas e persistiam os problemas decorrentes da
superpopulação carcerária. A respeito, vide: Adorno e Fischer (1987). Análise do sistema penitenciário do Estado de São Paulo: o
gerenciamento da marginalidade social. São Paulo: CEDEC. Mimeo. 2vs.
10
Verdade seja dita, esse número de mandados de prisão a cumprir não corresponde necessariamente ao universo de pessoas
condenadas. Embora não se disponha de dados precisos, é de se supor que, em média, cada delinqüente, possa carregar quatro
condenações. Se esta estimativa for razoável, o número de sentenciados condenados à pena privativa de liberdade será da ordem de
38.002.
qual grassa na sociedade brasileira uma impunidade generalizada pode ser,
em parte, confirmado pelo baixo número de presos condenados à pena de
prisão, sobretudo se este cenário for comparado com o de outras sociedades
onde o perfil da criminalidade é menor e menos violento, conforme sugerido
anteriormente. No entanto, verdade também seja dita, a contrapartida insidiosa
da impunidade é o viés punitivo: por um lado, ainda que precários, os dados
disponíveis sugerem que a punição tem alvos bem demarcados pois alcança
prioritariamente o crime comum contra o patrimônio, cometido, via de regra, por
cidadãos procedentes dos grupos e classes sociais situados nos estratos mais
inferiores das hierarquias sociais. Embora não se trate de fenômeno
exclusivamente próprio da sociedade brasileira - aliás, uma longa tradição de
estudos norte-americanos já constatavam sua força e presença nos Estados
desde princípios do século XX11 - sua extensão parece acentuada entre nós. A
punição tende a privilegiar os mais pobres, os migrantes, os negros12.
Em segundo lugar, ao mesmo tempo que pune, há um claro privilégio, em
nossa cultura judiciária, pela aplicação da pena privativa de liberdade,
preferencialmente distribuída em regime exclusivamente fechado. De acordo
com o Censo Penitenciário de 1995, 75, 1% cumprem pena nesse regime.
Ademais, se considerarmos a maior participação percentual dos condenados a
penas médias, de 4-8 anos de extensão, em geral aplicáveis aos autores de
crimes contra o patrimônio (furto e roubo), é de se suspeitar, com alguma
margem de certeza, que todo o arsenal prisional esteja colonizado para conter
essa forma de criminalidade, em detrimento talvez da aplicação de sanções,
líquidas e certas, contra autores de homicídios comuns, inclusive decorrente da
participação em linchamentos, grupos de extermínio e execuções sumárias, a
par de outros graves atentados contra os direitos humanos, sobretudo aqueles
que comprometem o mais universal dos direitos, o direito à vida. Em síntese,
por um lado, deixa de punir; porém, quando o faz, o faz seletivamente. Assim,
por um lado, o sistema prisional acaba, em última instância, caudatário de um
acentuado desequilíbrio em suas funções de controle social. Por outro lado, a
seu modo, contribui para que as leis penais não sejam aplicadas
indistintamente para todos os cidadãos, de onde decorrem lacunas e omissões
que comprometem a crença na universalidade das instituições de promoção e
proteção dos direitos que devem proteger a pessoas, seus bens e outros
valores social e culturalmente prezados. Ademais, quando executa o
cumprimento de sentenças privativas de liberdade e acentua o viés seletivo (de
"classe") na distribuição das sanções penais, compromete o princípio da
isonomia jurídica, certamente um dos pilares do Estado democrático de Direito.
Não é de se estranhar portanto que as prisões brasileiras, em especial
naquelas regiões e Estados onde os problemas de superpopulação carcerária
são mais graves e tendem a se agravarem no tempo, sejam espaço de toda
sorte de tensões e de sistemáticas violações de direitos humanos.

Políticas Penitenciárias, Violência e Direitos Humanos13


Ao longo das quatro últimas décadas, análises efetuadas mostraram que a

11
Cf. Donziger (1993), citado.
12
Cf. Adorno, S. (1994). (1995).
13
O trecho que se segue reproduz, parcialmente modificado em virtude da atualização de dados e informações, texto anteriormente
publicado, cf. Adorno, S. (1991). Sistemas penitenciários no Brasil. Problemas e desafios. Revista USP. São Paulo, 9: 65-78,
mar./mai. Re-publicado em Revista do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária. Brasília, 1(2): 63-87, jul./dez, 1993.
tônica dominante das políticas públicas penais no Brasil e em especial no
estado de São Paulo14 tem sido a de promover a segregação e o isolamento
dos sentenciados, mediante um programa deliberado de aumento progressivo
da oferta de novas vagas no sistema, política de mão única porque não
acompanhada de outras iniciativas e que não ataca os pontos tradicionais de
estrangulamento. Seus efeitos podem ser elencados: ampliação da rede de
coerção; superpopulação carcerária; administração inoperante; enrijecimento
da disciplina e da segurança sem quaisquer consequências no sentido de deter
a escalada da violência e a sucessão de rebeliões a que o sistema
penitenciário vem assistindo nos últimos anos; timidez das medidas de alcance
técnico, medidas essas incompatíveis com o programa de expansão física
elaborado independentemente de avaliações e projeções dotadas de
confiabilidade; falta de explicitação de objetivos, o que se manifesta na
ausência de um programa articulado, integrado e sistemático de intervenção
seja no âmbito das políticas organizacionais administrativas ou de
ressocialização; confrontos entre grupos que disputam influência sobre o poder
institucional, expressos na eficácia da ideologia da ordem e da segurança, da
vigilância e da disciplina. Todos esses aspectos confluem para o mesmo ponto:
a reconhecida incapacidade e incompetência do poder público em gerenciar
amplas massas carcerárias, bem assim em lograr uma política efetivamente
coordenadora da execução penal.
A despeito dos propósitos reformadores e ressocializadores embutidos na fala
dos governantes e na convicção de homens aos quais está incumbida a tarefa
de administrar massas carcerárias, a prisão não consegue dissimular seu
avesso: o de ser aparelho exemplarmente punitivo. Nisto reside, ao que tudo
indica, a incapacidade do sistema penitenciário brasileiro em assegurar o
cumprimento das Regras Mínimas para Tratamento dos Presos e
Recomendações Pertinentes, Resolução adotada em 30 de agosto de 1955,
em Genebra, no I Congresso das Nações Unidas sobre a Prevenção do Crime
e Tratamento do Delinquente, da qual este país é signatário e que, como se
sabe, pretende disciplinar a aplicação da pena privativa de liberdade coibindo
os abusos de poder dos quais os campos de concentração, durante a II Guerra
Mundial, haviam se tornando o exemplo mais deplorável a ser combatido. No
Brasil, contudo, em face das condições de existência dominantes nas prisões,
a perda da liberdade determinada pela sanção judiciária pode significar, como
não raro significa, a perda do direito à vida e a submissão a regras arbitrárias
de convivência coletiva, que não excluem maus tratos, espancamentos,
torturas, humilhações, a par do ambiente físico e social degradado e
degradante que constrange os tutelados pela justiça criminal à desumanização.
Não são poucos os indicadores que espelham a precariedade do sistema
penitenciário brasileiro. Embora as condições de vida no interior dessas
"empresas de reforma moral dos indivíduos" sejam bastante heterogêneas
quando consideradas sua inserção nas diferentes regiões do país, traços
comuns denotam a má qualidade de vida: superlotação; condições sanitárias
rudimentares; alimentação deteriorada; precária assistência médica, judiciária,
social, educacional e profissional; violência incontida permeando as relações
entre os presos, entre estes e os agentes de controle institucional e entre os

14
O histórico sobre as políticas públicas penais do Estado de São Paulo, no período de 1950-1985, cuja exposição se segue está
inteiramente baseado em pesquisa sob minha coordenação e em conjunto com Rosa Maria Fischer (cf. Adorno & Fischer, 1987,
citado).
próprios agentes institucionais; arbítrio punitivo incomensurável15. Em São
Paulo, a superpopulação carcerária encontra-se na origem imediata de não
poucos outros problemas, sobretudo a promiscuidade que promove toda sorte
de contaminação - patológica e criminógena - exacerbando a violência como
forma institucionalizada e moralmente legítima de solução de conflitos
intersubjetivos. Esse quadro agrava-se devido ao expressivo contingente de
população encarcerada nos distritos e delegacias policiais, nos quais se
encontram indiferenciados presos primários e reincidentes, detidos para
averiguações ou em flagrante e cidadãos já sentenciados pela justiça criminal.
Nessas dependências, reinam as mais desfavoráveis condições para a
"recuperação" ou "ressocialização" - seja lá o que esses termos possam
significar - dos delinquentes. Ao contrário, a contaminação criminógena reforça
a ruptura dos laços convencionais com o "mundo da ordem", instituindo as
possibilidades efetivas de construção de trajetórias e carreiras na delinquência.
No mais, concorrem para a falência das políticas penais formuladas e
implementadas as demais condições físicas e sociais constituídas em torno da
superpopulação. A habitabilidade das celas é, via de regra e com raras
exceções, aquém de qualquer patamar mínimo reconhecido como adequado à
conservação da saúde individual e coletiva dos presos. De fato, na maior parte
das celas, em exíguo espaço convive um número não desprezível de pessoas.
Esse é um quadro particularmente gritante nos grandes estabelecimentos
prisionais e, notadamente, nas delegacias policiais. Visita da Comissão
Interamericana de Direitos Humanos, da OEA, ao 3 º Distrito Policial da cidade
de São Paulo constatou que, em um espaço de 12m2, "destinado a alojar seis
presos, se alimentavam e dormiam, sem leitos, nem qualquer comodidade por
mínima que fosse, muitas vezes sentados ou de pé por falta de espaço, quase
20 presos"16. Nesses exíguos espaços, frequentemente, institui-se sistema de
rodízio, a fim de que todos os reclusos de uma mesma cela possam desfrutar
do repouso, pois não há camas em número suficiente e sequer espaço para
abrigá-las, o que obriga inclusive a que muitos se sujeitem a dormir no chão de
cimento. Ademais, as instalações sanitárias são precárias; é muito comum a
ausência de água corrente para banhos e para asseio pessoal. A existência de
restos de alimentação, guardados ou acumulados contribui para a
disseminação de insetos, sobretudo ratos e baratas pelos quais os presos se
veem assediados com picadas e mordeduras. A iluminação precária, a má
ventilação, a circulação de odores fétidos, a concentração de águas insalubres
originárias da mistura de poças de chuvas ou de encanamentos desgastados
com lixo, o acúmulo de gazes ensanguentadas por cima do parco mobiliário
traduzem um quadro crescente de deterioração das condições de vida.
Os padrões de alimentação também não primam pela qualidade. As refeições
diárias consistem, pela manhã, de café e um pedaço de pão; ao almoço, de
arroz e feijão, macarrão e, vez ou outra, um pedaço de carne. No jantar,
consomem-se sobras do almoço. Não é incomum que a alimentação seja
servida já deteriorada, o que ocasiona queixas frequentes de problemas

15
Uma descrição pormenorizada dessas condições de vida encontra-se em: Americas Watch (1989) Americas Watch Committee
(1989). Condições das prisões no Brasil. São Paulo: OAB-SP; NEV-USP e outros; Fundação do Desenvolvimento Administrativo.
FUNDAP. (1991). Assistência social. Sistema carcerário. Documentos de Trabalho DT/QS 4. São Paulo: Fundap. 92p.; e Fundação
João Pinheiro. Secretaria de Estado do Planejamento e Coordenação Geral. Minas Gerais. Diretoria de Projetos III. (1984).
Caracterização da população prisional de Minas Gerais e do Rio de Janeiro. Belo Horizonte, mimeo.
16
Cf. Organização dos Estados Americanos - OEA, Secretaria Geral, Comissão Interamericana de Direitos Humanos (1997).
Relatório sobre a situação dos direitos humanos no Brasil. Washington, CIDH, p. 62.
gastrointestinais. Isso se dá, sobretudo, nos estabelecimentos onde não há
instalações próprias para a produção da alimentação que é, nesse caso,
obtida, mediante convênio, junto a empresas do ramo, a bares e a lanchonetes
das redondezas, o que configura muitas vezes fonte de corrupção que envolve
os próprios presos, funcionários e mesmo administradores. Aqueles que
dispõem de algum dinheiro complementam a minguada dieta recorrendo às
lanchonetes locais, quando as há ou obtendo alimentos através de parentes
por ocasião das visitas semanais. Há mesmo quem, desprovido de contatos
com o mundo exterior, se queixe de receber alimentação apenas uma vez por
dia, o que parece ter sido constatado em prisões do Norte e Nordeste do
país17.
Quanto ao vestuário, até há pouco tempo as prisões encarregavam-se de
fornecê-lo, uniformizando os presos para facilitar o controle sobre a massa
carcerária. O que se tem verificado, nos anos recentes, é que a retração de
recursos destinados ao sistema penitenciário vem restringindo drasticamente a
oferta de vestuário, cujas necessidades são, via de regra, supridas pelos
familiares. Nesse terreno, o quadro é paradoxal. Ao lado de detentos bem
vestidos, agasalhados de modo adequado, inclusive para enfrentar as mais
adversas temperaturas - alguns ambientes são extremamente úmidos
enquanto outros quentes e pouco ventilados - há detentos que portam
camisetas rasgadas e calças ou calções gastos e rotos.
Frente a esse quadro não é de esperar que a saúde coletiva seja razoável. Ao
lado das epidemias disseminadas pelas más condições sanitárias da
habitabilidade, há outras resultantes da aglomeração de pessoas em espaços
exíguos. Conjunturalmente, enfrentam-se epidemias de tuberculose, além de
várias doenças sexualmente transmissíveis. Trata-se de uma população de alto
risco, vulnerável a toda sorte de doenças infectocontagiosas, fato ainda mais
agravado pela recente epidemia de AIDS. Os testes que vem sendo aplicados
indicam, sobretudo nos estabelecimentos de elevada concentração
populacional como a Casa de Detenção de São Paulo, sorologia positiva, cujas
taxas são em geral mais elevadas do que no conjunto da população urbana.
Para responder a graves problemas de saúde pública, contam os
estabelecimentos penitenciários com parcos recursos médicos, sejam eles
clínicos, ambulatoriais ou hospitalares. Ao que revelam os dados coligidos pelo
Ministério da Justiça, havia no Brasil, em 1988, 457 leitos nos hospitais gerais
para o atendimento de cerca de 85.000 presos, excluída a população dos
manicômios e institutos psiquiátricos. Em termos relativos, esse universo
corresponde à relação de um leito para 186 presos, padrão muito aquém do
recomendado (1 leito para cada 50 presos, considerando-se sobretudo as
características da população). Para São Paulo, os dados são os seguintes: há
um hospital geral com 112 leitos e dois institutos psiquiátricos com 549 leitos.
Excluídos esses institutos, a relação população/leito é da ordem de 1 leito para
279 presos. Vê-se, por conseguinte, que no Estado da Federação que
concentra a maior população carcerária do país a relação leito/paciente é
acentuadamente menor que a média do país, dado que sugere um quadro
sanitário ainda mais deficitário.
Os recursos ambulatoriais são igualmente precários. As instalações são
deficientes, há insuficiência de médicos e de atendentes de enfermagem, a par
17
Citado por Camargo, M.S. (1995). Sistema policial e carcerário. In: NEV-USP. Os direitos humanos no Brasil 1995. São Paulo:
NEV e CTV, pp. 125-137.
de equipamentos obsoletos e de medicamentos insuficientes para debelar o
quadro patológico dessa população. Poder-se-ia objetar que essas condições e
esse atendimento precário não são peculiares à população carcerária, porém à
população brasileira, constituída em sua maior parte de pobres, desprovidos
dos requisitos mínimos indispensáveis à reprodução de sua existência
cotidiana. Se essa observação é verdadeira, não menos o é lembrar que esse
quadro se agrava diante das características da massa carcerária brasileira e
das condições a que se encontra submetida, ao que parece ainda mais sub-
humanas que aquelas próprias à população pobre dos campos e das cidades.
Não sem motivos, ao lado das reclamações contra a carência de assistência
jurídica, reclama-se igualmente contra a carência de assistência médica18
Esse contexto social é, como se sabe, bastante propício à violência. Venha de
onde e de quem vier, a violência constitui código normativo de comportamento,
linguagem corrente que a todos enreda, seja em suas formas mais cruéis, seja
em suas formas veladas. Entre os detentos, torna-se quase impossível intervir
nas disputas violentas, que envolvem os mais diferentes interesses e objetos.
Tudo é passível de querela: confrontos entre quadrilhas; suspeita de delação;
envolvimento no tráfico de drogas, na exploração de atividades internas, no
tráfico de influências sobre os "poderosos", sejam aqueles procedentes da
massa carcerária ou da equipe dirigente; posse de objetos pessoais; obtenção
de favores sexuais, o que compromete não apenas os presos, sobretudo os
mais jovens e primários, muitas vezes comercializados no interior da
população, mas também suas esposas, suas companheiras e suas filhas;
manutenção de privilégios conquistados ou cedidos; disputas de postos de
trabalho. A explosão incontida da violência expressa-se sob diferentes
modalidades. Não raro, verificam-se homicídios praticados com requintes de
barbaridade, dos quais jamais se busca evitar publicidade. Nesse terreno, não
há lei de silêncio que impeça a circulação de informações noticiando hediondos
crimes de morte. Seus autores, quando identificados, parecem mesmo instados
a relatar com todos os detalhes o ato praticado, como se fosse um ato de
bravura e de heroísmo que lhes confere prestígio, fonte de respeitabilidade
pessoal, no interior da massa carcerária19. Afora esse espectro de violência,
haveria que se contabilizar os estupros, as agressões de uns contra outros, os
acertos de contas verificados notadamente durante as rebeliões e motins, os
"pactos de morte".
Respondem os agentes institucionais com igual ou superior intensidade de
violência. Não obstante as pressões sociais e políticas para conter as punições
ilegais, sobretudo a partir da chamada transição para a democracia quando os
movimentos de defesa dos direitos humanos se tornaram vigilantes públicos do
que se passava no interior das prisões e das demais "instituições totais",
persistiram toda sorte de abusos físicos. Nos regimentos internos dos
estabelecimentos prisionais, há, de modo geral, capítulo dedicado à repressão
de comportamentos considerados inadequados, para os quais há sanções.
Esses regimentos, além de serem ultrapassados, intervindo nos mais
recônditos espaços do comportamento, servem apenas de caução legal ao
arbítrio. De fato, as prisões possuem uma espécie de "mini tribunal" interno,

18
Cf. Relatório sobre a situação dos direitos humanos no Brasil (1997) citado; e Camargo (1995), citado.
19
Veja-se, a propósito, a seqüência de assassinatos praticados nos presídios cariocas, desde o ano de 1989, bem como os sorteios da
morte verificados no Presídio da Lagoinha em Minas Gerais. Vide: Americas Watch (1989), citado; Paixão, A L. (1984). Uma saga
carcerária. Temas IMESC. Soc.Dir.Saúde. São Paulo, 2(2): 97-100.
capaz de sobrepor penas à própria pena decretada pelo poder judiciário
competente. Essas penas internas variam da advertência ao enclausuramento
nas celas fortes, onde não há iluminação e sequer ventilação e onde o preso
punido permanece por tempo indeterminado, ao sabor de circunstâncias e da
decisão arbitrária de diretores penais. Esse alvedrio chega ao requinte de punir
uma mesma infração com sentenças variadas. Ademais, outras formas de
abuso permanecem praticadas muitas vezes sem qualquer censura ou
averiguação, apesar das denúncias: torturas em dependências especiais -
celas chamadas "maracanã" ou de "direitos humanos"; espancamentos,
achaques, cobrança de pedágios para assegurar privilégios ou acesso de
visitas ou de advogados; exploração de mulheres e de jovens masculinos para
fins sexuais. Certamente, o despreparo e a formação direta no mundo da
violência, baixos salários, péssimas condições de trabalho, inexistência de
carreiras que permitam ascensão na escala funcional, número insuficiente de
pessoal comparativamente ao tamanho da população prisional, regime de
trabalho estafante e estimulante do descontrole emocional contribuem para
perpetuar e recrudescer esse circuito de violência que faz do guarda de
presídio agente destacado20.
Não sem motivos, vem se acentuando, ao que parece em todo o país, as
rebeliões e fugas das prisões. Levantamento preliminar, realizado pelo
NEV/USP, indicou 72 rebeliões, nas prisões sob responsabilidade da
Secretaria de Segurança Pública no estado de São Paulo, no ano de 1996. No
ano seguinte, esse número saltou para 178, isto é um crescimento de 59,5%.
No que concerne aos estabelecimentos sob responsabilidade da Secretaria de
Administração Penitenciária, o cenário não é menos alarmante. Em 1996, a
imprensa periódica noticiou 07 rebeliões, cinco das quais ocorridas na Casa de
Detenção de São Paulo. No ano seguinte, até 07 de outubro de 1997, a mesma
fonte apontava 19 rebeliões, sendo 6 delas na Casa de Detenção21.
Não apenas os guardas estão envolvidos diretamente nesse circuito. A própria
arquitetura prisional, transformando cada um em potencial vigilante do outro,
abre espaço para conflitos permanentes nas relações intersubjetivas,
envolvendo não somente presos e guardas, mas estes e as equipes técnicas,
estas e os diretores penais, estes e os diretores administrativos e assim
sucessivamente. Por exemplo, queixam-se as equipes técnicas de que suas
recomendações não são acatadas pelos diretores penais que invocam, para
não acatá-las, razões de segurança e de disciplina. Queixam-se também, com
regularidade, de que são permanentemente desqualificados e desacreditados
frente à população carcerária pelos guardas de presídio22. No mesmo sentido,
queixam-se os presos do descaso e indiferença com que são atendidos e
tratados por ocasião dos exames e testes que subsidiam a confecção de

20
Evidentemente, as relações conflitivas entre presos e entre estes e os guardas penitenciários não constituem um problema
brasileiro ou próprio de sociedades de terceiro mundo. Para uma descrição da situação no Canadá, veja-se Lemire (1990). Para a
França, reporto-me a Chauvenet, Orlic & Benguigui (1994), em cujo livro abordam largamente as relações de cooperação e conflito
entre esses grupos sociais. Em São Paulo, o assunto foi também abordado em Castro (1991). Ciranda do medo. Controle e
dominação no cotidiano da prisão. Revista USP. São Paulo, 9: 57-64, mar./mai.
21
Cf. Salla, F. (1997). Dossiê Rebeliões e fugas nas prisões do Estado de São Paulo: 1997. São Paulo: 1997. [Texto provisório, em
fase de conclusão e edição final]. Diagnósticos na mesma direção encontra-se em: US. Department of State. Brazil country report on
Human Rights Practices for 1997. Bureau of Democracy, Human Rights, and Labour, January, 30 1998.
22
É comum que os guardas, em determinadas circunstâncias, reivindiquem a presença de um médico psiquiatra para o atendimento
de um preso que se revele arredio ou desobediente. Se o profissional atesta inexistir qualquer perturbação patológica no
comportamento do observado, é motivo de chacota por parte dos guardas, que se encarregam de difundir entre a massa carcerária
traços desabonadores que lhe são atribuídos. Vide Adorno & Bordini (1989), citado.
laudos periciais destinados a instruir pedidos de obtenção de benefícios legais,
como livramento condicional, redução ou comutação da pena, transferência
para regime semiaberto ou aberto etc. Como dizia um preso observado em
pesquisa: "não é possível que em dez minutos de entrevistas ou testes se
possa saber tudo o que se passou com uma vida de quarenta anos".
A esse panorama que torna a vida nos presídios incerta e insegura, convém
acrescentar a precária oferta de serviços de formação educacional e
profissional. Embora em não poucos estabelecimentos penitenciários haja
convênios com entidades especializadas na oferta de escolarização básica,
dispensando-se, nessas circunstâncias os serviços próprios, quase sempre
desorganizados e ineficazes, essa escolarização padece dos mesmos
obstáculos e problemas enfrentados pela escola pública oferecida à população
em geral. Apesar da existência, em alguns estabelecimentos, de recursos até
sofisticados como os audiovisuais, o aprendizado revela-se deficiente, o que se
traduz nas elevadas taxas de evasão escolar, sintoma de uma população de
baixa escolaridade, sem tradição de frequência à escola e, face às suas
características pessoais e sociais, submetida a uma acentuada rotatividade
entre estabelecimentos, o que impede a constituição de laços institucionais
sólidos com a escola. Muitos dos egressos penitenciários, a despeito de
escolarizados e mesmo "diplomados", não manifestam aprimoramento pessoal
em virtude do aprendizado escolar.
No mesmo sentido, a formação profissional revela-se quase inútil. Há que se
ressaltar a exiguidade das oficinas nas prisões. A maior parte da massa
carcerária está alocada em serviços de manutenção, como limpeza, cozinha e
reparos gerais. As oficinas de costura, de marcenaria, serralheria e outras que
poderiam se constituir em verdadeiros espaços de formação profissional
atendem a um pequeno número de detentos, em geral selecionados
criteriosamente. Na melhor das avaliações, cerca de 10% dos internos de um
estabelecimento estão alocados nas oficinas profissionalizantes. Os demais,
para ocupar o tempo ocioso - muitos alegam que gostam de trabalhar ou que a
existência de tempo ocioso estimula a imaginação delituosa, daí o atributo à
prisão de "oficina do diabo" - sujeitam-se ao trabalho contratado de pequenas e
médias empresas, que não lhes remunera segundo os preços de mercado e
sequer lhes oferece seguro previdenciário, costurando bolas, montando
pregadores ou realizando outras atividades de baixa demanda no mercado
formal de trabalho. Consistem, em geral, em "patronatos", sistema no qual
alguns presos - os "patrões" - recrutam outros como mão-de-obra, ficando
aqueles responsáveis pela produção e venda de produtos, bem como
remuneração dos trabalhadores. Não é preciso sublinhar que esse sistema
constitui fonte de corrupção, a par da exploração e da férrea disciplina a que se
encontram submetidos23. Não se estranhe, por conseguinte, que a maior parte
dos egressos penitenciários, mesmos os profissionalizados, retornem às
ocupações a que se dedicavam antes do encarceramento ou durante os
períodos de alternância entre a prisão e a liberdade, como demonstram
avaliações realizadas seja por pesquisadores ou pelos órgãos encarregados do

23
Em São Paulo, Rio de Janeiro e, mais recentemente, em Brasília foram criadas fundações para gerenciar o trabalho prisional.
Trata-se das Fundações de Amparo ao Trabalhador Preso - FUNAPs, que cuidam de instalar oficinas em moldes industriais,
fornecer matéria-prima, remunerar os trabalhadores e colocar o produto no mercado. As dificuldades são imensas, como revelam o
relato de seus diretores, porque compreendem instituições externas ao sistema penitenciário, quase sempre consideradas "intrusas".
Enfrentam dificuldades de instalação de oficinas, sobretudo porque diretores das prisões invocam problemas de segurança interna.
V. Brant (1994), O trabalho encarcerado. Rio de Janeiro: Forense; e FUNDAP (1989), citado.
gerenciamento de massas carcerárias. Cabe observar ainda que o trabalho
prisional funciona, não raro, como instrumento de opressão e punição. Em
vários depoimentos de presos, fala-se do arbítrio dos mestres, da perseguição
perpetrada por parte de guardas e diretores penais, da impossibilidade de se
constituírem rotinas regulares de trabalho que assegurem autonomia na
administração do tempo dedicado a tais atividades (Adorno & Bordini, 1991).
Por fim, cabe tecer considerações a propósito da prestação de serviços de
assistência judiciária e social. No primeiro caso - uma das áreas mais sensíveis
do sistema, porque dela depende o equilíbrio no interior da população prisional
- a carência constitui sua tônica dominante. Afora aqueles sentenciados que
dispõem de recursos para garantir assistência particular - o que não configura
regra geral, todavia exceção - a maior parte depende da oferta de assistência
judiciária gratuita. O número de advogados e de estagiários de Direito que se
dedicam a essa atividade é bastante reduzido para atender a um contingente
elevado de assistidos ou dependentes desse tipo de assistência, o que obriga à
organização de serviços paralelos, como o "Projeto Jus", em São Paulo, criado
pela Secretaria de Estado da Justiça, ou à organização de periódicos mutirões,
vãs tentativas de solucionar problemas pendentes e que, no limite, acabam
apenas restabelecendo equilíbrios institucionais momentaneamente rompidos
ou situações institucionais conjunturalmente agravadas. De qualquer forma, as
queixas são constantes: não atendimento de direitos consagrados na
legislação pertinente, morosidade na prestação de assistência com a fixação
de datas longamente espaçadas para audiência, com a ausência de regular
informação sobre andamento de processos ou explicações consistentes a
propósito do indeferimento de um recurso ou pedido de benefício penal. Criam-
se, assim, situações injustas como a permanência de presos com penas
cumpridas, cuja magnitude é impossível aquilatar dada a inexistência de
controles confiáveis nas instâncias encarregadas de fazê-lo. O descompasso
entre tais beneplácitos legais e a capacidade do sistema penitenciário paulista
em atendê-los é fonte de extensa insatisfação e frustração no interior da massa
carcerária, sentimentos coletivos que não raro constituem o estopim de
violentas rebeliões e motins.
Finalmente, a assistência social não consegue ao menos amenizar o estado de
angústia e ansiedade que manifestam egressos penitenciários. Anos de
encarceramento, vivendo debaixo das mais adversas condições de vida,
contribuem, por um lado, para instituir um processo psicossocial de
gerenciamento repressivo do desejo. Rituais e normas institucionais - sujeição
a horários, a posturas, a normas violentas de convivência nas relações
intersubjetivas - acentuam a incapacidade de lidar autonomamente com a
própria vida, liberando, em contrapartida, desejos de dependência e de
passividade, aliados a incontida agressividade, que tornam os tutelados pelas
prisões seres inabilitados para a retomada de seus direitos civis em liberdade.
Por outro lado, esses mesmos rituais e normas institucionais reforçam os laços
de dependência e passividade constituídos nas prisões, estimulando dessa
forma a reincidência criminal e, por essa via, fazendo com que a única
existência possível seja a do intramuros institucional (Adorno & Bordini, 1991).
De modo geral, os serviços de assistência social são insensíveis a esses
mecanismos psicossociais. Limitam-se a exercer uma espécie de filantropia
caritativa, representada por algum apoio paternalista por ocasião da liberdade,
como oferta de pequenas somas de dinheiro, auxílio para obtenção de
documentos e algum posto no mercado de trabalho, ou, ainda, para localização
de familiares e companheiros. Nada que ultrapasse esse umbral cai no
horizonte do serviço social. Mesmo quando há profissionais consequentes e
críticos, seu número é também insuficiente para atender a um conjunto
diferenciado de tarefas, como sejam, entre outras, as visitas domiciliares e a
elaboração de laudos periciais. Contribuem para depreciar a qualidade desses
serviços os baixos salários, o regime e as condições adversas de trabalho, a
ausência de tempo e de disponibilidade de recursos para cursos de
reciclagem24.

BIBLIOGRAFIA

BRASIL. Nº 13.869, DE 5 DE SETEMBRO DE 2019. Presidência da República.


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