CONTROLE DIFUSO DE CONSTITUCIONALIDADE (CONCRETO): Conforme já visto, ainda que de forma rasa, na introdução da disciplina, o Controle Difuso de Constitucionalidade se dá quando a análise quanto à constitucionalidade das normas jurídicas do ordenamento jurídico possam ser realizadas por qualquer um dos órgãos judiciais que o compõe. Por essa razão há uma tendência de classifica-lo como controle de constitucionalidade que se dá de forma concreta, uma vez que parte do caso concreto, também chamado de universal. Tal controle é também chamado de modelo “americano”, por ser os Estados Unidos o primeiro país a adotá-lo. Hoje é adotado por Brasil, Argentina, Grécia, Japão e a sua importância é garantir que todos os órgãos de natureza jurisdicional possam se manifestar sobre determinada lei específica, deixando-a de aplica-la quando o juízo entender que tal norma seja inconstitucional. 1. O Controle de Constitucionalidade Americano (Judicial Review)
As origens do sistema americano estão ligadas à própria formação
do constitucionalismo naquele país. Isto porque, embora a análise da constitucionalidade das leis não tenha sido conferida ao poder judiciário literalmente pela constituição, o debate doutrinário que cercou a gênese da mesma abordou tal poder de revisão dos atos legislativos. A lógica do judicial review, conquanto engenhosa em sua concepção, é de enunciação singela: se a Constituição é a lei suprema, qualquer lei com ela incompatível é nula. Juízes e tribunais, portanto, diante da situação de aplicar a Constituição ou uma lei com ela conflitante, deverão optar pela primeira. Se o poder de controlar a constitucionalidade fosse deferido ao Legislativo, e não ao Judiciário, um mesmo órgão produziria e fiscalizaria a lei, o que o tornaria onipotente. A maioria dos doutrinadores tendem a apontar o célebre precedente Marbury vs. Madison (5 U.S. 1 Cranch 137 [1803]) , julgado pela suprema corte americana em 1803, como o marco inaugural do judicial review americano. O controle de constitucionalidade estadunidense é difuso, na medida em que opera por via de exceção. Isto é, inconstitucionalidade da norma deve ser arguida incidentalmente, no curso de um litígio posto em juízo. Qualquer juiz tem aptidão para reconhecer a inconstitucionalidade de determinado dispositivo de Lei tendo apenas a decisão da Suprema Corte a capacidade de atribuir eficácia erga omnes. Conclui-se, portanto, que no sistema norte-americano, a decisão de inconstitucionalidade teria apenas efeito inter partes, ou seja, a princípio não se aplicaria a todos, apenas aos os litigantes que integraram o caso concreto. Entretanto, como já mencionado, o princípio do stare decisis, acaba por diminuir os riscos de decisões conflitantes, na medida em que o pronunciamento dos tribunais superiores tem força vinculante. Efeitos da decisão final de mérito do STF em sede difusa:
Exercendo o controle de constitucionalidade no caso concreto (difuso) o STF nas
decisões sobre a constitucionalidade de lei ou ato normativo, tomadas em um processo subjetivo, como questão incidental, terá eficácia inter parts, ou seja, os efeitos subjetivos limitar-se-iam às partes daquele processo. Portanto, não restariam dúvidas acerca dos efeitos de que o ato normativo atacado continuará válido e plenamente eficaz em relação às outras pessoas, posto que a decisão que declarar a sua inconstitucionalidade só valerá para as partes daquele processo específico. Induvidoso o fato de que qualquer juiz de qualquer órgão jurisdicional poderá reconhecer a inconstitucionalidade de uma Lei (respeitada a reserva de plenário). A questão, no entanto, continua gerando debate quando tal inconstitucionalidade é reconhecida pelo STF em controle difuso. Como dito acima, deveria aplicar-se somente às partes envolvidas no processo em que a inconstitucionalidade é discutida. Há no entanto, mecanismos para fazer com que aquela decisão inter parts tenha efeitos erga omnes. Trata-se do dispositivo do artigo 52, X, da Constituição Federal:
Art. 52. Compete privativamente ao Senado Federal:
X - suspender a execução, no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal;
Desse modo, o constituinte atribuiu ao Senado Federal a competência de ampliar
os efeitos de decisão declaratória de inconstitucionalidade proferida em caso concreto pelo Supremo Tribunal Federal, para atingir a todos (eficácia erga omnes).] O STF tem, no entanto, relativizado tal artigo ao proferir decisões, ainda em controle difuso, declarando-as com efeitos vinculantes. Tem ganhado cada vez mais espaço o entendimento de alguns autores, dentre eles o do Ministro do STF, Gilmar Mendes, no sentido de que decisões proferidas pelo STF, ainda que em controle difuso, para reconhecer a inconstitucionalidade de atos normativos, deveriam possuir efeito erga omnes e vinculante. Dessa forma, independentemente de serem proferidas em controle difuso ou na via concentrada, os efeitos seriam sempre para todos. Passa-se assim a se desenvolver a teoria da “abstrativização” do controle de constitucionalidade difuso. Assim, se o Plenário do STF decidir a constitucionalidade ou inconstitucionalidade de uma lei ou ato normativo, ainda que em controle difuso, essa decisão terá os mesmos efeitos do controle concentrado, ou seja, eficácia erga omnes e vinculante. Passou-se a entender, portanto, que houve uma mutação constitucional do art. 52, X, da CF/88. Tem-se agora um novo entendimento no sentido de que a interpretação deve ser para que quando o STF declarar uma lei inconstitucional, mesmo em sede de controle difuso, a decisão já terá efeito vinculante e "erga omnes“. Caberá ao Tribunal Superior, apenas comunicar ao Senado da aplicação da decisão, mas, tão somente, para que a referida Casa Legislativa dê publicidade daquilo que foi decidido. (Nesse sentido: STF. Plenário. ADI 3406/RJ e ADI 3470/RJ, Rel. Min. Rosa Weber, julgados em 29/11/2017 (Info 886). O Min. Celso de Mello afirmou que o STF fez uma verdadeira mutação constitucional com o objetivo de expandir os poderes do Tribunal com relação à jurisdição constitucional. Assim, a nova intepretação do art. 52, X, da CF é a de que o papel do Senado no controle de constitucionalidade é simplesmente o de, mediante publicação, divulgar a decisão do STF. A eficácia vinculante, contudo, já resulta da própria decisão da Corte. Há inúmeros críticos a tal posição. Justifica-se tal inconformismo: não há previsão constitucional ou legal que confira efeitos erga omnes e vinculantes às decisões proferidas em sede de controle difuso. Quando o Constituinte decidiu conferir efeitos erga omnes e vinculantes, o fez expressamente, como no caso do controle concentrado e da súmula vinculante — vide artigos 102, parágrafo 2º e 103-A, ambos da CF/88. Argumentam ainda, os críticos que ampliar interpretativamente os efeitos de uma decisão proferida em um processo individual, com parte delimitadas, sem a previsão dos mecanismos de participação popular e de defesa da própria lei, feriria o devido legal e pressupostos fundamentais do estado Democrático. Sob o aspecto formal, seria descabido reduzir a função do Senado Federal de apenas atribuir publicidade à decisão do STF. Fato é que a “abstrativização” é algo real que já vem sendo utilizado pelo STF, muito embora o Tribunal prefira não utilizar tal nomenclatura. Com a entrada em vigor do CPC de 2015 e a relevância que o código processual passou a dar aos precedentes judiciais, aos mecanismos de fixação de teses jurídicas, tais quais os recursos repetitivos, incidente de resolução de demandas repetitivas e incidente de assunção de competência, ficou evidente a tendência de abstrativização e objetivação da jurisprudência. Legitimação para o Controle Difuso de Constitucionalidade A quem cabe a alegação de inconstitucionalidade em controle difuso (concreto)?
- A inconstitucionalidade é questão de ordem pública e, portanto, pode ser arguida a
qualquer instante. Dito de outra forma, inexiste preclusão (perda do momento processual oportuno) em temas de inconstitucionalidade.
- Autor da Ação: na petição inicial ou em outro momento do processo.
- Réu: ao invés de de atacar diretamente a pretensão do autor, o réu pode alegar a inconstitucionalidade das normas que dão base ao pedido judicial do autor. - O Ministério Público e terceiros: seja como parte ou custos legis, e os terceiros que eventualmente participam do processo, podem a qualquer tempo, alegar inconstitucionalidade de norma, cuja aplicação influencia o resultado do processo. - O Juízo: O julgador pode examinar questões de constitucionalidade de ofício, isto é, sem provocação das partes. Mas, antes de decidi-las deve intimar as partes para manifestarem-se, preservando-se o princípio da não surpresa da decisão judicial. A Arguição Incidental de Inconstitucionalidade como Causa De Pedir
O controle concreto-incidental se estrutura com base em duas regras:
Primeiro, a regra da universalidade. Como dissemos, a inconstitucionalidade
pode ser examinada em qualquer tipo de processo, seja comum ou especial, de conhecimento, cautelar ou de execução. Isso confirma o caráter difuso do controle incidental no Brasil.
Segundo, a regra da acessoriedade. A fiscalização da constitucionalidade não
pode ser o pedido principal da ação, mas tão somente um pedido incidental, relacionado com o julgamento do principal. Nesse ponto percebemos a diferença entre o controle incidental e o principal, realizado mediante as ações diretas e tendo como objeto principal a verificação da inconstitucionalidade. É Possível o Incidente de Inconstitucionalidade em Ação Civil Pública?
Foi questionada a possibilidade de apresentar incidente de inconstitucionalidade em
Ação Civil Pública, uma vez que a decisão pode ter efeitos erga omnes, em razão dos arts. 103 e 104 do Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078, de 1990). Se a decisão na Ação Civil Pública declarar a inconstitucionalidade da lei ou ato normativo e gerar efeitos erga omnes, haveria usurpação da competência dos Tribunais de Justiça estaduais e do STF que exercem a competência privativa de fiscalizar a constitucionalidade com efeitos vinculantes para todos mediante as ADIns. O STF reconheceu a adequação da Ação Civil Pública para a fiscalização incidental da constitucionalidade de quaisquer atos do Poder Público, desde que a controvérsia constitucional não seja o objeto direto da demanda, mas questão prejudicial, indispensável à resolução do litígio principal. Da mesma maneira, o STF considerou possível declarar a inconstitucionalidade com efeitos gerais em ação popular, já antes da Constituição de 1988, com a concordância da doutrina. Assim, o pronunciamento incidental sobre a constitucionalidade em uma ação coletiva gera os mesmos efeitos vinculantes, amplos ou restritos, da decisão na qual foi pronunciado. Os Tribunais e a Cláusula de Reserva de Plenário Desde o primeiro slide, já discutimos sobre a possibilidade de qualquer juízo do poder judiciário decidir sobre a inconstitucionalidade de Lei. Contudo, em se tratando de Tribunal, a decisão deve ser proferida por órgão especial, em respeito à previsão constitucional da reserva de plenário. Os Tribunais só podem decidir sobre problemas de inconstitucionalidade com voto da maioria absoluta de seus membros (art. 97 da CF). É a denominada cláusula de reserva de Plenário, que se justifica pela necessidade de evitar decisões conflitantes no âmbito do mesmo órgão judicial. Os Tribunais de Justiça com mais de 25 Desembargadores podem criar um Órgão Especial para o exercício mais ágil de certas competências do Plenário (art. 93, XI, da CF). Nesse caso, a decisão sobre a inconstitucionalidade pode ser tomada com a maioria dos votos dos integrantes do Órgão Especial (art. 97 da CF). Por certo que os Desembargadores sentiram-se um tanto incomodados. Se um juiz monocrático, da mais longínqua comarca de um Estado poderia reconhecer a inconstitucionalidade de uma Lei, por qual razão eles deveriam se submeter à reserva de plenário, não podendo decidir no órgão fracionário? Tentando burlar essa norma constitucional, alguns órgãos fracionários de Tribunais, ao invés de enviar a questão para o órgão especial, passaram a decidir pela não aplicação de determinada lei, sem, no entanto, declara-la inconstitucional. Percebendo tal tentativa de burlar a regra constitucional, o STF editou a súmula vinculante n.º: 10, que considerou que a reserva de plenário deverá sempre incidir, não apenas quando ocorrer de maneira explícita a declaração de inconstitucionalidade, mas também quando suceder o afastamento da aplicação da lei, porque a sua incidência seria considerada inconstitucional. A partir daí passou-se a entender que sempre que a lei for afastada do caso concreto, em razão de outros princípios constitucionais, é obrigatório o envio para o órgão especial, em respeito à reserva de plenário.