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Efeito Vinculante vs Efeito Erga Omnes

Aluno: Erildo Pedrini Netto

Antes de se perquirir se há ou não diferença entre o efeito erga omnes e o


vinculante, cabe estabelecer detidamente o conceito de ambos os institutos
como forma de delimitar a questão aqui abordada.
O efeito erga omnes é definido pela doutrina como a propriedade de um direito
subjetivo ou de uma decisão judicial irradiar seus efeitos contra todos os
possíveis destinatários da norma, sendo o direito à vida um exemplo.
Ao revés desse instituto está o efeito inter partes, entendido como sendo
quando o efeito se restringe àqueles que participam de determinada relação
jurídica.
Já o efeito vinculante, em seu sentido estrito, conforme ensina o Professor
Eduardo Talamini, é a imposição de que dada dicção judicial seja
obrigatoriamente observado e aplicada por outros órgãos estatais à
generalidade de pessoas1. No ordenamento jurídico brasileiro, este efeito em
especifico está previsto nas Ações Abstratas de Constitucionalidade e nas
Súmulas Vinculantes.
Nesses casos, como assevera o mesmo professor, o significado de vinculação
não se limita a precedente - que pode ou não ser adotado para simplificar
procedimentos - ou mero argumento de persuasão, mas como uma verdadeira
imposição que deve ser impreterivelmente adotada pelos órgãos jurisdicionais
a ela submetidos, sob pena de afronta à autoridade do tribunal emissor da
decisão 2.
Traçado os respectivos conceitos, nota-se que a distinção entre eles não se
mostra tarefa fácil, eis que, conforme anotou o Min. Moreira Alves, “a eficácia
contra todos ou erga omnes já significa que todos os tribunais, inclusive o STF,
estão vinculados ao pronunciamento judicial” 3.
Contudo, buscando referências nos ensinamentos do Professor Eduardo
Talamini, é possível traçar certas distinções entre os institutos aqui estudados.

1
TALAMINI, Eduardo. Objetivação do controle incidental de constitucionalidade e força vinculante (ou
“devagar com o andor que o Santo é de barro”). Aspectos polêmicos e atuais dos recursos cíveis. V.012.
p.136. São Paulo : Ed. Revista dos Tribunais. 2011.
2
Idem, p.144-147.
3
STF, Pleno, ADC 1. Rel. Min. Moreira Alves, RTJ 157/377.
Inicialmente, conforme expõe o professor, a força vinculante não se resume à
extensão ultra partes produzida por pronunciamentos judiciais, tampouco a
uma coisa julgada erga omnes.
Isso porque (i) as sentenças normalmente já estendem seus efeitos a terceiros;
(ii) a força vinculante se apresenta em decisões não transitadas em julgado e,
portanto, não revestidas pela coisa julgada (ex: liminares de ações diretas) e;
(iii) a coisa julgada implica na impossibilidade que o mesmo objeto se repita,
enquanto a força vinculante impõe um dever de observação de um julgado.
Na verdade, como ensina expressamente “o que confere identidade à força
vinculante na ordem jurídica brasileira não é unicamente um elemento isolado
na eficácia natural da decisão investida de tal força nem sua coisa julgada, mas
a conjugação de uma série de fatores – a começar pelo comando judicial
decisório” 4.
É que no Brasil, ao contrario dos Estados Unidos 5, por exemplo, as decisões
que se investem de força vinculante não versam sobre um conflito de
interesses individual e concreto, mas de uma questão jurídica em abstrato.
Dessa forma, além de estender a uma generalidade de pessoas por seu
caráter geral, para que surja a força vinculante de que tratamos, ainda é
necessário que a decisão seja (a) de competência concentrada de um único
órgão; (b) de via processual fechada, ou seja, de poucos legitimados para a
ação e (c) a decisão ali produzida não tenha mera eficácia declaratória, mas
também uma eficácia anexa impositiva.
Isso porque, quando o Supremo Tribunal Federal reconhece a
(in)validade, (in)eficácia ou a interpretação de ato normativo de maneira
abstrata e por meio de um procedimento fechado, acaba por criar um
decisão que irradia seus efeitos contra todos, neste incluído até mesmo
próprios tribunais, ou seja, um efeito erga omnes.
Contudo, é o efeito vinculante o responsável por impor a observância do
julgado e de, por consequência, dar azo ao ajuizamento de Reclamação,

4
TALAMINI, Eduardo. Objetivação do controle incidental de constitucionalidade e força vinculante (ou
“devagar com o andor que o Santo é de barro”). Aspectos polêmicos e atuais dos recursos cíveis. V.012.
p.139. São Paulo : Ed. Revista dos Tribunais. 2011.
5
Nos Estados Unidos da América, uma decisão em sede de controle concreto de constitucionalidade
pode ter efeitos erga omnes em razão do chamado stare decisis.
como forma de fazer valer a autoridade da Suprema Corte, na qualidade
de emissora da decisão.
Em outras palavras, como bem sintetizou o Min. Teori Zavasky “como nota
característica, pode-se afirmar que o efeito vinculante confere ao julgado uma
força obrigatória qualificada em relação a supervenientes atos administrativos
ou judiciais, com a consequência processual de assegurar, em caso de
recalcitrância, a utilização de um mecanismo próprio – a reclamação – para
impor seu cumprimento” 6.
A diferença entre os dois institutos se torna nítida nos casos em que o Senado
Federal, no uso de suas atribuições conferidas pelo Art. 52, X da CF 7,
suspende uma norma declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal
Federal em controle incidental de constitucionalidade.
Nesse caso, o Senado estará conferindo efeito geral ao que era particular 8,
contudo, não caberá Reclamação caso o comando não seja observado, ou
seja, não haverá efeito vinculante nesse caso.
Diante de todo o exposto, conclui-se que o efeito erga omnes é o substrato do
efeito vinculante9, uma vez que aquele cria uma obrigatoriedade de
observância do julgado, enquanto o segundo o impõe, criando ferramenta para,
desde logo, levar ao STF a decisão que desrespeitou sua autoridade.

6
ZAVASKY, Teori Albino. Eficácia das sentenças na jurisdição constitucional. 4ªed. São Paulo: Ed. Revista
dos Tribunais, 2017.
7
Art. 52. Compete privativamente ao Senado Federal:
X - suspender a execução, no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva
do Supremo Tribunal Federal;
8
BROSSARD, Paulo. O Senado e as leis inconstitucionais. Revista de Informação Legislativa. Vol. 013. n.50.
p.61. Brasília: Senado Federal, abr. 1976.
9
TALAMINI, Eduardo. Objetivação do controle incidental de constitucionalidade e força vinculante (ou
“devagar com o andor que o Santo é de barro”). Aspectos polêmicos e atuais dos recursos cíveis. V.012.
p.141. São Paulo : Ed. Revista dos Tribunais. 2011.

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