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Evolução histórica do conceito de


cidadania e a Declaração Universal
dos Direitos do Homem
01/12/2013

Resumo: O presente trabalho visa demonstrar o conceito jurídico de cidadania e sua


transformação histórica no decorrer dos tempos. Demonstrará, também, o link existente
da cidadania dentro da Declaração Universal dos Direitos Humanos, proclamada em
1948. Como a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 trata do assunto,
ao impor destaque desde o início do texto constitucional, ou seja o artigo 1º.

Palavra-chave: Cidadania, Constituição; Declaração Universal dos Direitos Humanos

Sumário: 1- Introdução. 2- Evolução Histórica do Conceito de Cidadania 3- A Inter-


Relação entre Cidadania e Direitos Humanos. 4- Cidadania no Direito Brasileiro; 5-
Conclusão; 6- Referências Bibliográficas;

1 INTRODUÇÃO

O conceito de cidadania, assim como o Direito, se renova constantemente diante das


transformações sociais, do contexto histórico vivenciado e principalmente diante da
mudança de paradigmas ideológicos. Por tal razão é possível afirmar que cidadania não
é uma idéia estática, mas dinâmica. Neste sentido, destaca-se:

“O conceito contemporâneo de cidadania se estendeu em direção a uma perspectiva na


qual cidadão não é apenas aquele que vota, mas aquela pessoa que tem meios para
exercer o voto de forma consciente e participativa. Portanto, cidadania é a condição de
acesso aos direitos sociais (educação, saúde, segurança, previdência) e econômicos
(salário justo, emprego) que permite que o cidadão possa desenvolver todas as suas
potencialidades, incluindo a de participar de forma ativa, organizada e consciente, da
construção da vida coletiva no Estado democrático[1]”.

A cidadania conhecida na antiguidade clássica não é a mesma cidadania por que


lutamos hodiernamente e a que almejamos concretizada nas gerações futuras.

De há muito cidadania deixou de ser simplesmente o direito de votar e ser votado.


Cidadania é muito mais que isto. É ter educação de qualidade, saúde, informação, poder
de participação na condução das políticas públicas e igualdade de oportunidades.

Neste sentido, ao longo dos tempos restou claro que a cidadania apresenta forte
interligação com a conquista dos direitos humanos, sendo que o estudo de ambos deve
ser feito de forma conjunta a possibilitar melhor compreensão do tema.
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Cabe, portanto, aos estudiosos do direito conhecer o passado para entender o presente e
encontrar instrumentos para melhorar o futuro. É essa viagem que se pretende e a que se
convida o leitor.

2 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO CONCEITO DE CIDADANIA

A palavra “cidadania” provém do latim civitatem que significa cidade. Isto nos remete a


expressão grega polis, cidades-estados antigas; tipo de organização a que é atribuído,
pela maioria dos historiadores, o conceito tradicional de cidadania. Nesta fase cidadania
se restringia à participação política de determinadas classes sociais. Cidadão era o que
morava na cidade e participava de seus negócios.[2]

Não é incorreto afirmar que na Grécia antiga, cidadania era confundida com o próprio
conceito de naturalidade, visto que cidadãos eram somente os nascidos em solo Grego e
só esses podiam exercer e usufruir dos direitos políticos. E assim era devido ao regime
aristocrático dominante.

O mesmo ocorria em Roma, onde se via claramente a exclusão dos romanos não nobres
e de estrangeiros, que não detinham nenhuma espécie de direitos.

Nota-se, portanto, que tanto na Grécia quanto em Roma a cidadania mostrava-se como
um direito de poucos, havendo uma discrepância entre o discurso teórico e a aplicação
prática na sociedade.

Na Idade Média, com o advento das mudanças trazidas pelo feudalismo logo no
primeiro período, isto é, o que sucedeu à queda do Império Romano, a preocupação
política cedeu espaço à questão religiosa e a idéia de cidadania foi relegada a segundo
plano. A sociedade de estamentos apresentava uma organização que incluía a nobreza, o
clero e os camponeses, tendo referidas classes direitos e privilégios distintos.

Tal situação só se modificou com o surgimento dos estados nacionais. Neste período
denominado historicamente como Baixa Idade Média, reaparece a noção de estado
centralizado e com ele a clássica visão da cidadania, ligada aos direitos políticos.

Contudo, as mudanças sociais advindas das novas necessidades materiais aliada ao


fenômeno da cristianização passou a exigir uma reformulação do conceito de cidadania
que já não atendida às demandas, surgindo daí a semente do ideal de igualdade.

Com o iluminismo vivenciamos um período de transição e de transformações políticas,


econômicas, artísticas, contribuindo também para o despertar do ideal de liberdade.

Movidos por esta chama filósofos como Locke e Rousseau defenderam a democracia
liberal, distante do direito divino e que tinha por base a razão. Merece destaque as idéias
de Rousseau que preconizava ainda um caráter universal para os direitos. Muito
influenciaram essas idéias nas lutas políticas da época, sendo alicerce para os
movimentos de independência de colônias americanas e de revoluções tais como a
Francesa e a Inglesa. Entretanto, neste período, diante do fato de que a sociedade ideal
apontava desigualdades sociais, a cidadania também foi tolhida, de certa forma, de seu
sentido mais amplo.
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Os séculos XIX e XX foram responsáveis por progressos significativos que


repercutiram no conceito de cidadania.

A Revolução Francesa e a Revolução Americana inseriram no contexto mundial um


novo tipo de Estado, carregando consigo os ideais de liberdade e igualdade e embora
tivessem uma origem burguesa auxiliaram na busca pela inclusão social. Aliado a tudo
isto despontavam as lutas sociais. A cidadania passa, por fim, a manter íntima
vinculação com o relacionamento entre a sociedade política e seus membros.

As duas guerras mundiais foram decisivas para a mudança de ideologia sobre a


cidadania e o medo advindo das atrocidades praticadas e alicerçadas pela legalidade fez
com que órgãos internacionais e a própria sociedade civil passassem a entender
cidadania como algo indissociável dos direitos humanos.

O conceito de cidadania passou a ser vinculado não apenas à participação política,


representando um direito do indivíduo, mas também o dever do Estado em ofertar
condições mínimas para o exercício desse direito, incluindo, portanto, a proteção ao
direito à vida, à educação, à informação, à participação nas decisões públicas.

Mesmo diante de todos estes avanços ainda hoje se percebe as inúmeras violações aos
direitos humanos e a ausência de cidadania plena a considerável parcela da população
que se diz excluída, em especial, nos países subdesenvolvidos e emergentes.

Podemos assim, abeberando-nos da lição de Norberto Bobbio[3], assegurar que a


cidadania é uma luta diária, e que hoje não basta apenas elencar e fundamentar direitos é
preciso efetivá-los. Este é o desafio de nosso tempo.

Para tanto, a informação é instrumento indispensável nesta empreitada, porque somente


conhecendo seus direitos é que o cidadão terá condições para reivindicá-los. Daí o papel
fundamental da educação, a mais fecunda de todas as todas as medidas financeiras, nas
palavras de Rui Barbosa[4].

Cidadania no conceito moderno deixa de ser apenas o direito destinado ao indivíduo de


participar ativa e passivamente do processo político. É mais que isto, é também o dever
do Estado para com cidadão, dever de ofertar o mínimo existencial para garantir-lhe a
dignidade.

3-A Inter-relação entre Cidadania e Direitos Humanos

Vimos ao longo da história que cidadania e direitos humanos se interligaram de tal


maneira que hoje é incabível dissociá-los.

A noção de cidadania sempre esteve voltada para um agir, para uma conduta positiva de
participação. Já os direitos humanos, considerados como direitos básicos, direitos
fundamentais internacionalizados, foram vistos em determinadas épocas apenas como
direitos negativos (função de defesa), outras como direitos positivos (função de
prestação) e atualmente como direitos que exigem do Estado condutas positivas e
negativas (direito de participação).
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A partir do momento que a cidadania deixou de ser vista restritivamente passando a


garantir ao cidadão o direito de exigir do Estado condutas negativas e positivas, isto é, a
implementação dos direitos fundamentais individuais e sociais, tornou-se intimamente
ligada aos direitos humanos.

É cediço que ambos são direitos a serem conquistados, são frutos de um processo
histórico, de conquistas, avanços e mudança de comportamento, não podendo ser
entendidos como direitos subjetivos inerentes aos indivíduos.

Os direitos humanos nada mais são que os direitos fundamentais da pessoa humana. São
necessários como forma de garantir a participação plena na vida social. Aí se encontra o
elo que liga os conceitos de cidadania aos direitos humanos. Se considerarmos que
cidadania é o direito de participação na sociedade e que para seu efetivo exercício deve
o cidadão ser resguardado de direitos básicos, tais como a vida, a moradia, a educação, a
informação, dentre outros e considerando que estes direitos são direitos básicos de
qualquer ser humano, logo podemos concluir que a violação de direitos humanos
redunda em prejuízo ao pleno exercício da cidadania.

Registra-se que, surgindo na Grécia antiga, a concepção do direito natural como aquele
direito eterno, imutável, universal, anterior a qualquer outro, foi este o grande precursor
dos direitos humanos.

Assim como a cidadania, os direitos humanos também foram se consolidando no


decorrer da história, envolto nas concepções ideológicas do Estado Liberal, do Estado
Social ou da providência e mais recentemente no Estado Democrático de Direito.

Após a 2ª Guerra Mundial, e diante dos horrores provocados pelo holocausto, grande
marco de desrespeito ao valor dignidade da pessoa humana, os direitos humanos
ganharam força. Isto culminou na criação da Organização das Nações Unidas e em
seqüentes tratados de Direitos Humanos a destacar a Declaração Universal dos Direitos
do Homem.

Referida declaração foi proclamada pela ONU em 10 de dezembro de 1948


e representa uma tentativa de convergência de todos os valores que já foram buscados
pelas outras exposições de prerrogativas que a precederam.[5]

Embora não seja um documento que apresente força obrigatória serviu de base a outros
tratados que também foram responsáveis por avanços significativos: o Tratado
Internacional dos Direitos Civis e Políticos e o Tratado Internacional dos Direitos
Econômicos, Sociais e Culturais.

Seu preâmbulo nos demonstra de forma clara o sentimento que predominava no


contexto histórico da época, reconhecendo dignidade a todas as pessoas. Assim,
verifica-se o resgate do valor dignidade humana, sendo este o sentido maior da referida
Declaração.

Ao mencionar no artigo 1º que todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e


direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação umas às outras
com espírito de fraternidade, faz ressurgir os ideais presentes na Revolução
Francesa: liberdade- igualdade- fraternidade.
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Nota-se que a Declaração dos Direitos do Homem de 1948 açambarcou os direitos das
três dimensões- 1ª dimensão (direitos civis e políticos) 2ª dimensão( direitos sociais,
econômicos e culturais) e 3ª dimensão ( direitos difusos).

Menciona Flávia Piovesan[6] que ao conjugar o valor liberdade com o valor igualdade,


a declaração demarca a concepção contemporânea de direitos humanos, pela qual
esses direitos passam a ser concebidos como uma unidade interdependente e
indivisível.

Quanto à natureza jurídica desta declaração é possível afirmar que trata-se de mera
recomendação, o que significa dizer não criar direitos subjetivos aos cidadãos ou
obrigações internacionais aos Estados. Novamente nos valemos da lição de Flávia
Piovesan[7] quando esclarece que: a Declaração Universal não é um tratado. Foi
adotada pela assembléia geral das Nações Unidas, sob a forma de resolução, que por
sua vez, não apresenta força de lei.

Entretanto, seu valor é inegável, fato mencionado com maestria por Dalmo de Abreu
Dallari[8]:

“O exame dos artigos da declaração revela que ela consagrou três objetivos
fundamentais: a certeza dos direitos, exigindo que haja uma fixação prévia e clara dos
direitos e deveres, para que os indivíduos possam gozar dos direitos ou sofrer
imposições; a segurança dos direitos, impondo uma série de normas tendentes a
garantir que, em qualquer circunstância, os direitos fundamentais sejam respeitados; a
possibilidade dos direitos, exigindo que se procure assegurar a todos os indivíduos os
meios necessários à fruição dos direitos, não se permanecendo no formalismo cínico e
mentiroso da afirmação de igualdade de direitos onde grande parte do povo vive em
condições sub-humanas”.

Portanto, não podemos ignorar que cidadania e direitos humanos caminham lado a lado,
deixando-nos a certeza de que apesar das valiosas vitórias obtidas com o sacrifício e luta
de muitos e com os Diplomas Legais internacionais a conquista e efetivação de direitos
não é um processo findo. O progresso, o desenvolvimento científico e tecnológico, as
novas demandas e aspirações do homem moderno vão sendo incrementadas exigindo
constante renovação e luta destemida para que sejam garantidas de forma eficaz as
prerrogativas para o exercício da cidadania plena.

4- A Cidadania no Direito Brasileiro

Ao processo evolutivo pelo qual passou o conceito de cidadania não ficou indiferente o
Brasil, sendo a cidadania plena um objetivo a ser alcançado.

Entretanto, não se pode negar os avanços obtidos através dos movimentos sociais e das
lutas de classe. Desde a abolição da escravatura, da conquista do voto feminino,
passando pelo período de redemocratização do país, do movimento das “diretas já”, do
impeachment do Collor até a efetivação paulatina de direitos sociais, temos conquistado
espaços de maior presença dos cidadãos na condução do destino de nosso país.

A Constituição da República de 1988 foi, sem dúvida, um dos marcos deste avanço.
Apelidada de Constituição Cidadã, cuida do tema em vários de seus artigos.
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A expressão cidadania aparece logo no art. 1º da CR/88 que preconiza:

“A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e


Municípios e do Distrito federal, constituiu-se em estado democrático de Direito e tem
como fundamentos:

I- A soberania;

II- A cidadania;

III- A dignidade da pessoa humana;

IV- Os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;

V- O pluralismo político;

Parágrafo único-Todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes
eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.”

Colocada ao patamar de fundamento da República Federativa do Brasil, a cidadania


ganhou no ordenamento constitucional brasileiro uma conotação ampla, tendo por
característica a universalidade e a indivisibilidade. Isto pode ser facilmente percebido
quando nos referimos às crianças. Elas não são cidadãos no sentido restrito da palavra,
isto é, não votam. No entanto, a elas são garantidos os direitos inerentes à cidadania. O
direito a ter um registro de nascimento, o direito a ter saúde, educação, moradia. O
direito de ser respeitada em sua individualidade.

O art. 5º da CR/88, por seu turno, apresenta-se como um quadro de direitos básicos e
fundamentais, uma gama de garantias ao pleno exercício da cidadania. Neste diapasão,
o legislador constituinte não só manteve garantias já conquistadas como o habeas
Corpus[9] e a ação popular, como acrescentou outras, podendo ser citado o  habeas
Data[10].

Em seu sentido original e restrito a cidadania tem espaço no artigo 14 da Constituição,


que aduz:

“A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direito e
secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante:

I- Plebiscito;

II- Referendo;

III- Iniciativa popular;”

Ao consagrar a soberania popular conferiu-se o sufrágio universal exercido pelo voto


direto e secreto. Não há que se confundir sufrágio com voto. Sufrágio é o direito, o voto
é o exercício desse direito de participação política.
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Tem o voto por características ser secreto, direto, universal e com valor igual para
todos. No Brasil diferente de épocas remotas, abolimos o sufrágio restrito (censitário ou
capacitário). Ao consagrar a universalidade do sufrágio reconheceu-se a todos os
nacionais, independente do grupo ou classe a que pertence ou da sua qualificação, ou do
sexo, o direito de participar ativamente da vida política.

Ao estipular que o voto é direto, consagra-se o princípio da imediaticidade do voto, o


que impõe que o eleitor vote sem que haja mediação por terceiros, como colégios
eleitorais. O voto direto também pressupõe ter caráter personalíssimo, isto implica na
impossibilidade de ser exercido por procuração. Única exceção é a prevista no art. 81 §
1º da CR/88 que preconiza:

“Vagando os cargos de Presidente da República e Vice- Presidente da República, far-


se-á eleição noventa dias depois de aberta a última vaga.

§ 1º- ocorrendo a vacância nos últimos dois anos do período presidencial a eleição
para ambos os cargos será feita trinta dias depois da última vaga, pelo Congresso
Nacional, na forma da Lei.

§ 2º – Em qualquer dos casos, os eleitos deverão completar o período de seus


antecessores;”

O voto secreto, por seu turno, vincula-se à idéia do voto livre, impedindo que o eleitor
sinta-se pressionado a votar em um ou outro candidato. Necessário se faz o respeito às
escolhas do cidadão.

A igualdade de voto não admite qualquer tratamento discriminatório, e abrange não só a


igualdade de valor numérico (Zahlwertgleichheit), mas também a igualdade de valor
quanto ao resultado (Erfolgswertgleichheit)[11]. Consagra-se a máxima one man, one
vote.

Inquestionável que a periodicidade do voto também é uma de suas características, diante


da forma republicana e do regime democrático por nós adotados. Tanto é assim que o
art. 60 § 4º da CR/88 consagrou esta característica como cláusula pétrea. Ademais, não
há como admitir o direito de escolha ao cidadão, se este não possuir alternativas.

Prevê ainda a Constituição de 1988 instrumentos da democracia participativa tais como


o plebiscito, o referendo e a iniciativa popular.

Segundo dispõe o art. 49 da CR/88 a realização de plebiscito ou referendo dependerá de


autorização do Congresso Nacional, à exceção de algumas hipóteses previstas também
constitucionalmente como, por exemplo, a que se vislumbra no art. 18 § 3º e 4º.

Distingue-se o plebiscito do referendo pelo momento da consulta realizada junto ao


cidadão, sobre determinado ato ou decisão governamental. Se prévia temos o plebiscito,
se posterior o referendo. Já a iniciativa popular vem regulamentada no art. 61 § 2º da
CR/88 e pode ser exercida acaso se obtenha a subscrição de no mínimo 1% do
eleitorado nacional, distribuído em pelo menos cinco Estados da federação e com não
menos de três décimos por cento dos eleitores de cada um deles. O projeto de iniciativa
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popular terá início na Câmara dos Deputados que, no caso, funcionará como casa
iniciadora.

No âmbito do município a matéria vem regulada no art. 29, XIII, exigindo-se 5% do


eleitorado e no âmbito estadual, segundo se observa do art. 27 § 4º a imposição das
exigências numéricas foi deixada a cargo do legislador infraconstitucional.

Nota-se como é importante aliarmos a cidadania aos direitos fundamentais, posto que
esses instrumentos exigem, para melhor resultado, certo grau de politização da
população.

A Constituição neste ponto foi tímida. O constituinte originário não outorgou ao


cidadão brasileiro instrumentos importantes, como o Recall, o veto popular e ainda a
possibilidade de ajuizamento de ADI pelo cidadão.

Registre-se ainda no tocante aos direitos políticos que no Brasil o alistamento eleitoral e
o voto são obrigatórios para os maiores de dezoito anos e facultativos para os
analfabetos, os maiores de setenta e os maiores de dezesseis[12] e menores de dezoito
anos, sendo elencadas como condições de elegibilidade a nacionalidade brasileira, o
pleno exercício dos direitos políticos, o alistamento eleitoral, o domicílio eleitoral na
circunscrição e a filiação partidária.

Gilmar Ferreira Mendes[13] levanta a polêmica referente à obrigatoriedade do voto aos


portadores de deficiência grave, que em virtude de suas limitações têm por demais
oneroso o cumprimento deste dever. Para solucionar a questão traz à baila comentário
sobre o Código Eleitoral, Diploma anterior à Constituição de 1988 e que desobrigava o
alistamento do inválido (art. 6º, I.)

Ainda segundo o Ministro Gilmar Ferreira Mendes:

“(…) o TSE, respondendo a uma consulta formulada pelo TRE/ES observou a ausência
de qualquer disciplina constitucional sobre a matéria tão relevante o que sugeria não
um silêncio eloqüente, mas uma clara lacuna de regulação suscetível de ser colmatada
mediante interpretação que reconhecesse também o caráter facultativo do alistamento
e do voto no caso de portadores de deficiência grave.  Assinalou-se que o legislador
constitucional, ao facultar o voto aos maiores de 70 anos, atentou, certamente, para as
prováveis limitações físicas decorrentes da sua idade, de modo a não transformar o
exercício do voto em transtorno ao seu bem-estar. Diante de tais fundamentações
expediu-se a resolução n 21.920 publicada no DJ de 1-10-2004 que eximiu de sanção a
pessoa portadora de deficiência física que torne impossível ou demasiadamente
oneroso o cumprimento das obrigações eleitorais, relativas ao alistamento e ao
exercício do voto.

Adotando assim o chamado “o pensamento do possível” (Peter Häberle) o TSE


identificou uma incompletude constitucional, no caso em apreço e determinou que a
superação se desse com a aplicação aos portadores de deficiência grave, da norma que
reconhece a facultatividade do voto aos maiores de 70 anos.”

No tocante à inelegibilidade ressalta-se que foram apontados pelo legislador constituinte


originário como inelegíveis, isto é, aqueles que não podem ser votados, os inalistáveis
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(estrangeiros e os conscritos) e os analfabetos[14], não significando que tais limitações


firam o princípio do sufrágio universal. Ademais, diplomas internacionais como o Pacto
de San Jose da Costa Rica [15] (art. 23), admitem regulamentação do exercício do voto.

Estas hipóteses configuram o que a doutrina pátria chama de inelegibilidade absoluta,


que significa dizer a ausência de capacidade eleitoral passiva para todo e qualquer
cargo.

Contamos ainda no ordenamento jurídico-constitucional brasileiro com hipóteses


de inelegibilidade relativa. A relativa se destina apenas a determinados cargos eletivos
com possibilidade de deixar de existir caso o cidadão cumpra o requisito legal imposto.
Pode decorrer: de motivos funcionais (Por exemplo: vedação de terceiro mandato
sucessivo aos chefes do Poder Executivo), de motivos de casamento ou parentesco, da
condição de militar ou de previsões em lei complementar.

Segundo o § 7º do art. 14 são também inelegíveis no território da jurisdição do titular, o


cônjuge e os parentes consangüíneos ou afins, até o segundo grau ou por adoção, do
Presidente da República, de Governador de Estado ou Território, do Distrito Federal, de
Prefeito ou de quem os haja substituído dentro de seis meses anteriores ao pleito, salvo
se já titular de mandato eletivo e candidato à reeleição. Trata-se, aqui, da inelegibilidade
reflexa cuja finalidade é impedir o monopólio do poder político por grupos
hegemônicos ligados por laços familiares.[16]

Merece lembrada a Súmula nº 6 do TSE que estendeu a hipótese também a do


companheiro ou companheira, a do irmão e da concubina.

No tocante aos militares a matéria é tratada no § 8º do art. 14 da CR/88 dispondo que se


o militar contar com menos de dez anos de serviço deverá afastar-se da atividade e caso
conte com mais de dez anos será agregado pela autoridade superior e, se eleito, passará
automaticamente, no ato da diplomação para a inatividade.

Outros casos de inelegibilidade relativa poderão estar presentes na LC 64/90, segundo


menciona o § 9º do art. 14 da CR/88. Exemplo recente e que merece destaque foi a
alteração trazida pela Lei Complementar nº 135 de 04 de junho de 2010 (Lei da Ficha
Limpa), oriunda de projeto de iniciativa popular que acrescentou outras hipóteses de
inelegibilidade.

Por derradeiro, lembremos que o cidadão pode, em algumas situações peculiares, ser
privado dos direitos políticos de forma definitiva ou provisória. À privação definitiva
dá-se o nome de perda dos direitos políticos e à temporária de suspensão dos direitos
políticos. Nota-se que a CR/88 não admite a cassação dos direitos políticos.

Preconiza o art.15:

“É vedada a cassação de direitos políticos, cuja perda ou suspensão  só se dará nos


casos de:

I- Cancelamento da naturalização por sentença transitada em julgado;

II- Incapacidade civil absoluta;


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III- Condenação criminal transitada em julgado, enquanto durarem seus efeitos;

IV- Recusa de cumprir obrigação a todos imposta ou prestação alternativa, nos termos
do art. 5º, VIII;

V- Improbidade administrativa, nos termos do art. 37 § 4º;”

Na perspectiva dos direitos políticos não se pode olvidar do art. 16 da Carta Magna,
com redação alterada pela Emenda Constitucional nº 4/1993 dispondo que: a lei que
alterar o processo eleitoral entrará em vigor na data de sua publicação, não se
aplicando à eleição que ocorra até 1 ( um ) ano da data de sua vigência. Consagra-se,
portanto, o princípio da anterioridade eleitoral, tido como cláusula pétrea já que
representa uma garantia individual do cidadão eleitor que necessita e tem direito à
segurança jurídica.

Após a análise desses direitos políticos é imprescindível que apontemos que a cidadania
é tema recorrente em vários outros dispositivos constitucionais, haja vista que no
capítulo que trata da Administração Pública, art. 37, I restou assegurado o acesso aos
cargos, empregos e funções públicas. Tudo isto sem falar da obrigatoriedade de
participação popular na composição dos conselhos municipais, estaduais e federais
voltados à fiscalização da saúde, da educação, dos direitos da criança e do adolescente,
da obrigatoriedade das audiências públicas, demonstrando a preocupação do legislador
constituinte em oportunizar ao cidadão o direito de participar da condução das políticas
públicas.

Leciona Kildare Gonçalves Carvalho[17]:

“A Constituição considera, desta forma, o estágio atual de evolução da vida dos povos,
para admitir que a idéia de cidadania não se acha restrita ao cidadão eleitor, mas se
projeta em vários instrumentos jurídico-político imprescindíveis para viabilizá-la.
Cidadania significa, nessa perspectiva, participação no Estado Democrático de
Direito.”

Verifica-se, pois, que o voto é apenas uma etapa do processo de cidadania. Todas as
vezes que um cidadão se posiciona frente à atuação estatal seja criticando, seja
apoiando, seja sugerindo determinada medida está aprimorando a idéia de democracia e
realizando um exercício de cidadania, já que com esta se vincula.

A cidadania é, pois, um exercício que se conquista com pequenos gestos e se aprimora


com a educação e o respeito ao próximo.

Façamos valer a exortação do professor Paulo Freire:

“De nada adianta colocar nos estacionamentos placas com vagas reservadas para
idosos e deficientes, de nada adiantam placas para não pisar a grama, de nada
adiantam cestos de lixos nas ruas,  escolas  etc.  É  hora  de  ensinarmos  aos  nossos 
jovens  e crianças  noções  de  cidadania  que  não  se  aprendem  em  livros, mas 
pelos exemplos,  e  isso  cabe  a  nós  professores,  pais  e  familiares.  É hora de
mostrar-lhes que a  limpeza das ruas e das   escolas não é responsabilidade apenas 
do  poder  público  ou  de  seus  diretores,    porém  de  todos  nós.  Exemplos
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ensinam muito mais que palavras e discursos. Ninguém caminha sem aprender a
caminhar, sem  aprender  a  fazer  o  caminho  (PAULO FREIRE).”

5- Conclusão

A cidadania é uma conquista diária. Não há como compreendermos o conceito de


cidadania sem buscarmos uma hermenêutica zetética, isto é, considerando  seus vários
aspectos e relacionando-a com os direitos humanos, com a democracia e coma a ética.

 Cidadania implica em vivência na sociedade, na construção de relações, na mudança de


mentalidade, na consciência e reivindicação dos direitos, mas também no cumprimento
dos deveres. Isto não se aprende com teorias, mas na luta diária, nos exemplos e
principalmente com a educação de qualidade, grande propulsora para que o indivíduo
possa desenvolver suas potencialidades e conscientizar-se de seu papel social que pode
e deve fazer a diferença na construção de uma sociedade mais justa, livre e solidária.

Referências
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1995.
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Constituição Federal de 1988. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2009.
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PAULO, Vicente; ALEXANDRINO, Marcelo.  Direito Constitucional Descomplicado.
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PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. Max
Limond. 2000.
 
Notas:
12

[1] BONAVIDES, Paulo; MIRANDA, Jorge; AGRA, Walber de Moura. Comentários à


Constituição Federal de 1988. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2009. p. 7. Texto de
José Luis Quadros de Magalhães.
[2] BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Teoria geral da cidadania, a plenitude da
cidadania e as garantias constitucionais e processuais. Saraiva. 1994, p.1.
[3] BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. Rio de Janeiro: Editora Campus,1999.
[4] Todas as leis protetoras são ineficazes para gerar a grandeza econômica do País;
todos os melhoramentos materiais são incapazes de determinar a riqueza, se não
partirem da Educação Popular; a mais criadora de todas as forças econômicas, a mais
fecunda de todas as medidas financeiras. (Parecer sobre educação- X, I, 143).
[5] AGRA, Walber de Moura. Curso de Direito Constitucional. 6ª Ed. Rio de Janeiro:
Editora Forense,2010.p.151.
[6] PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional.
Max Limond. 2000.p.146.
[7] PIOVESAN, Flávia. Op.cit.p.48.
[8] DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado. 16ª ed. São
Paulo: Saraiva, 1999. p.179.
[9] Ação constitucional de natureza penal que visa proteger o direito de locomoção,
tendo sido constitucionalizado no Brasil em 1981.
[10] Ação constitucional de natureza civil, que visa garantir em favor da pessoa
interessada o direito ao acesso aos registros relativos à pessoa do impetrante; o direito
de retificar dados destes registros e o direito de complementação dos registros, com
anotações de contestação ou explicação sobre dado verdadeiro, mas justificável e que
esteja sob pendência judicial ou amigável ( esta última finalidade expressa apenas em
norma infraconstitucional). Regulamentado pela Lei 9507/97.
[11] MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Martires; BRANCO, Paulo
Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2008, p.734.
[12] Segundo o TSE tem direito de votar  aquele que até a data da eleição tenha
completado a idade mínima de 16 anos.( resolução TSE n. 14.371, de 26-5-1994, Rel.
Marco Aurélio)
[13] MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo
Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2008. p.731.
[14] Entende-se por analfabeto aquele que não sabe ler nem escrever. Explicita que o
texto constitucional não exige como condição de elegibilidade a alfabetização: basta que
o candidato não seja analfabeto, e nesta situação se encontra o semi-alfabetizado.
(CARVALHO, kildare Gonçalves. Direito Constitucional. Teoria do Estado e da
Constituição. Direito Constitucional Positivo. 12ª Ed. Belo Horizonte, Del Rey, 2006.p.
608.
[15] Artigo 23 – Direitos políticos
1. Todos os cidadãos devem gozar dos seguintes direitos e oportunidades:
a) de participar da condução dos assuntos públicos, diretamente ou por meio de
representantes livremente eleitos;
b) de votar e ser eleito em eleições periódicas, autênticas, realizadas por sufrágio
universal e igualitário e por voto secreto, que garantam a livre expressão da vontade dos
eleitores; e
c) de ter acesso, em condições gerais de igualdade, às funções públicas de seu país.
A lei pode regular o exercício dos direitos e oportunidades, a que se refere o inciso
anterior, exclusivamente por motivo de idade, nacionalidade, residência, idioma,
instrução, capacidade civil ou mental, ou condenação, por juiz competente, em processo
penal.
13

[16] STF- 2ª T-Rextr. Nº 446.999/PE, rel. Min, Ellen Gracie, decisão: 28-6-2005-


Informativo STF nº 394, p. 3. Informativo 392, p.2.
[17] CARVALHO, kildare Gonçalves. Direito Constitucional- Teoria do Estado e da
Constituição. Direito Constitucional Positiva– 12ª ed. Belo Horizonte: Del Rey,
2006.p.462.

Informações Sobre o Autor

Getúlio Costa Melo

Advogado. Mestrando em Educação e Tecnologias Digitais pelo Instituto de Educação


da Universidade de Lisboa Portugal. Pós-graduado em Direito Tributário pela
Universidade Anhanguera-Uniderp. Pós-graduado em Docência no Ensino Superior
pelo Centro Universitário Senac. Bacharel em Direito pelo Centro de Estudos
Superiores Aprendiz – CESA

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