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Capacidade e

Incapacidade de Exercício
Direito Civil

niva
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Jun 24, 2016 · 10 min read

A capacidade jurídica é elemento e medida


da personalidade. Pertence a esta, determinando a plenitude
de seu exercício e influenciando a validade dos atos
jurídicos. Pressupõe-se à realização de um ato jurídico a
capacidade plena dos sujeitos ou, quando restrita, a
representação ou assistência ao incapaz. Divide-se a
capacidade em de direito e de exercício.
Capacidade de Direito e de Exercício

Ínsita à personalidade e atribuída a todo ser humano,


unanimemente, a despeito de raça, sexo ou classe social,
temos a capacidade de direito, também conhecida como
capacidade de gozo. Como diz o art. 1º do CC, “Toda pessoa
é capaz de direitos e deveres na ordem civil” — isto é, todos
gozamos dos mesmos direitos e obrigações igualmente.

Isto não significa que possamos exercê-los de forma igual.


Entra aí a capacidade de fato, ou capacidade de
exercício, da aptidão de realizar por si mesmo atos da vida
civil, que pode ser restrita ou de todo retirada. Utilizo aqui
os termos “capacidade de direito” e “capacidade de
exercício” por melhor esclarecerem esta relação: uma
garante os direitos e a outra a aptidão a exercê-los. Quando
não há aptidão para se exercer os direitos, não se exclui a
capacidade de gozo, suprindo-se esta com a representação
(na incapacidade absoluta) ou a assistência (na relativa).

Sendo a capacidade de direito tratada dentro


da personalidade natural, trataremos aqui exclusivamente
da capacidade e incapacidade de exercício, em suas
limitações relativas ou absolutas, formas de representação e
cessação.

Incapacidade de exercício

Todas as pessoas tem capacidade de direito, mas só à


maioria a lei confere a capacidade de exercê-los
pessoalmente. Sendo a capacidade plena a regra, temos
como exceção a incapacidade, com limitações atuando
não como sanções mas sim em caráter protetivo, visando
evitar que o incapaz se prejudique em razão de seu
discernimento limitado.

O exercício dos direitos pressupõe consciência e vontade,


subordinando-se a estas duas faculdades. Quando estas se
apresentam diminuídas, seja em caráter permanente ou
transitório — digamos, pela menoridade civil ou por um
estado de embriaguez — , julga-se o discernimento limitado,
acarretando incapacidade. Esta, portanto, não precisa ser
definitiva. Abordaremos isto nas causas transitórias de
incapacidade relativa, abaixo.
Vincula-se o discernimento e seus pressupostos, de
consciência e vontade, a dois fatores objetivos, o da idade e
da saúde psicológica, graduando-se esta incapacidade
em relativa ou absoluta dependendo de sua abrangência.
Observa-se, na questão da idade, que os idosos retém sua
capacidade, não configurando a velhice um enfraquecimento
mental automático.

Estes dois fatores objetivos de idade e estado de saúde


também afetam a escolha de representante ou assistente. O
menor, na ausência dos pais, é representado ou assistido por
um tutor. Já os adultos incapazes por fatores psicológicos
são representados ou assistidos por um curador.

Assim, estudaremos as incapacidades de exercício distintas


em sua gradação, de relativas a absolutas, como disposto
pelos artigos 3º e 4º do Código Civil vigente, alterados pela
lei 13.146/15.

Incapacidade absoluta

Constitui incapacidade absoluta de exercício a total


ausência de discernimento mental no que toca a prática dos
atos jurídicos. Para os incapazes em caráter absoluto,
embora ainda disponham da capacidade de direito, não há
voz jurídica. São sempre representados em seu interesse
(art. 119), e quaisquer atos que pratiquem sem
representação configuram-se nulos. Atos representados, no
entanto, são perfeitamente válidos.
Art. 3º — São absolutamente incapazes de
exercer pessoalmente os atos da vida civil
os menores de 16 (dezesseis)
anos. (Redação dada pela Lei nº 13.146, de
2015)

Seguindo a alteração do artigo 3º do Código Civil pela lei n.


13.146/15, somente as crianças, isto é, os menores de
dezesseis anos, são absolutamente incapazes, sendo
representadas em atos jurídicos pelos pais ou, em sua
ausência, por um tutor.

O critério da idade foi adotado em razão do


desenvolvimento mental exíguo próprio às crianças, de
forma geral. Não se apresenta como critério subjetivo,
amoldando-se a crianças de maior maturidade ou
“precoces”, mas sim objetivo, independendo de fatores
psicológicos: todo menor de dezesseis anos é absolutamente
incapaz.

Cabe aqui observar que a redação prévia do art. 3º


caracterizava como absolutamente incapazes os deficientes
mentais, necessitando representação por curador em
quaisquer atos jurídicos. No entanto, dada a vigência da lei
n. 13.146, a curatela passa a constituir “medida protetiva
extraordinária”, considerando-se por regra todos os
deficientes como capazes e levantando-se estas limitações
que eram, em minha visão pessoal, protetivas, não
discriminatórias.

Incapacidade relativa

Sendo a incapacidade absoluta de exercício aquela em que o


discernimento mental se encontra totalmente impedido,
temos como incapacidade relativa o impedimento
parcial, próprio aos adultos afetados por condições
psicológicas permanentes ou transitórias e aos adolescentes,
até que completem dezoito anos.

Aos relativamente incapazes é reconhecida a voz jurídica e a


participação em seus atos, mas requer-se que estes sejam
efetuados mediante assistência. Não o sendo, tornam-
se anuláveis a pedido do incapaz ou de seu tutor ou
curador. Observa-se, no entanto, que há uma gama de atos
permitidos a certos incapazes que realizem sozinhos, como o
testamento (art. 1860, parágrafo único) e o voto (art. 14, § 1º
, da CF) aos maiores de dezesseis, e tudo que não importar
disposição de bens, como casar, aos pródigos. Isto se dá
devido ao baixo risco destes atos, considerando-se o grau da
incapacidade em questão.

Art. 4º — São incapazes, relativamente a


certos atos ou à maneira de os exercer:
I — os maiores de dezesseis e menores de
dezoito anos;

II — os ébrios habituais e os viciados em


tóxico; (Redação dada pela Lei nº 13.146,
de 2015)

III — aqueles que, por causa transitória ou


permanente, não puderem exprimir sua
vontade; (Redação dada pela Lei nº 13.146,
de 2015)

IV — os pródigos.

Como com o artigo 3º, o artigo 4º teve sua redação alterada


para não abarcar os deficientes mentais, atendo-se a
condições psicológicas de vício ou que impeçam a expressão
da vontade, como os comatosos.

Assim, temos primeiramente como relativamente incapazes


os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos,
a quem são permitidos diversos atos que não os coloquem
em risco, como o testamento, mencionado acima. Também a
estes são impostas sanções, não se eximindo os adolescentes
de obrigações contraídas quando dolosamente ocultam sua
idade (art. 180).

Quanto aos ébrios habituais e viciados em tóxicos, isto


é, os alcoólatras e dependentes químicos, considera-se que
necessitem assistência quando esta dependência seja tal que
impeça a perfeita compreensão da realidade. Pode ser que
determinado “ébrio” ou “viciado” não o seja a este ponto,
sendo de fato capaz de exercer seus direitos e obrigações;
fica a cargo do juiz determiná-lo.

Já entre os que não podem exprimir sua vontade por causa


transitória ou permanente temos os indivíduos em
estado de embriaguez ou entorpecimento, em transe
mediúnico ou hipnótico, em coma, e todo outro tipo de
impedimento à manifestação perfeita da vontade. Este
estado deve ser averiguado com atenção por profissionais
capacitados e pelo juiz, dadas as implicações financeiras
envolvidas. Costumava-se abarcar aqui também os surdos-
mudos que não fossem educados e capacitados a se
comunicar com o mundo; no entanto, a lei n. 13.146 impede
este tipo de “discriminação”.

Finalmente, são também alvos da incapacidade relativa de


exercício os pródigos. Não há definição destes no atual
Código, mas entende-se que sejam os indivíduos que gastam
desmedidamente, dissipando seus bens. Sua liberdade em
fazê-lo é tolhida no interesse da família, para que não se
dilapide a propriedade comum, e portanto só se refere à
disposição de bens (art. 1.782), praticando normalmente
todos os outros atos da vida civil, como o casamento.

Cessação da incapacidade

A cessação da incapacidade ocorre, quando por fatores


psicológicos, mediante as mesmas cautelas usadas na
interdição: perícia, entrevista, discricionariedade do juiz,
etc. Já a cessação da incapacidade por idade, isto é, da
menoridade, ocorre ou quando completos dezoito anos ou
por emancipação, nos casos dispostos taxativamente pelo
artigo 5º do Código Civil.

Observa-se que a taxatividade do artigo significa que não


comportam-se hipóteses que não sejam nele previstas,
sendo estas todas as formas possíveis de emancipação; e que
os dezoito anos são determinados a partir do registro civil
ou, na ausência deste, de exame médico especializado. Na
dúvida, pende-se à capacidade. Além disto, cabe também
observar que a responsabilidade civil é irrelevante no âmbito
penal, sendo o menor emancipado ainda inimputável (art.
27 do CP).

Como disposto pelo artigo 5º, a emancipação pode ocorrer


por concessão ou por hipótese legal:

Art. 5º — A menoridade cessa aos dezoito


anos completos, quando a pessoa fica
habilitada à prática de todos os atos da
vida civil.

Parágrafo único. Cessará, para os menores,


a incapacidade:

I — pela concessão dos pais, ou de um


deles na falta do outro, mediante
instrumento público, independentemente
de homologação judicial, ou por sentença
do juiz, ouvido o tutor, se o menor tiver
dezesseis anos completos;

II — pelo casamento;

III — pelo exercício de emprego público


efetivo;

IV — pela colação de grau em curso de


ensino superior;

V — pelo estabelecimento civil ou


comercial, ou pela existência de relação de
emprego, desde que, em função deles, o
menor com dezesseis anos completos
tenha economia própria.

Estudaremos separadamente a emancipação por concessão,


do inciso I, e as por hipótese legal, dos incisos II a V.

Emancipação por concessão

A emancipação por concessão, seja paterna ou judicial,


requer primeiramente a incapacidade relativa do menor;
isto é, que este tenha um mínimo de dezesseis anos
completos. Apenas a partir deste ponto cronológico admite-
se a possibilidade das necessárias condições de
desenvolvimento mental para dirigir a si próprio sem
assistência.

Quando concedida pelos pais, estando ambos presentes e de


acordo, necessita apenas da formalidade de escritura pública
(arts. 89, 90 e 91 da Lei de Registros Públicos 6.015/73) e é
irrevogável. Observa-se que o inciso I do art. 932, referente
à responsabilidade de reparações civis por parte dos pais,
gera divergência doutrinária quanto à sua preservação ou
extinção quando da emancipação concedida. Pende-se à
preservação, pois do contrário a responsabilidade legal dos
pais poderia ser extinta por ato próprio.
O inciso I do artigo 5º também estipula a possibilidade de
emancipação por um dos pais, na falta do outro. Esta falta
não deve ser considerada em sentido amplo, como num
divórcio ou união estável, ou caso o segundo progenitor
esteja em viagem. Trata-se apenas da falta fática,
de ausência, morte presumida ou morte de fato, com a
devida documentação. Não havendo documentação, cabe ao
juiz verificar se a falta é de fato autorizadora da outorga da
emancipação por um único progenitor.

O papel do juiz em verificar a falta dá-se devido à distinção


entre estar em falta e a recusa em emancipar — isto é, o
conflito entre dois pais sobre emancipar ou não o menor.
Este conflito também pode ser resolvido por sentença
judicial, mas sempre no interesse do menor, não pela
vontade do adolescente ou dos pais, verificando-se sempre
seu desenvolvimento mental e capacidade em gerir-se
sozinho.

Considera-se também que o menor de dezesseis anos possa


requerer sua emancipação frente ao juiz, na falta fática de
ambos os pais, ouvindo-se o tutor a respeito. No entanto,
observa-se que o lapso temporal de um procedimento
judicial de emancipação pode torná-la inócua, vindo o
menor a completar dezoito anos antes da sentença.

Emancipação por hipótese legal

Compreendidas nos incisos II a V do artigo 5º estão as


emancipações por hipótese legal, isto é, as emancipações
automáticas, ocorridas não por outorga dos pais mas sim
derivadas de outros atos jurídicos. Obviamente, os outros
atos podem sim depender da autorização dos pais — a
distinção provém da autorização ser relacionada ao ato em
si, e não à emancipação, sendo esta apenas consequência
automática. Trata-se de uma diferença na declaração de
vontade.

Admitem-se emancipações automáticas por casamento, por


exercício de emprego público efetivo, por colação de grau em
curso de ensino superior ou por economia própria, sendo
este rol taxativo.

Começamos pela emancipação por casamento, que dentre


as automáticas é a mais comum. Com o casamento, a
mulher e o homem emancipam-se, entendendo a lei que
aquele que constitui família deve ter maturidade suficiente
para reger os atos da vida civil, não sendo plausível que
fique sob autoridade de outrem.

Como dispõe o Código Civil em seus artigos 1.517 a 1.520, a


idade núbil é de dezesseis anos tanto para o homem quanto
para a mulher, dada a autorização de ambos os pais ou de
seus representantes legais. Não ocorrendo autorização, pode
esta ser suprida pelo juiz, focando não na emancipação mas
no casamento em si. A idade núbil também pode ser
desconsiderada em caso de gravidez ou imposição de pena
criminal, como diz o art. 1.520, realizando-se aí também a
emancipação.
Há divergência doutrinária quanto à revogabilidade da
emancipação por casamento quando da nulidade do
ato. Alguns defendem a revogação, prestigiando a proteção
do menor, e outros a preservação, prestigiando a segurança
jurídica. Observa-se que esta divergência aplica-se somente
à nulidade, sendo a emancipação irrevogável por divórcio, já
que uma vez ocorrida, sob qualquer modalidade, é ato pleno
e acabado.

Já a emancipação por economia própria, segunda


modalidade automática mais comum, ocorre quando
verificado que o maior de dezesseis mantém economia
própria e autônoma, evidenciando o amadurecimento e
experiência necessários a gerir a si mesmo. Define-se
economia própria como recursos próprios de sobrevivência
e manutenção, que devem ser discutidos e apurados no caso
concreto, não bastando a relação de emprego para
configurá-la. Deve derivar de esforço próprio, portanto, e
não de ajuda familiar.

Nota-se que a empresa ou emprego fáticos sem


regularização ou pessoa jurídica ainda garantem
emancipação, conquanto com maior dificuldade, ao exemplo
da união estável no caso da emancipação por casamento —
resta aí uma das vantagens da publicidade do ato.

Finalmente, temos as duas emancipações automáticas mais


raras, que são as por emprego público efetivo e
por colação de grau em ensino superior. São raras pois
para que o indivíduo seja nomeado a emprego público
efetivo, isto é, nem interino nem temporário, já é necessária
a maioridade civil; e é praticamente impossível a conclusão
de curso universitário a alguém antes de seus dezoito anos.
Não obstante, ambas possibilidades acarretariam
emancipação.

Considerações finais sobre a capacidade de exercício

Sendo medida da personalidade, a capacidade de exercício


determina a aptidão do indivíduo em exercer os direitos que
lhe são garantidos pela capacidade de gozo, inerente a todo
ser humano. São absolutamente incapazes todos os menores
de dezesseis anos, necessitando de representação por tutor
em seus atos jurídicos, que do contrário são nulos. Já os
relativamente incapazes são os alcoólatras, os dependentes
químicos, os pródigos e os por causa transitória ou
permanente, necessitando curadoria sob risco de
anulabilidade do ato, e os maiores de dezesseis e menores de
dezoito anos, necessitando tutela, mas aptos à emancipação.
Esta se dá por concessão dos pais, por sentença judicial ou
de forma automática quando do casamento, da economia
própria, do emprego público efetivo ou da colação de grau
em ensino superior. Cabe observar que a responsabilidade
civil dos emancipados não exime os pais da reparação e não
afeta a esfera jurídico-penal.

Ver também:

Personalidade jurídica natural


Ato jurídico no Direito Romano — Parte Geral

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