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Professora Ana Paula Correia de Souza

Direito Processual Penal I

JURISDIÇÃO E COMPETÊNCIA

CONCEITO DE JURISDIÇÃO:
“É o poder-dever atribuído, constitucionalmente, ao Estado para aplicar a lei ao
caso concreto, compondo litígios e resolvendo conflitos”. (Guilherme de Souza Nucci)
“É um direito fundamental de ser julgado por um juiz, natural (cuja competência
está prefixada em lei), imparcial e no prazo razoável”. (Aury Lopes Jr.)
Uma das características da jurisdição é a substitutividade, qual implica na
atuação do Estado em substituir à vontade das partes na resolução das lides, o que
impede, em regra, a autotutela.

PRINCÍPIOS DA JURISDIÇÃO:
a) Investidura: Para exercer a jurisdição é necessário ser magistrado, logo,
investido devidamente na função.

b) Juiz natural: Deve ser compreendido como o direito do cidadão de saber,


previamente, qual a autoridade competente para processar e julgar o processo caso
venha praticar um crime. Essa regra visa garantir um julgamento imparcial e
independente.
Apesar da Constituição Federal não fazer referência de forma expressa e direta ao
princípio do juiz natural (com essas palavras), o texto constitucional o trata no seu
artigo 5º, incisos XXXVII e LIII, respectivamente, que estabelecem que “não haverá
juízo ou tribunal de exceção” e que “ninguém será processado nem sentenciado senão
pela autoridade competente”.
Além disso, vale ressaltar que outros dispositivos constitucionais também
asseguram a aplicação do princípio do juiz natural, quando prevê expressamente a
competência do Tribunal do Júri para julgar os crimes dolosos contra a vida ou a
outorga de foro por prerrogativa para determinadas autoridades.

- 3 regras de proteção que emergem do princípio do juiz natural:


- Só podem exercer jurisdição os órgãos instituídos pela Constituição Federal. É
por este motivo que as justiças especializadas (militar e eleitoral) não violam o princípio
de juiz natural, ou seja, não são exemplos de Tribunal de Exceção, por estarem previstas
na CF;
- Ninguém pode ser julgado por órgão jurisdicional criado após o fato delituoso
com o objetivo específico de julgá-lo (Tribunal de exceção): Não se deve confundir
tribunal de exceção com criação de justiças especializadas ou de varas especializadas,
pois nestes casos, não ocorre a criação de órgãos de julgamento para julgamento de
determinadas pessoas ou matérias, de maneira excepcional. O que ocorre é apenas a
atribuição a órgãos com competência para julgamento de matérias específicas que
compõem a estrutura judiciária.
- Entre os juízos pré-constituídos vigora uma ordem taxativa de competências
que impede qualquer discricionariedade. Logo, a ninguém é dado o direito de escolher
o seu juiz e nem ao juiz o direito de escolher quem ele quer julgar.

INTERESSANTE: Lei que altera/modifica competência tem aplicação


imediata? Em regra, sim, pois trata-se de norma genuinamente processual, salvo em
relação aos processos que já foram sentenciados (com julgamento do mérito), pois,
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nesse caso, o processo deve prosseguir na jurisdição em que foi prolatada (entendimento
do STJ e STF).
c) Indeclinabilidade (ou da inafastabilidade, ou do controle jurisdicional): O
juiz não pode abster-se de julgar os casos que lhe forem apresentados, declinando ou
delegando a outro o exercício da sua jurisdição.

d) Indelegabilidade: Todos os juízes possuem jurisdição e não podem repassá-las


a outro. A expedição de carta precatória para oitiva de testemunha não infringe tal
princípio, pois a possibilidade de colher a prova a outro magistrado não transfere ao juiz
delegado o poder decisório.

e) Improrrogabilidade (ou da aderência ao território): Veda ao juiz o exercício


da função jurisdicional fora dos limites delineados pela lei. Sob este prisma, não poderá,
o crime de competência de um juiz, ser julgado por outro, mesmo que haja anuência
expressa das partes.
Tourinho Filho, ensinando sobre a impossibilidade de um juiz invadir a jurisdição de
outro, esclarece que "não é lícito, mesmo mediante acordo dos interessados, submeter
uma causa à apreciação de autoridade que não tenha, para isto, jurisdição e competência
próprias".
f) Inevitabilidade (ou irrecusabilidade): As partes não podem recusar o juiz,
salvo nos casos de suspeição, impedimento ou incompetência.

g) Inércia (ou da iniciativa das partes): Decorrência do sistema acusatório e do


princípio da imparcialidade, significa que o poder somente poderá ser exercido pelo juiz
mediante prévia invocação.

h) Unidade: A jurisdição é única, pertencente ao Poder Judiciário, diferenciando


apenas no tocante ao grau de especialização (civil, penal, militar, eleitoral ou
trabalhista).

CONCEITOS DE COMPETÊNCIA:
“Competência é um conjunto de regras que asseguram a eficácia da garantia da
jurisdição e, especialmente, do juiz natural”. (Aury Lopes Jr)
“É a delimitação do poder jurisdicional (...). É, portanto, uma verdadeira medida
da extensão do poder de julgar.” (Fernando Capez)
A competência é uma distribuição da jurisdição para que cada juiz possa aplicar
o direito objetivo ao caso concreto.
O artigo 69 estabelece 7 critérios para a fixação da competência:
Art. 69. Determinará a competência jurisdicional:
I - o lugar da infração:
II - o domicílio ou residência do réu;
III - a natureza da infração;
IV - a distribuição;
V - a conexão ou continência;
VI - a prevenção;
VII - a prerrogativa de função.
Atenção! Não existe hierarquia ou ordem entre os incisos.

CONSEQUÊNCIAS DA INCOMPETÊNCIA:
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No processo penal, os termos “absoluta” e “relativa” são muito úteis no campo


das nulidades. Enquanto este dá a ideia de flexibilização, ou seja, de relativização do
objeto a que se refere, aquele nos remete a algo sem exceções.
Apesar de não existir qualquer dispositivo legal que classifique as espécies de
competências em absolutas ou relativas, é pacificado na doutrina e na jurisprudência
que as competências absolutas são as aquelas em razão da matéria e por prerrogativa de
função, que são regras estabelecidas constitucionalmente, apresentando como seu
fundamento o interesse público. Logo, trata-se de uma competência imodificável e
improrrogável; a sua violação não pode ser admitida, a não ser de modo
excepcional, por força da incidência de princípio igualmente constitucional, como no
caso da sentença absolutória própria transitada em julgado que tenha sido proferida por
juiz incompetente, em razão da vedação constitucional da reformatio pro societate.
Já a competência relativa tem-se como exemplo a competência territorial, pois
trata-se de norma que envolve prioritariamente interesses das partes.
A consequência no processo quanto à incompetência absoluta é a nulidade
absoluta, ou seja, os atos decisórios praticados pelo juiz incompetente serão nulos; pode
ser arguida em qualquer fase do processo, inclusive depois do trânsito em julgado, nos
casos de sentença penal condenatória ou absolutória imprópria, por meio da revisão
criminal;
Lado outro, a consequência no processo quanto à incompetência relativa é a
nulidade relativa, ou seja, admitirá prorrogação em não sendo arguida pela parte
interessada no momento oportuno – no prazo da resposta à acusação (no bojo desta ou
por meio de uma exceção de incompetência) -, sob pena de preclusão.
A doutrina majoritária posiciona-se no sentido de que no juízo penal, tanto a
competência absoluta, quanto à relativa podem ser reconhecidas de ofício pelo órgão
julgador, com fundamento no artigo 109/CPP, diferentemente do que se passa no
processo civil.
Art. 109. Se em qualquer fase do processo o juiz reconhecer motivo
que o torne incompetente, declará-lo-á nos autos, haja ou não alegação
da parte, prosseguindo-se na forma do artigo anterior.

Diante disso, pode-se concluir que NÃO se aplica ao processo penal a súmula nº
33 do STJ: “a incompetência relativa não pode ser declarada de ofício”.
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Aury Lopes Jr entende que a eficácia da garantia do juiz natural, no processo


criminal, não permite que se relativize a competência em razão do lugar. Ou seja, para
ele, a competência em matéria criminal será sempre absoluta, inclusive quando se tratar
de competência territorial. Este não é o entendimento majoritário da doutrina e da
jurisprudência.
Vale frisar que o reconhecimento da incompetência não acarreta a extinção do
processo. O artigo 567 do CPP dispõe que a declaração de incompetência acarretará
apenas a remessa dos autos ao juízo competente, salvo quando for reconhecida a
incompetência da justiça brasileira.
Art. 567. A incompetência do juízo anula somente os atos decisórios,
devendo o processo, quando for declarada a nulidade, ser remetido ao
juiz competente.

Majoritariamente, a doutrina entende que o citado artigo se refere à


incompetência relativa, pois no caso de incompetência absoluta, todos os atos
(probatórios e decisórios) devem ser anulados.
No entanto, o STF vem mitigando, já há algum tempo, essa diferença entre
competência absoluta e relativa. Já foi esposado em alguns julgados que compete ao
juízo que recebe o processo (competente) de um juiz incompetente anular, ou não, os
atos praticados por este, ou seja, podendo ratificar atos probatórios e até decisórios
praticados pelo juiz incompetente. Tem-se firmado cada vez mais o entendimento de
que a divisão de competência em absoluta e relativa deveria ter como única
consequência remeter os autos ao juízo competente, pois a jurisdição seria una
(Informativo nº 755 do STF).
Tal entendimento merece uma reflexão: a ratificação de atos probatórios e
decisórios de juiz absolutamente incompetente não violaria o princípio da identidade
física do juiz, o qual consiste na necessidade de o juiz que presidiu a instrução profira a
sentença?

ESPÉCIES DE COMPETÊNCIA:
a) Ratione materiae: Estabelecida em razão da natureza do crime praticado
(competência em razão da matéria) – Art. 69, III/CPP;

b) Ratione personae (ou funcionae): Estabelecida em razão da qualidade das


pessoas incriminadas (competência em razão da pessoa). Diz respeito ao foro
por prerrogativa de função – Art. 69, VII/CPP;

c) Ratione loci: Estabelecida em razão do local em que foi praticado ou


consumou-se o crime, ou o local de residência do autor (competência territorial)
– Art. 69, I e II/CPP.

COMO SABER QUAL O JUIZ COMPETENTE?


1º - Deve-se estabelecer qual a Justiça e o órgão competente:
Serão analisados os critérios relativos à matéria e à pessoa.
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A análise começa pela esfera especial, para, por exclusão, chegar às Justiças
Comuns, para, só então, chegar à Justiça mais residual de todas que é a Justiça Comum
Estadual. Ou seja, primeiro deve-se analisar se o crime é de competência da Justiça
Militar, em não sendo, depois se é da Justiça Eleitoral e, somente com a negativa de
ambas é que se passa à análise da competência da Justiça Comum.
Definida a justiça, deve-se analisar ainda em qual será o nível de jurisdição que
terá autuação originária, em decorrência do cargo que o réu ocupe.

2º - Deve-se estabelecer qual o foro competente (local):


Quando, em razão da matéria e da pessoa, o julgamento for de competência da
justiça de 1º grau, deve-se definir o foro competente (lugar), com base no disposto nos
artigos 70 e 71 do CPP.

3º - Deve-se estabelecer qual é a vara ou juízo:


Deve-se analisar se existe vara especializada para o julgamento do delito, como
nos casos de crimes relacionados a drogas, acidentes de trânsitos, lavagem de capitais,
etc.
Deve-se também recorrer aos critérios da distribuição ou de prevenção,
conforme o disposto no artigo 83/CPP, a depender do caso concreto.

COMPETÊNCIA EM RAZÃO DA MATÉRIA OU PELA NATUREZA DA


INFRAÇÃO (art. 74/CPP)
Art. 74. A competência pela natureza da infração será regulada pelas
leis de organização judiciária, salvo a competência privativa do
Tribunal do Júri.
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1. TRIBUNAL DO JÚRI:
O Tribunal do Júri é um órgão jurisdicional da justiça comum Estadual e
Federal.
O artigo 5º. XXXVIII, alínea “d” da CF, estabelece a competência do Tribunal
do Júri para julgamento dos crimes dolosos contra a vida. O texto constitucional prevê
apenas a competência mínima, ou seja, existe a possibilidade de ampliação da
competência do Tribunal do Júri. No entanto, atualmente, apenas os crimes previstos
nos artigos 121 a 127 do Código Penal são julgados perante este tribunal, conforme o
disposto no artigo 74, §1º, do CPP.
Ressalta-se ainda que será também de competência do Tribunal do Júri o
julgamento dos delitos conexos, aqueles que, por força da atração exercida pelo júri,
devem ser julgados, também, pelo tribunal popular (artigo 76, 77 e 78 do CPP).

2. JUSTIÇA MILITAR (ou castrense):


Primeiramente, é importante apresentar a classificação dicotômica dos crimes
militares:
- Crime propriamente militar: É a infração específica e funcional do
militar, ou seja, crime que só pode ser cometido pelo militar. Exemplos: Crime
de deserção (art. 187/CPM); crime de insubmissão (art. 183/CPM); crime de
embriaguez em serviço (art. 202/CPM); crime de dormir em serviço (art.
203/CPM); crime de atentado violento ao pudor (art. 233/CPM).
- Crime impropriamente militar: são as infrações que também estão
previstas no CPM, mas sua prática é possível tanto ao civil quanto ao militar, e
acaba se tornando um crime militar quando praticado em uma das condições do
artigo 9º do CPM.

O Código Penal Militar, em seu artigo 9º, define o que é crime militar:
Crimes militares em tempo de paz
Art. 9º Consideram-se crimes militares, em tempo de paz:
I - os crimes de que trata este Código, quando definidos de modo
diverso na lei penal comum, ou nela não previstos, qualquer que seja o
agente, salvo disposição especial;
II – os crimes previstos neste Código e os previstos na
legislação penal, quando praticados: (Redação dada pela Lei nº
13.491, de 2017)
a) por militar em situação de atividade ou assemelhado, contra
militar na mesma situação ou assemelhado;
b) por militar em situação de atividade ou assemelhado, em lugar
sujeito à administração militar, contra militar da reserva, ou
reformado, ou assemelhado, ou civil;
c) por militar em serviço ou atuando em razão da função, em
comissão de natureza militar, ou em formatura, ainda que fora do
lugar sujeito à administração militar contra militar da reserva, ou
reformado, ou civil;
d) por militar durante o período de manobras ou exercício, contra
militar da reserva, ou reformado, ou assemelhado, ou civil;
e) por militar em situação de atividade, ou assemelhado, contra o
patrimônio sob a administração militar, ou a ordem administrativa
militar;
III - os crimes praticados por militar da reserva, ou reformado, ou
por civil, contra as instituições militares, considerando-se como tais
não só os compreendidos no inciso I, como os do inciso II, nos
seguintes casos:
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a) contra o patrimônio sob a administração militar, ou contra a
ordem administrativa militar;
b) em lugar sujeito à administração militar contra militar em
situação de atividade ou assemelhado, ou contra funcionário de
Ministério militar ou da Justiça Militar, no exercício de função
inerente ao seu cargo;
c) contra militar em formatura, ou durante o período de
prontidão, vigilância, observação, exploração, exercício,
acampamento, acantonamento ou manobras;
d) ainda que fora do lugar sujeito à administração militar, contra
militar em função de natureza militar, ou no desempenho de serviço de
vigilância, garantia e preservação da ordem pública, administrativa ou
judiciária, quando legalmente requisitado para aquele fim, ou em
obediência a determinação legal superior.
§1º Os crimes de que trata este artigo, quando dolosos contra
a vida e cometidos por militares contra civil, serão da competência do
Tribunal do Júri. (Redação dada pela Lei nº 13.491, de 2017)
§2º Os crimes de que trata este artigo, quando dolosos contra
a vida e cometidos por militares das Forças Armadas contra civil,
serão da competência da Justiça Militar da União, se praticados no
contexto: (Incluído pela Lei nº 13.491, de 2017)
I – do cumprimento de atribuições que lhes forem
estabelecidas pelo Presidente da República ou pelo Ministro de Estado
da Defesa; (Incluído pela Lei nº 13.491, de 2017)
II – de ação que envolva a segurança de instituição militar ou
de missão militar, mesmo que não beligerante; ou (Incluído pela Lei nº
13.491, de 2017)
III – de atividade de natureza militar, de operação de paz, de
garantia da lei e da ordem ou de atribuição subsidiária, realizadas em
conformidade com o disposto no art. 142 da Constituição Federal e na
forma dos seguintes diplomas legais: (Incluído pela Lei nº 13.491, de
2017)
a) Lei no 7.565, de 19 de dezembro de 1986 - Código
Brasileiro de Aeronáutica; (Incluída pela Lei nº 13.491, de 2017)
b) Lei Complementar no 97, de 9 de junho de 1999; (Incluída
pela Lei nº 13.491, de 2017)
c) Decreto-Lei no 1.002, de 21 de outubro de 1969 - Código
de Processo Penal Militar; e (Incluída pela Lei nº 13.491, de 2017)
d) Lei no 4.737, de 15 de julho de 1965 - Código Eleitoral.
(Incluída pela Lei nº 13.491, de 2017).

Antes da promulgação da Lei nº 13.491/2017, para a configuração de crimes


militares, eram exigidas 3 condições: a) conduta prevista na parte especial Código Penal
Militar; b) ter sido praticado numa das hipóteses previstas nas alíneas do inciso II do
artigo 9º do CPM; e c) configurar uma situação de interesse militar (construção
jurisprudencial de caráter subjetivo).
A Lei nº 13.491/2017 promoveu duas inovações, alterando a redação do art. 9º,
inciso II, do CPM e substituindo o parágrafo único pelos §§ 1º e 2º no texto do art. 9º do
CPM.
A primeira inovação trazida pela lei em comento redefiniu o conceito de crime
militar, tornando-o mais abrangente, e ressignificou a competência da Justiça Militar da
União nos crimes militares dolosos contra a vida de civis.
Essa alteração legislativa gerou várias críticas por parte da doutrina, pois com a
ampliação substancial da competência da Justiça Castrense, esta passou a julgar não só
os crimes previstos no CPM, mas também, por exemplo, crimes de abuso de autoridade,
tortura, associação para o tráfico, organização criminosa, todos os crimes previstos em
legislação extravagantes. Logo, com a alteração do inciso II do art. 9º do CPM, que
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passou a considerar crimes militares não só os previstos neste mesmo Código Castrense.
Assim, o rol dos crimes militares, em outros termos, foi expandido.

Então, pode-se concluir que antes da Lei n. 13.491/2017, todos os crimes


militares em tempo de paz deveriam estar tipificados no Código Penal Militar; após essa
Lei, crimes previstos fora do Código Penal Militar também podem ser considerados
crimes militares. Diante disso, as súmulas 75, 90 e 172 do STJ foram superadas.
No que concerne à designação desses novos crimes, a doutrina os “apelidou” de
forma variada, por exemplo, como crimes militares extravagantes (NEVES, Cícero
Robson Coimbra), crimes militares por equiparação à legislação penal comum
(PEREIRA, Carlos Frederico de Oliveira) ou crimes militares por extensão (ASSIS,
Jorge César de).
Essa ampliação de competência esbarra em alguns problemas como aponta Aury
Lopes Júnior: falta de interesse militar; falta de estrutura e condições de investigar e
julgar tantos crimes e; risco de corporativismo.
No entanto, antes mesmo do advento da Lei nº 13.491/2017, a doutrina e a
jurisprudência brasileiras já tinham sedimentado o entendimento de que somente
haveria crime militar, em tempo de paz, quando existisse uma efetiva violação de dever
militar ou uma afetação direta de bens jurídicos das forças armadas. Sendo assim, para
que uma conduta típica adquira o status de crime militar, deve-se configurar uma
situação de interesse militar. Assim, somente restará configurado crime militar quando
existir, no caso concreto, ofensa aos peculiares bens jurídicos fundantes e estruturantes
do Direito Penal Militar, quais sejam: a disciplina e a hierarquia militares. Nesse
sentido:

A Justiça Militar é incompetente para processar e julgar crime


cometido por policial militar que, ainda que esteja na ativa, pratica a
conduta ilícita fora do horário de serviço, em contexto dissociado do
exercício regular de sua função e em lugar não vinculado à
Administração Militar. STJ. 5ª Turma. HC 764.059-SP, Rel. Min. Joel
Ilan Paciornik, julgado em 7/2/2023 (Info 763)

Outro ponto que merece atenção é o fato de que a alteração legislativa não
abrangeu as contravenções penais, uma vez que o art. 9º, II, do Código Penal Militar
considera militar somente os crimes previstos no Código Penal Militar e os previstos na
legislação penal, quando praticados em uma das hipóteses previstas no inciso II.
Nota-se que não houve menção às contravenções penais, mas somente aos
“crimes”. Portanto, não é possível falar em contravenção penal militar.
Professora Ana Paula Correia de Souza
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a) Justiça Militar da União: Competente para julgar crimes praticados por


militares que possuem atuação em todo o território nacional - forças armadas (exército,
marinha e aeronáutica) e civis que atentem contra a Administração Militar federal.

- Órgãos jurisdicionais:
1º Grau: Os tribunais de primeira instância da Justiça Militar da União
são chamados de Auditorias Militares. O julgamento é realizado por 2 órgãos:
a) Conselhos Permanentes de Justiça, funcionarão durante três
meses consecutivos, sempre coincidindo com os trimestres do ano civil,
são formados por quatro oficiais e pelo juiz federal da Justiça Militar da
União, com competência para processar e julgar militares que não sejam
oficiais e;
b) Conselhos Especiais de Justiça, com competência para
processar e julgar oficiais, exceto os oficiais generais, que são
processados diretamente no Superior Tribunal Militar.
Os civis são julgados monocraticamente pelo juiz federal da Justiça
Militar da União.
Os recursos às decisões de Primeira Instância são remetidos diretamente
para o Superior Tribunal Militar (STM).
2º grau: Superior Tribunal Militar – é composto por quinze ministros,
sendo dez militares e cinco civis, formando o que tecnicamente é chamado de órgão
escabinato. Possui competência de Tribunal de apelação.

a) Justiça Militar dos Estados: art. 125, §§ 4º e 5º/CF


Competente para julgar crimes praticados por “militar do Estado” (PM,
bombeiro ou Polícia Rodoviária Estadual).

- Órgãos Jurisdicionais:
1º Grau: Os tribunais de primeira instância da Justiça Militar dos Estados
são compostos por 2 órgãos:
a) Auditorias/juízos militares, que julgam os crimes militares
contra civis e ações judiciais contra atos disciplinares militares e;
b) Conselhos Permanentes de Justiça que julgam os praças e os
Conselhos Especiais de Justiça que julgam apenas oficiais.
2º grau: Tribunais de Justiça Militar (RS, SP e MG, pois têm mais de
20.000 militares) ou Tribunais de Justiça do Estado.
CURIOSIDADE: As Justiças Militares Estaduais, após a
Emenda Constitucional nº 45, passam a ter competência
para julgarem as ações judiciais contra atos disciplinares
militares – competência cível.

DICAS DA TEACHER!

É importante saber:
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- Segundo o STJ, a Lei nº 13.491/2017 deve ser aplicada imediatamente


aos processos em curso. No entanto, esta Lei não tratou apenas de ampliar a
competência da Justiça Militar, também ampliou o conceito de crime militar,
circunstância que, isoladamente, autoriza a conclusão no sentido da existência de um
caráter de direito material na norma. Logo, é inegável que a Lei nº 13.491/2017 possuiu
conteúdo híbrido (lei processual material) e que, em alguns casos, a sua aplicação
retroativa pode ensejar efeitos mais gravosos ao réu. (STJ. 3ª Seção. CC 161.898-MG,
Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 13/02/2019 (Info 642).)
Tal entendimento tem importantes reflexos:
a) É possível a remessa imediata para a Justiça Militar de processos que,
antes do advento da lei em comento, eram de competência da Justiça
comum, mesmo que o fato tenha ocorrido antes da vigência da nova
lei.
b) Torna-se possível, em processos de competência da Justiça Militar, a
aplicação de institutos despenalizadores e benefícios de redução de
pena previstos em outros diplomas legais. Antes do advento da lei em
comento, não era admitida a aplicação dos institutos despenalizadores,
previstos na Lei nº 9.099/95, dentre elas a suspensão condicional do
processo. Além disso, não era admitida a substituição da pena privativa
de liberdade por restritivas de direitos, uma vez que tal benefício está
previsto apenas nos moldes do art. 44 do CP.
- Súmula 06 do STJ: Compete à Justiça Comum Estadual processar e julgar o
delito decorrente de acidente de trânsito envolvendo viatura da Polícia Militar, salvo se
autor e vítima forem policiais militares em situação de atividade.
Essa súmula deve ser lida com cautela, na medida em que mesmo que o
crime cometido seja previsto no Código de Trânsito Brasileiro, se cometido por militar
em serviço, deverá ser julgado pela Justiça Militar.

- Súmula 78 do STJ: Compete à Justiça Militar processar e julgar policial de


corporação estadual, ainda que o delito tenha sido praticado em outra unidade
federativa.

- É de competência do Tribunal do Júri o crime doloso contra a vida


praticado por militar estadual (artigo 9º, §1º/CPM). Se o agente for militar federal,
será da competência da Justiça Militar nas hipóteses previstas no artigo 9º, §2º, do
CPM.
Somente será de competência da Justiça Militar estadual se o crime
doloso contra a vida for praticado por militar contra militar.
A Lei nº 13.491/2017 revogou o parágrafo único e inseriu os novos §1º
e §2º no texto do art. 9º do CPM. Essa alteração não modificou a competência para
julgar os crimes dolosos contra a vida praticados por militares estaduais, que continua
com o Tribunal do Júri.
O que efetivamente foi inovado pela citada lei foi a excepcionalidade
do julgamento dos crimes dolosos contra a vida praticados por militares das Forças
Armadas, quando a vítima for civil, nas hipóteses dos incisos I, II e III do §2º do artigo
em comento, o qual passa a ser da competência da Justiça Militar da União e não da
Justiça Federal (Tribunal do Júri).
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Essa diferenciação de tratamento conforme o militar seja estadual ou


federal, segundo parte da doutrina, violaria o princípio constitucional da igualdade, bem
como ao próprio pacto federativo, pelo tratamento diferenciado e injustificado da União
e dos Estados. Além disso, o § 2º do artigo 9º desrespeita a competência constitucional
do Tribunal do Júri.
Esse último argumento fundamentou o ajuizamento da Ação Direta de
Inconstitucionalidade nº 5.901 no STF. Até o momento (abril de 2023), a ADI não foi
julgada. Contrariamente a esse argumento, alguns doutrinadores defendem que não
haveria afronta a competência constitucional do Júri, pois os crimes cometidos nas
situações expostas no artigo 9º, §2º do CPM não são crimes dolosos contra a vida, mas
crimes militares.

- Um civil pode ser julgado pela Justiça Militar? DEPENDE!


Se for na justiça militar Federal, sim, desde que presentes as situações
do artigo 9º do CPM. Se for na justiça militar estadual, não, pois a CF adotou um
critério objetivo-subjetivo (crime militar + militar – art. 125, §5º) para estabelecer a
competência dessa.
O STF tem restringido a competência da Justiça Militar da União para
julgamento de civil para os crimes cometidos por este e demonstrada a verdadeira
intenção de atingir as forças armadas. Logo, seguindo este entendimento, a
competência da Justiça Militar da União tem sido afastada, por exemplo, nos casos de
crimes culposos.
Aury Lopes Jr afirma ainda que um civil poderá responder pela prática
de crime perante a Justiça Militar se cometer um crime contra a segurança nacional ou
contra as instituições militares, cuja alçada é da Justiça Federal.
Logo, a Justiça Militar da União poderá julgar tanto militares, quanto
civis, mas não há possibilidade de um civil responder perante a Justiça Militar Estadual,
nem mesmo quando o civil for coautor ou partícipe do militar.

JUSTIÇA ELEITORAL:
O Código Eleitoral estabelece a competência da Justiça Eleitoral ao prever quais
são os crimes eleitorais.
Ressalta-se que havendo a conexão de um crime eleitoral com um crime comum,
previsto CP, a competência de ambos será da Justiça Eleitoral, conforme o disposto no
artigo 78, inciso IV/CPP:
Art. 78. Na determinação da competência por conexão ou continência,
serão observadas as seguintes regras:
(...)
IV - no concurso entre a jurisdição comum e a especial, prevalecerá
esta.
Neste sentido, segue entendimentos do STJ e do STF:
Sobre o tema, o precedente do Supremo Tribunal Federal, formado
pelo seu Plenário no julgamento do Inq. 4435 AgR-Quarto/DF, definiu
ser competente a Justiça Eleitoral para julgar os crimes eleitorais e os
comuns que lhes forem conexos, na forma dos arts. 109, IV, e 121,
ambos da Constituição Federal, bem como do art. 35, II, do Código
Eleitoral, e do art. 78, IV, do Código de Processo Penal.
Ou seja, em caso de conexão ou continência entre crime comum e
delito eleitoral, todos devem ser julgados conjuntamente perante a
Justiça Especializada.
A interpretação do precedente formado no Inq. 4435 AgR-Quarto/DF,
oriunda da leitura de votos dos Ministros que saíram vencedores no
Professora Ana Paula Correia de Souza
Direito Processual Penal I
julgamento, indica que a ação de usar dinheiro, de origem criminosa,
doado para campanha eleitoral, está prevista como delito de
competência da Justiça Especializada, encaixando-se na figura típica
descrita no art. 350, do Código Eleitoral.
Dessa forma, a competência da Justiça Eleitoral, proveniente da
interpretação dada pela Suprema Corte à Constituição Federal e à
legislação dela decorrente, aplica-se sempre que na ação penal houver
qualquer menção a crime dessa espécie, seja na descrição feita pelo
órgão acusatório a respeito da suposta conduta ilícita, seja nas
decisões oriundas dos órgãos jurisdicionais.
De outro lado, a parte final do art. 82, do CPP, assim como o
Enunciado da Súmula 235/STJ, apenas impede a reunião de processos
conexos quando um deles já tenha sido julgado, não incidindo se eles
caminharam conjuntamente, de forma reunida, desde o início da
tramitação, muito anteriormente à prolação da sentença.
Assim, havendo reconhecimento da incompetência absoluta da Justiça
Federal, a ação penal deve ser remetida à Justiça Especializada, mas
com anulação apenas dos atos decisórios praticados e sem prejuízo da
sua ratificação pelo juízo competente. (HC 612.636-RS, Rel. Min.
Jesuíno Rissato (Desembargador convocado do TJDFT), Rel. Acd.
Min. Ribeiro Dantas, Quinta Turma, por maioria, julgado em
05/10/2021.)

A Justiça Eleitoral é competente para processar e julgar crime


comum conexo com crime eleitoral, ainda que haja o
reconhecimento da prescrição da pretensão punitiva do delito
eleitoral. Isso porque, fixada a competência da Justiça Eleitoral por
conexão ou continência, essa permanece para os demais feitos —
mesmo quando não mais subsistirem processos de sua competência
própria em razão de sentença absolutória ou de desclassificação da
infração. (STF. 2ª Turma, maioria. RHC 177243/MG, Rel. Min.
Gilmar Mendes, julgado em 29/6/2021) (Info 1024).

ATENÇÃO! Tem prevalecido o entendimento de que nos casos de conexão


entre um crime eleitoral e um crime de competência do Tribunal do Júri (crimes dolosos
contra a vida), haverá cisão, ou seja, o crime eleitoral será julgado na Justiça Eleitoral e
o crime doloso contra a vida no Tribunal do Júri, pois a competência deste é
constitucional, prevalecendo sobre leis ordinárias (Código Eleitoral e CPP).

JUSTIÇA COMUM FEDERAL:


Tratando-se da justiça comum, o constituinte optou por definir expressamente a
competência da Justiça Federal, deixando as demais infrações penais para a Justiça dos
Estados, que teria, portanto, uma competência residual.
Na esfera penal, faz-se importante a leitura do artigo 109, inciso IV e seguintes
da CF:
Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar:
(...)
IV - os crimes políticos e as infrações penais praticadas em detrimento
de bens, serviços ou interesse da União ou de suas entidades
autárquicas ou empresas públicas, excluídas as contravenções e
ressalvada a competência da Justiça Militar e da Justiça Eleitoral;
V - os crimes previstos em tratado ou convenção internacional,
quando, iniciada a execução no País, o resultado tenha ou devesse ter
ocorrido no estrangeiro, ou reciprocamente;
V-A as causas relativas a direitos humanos a que se refere o § 5º deste
artigo;
Professora Ana Paula Correia de Souza
Direito Processual Penal I
VI - os crimes contra a organização do trabalho e, nos casos
determinados por lei, contra o sistema financeiro e a ordem
econômico-financeira;
VII - os habeas corpus, em matéria criminal de sua competência ou
quando o constrangimento provier de autoridade cujos atos não
estejam diretamente sujeitos a outra jurisdição;
VIII - os mandados de segurança e os habeas data contra ato de
autoridade federal, excetuados os casos de competência dos tribunais
federais;
IX - os crimes cometidos a bordo de navios ou aeronaves, ressalvada a
competência da Justiça Militar;
X - os crimes de ingresso ou permanência irregular de estrangeiro, a
execução de carta rogatória, após o "exequatur", e de sentença
estrangeira, após a homologação, as causas referentes à nacionalidade,
inclusive a respectiva opção, e à naturalização;
XI - a disputa sobre direitos indígenas. (trata de jurisdição cível).

Assim, qualquer crime que atinja bens jurídicos de interesse da União será de
competência da Justiça Federal. Ressalta-se que a competência da Justiça Federal não se
presume, devendo estar expressamente prevista no artigo 109/CF, independentemente
de o inquérito policial ter sido elaborado pela Justiça Federal ou pela polícia civil.
Além disso, deve-se sempre observar a existência de lesão direta à bens,
serviços ou interesse da União (interesse específico ou imediato da União), ou seja, não
basta estar configurado um interesse genérico ou remoto da União no caso.

DICAS DA TEACHER!

É importante saber:

- O INSS é uma autarquia federal. Logo, os crimes descritos no artigo 168-A e


337 do CP serão julgados pela Justiça Federal.

- Súmula 107 do STJ: Compete à Justiça Comum Estadual processar e julgar


crime de estelionato praticado mediante falsificação das guias de recolhimento das
contribuições previdenciárias, quando não ocorrente lesão a autarquia federal.

- Súmula 38 do STJ: Compete à Justiça Estadual Comum, na vigência da


Constituição de 1988, o processo por contravenção penal, ainda que praticada em
detrimento de bens, serviços ou interesse da União ou de suas entidades.
Segundo o STJ, ainda que a contravenção penal seja conexa ao crime
de competência da Justiça Federal, a competência para julgar aquela será da justiça
estadual.
Professora Ana Paula Correia de Souza
Direito Processual Penal I

- Súmula 42 do STJ: Compete à Justiça Comum Estadual processar e julgar as


causas cíveis em que é parte sociedade de economia mista e os crimes praticados em seu
detrimento.
Logo, a competência para julgar um crime praticado contra a Caixa
Econômica Federal é da Justiça Federal, pois se trata de uma Empresa Pública (art. 109,
IV/CF). Mas a competência para julgar um crime praticado contra o Banco do Brasil é
da Justiça Estadual, pois se trata de uma sociedade de economia mista.

- Súmula 140 do STJ: Compete à Justiça Comum Estadual processar e julgar


crime em que o indígena figure como autor ou vítima.
Esta matéria tem sido objeto de constante debate, mas,
majoritariamente, segue sendo aplicada.

- Súmula 147 do STJ: Compete à Justiça Federal processar e julgar os crimes


praticados contra funcionário público federal, quando relacionados com o exercício da
função.

- Súmula 208 do STJ: Compete à Justiça Federal processar e julgar prefeito


municipal por desvio de verba sujeita a prestação de contas perante órgão federal.

- Súmula 209 do STJ: Compete à Justiça Estadual processar e julgar prefeito


por desvio de verba transferida e incorporada ao patrimônio municipal.

- Súmula 522 do STF: Salvo ocorrência de tráfico para o exterior, quando,


então, a competência será da justiça federal, compete à justiça dos estados o processo e
julgamento dos crimes relativos a entorpecentes.

- Súmula Vinculante 36: Compete à Justiça Federal comum processar e julgar


civil denunciado pelos crimes de falsificação e de uso de documento falso quando se
tratar de falsificação da Caderneta de Inscrição e Registro (CIR) ou de Carteira de
Habilitação de Amador (CHA), ainda que expedidas pela Marinha do Brasil.

- Segundo STF no julgamento da ADI 1.717/DF, compete a Justiça Federal


julgar os crimes cometidos contra conselhos de fiscalização profissional, como a OAB,
pois tais entes tem natureza de autarquia.

- Se o crime for cometido a bordo de navios ou aeronaves só será de


competência da Justiça Federal se for de grande porte (navio com capacidade para
navegação em alto-mar ou aviões com autonomia para viagens internacionais ou por
longas distâncias).
Professora Ana Paula Correia de Souza
Direito Processual Penal I

- A competência para julgar os crimes ambientais é da Justiça Estadual, salvo


quando praticados em detrimento de bens, serviços ou interesses da União.

Entretanto, é importante frisar o disposto no artigo 225, §4º, CF. Os


crimes ambientais praticados em detrimento da Floresta Amazônica brasileira, a Mata
Atlântica, a Serra do Mar, o Pantanal Mato-Grossense e a Zona Costeira, são de
competência da Justiça Federal. Este entendimento não é pacificado na jurisprudência,
pois alguns entendem que não se deve confundir patrimônio nacional com bem da
União.
Obs.: Compete à Justiça Federal processar e julgar o crime ambiental de
caráter transnacional que envolva animais silvestres, ameaçados de
extinção e espécimes exóticas ou protegidas por compromissos
internacionais assumidos pelo Brasil. (STF. Plenário. RE 835558/SP, Rel.
Min. Luiz Fux, julgado em 9/2/2017 – Informativo 853).

- A competência para julgar crime cometido contra a Empresa Brasileira de


Correios e Telégrafos (ECT) - empresa pública federal - é da Justiça Federal. No
entanto, se o crime for praticado contra uma FRANQUIA dos Correios - pessoa jurídica
de direito privado permissionária de serviço público -, a competência será da Justiça
Estadual.

- ATENÇÃO! O STJ afirmou que, quando se fala em “praticados por meio da


rede mundial de computadores (internet)”, quer dizer é que a postagem de conteúdo
pedófilo-pornográfico deve ter sido feita em um ambiente virtual propício ao livre
acesso. Por outro lado, se a troca de material pedófilo ocorreu entre destinatários certos
no Brasil, não há relação de internacionalidade e, portanto, a competência é da Justiça
Estadual. Assim, o STJ afirmou que a definição da competência para julgar o delito do
art. 241- A do ECA passa pela seguinte análise:
• Se ficar constatada a internacionalidade da conduta: Justiça
FEDERAL. Ex: publicação do material feita em sites que possam ser acessados
por qualquer sujeito, em qualquer parte do planeta, desde que esteja conectado à
internet.
• Nos casos em que o crime é praticado por meio de troca de informações
privadas, como nas conversas via WhatsApp ou por meio de chat na rede social
Facebook: Justiça ESTADUAL.

Isso porque tanto no aplicativo WhatsApp quanto nos diálogos (chat)


estabelecido na rede social Facebook, a comunicação se dá entre destinatários
escolhidos pelo emissor da mensagem. Trata-se de troca de informação privada que não
está acessível a qualquer pessoa. Desse modo, como em tais situações o conteúdo
pornográfico não foi disponibilizado em um ambiente de livre acesso, não se faz
presente a competência da Justiça Federal. (STJ. 3ª Seção. CC 150.564-MG, Rel. Min.
Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 26/4/2017 - Informativo 603).

- Compete à JUSTIÇA FEDERAL apreciar o pedido de medida protetiva de


urgência decorrente de crime de ameaça contra a mulher cometido por meio de rede
social de grande alcance, quando iniciado no estrangeiro e o seu resultado ocorrer no
Professora Ana Paula Correia de Souza
Direito Processual Penal I

Brasil. [STJ. 3ª Seção.CC 150712-SP, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, julgado em
10/10/2018 (Info 636)].

INJÚRIA PRATICADO NA INTERNET:


Segundo o STJ, se o post for público, será considerado como local da
consumação do delito aquele onde foi incluído o conteúdo ofensivo na rede mundial de
computadores. Contudo, tal entendimento diz respeito aos casos em que a publicação é
possível de ser visualizada por terceiros, indistintamente, a partir do momento em que
veiculada por seu autor. “Injúria por meio de publicação pública na internet será
competente o juízo do local de onde partiram as mensagens injuriosas.” (STJ, RHC
77.692/BA)

No entanto, se a ofensa ocorrer em chat privado na internet (por mensagens


privadas), as quais somente o autor e o destinatário têm acesso ao seu
conteúdo, consuma-se no local em que a vítima tomou conhecimento do conteúdo
ofensivo.” (INFO 724 STJ)

Ressalta-se que, conforme entendimento do STJ, o crime de RACISMO


praticado em redes sociais é da competência da Justiça Federal, tendo em vista a
potencial transnacionalidade do crime e o disposto no art. 109, V, da CF/88. Nesse
sentido, também é competência da justiça federal o crime de homofobia praticado em
redes sociais, uma vez que é considerada uma forma de racismo em sua dimensão social
(ADO 26/STF). Nesse sentido dispõe os julgados do STJ a seguir:

CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. ART. 20, § 2º, DA


LEI 7.716/89. DISCRIMINAÇÃO E PRECONCEITO CONTRA
O POVO JUDEU. CONVENÇÃO INTERNACIONAL ACERCA
DO TEMA. RATIFICADA PELO BRASIL. DISSEMINAÇÃO.
PRATICADA POR MEIO DA REDE SOCIAL "FACEBOOK".
SÍTIO VIRTUAL DE AMPLO ACESSO. CONTEÚDO
RACISTA ACESSÍVEL NO EXTERIOR. POTENCIAL
TRANSNACIONALIDADE CONFIGURADA. COMPETÊNCIA
DA JUSTIÇA FEDERAL. IDENTIFICAÇÃO DA ORIGEM DAS
POSTAGENS. POSSIBILIDADE DE FIXAÇÃO DE TERCEIRO
JUÍZO ESTRANHO AO CONFLITO. 1. O presente conflito de
competência deve ser conhecido, por se tratar de incidente instaurado
entre juízos vinculados a Tribunais distintos, nos termos do art. 105,
inciso I, alínea d da Constituição Federal - CF. 2. Segundo o art. 109,
V, da Constituição Federal - CF, compete aos juízes federais
processar e julgar "os crimes previstos em tratado ou convenção
internacional, quando iniciada a execução no País, o resultado
tenha ou devesse ter ocorrido no estrangeiro, ou reciprocamente".
3. Na presente investigação é incontroverso que o conteúdo
divulgado na rede social "Facebook", na página "Hitler
Depressão - A Todo Gás", possui conteúdo discriminatório contra
todo o povo judeu e não contra pessoa individualmente
considerada. Também é incontroverso que a "Convenção
Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de
Discriminação Racial", promulgada pela Assembléia das Nações
Unidas foi ratificada pelo Brasil em 27.03.1968. O núcleo da
controvérsia diz respeito exclusivamente à configuração ou não da
internacionalidade da conduta. 4. À época em que tiveram início as
investigações, não havia sólido entendimento da Suprema Corte
acerca da configuração da internacionalidade de imagens postadas no
"Facebook". Todavia, o tema foi amplamente discutido em recurso
Professora Ana Paula Correia de Souza
Direito Processual Penal I
extraordinário cuja repercussão geral foi reconhecida. "A extração da
potencial internacionalidade do resultado advém do nível de
abrangência próprio de sítios virtuais de amplo acesso, bem como
da reconhecida dispersão mundial preconizada no art. 2º, I, da Lei
12.965/2014, que instituiu o Marco Civil da Internet no Brasil"
(RE 628624, Relator Min. MARCO AURÉLIO, Relator p/ Acórdão:
Min. EDSON FACHIN, Tribunal Pleno, Dje 6/4/2016). 5. Muito
embora o paradigma da repercussão geral diga respeito à pornografia
infantil, o mesmo raciocínio se aplica ao caso concreto, na medida em
que o acórdão da Suprema Corte vem repisar o disposto na
Constituição Federal, que reconhece a competência da Justiça Federal
não apenas no caso de acesso da publicação por alguém no
estrangeiro, mas também nas hipóteses em que a amplitude do meio
de divulgação tenha o condão de possibilitar o acesso. No caso dos
autos, diante da potencialidade de o material disponibilizado na
internet ser acessado no exterior, está configurada a competência da
Justiça Federal, ainda que o conteúdo não tenha sido efetivamente
visualizado fora do território nacional. 6. Na singularidade do caso
concreto diligências apontam que as postagens de cunho racista e
discriminatório contra o povo judeu partiram de usuário localizado em
Curitiba. Nos termos do art. 70 do Código de Processo Penal - CPP, 'a
competência será, de regra, determinada pelo lugar em que se
consumar a infração, ou, no caso de tentativa, pelo lugar em que for
praticado o último ato de execução'. 7. "A jurisprudência tem
reconhecido a possibilidade de declaração da competência de um
terceiro juízo que não figure no conflito de competência em
julgamento, quer na qualidade de suscitante, quer na qualidade de
suscitado" (CC 168.575/MS, Rel. Ministro REYNALDO SOARES
DA FONSECA, TERCEIRA SEÇÃO, DJe 14/10/2019).
8. Conflito conhecido para declarar a competência da Justiça Federal
atuante em Curitiba - SJ/PR, a quem couber a distribuição do feito.”
(grifo nosso) (STJ, 3ª seção, CC 163420-PR, rel. min. Joel Ilan
Paciornik, julgado em 13/05/2020, Dje 01/06/2020).

Compete à Justiça Federal processar e julgar o conteúdo de falas de


suposto cunho homofóbico divulgadas na internet, em perfis abertos
da rede social Facebook e na plataforma de compartilhamento de
vídeos Youtube, ambos de abrangência internacional.
(STJ. 3ª Seção. CC 191970-RS, Rel. Ministra Laurita Vaz, julgado em
14/12/2022) (Info 761).

JUSTIÇA COMUM ESTADUAL:

É a mais residual de todas. Logo, trata-se de competência alcançada por


exclusão. Inclusive, faz-se necessário destacar o entendimento sumulado do STJ:
Súmula 122 do STJ: Compete à Justiça Federal o processo e
julgamento unificado dos crimes conexos de competência federal e
estadual, não se aplicando a regra do art. 78, II, “a”, do Código de
Processo Penal.

- Juizados especiais criminais (Estadual):


A competência em razão da matéria é para o processo e julgamento dos crimes
de menor potencial ofensivo, nos termos do artigo 61 da Lei nº 9.099/95:
Art. 61. Consideram-se infrações penais de menor potencial ofensivo,
para os efeitos desta Lei, as contravenções penais e os crimes a que a
lei comine pena máxima não superior a 2 (dois) anos, cumulada ou
não com multa.
Professora Ana Paula Correia de Souza
Direito Processual Penal I

Frisa-se que no caso de conexão ou continência entre um crime do JEC e outro


que extrapole essa competência, haverá a reunião fora do JEC, mantendo as
possibilidades de transação penal ou composição de danos em relação ao delito de
menor potencial ofensivo. É o que dispõe o parágrafo único do artigo 60 da Lei nº
9.099/95:
Art. 61, Parágrafo único. Na reunião de processos, perante o juízo
comum ou o tribunal do júri, decorrentes da aplicação das regras de
conexão e continência, observar-se-ão os institutos da transação penal
e da composição dos danos civis.

Composição civil: O efeito despenalizador, que reside na renúncia


tácita, pela vítima, ao direito de representar ou oferecer queixa contra o
autor do fato dá-se com o acordo que envolve danos materiais
provenientes do ilícito penal. É possível tanto no caso de ação penal
privada, quanto de ação penal pública condicionada à representação.

Transação Penal: Trata-se de acordo celebrado entre o Ministério


Público e o autor do delito, pelo qual se propõe a aplicação imediata de
pena restritiva de direito ou multa, dispensando-se a instauração do
processo, ou seja, o Ministério Público, antes de oferecer denúncia,
propõe a aplicação imediata de penas restritivas de diretos ou multa,
cujo cumprimento implicará extinção da punibilidade.

Suspensão condicional do processo: Instituto despenalizador


aplicável às infrações cuja pena mínima cominada seja igual ou inferior
a um ano, sejam ou não da competência do Juizado Especial, ou seja,
incluem-se as competências especiais, e constitui-se na possibilidade de
suspensão do processo por dois a quatro anos (Período de Prova)
mediante imposição de algumas condições.

Quanto a fixação de competência territorial no cometimento de crime de menor


potencial ofensivo, faz-se necessária a análise do artigo 63 da Lei nº 9.099:
Art. 63: A competência do Juizado será determinada pelo lugar em
que foi praticada a infração penal.

Existe uma polêmica acerca do foro competente para apurar a infração, tendo em
vista a dubiedade do termo “praticada”. Majoritariamente, deve-se considerar o lugar
onde ocorreu a ação ou omissão (teoria da atividade).
Parte da doutrina entende pela aplicação da teoria da ubiquidade para fixação de
competência nos crimes de menor potencial ofensivo, podendo ser tanto o lugar da ação
ou da omissão, quanto o lugar do resultado. Havendo conflito, dirime-se pela
prevenção. (Nucci, Jorge Assaf, Alexandre de Moraes, Mirabete, entre outros). Por fim,
uma corrente minoritária entende como o local onde ocorreu o resultado.

COMPETÊNCIA EM RAZÃO DA PESSOA:


Algumas pessoas, em decorrência da função que exercem, têm a prerrogativa de
serem julgadas originariamente por determinados órgãos. Trata-se de uma prerrogativa
prevista pela Constituição, segundo a qual as pessoas ocupantes de alguns cargos ou
Professora Ana Paula Correia de Souza
Direito Processual Penal I

funções somente serão processadas e julgadas criminalmente (não engloba processos


cíveis) por determinados Tribunais (TJ, TRF, STJ, STF).

Hipóteses de foro por prerrogativa de função previstas na CF/88:


AUTORIDADE FORO COMPETENTE
Presidente e Vice-Presidente da República
Deputados Federais e Senadores
Ministros do STF
Procurador-Geral da República
Ministros de Estado
STF
Advogado-Geral da União
Comandantes da Marinha, Exército e Aeronáutica
Ministros do STJ, STM, TST, TSE
Ministros do TCU
Chefes de missão diplomática de caráter permanente
Governadores
Desembargadores (TJ, TRF, TRT)
Membros dos TER STJ
Conselheiros dos Tribunais de Contas
Membros do MPU que oficiem perante tribunais
Juízes Federais, Juízes Militares e Juízes do Trabalho
TRF/TJ ou TJM/TRT
Membros do MPU que atuam na 1ª instância
Juízes de Direito
TJ
Promotores e Procuradores de Justiça
Prefeitos TJ, TRF ou TRE

O direito ao foro por prerrogativa de função inicia-se com a diplomação do


Deputado Federal ou Senador e somente se encerra com o término do mandato. No
entanto, esse nem sempre foi o entendimento adotado pelo STF. Veja-se:
Em 03 de abril de 1964, foi publicada a Súmula 394 do STF que tinha a seguinte
redação: cometido o crime durante o exercício funcional, prevalece a competência
especial por prerrogativa de função, ainda que o inquérito ou a ação penal sejam
iniciados após a cessação daquele exercício.
A citada súmula foi aplicada até o dia 25 de agosto de 1999, quando do
julgamento do Inq. 687, o Pleno da Suprema Corte Brasileira decidiu cancelar a súmula
sob o argumento da maioria dos ministros de que “as prerrogativas de foro, pelo
privilégio, que, de certa forma, conferem, não devem ser interpretadas ampliativamente,
numa Constituição que pretende tratar igualmente os cidadãos comuns, como são,
também, os ex-exercentes de tais cargos ou mandatos”. Ficou estabelecido que os atos
praticados e decisões proferidas com base na súmula 394 continuariam tendo validade.
Ou seja, a decisão teve efeito ex nunc.
Com a mudança do entendimento do STF, vários parlamentares se viram
ameaçados e moveram a máquina pública em benefícios próprios com a publicação da
Lei nº 10.628 de 24 de dezembro de 2002. Essa lei alterou a redação do art. 84 do CPP,
o qual passou a determinar o seguinte:
Art. 84. A competência pela prerrogativa de função é do Supremo
Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça, dos Tribunais
Regionais Federais e Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito
Federal, relativamente às pessoas que devam responder perante eles
por crimes comuns e de responsabilidade.
§1º A competência especial por prerrogativa de função, relativa a atos
administrativos do agente, prevalece ainda que o inquérito ou a ação
judicial sejam iniciados após a cessação do exercício da função
pública.
Professora Ana Paula Correia de Souza
Direito Processual Penal I
§2º A ação de improbidade, de que trata a Lei nº 8.429/92, será
proposta perante o tribunal competente para processar e julgar
criminalmente o funcionário ou autoridade na hipótese de prerrogativa
de foro em razão do exercício de função pública, observado o disposto
no parágrafo 1º.

Com a nova redação do artigo 84 do CPP, houve o resgate da súmula 394 do


STF. A citada lei foi altamente criticada e várias foram as decisões que a declararam
inconstitucional, mas apenas de forma incidental. Entendia-se que a prerrogativa de foro
estendida àqueles que já não exercem mandato ou cargo público não encontrava
justificativa do ponto de vista prático e materializava ofensa ao princípio da isonomia,
uma vez que já não existem riscos de prejuízo ao exercício do cargo antes ocupado, e
empresta a um cidadão comum, maiores privilégios legais do que obteria outro, em
iguais condições. Além disso, sendo de exclusiva previsão constitucional a competência
dos Tribunais, o CPP não podia ser ampliado por simples Lei ordinária, o que força a
conclusão de que a Lei 10.628/02.
Em 27 de dezembro de 2002, a Associação Nacional dos Membros do Ministério
Público ajuizou a ADI 2.797, com pedido liminar, a qual foi negada em 07 de janeiro de
2003. Em 25 de março de 2003, foi ajuizada a ADI 2.860, pela Associação dos
Magistrados Brasileiros. Ambas questionavam a constitucionalidade da Lei 10.628/02.
Somente em 15 de setembro de 2005 as ações diretas de Inconstitucionalidade
foram julgadas pelo STF. Na ocasião, o Supremo Tribunal Federal entendeu que o §1º
do art. 84 do CPP constituía evidente reação legislativa ao cancelamento da Súmula
394. Foi ressaltado que tanto a Súmula 394, como a decisão do Supremo Tribunal, que a
cancelou, derivaram de interpretação direta e exclusiva da Constituição Federal e que
não podia uma lei ordinária pretender impor, como seu objeto imediato, uma
interpretação da Constituição. A questão era de inconstitucionalidade formal, ínsita a
toda norma de gradação inferior que se proponha a ditar interpretação da norma de
hierarquia superior.
No entanto, como Pedro Lenza ressalta, essa decisão foi uma decisão mais
política do que jurídica, pois a Suprema Corte decidiu preservar a validade de todos os
atos processuais que eventualmente tenham sido praticados em processos de
improbidade administrativa e ações penais contra ex-detentores de cargos públicos e de
mandatos eletivos, julgados no período de vigência da lei 10.628, que foi de 24 de
dezembro de 2002 até 15 de setembro de 2005. Ou seja, foi feita a modulação dos
efeitos da decisão a partir da declaração de inconstitucionalidade da lei.
Em 03 de maio de 2018, no julgamento da AP 937, o STF, por maioria e nos
termos do voto do Relator, Ministro Roberto Barroso, firmou o entendimento de que o
foro por prerrogativa de função aplica-se apenas aos crimes cometidos durante o
exercício do cargo e relacionados às funções desempenhadas.
Na mesma ocasião, firmou-se o entendimento de que após o final da instrução
processual, com a publicação do despacho de intimação para apresentação de alegações
finais, a competência para processar e julgar ações penais não será mais afetada em
razão de o agente público vir a ocupar outro cargo ou deixar o cargo que ocupava,
qualquer que seja o motivo. Vide julgados neste sentido:
AGRAVO REGIMENTAL NA RECLAMAÇÃO. QUEIXA CRIME.
COMPETÊNCIA PARA JULGAMENTO. QUESTÃO DE ORDEM
NA AÇÃO PENAL 937/RJ. REINTERPRETAÇÃO
CONSTITUCIONAL DO ALCANCE DA PRERROGATIVA DE
FORO. FATOS NÃO RELACIONADOS AO EXERCÍCIO DO
MANDATO PARLAMENTAR. SUPOSTA PRÁTICA DE CRIME
CONTRA HONRA EM QUE NÃO HÁ LIGAÇÃO CONCRETA
Professora Ana Paula Correia de Souza
Direito Processual Penal I
ENTRE A FIGURA TÍPICA E O CARGO DE DEPUTADO
FEDERAL. AUSÊNCIA DE USURPAÇÃO DE COMPETÊNCIA
DESTA SUPREMA CORTE. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE
NEGA PROVIMENTO.
I – Diante da reinterpretação constitucional do alcance do disposto no
art. 102, I, b, da Constituição Federal de 1988, o Plenário do Supremo
Tribunal Federal firmou o entendimento, no julgamento da QO-AP
937/RJ, de que o foro por prerrogativa de função dos
parlamentares restringe-se aos crimes praticados no exercício e
em razão do cargo.
II -No caso em apreço, não se verifica ligação concreta entre a
conduta imputada ao recorrente e o cargo parlamentar ocupado.
III – Ausência de usurpação de competência desta Suprema Corte.
IV – Agravo regimental a que se nega provimento. (Agravo
Regimental na Reclamação nº 44.030/RJ, STF, 2ª Turma, unânime,
Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgado em sessão virtual 4.6.2021 a
11.6.2021, publicado no DJ em 16.6.2021)

O STF estabeleceu que esta nova linha interpretativa deve se aplicar


imediatamente aos processos em curso, com a ressalva de todos os atos praticados e
decisões proferidas pelo STF e pelos demais juízos com base na jurisprudência anterior,
conforme precedente firmado na Questão de Ordem no Inquérito 687.

RESSALTA-SE QUE TAL DECISÃO APLICA-SE APENAS NOS CASOS DE


JURISDIÇÃO POLÍTICA.

CRIMES COMETIDOS POR DEPUTADO FEDERAL OU SENADOR


Situação Competência
Crime cometido antes da diplomação como Deputado ou
Senador
Crime cometido depois da diplomação (durante o exercício do Juízo de 1ª
cargo), mas o delito não tem relação com as funções instância
desempenhadas.
Ex: embriaguez ao volante.
Crime cometido depois da diplomação (durante o exercício do
cargo) e o delito está relacionado com as funções
STF
desempenhadas.
Ex: corrupção passiva.

- Evolução Jurisprudencial:

- Foro privilegiado em decorrência da função e Tribunal do Júri:


Já está praticamente pacificado na doutrina e na jurisprudência que, se ambas as
previsões de competência são estabelecidas na CF, deve-se considerar especiais aquelas
Professora Ana Paula Correia de Souza
Direito Processual Penal I

que dizem respeito à prerrogativa de foro, em detrimento, pois, ao Tribunal do Júri.


Logo, se um deputado federal comete um crime doloso contra a vida deve ser julgado
no STF.
- Vide súmula 721/STF!

DICAS DA TEACHER!

É importante saber:

- Súmula 702 do STF: A competência do Tribunal de Justiça para julgar


prefeitos restringe-se aos crimes de competência da Justiça Comum Estadual; nos
demais casos, a competência originária caberá ao respectivo Tribunal de segundo grau.

- Súmula Vinculante 45: A competência constitucional do Tribunal do Júri


prevalece sobre o foro por prerrogativa de função estabelecido exclusivamente pela
Constituição Estadual. (A súmula 721 do STF foi convertida nesta vinculante).

- Os magistrados e membros do MP devem ser julgados pelo Tribunal ao qual


estão vinculados, pouco importando a natureza do crime que cometem e o lugar da
infração, seguindo-se competência estabelecida na CF. Assim, caso um juiz estadual
cometa um delito de competência da Justiça Federal será julgado pelo Tribunal de
Justiça do seu Estado. Ou se um juiz do TJDFT cometer um crime no Rio de Janeiro,
será julgado no TJDFT. O mesmo se dá com o Juiz Federal.

- No caso de condenado com foro privilegiado, a execução da pena ficará sob a


responsabilidade do juízo da condenação, e não o juízo da execução. Assim, se um
deputado federal for condenado a cumprir pena pelo STF, cabe a este cuidar da
execução da pena, concedendo benefícios, até que possa ser julgada extinta a
punibilidade.

- É inconstitucional dispositivo da Constituição Estadual que confere foro por


prerrogativa de função, no Tribunal de Justiça, para o Delegado Geral da Polícia Civil.
Segundo o STF, extrapola a autonomia do estado previsão, em constituição estadual,
que confere foro privilegiado a Delegado Geral da Polícia Civil. A autonomia dos
estados para dispor sobre autoridades submetidas a foro privilegiado não é ilimitada,
não pode ficar ao arbítrio político do constituinte estadual e deve seguir, por simetria, o
modelo federal. (Plenário. ADI 5591/SP, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgado em
20/3/2021 - Info 1010).

COMPETÊNCIA EM RAZÃO DO LUGAR:


Professora Ana Paula Correia de Souza
Direito Processual Penal I

Para a fixação da competência territorial, deve-se considerar, em regra, o lugar


da consumação da infração, ou, no caso de tentativa, pelo lugar em que for praticado o
último ato de execução.

Art. 70. A competência será, de regra, determinada pelo lugar em que


se consumar a infração, ou, no caso de tentativa, pelo lugar em que for
praticado o último ato de execução.
§1º Se, iniciada a execução no território nacional, a infração se
consumar fora dele, a competência será determinada pelo lugar em
que tiver sido praticado, no Brasil, o último ato de execução.
§2º Quando o último ato de execução for praticado fora do
território nacional, será competente o juiz do lugar em que o crime,
embora parcialmente, tenha produzido ou devia produzir seu
resultado.
§ 3º Quando incerto o limite territorial entre duas ou mais
jurisdições, ou quando incerta a jurisdição por ter sido a infração
consumada ou tentada nas divisas de duas ou mais jurisdições, a
competência firmar-se-á pela prevenção.

Logo, pode-se concluir que o CPP adotou a TEORIA DO RESULTADO para


fixação da competência territorial.
ATENÇÃO: O Código Penal, em seu artigo 6º, adota a
TEORIA DA UBIQUIDADE (considera como lugar do
crime tanto o da ação quanto o do resultado). Parte da
doutrina entende que o artigo CP, por ter tido sua parte
geral modificada em 1984, portanto, posterior ao CPP,
teria revogado o artigo 70 do CPP (posição minoritária). O
entendimento majoritário é no sentido de que o artigo 6º
do CP seria um dispositivo apenas para a aplicação da
norma penal no espaço, ou seja, para crimes que atingem
mais de uma nação, ou seja, quando o delito tenha iniciado
em um país estrangeiro e se consumado no Brasil, ou
vice-versa (crimes à distância).

- Crimes plurilocais:

São aqueles em que a ação e o resultado ocorre em locais diferentes, mas dentro
do território brasileiro.
Exemplo: “A” atirou em “B” na cidade de Naviraí – interior do Mato Grosso do
Sul/MS. “B” é levado para um Hospital com mais recursos em Dourados/MS, onde vem
a falecer em decorrência das lesões causadas pelo tiro.
Atentando-se para a regra do artigo 70 do CPP, a competência para julgamento
de “B” seria a cidade de Dourados/MS, local em que se consumou o crime de
homicídio. No entanto, entendimento majoritário nos Tribunais brasileiro é de que no
caso de crime plurilocal, deve-se levar em consideração o local onde se esgotou o
potencial lesivo da infração, ainda que distinta do resultado, aplicando-se, portanto, a
TEORIA DA ATIVIDADE, para a fixação da competência (princípio do esboço do
resultado), por atender à necessidade probatória do processo e em respeito ao princípio
da busca da verdade real. (Entendimento contrário: Mirabete e Tourinho Filho).

- Crime continuado e permanente praticado no território de duas ou mais


jurisdições:
Professora Ana Paula Correia de Souza
Direito Processual Penal I
Art. 71. Tratando-se de infração continuada ou permanente, praticada
em território de duas ou mais jurisdições, a competência firmar-se-á
pela prevenção.

Exemplo de crime continuado: No dia 25 de setembro, Mévio comete o


crime de roubo contra um motorista de aplicativo, em Taguatinga. No dia 1 de
outubro, utilizando-se do mesmo modus operandi, ele comete um outro crime de roubo
contra um outro motorista de aplicativo, só que agora na Ceilândia. No dia 3 de outubro,
Mévio praticou outro crime de roubo, também contra um motorista de aplicativo, na
Asa Sul.
Considerando o disposto no artigo 71 do CPP, o juiz competente será aquele que
se antecipou na prática de algum ato decisório – regra de prevenção. Caso tenham sido
oferecidas três denúncias, cada uma em uma das circunscrições judiciárias que os
crimes foram cometidos (Taguatinga, Ceilândia e Brasília), o juiz prevento deverá
avocar os processos que correm perante os demais, salvo se já estiverem com sentença
definitiva, conforme disposto no artigo 82/CPP, hipótese em que caberá ao juízo da
execução a unificação das penas.
Art. 82. Se, não obstante a conexão ou continência, forem instaurados
processos diferentes, a autoridade de jurisdição prevalente deverá
avocar os processos que corram perante os outros juízes, salvo se já
estiverem com sentença definitiva. Neste caso, a unidade dos
processos só se dará, ulteriormente, para o efeito de soma ou de
unificação das penas.

- Domicílio ou residência do réu:


É o mais residual de todos. Só será utilizado quando desconhecido o local do
crime (foro supletivo ou subsidiário), nos termos do artigo 72/CPP:
Art. 72. Não sendo conhecido o lugar da infração, a competência
regular-se-á pelo domicílio ou residência do réu.
§1º Se o réu tiver mais de uma residência, a competência firmar-se-á
pela prevenção.
§2º Se o réu não tiver residência certa ou for ignorado o seu paradeiro,
será competente o juiz que primeiro tomar conhecimento do fato.

Exemplo: Crime de furto a um ônibus durante uma viagem interestadual


cometido durante a noite, o que impediu estabelecer comarca em que o veículo estava
quando o crime se consumou. Nesse caso, em sendo identificado o autor do crime e
sendo impossível a descoberta do local em que o crime se consumou, a competência
passe a ser determinada pelo foro do domicílio do réu.

- Eleição de foro:
Só é possível nos casos de ação penal privada (exclusiva ou personalíssima),
conforme o disposto no artigo 73/CPP:
Art. 73. Nos casos de exclusiva ação privada, o querelante poderá
preferir o foro de domicílio ou da residência do réu, ainda quando
conhecido o lugar da infração.
Eugênio Pacelli afirma que essa regra deve ser aplicada com certa reserva e
explica: a regra do lugar do crime, na maioria das vezes, é a mais adequada para a
produção probatória. Por isso, não se pode afastar a possibilidade de uma escolha
premeditada de foro pelo querelante, com o objetivo de enfraquecer a eventual
necessidade de produção de prova (ou contraprova) por parte do querelado. Logo,
Pacelli defende que se o querelante suscitar a incompetência, ante a necessidade da
Professora Ana Paula Correia de Souza
Direito Processual Penal I

realização da instrução probatória no local do crime, deve o Judiciário afastar a regra


facultativa da ação penal privada, em razão do princípio constitucional da ampla defesa.

- Crime praticado fora do território nacional:


Os crimes praticados fora do território nacional, mas que incide a regra da
extraterritorialidade da lei penal (art. 7º do CP), aplica-se o disposto no artigo 88 do
CPP:
Art. 88. No processo por crimes praticados fora do território
brasileiro, será competente o juízo da Capital do Estado onde houver
por último residido o acusado. Se este nunca tiver residido no Brasil,
será competente o juízo da Capital da República.

- Crime praticado a bordo de aeronaves e navios:


Incide as regras dos art. 89 e 90 do CPP:
Art. 89. Os crimes cometidos em qualquer embarcação nas águas
territoriais da República, ou nos rios e lagos fronteiriços, bem como a
bordo de embarcações nacionais, em alto-mar, serão processados e
julgados pela justiça do primeiro porto brasileiro em que tocar a
embarcação, após o crime, ou, quando se afastar do País, pela do
último em que houver tocado.

Art. 90. Os crimes praticados a bordo de aeronave nacional, dentro do


espaço aéreo correspondente ao território brasileiro, ou ao alto-mar, ou
a bordo de aeronave estrangeira, dentro do espaço aéreo
correspondente ao território nacional, serão processados e julgados
pela justiça da comarca em cujo território se verificar o pouso após o
crime, ou pela da comarca de onde houver partido a aeronave.

Atenção! Se o navio ou a aeronave for de grande porte (navio com capacidade


para navegação em alto-mar ou aviões com autonomia para viagens internacionais ou
por longas distâncias), a competência será da Justiça Federal.

Em relação a crimes praticados a bordo de balões de ar quente tripulados, a


competência será da justiça estadual:

Compete à Justiça Estadual o julgamento de crimes ocorridos a bordo


de balões de ar quente tripulados. Os balões de ar quente tripulados
não se enquadram no conceito de “aeronave” (art. 106 da Lei nº
7.565/86), razão pela qual não se aplica a competência da Justiça
Federal prevista no art. 109, IX, da CF/88). (STJ. 3ª Seção. CC
143.400-SP, Rel. Min. Ribeiro Dantas, julgado em 24/04/2019). (Info
648)

DICAS DA TEACHER!

É importante saber:
Professora Ana Paula Correia de Souza
Direito Processual Penal I

→ O juízo do domicílio da mulher vítima de violência doméstica é


competente para deferir as medidas protetivas de urgência, mesmo que a agressão
tenha ocorrido em outra comarca; vale ressaltar, contudo, que a competência para
julgar o crime é do local dos fatos. (STJ. 3ª Seção. CC 190.666-MG, Rel. Min. Laurita
Vaz, julgado em 8/2/2023 (Info 764).)

→ Crimes contra a honra praticados pela imprensa: A competência será do


local onde ocorreu a impressão, ou, no caso de reportagem veiculada pela internet, no
local onde se encontra o responsável pela veiculação (local onde foi concluída a ação
delituosa).

→Estelionato com emissão de cheques:


O estelionato, previsto no art. 171, do CP, é um crime por meio do qual o agente,
utilizando um meio fraudulento, enganando a vítima e fazendo com que ela entregue
espontaneamente uma vantagem, causando prejuízo à vítima.
Algumas vezes pode acontecer de a vantagem ilícita ocorrer em um local e o
prejuízo em outro. A Lei nº 14.155, de 27 de maio de 2021, inseriu o § 4º ao art. 70 do
CPP tratando sobre o tema:
Art. 70.
(...)
§ 4º Nos crimes previstos no art. 171 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de
dezembro de 1940 (Código Penal), quando praticados mediante
depósito, mediante emissão de cheques sem suficiente provisão de
fundos em poder do sacado ou com o pagamento frustrado ou
mediante transferência de valores, a competência será definida pelo
local do domicílio da vítima, e, em caso de pluralidade de vítimas, a
competência firmar-se-á pela prevenção.

Vamos analisar três casos envolvendo estelionato para identificarmos as


mudanças operadas pela novidade legislativa.

a) Crime de emissão dolosa de cheque falsificado (art. 171, caput, do CP):

Neste caso, NÃO se aplica o disposto no § 4º do artigo 70/CPP, pois ele não trata
da hipótese de estelionato praticado por meio de cheque falso, mantendo a validade do
enunciado da Súmula 48 do STJ:
Compete ao juízo do local da obtenção da vantagem ilícita processar e
julgar crime de estelionato cometido mediante falsificação de cheque.

A regra a ser aplicada, portanto, é a do caput do art. 70, o qual estabelece que a
competência será determinada pelo lugar em que se consumar a infração, ou, no caso de
tentativa, pelo lugar em que for praticado o último ato de execução.

b) Crime de emissão dolosa de cheque sem provisão de fundo (art. 171, §


2º, VI):

Aqui houve alteração promovida pela Lei nº 14.155/2021.


Antes da Lei em comento, os enunciados das súmulas 521/STF e 244/STJ
estabeleciam que o foro competente para o processo e julgamento dos crimes de
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Direito Processual Penal I

estelionato, sob a modalidade da emissão dolosa de cheque sem provisão de fundos, é o


do local onde se deu a recusa do pagamento pelo sacado.
Agora, com o disposto no artigo 70, §4º/CPP, as citadas súmulas estão
superadas.

c) Estelionato (artigo 171/CP) praticados pela internet:


Primeiramente, faz-se necessária ressaltar a distinção entre o crime de furto
mediante fraude, em que o autor subtrai o bem da vítima, burlando a vigilância dela
(Exemplo 1) e o crime de estelionato praticado pela internet, no qual o autor induz
alguém em erro, mediante fraude (Exemplo 2).
Exemplo 1: o agente consegue ter acesso aos dados bancários de uma pessoa e
retira, virtualmente, o dinheiro da conta do cliente, burlando o sistema de segurança do
banco. Nesse caso, a vítima do crime é a instituição financeira e o correntista um mero
prejudicado.
Exemplo 2: alguém adquire um produto pela internet, efetuando o pagamento em
favor do autor do crime.
Antes da entrada em vigor da lei nº 14.155/21, aplicava-se o entendimento
pacificado do STJ de que a competência era fixada pelo local da obtenção da vantagem
ilícita e, no exemplo dado, seria o local em que o dinheiro da vítima foi enviado.
Agora, conforme o disposto no §4º do artigo 70/CPP, a competência passou a ser
do local do domicílio da vítima e se houver mais de uma vítima, com domicílios em
locais diferentes, a competência será definida por prevenção, ou seja, será competente
para julgar todos as condutas o juízo do domicílio da vítima que tiver praticado o
primeiro ato do processo ou medida relativa a este, nos termos do art. 83 do CPP.
Frisa-se que essa alteração legislativa não se aplica aos processos penais que
estavam em curso quando entrou em vigor a Lei nº 14.155/2021. Nesse caso, vigora o
princípio da “perpetuatio jurisdictionis” (perpetuação da jurisdição), previsto no art. 43
do CPC/2015 e que pode ser aplicado ao processo penal por força do art. 3º do CPP.
Segundo esse princípio, uma vez iniciado o processo penal perante determinado
juízo, nele deve prosseguir até seu julgamento. Assim, depois que o processo se iniciou
perante um juízo, as modificações que ocorrerem serão consideradas, em regra,
irrelevantes para fins de competência.

- Competência para julgar a apelação criminal interposta contra sentença


de 1ª instância quando mais da metade dos membros do Tribunal de Justiça se
declaram impedidos ou sejam interessados.
Compete ao STF julgar a apelação criminal interposta contra sentença de 1ª
instância caso mais da metade dos membros do Tribunal de Justiça estejam impedidos
ou sejam interessados (STF. 2ª Turma. AO 2093/RN, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgado
em 3/9/2019 - Info 950). Tal entendimento foi fundamentado no art. 102, I, “n”, da
CF/88:
Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a
guarda da Constituição, cabendo-lhe:
I - processar e julgar, originariamente:
(...)
n) a ação em que todos os membros da magistratura sejam direta ou
indiretamente interessados, e aquela em que mais da metade dos
membros do tribunal de origem estejam impedidos ou sejam direta ou
indiretamente interessados.
Professora Ana Paula Correia de Souza
Direito Processual Penal I

VARA OU JUÍZO COMPETENTE:


Havendo mais de um juízo competente, aplica-se, inicialmente, a regra de
distribuição prevista no artigo 75/CPP:
Art. 75. A precedência da distribuição fixará a competência quando,
na mesma circunscrição judiciária, houver mais de um juiz igualmente
competente.
Parágrafo único. A distribuição realizada para o efeito da concessão
de fiança ou da decretação de prisão preventiva ou de qualquer
diligência anterior à denúncia ou queixa prevenirá a da ação penal.

Uma vez distribuído o processo para um dos juízos igualmente competente,


aplica-se a regra do artigo 83 do CPP, o qual estabelece o que é prevenção:
Art. 83. Verificar-se-á a competência por prevenção toda vez que,
concorrendo dois ou mais juízes igualmente competentes ou com
jurisdição cumulativa, um deles tiver antecedido aos outros na prática
de algum ato do processo ou de medida a este relativa, ainda que
anterior ao oferecimento da denúncia ou da queixa (arts. 70, §3º, 71,
72, § 2º, e 78, II, c).

ATENÇÃO! É preciso registrar que as decisões proferidas por magistrado de


plantão em dias não úteis ou relacionadas ao julgamento de HC interposto contra ato
praticado pelo delegado não firmam juízo prevento para julgamento da ação principal.

CONEXÃO E CONTINÊNCIA:
Inicialmente cumpre destacar que a conexão e a continência são institutos ou
regras de modificação de competência territorial (em abstrato) – e não de fixação. São
regras que visam facilitar a colheita de provas e fomentar a economia processual,
reunindo em um só processo, com julgamento único (simultaneus processus) dois ou
mais fatos delituosos, ou dois ou mais réus que praticaram o mesmo crime.

- Conceito de Conexão: é sinônimo de relação, nexo, de forma que somente


resta configurada quando houver algum liame entre uma e outra infração penal, para
facilitar a produção de provas e evitar decisões contraditórias. As causas de conexão
estão previstas no artigo 76 do CPP:
Art. 76 - A competência será determinada pela conexão:
I - se, ocorrendo duas ou mais infrações, houverem sido praticadas, ao
mesmo tempo, por várias pessoas reunidas, ou por várias pessoas em
concurso, embora diverso o tempo e o lugar, ou por várias pessoas,
umas contra a outra; (conexão intersubjetiva)
II - se, no mesmo caso, houverem sido umas praticadas para facilitar
ou ocultar as outras, ou para conseguir impunidade ou vantagem em
relação a qualquer delas; (conexão objetiva)
III - quando a prova de uma infração ou de qualquer de suas
circunstâncias elementares influir na prova de outra infração (conexão
instrumental)
Observa-se que na conexão, o interesse é evidentemente probatório, pois o
vínculo estabelecido entre os delitos decorre da sua estreita ligação.

- Classificação de conexão:
De acordo com a doutrina, a conexão se divide em três
espécies:
Professora Ana Paula Correia de Souza
Direito Processual Penal I

a) Intersubjetiva: ocorre quando houver necessariamente vários crimes E vários


agentes, subdividindo-se em:
a. 1) Conexão intersubjetiva por simultaneidade (ou ocasional): duas ou
mais infrações penais praticadas, ao mesmo tempo, por várias pessoas reunidas,
sem qualquer ajusto prévio, sem uma saber da outra. (≠ concurso de pessoas).

Exemplo: 1) Uma manifestação contra a corrupção que, inicialmente,


era pacífica, culminou na participação de várias pessoas no
cometimento de vários crimes (dano, furtos, ameaças, lesão corporal);
2) Saque simultâneo em um mercado, cometidos por várias pessoas,
sem se conhecerem.

a.2) Conexão intersubjetiva por concurso (ou concursal): duas ou mais


infrações penais praticadas por várias pessoas em concurso (liame subjetivo e
prévio ajuste), ainda que diversos o tempo e o lugar. É hipótese de concurso de
agentes dilatado no tempo.
Exemplo: 1) uma associação criminosa furta ou rouba veículos, em
dias diferentes, para cometer um roubo a um banco; 2) “A” furta um
documento, “B” o falsifica e “C” pratica estelionato com o documento
falsificado; 3) “A”, “B” e “C” cometem 4 roubos de veículos em 1
mês.

a. 3) Conexão intersubjetiva por reciprocidade: duas ou mais infrações


penais cometidas por duas ou mais pessoas, umas contra as outras.
Exemplo: Briga entre torcidas de futebol ou gangs de jovens (vários
crimes de lesões corporais).

Atenção! A ideia do crime de rixa deve ser afastada, pois


trata-se de crime único. Para sua configuração, basta a participação
dos rixosos no entrevero, no mínimo três, de modo a não ocorrer se
houver a identificação da atividade de cada um. Se for perfeitamente
possível individualizar a responsabilidade de cada um do grupo pelos
atos praticados, não há que se falar no crime de rixa. Em tal hipótese,
serão eles responsabilizados individualmente pelos fatos praticados
(lesão corporal, homicídio, contravenção penal de vias de fato).

b) Objetiva (teleológica, finalista, lógica ou material): se revela quando o crime é


praticado para facilitar a execução de outro, ocultar-lhe ou garantir a manutenção da sua
vantagem. Os crimes podem ser praticados por apenas uma pessoa ou várias.
Exemplo: o agente pratica um crime visando a prática de um segundo
(homicídio do segurança para o fim de se sequestrar o seu patrão) ou o agente de
um primeiro crime pratica um segundo crime como forma de assegurar a
vantagem antes obtida (ocultar o cadáver para que o homicídio não seja
descoberto).

c) Instrumental (probatória ou processual): se concretiza quando a prova de um


crime influencia na existência de outro. Nesse caso, não há qualquer relação de tempo e
espaço entre delitos.
Professora Ana Paula Correia de Souza
Direito Processual Penal I

Exemplos: 1) Crime antecedente, cujo rol está descrito no artigo 1º da


lei nº 9.613 e a lavagem ou ocultação de bens, direito e valores; 2)
crime de furto auxiliando na prova do delito de receptação.

- Conceito de Continência:
Como o próprio nome indica, ocorre quando os elementos de um fato criminoso
(partes, pedido e causa de pedir) contém outros, o que impõe que o julgamento de todos
seja realizado em conjunto. É nesse sentido a determinação do artigo 77 do CPP .
Art. 77 - A competência será determinada pela continência quando:
I - duas ou mais pessoas forem acusadas pela mesma infração
(continência subjetiva);
II - no caso de infração cometida nas condições previstas nos
arts. 70 , 73 e 74 do Código Penal (continência objetiva).

No caso da continência, o que se pretende é, diante de um mesmo fato praticado


por 2 ou mais pessoas, ou no caso de 2 ou mais fatos delituosos, manter uma coerência
na decisão, evitando tratamento diferenciado que poderia ocorrer caso o processo fosse
desmembrado e os agentes julgados em separado.

- Classificação de Continência:
a) Subjetiva: quando duas ou mais pessoas forem
acusadas da mesma infração penal – concurso eventual de crimes (art. 29/CP) ou
necessário de crimes (plurissubjetivo). Não há pluralidade de crimes, mas de pessoas.
Exemplo: Coautoria em crime de homicídio.

b) Objetiva: quando os crimes são cometidos na forma dos artigos 70 (concurso


formal), 73 (erro na execução/aberratio ictus) e 74 (resultado diverso do pretendido/
aberratio criminis). Existe uma unidade delitiva por ficção normativa.

- Regras para definição da competência nos casos de conexão ou


continência:

O artigo 78 estabelece uma série de regras a serem


observadas para definição do foro prevalente (força
atrativa):
Art. 78. Na determinação da competência por conexão ou continência,
serão observadas as seguintes regras:
I - no concurso entre a competência do júri e a de outro órgão da
jurisdição comum, prevalecerá a competência do júri;
Il - no concurso de jurisdições da mesma categoria:
a) preponderará a do lugar da infração, à qual for cominada a
pena mais grave;
1º) Pena mínima mais alta;
2º) Regimes de cumprimento de pena (reclusão ou
detenção);
3º) Existência de pena de multa.
Exemplo: Roubo em Belo Horizonte/MG e receptação da res furtiva
em Contagem/MG – ambos os crimes serão julgados em Belo
Horizonte.
Professora Ana Paula Correia de Souza
Direito Processual Penal I
b) prevalecerá a do lugar em que houver ocorrido o maior
número de infrações, se as respectivas penas forem de igual gravidade;
Exemplo: 2 furtos simples em Salvador/BA e uma receptação simples
em Correntina/BA – Julgados em Salvador.

c) firmar-se-á a competência pela prevenção, nos outros casos;


III - no concurso de jurisdições de diversas categorias, predominará a
de maior graduação;
IV - no concurso entre a jurisdição comum e a especial, prevalecerá
esta.

Afastada a incidência dos incisos III e IV, significa que estamos diante de crimes
submetidos à jurisdição da mesma categoria. Passa-se, então, à análise do inciso II,
logo, caso algum dos crimes seja de competência do Júri, todos irão para o Tribunal do
Júri (vis atractiva). Caso nenhum seja de competência do Júri, passemos então ao inciso
II, sendo suas alíneas consideradas rigorosamente na ordem descrita.

Não obstante o exposto acima, importante destacar novamente o disposto no


artigo 82/CPP:
Art. 82. Se, não obstante a conexão ou continência, forem instaurados
processos diferentes, a autoridade de jurisdição prevalente deverá
avocar os processos que corram perante os outros juízes, salvo se já
estiverem com sentença definitiva. Neste caso, a unidade dos
processos só se dará, ulteriormente, para o efeito de soma ou de
unificação das penas.

Atenção: “Sentença definitiva” significa a mera sentença recorrível, ou seja, de


primeiro grau e passível de recurso. Para corroborar este entendimento, ressalta-se o
disposto na súmula 235/STJ e no Informativo 764:

Súmula 235/STJ: A conexão não determina a reunião dos


processos, se um deles já foi julgado.

Havendo sentença prolatada quanto ao delito conexo, a


competência para julgamento do delito remanescente deve
ser aferida isoladamente (STJ. 3ª Seção. CC 193.005-MG,
Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 8/2/2023). (Info 764)
Ademais, o STJ posicionou-se no sentido de que a reunião de feitos por conexão
não possui natureza absoluta, podendo ser mitigada quando ensejar atraso na tramitação
de processos com instrução encerrada, de acordo com Informativo Especial 10. No caso
concreto, o MPE havia oferecido denúncia, na Justiça Estadual, contra inúmeras
pessoas, pelos crimes de estelionato, extorsão e organização criminosa e,
posteriormente, ao final da instrução, identificaram-se indícios da prática de evasão de
divisas e de lavagem de dinheiro, delitos de competência da Justiça Federal. Após o
magistrado estadual declinar de sua competência para a Justiça Federal, o MPF requereu
o desmembramento entre os delitos de competência estadual e federal, e a devolução
dos autos ao juízo estadual, para julgamento, o que foi mantido pelo STJ.
A reunião dos feitos por força de conexão não ostenta
natureza absoluta, sendo adequado excepcionar a sua
incidência na hipótese em que a aplicação ensejaria um
atraso na tramitação de ação em estágio avançado
Professora Ana Paula Correia de Souza
Direito Processual Penal I

(instrução encerrada). (STJ. 3ª Seção. CC 190.445-SP, Rel.


Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 28/9/2022). (Info
Especial 10).

CISÃO PROCESSUAL OBRIGATÓRIA E FACULTATIVA:


A cisão processual é oriunda de regras de modificação de competência, e não de
fixação.

- Obrigatória:
O artigo 79/CPP trata de casos de cisão processual obrigatória, ainda que exista a
conexão ou a continência:
Art. 79. A conexão e a continência importarão unidade de processo e
julgamento, salvo:
I - no concurso entre a jurisdição comum e a militar; (Súmula 90/STJ)
II - no concurso entre a jurisdição comum e a do juízo de menores.
§1º Cessará, em qualquer caso, a unidade do processo, se, em relação
a algum corréu, sobrevier o caso previsto no art. 152.
§2º A unidade do processo não importará a do julgamento, se houver
corréu foragido que não possa ser julgado à revelia, ou ocorrer a
hipótese do art. 461 (artigo 469 atualmente).

- Comentários ao artigo:
I – A justiça Militar não prevalece, ela cinde. Ou seja, se são todos crimes
militares, vão para a Justiça Militar, do contrário, separa.

II – Havendo um concurso de agentes entre imputáveis e inimputáveis (menores


de 18 anos), haverá a separação, com um processo tramitando em vara especializada
para apuração do ato infracional.

§1º Quando for verificada uma doença mental superveniente ao crime em um


dos corréus o processo será separado, pois em relação a esse correu, o processo ficará
suspenso. Quando a doença é preexistente ao fato criminoso, o réu é considerado
inimputável (art. 26/CP) e o processo segue, com a eventual pena sendo substituída por
medida de segurança.

§2º Existem 2 situações:


a) Um dos réus é citado e o outro não. Com relação ao citado, o processo
continua, e em relação ao revel, incide a suspensão do processo, nos termos do artigo
366/CPP.
b) Após a alteração substancial do rito do Júri pela lei 11.689/2008, a
única possibilidade de cisão no plenário do Júri é o caso de estouro de urna, nos termos
do artigo 469/CPP. Ou seja, se em razão das recusas não for obtido o número mínimo de
7 jurados para compor o conselho de sentença. Nesse caso, será julgado em primeiro
lugar o acusado a quem foi atribuída a autoria do fato ou, em caso de coautoria,
aplica-se o critério de preferência do artigo 429/CPP.

Art. 469. Se forem 2 (dois) ou mais os acusados, as recusas poderão


ser feitas por um só defensor.

Art. 429. Salvo motivo relevante que autorize alteração na ordem dos
julgamentos, terão preferência:
Professora Ana Paula Correia de Souza
Direito Processual Penal I
I – os acusados presos:
II – dentre os acusados presos, aqueles que estiverem há mais tempo
na prisão;
III – em igualdade de condições, os precedentemente pronunciados.

- Facultativa:
Está prevista no artigo 80/CPP:
Art. 80. Será facultativa a separação dos processos quando as
infrações tiverem sido praticadas em circunstâncias de tempo ou de
lugar diferentes, ou, quando pelo excessivo número de acusados e para
não lhes prolongar a prisão provisória, ou por outro motivo relevante,
o juiz reputar conveniente a separação.

- Perpetuação da Jurisdição:
Está prevista no artigo 81/CPP:
Art. 81. Verificada a reunião dos processos por conexão ou
continência, ainda que no processo da sua competência própria venha
o juiz ou tribunal a proferir sentença absolutória ou que desclassifique
a infração para outra que não se inclua na sua competência, continuará
competente em relação aos demais processos.
Parágrafo único. Reconhecida inicialmente ao júri a competência por
conexão ou continência, o juiz, se vier a desclassificar a infração ou
impronunciar ou absolver o acusado, de maneira que exclua a
competência do júri, remeterá o processo ao juízo competente.
Professora Ana Paula Correia de Souza
Direito Processual Penal I

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