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Professora Ana Paula Correia de Souza

Direito Processual Penal I

PRINCÍPIOS PROCESSUAIS

Princípio, segundo consta no dicionário Aurélio, significa o primeiro impulso


dado a uma coisa; ato de principiar uma coisa; origem; causa primária. Logo, os
princípios que regem o direito processual penal constituem o marco inicial da construção
de toda a dogmática jurídico-processual penal, tomando por base os princípios gerais do
direito.
Cumpre ressaltar que o Direito Processual Penal é, essencialmente, um
Direito de fundo constitucional, pois seus princípios se apresentam como normas
fundamentais do sistema processual, os quais cumprem a tarefa de proteção aos direitos
fundamentais. São os princípios constitucionais que vão efetivamente constituir um
processo penal. Sendo assim, importante se faz a análise de alguns princípios
constitucionais:
1. Princípios constitucionais:
1.1 – Princípio da dignidade da pessoa humana:
Constitui não só um princípio, mas um fundamento republicano, conforme o
disposto no artigo 1º, inciso III, da CF. Este princípio fundamental deve nortear toda a
edição, interpretação e aplicação das regras jurídicas.
Decorrente disto, tem-se no inciso III do artigo 5º da CF que "ninguém será
submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante", tendo o constituinte
especificado indiretamente duas garantias processuais, quais sejam:
a) o processo penal não pode servir como meio para a aplicação da pena de
tortura ou da pena de morte ou para a sujeição de quem quer que seja a tratamento
desumano ou degradante, como sanção final;
b) o processo penal não pode assumir ele mesmo forma desumana, com
procedimentos que exponham o homem a posições ou situações degradantes, torturantes
ou vexatórias.
Segundo Guilherme de Souza Nucci, tal princípio “modernamente, representa
a união de todos os princípios penais e processuais penais, indicativo da regularidade
ímpar do processo penal” (2011, p. 84).
Logo, o princípio da dignidade da pessoa humana é a própria razão de ser de
todos os princípios jurídicos, buscando o constituinte que as normas brasileiras como um
todo, ainda que no âmbito do direito punitivo, não afastem do indivíduo o seu mínimo
existencial, garantindo-se mesmo ao criminoso o respeito a sua autoestima e a sua
integridade física e moral.
E, apenas à título de complementação, destaca-que para o constitucionalista
português José Gomes Canotilho, diferentemente do que ocorre com os direitos
fundamentais, o princípio da dignidade se apresenta de forma mais difícil de ser
concretizado. Para o autor, a Teoria dos cinco componentes traz essa concretude, a qual
estabelece esses componentes como sendo:
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a) Integridade Física e Espiritual: Garante a proteção do corpo e da mente. O


corpo é um espaço intangível, não podendo ser violado, daí a importância para o Direito
Penal. No processo penal tem-se a limitação das provas justamente para respeitar a
dignidade humana. Não pode haver tortura, droga da verdade, extração de sangue,
inspeção de cavidades, intervenções corporais com o objetivo de produzir provas.
b) Mínimo existencial (libertação da angústia da existência): Quando não se
tem o mínimo existencial, o homem vive a angústia. Esse componente garante que
ninguém poderá ser privado do básico para sobreviver, garantindo, assim, o mínimo de
dignidade.
c) Identidade e desenvolvimento da personalidade: É o direito de ser aquilo
que deseja ser. O homem quer se singularizar no mundo e qualquer sistema de
padronização avilta a dignidade humana. O homem não se resume a um animal que nasce,
cresce se reproduz e morre. O homem tem o direito de criar a sua própria identidade.
d) Autonomia frente ao Estado: É o Estado que serve ao homem (e não o
contrário). O Estado não pode ter o domínio total sobre o homem.
e) Igualdade de tratamento perante a lei: A dignidade é uma qualidade
inerente a qualquer pessoa, independentemente de sua condição social, econômica, de
gênero, raça ou religião. Assim, o homem/mulher passa a ter direito a ser tratado com
dignidade pelo simples fato de se ser humano, não sendo possível estabelecer qualquer
condicionante para o exercício deste direito.

1.2 - Princípio da Legalidade:


O art. 5º, inciso XXXIX, da CF estabelece que “não há crime sem lei anterior
que o defina, nem pena sem prévia cominação legal” (nullum crimen, nulla poena sine
praevia lege).
Disso decorre afirmar que a possibilidade de instauração de persecução penal
é vinculada à existência de elementos mínimos indicativos da prática de infração penal
(crime ou contravenção).

1.3 - Princípio do Devido Processo Legal:


A Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso LIV, estabelece que
“ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”. Tal
preceito é uma garantia de que todo cidadão terá seus direitos respeitados sem nenhuma
restrição, senão diante da tramitação regular e legal de um processo.
Observa-se que o constituinte não especificou o tipo de liberdade, como feito
em outros incisos do mesmo artigo (a exemplo, XIII e XVII), não podendo, portanto, ser
feita uma interpretação restritiva do citado dispositivo legal. Logo, entende-se que a
expressão da liberdade compreende não só a liberdade de locomoção, mas toda e qualquer
liberdade prevista no ordenamento jurídico.
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“Forma é garantia, e o descumprimento do procedimento tipificado é causa


de nulidade por evidente violação ao princípio do devido processo penal” (MARCÃO, p.
59).
Para Paulo Rangel (2013, p.05), “o devido processo penal é o princípio reitor
de todo o arcabouço jurídico processual. Todos os outros derivam dele”.

1.4 – Princípio do juiz e promotor naturais:


A Constituição Federal, em seu artigo 5º, incisos XXXVII e LIII,
respectivamente, estabelece que “não haverá juízo ou tribunal de exceção” e que
“ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente”.
Tais dispositivos constitucionais garantem a todos os sujeitos de direitos de
serem julgados por um órgão jurisdicional pertencente a jurisdição ordinária,
comprometido com os princípios constitucionais da igualdade, impessoalidade e
anterioridade, constituído com base nas normas comuns de competências
preestabelecidas, tanto na CF, quanto no CPP que adotaram o sistema de distribuição de
competências entre os órgãos da jurisdição (lugar da infração; natureza da infração e/ou
distribuição aleatória; de conexão; continência; de prevenção ou prerrogativa de função).
Disso decorre não apenas a exigência de um juiz regularmente investido no
cargo, mas que ele seja o juiz competente para o caso.
Acerca do princípio do promotor natural, Nery Junior (2004, p.125)
estabelece que, extrai-se da locução “processar”, constante no inciso LIII citado acima,
sentido de que é a atribuição que se confere ao Ministério Público para mover ação
judicial, pois somente ele pode “processar” alguém; não mais o juiz, a quem se aplica o
vocábulo “sentenciar” constante da mesma norma constitucional em exame.
No entanto, este não é um entendimento unânime. Para alguns doutrinadores,
tal princípio não está previsto de forma expressa em nenhum dispositivo legal, o qual
decorre logicamente do sistema processual e de garantias fundamentais adotadas.
Para Paulo Rangel (p. 36), o princípio do promotor natural é decorrente da
dedução lógica do princípio da independência funcional (art. 127, §1º/CF), bem como da
garantia constitucional da inamovibilidade (art. 128, §5º, inciso I, “b”/CF), o que garante
exercício do ofício livre de qualquer pressão, inclusive no caso de avocação de um IP ou
processo do âmbito das atribuições de um membro do MP pelo PGR.

1.5 - Princípio da publicidade:


A publicidade dos atos processuais integra o devido processo legal e
representa uma das mais sólidas garantias do direito da defesa e está expressamente
previsto no art. 5º, LX, c/c art. 93, IX/CF.
No direito brasileiro vigora, em regra, o princípio da publicidade absoluta
(externa ou ampla), já que qualquer pessoa pode assistir (fiscalizar) de perto a atividade
jurisdicional.
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No entanto, existem casos previstos em lei que vigora a publicidade interna


ou restrita, quando a defesa da identidade ou o interesse social assim exigirem, como no
caso da votação na sala secreta no Tribunal do Júri (art. 485/CPP). Tal exceção também
pode ser constatada no §1° do artigo 792/CPP e no artigo 234-B/CP.

1.6 - Princípio da presunção de inocência (estado de inocência ou


presunção de não culpabilidade):
A origem deste princípio remete-se ao artigo 9º da Declaração de Direitos do
Homem e do Cidadão (1789), o qual dispõe que “todo acusado é considerado inocente
até ser considerado culpado”.
Tal dispositivo foi oriundo do “Iluminismo”, que teve à frente Beccaria,
Rousseau, Montesquieu. Foi uma época de rompimento com a mentalidade de que o
acusado era objeto do processo, sem qualquer garantia, em que vigoravam acusações
secretas e torturas (sistema processual penal inquisitório).
Este princípio foi consagrado também na Declaração Universal dos Direitos
do Homem, da ONU, em 1948.
Corroborando o disposto no enunciado acima, o artigo 8º, §2º, da Convenção
Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de são José da Costa Rica - 1969), adotado
pelo Brasil em 1993, pelo Decreto 678, estabelece que “toda pessoa acusada de delito tem
direito a que se presuma sua inocência enquanto não se comprovar legalmente sua culpa”.
O princípio em comento também está previsto de forma expressa na CF, em
seu artigo 5º, LVII, da CF, segundo o qual “ninguém será considerado culpado até o
trânsito em julgado de sentença penal condenatória”.
Deste princípio se extrai 2 dimensões:
a) Dimensão interna ao processo:
a. Regra probatória (in dubio pro reo) – no processo penal, milita em
favor do acusado a presunção relativa (juris tantum) de que ele é
inocente, de tal modo que cabe ao ACUSADOR o ônus de prova
em sentido contrário. Logo, se ao final do processo restar dúvida
(da autoria e/ou da materialidade), está será interpretada em favor
do causado, devendo este ser absolvido (art. 386, V ou VII/CPP).
b. Regra de tratamento: o estado de inocência (e não a presunção)
encontra efetiva aplicabilidade, sobretudo no campo da prisão
provisória, principalmente depois do advento da lei nº
12.403/2011 (Lei que alterou dispositivos do Código de Processo
Penal, relativos à prisão processual, fiança, liberdade provisória,
demais medidas cautelares, e dá outras providências). O princípio
exige que toda privação de liberdade antes do trânsito em julgado
deve ostentar natureza cautelar, ou seja, proíbe a antecipação dos
efeitos da condenação (prisão), quando não fundada em razões de
extrema necessidade.
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b) Dimensão externa ao processo: é exigida uma proteção contra a


publicidade abusiva e a estigmatização do réu. “O bizarro espetáculo
montado pelo julgamento midiático deve ser coibido pela eficácia da
presunção de inocência” (Aury Lopes Junior [2020]).

Sobre o princípio em comento, faz-se necessário ressaltar o entendimento do


STF acerca da execução da pena após condenação em segunda instância.
Até fevereiro de 2009, o STF entendia pela possibilidade de execução
antecipada da pena. Assim, se o réu interpusesse Resp e RE, ele teria que iniciar o
cumprimento da pena.
Em 05/02/2009, o então Ministro Eros Grau mudou o entendimento e passou
a defender que tal possibilidade seria incompatível com o texto constitucional. Logo, para
que o acusado que teve a sua condenação confirmada em segunda instância só poderia
aguardar o julgamento do Resp e do RE preso se estivessem presentes os pressupostos e
fundamentos para a prisão preventiva (medida cautelar).
Em 17 de fevereiro de 2016, no julgamento do HC 126.292, de relatoria do
Min. Teori Zavascki, o Plenário do STF entendeu, por maioria de votos, que o artigo 283
do CPP não impedia o início da execução da pena após condenação em segunda instância.
Diante disso, foi alterado o entendimento do STF quanto a lei ordinária (art. 283/CPP),
com repercussão na ideologia normativa da presunção de inocência lapidada no artigo 5º,
inciso LVII, da Constituição, sem declarar a inconstitucionalidade do artigo em
referência. Esse entendimento foi sustentado para, inclusive, indeferir os pedidos
liminares pleiteadas nas Ações Declaratórias de Constitucionalidade (ADC’s) 43 e 44.
No citado julgamento do citado HC, foram usados os seguintes fundamentos:
a) O Resp e o RE não têm efeitos suspensivo (art. 637/CPP);
b) O encerramento do julgamento perante a 2° instância esgota a discussão
de fatos e provas, sendo possível apenas a discussão de matéria de direito
perante o STJ e o STF;
c) Necessidade de equilibrar o princípio da presunção de inocência e a
efetividade da prestação jurisdicional penal;
d) Em nenhum país do mundo, depois de observado o duplo grau de
jurisdição, a execução da pena fica suspensa aguardando o julgamento de
recursos pelos Tribunais Superiores.
Em novembro de 2019, o Supremo Tribunal Federal finalizou o julgamento
das ADC’s 43, 44 e 54 e atestou, por apertada maioria de votos (6 votos a 5), a
constitucionalidade do artigo 283 do Código de Processo Penal e pela
inconstitucionalidade da execução provisória da pena privativa de liberdade em face da
violação ao disposto no art. 5º, inciso LVII, da CF, que consagra o princípio da presunção
de inocência. à ouverruling.1

1
Por overruling entende-se a mudança de entendimento de determinado tribunal acerca de tema jurídico
anteriormente pacificado, por alteração no ordenamento jurídico ou por evolução fática histórica.
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Desse modo, com a decisão de procedência destas ADCs, o STF, em essência,


reconhece que a execução provisória da pena privativa de liberdade não está prevista no
art. 283 do CPP, que é constitucional, daí porque ela ofende a presunção de inocência
insculpida no art. 5º, inciso LVII, da Carta Magna Federal. Importante frisar que a decisão
em comento foi proferida em sede de controle concentrado de constitucionalidade, razão
pela qual seus efeitos são vinculantes e erga omnes.
Assim, o princípio em comento provoca, dentre ouras, três importantes
consequências no Processo Penal:
a) O ônus da prova, em regra, cabe à acusação;
b) Excepcionalidades das prisões cautelares;
c) Excepcionalidades das medidas de constrição de direitos individuais.

1.7 - Princípio do contraditório (ou da bilateralidade da audiência):


Princípio previsto no artigo 5º, inciso LV da CF, o qual estabelece que “aos
litigantes (partes de processos não punitivos, titulares de interesses conflitantes), em processo
judicial ou administrativo (gênero [≠ procedimento administrativo, como o IP]), e aos acusados
em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela
inerentes”.
O contraditório conduz ao direito de audiência e às alegações das partes de
forma dialética. Trata-se de princípio extraído do brocado audiatur et altera pars (que a
outra parte seja também ouvida). Ou seja, o contraditório é observado quando se criam as
condições ideais de fala e oitiva da outra parte, ainda que ela não queira utilizar-se de tal
faculdade. É, essencialmente, o direito de ser informado e de participar do processo (dois
elementos: informação e reação).
Logo, para que o princípio em comento tenha aplicabilidade, é necessário que
sejam atendidos 3 direitos das partes:
a) Direito de ser intimado sobre os fatos e provas – Direito à informação;
b) Direito de se manifestar sobre os fatos e provas e de interferir
efetivamente no pronunciamento do juiz – Direito de participação.
A doutrina moderna caminha para a inclusão no princípio em comento, do
princípio da paridade de armas. Assim, para que o direito ao contraditório seja
efetivamente garantido, é necessário garantir a oportunidade de resposta na mesma
intensidade e extensão.
O princípio em análise, em alguns casos, tem um efeito postergado, pois é
incompatível com a natureza da medida que se precisa adotar, como no caso a
interceptação telefônica, Lei nº, 9.296/96, in verbis:
Art. 1º: A interceptação de comunicações telefônicas, de qualquer natureza,
para prova em investigação criminal e em instrução processual penal, observará
o disposto nesta Lei e dependerá de ordem do juiz competente da ação principal,
sob segredo de justiça).
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A decretação da medida e a ciência ao acusado da adoção da mesma, pelo


menos naquele ato, são incompatíveis. Neste caso, o devido processo legal exige a
presença do contraditório após a colheita do material probatório, sob pena de nulidade.
O contraditório admite exceções? NÃO, na fase processual, sendo,
em regra, um contraditório real (feito na formação do elemento de
prova – contraditório para a prova) ou, excepcionalmente, um
contraditório postergado/diferido (feito após a formação da prova
– contraditório sobre a prova).

1.8 - Princípio da ampla defesa:


Princípio previsto no artigo 5º, inciso LV da CF, o qual estabelece que “aos
litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são
assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”.
Tal princípio se que traduz na liberdade inerente ao indivíduo (no âmbito do
Estado Democrático) de, em defesa de seus interesses, alegar fatos e propor provas.
A ampla defesa deve ser observada sobre 2 enfoques que se complementam:
1) Defesa Técnica: É aquela exercida por profissional habilitado (advogado
ou defensor público).
A exigência de um advogado no processo criminal visa garantir a igualdade
de partes, do ponto de vista técnico, visto que a acusação é feita, em regra, pelo Ministério
Público.
A propósito, o STF sumulou o seguinte entendimento: “No processo penal, a
falta da defesa constitui nulidade absoluta, mas a sua deficiência só o anulará se houver
prova de prejuízo para o réu.” (Súmula nº 523). Sendo assim, exige-se, além da presença
formal de um defensor, a defesa substancial, sendo ela efetiva, atuante e tecnicamente
ampla.
O CPP confirma a necessidade de defesa técnica, o que traduz o caráter
indeclinável (indisponível e irrenunciável) da defesa técnica:
Art. 261. Nenhum acusado, ainda que ausente ou foragido, será processado ou
julgado sem defensor.

Art. 263. Se o acusado não o tiver, ser-lhe-á nomeado defensor pelo juiz,
ressalvado o seu direito de, a todo tempo, nomear outro de sua confiança, ou a si
mesmo defender-se, caso tenha habilitação.

Além disso, as súmulas 523 e 708 do STF reiteram este entendimento.

2) Autodefesa: Consiste na intervenção direta da pessoa do acusado no


processo.
A autodefesa se manifesta por meio do direito de presença (garantia de
acompanhar, com seu advogado, todos os atos de instrução do processo), sendo este,
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relativo, pois havendo situações em que esse direito cause constrangimento à vítima ou
às testemunhas, e na impossibilidade de realização do ato por videoconferência, o
magistrado poderá determinar a retirada do acusado, prosseguindo com o feito na
presença do defensor do acusado (art. 217/CPP). Além disso, manifesta-se a autodefesa
pelo direito de audiência, que consiste na garantia de apresentar-se diante da autoridade
(policial ou judicial) para dar sua versão aos fatos, por meio do interrogatório.
Do princípio da autodefesa ainda deriva a capacidade postulatória
autônoma do acusado para praticar, pessoalmente, alguns atos processuais, como, por
exemplo, a interposição de recurso (à termo), provocar incidentes de execução
(progressão de regime, livramento condicional, etc.) e a impetração de Habeas Corpus.
A autodefesa, ou contrário da defesa técnica, é renunciável pelo acusado,
visto que a ele é também garantido o direito constitucional de permanecer em silêncio
(artigo 5º, LXIII/CF).

DEFESA TÉCNICA Direito de


(Indispensável) audiência
AMPLA DEFESA
AUTODEFESA Direito de
(Dispensável) Presença

Capacidade
postulatória do
acusado

Por fim, convém destacar que o princípio da ampla defesa é diferente do princípio
da plenitude de defesa, previsto expressamente no artigo 5°, XXXVIII, ‘a’/CF, o qual é
aplicado especificadamente no rito do Tribunal do Júri.

1.9 - Princípio da razoável duração do processo:


O Princípio está previsto na CF, em seu artigo 5º, LXXVIII, da CF, segundo
o qual “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração
do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”.
Tal dispositivo, apesar de ser relativamente novo, por ter sido incluído na
Carta Magna pela Emenda Constitucional nº 45, em 2004, não inovou o ordenamento
jurídico brasileiro, visto que o Brasil é signatário do Pacto de São José da Costa Rica
(1969), qual assegura a toda pessoa o direito de ser ouvida perante um juiz ou tribunal
dentro de um prazo razoável.
Artigo 8. Garantias judiciais

1. Toda pessoa tem direito a ser ouvida, com as devidas garantias e


dentro de um prazo razoável, por um juiz ou tribunal competente,
independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na
apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou para que
se determinem seus direitos ou obrigações de natureza civil, trabalhista,
fiscal ou de qualquer outra natureza.
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Não há na legislação brasileira determinação expressa indicando qual seria a


duração razoável do processo. Atrelado a este princípio, deve ser aplicado o princípio da
razoabilidade.
Segundo Paulo Rangel (p. 43), trata-se de uma norma programática, que não
possui instrumentalidade efetiva. “Achar que um processo foi feito para andar rápido é
ingenuidade de quem não conhece o sistema judicial brasileiro”.
A jurisprudência é unanime no sentido de que não há violação do citado
princípio se a demora na instrução criminal for justificada pela complexidade da ação
penal, consubstanciada por exemplo, na necessidade de expedição de cartas precatórias,
julgamento de incidentes processuais, bem como de realização de exames e perícias e
outras diligências, tais como degravação de conversas telefônicas interceptadas,
expedição de ofícios, a pluralidade de acusados e de testemunhas, assim como a existência
de autos muito volumosos, que demandem maior tempo para a análise e ordenação dos
atos.
O STF já teve a oportunidade de decidir pela possibilidade de o Tribunal de
Justiça convocar juízes de primeiro grau para atuarem perante o órgão ad quem por força
da sobrecarga de trabalho, visando justamente efetivar o princípio em comento.
«VOCÊ SABIA?

O Brasil, por exemplo, já foi condenado pela Corte Interamericana de


Direitos Humanos, no caso Ximenes Lopes. O processo penal deste
caso foi extremamente tumultuado e a forma como ele foi conduzido
foi censurada pela Corte Interamericana. A denúncia foi incompleta,
obrigando a que houvesse posterior aditamento para inclusão de mais
réus, gerando inegável tumulto processual. A Corte entendeu que
haviam sido violados os arts. 4º (direito a vida), 5º (direito a integridade
física), 8º (direito às garantias judiciais) e 25 (direito à proteção judicial)
do Pacto de San José da Costa Rica, em razão de excessiva demora na
prestação da tutela cível e penal, tendo considerado como fundamentos
para a condenação a complexidade do caso, a atuação processual dos
interessados e do Estado (LOPES JÚNIOR, págs.175 a 178).

1.10 - Princípio da fundamentação das decisões judiciais:


Esse princípio está expresso no art. 93, IX, da CF, ao estabelecer que todas as
decisões do Poder Judiciário serão fundamentadas, sob pena de nulidade.
Este princípio visa controlar a eficácia do contraditório e do devido processo
legal e serve para o controle da racionalidade da decisão judicial. A fundamentação se
presta a demonstrar qual a interpretação foi dada pelo juiz às provas dos autos, bem como
da regra jurídica aplicável ao caso, seu conhecimento do processo, impessoalidade e senso
de justiça.
A fundamentação deve estar presente não apenas na “sentença”, mas em todas
as decisões interlocutórias, principalmente aquelas que implicam restrições de direitos e
garantias fundamentais (decretação de prisão preventiva, deferimento de interceptação
telefônica, busca e apreensão, etc).
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Ressalta-se que a Lei 13.964/19 (Pacote Anticrime) acrescentou ao artigo 315


do CPP o §2º, o qual dispõe hipóteses que configuram uma sentença vazia, ou seja, sem
fundamentação.
§ 2º Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela
interlocutória, sentença ou acórdão, que

I - limitar-se à indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo,


sem explicar sua relação com a causa ou a questão decidida;

II - empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo


concreto de sua incidência no caso;

III - invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra


decisão;

IV - não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes


de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador;

V - limitar-se a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem


identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso
sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos;

VI - deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou


precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de
distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento.

1.11 - Princípio do "nemo tenetur se detegere" (nada a temer por se


deter):
Está implicitamente previsto no artigo 5º, inciso LXIII, da CF: “o preso será
informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada
a assistência da família e de advogado”.
Decorre dos princípios da presunção de inocência; ampla defesa; direito ao
silêncio. Corresponde ao direito constitucional do acusado de permanecer em silêncio e
de não produzir provas contra si mesmo, sem que dessa inércia resulte prejuízo jurídico
para ele.
O CPP também prevê o princípio em comento, ao dispor, no seu artigo 186 o
seguinte:
Art. 186. Depois de devidamente qualificado e cientificado do inteiro
teor da acusação, o acusado será informado pelo juiz, antes de iniciar o
interrogatório, do seu direito de permanecer calado e de não responder
perguntas que lhe forem formuladas.

Parágrafo único. O silêncio, que não importará em confissão, não


poderá ser interpretado em prejuízo da defesa.

Por força deste princípio é que a doutrina e a jurisprudência do STF e do STJ


majoritárias vêm considerando que o acusado não está obrigado a participar de atividades
probatórias como o fornecimento de material para o exame grafotécnico, bafômetro ou
de espectograma (padrões vocais).
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2. Princípios gerais processuais:


2.1 – Princípio da obrigatoriedade da ação penal pública (ou da
legalidade processual) - art.24/CPP:
O princípio da legalidade ou da obrigatoriedade está demonstrado no artigo
24, caput, do Código de Processo Penal, o qual dispõe o seguinte:
Art. 24. Nos crimes de ação pública, esta será promovida por denúncia
do Ministério Público, mas dependerá, quando a lei o exigir, de
requisição do Ministro da Justiça, ou de representação do ofendido ou
de quem tiver qualidade para representá-lo.

Dispondo o Ministério Público de elementos mínimos para a propositura da


ação penal (prova da materialidade e indícios suficientes de autoria), deverá promovê-la,
sem a intervenção de critérios políticos, de utilidade social ou conveniência e
oportunidade.

2.2 – Princípio da demanda (da inércia; da iniciativa das partes ou


dispositivo):
Este princípio veda que o juiz dê início, de ofício, à ação penal, exigindo, para
tanto, a iniciativa por parte do Ministério Público, titular exclusivo da ação penal pública.
Consequência direta desse princípio é o surgimento de outro princípio, o da
correlação (ou da congruência ou relatividade ou reflexão) entre a acusação e a sentença,
o qual implica na exigência de que o fato imputado ao réu, na peça inicial acusatória,
guarde “perfeita correspondência com o fato reconhecido pelo juiz, na sentença, sob pena
de grave violação aos princípios do contraditório e da ampla defesa, consequentemente,
ao devido processo legal” (NUCCI, 2008, p.661).
Esse princípio comporta exceções, situações em que o magistrado pode
conceder provimentos jurisdicionais de ofício, como as decisões referentes à liberdade do
indivíduo (art. 316/CPP) e procedimento da execução penal (art. 195/LEP).

2.3 - Princípio do impulso oficial (da ação; ne procedat judex ex officio):


Após o ajuizamento da ação penal, o juiz deverá proceder de ofício em relação
ao seu andamento; ao curso da marcha processual ou processamento do feito. Com esse
princípio, se impede a paralisação do processo pela inércia ou omissão das partes.
A título de exemplo do princípio em comento, cita-se os artigos 251 e 156,
inciso II do CPP.

2.4 Princípio da busca pela verdade:


É essencial que o poder punitivo estatal, quando do exercício do jus puniendi,
o promova de forma pontual, objetiva e exitosa. Não pode se admitir erros dentro do
processo penal.
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Pelo fato de o processo penal tratar da liberdade de locomoção de uma pessoa,


direito indisponível, entendeu-se, por muito tempo que o magistrado teria amplos poderes
instrutórios, podendo determinar a produção de provas de ofício na busca pela verdade
real – princípio da verdade real ou substancial (terminologia adotada pelo art. 566/CPP).
No entanto, parte da doutrina tem adotado o entendimento de que essa ampla
iniciativa probatória do magistrado compromete a imparcialidade indispensável a um
julgador. A possibilidade de o juiz atuar de ofício para produção de novas provas para
formar sua convicção são resquícios do sistema processual inquisitivo. O juiz não
investiga para absolver, até porque se não tiver provas, deve o réu ser absolvido.
Atualmente, a dicotomia entre a verdade real e a verdade formal, aquela que
se fundamenta nas provas juntadas aos autos, típica do processo civil, deixou de existir.
Hodiernamente, no processo penal, admite-se que é impossível se chegar à verdade
absoluta; trata-se de algo inatingível, pois a prova, por mais contundente que seja, não é
capaz de dar a certeza ao magistrado.
Em razão disso, a doutrina mais moderna tem entendido que vigora o
princípio da busca pela verdade e não mais o da busca pela verdade real.
Esse princípio também tem sido chamado de princípio da livre investigação
da prova no interior do pedido; princípio da imparcialidade do juiz na direção e apreciação
da prova ou princípio da investigação judicial da prova.
Segundo Paulo Rangel (p. 7), aplica-se ao processo penal o princípio da
verdade processual, pois a verdade que baseia uma sentença é a verdade de dentro dos
autos e nem sempre a verdade processual condiz com a realidade fática ocorrida. Até
porque o conceito de verdade é relativo. “A verdade dos autos é processual. São os
elementos de prova que se encontram dentro dos autos que são levados em consideração
pelo juiz em sua sentença”.
O STF (e o STJ) ainda reconhece a aplicabilidade do princípio da busca da
verdade real no Direito Processual penal, in verbis:
Decisão: Trata-se de embargos de declaração em agravo
regimental opostos por Alexandre Baldy contra acórdão
desta Turma assim ementado: Agravo regimental em
reclamação. 2. Processual Penal. 3. Competência da Justiça
Eleitoral. Inq 4.435. Processo de índole subjetiva. Não
cabimento da reclamação. 4. Habeas corpus de ofício.
Elementos que apontam para a existência de crime eleitoral.
(...). Como bem esclarecido por Ada Pellegrini Grinover,
Antonio Scarance Fernandes, Antonio Magalhães Gomes
Filho (As nulidades no processo penal, 1992), a delimitação
da competência territorial no processo penal é racionalizada
pelo prisma do interesse público subjacente à persecução.
Essa reconceptualização afasta a possibilidade de se
reproduzir, no processo penal, a máxima de que a
competência territorial seria meramente relativa e, por isso,
prorrogável. Como destacam os autores: “Nos casos da
Professora Ana Paula Correia de Souza
Direito Processual Penal I

competência de foro, o legislador pensa


preponderantemente no interesse de uma das partes em
defende-se melhor, de modo que a intercorrência de certos
fatores pode modificar as regras ordinárias de competência
territorial. Costuma-se, pois, falar em competência relativa,
prorrogável. Todavia, no processos penal, em que o fato
comum é o da consumação do delito (artigo 70 do CPP),
acima do interesse da defesa é considerado o interesse
público expresso no princípio da verdade real; onde se
deram os fatos é mais provável que se consigam provas
idôneas que os reconstituam mais facilmente no espírito do
juiz. Por isso, mitiga-se, no processo penal, a diferença
entre competência absoluta e relativa: mesmo esta pode ser
examinada pelo juiz de ofício (CPP, artigo 109) o que não
acontece no civil.” (...)
(STF - Rcl: 43130 RJ 0102005-16.2020.1.00.0000, Relator:
GILMAR MENDES, Data de Julgamento: 01/12/2021,
Data de Publicação: 03/12/2021)

O princípio em comento não é absoluto, existindo algumas situações que o


relativizam, a exemplo:
a) Infração de menor potencial ofensivo, pois nesses casos admite-se a
transação penal e a suspensão condicional do processo (art. 76 e 89,
respectivamente, da Lei nº 9.099/95), ocasiões em que o Estado se
contenta com o que está acordado entre o Ministério Público e o
suposto autor do fato, sem aprofundar nas circunstâncias em que o fato
fora praticado.
b) Após uma absolvição transitada em julgado, não pode ela ser
rescindida, mesmo quando surjam provas contundentes contra o
agente.
c) Omissão ou desídia do querelante que provoca a perempção.
d) Causas de extinção da punibilidade.

2.4 – Princípio do Favor rei (favor libertatis, in dubio pro reo, favor
inocente):
Segundo o princípio da Favor rei, o qual deriva do princípio da presunção de
inocência, o operador do direito, ao se deparar com norma que traga interpretações
antagônicas, deve optar pela que atenda favoravelmente ao acusado.
O favor rei é o que autoriza a absolvição do réu quando se verifica ter ocorrido
a prescrição, ou ainda, no caso em que havendo a ocorrência de vício processual que
autorize a declaração de invalidade do processo ao mesmo tempo que há provas que
autorizem a absolvição, devendo esta prevalecer. Outros exemplos: art. 386, inciso VII;
art. 615, §1º; art. 609; art. 621, todos do CPP.
Professora Ana Paula Correia de Souza
Direito Processual Penal I

Segundo entendimento majoritário do STJ, esse princípio não tem aplicação


nas fases de oferecimento da denúncia e na prolação da decisão de pronúncia no Tribunal
do Júri, nas quais prevalece o princípio do in dubio pro societate.

2.5 – Princípio da imparcialidade do juiz:


A imparcialidade constitui um dos pressupostos de validade para a
constituição da relação processual. O juiz não atua em nome próprio, tampouco sustenta
conflito de interesse com qualquer das partes.
De nada adianta a adoção de um sistema processual penal atrelado a diversos
princípios fundamentais, se o julgamento da pretensão não for proferido por órgão
imparcial.
Com vistas a assegurar a imparcialidade, por exemplo, a CF veda a criação
de juízo ou tribunal de exceção (art. 5º, XXXVII); dispõe a respeito das garantias da
magistratura (art. 95, I, II e III). Já o CPP prevê hipóteses de impedimento (art. 252 e 253)
e suspeição (art. 254).
Segundo Paulo Rangel (p.21), este é um dos princípios mais difíceis de ser
adotados pelo juiz da causa, pois ele poderá, até inconscientemente, se colocar no lugar
dos pais da vítima de um crime de estupro de vulnerável, por ter uma filha da mesma
idade da vítima, ou poderá já ter sido vítima de um roubo semelhante ao que está julgando.

2.6 – Princípio do ne bis in idem:


Este princípio veda a perseguição penal pelo mesmo fato ou circunstância.
Tal princípio visa preservar a estabilidade da ordem jurídica, da qual deriva a
presunção de verdade da coisa julgada.
Entretanto, a condenação, pode ser rediscutida em sede de revisão criminal,
se surgirem novas provas, desde que tal revisão seja mais favorável ao réu. Não há
possibilidade jurídica de revisão pro societate.

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