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UNIVERSIDADE ESTÁCIO DE SÁ

CURSO DE DIREITO

SÁVIO ESPINDOLA DE BRITO ANGELIM

A ESPETACULARIZAÇÃO DO PROCESSO PENAL E SUA


REPERCUSSÃO NOS JULGAMENTOS CRIMINAIS

PARÁ,
2023

2
A ESPETACULARIZAÇÃO DO PROCESSO PENAL E SUA
REPERCUSSÃO NOS JULGAMENTOS CRIMINAIS

SÁVIO ESPINDOLA DE BRITO ANGELIM1

RESUMO

O presente artigo traz uma abordagem sobre o julgamento de serial killers


apresenta desafios específicos para o sistema de justiça brasileiro. Primeiro, é
preciso estabelecer que os crimes foram cometidos por uma única pessoa, o que
pode exigir uma investigação complexa e detalhada. Além disso, a defesa pode
argumentar que o réu sofre de transtornos mentais que o tornam inimputável ou
incapaz de entender a gravidade de seus atos. Ademais, outro desafio é garantir
que o julgamento seja justo e imparcial, apesar da forte comoção pública que
geralmente cerca esses casos. Em síntese, compreende-se que o julgamento de
serial killers no Brasil envolve desafios complexos e exige que o sistema de justiça
trabalhe para garantir que o processo seja justo, imparcial e baseado em
evidências, ao mesmo tempo que protege os direitos do acusado e garante que ele
seja tratado com humanidade e respeito.

Palavras-chave: Serial Killer. Julgamento. Brasil. Justiça.

SUMÁRIO. Introdução. 1. Perfil do serial killer no Brasil e suas particularidades.


2. Investigação Policial e as dificuldades para identificar os suspeitos. 3. História
do serial killers e os impactos na sociedade. 4. Os impactos dos delitos
causados por serial killers e suas particularidades. 5. Perspectivas psicológicas
em combinação com o direito. 6. Efetividade das penas aplicadas ao serial
killer. Conclusão. Referências

INTRODUÇÃO
1 Graduando Direito pela Instituição Estácio de Sá
No cenário do direito penal, a interseção entre os princípios fundamentais, a
atuação do tribunal do júri, o papel dos meios de comunicação e a influência da
mídia no processo penal são áreas de constante debate e reflexão. Esses
elementos desempenham papéis cruciais na garantia dos direitos individuais, na
busca pela justiça e na manutenção da integridade do sistema de justiça criminal.
Neste artigo, será explorado esses temas fundamentais em cinco títulos
distintos, cada um contribuindo para uma compreensão mais abrangente dos
desafios e dilemas enfrentados no contexto do processo penal.
Inicialmente, será abordado os princípios fundamentais do direito penal, como
a presunção de inocência, o devido processo legal e o contraditório, que servem
como salvaguardas essenciais para garantir a equidade e a justiça no tratamento
dos acusados. Em seguida, será apresentado o universo do tribunal do júri,
destacando sua história, evolução e importância na participação popular na
administração da justiça.
Na sequência, será explorado a relação entre os meios de comunicação
social e a liberdade de informação, examinando como a cobertura midiática de
casos criminais pode influenciar a opinião pública, os jurados e até mesmo o próprio
sistema judicial, bem como será destacado a importância da ética jornalística e da
responsabilidade na divulgação de informações sobre processos penais.
No quarto item, será investigado mais a fundo a influência da mídia no
processo penal, examinando como a espetacularização do direito penal pode
comprometer princípios fundamentais como a presunção de inocência e o devido
processo legal. Para finalizar será abordado um estudo de casos emblemático para
ilustrar os impactos da cobertura midiática sensacionalista em julgamentos criminais,
utilizando do caso de Isabella Nardoni, uma tragédia que reverberou em todo o
Brasil, para contextualizar e exemplificar os temas discutidos ao longo deste artigo.
Ao explorar a influência da mídia, a atuação do tribunal do júri e os princípios
fundamentais do direito penal nesse caso específico, buscaremos extrair lições e
insights que possam contribuir para uma reflexão crítica sobre o sistema de justiça
criminal e seu funcionamento na sociedade contemporânea.

1. PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DO DIREITO PENAL: GARANTIAS E


SALVAGUARDAS NO PROCESSO JUDICIAL
Os direitos fundamentais, historicamente, têm sua origem na Magna Carta
Inglesa, onde surgiram como meio de limitar o poder do Estado, garantindo poder
político aos barões. Essa limitação inicialmente visava proteger os indivíduos contra
possíveis abusos por parte do Estado. Com a promulgação da Constituição Federal
de 1988, esses direitos foram amplamente reconhecidos e assegurados. O artigo 5º
da CF/88 enumera diversos direitos e garantias fundamentais, estabelecendo ainda
que outros podem decorrer dos princípios por ela adotados e de tratados
internacionais dos quais o Brasil seja signatário. Nesse sentido Vítor Cruz (2017,
p.159), explica que: “As garantias não se referem às ações, mas sim às proteções
que as pessoas possuem frente ao Estado ou mesmo frente às demais pessoas.
Diz-se que as garantias são proteções para que se possa exercer um direito.”
Os direitos fundamentais podem ser compreendidos sob duas perspectivas:
subjetiva e objetiva. Os autores abaixo nos explicam essas duas dimensões:

A dimensão subjetiva refere-se aos direitos individuais em face do Estado,


enquanto a dimensão objetiva estabelece diretrizes para a atuação dos
poderes públicos e das relações entre particulares. Essa última dimensão,
também chamada de eficácia irradiante dos direitos fundamentais, impõe ao
Estado o dever de proteger e promover esses direitos, delimitando seu
próprio comportamento. (PAULO E ALEXANDRINO, 2016, p. 97).

No âmbito do Direito Penal e Processual Penal, a Constituição estabelece não


apenas regras, mas princípios de observância obrigatória. Estes princípios não
devem ser vistos apenas como instrumentos para aplicação do Direito Penal, mas
como meios de garantir a justiça e a proteção dos direitos fundamentais. O
desrespeito a esses princípios pode acarretar a nulidade dos atos processuais, pois
representam verdadeiros limites ao poder punitivo estatal. De acordo com os
autores:

(...) a própria Constituição incumbe-se de configurar o direito processual não


mais como mero conjunto de regras acessórias de aplicação do direito
material, mas, cientificamente, como instrumento público de realização da
justiça. (CINTRA, GRINOVER E DINAMARCO,2002, pág. 80)

Assim, o processo penal, além de aplicar as leis, deve respeitar os princípios


constitucionais, efetivando o Estado Democrático de Direito. Os princípios da
presunção de inocência, verdade real, ampla defesa e contraditório, imparcialidade
do juiz e processo equitativo são fundamentais nesse contexto, garantindo
condições justas e igualitárias a todas as partes envolvidas no processo judicial.

1.1.1 Princípio da presunção de inocência

O princípio da presunção de inocência está consagrado tanto na Constituição


Federal quanto no texto legal da Convenção de Direitos Humanos. De acordo com o
artigo 5º, LVII e LXI, da CF/88:

Art. 5º (...)
LVII - ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de
sentença penal condenatória;
(...)
LXI - ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e
fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de
transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei.
(BRASIL, 1988)

Da mesma forma, o artigo 8º, item 2, da Convenção Americana de Direitos


Humanos (CADH) estabelece que "toda pessoa acusada de um delito tem direito a
que se presuma sua inocência enquanto não se comprove legalmente sua culpa".
Para aplicar o princípio acima referido, é necessário seguir a regra probatória
conhecida como in dubio pro reo até à sentença final, que significa "na dúvida, adota
a resolução mais favorável ao arguido". Conforme esta regra, a responsabilidade de
provar a culpabilidade do acusado recai sobre o Ministério Público ou o autor da
queixa.

1.1.2 Princípio da verdade real

Segundo Ada Pelegrini, o princípio da verdade real pode ser definido da


seguinte forma:

De acordo com o princípio da dispositividade, o juiz conta, durante a


instrução do processo, com a iniciativa das partes quanto às provas e
argumentos em que se baseará a decisão: judex secundum allegat ET
probata partium uidicare debet. (PELEGRINI,2008,p.70)..
Portanto, o princípio da verdade real estabelece que o juiz deve buscar se
aproximar ao máximo das verdades reais dos acontecimentos, uma vez que a
verdade absoluta é inalcançável, a fim de aplicar a penalidade e investigar os fatos.
Esse princípio, também conhecido como verdade material ou substancial, é
incorporado ao Direito Processual Penal conforme o artigo 156.

1.1.3 Princípio da ampla defesa e do contraditório

O princípio da ampla defesa e do contraditório tem origem na expressão latina


"Audi alteram partem" (ouça-se a outra parte), que assegura que nenhum acusado
seja prejudicado por uma sentença sem ter tido a oportunidade de participar
ativamente na formação da decisão judicial, ou seja, o direito de se defender.
Segundo Diego Augusto Bayer:

O conceito de ampla defesa está ligado ao princípio do contraditório e


é o dever do Estado de proporcionar ao arguido a oportunidade de se
defender plenamente das acusações que lhe são feitas. Isso inclui a
autodefesa, exercida pelo acusado durante o seu interrogatório, e a
defesa legal, que exige a representação do réu por um advogado, que
pode ser nomeado, público, cedido ou ad hoc. (BAYER, 2013)

Neste sentido, segundo Pereira e Silva (2012, p.270), o princípio da ampla


defesa requer uma participação ativa no processo penal, abrangendo a autodefesa,
a defesa legal, a defesa efetiva e a possibilidade de utilizar todas as provas
admissíveis para comprovar a inocência do réu, mesmo aquelas obtidas de forma
ilegal.

1.1.4 Princípio da Imparcialidade do Juiz no Processo

A imparcialidade do juiz é o requisito fundamental para o exercício de sua


função jurisdicional, pois ele deve se posicionar de forma neutra e imparcial entre as
partes envolvidas. Nesse sentido, o artigo X da Declaração Universal dos Direitos
Humanos afirma que:

Artº 10:
Todo ser humano tem direito a um julgamento justo e público por parte de
um tribunal independente e imparcial, com plena igualdade, para determinar
seus direitos e responsabilidades ou diante de qualquer acusação criminal
contra si. (UNICEF 1948)
Assim, o princípio em análise determina que o juiz deve conduzir o processo
de forma a assegurar a prevalência da parte que esteja de posse da verdade
substancial, utilizando-o como meio de promover a justiça.

1.1.5 Princípio do processo equitativo

No domínio do processo penal, o princípio do processo equitativo tem por


objetivo assegurar a todas as partes envolvidas condições e garantias iguais durante
o processo judicial, proporcionando um julgamento justo e impedindo o Estado de
tomar decisões arbitrárias em qualquer caso.

2. O TRIBUNAL DO JÚRI

O Tribunal do Júri teve sua origem estabelecida por meio de um decreto do


Príncipe Regente em 1822, inicialmente com competência para julgar crimes de
imprensa, cujas sentenças apenas poderiam ser revisadas pelo autor do decreto.
Era composto pelo Juiz de Fato e por vinte e quatro cidadãos designados pelo
Corregedor e Ouvidores do crime, formando o Conselho de Jurados. Esse processo
era solicitado pelo Procurador da Coroa e Fazenda, também conhecido como
Promotor e Inspetor da Delinquência.

Os réus podiam recusar dezesseis dos vinte e quatro nomeados, e só


podiam apelar para a clemência real, pois só ao Príncipe cabia a alteração
da sentença proferida pelo Júri. (BARTOLOMEI, 2011)

A partir de 1824, o Tribunal do Júri passou a julgar tanto processos cíveis


quanto criminais. No entanto, em 1842, passou a ser regulado pelo Código de
Processo Criminal. A Constituição Brasileira de 1967, em seu artigo 150, §18,
manteve o Júri dentro do capítulo dos direitos e garantias individuais. Em 1972,
algumas alterações no Código Penal permitiram que o réu, se pronunciado,
respondesse à acusação em liberdade, desde que fosse primário e possuísse bons
antecedentes. Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, em seu artigo
5º, inciso XXXVIII, o Júri foi reconhecido como uma Garantia Constitucional,
garantindo a plenitude de defesa, o sigilo das votações, a soberania dos veredictos e
a competência para os crimes dolosos contra a vida.

3. OS MEIOS DE COMUNICAÇÃO SOCIAL E A LIBERDADE DE INFORMAÇÃO

Os meios de comunicação desempenham um papel crucial na sociedade, ao


fornecer informações aos cidadãos. Entretanto, é essencial que essas informações
sejam transmitidas com responsabilidade, sendo incumbência do jornalista ou
escritor agir com boa-fé e discernimento.
Um dos pilares fundamentais do sistema democrático brasileiro é a liberdade
de expressão, estabelecida pela Constituição Federal de 1988 no artigo 5º, inciso IX.
Esse artigo garante a livre manifestação da atividade intelectual, artística, científica e
de comunicação, sem imposição de censura ou necessidade de autorização prévia.
Segundo Almeida, a constituição federal em seu artigo 5, IV, garante o direito à
liberdade de expressão como um dos direitos essenciais do cidadão e um dos
pilares do Estado Democrático de Direito (ALMEIDA, 2007, p.15).
É importante ressaltar que esse direito não se limita ao indivíduo, mas é
também um elemento essencial para o funcionamento coletivo da sociedade,
permitindo a disseminação de informações e ideias cruciais para a preservação da
democracia. Conforme mencionado por Abrantes (2021), citando Miranda (2015):

É importante notar que o direito de informar, ou liberdade de imprensa,


permite o relato de fatos, que devem ser apresentados de forma imparcial.
As notícias devem refletir com exatidão os fatos, de forma exata e
exequível, para serem verdadeiras, sem a intenção de confundir o
destinatário da mensagem ou de formar uma opinião errada no espírito do
destinatário sobre um determinado fato. O compromisso da mídia com a
verdade dos fatos está ligado à exigência de fornecer informações
completas, para evitar conclusões precipitadas e distorcidas sobre
determinado acontecimento. (MIRANDA, 2015 apud ABRANTES, 2021)

No entanto, é essencial reconhecer que a liberdade de expressão pode entrar


em conflito com outros direitos e garantias fundamentais, como a privacidade e a
honra. Diante dessas circunstâncias, cabe ao Poder Judiciário a delicada tarefa de
equilibrar os interesses em jogo e buscar uma harmonização entre as diversas
prerrogativas constitucionais. A liberdade de expressão é um direito fundamental
protegido pela Constituição brasileira, cujo exercício deve ser realizado com
responsabilidade e em conformidade com a legislação em vigor. Essa liberdade é
essencial para o pleno funcionamento da democracia e para a livre circulação de
informações e ideias na sociedade.

3.1 Liberdade de expressão no ordenamento jurídico brasileiro

A salvaguarda da liberdade de expressão, um dos pilares de um Estado


democrático, é garantida por diversos dispositivos legais no Brasil, notadamente o
artigo 5º, incisos IV e XIV, da Constituição Federal:

Art 5º, CF/88

IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;

XIV - é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da


fonte, quando necessário ao exercício profissional; (BRASIL, 1988)

O Artigo 13 da Convenção Americana de Direitos Humanos, conhecida


também como Pacto de São José da Costa Rica, garante o direito à liberdade de
pensamento e expressão. Como signatário deste tratado internacional, o Brasil se
compromete a garantir e proteger esse direito em seu território. Isso reitera a
liberdade de expressão como um direito humano essencial, cuja preservação é
responsabilidade do Estado brasileiro.

Artigo 13 - Liberdade de pensamento e de expressão

1. Toda pessoa tem o direito à liberdade de pensamento e de expressão.


Esse direito inclui a liberdade de procurar, receber e difundir informações e
idéias de qualquer natureza, sem considerações de fronteiras, verbalmente
ou por escrito, ou em forma impressa ou artística, ou por qualquer meio de
sua escolha.

2. O exercício do direito previsto no inciso precedente não pode estar sujeito


à censura prévia, mas a responsabilidades ulteriores, que devem ser
expressamente previstas em lei e que se façam necessárias para
assegurar:

a) o respeito dos direitos e da reputação das demais pessoas;

b) a proteção da segurança nacional, da ordem pública, ou da saúde ou da


moral públicas.

3. Não se pode restringir o direito de expressão por vias e meios indiretos,


tais como o abuso de controles oficiais ou particulares de papel de
imprensa, de frequências radioelétricas ou de equipamentos e aparelhos
usados na difusão de informação, nem por quaisquer outros meios
destinados a obstar a comunicação e a circulação de idéias e opiniões.

4. A lei pode submeter os espetáculos públicos à censura prévia, com o


objetivo exclusivo de regular o acesso a eles, para proteção moral da
infância e da adolescência, sem prejuízo do disposto no inciso 2.

5. A lei deve proibir toda propaganda a favor da guerra, bem como toda
apologia ao ódio nacional, racial ou religioso que constitua incitamento à
discriminação, à hostilidade, ao crime ou à violência. ( CONVENÇÃO
AMERICANA DE DIREITOS HUMANOS (1969). Pacto de San José da
Costa Rica).

É fundamental ressaltar que o direito à liberdade de expressão não é absoluto


e pode estar sujeito a restrições em certas circunstâncias, como para proteger a
honra, a privacidade ou os direitos de terceiros, além de prevenir a disseminação de
discurso de ódio ou conteúdo ilegal. Portanto, é crucial que sejam observados os
limites necessários para o seu exercício. Como observado por Canotilho e Moreira,
existem limitações inerentes à liberdade de expressão que precisam ser
consideradas.

O direito à liberdade de expressão não é absoluto e pode ser restringido em


determinadas circunstâncias, tais como a proteção da honra, da privacidade
ou dos direitos de terceiros, bem como para prevenir a disseminação de
discurso de ódio ou de conteúdo ilegal. (CANOTILHO , JJG; MOREIRA, V.
Direito Constitucional. 9ª ed. Coimbra: Almedina, 2010. p. 894).

No texto acima, os autores abordam extensivamente os direitos


fundamentais previstos na Constituição, incluindo a liberdade de expressão. Esta
liberdade está intimamente ligada aos meios de comunicação, que se tornaram
essenciais na disseminação de informações desde o século XV. No entanto, no
Brasil, a circulação de informações pelos meios de comunicação foi sujeita à
censura por muitos anos, especialmente durante o regime militar que durou de
1964 a 1985. Assim, a proteção jurídica da liberdade de expressão foi crucial para
assegurar que os meios de comunicação desempenhassem sua função social de
informar de maneira imparcial e objetiva, garantindo à sociedade o acesso a
informações relevantes e a liberdade de expressão.
A Lei 5.250/67, conhecida como Lei de Imprensa, foi promulgada durante o
período do regime militar no Brasil, em 1967, com o intuito de controlar a liberdade
de expressão e regular a atuação dos profissionais de imprensa no país.
Estabelecendo diversas normas e restrições à atividade jornalística, como a
obrigatoriedade de registro para veículos de comunicação e jornalistas, a
legislação também prevê crimes e penalidades para aqueles considerados
"inimigos" do regime.
Contudo, com a promulgação da Constituição Federal de 1988, que
estabeleceu um regime democrático e consagrou a liberdade de expressão como
direito fundamental, a Lei de Imprensa tornou-se incompatível com a nova ordem
constitucional. Em decorrência disso, sua aplicação foi questionada e, em 2009, o
Supremo Tribunal Federal (STF) julgou a Ação de Descumprimento de Preceito
Fundamental (ADPF) nº 130, proposta pelo partido Democratas (DEM), na qual se
discutiu a constitucionalidade da Lei de Imprensa.
Nessa ação, o STF decidiu, por unanimidade, que a Lei de Imprensa não foi
recepcionada pela Constituição Federal de 1988, o que implica na sua
inaplicabilidade e impossibilidade de ser utilizada para cercear a liberdade de
expressão no Brasil. Essa decisão do STF se embasa no princípio democrático
estabelecido na Constituição, que consagra a liberdade de expressão como um
direito fundamental e condição indispensável para a consolidação de uma
sociedade livre e democrática. Com essa determinação, a imprensa brasileira
ganhou maior liberdade e independência, deixando para trás as amarras impostas
pela Lei de Imprensa.
Atualmente, o país dispõe de outras normativas que regem a atividade
jornalística e a liberdade de expressão, tais como o Código de Ética dos Jornalistas
Brasileiros e a Lei de Acesso à Informação. Essas legislações desempenham um
papel crucial na garantia da liberdade de imprensa e na promoção da
transparência dos órgãos públicos, permitindo que a sociedade tenha acesso a
informações relevantes e exerça sua cidadania de maneira plena.

3.2 Os desafios da mídia no século XXI: novas tecnologias e a busca pela


confiança jornalística

A ascensão da internet no Brasil nos primeiros anos do século XXI


promoveu uma transformação significativa na maneira como a informação é criada
e disseminada. Anteriormente, a imprensa estava limitada a jornais, revistas, rádio
e televisão, controlados por empresas e profissionais específicos. Com a chegada
da internet, entretanto, a informação começou a ser gerada e compartilhada por
uma ampla gama de fontes e indivíduos, eliminando a necessidade de
intermediários ou especialistas.
A proliferação da internet trouxe à tona novos veículos de informação, como
websites, blogs e canais de vídeo, que possibilitaram a produção e distribuição de
conteúdo para um público cada vez mais vasto e diversificado. Esses meios de
comunicação permitem a criação de conteúdos personalizados para atender aos
interesses e necessidades variadas dos usuários, resultando em uma
democratização mais ampla do acesso à informação. Além disso, a internet
facilitou a interação entre produtores de conteúdo e usuários, por meio de
comentários, compartilhamentos e outras formas de engajamento, fomentando
debates públicos mais inclusivos e democráticos nos quais diferentes
perspectivas podem ser expressas e discutidas.
No entanto, essa expansão do acesso à informação e à produção de
conteúdo também apresenta desafios significativos, incluindo a propagação de
notícias falsas, a polarização do debate público e a ausência de controle sobre a
qualidade e precisão das informações.
As discussões em torno da produção e disseminação de conteúdo na internet
deram origem a dois fenômenos amplamente debatidos na contemporaneidade: as
fake news e os clickbaits.
As fake news são informações falsas ou distorcidas veiculadas na internet
com o intuito de influenciar a opinião pública ou obter ganhos financeiros. Elas
frequentemente são criadas para gerar polêmicas ou explorar os receios e
inseguranças das pessoas. Embora possam ser elaboradas por indivíduos ou
grupos com más intenções, também podem surgir inadvertidamente de fontes bem-
intencionadas que negligenciam a verificação dos fatos.
Os clickbaits, por sua vez, são títulos sensacionalistas ou enganosos usados
para atrair cliques e visualizações em sites ou redes sociais. Eles muitas vezes
prometem informações intrigantes ou relevantes, mas raramente cumprem o que foi
anunciado. Os clickbaits visam impulsionar o tráfego nos sites e, consequentemente,
aumentar os lucros provenientes de publicidade.
Esses dois fenômenos prejudicam a qualidade da informação online e minam
a confiança do público nas fontes de informação. Para enfrentar esses problemas, é
crucial que os produtores de conteúdo ajam com cautela ao criar e divulgar
informações, verificando a autenticidade das notícias e evitando títulos
sensacionalistas ou enganosos. Além disso, os usuários desempenham um papel
vital ao verificar a credibilidade e veracidade das informações antes de compartilhá-
las, a fim de evitar a propagação de notícias falsas ou enganosas.

3.3. Os limites da liberdade de expressão jornalística na democracia

A preocupação da população brasileira com a violência e a criminalidade


tem aumentado significativamente, tornando a cobertura jornalística desses temas
cada vez mais relevante. Nesse contexto, o jornalismo policial vem se destacando
como um ramo em ascensão no Brasil nos últimos anos.
Este tipo de jornalismo demanda muito dos profissionais envolvidos, que
precisam lidar com informações sensíveis e frequentemente se encontram em
situações de risco. Além disso, é essencial que possuam um amplo conhecimento
da legislação e do sistema judiciário para uma cobertura precisa dos processos
judiciais e questões relacionadas à segurança pública.
É fundamental ressaltar, no entanto, que a cobertura jornalística de crimes e
assuntos relacionados ao sistema jurídico brasileiro deve ser conduzida de
maneira ética e responsável. Os jornalistas não devem divulgar informações que
possam comprometer ou colocar em perigo a vida das pessoas envolvidas,
devendo respeitar os direitos das vítimas e dos acusados, evitando
sensacionalismo e julgamentos precipitados. De acordo com Aury Lopes Jr.
(2005), nessa perspetiva:

A velocidade das notícias e a dinâmica de uma sociedade espantosamente


acelerada são muito diferentes da velocidade do processo judicial. Em
outras palavras, há um tempo jurídico distinto e completamente
desvinculado do tempo da sociedade (LOPES JR, 2005, p.80).

Embora o jornalismo policial desempenhe um papel importante ao informar


a população sobre crimes e questões de segurança pública, é crucial que essa
cobertura seja realizada de forma ética, responsável e respeitosa com todos os
envolvidos. Infelizmente, muitos veículos de comunicação têm negligenciado
princípios éticos, como imparcialidade e respeito à legislação, em busca de
audiência.
Programas de noticiário policial frequentemente adotam uma abordagem
intensa para atrair diferentes audiências, incluindo autoridades e a sociedade em
geral, na luta contra a criminalidade. No entanto, o controle inadequado desses
programas pode ter efeitos negativos na população.
O discurso baseado no medo, comum nesse tipo de programação, pode
gerar insegurança entre os telespectadores, contribuindo para uma sensação
constante de perigo e ameaça. Além disso, a abordagem sensacionalista e o foco
excessivo em crimes e violência podem distorcer a realidade, levando a uma
percepção distorcida do nível de criminalidade na região e a comportamentos
cautelosos por parte da população.

Os meios de comunicação têm um papel crucial na formação da opinião


pública sobre a segurança pública, mas a forma como esses temas são
discutidos na mídia pode gerar efeitos negativos na população. A
cobertura sensacionalista de crimes e violência pode levar as pessoas a
uma percepção equivocada do nível de criminalidade em sua região,
causando insegurança e sintomas cautelosos. (SANTOS, 2018, p. 20).

Por isso, é importante que a cobertura jornalística de crimes e questões


relacionadas à segurança pública seja feita de forma equilibrada e responsável,
evitando o sensacionalismo e o uso excessivo de imagens e informações que
possam gerar insegurança na população. É importante que os jornalistas tenham
em mente que seu papel é informar a população de maneira clara e objetiva, sem
criar um clima de pânico e medo.
A utilização descontrolada da liberdade de expressão jornalística pode levar
à disseminação de informações falsas, caluniosas ou difamatórias, prejudicando a
imagem de pessoas ou instituições, além de causar danos à emoção e à
admiração humana. Isso pode afetar o pleno exercício de outros direitos e
garantias constitucionais, como o direito à privacidade, à honra, à intimidade e à
segurança. A esse respeito, Anderson Schreiber afirma que:

Na sociedade atual, que anseia constantemente por notícias e informações


e que se mantém ligada 24 horas por dia, 7 dias por semana, através de
métodos de comunicação novos e instantâneos, existe um risco significativo
de utilização indevida de imagens arquivadas, particularmente quando são
retiradas do contexto para reutilização (SCHREIBER, 2013, p. 159).

É importante que os profissionais do jornalismo atuem com base em


critérios de apuração rigorosos e busquem sempre a veracidade e a
imparcialidade nas informações divulgadas.
O impacto dos meios de comunicação na opinião pública, muitas vezes
influenciado pela ideologia de seus editores, podem violar as garantias
fundamentais do acusado, pois leva a população a formar um julgamento antes
mesmo do processo judicial competente. No Brasil, existem exemplos marcantes
desse fenômeno, como o caso do casal Nardoni, que já estava sendo
considerado culpado pela opinião pública antes mesmo do julgamento ocorrer.

Assim, se os meios de comunicação de massa manipularem os fatos de


uma investigação ou processo criminal, estarão indo além do seu dever de
informar o público e agindo fora dos limites da proteção constitucional à
liberdade de expressão. O mesmo ocorre quando a mídia abusa do direito
de expressar sua opinião (...)."(FREITAS, 2018, p.280)

Conforme salientado por Peres e Blattes (2014), as tecnologias representam


poderosas ferramentas para o registro, tratamento e disseminação de discursos
midiáticos e ideológicos. No entanto, é necessário um olhar crítico e cauteloso
sobre a maneira como as tecnologias de informação são utilizadas no contexto
jurídico, a fim de preservar a integridade e a precisão das informações que moldam
a compreensão pública dos acontecimentos.

4. A INFLUÊNCIA DA MÍDIA NO PROCESSO PENAL

A cobertura midiática de casos criminais pode influenciar a opinião pública,


criar preconceitos e interferir na imparcialidade dos jurados e juízes.O princípio da
presunção de inocência, por exemplo, pode ser afetado pela cobertura midiática
sensacionalista que retrata o acusado como culpado antes mesmo de ser julgado.
A ampla defesa pode ser prejudicada pela exposição excessiva da defesa na
mídia, o que pode limitar a capacidade do advogado de construir uma defesa
efetiva.
Além disso, a pressão pública gerada pela mídia pode levar a decisões
precipitadas ou mantidas em popularidade, em vez de evidências e argumentos
legais. O princípio do contraditório pode ser afetado quando a mídia não oferece
espaço igual para a defesa expor sua versão dos fatos.
Por outro lado, a mídia também pode ter um papel importante na
transparência do processo penal, trazendo à tona casos de injustiça e corrupção.
A cobertura responsável e ética pode ajudar a garantir que os julgamentos sejam
justos e baseados em evidências, além de dar voz às vítimas e suas famílias.
Conforme destacado anteriormente, a mídia tem sido influenciada pelo
crescimento das redes sociais, o que tem gerado uma competição intensa pela
informação instantânea e pela atenção dos espectadores. Em consequência
disso, alguns veículos de comunicação tradicionais têm negligenciado seus
princípios, incluindo a obrigação de informar de forma imparcial, comprometendo
assim a qualidade do jornalismo.
Essas práticas colocam em risco não apenas a confiança da mídia, mas
também vários fundamentos do processo penal, como a presunção de inocência,
a imparcialidade do julgamento e a garantia da ampla defesa. A influência da
mídia no processo penal deve ser tratada com cautela, a fim de se preservar a
justiça e o equilíbrio no sistema de justiça criminal.
A espetacularização do direito penal tem se tornado uma preocupação
crescente na sociedade contemporânea. A mídia, com o objetivo de capturar a
atenção do público e aumentar sua audiência, muitas vezes nega a
imparcialidade e a responsabilidade ética ao noticiar casos criminais.
Essa prática pode contribuir para a formação de opiniões equivocadas e
preconceituosas por parte da sociedade, além de colocar em risco a garantia de
um julgamento justo e imparcial. O uso das novas tecnologias pela mídia tem
intensificado ainda mais essa problemática, tolerante a adoção de medidas que
assegurem o respeito aos princípios éticos e a preservação dos direitos
fundamentais dos envolvidos no processo penal.

Em uma sociedade altamente midiática, a comunicação assume um papel


central na formação da opinião pública e no estabelecimento de
julgamentos sociais. Nesse contexto, a mídia adquire um poder
considerável, sendo capaz de influenciar a opinião pública e o próprio
sistema judicial, e de afetar A espetacularização do direito penal é um
fenômeno complexo e multifacetado, que abrange desde a produção de
notícias sensacionalistas e o uso de imagens impactantes, até a
exploração da dor e do sofrimento das vítimas e estigmatização dos
acusados. A prática da espetacularização do direito penal compromete o
direito à presunção de inocência, o princípio da imparcialidade do juiz, a
garantia do devido processo legal e a proteção da motivação humana,
entre outros direitos fundamentais.É preciso, portanto, uma reflexão crítica
sobre o papel da mídia na cobertura dos casos criminais, bem como uma
atuação mais consciente e ética dos profissionais da imprensa, em
respeito aos valores democráticos e aos direitos fundamentais dos
cidadãos. (CANOTILHO, José Joaquim Gomes; MOREIRA, Vital.
Fundamentos da Constituição. 7. ed. Coimbra: Almedina, 2018. p. 792.)

Os autores destacam a importância da comunicação na formação da opinião


pública e na influência do sistema judicial, especialmente em uma sociedade
altamente midiática. A mídia, ao buscar audiência e lucro, pode adotar práticas
sensacionalistas na cobertura de casos criminais, o que compromete os princípios
fundamentais do direito penal, como a presunção de inocência, a imparcialidade
do juiz, ou devido ao processo legal e a proteção dos direitos humanos. Por isso,
é necessária uma reflexão crítica sobre o papel da mídia na cobertura desses
casos, bem como uma atuação mais ética e consciente dos profissionais da
imprensa, em respeito aos valores democráticos e aos direitos fundamentais dos
cidadãos.

4.1 Presunção de culpa x Presunção de Inocência

No direito penal brasileiro, a presunção de inocência é um princípio


fundamental que estabelece que toda pessoa é considerada inocente até que se
prove o contrário, ou seja, até que uma sentença judicial condenatória transitada
em julgado. Isso significa que cabe ao Estado provar a culpabilidade do acusado,
e não o contrário.

A presunção de inocência é um direito fundamental de todo acusado e é


assegurada pelo artigo 5º, inciso LVII, da Constituição Federal, o qual
determina que 'ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado
de sentença penal condenatória'. Esse princípio é a 'pedra angular do
processo penal', pois garante a proteção dos direitos individuais, a liberdade
individual e concedida da pessoa humana. (BITENCOURT, 2017 .p. 484).

A importância da presunção de inocência não pode ser subestimada. Ela é


um dos pilares do Estado Democrático de Direito e garante a proteção dos
direitos individuais, a liberdade humana e a liberdade pessoal. Sem ela, os
indivíduos estariam sujeitos a prisões arbitrárias e condenações injustas, violando
a justiça e a equidade no sistema de justiça criminal. Portanto, a presunção de
inocência é uma garantia fundamental que assegura a integridade e a justiça no
processo penal, e sua importância deve ser sempre respeitada e protegida.
A presunção de culpa, por sua vez, é uma ideia contrária à presunção de
inocência. Ela parte do orçamento de que uma pessoa é culpada até que se prove
o contrário, invertendo a lógica de responsabilidade que rege o processo penal. A
presunção de culpa é uma postura adotada por algumas autoridades, órgãos e
instituições, que tendem a assumir a culpabilidade de determinados indivíduos
sem a comprovação legal.

O Estado não pode partir do orçamento de que uma pessoa é culpada até
que se prove o contrário. A presunção de inocência é uma garantia
fundamental que assegura a proteção dos direitos individuais e humanos
adquiridos de um indivíduo sem a comprovação legal, é uma violação grave
dos princípios fundamentais do Estado Democrático de Direito.(Barroso,
2015, pg. 583).

No direito penal brasileiro, a presunção de culpa é vedada pelo princípio da


presunção de inocência. Isso significa que, para que alguém seja considerado
culpado de um crime, é necessário que haja provas robustas e incontestáveis de
sua responsabilidade. O ônus da prova cabe ao Estado, que deve demonstrar de
forma clara e objetiva a culpabilidade do acusado, sob pena de violar a garantia
fundamental da presunção de inocência.
A presunção de culpa é uma postura incompatível com o Estado
Democrático de Direito, pois viola as garantias constitucionais e os direitos
humanos. Além disso, ela pode levar a erros julgados e injustiças, pois não leva
em consideração a presunção de inocência e a necessidade de provar. Por essa
razão, é essencial que a presunção de culpa seja combatida e que a presunção
de inocência seja protegida e respeitada, garantindo a justiça e a equidade no
processo penal.

5. ESTUDO DE CASO

Isabella Nardoni foi uma menina brasileira que morreu no ano de 2008 à
idade de cinco anos. Sua morte foi um caso de grande repercussão no Brasil, já que
seu pai e sua madrasta foram acusados e condenados por seu assassinato.
Na noite de 29 de março de 2008, Isabella passou o fim de semana com seu
pai biológico, Alexandre Nardoni, e sua madrasta, Anna Carolina Jatobá, no
apartamento deles em São Paulo.
Essa noite, após uma discussão culminou com Isabella caiu da janela do
sexto andar do edifício.
Os vizinhos do prédio ligaram para a polícia depois de ouvir gritos e ver
alguém jogar algo da sacada. Quando a polícia chegou, encontrou Isabella no chão,
gravemente ferida. Ela foi levada para um hospital próximo, mas não pôde ser salva.
A investigação revelou que o pai de Isabella, Alexandre Nardoni, estava
segurando-a no colo minutos antes de sua queda. Além disso, foram encontradas
provas de que Anna Carolina Jatobá participou da discussão que levou à morte de
Isabella. Ambos foram presos e julgados por homicídio qualificado.
O caso foi altamente midiático e causou comoção no Brasil. Tanto o padrasto
quanto a mãe de Isabella negaram ter cometido o crime, mas as provas obtidas pela
acusação foram suficientes para condená-los à prisão. Alexandre Nardoni foi
condenado a 31 anos de prisão e Anna Carolina Jatobá a 26 anos e 8 meses de
prisão.
Durante o período do delito, o Juiz Maurício Fossen concluiu que havia provas
que apontavam para a responsabilidade do casal pelos crimes, e ordenou a
detenção cautelar. É evidente que essa decisão foi influenciada pelo sentimento
público. As condições da prisão foram atingidas da seguinte forma:

Assim, frente a todas essas considerações, entendendo este Juízo estarem


preenchidos os requisitos previstos nos arts. 311 e 312, ambos do Código
de Processo Penal, DEFIRO o requerimento formulado pela D. Autoridade
Policial, que contou com a manifestação favorável por parte do nobre
representante do Ministério Público, a fim de decretar a PRISÃO
PREVENTIVA dos réus ALEXANDRE ALVES NARDONI e ANNA
CAROLINA TROTTA PEIXOTO JATOBÁ, por considerar que além de existir
prova da materialidade do crime e indícios concretos de autoria em relação
a ambos, tal providência também se mostra justificável não apenas como
medida necessária à conveniência da instrução criminal, mas também para
garantir a ordem pública, com o objetivo de tentar restabelecer o abalo
gerado ao equilíbrio social por conta da gravidade e brutalidade com que o
crime descrito na denúncia foi praticado e, com isso, acautelar os pilares da
credibilidade e do prestígio sobre os quais se assenta a Justiça que, do
contrário, poderiam ficar sensivelmente abalados. (FOSSEN, Maurício. de
2008)

O caso de Isabella Nardoni tornou-se um símbolo da violência doméstica e do


abuso infantil no Brasil. A tragédia deixou uma marca inegavel na sociedade
brasileira e levou a mudanças na legislação brasileira em relação ao abuso infantil.
Uma das mudanças na legislação brasileira em relação ao abuso infantil após
o caso de Isabella Nardoni foi a Lei nº 13.010/2014, que instituiu o Programa de
Proteção à Criança e ao Adolescente Vítima ou Testemunha de Violência. Esta lei
estabelece medidas de proteção e assistência integral a crianças e adolescentes
vítimas ou testemunhas de violência, incluindo o atendimento especializado, a
escuta protegida e a garantia de não revitimização durante o processo judicial.
O caso de Isabella Nardoni teve uma grande influência na mídia, tanto
durante o processo penal quanto depois da prisão dos réus. A intensa cobertura dos
meios de comunicação ajudou a expor o caso ao público em geral, gerando grande
comoção e indignação em todo o país.
Durante o julgamento, a cobertura da mídia levou a um grande interesse do
público no caso e aumentou a pressão sobre o sistema judicial brasileiro para
encontrar justiça para a vítima. No entanto, a exposição excessiva e sensacionalista
da mídia também gerou críticas por parte de alguns setores da sociedade, que
argumentaram que a cobertura da mídia poderia influenciar o resultado do
julgamento e o trabalho dos jurados.
Além disso, a influência da mídia persistiu mesmo após a audição dos réus,
com diversos veículos de comunicação acompanhando a história e divulgando
atualizações sobre a situação dos réus na prisão. Um exemplo foi o ocorrido no caso
Isabella Nardoni

A população, então tomou as ruas e passou a se manter aglomerada de


frente à residência do casal e nas portas da delegacia de Polícia, exigindo a
apresentação dos culpados e sua punição exemplar. (FREITAS, 2018)

No geral, a influência da mídia no caso de Isabella Nardoni pode ser vista


como tendo tanto pontos positivos quanto negativos. Por um lado, a cobertura da
mídia ajudou a expor um crime hediondo e colocou pressão sobre o sistema judicial
para encontrar justiça para a vítima. Por outro lado, a exposição excessiva e
sensacionalista da mídia também pode ter afetado o julgamento e a opinião pública
sobre o caso.

CONCLUSÃO

Ao refletir sobre a influência da mídia no processo penal, é fundamental


considerar as garantias e princípios constitucionais que fundamentam o sistema
jurídico.
A Constituição Federal do Brasil estabelece direitos fundamentais que devem
ser respeitados no processo penal, tais como a presunção de inocência (art. 5º,
LVII), o direito à ampla defesa e ao contraditório (art. 5º, LV), a garantia do devido
processo legal (art. 5º, LIV), entre outros. Esses princípios asseguram que o
acusado seja tratado com dignidade, tenha direito a um julgamento justo e imparcial,
e seja considerado inocente até que haja uma sentença penal condenatória
transitada em julgado.
A influência da mídia pode, em muitos casos, colocar em risco esses
princípios constitucionais. Coberturas sensacionalistas e tendenciosas podem violar
a presunção de inocência, ao retratar o acusado como culpado antes mesmo do
julgamento. Além disso, a exposição excessiva na mídia pode prejudicar a ampla
defesa, limitando a capacidade do acusado de se defender de maneira eficaz.
Ao discutir a influência da mídia no processo penal, é essencial considerar
como suas práticas podem afetar as garantias e princípios constitucionais que são
fundamentais para a justiça e equidade no sistema jurídico. A mídia deve agir de
forma responsável e ética, respeitando esses princípios e contribuindo para a
promoção de um processo penal justo e transparente.
Conclui-se que a influência da mídia no processo penal é um tema complexo
que demanda uma reflexão crítica e cautelosa. Embora a mídia desempenhe um
papel importante na divulgação de informações e na promoção da transparência,
sua abordagem sensacionalista e tendenciosa pode comprometer os princípios e
garantias constitucionais que sustentam o sistema jurídico. Desta forma, é crucial
que os profissionais da imprensa ajam de forma ética e responsável, respeitando os
direitos fundamentais dos indivíduos envolvidos no processo penal. Ao fazê-lo, a
mídia pode contribuir para a preservação da justiça, da imparcialidade e da
equidade no sistema de justiça criminal, fortalecendo assim os pilares do Estado
Democrático de Direito.

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