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Princípios do Processo Penal


Texto extraído do Jus Navigandi
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Vladimir Aras
procurador da República no Paraná

Sumário:Introdução. Uma visão constitucional do processo. Direito penal mínimo. Direitos


individuais e cláusulas pétreas. Princípios constitucionais do processo penal. Princípio da
humanidade. Princípio da legalidade. Princípio da igualdade judicial. Princípio do juiz e do
promotor naturais. Princípio do devido processo legal. Princípio da publicidade. Princípio do
estado de inocência. Garantia contra a auto-incriminação. Princípio do contraditório. Princípio
da ampla defesa. Princípio do duplo grau de jurisdição. Princípios gerais do processo penal.
Princípio da verdade real Princípio da oralidade. Princípio da obrigatoriedade da ação penal.
Princípio da oficialidade. Princípio da indisponibilidade. Princípio da iniciativa das partes.
Princípio do impulso oficial. Princípio da ordem consecutiva legal. Princípio da economia
processual. Princípio ne bis in idem. Princípio favor libertatis. Conclusão. Bibliografia.

1. Introdução

Para a boa aplicação do Direito, em geral, e para a efetivação da norma no processo,


em especial, o intérprete não pode prescindir de uma visão principiológica, fundada,
primordialmente, na Constituição.

Evidentemente, como norma fundamental do arcabouço jurídico, a Constituição deve


ser o ponto de partida do exegeta, seja nas lides civis, seja nas demandas penais.

Assim, este ensaio tem em mira, inicialmente, verificar ainda que perfunctoriamente
quais princípios constitucionais aplicam-se ao processo penal, para, depois, centrar atenção
nas diretrizes específicas desse ramo da "grande árvore" processual, que finca suas raízes no
solo constitucional.

Não se deixará, contudo, de examinar pari passu as regras internacionais relacionadas


ao objeto de estudo, principalmente aqueles já integradas ao ordenamento jurídico brasileiro,
por meio da Convenção Americana sobre Direitos Humanos e do Pacto Internacional sobre
Direitos Civis e Políticos.

O tema, com todas as suas facetas, é deveras importante. Fonte primária das normas,
os princípios, axiomas e postulados são proposições não deduzidas de nenhuma outra dentro
do sistema; são, por isso, a própria essência do Direito; são o Direito essencial ou primordial.
Por isso qualquer estudo correto de uma disciplina jurídica deve iniciar-se por eles.

Não é por outra razão que o inolvidável ASÚA legou para a posteridade a lição de que
"Toda nova Constituição requer um novo Código Penal".

Introduzindo novos princípios no sistema, uma nova lei fundamental reclama novos
paradigmas e soluções. E por isso também, desde 1988, exige-se um novo processo penal, pela
atualização e eliminação de modelos arcaicos, positivados há cinqüenta anos, ou ao menos por
uma nova forma de aplicar a lei processual penal, com mais atenção à pessoa humana e à
efetiva harmonização social.

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2. Uma visão constitucional do processo

Tem-se sedimentado cada vez mais o entendimento de que o Direito, como sistema,
não prescinde de uma interpretação axiomática e de uma hermenêutica que considere a
Constituição como norma-controle da validade dos demais dispositivos que integram um dado
ordenamento jurídico.

Neste sentido, não há como desconsiderar, por primeiro, os princípios fundamentais do


Estado brasileiro para a boa aplicação do Direito neste País. Só assim será possível alcançar,
na prática, um verdadeiro Estado democrático de Direito, tanto mais quando muitos dos
diplomas em vigor no Brasil são anteriores à Lei Magna de 1988, que reformulou muitos
conceitos, estabeleceu institutos processuais democráticos, materializou outros tantos e
introduziu uma verdadeira carta de direitos no seu art. 5º.

Quando se cuida de processo penal, ou seja, da concretização do jus puniendi do


Estado em confronto com o jus libertatis do indivíduo, ganham importância, em especial, as
diretrizes inseridas no art. 1º, incisos II e III, da Constituição Federal, respectivamente, a
"cidadania" e a "dignidade da pessoa humana".

Com efeito, não se pode conceber um processo penal que não tenha como norte a idéia
de cidadania, tanto da vítima e de seus familiares, quanto do indiciado, réu ou sentenciado. O
processo penal deve ser inclusivo, e não excludente. Do mesmo modo, é inimaginável manejar
o direito processual penal sem ter em conta, também como pólo orientador, a noção de
dignidade da pessoa humana.

Ora, a pessoa humana é sujeito do processo, e não seu objeto. A resposta penal do
Estado, veiculada por meio do processo, deve ter em vista a recuperação do condenado e sua
(re)inserção social, tarefa difícil que, reconhece-se, não pode ser adimplida exclusivamente
pelo Direito.

De todo modo, não mais se admite um direito penal vingativo ou reativo, como
produto das iras e ódios coletivos ou como resultado da raiva social, que vem insuflada por
meios de comunicação de massa quase sempre sensacionalistas.

Assim, em tudo e em todas as circunstâncias processuais, o operador ou o construtor


do Direito não se pode deixar levar por esse sentimento reacionário; não pode valer-se do
processo como punição (um fim em si mesmo), como ocorre com o uso generalizado da prisão
preventiva, que aparece quase sempre como condenação antecipada. Ao contrário, o jurista, na
sua práxis, precisa observar o respeito devido ao que o homem tem de mais sagrado: a sua
individualidade e a sua dignidade. E isto mesmo depois do trânsito em julgado...

3. Direito penal mínimo

Pode-se extrair dos princípios fundamentais da Lei Constitucional a noção de um


direito penal mínimo. Sendo a arma mais violenta do instrumental jurídico, o direito penal
deve ser utilizado apenas como ultima ratio, após o esgotamento de todos os outros meios de
controle social. Vê-se aí sua natureza subsidiária em relação aos demais mecanismos da
cibernética social.

Por sua vez, no espaço do próprio direito penal, há também incidência da regra da
ultima ratio. Constituindo-se na resposta estatal mais marcante e lesiva para o indivíduo que a
deve suportar, a pena privativa de liberdade será o último dos horrores a ser retirado da caixa
de Pandora do direito penal. Em lugar dela, o legislador preferirá as sanções alternativas, não
limitativas do jus libertatis, como a prestação social alternativa, a prestação pecuniária, a

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restrição de direitos.

Nenhum Estado democrático pode ter como objetivo fundamental constituir uma
sociedade policial ou policiada, de total controle, em que as liberdades públicas sejam
interpretadas restritivamente ou suprimidas de fato e na prática.

A literatura política — como a excepcional obra de ORWELL, 1984 — e a própria


realidade — o Terceiro Reich, a China, Mianmar, a Coréia do Norte e o Afeganistão —
servem-nos de exemplo do tenebroso cenário que se alcança em Estados totalitários, nos quais
sem dúvida o direito penal é o mais importante dos protagonistas e o principal mecanismo de
que lançam mão os governos para oprimir, reprimir, punir e amedrontar os supostos
"subversivos" ou os "delinqüentes" locais, pessoas que no Ocidente seriam cidadãos comuns.

Como se vê, tudo é questão de ocasião e de valoração cultural. O que é crime ali não é
delito aqui. O que foi infração penal um dia, no outro deixa de ser. Basta que se evolua. E a
evolução do direito penal é reducente de sua aplicação, contagiando positivamente o processo,
que deve ser também minimamente interventivo.

O Estado brasileiro, ao contrário das nações totalitárias, pretende ter como substrato
uma sociedade livre, justa e solidária. É este o objetivo assinalado no art. 3º, inciso I, da
Constituição Federal. E, para atingir o desiderato de uma sociedade livre, é incompossível
superestimar o direito penal ou hipervalorizar o uso de sanções penais privativas de liberdade,
salvo para a criminalidade violenta. Afinal, não se alcança justiça com exclusão, nem se pode
ser solidário afastando-se o homem do meio social.

O próprio preâmbulo da Constituição anuncia o objetivo nacional de construção de


uma sociedade em que a liberdade e a justiça sejam valores supremos, associados à idéia de
harmonia. Certamente, não existirá sociedade harmônica enquanto se pretender buscar a
homeostase social por meio do direito penal. É tolice acreditar que o Direito seja um
instrumento de verdadeira pacificação social. Não se concebe o Direito sem o uso da força. E
não se convence ninguém pela força. O que se consegue, quando muito, é impor uma vontade,
a voluntas estatal (jus imperii), que nem sempre (ou quase nunca) corresponde à vontade
social ou à necessidade pública.

Característica dessa visão imperativa no Direito é a ciência heráldica


(parassematografia). Tradicionalmente, a justiça tem sido simbolizada pictograficamente
como uma deusa vendada que segura uma balança. O fiel dessa balança é uma espada. Tal
imagem sugere claramente que somente se consegue o equilíbrio dos dois pratos da balança (a
suposta harmonia social) se a Justiça puder empunhar a espada. E a lâmina mais afiada dessa
espada é o direito penal, surgindo então o direito processual penal, como a técnica do
espadachim ou do esgrimista, sempre vulnerante, ainda que o resultado do processo seja uma
absolvição. Afinal, ninguém passa incólume por um processo. As agruras e tormentos são
muitos e variados. Chega-se quase a um procedimento de catarse, de purgação do espírito do
acusado.

Para que esse tormento não se torne excessivo, nem desnecessário, a ponto de ofender
a dignidade da pessoa humana; para que o processo não se poste como indesejável ameaça à
liberdade ou — aí de fato uma grave ameaça — à harmonia social, é preciso, pois, reduzir sua
abrangência ao estritamente necessário, àquele mínimo imprescindível para a segurança
coletiva. Quanto menos processos penais houver, mais saudável será a sociedade. Quanto
maior a salubridade social, menos crimes existirão. Não é que o Estado deva deixar de
proceder à persecução criminal quando isto pareça adequado e essencial, mas que a maior
parte do esforço estatal seja destinada à prevenção e à profilaxia dos fatores criminógenos.

Nesse mesmo diapasão, não pode servir o processo penal para concretizar as
pretensões de um direito penal máximo, fundado na idéia corrente de medo e insegurança que

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de fato vicejam na sociedade. A atuação máxima do direito criminal acaba por desacreditar
todo o sistema de justiça penal, seja pela reconhecida ineficiência do Estado, seja pela sempre
presente cifra negra da criminalidade, seja porque os instrumentos penais de privação de
liberdade perderam de há muito o caráter intimidativo geral ou preventivo; e não são de modo
algum reeducativos (como deveriam), reduzindo-se somente ao aspecto retributivo, de
pena-castigo, tão ao gosto das massas conduzidas por setores pouco responsáveis dos media.

Se assim é a substância, em que diferiria a forma? Se é de tal natureza o substantivo,


diferente seria o adjetivo que o qualifica? Se o Direito penal está à bancarrota, com ele afunda
o processo penal, com os mesmos vícios e ranhuras, com a mesma sanha, quase sanguinária,
de punição imediata, ex abrupto e às vezes sem sentido, necessidade ou utilidade.

Nem tanto ao céu, nem tanto à terra, convenhamos. Muito valiosa é a ponderação em
todos os campos da vida. Embora reconhecendo a falência da pena-prisão e a excessiva
atuação do direito penal, nada de afrouxar por demais os laços da lei. Algum controle é
necessário, em face da imaturidade humana.

Tão despropositada, pela ineficácia, quanto a doutrina da intervenção máxima, é, pelo


absurdo, a teoria abolicionista. Defendem alguns, como HULSMANN, em sede doutrinária, o
abolicionismo penal, o fim da Justiça Criminal. Somente por utopia poder-se-ia conceber uma
sociedade que prescindisse do direito penal.

Basta ver o que aconteceu na Bahia na paralisação dos policiais militares em julho de
2001, quando a só redução do controle ostensivo da segurança pública serviu como fator
criminógeno: saques, homicídios, agressões, atos de baderna se sucederam nas principais
cidades do Estado, promovidos até mesmo por "cidadãos comuns", como se houvéssemos
voltado ao "estado de natureza". Imaginemos então o que se daria com a abolição de todo o
sistema penal?!

A virtude, então, está no meio-termo. Nem o direito penal máximo nem a eliminação
do direito penal. Que se utilize o processo como meio de defesa social, mas que não se
inviabilize o homem. Que se maneje a norma ou o procedimento eficazmente, mas que não se
torture a consciência do indivíduo já sujeito às agruras da acusação.

Não só haver-se-á de considerar a necessidade da pena, em casos objetivos, mas


também a significância das condutas para o próprio Direito; a relevância do bem atingido; a
lesividade do proceder humano para a convivência harmônica da sociedade, de modo a
ocorrer materialmente e processualmente uma intervenção mínima tanto na vida do cidadão
sujeito passivo do processo penal quanto no contexto social no qual ele estiver inserido.

Do mesmo modo que o crime não atinge apenas a pessoa da vítima, irradiando-se
negativamente no entorno social, o processo penal acaba por molestar reflexamente e de
maneira difusa outras pessoas que não o acusado. Em certo sentido, são apenas teóricos os
postulados da incontagiabilidade da pena e da intranscendência da ação penal.

Enfim, mais do que o terror penal e do que a aflição processual, são necessárias a
estabilidade, a firmeza, a justiça e a segurança da resposta estatal. E isto pode ser elevado à
forma de axioma: o princípio da certeza, significando que, diante da infração, o processo
penal deve ser sempre certo, efetivo, célere, cabal, para dar, proporcionalmente e
razoavelmente, a cada um o que é seu. Não a sanção máxima, nem a mais dolorosa, mas a
pena necessária e adequada, pois esta será sempre a pena justa.

4. Direitos individuais e cláusulas pétreas

São tão importantes as liberdades públicas constitucionais, como restrições ao poder

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estatal, que a Constituição as protege com uma cláusula de irrevogabilidade. Ainda que se
pretenda alterar, suprimir ou reduzir o espectro dos direitos individuais, o Estado não poderá
fazê-lo, nem mesmo por emenda ou por reforma constitucional.

Somente o Poder Constituinte originário está autorizado, pela dicção do art. 60, §4º,
inciso IV, da Constituição Federal, a tocar nos direitos e garantias individuais da pessoa
humana. E, ainda que reunida uma Assembléia Nacional Constituinte, seria inconcebível, do
ponto de vista moral e do desenvolvimento da democracia, suprimir tais garantias ou
reduzi-las, pois um imperativo ético se apresenta no sentido de sua manutenção em qualquer
situação e em permanência, como uma espécie de jus cogens, uma imposição da própria
natureza das coisas e da condição humana, por serem preceitos reconhecidos e reconhecíveis
sem necessidade de prévia demonstração, premissas sociais evidentes e universalmente
verdadeiras.

Entre essas liberdades públicas, petrificadas como as inscritas nas tábuas da lei
mosaica, encontramos garantias processuais para o imputado, garantias estas tão importantes
que são também reproduzidas em cartas universais de direitos e em tratados internacionais,
como o Pacto de São José da Costa Rica e o Pacto de Nova Iorque sobre Direitos Civis e
Políticos, ambos integrados ao ordenamento jurídico brasileiro com força de leis ordinárias e
portanto normas vigentes.

Vejamos alguns desses princípios e garantias. Primeiro os de extração constitucional;


depois os de ordem geral.

5. Princípios constitucionais do processo penal

Neste tópico serão analisados os mais importantes princípios que regem o direito
processual constitucional, do qual derivam outros postulados igualmente relevantes, todos
necessários ao viço do sistema jurídico, ao qual servem como seiva e como raiz.

5.1. Princípio da humanidade

A Declaração Universal dos Direitos Humanos, aprovada em 1948, pela Assembléia


Geral das Nações Unidas, assinala o princípio da humanidade e da dignidade já no seu
preâmbulo, onde estão as consideranda que motivaram o ato internacional: "Considerando
que o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e de seus
direitos iguais e inalienáveis constitui o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no
mundo (...) Considerando que as Nações Unidas reafirmaram, na Carta, sua fé nos direitos
fundamentais do homem, na dignidade e valor da pessoa humana (...)".

Os arts. V e VI dessa Declaração afirmam o princípio da hunanidade, estabelecendo


que no plano internacional "Ninguém será submetido à tortura, nem a tratamento ou castigo
cruel, desumano ou degradante" e que "Todo homem tem o direito de ser em todos os lugares
reconhecido como pessoa perante a lei".

Por sua vez, o Pacto de Nova Iorque, de 1966, declara que "Toda pessoa privada de
sua liberdade deverá ser tratada com humanidade e respeito à dignidade inerente à pessoa
humana". A privação de liberdade implica, necessariamente, um processo. Resulta, portanto,
clara a obrigação dos órgãos de persecução e julgamento de respeitar os direitos
personalíssimos do acusado no processo e durante sua tramitação.

Já a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, de 1969, estabelece, em seu art.


11, §1º, que "Toda pessoa humana tem direito ao respeito de sua honra e ao reconhecimento
de sua dignidade" e no art. 32, §1º, que "Toda pessoa tem deveres para com a família, a
comunidade e a humanidade". Aquele direito e este dever são correlatos e inseparáveis, sendo

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endereçados também aos órgãos estatais de Justiça criminal.

Derivando de um dos fundamentos republicanos, constante do art. 1º, inciso III, da


Constituição Federal, que exalça a dignidade da pessoa humana, o princípio da humanidade
extrai-se também do art. 5º, incisos III e XLIX, da mesma Carta.

Ao declarar, no terceiro inciso do art. 5º que "ninguém será submetido a tortura nem a
tratamento desumano ou degradante", o constituinte especificou indiretamente duas garantias
processuais, as de que:

a)o processo penal não pode servir como meio para a aplicação da pena de tortura ou
da pena de morte ou para a sujeição de quem quer que seja a tratamento desumano ou
degradante, como sanção final;

b)o processo penal não pode assumir ele mesmo forma desumana, com procedimentos
que exponham o homem a posições ou situações degradantes, torturantes ou a vexames.

Implica, portanto, o direito ao respeito, de que toda pessoa humana é titular, cabendo
ao Estado providenciar:

a)processo acusatório de curta duração;

b)limitação de causas de prisão anterior à sentença condenatória definitiva;

c)separação dos presos provisórios dos presos condenados; e

d)tratamento distinto para as pessoas processadas (não-condenadas).

Ao seu turno, o art. 5º, inciso XLIX, da Carta Federal, garante aos "presos o respeito à
integridade física e moral", significando que ao homem sujeito do processo penal só se lhe
retira parte da liberdade (a de locomoção extra muros), não lhe sendo tolhida a dignidade.
Vale dizer: mesmo preso ou condenado o homem preserva o direito personalíssimo à sua
integridade física, moral e psíquica, com o que se vedam também formas de tortura mental e
ameaças à sanidade intelectual dos imputados.

Para a exata compreensão desses dogmas e sua efetividade no processo penal, vale
recordar a lição de BETTIOL, segundo quem "O juiz vive e opera num determinado clima
político-constitucional em que a pessoa humana representa o valor supremo; e é a posição
desta que o Juiz é chamado a escolher entre duas interpretações antitéticas de uma norma
legal".

5.2. Princípio da legalidade

Este princípio, que tem evidente interesse processual, não se acha colocado apenas no
art. 5º, inciso II, da Constituição Federal, onde se anuncia que "ninguém será obrigado a fazer
ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei".

A diretriz está também, como conseqüência, no art. 22, inciso I, da mesma


Constituição, que determina competir privativamente à União legislar sobre direito processual,
o que invalida, de pronto, qualquer iniciativa dos Estados-membros, do Distrito Federal e dos
Municípios de dispor sobre a matéria, salvo, para os dois primeiros entes, no tocante a
procedimentos (art. 24, inciso XI, CF).

A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão asseverava já em 1789 que


"Ninguém pode ser acusado, preso ou detido senão nos casos determinados pela lei e de
acordo com as formas por esta prescritas", garantia que confere importância marcante ao
Poder Legislativo, órgão de onde promanam as leis stricto sensu.

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Obviamente, na ausência de lei nenhum indivíduo submete-se à vontade do Estado.


Processualmente, para que ocorra a sujeição do acusado às regras procedimentais e às
restrições próprias do processo penal, exige-se um plus, que a lei tenha sido produzida pelo
ente competente, que, neste caso, é a União Federal e que se trate de lei formal e lei material.

Daí porque os códigos de processo são veiculados por lei federal, de âmbito nacional,
diferentemente do que ocorria outrora, no regime constitucional de 1891, em que o processo
era estadualizado. A unificação ocorreu com o Código de Processo Penal de 3 de outubro de
1941.

Na esfera penal-processual, a diretriz da legalidade encontra espeque também no art.


5º, inciso XXXIX, da Carta Federal. Talvez seja essa a mais importante faceta da idéia de
legalidade no campo penal, a que reproduz o brocardo nullum crimen, nulla pœna sine prævia
lege, que acaba por conduzir à irretroatividade da lei penal gravior (inciso XL).

É certo que quanto ao processo penal vige a regra tempus regit actum ou princípio do
efeito imediato (art. 2º, Código de Processo Penal), segundo o qual os atos processuais
praticados na forma da lei anterior são válidos, passando os atos futuros à esfera jurídica da lei
processual nova. Portanto, embora deva-se atender ao critério de legalidade, não se há de falar
em irretroatividade da lei processual penal.

Todavia, nalguns casos de normas mistas, penais e processuais, o instituto processual


não poderá ser aplicado de pronto, para os processos em curso, pois isso significaria também a
retroatividade da norma estritamente penal, o que é proibido pelo ordenamento quando a
norma for desfavorável ao réu. Teríamos então a ultra-atividade da lei processual anterior.

5.3. Princípio da igualdade judicial

Segundo o art. 5º, inciso I, da Constituição Federal, todos são iguais perante a lei, em
direitos e obrigações. Assim, ainda que subjetivamente desiguais, os cidadãos merecem igual
tratamento jurídico.

Ou seja, essa cláusula geral de isonomia perante a lei traduz-se também em igualdade
processual. Embora na ação penal pública o Estado se faça presentar pelo Ministério Público,
a parte pública não tem maiores poderes que a parte privada ré, o indivíduo. Ambos estão no
mesmo plano de igualdade, com os mesmos poderes e faculdades e os mesmos deveres
processuais, diferentemente do processo civil em que a Fazenda Pública e o Ministério
Público têm prazos mais dilatados para recorrer e contestar, além de outros privilégios
previstos no Código de Processo Civil.

Todavia, no processo penal a isonomia é mais efetiva. Caso seja violado esse
princípio, a ação penal torna-se nula.

O art. 14, §1º, do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos — Pacto de Nova
Iorque estabelece que "Todas as pessoas são iguais perante os tribunais e as cortes de
justiça". As implicações do postulado parecem interessantes quando ele é posto em confronto
com a prerrogativa especial de função, dirigida a certas autoridades públicas e agentes
políticos.

Do ponto de vista do sujeito passivo da demanda penal, não haveria nesse privilégio
funcional uma violação ao direito à igualdade processual? As razões estatais para tal espécie
de prerrogativa não nos convencem. Não se diga que com o foro especial protege-se a função
pública ou a dignidade do cargo. Ora, esta não precisa de nenhuma proteção dessa ordem: a
função ou o cargo não são sujeitos de direitos, não ficam maculados pela conduta ímproba ou
desonrosa do agente político que a exerça ou que o ocupe. Ao fim e ao cabo, é mesmo o
indivíduo (autoridade) que se beneficiará do foro privilegiado e, por conseguinte, de eventual

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impunidade. Aliás, esta tem sido muito comum nos últimos anos no Brasil, servindo de
nutriente para as teses do direito penal máximo.

Outra razão nos leva a deplorar o foro especial por prerrogativa de função. O
julgamento criminal do indivíduo deve-se dar sempre pelo Poder Judiciário, que é composto
por órgãos de primeira e segunda instância e encimado por tribunais superiores. Por que se
haveria de imaginar que o detentor do foro especial estaria melhor "protegido" por ser julgado
num tribunal e não diretamente por um juiz de direito? Qual é a base racional para se acreditar
que a função estatal será melhor tratada ou que o interesse público será melhor atendido, do
ponto de vista processual, numa instância superior?

Ainda que julgado pelo juízo de primeira instância, o agente político que hoje detém a
prerrogativa de foro especial inevitavelmente acabaria por ter sua causa penal revista, em grau
recursal, por um tribunal, seja pelas cortes estaduais de justiça, pelas cortes regionais federais
ou pelos tribunais superiores.

Onde estaria então o risco para a "função pública"? Que prejuízo é esse que poderia
advir de um julgamento direto, como o a que têm direito os cidadãos "comuns"? Se esse
suposto risco existe para os detentores de função pública, existe também (e talvez em muito
maior grau) para os pobres homens do Povo.

Sendo, assim, que se excluam da Constituição as diferenças e que se eliminem os


privilégios judiciais (ou, eufemisticamente, as prerrogativas especiais de função),
implantando-se uma geral e benfazeja isonomia processual.

5.4. Princípio do juiz e do promotor naturais

Extrai-se do art. 5º, inciso LIII, da Constituição Federal, o princípio do juiz natural.
"Ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente". Com isso
garante-se a existência de um órgão julgador técnico e isento, com competência estabelecida
na própria Constituição e nas leis de organização judiciária de modo a evitar que se
materialize o dogma nulla pœna sine judice.

Igualmente daí se recolhe a idéia do promotor natural, já reconhecida pelo Supremo


Tribunal Federal em interpretação dada a esse cânon e aos arts. 127 e 129 da CF, que têm em
mira assegurar a independência do órgão de acusação pública, o que também representa uma
garantia individual, porquanto se limita a possibilidade de persecuções criminais
pré-determinadas ou a escolha "a dedo" de promotores para a atuação em certas ações penais.

Também relacionada ao princípio do juiz natural é a diretriz magna que veda a


instalação de juízos e tribunais de exceção (art. 5º, XXXVII, CF). Tratando-se de limitação ao
poder do Estado de organizar as suas cortes e tribunais, a norma vincula-se às idéias de
jurisdição e competência e é nitidamente uma regra de interesse processual penal.

A conseqüência é que será nula qualquer sentença condenatória (e mesmo absolutória)


que advier de um juízo excepcional ou de um tribunal instituído ex post factum.

Previstas no Código de Processo Penal e nas leis de organização judiciária, são


exceções ao princípio os casos de:

a)desaforamento de processos de competência do tribunal do júri;

b)substituições entre juízes, em razão de férias, falecimento, afastamento temporário;

c)e modificações usuais de competência, pela criação de novas varas ou juízos ou pela
redistribuição de processos.

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5.5. Princípio do devido processo legal

Inserido no art. 5º, inciso LIV, da Constituição Federal, o princípio due process of law
determina que "ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo
legal".

A garantia vale tanto para o processo civil ("de seus bens") quanto para o processo
penal ("da liberdade") e é uma conquista do humanismo britânico, repartindo-se em
procedural due process e substantive due process.

A França não descurou desse princípio. A Declaração dos Direitos do Homem e do


Cidadão asseverava já em 1789 que "Ninguém pode ser acusado, preso ou detido senão nos
casos determinados pela lei e de acordo com as formas por esta prescritas. Os que solicitam,
expedem executam ou mandam executar ordens arbitrárias devem ser punidos (...)".

A Declaração das Nações Unidas, de 1948, repete a regra no seu art. IX: "Ninguém
pode ser arbitrariamente preso, detido ou exilado". Por arbítrio, entende-se a inexistência de
lei ou o abuso de direito.

Está claro que tal liberdade pública mantém íntima relação com o princípio da
legalidade (ora, trata-se do devido processo legal), reclamando a devida persecução penal,
limitada pela lei processual.

Por igual, verifica-se também facilmente que é do due process of law que se retira a
proibição de admissão de provas ilícitas no processo (art. 5º, LVI, CF). Descumprida tal
garantia, a sanção é de nulidade em conformidade com a teoria fruit of the poisonous tree
("fruto da árvore envenenada"), acolhida pelo Supremo Tribunal Federal. Lembre-se, contudo,
que essa vedação não é absoluta, devendo ser vista em cotejo com o princípio da
proporcionalidade, a fim de que não haja grave prejuízo material ao direito substancial
discutido ou protegido, apenas para se dar atendimento a uma forma procedimental.

O princípio da vedação de provas ilicitamente obtidas foi acolhido no plano


internacional pela Convenção contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis,
Desumanos ou Degradantes, adotada pelo ONU em 10 de dezembro de 1984. Integrado ao
ordenamento brasileiro pelo Decreto n. 40/91, o tratado tem força de lei ordinária em nosso
País.

Segundo o art. 15 dessa Convenção "Cada Estado-Parte assegurará que nenhuma


declaração que se demonstre ter sido prestada como resultado de tortura possa ser invocada
como prova em qualquer processo, salvo contra uma pessoa acusada de tortura como prova
de que a declaração foi prestada".

Ou seja, em consonância com a garantia contra a auto-incriminação, o depoimento de


pessoa torturada (declaração viciada e, portanto, nula) não pode ser utilizado no processo civil
ou penal para servir de prova contra ela. Admite-se apenas a sua utilização processual para
sustentar a acusação, noutro processo, contra o próprio torturador.

5.6. Princípio da publicidade

Igualmente relevante é o princípio da publicidade, que se dirige a toda a


Administração Pública (art. 37) e também à administração da justiça penal.

Decorrência da democracia e do sistema acusatório, o princípio processual da


publicidade encontra guarida no art. 5º, inciso LX, da Constituição Federal, que declara: "a lei
só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o
interesse social o exigirem".

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A publicidade surge como uma garantia individual determinando que os processos


civis e penais sejam, em regra, públicos, para evitar abusos dos órgãos julgadores, limitar
formas opressivas de atuação da justiça criminal e facilitar o controle social sobre o Judiciário
e o Ministério Público.

"O processo penal deve ser público, salvo no que for necessário para preservar os
interesses da justiça", determina o art. 8º, §5º, da Convenção Americana sobre Direitos
Humanos. A regra, tamanha a sua importância, é reafirmada no art. 93, inciso IX, da
Constituição Federal, conforme o qual "todos os julgamentos do Poder Judiciário serão
públicos e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade (...)".

A publicidade, como garantia, aparece também no art. 5º, XXXIII, da Constituição


Federal, que assegura a todos o direito de "receber dos órgãos públicos informações de seu
interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral (...)".

Há dois aspectos do princípio da publicidade:

a)a publicidade geral ou plena, como regra para todo e qualquer processo;

b)a publicidade especial, em que se restringe a audiência nos atos processuais e as


informações sobre o processo às partes e procuradores, ou somente a estes.

Como crítica ao princípio, reconhecem benefícios e malefícios. O maior dos benefícios


é a dificultação de abusos, exageros, omissões e leviandades processuais, pela possibilidade
de constante controle das partes, dos advogados, do Ministério Público, da imprensa e da
sociedade. O mais deplorável dos malefícios (ou talvez o único) é a possibilidade de haver,
com a publicidade, a exploração fantasiosa ou sensacionalista de fatos levados a discussão nos
tribunais.

Para evitar esses abusos midiáticos, em certas causas e situações há exceções ao


princípio da publicidade plena, como quando a divulgação da informação ou diligência
represente risco à defesa do interesse social ou do interesse público; à defesa da intimidade,
imagem, honra e da vida privada das partes; e à segurança da sociedade e do Estado.

Exemplos dessas restrições estão no:

a)art. 792 e §1º, do CPP (caso genérico);

b)arts. 476 e 481 do CPP (votação no júri);

c)art. 217 do CPP (retirada do réu);

d)art. 748 do CPP (registro da reabilitação);

e)art. 20 do CPP (sigilo no inquérito policial);

f)art. 202 da Lei das Execuções Penais; e

g)art. 3º da Lei Federal n. 9.034/95.

5.7. Princípio do estado de inocência

Previsto no art. 5º, inciso LVII, da Constituição brasileira, este princípio é também
denominado "da presunção de inocência" ou da "presunção de não-culpabilidade".

Acolhida também nos tratados internacionais sobre direitos humanos, esta garantia
representou ao tempo de sua introdução nos sistemas jurídicos um enorme avanço. Ninguém

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poderia ser considerado culpado senão após o trânsito em julgado da sentença penal
condenatória. Já constava da Declaração Francesa de 1789 no art. 9º: "Todo acusado é
considerado inocente até ser declarado culpado (...)".

A Declaração Universal de 1948 assentou, com mais detalhes, que "Toda pessoa
acusada de um ato delituoso tem o direito de ser presumida inocente, até que a culpabilidade
tenha sido provada de acordo com a lei, em julgamento público, no qual lhe tenham sido
asseguradas todas as garantias necessárias à sua defesa" (art. XI).

Como corolário dessa idéia, foi preciso desenvolver o sistema acusatório, atribuindo-se
a um órgão público a missão de alegar e provar os fatos criminais, em nome do Estado,
desfazendo a presunção legal que vigora em prol do indivíduo.

A presunção de inocência prevista, de forma positivada, desde 1789, foi repetida


também no art. 8º, §2º, do Pacto de São José da Costa Rica (introduzido no Brasil pelo
Decreto Federal n. 678/92) e no art. 14, §2º, do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e
Políticos, de 1966.

A jurisprudência, especialmente a do Superior Tribunal de Justiça, tem afirmado que


as medidas coercitivas ou as providências restritivas do jus libertatis anteriores à decisão
condenatória definitiva não ofendem o princípio da presunção de inocência.

Sinaliza a Súmula 9 do STJ no sentido de que "A exigência de prisão provisória, para
apelar, não ofende a garantia constitucional da presunção de inocência". Tal enunciado não
passou imune a críticas, mas desde que bem compreendido e aplicado com restrições, não
causa dano ao jus libertatis nem ao estado de inocência do acusado.

Assim, observados atenta e devidamente os requisitos de necessidade e cautela;


cumprido o art. 312 do Código de Processo Penal; e atendida a exigência constitucional de
fundamentação das decisões judiciais, não violam tal garantia provimentos que dêem
aplicação ao art. 393, inciso I, do CPP, que trata do recolhimento à prisão como efeito da
sentença condenatória recorrível, bem como ao art. 594, do mesmo código e ao art. 35, da Lei
Federal n. 6.368/76, que exigem, ambos, o recolhimento do réu à prisão como condição para a
apelação.

É também constitucional, para o STJ, o art. 2º, §2º, da Lei Federal n. 8.072/90, que
determina que em caso de sentença condenatória por crime hediondo "o juiz decidirá
fundamentadamente se o réu poderá apelar em liberdade". Este posicionamento é censurável,
tendo em conta que a presunção legal é de não-culpabilidade. Portanto, o que o juiz deveria
decidir fundamentadamente é se o réu precisaria recolher-se à prisão para apelar até o trânsito
em julgado da decisão, e não o contrário. Isto é evidente, porque a regra é poder o réu, em
qualquer caso, apelar em liberdade.

Dito isto, é preciso observar que as conseqüências do princípio do estado de inocência


são resumidamente:

a)a de estar obrigado o julgador a verificar detidamente a necessidade da restrição


antecipada ao jus libertatis do acusado, fundamentando sua decisão;

b)a de atribuir inexoravelmente o ônus da prova da culpabilidade do acusado ao


Ministério Público ou à parte privada acusadora (querelante);

c)concomitantemente, o efeito de desobrigar o réu de provar a sua inocência;

d)o de assegurar a validade da regra universal In dubio pro reo, aplicada no direito
anglo-saxônico com o nome de reasonable doubt, que sempre favorece a posição jurídica do

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acusado; e

e)a revogação (ou não recepção) do art. 393, inciso II, do Código de Processo Penal,
que mandava lançar o nome do réu no rol dos culpados, por ocasião da sentença condenatória
recorrível.

Art. 11 da DUDH, de 1948 (ONU)

5.8. Garantia contra a auto-incriminação

Dispõe o art. 14, §3º, alínea ´g´, do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos
— Pacto de Nova Iorque que toda pessoa humana tem o direito de não ser obrigada a depor
contra si mesma nem a confessar-se culpada.

É também garantia judicial internacional, no continente americano, por força do art. 8º,
§2º, alínea ´g´, do Pacto de São José da Costa Rica o direito que toda pessoa tem de "não ser
obrigada a depor contra si mesma, nem a declarar-se culpada". Quer dizer, nenhuma pessoa
é obrigada a confessar crime de que seja acusada ou a prestar informações que possam vir a
dar causa a uma acusação criminal.

A Quinta Emenda à Constituição dos Estados Unidos da América assegura tal garantia
desde o século XVIII. Desde sua adoção nenhuma pessoa "shall be compelled in any criminal
case to be a witness against himsel." Trata-se do "privilege against self incrimination", que,
entre nós, denomina-se garantia contra a auto-incriminação.

Embora a confissão seja tida doutrinariamente como a "rainha das provas", não se
pode, no processo penal, constranger a isso o acusado. Vale dizer: confissão, só espontânea
e/ou voluntária. Qualquer informação obtida do réu (ou mesmo de testemunha) mediante
coação configurará o crime de tortura, previsto na Lei n. 9.455/97.

No sistema brasileiro, admite-se que o indiciado ou réu minta, que negue relação com
o fato, que cale a verdade, que fantasie, que amolde versões aos seus interesses. Trata-se da
regra de ouro Nemo tenetur se detegere, insculpida no art. 5º, inciso LXIII, da Constituição
com a seguinte redação: "O preso será informado de seus direitos, entre os quais o de
permanecer calado (...)".

É dizer: ninguém é obrigado a colaborar com o Estado (Polícia Judiciária e Ministério


Público) para o descobrimento de um crime de que se é acusado ou do qual se possa vir a ser
acusado. Sobre o Estado, no sistema acusatório, recaem o ônus da prova e a missão de
desfazer a presunção de inocência que vigora em favor do acusado, sem esperar qualquer
colaboração de sua parte.

Em razão desta regra, não foi recepcionado no ordenamento pátrio o disposto no art.
186, parte final, do Código de Processo Penal, segundo o qual, por ocasião do interrogatório
do acusado, "o juiz observará ao réu que, embora não esteja obrigado a responder às
perguntas que lhe forem formuladas, o seu silêncio poderá ser interpretado em prejuízo da
própria defesa".

De igual modo, derrogado está a segunda parte do art. 198 do Código de Processo
Penal, conforme o qual "O silêncio do acusado não importará confissão, mas poderá
constituir elemento para a formação do convencimento do juiz". De sorte que, desde 1988,
não pode o magistrado considerar o silêncio do réu em desfavor do processado.

Estas normas, como se evidenciou, não mais têm aplicação no País. Os réus continuam

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desobrigados de responderem às perguntas do juiz, e agora têm o direito de manter-se em


silêncio. E só. Desse estado ou dessa postura, em juízo ou no interrogatório policial, nada
advirá em prejuízo do acusado. A única implicação lógica admissível do princípio é a de que
continuará cabendo ao Ministério Público ou ao querelante (na ação penal privada) a prova da
culpabilidade do réu.

Interessante notar, porém, que se o réu não desejar exercer esse direito ao silêncio ou a
ele renunciar, poderá ser "compensado" pelo sistema criminal, por meio dos institutos da
delação premiada e da confissão espontânea.

No primeiro caso, lei especial prevê redução da pena de 1/3 (um terço) a 2/3 (dois
terços) para o réu delator (co-autor ou partícipe) que "através de confissão espontânea revelar
à autoridade policial ou judicial toda a trama delituosa". É o que se dá por força do art. 16,
parágrafo único, da Lei Federal n. 8.137/90, que cuida dos crimes contra a ordem tributária, a
ordem econômica e as relações de consumo.

O mesmo efeito decorre do art. 6º da Lei n. 9.034/95 — Lei de Combate ao Crime


Organizado, que permite a redução da pena de 1/3 a 2/3, "quando a colaboração espontânea
do agente levar ao esclarecimento de infrações penais e sua autoria".

No segundo caso, confissão simples espontânea, a auto-declaração de culpabilidade


conferirá ao réu o direito de redução da pena, em grau estabelecido pelo juiz, em virtude do
reconhecimento de circunstância atenuante genérica, prevista no art. 65, inciso III, alínea ´d´,
do Código Penal: "são circunstâncias que sempre atenuam a pena, ter o agente confessado
espontaneamente, perante a autoridade, a autoria do crime".

Como se vê, nas duas situações, a renúncia ao direito constitucional de manter-se em


silêncio converte-se em benefícios penais, com redução expressiva da resposta estatal.

Tratamento mais favorável ao delinqüente colaborador também está presente no art. 1º,
§5º, da Lei n. 9.613/98 — Lei de Lavagem de Capitais, quando o réu, co-autor ou partícipe
"colaborar espontaneamente com as autoridades, prestando esclarecimentos que conduzam à
apuração das infrações penais e de sua autoria ou à localização dos bens, direitos ou valores
obeto do crime".

Outros dois institutos reducentes de reprovabilidade penal, relacionados com a regra


Nemo tenetur se detegere, estão no art. 14 da Lei n. 9.605/98 — Lei Penal Ambiental, que
prevê a atenuação da pena:

a)por comunicação prévia pelo agente do perigo iminente de degradação ambiental


(inciso III); e

b)pela colaboração do réu com os servidores encarregados da vigilância e do controle


ambientais (inciso IV).

Perceba-se que, em qualquer das situações acima analisadas, o réu preserva o seu
direito ao silêncio e continua desobrigado de colaborar com as autoridades. Mas se resolver
falar, cooperando, será premiado com a redução da pena.

5.9. Princípio do contraditório

Correspondem ao movimento democratizante, humanizador e garantista do processo


penal, os princípios da ampla defesa e do contraditório (art. 5º, inciso LV, CF), segundo os
quais "aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são
assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes".

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A Sexta Emenda à Constituição dos Estados Unidos declara que "In all criminal
prosecutions, the accused shall enjoy the right to a speedy and public trial, by an impartial
jury of the State and district wherein the crime shall have been committed, which district shall
have been previously ascertained by law, and to be informed of the nature and cause of the
accusation; to be confronted with the witnesses against him; to have compulsory process for
obtaining witnesses in his favor, and to have the Assistance of Counsel for his defence".

Como se vê tais princípios se destinam ao processo em geral, tanto o civil quanto o


penal e ainda o processo administrativo, que, no Brasil, é de natureza não-judicial.

Todavia, não são garantias absolutas. Há situações em que o contraditório (acusação e


defesa, prova e contra-prova) não pode ser garantido desde logo, tendo sua aplicação diferida.
É o que ocorre, por exemplo, com o procedimento de interceptação de comunicações
telefônicas, regulado pela Lei n. 9.296/96, em que não se pode em nenhuma hipótese anunciar
previamente ao investigado a realização da diligência de escuta judicialmente autorizada, sob
pena de total insucesso da investigação criminal.

Para o Supremo Tribunal Federal, a garantia do contraditório não vigora, também, nos
pedidos de quebra de sigilo bancário, porquanto em tais situações o anúncio da disclosure
poderá levar à mobilização de somas em dinheiro e sua conversão em ativos móveis, o que
dificultaria sobremaneira a reparação do dano ou o eventual seqüestro dos bens.

Tais considerações, entretanto, precisam ser bem entendidas. Não é que de fato
inexista contraditório nesses procedimentos. Significa apenas que a oportunidade de
conhecimento da medida apuratória ou das provas colhidas na investigação inquisitorial, e o
ensejo de contestação a elas e produção de contra-provas serão dados ao investigado/réu em
momento posterior, garantindo-se assim a ampla defesa.

Certo, por outro lado, é que não há incidência do contraditório no inquérito policial,
que é procedimento administrativo pré-processual, inquisitorial, presidido pela Polícia
Judiciária, destinado à formação da opinio delicti do Ministério Público e a subsidiar a ação
responsável do Estado em juízo, evitando lides penais temerárias.

Destarte, o contraditório, que em lógica implica a existência de "duas proposições tais


que uma afirma o que a outra nega", tem como corolários ou implicações:

a)a igualdade das partes ou isonomia processual;

b)a bilateralidade da audiência e a ciência bilateral dos atos processuais (audiatur et


altera pars);

c)o direito à ciência prévia e a tempo da acusação, podendo o acusado "dispor do


tempo e dos meios necessários à preparação de sua defesa";

d)o direito à ciência precisa e detalhada dessa acusação;

e)direito à compreensão da acusação e do julgamento, ainda que por meio de tradutor


ou intérprete;

f)o direito à ciência dos fundamentos fático-jurídicos da acusação;

g)a oportunidade de contrariar a acusação e de apresentar provas e fazer ouvir


testemunhas;

h)a liberdade processual de especificar suas provas e linha de defesa, escolher seu
defensor e mesmo de fazer-se revel.

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Não se pode deixar de perceber a relação da idéia de contraditório com o princípio


filosófico do terceiro excluído, segundo o qual "Se duas proposições são contraditórias, uma
delas é verdadeira e a outra é falsa". Na dialética processual, caberá ao magistrado realizar a
síntese das posições antitéticas (a tese do Ministério Público e a antítese do defensor),
declarando, ao fim, a verdade da acusação e a falsidade da defesa, ou vice-versa.

5.10. Princípio da ampla defesa

Também é preciso situar o direito à ampla defesa no contexto do processo penal. A


defesa é o mais legítimo dos direitos do homem. A defesa da vida, a defesa da honra e a
defesa da liberdade, além de inatos, são direitos inseparáveis de seus respectivos objetos. A
manutenção da liberdade implica a ação defensiva dessa mesma liberdade, ainda que in
potentia. Do mesmo modo, não se pode conceber a vida, sem o direito presente de mantê-la e
de defendê-la contra ameaças ou agressões injustas ou ilegais, atuais ou iminentes.

Assim, também no processo penal, em que estão em jogo a liberdade e o patrimônio


dos acusados, bem como suas honras. Ao lado da vida, esses são os bens mais valiosos do
homem, que o diferenciam da imensa massa dos seres. Por isso, nesse campo, quando um
desses bens é posto na berlinda, a defesa deles deve ser amplamente assegurada, "com todos
os meios e recursos a ela inerentes".

A defesa criminal pode ser técnica, quando realizada por meio de advogado, ou
pessoal. Neste caso, o réu assumiria a proteção processual dos seus próprios interesses em
face da acusação contra si apresentada.

Embora prevista em tratados internacionais, a defesa pessoal no processo penal


brasileiro só é conhecida por ocasião do interrogatório. Esta é a única oportunidade que o
acusado tem de falar por si, diretamente ao julgador, sem a intermediação do seu procurador.
Trata-se de importante forma de defesa oral, que deve ser devidamente considerada pelo juiz
por ocasião da sentença, ainda que outra seja a tese sustentada pela defesa técnica.

A exceção quanto à refutação pessoal somente confirma a regra, que, no Brasil, é a da


imprescindibilidade de defesa técnica, na forma do art. 261 do Código de Processo Penal.

Para assegurá-la às inteiras, é preciso permitir ao réu pelo menos:

a)o conhecimento claro e prévio da imputação;

b)a faculdade de apresentar contra-alegações;

c)a faculdade de acompanhar a produção da prova;

d)o poder de apresentar contraprova;

e)a possibilidade de interposição de recursos;

f)o direito a juiz independente e imparcial;

g)o direito de excepcionar o juízo por suspeição, incompetência ou impedimento;

h)o direito a acusador público independente; e

i)o direito a assistência de defesa técnica por advogado de sua escolha.

Quanto a este último aspecto, realçamos a previsão do art. 14, §3º, alínea ´d´, do Pacto
de Nova Iorque, que assegura a todo acusado o direito de "estar presente no julgamento e de
defender-se pessoalmente ou por intermédio de defensor de sua escolha; de ser informado,

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caso não tenha defensor, do direito que lhe assiste de tê-lo e, sempre que o interesse da
justiça assim exija, de ter um defensor designado ex officio gratuitamente, se não tiver meios
para remunerá-lo".

Semelhantemente, no art. 8º, §2º, alínea ´d´, do Pacto de São José da Costa Rica, está a
garantia do acusado de "defender-se pessoalmente ou de ser assistido por um defensor de sua
escolha e de comunicar-se livremente e em particular, com seu defensor".

Quanto a este último aspecto, o Estatuto da OAB especifica entre os direitos do


advogado o de "comunicar-se com seus clientes, pessoal e reservadamente, mesmo sem
procuração, quando estes se acharem presos, detidos ou recolhidos em estabelecimentos civis
ou militares, ainda que considerados incomunicáveis" (art. 7º, inciso III).

Daí resulta que a incomunicabilidade dos acusados, ainda que judicialmente decretada
na forma do art. 21 do Código de Processo Penal, não impede o contato direto do advogado
com o seu cliente. Esta garantia profissional do advogado é imprescindível ao asseguramento
da ampla defesa do acusado. O direito profissional é uma das manifestações do direito
constitucional do acusado a uma defesa efetiva e larga.

Como se viu parágrafos acima, é direito positivo, interno e também internacional, a


garantia de defesa técnica ou pessoal no processo criminal, admitindo-se a indicação de
defensor dativo para o réu, ainda que este não deseje, pois não é tolerável nem razoável
admitir que alguém possa ser acusado de um crime sem defender-se.

Destarte, do direito à ampla defesa decorre o dever do Estado de providenciar ampla


defesa para o acusado e de velar pela sua efetividade. Quanto a este, o acusado, o único direito
de defesa que se lhe retira é o de não se defender. Ou seja, mesmo que o réu silencie em seu
interrogatório sempre haverá defesa. Sem defesa, não há processo penal.

Nessa mesma medida, é óbvio que a defesa deverá ser efetiva, uma vez que defesa
técnica irreal, falha, omissa, leniente equivale a ausência de defesa, sendo causa de nulidade
do processo.

Além disso, parece-nos oportuno assinalar que o art. 261 do Código de Processo Penal
foi derrogado pelos citados dispositivos convencionais. Os tratados internacionais têm força
de lei ordinária no Brasil, seguindo o princípio temporal de que "lei posterior derroga lei
anterior".

Assim, em tese, seria possível a defesa processual realizada inteiramente pelo acusado
in persona, sem concurso de advogado, já que a regra do art. 261 ("Nenhum acusado, ainda
que ausente ou foragido, será processado ou julgado sem defensor") datada de 1941 foi
suplantada pelo art. 8º, §2º, ´d´, do Pacto de São José da Costa Rica, e pelo art. 14, §3º, ´d´, do
Pacto de Nova Iorque, que lhe são posteriores (1992) e permitem às inteiras a defesa pessoal.

Todavia, esta possibilidade é um tanto temerária, pois a falta de defesa técnica pode
prejudicar sobremaneira os interesses do acusado, em virtude da real ou potencial disparidade
de armas entre o réu e o Ministério Público, sempre profissional.

Demais disso, a tese peca por olvidar que, por força do art. 133 da Constituição
Federal (norma hierarquicamente superior aos citados tratados) o advogado é essencial à
administração da justiça, principalmente a criminal. Isto se mostra mais claro ao se verificar
que as hipóteses de jus postulandi existentes em nosso ordenamento aplicam-se apenas a
procedimentos extrajudiciais. Quanto aos judiciais, admite-se a postulação direta, sem
advogado, tão-somente nas reclamações trabalhistas em geral e nas ações cíveis de até 20
salários mínimos, reguladas pela Lei n. 9.099/95, que instituiu os Juizados Especiais Cíveis.

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5.11. Princípio do duplo grau de jurisdição

Este princípio não está expressamente previsto na Constituição Federal. Trata-se de


uma diretriz implícita, que se constrói a partir do art. 5º, inciso LV, segunda parte, da
Constituição, e dos arts. 92, 102, 105 e 108 da mesma Carta.

Ora, se é garantida a ampla defesa, "com os meios e recursos a ela inerentes",


assegura-se concomitantemente o direito de revisão da decisão por um órgão colegiado
superior.

De igual modo, se a Constituição regula a competência recursal dos tribunais


superiores e dos tribunais regionais e a distribui a órgãos judiciais específicos, dando-lhes
poder de julgar "em grau de recurso" as causas decididas pelas instâncias inferiores, está a Lex
Legum implicitamente garantindo o direito ao acesso ao duplo grau de jurisdição.

O direito ao duplo grau abrange:

a)o direito ao reexame da causa, quanto ao mérito;

b)o direito à revisão da pena;

c)o direito à declaração de nulidades (reexame quanto à forma); e

d)impropriamente, o direito de rescindir a condenação trânsita em julgado.

Está também previsto tal princípio no Pacto de São José da Costa Rica e no Pacto de
Nova Iorque. Todavia, nessas duas convenções a menção é expressa, valendo como lei
ordinária no Brasil. Neste caso, como lei processual ordinária.

Genericamente, o art. 9º, §4º, do Pacto de Nova Iorque determina que "Qualquer
pessoa que seja privada de sua liberdade por prisão ou encarceramento terá o direito de
recorrer a um tribunal para que este decida sobre a legalidade de seus encarceramento e
ordene sua soltura, caso a prisão tenha sido ilegal".

Mais claro é o art. 15 do mesmo tratado: "Toda pessoa declarada culpada por um
delito terá o direito de recorrer da sentença condenatória e da pena a uma instância superior,
em conformidade com a lei".

Neste passo, é oportuno assinalar o art. 5º, §2º, da Constituição Federal, que estabelece
que "Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do
regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República
Federativa do Brasil seja parte".

Esse dispositivo de extensão, além de fazer clara a importância dos princípios para a
exegese constitucional, evidencia por igual que as diretrizes que regem essa hermenêutica não
se encontram apenas no art. 5º, do rol de direitos, nem estão elencadas somente na
Constituição; podem estar nas convenções internacionais de que o Brasil seja parte ou mesmo
em outros pontos da Constituição, como no art. 228, que estatui que "São penalmente
inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às normas da legislação especial".

Embora situado no capítulo VII, do Título VIII, da Constituição, que trata da ordem
social, o art. 228 prevê legítimo direito individual, limitador da ação do Estado no processo
penal. E, portanto, é também cláusula pétrea, em conformidade com o art. 60, §4º, inciso IV,
da Carta Federal.

Quanto ao instituto do reexame necessário, trata-se hoje de uma excrescência. É algo


desnecessário porque as partes tecnicamente assistidas têm todas as condições para interpor

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recursos voluntários, não havendo porque prever a remessa necessária e automática à instância
superior, para reexame da decisão. A permanência dessa anomalia no sistema acaba por fazer
incidir sobre o julgador a pecha de "suspeito", sobre o acusador público a nódoa da
"incompetente" e sobre ambos a suposição da conivência com o erro ou a fraude. Tal estorvo
deve, assim, ser eliminado do sistema processual o mais rápido possível.

6. Princípios gerais do processo penal

Além dos princípios estritamente constitucionais e das regras internacionais, há os


postulados que com eles e elas se relacionam e que se aplicam genericamente ao processo
penal, por força de lei ordinária, de tratados ou como decorrência dogmática ou doutrinária.

O fato de não estarem previstos na Constituição não lhes retira a importância, bastando
lembrar a norma de extensão do art. 5º, §2º, da Constituição Federal.

6.1. Princípio da verdade real

Este axioma recomenda ao julgador e às partes — entre estas principalmente o


Ministério Público — que se empenhem no processo para atingir a verdade real, para
desvendá-la, para determinar os acontecimentos exatamente como se sucederam, a fim de
permitir a justa resposta estatal.

Segundo a doutrina mais moderna, capitaneada no Brasil por LUIZ FLÁVIO GOMES,
é impossível alcançar a verdade real. No máximo, obtém-se a verdade processual ou a verdade
judicial, o que dá no mesmo.

O que importa observar é que nunca será possível reconstruir inteiramente o iter
criminis, porquanto parte dele se processa no mundo subjetivo, na mente do delinqüente,
sendo inalcançável pelo julgador e pelo Ministério Público, mesmo mediante confissão.

De qualquer modo, o princípio da verdade real — que deve ser aplicado também ao
processo civil, malgrado a resistência da doutrina — obriga:

a)à busca do verdadeiro autor da infração;

b)à punição desse pelo fato praticado, como praticado;

c)à exata delimitação da culpabilidade do agente.

Para atingir esse desiderato, permite-se, ao lado da iniciativa das partes, o impulso
oficial pelo magistrado e a produção de provas ex officio, faculdade que é criticável pois pode
contaminar o ente de razão do juiz, levando-o a pré-julgamento.

Decorrem também desse princípio a redução das faculdades dispositivas das partes,
quanto a prazos, procedimentos e formas, todos de ordem pública, bem assim a drástica
limitação das ficções, transações e presunções, tão características do processo civil, mas quase
totalmente vedadas no penal.

Também em razão da verdade real, a confissão do réu, para alguns tida como regina
probationum, passa a ser vista no processo penal como prova comum, a teor do art. 197 do
Código de Processo Penal, que dispõe: "O valor da confissão se aferirá pelos critérios
adotados para os outros elementos de prova, e para a sua apreciação o juiz deverá
confrontá-la com as demais provas do processo, verificando se entre ela e estas existe
compatibilidade ou concordância".

A parte final do dispositivo deixa claro que a confissão só merecerá consideração se

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estiver em conformidade com a verdade processual, extraída das outras provas colhidas na
instrução criminal, e desde que tenha sido obtida voluntariamente, sem coação.

No entanto, há institutos processuais que impedem o atingimento da verdade real.


Portanto, são exceções a esse princípio:

a)a impossibilidade de rescisão de absolvição indevida (res judicata pro veritate


habetur), ou seja, não é possível a revisão criminal pro societate;

b)a perempção, que extingue o processo, na ação penal privada, em razão da


contumácia ou da simples inércia do querelante;

c)o perdão do ofendido na ação penal privada, como forma de extinção do processo,
impedindo também a declaração da verdade real.

6.2. Princípio da oralidade

Igualmente relevante é o princípio da oralidade processual, em oposição ao lento e


demorado procedimento escrito, tão ao gosto dos agentes processuais brasileiros.

O procedimento oral, característico do sistema acusatório, tem a grande vantagem de


tornar mais célere e mais leve a instrução criminal. Se bem aplicado, permite a concentração
dos atos processuais em uma audiência, como se dá (rectius: como se deveria dar) no rito
sumário dos delitos de tóxicos, previsto na Lei n. 6.368/76: ouvida de testemunhas, alegações
orais e sentença em uma só audiência.

Infelizmente, na prática forense, apresenta-se com uma regularidade espantosa a


substituição do procedimento oral concentrado por um procedimento escrito, mais demorado.
É comum ocorrer de as partes requerem prazo para a apresentação de memoriais escritos ou
alegações finais na forma do rito ordinário.

Entende-se que não há nulidade pela substituição de um procedimento mais simples (o


sumário ou o sumariíssimo) por um outro mais complexo, como o ordinário. Quod abundat
non nocet. Mas, se não há prejuízo para a defesa ou para o Ministério Público, ocorre prejuízo
para a sociedade com a maior demora dos processos criminais.

A oralidade, além dessa noção temporal, ligada à concentração dos atos, permite
também inserir no processo penal o princípio da imediatidade, que confere maior proximidade
ao julgador em relação às partes e à prova produzida, levando à mesma celeridade.

Por igual, outra conseqüência da oralidade pode ser a garantia da identidade física do
juiz, que não se aplica ao processo penal, segundo a doutrina, salvo excepcionalmente
mediante a repetição voluntária dos atos processuais, determinada na forma do art. 502,
parágrafo único, do Código de Processo Penal, ou analogicamente in bonam partem, na forma
do art. 132 do Código de Processo Civil.

Exemplos do princípio da oralidade no processo penal, conjuminado com as idéias de


imediatidade e concentração, estão:

a)no rito sumariíssimo da Lei Federal n. 9.099/95, decorrente do art. 98, inciso I, da
Constituição Federal; e

b)no rito sumário do art. 538, §2º, Código de Processo Penal.

6.3. Princípio da obrigatoriedade da ação penal

Fundando-se na necessidade de defesa social contra o crime, o princípio da

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obrigatoriedade da ação penal obriga o Ministério Público a atuar processualmente sempre


que ocorra delito de ação penal pública.

O princípio tem merecido críticas, pois não mais se coaduna com o processo penal
democrático, no qual tem maior aceitação o princípio da oportunidade da ação penal pública,
que confere um maior campo de discricionariedade ao Ministério Público.

Aliás, o princípio da oportunidade está necessariamente ligado à idéia de intervenção


mínima. Permitindo-se ao Ministério Público maior liberdade de decidir quando oferecer a
denúncia ou não, estar-se-ia facilitando a intervenção penal mínima, sem abandonar-se o
dever de defesa social.

Isto torna-se ainda mais evidente quando consideramos que o princípio da


oportunidade deriva do brocardo Nec delicta maneant impunita, ou seja, que nenhum crime
permaneça impune. Evidentemente tal diretriz não se harmoniza com o direito penal mínimo.
Ao contrário, serve à doutrina da lei e da ordem e da tolerância zero ou ao direito penal do
terror.

Atualmente, o Ministério Público está inteiramente vinculado à missão de denunciar,


quando o fato seja típico e antijurídico. Preenchido o modelo legal, deve seguir-se a acusação.
Não pode o Parquet manifestar opção de política criminal, salvo se adotar uma visão
alternativa do direito penal. Como ente administrativo, a atividade do Ministério Público é
vinculada, o que cerceia sua independência processual, ainda quando seja pro reo. Diante da
fórmula típica, sempre deverá ser oferecida a denúncia.

Abrindo-se maior espaço de discricionariedade ao Parquet, este órgão poderia


verificar a oportunidade, a conveniência, a utilidade, a nocividade ou a economicidade da sua
atuação processual, ou mesmo a sua razoabilidade, sem prejuízo de continuar existindo o
controle dessa manifestação pela instância superior da Instituição, nos moldes do inquérito
civil, ou mesmo na forma hoje prevista, pela aplicação do art. 28 do Código de Processo
Penal, que posiciona o juiz como fiscal do princípio da obrigatoriedade.

Todavia, esse posicionamento menos conservador ainda não encontra espeque na


legislação processual, que, nos arts. 5º, 6º e 24 do Código de Processo Penal, acolhe o
princípio da obrigatoriedade, tanto para a tarefa investigativa da Polícia Judiciária quanto para
a atuação processual do Ministério Público.

Há pouco espaço normativo (no direito positivo infraconstitucional, que fique bem
entendido) para a aplicação do princípio da oportunidade da ação penal pública. Esse
postulado deriva da regra magna minima non curat prætor, que hoje encontra descrição
doutrinária como o princípio da insignificância.

Um dos dispositivos úteis é o próprio artigo 28 do Código de Processo Penal, pois este
cânon não diz quais devem ser as "razões invocadas" pelo Ministério Público para a promoção
do arquivamento do inquérito policial. O promotor ou o procurador poderia, perfeitamente,
invocar razões de política criminal ou de utilidade para não promover a demanda penal, tendo
em vista, por exemplo, a aproximação do termo final do prazo prescricional máximo previsto
para aquele delito. Poderia, ainda, alegar o membro do Parquet a insignificância penal da
conduta apurada no inquérito, ou a inconveniência da ação.

Se o juiz discordasse de tais razões, remeteria os autos à superior instância, no próprio


Ministério Público, já que, em virtude da separação das funções de acusar e julgar,
característica do sistema acusatório, não poderia ele mesmo dar início ex officio à ação penal
nem determinar que o Ministério Público o fizesse, sem violar gravemente o art. 129, inciso I,
da Constituição Federal.

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Outros elementos normativos que permitem concluir pela inadequação do princípio da


obrigatoriedade ao moderno processo penal surgem da análise da estrutura da ação penal
privada e da ação penal pública condicionada.

A ação penal privada, em que incidem institutos como o perdão do ofendido, a


desistência, a perempção, a renúncia assemelha-se muito mais à ação de natureza civil do que
a suas "irmãs" penais, de natureza pública. Ambas, a ação civil e a ação penal privada, são
disponíveis, valendo para as duas categorias o princípio da oportunidade.

Com isso quer-se dizer que, embora reconheçamos, que a teoria geral da ação é uma só
— abarcando ação civil e ação penal —, as semelhanças entre a ação penal privada e a ação
civil são maiores do que as que existem entre as demais. Prova disso é que o princípio da
obrigatoriedade não se aplica nem à ação civil nem à ação penal privada, mas é impositivo em
relação à ação penal pública incondicionada e à ação penal pública condicionada.

Tratando desta última, é de se ver aí uma forma híbrida de ação — meio penal e meio
civil, ou meio penal pública e meio penal privada —, porquanto nela a persecução penal pelo
Estado (presentado pelo Ministério Público) somente se iniciará se houver o implemento da
condição: a representação da vítima ou de seu representante legal ou a requisição do Ministro
da Justiça. Sem essas condições de procedibilidade, a ação penal pública, conquanto marcada
pelo princípio da obrigatoriedade, não poderá ser iniciada.

Em razão disso, percebe-se que o brocardo Nec delicta maneant impunita somente se
aplica inteiramente à ação penal pública incondicionada, porque se para a ação penal privada
não tem qualquer influência, no que pertine à ação pública condicionada fica a depender da
vontade (autonomia privada) do indivíduo ofendido ou da requisição do Ministro da Justiça,
que agirá animado por razões políticas.

Conclui-se, por conseguinte, que o princípio da obrigatoriedade é, em verdade, uma


exceção no que se refere à imposição da ação do Estado (Polícia Judiciária e Ministério
Público) diante da criminalidade. A regra, ao contrário do que pode parecer, é a não
obrigatoriedade da ação penal (e da ação em geral), já que nas demais espécies o âmbito de
atuação da autonomia privada é absoluto. Vale dizer, sem a vontade do indivíduo não haverá
ação civil, não será proposta ação penal privada e o Ministério Público não poderá oferecer
denúncia em crime de ação penal pública condicionada.

Portanto, não há razão para insistir na permanência do princípio da obrigatoriedade,


quando tal diretriz somente se dirige a uma das subespécies de ação e quando se percebe que a
idéia de oportunidade da atuação persecutória ministerial está muito mais próxima do direito
penal mínimo e da doutrina da intervenção necessária do que a tese oposta, ora vigente.

Sem dúvida, essa concepção inovadora tem-se inserido aos poucos no sistema jurídico
brasileiro, a partir da Constituição Federal de 1988, que, além de conferir independência
funcional ao Ministério Público, permitiu a instituição do procedimento sumaríissimo, com
transação penal (art. 98, inciso I).

A Lei n. 9.099/95 positivou, no espaço infraconstitucional, essa regra, vindo a mitigar


o princípio da obrigatoriedade da ação penal pública, ao permitir a composição civil do dano
(art. 74) como causa de exclusão do processo; ao estabelecer as hipóteses de aplicação
imediata de pena não privativa de liberdade, mediante transação penal ofertada pelo
Ministério Público (art. 76); e ao regulamentar o instituto da suspensão condicional do
processo, também derivada de proposta do Parquet, na forma do art. 89 daquele lei.

Em outros sistemas jurídicos, institutos como o pattegiamento italiano e o plea


bargain norte-americano dão mostras do funcionamento do princípio da oportunidade da ação
penal pública, que, entre nós vigora em absoluto apenas para a ação penal privada e para as

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ações civis em geral. Mas é hora de mudar.

6.4. Princípio da oficialidade

Intimamente relacionada com os princípios da legalidade e da obrigatoriedade, a


diretriz da oficialidade funda-se no interesse público de defesa social.

Pela leitura do caput do art. 5º da Constituição Federal, compreende-se que a


segurança também é um direito individual, competindo ao Estado provê-la e assegurá-la por
meio de seus órgãos.

Daí serem criados por lei órgãos oficiais de persecução criminal, para investigação dos
delitos e processamento dos crimes, no sistema acusatório. A Declaração Francesa de 1789 já
especificava que "A garantia dos direitos do homem e do cidadão necessita de uma força
pública; esta força é, pois, instituída para fruição por todos, e não para utilidade particular
daqueles a quem é confiada" (art. 12).

O art. 144 da Constituição Federal organiza a segurança pública no País, ao passo que
o art. 4º do Código de Processo Penal estabelece atribuições de Polícia Judiciária e o art. 129,
inciso I, da Constituição Federal especifica o munus do Ministério Público no tocante à ação
penal pública.

As exceções ao princípio da oficialidade estão no art. 30 do Código de Processo Penal,


para a ação penal privada; e no art. 29 do mesmo código para a ação penal privada subsidiária
da pública.

Observe-se, porém, que existe uma outra aparente exceção à oficialidade da ação
penal. Trata-se da ação penal popular, instituída no art. 14 da Lei n. 1.079/50, que cuida dos
impropriamente chamados "crimes" de responsabilidade do Presidente da República.

Trata-se esta da lei especial a que alude o art. 85, parágrafo único da Constituição
Federal. Perceba-se que os delitos previstos na legislação de 1950, que foi recepcionada pela
Carta de 1988, não estabelecem sanção privativa de liberdade. A sanção é a perda do cargo
com a inabilitação para a função pública, na forma do art. 52, parágrafo único, da Constituição
Federal, combinado com o art. 2º da Lei n. 1079/50.

Está claro, portanto, que, embora chamadas de "crimes" de responsabilidade, as


infrações previstas na Lei n. 1079/50 e no art. 85 da Constituição Federal não são de fato
delitos criminais, mas sim infrações político-administrativas, que acarretam o impeachment do
Presidente da República.

Logo, não se pode falar na existência de ação penal popular, como entendem alguns
comentaristas do art. 14 da Lei n. 1079/50.

De igual modo, não há ação penal popular (conquanto assim denominada) no art. 41-A
da mesma Lei, para as ações "penais" por "crime" de responsabilidade previstos no art. 10 da
Lei n. 1.079/50. Esses delitos podem ser atribuídos ao Presidente do STF, aos presidentes dos
tribunais superiores, tribunais regionais e cortes de contas, tribunais de justiça e de alçada, aos
juízes diretores de fóruns, ao Procurador-Geral da República, ao Advogado-Geral da União,
aos membros do Ministério Público e da AGU com função de direção de unidades regionais,
entre outros.

A disposição merece a mesma crítica endereçada ao art. 14 da Lei n. 1.079/50. Os


crimes de responsabilidade previstos no art. 10 não são de fato "crimes", mas infrações
político-administrativas sancionadas com a perda do cargo. Assim, não havendo crimes stricto
sensu a punir, a via punitiva não será a da ação penal pública, iniciada por "denúncia de

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qualquer do povo". A razão do óbice é evidente, pois se assim fosse estaríamos diante de uma
violação ao art. 129, inciso I, da Constituição Federal, que confere ao Ministério Público a
privatividade da ação penal pública. Ora, lei ordinária não pode ferir essa regra, senão será
marcada com o labéu de inconstitucional.

Com razão, portanto, LUIZ FLÁVIO GOMES e ALICE BIANCHINI, ao dizerem que
"se for entendido que as condutas previstas no art. 10 da Lei 1.079/50 são de caráter penal (e
isso já foi anteriormente afastado), torna-se absurdo permitir a todo cidadão o oferecimento
da denúncia, pois amplia o rol dos legitimados para propositura de ação penal, em total
afronta ao art. 129, I, da Constituição, que estabelece a competência privativa do Ministério
Público".

Corrente minoritária da doutrina defende a idéia de que a "denúncia" de que trata a Lei
n. 1.079/50 (especialmente a prevista no art. 14) é simplesmente uma notitia criminis
postulatória, pois a verdadeira acusação contra o Presidente da República nos chamados
crimes de responsabilidade ficaria a cargo da Câmara dos Deputados, autoridade competente
consoante o art. 51, inciso I, da Constituição Federal.

6.5. Princípio da indisponibilidade

Tanto o inquérito policial quanto o processo penal são indisponíveis. Esta realidade
deriva do princípio da obrigatoriedade da ação penal pública e do brocardo Nec delicta
maneant impunita.

Com isso, proíbe-se a paralisação injustificada da investigação policial ou seu


arquivamento pelo delegado de Polícia, o mesmo valendo para a própria ação penal, que não
pode ser obstada, salvo por justa causa.

Positivam tal princípio o art. 10 do Código de Processo Penal, que estabelece prazo
cabal para a conclusão do inquérito policial; o art. 17 do mesmo código, que impede o
arquivamento do IP pela autoridade policial; e o art. 28, que situa o juiz como fiscal do
princípio da obrigatoriedade da ação penal, permitindo-lhe discordar da promoção feita pelo
Ministério Público.

São também corporificações do princípio o art. 42 do CPP, que proíbe que o


Ministério Público desista da ação penal que tenha proposto e o art. 576 do Código de
Processo Penal, que impede o Parquet de desistir de recurso que haja interposto em ação
penal pública.

Merece crítica, no entanto, a disposição do art. 385 do Código de Processo Penal, que
autoriza o juiz a condenar o réu, mesmo em face de pedido absolutório apresentado pelo
Ministério Público na ação penal pública.

Os defensores do cânon alegam que se trata de regra destinada a assegurar a busca da


verdade real e a defesa social. O juiz, nesse mister, não estaria vinculado ao posicionamento
do Ministério Público, porque está, na outra ponta, sujeito à missão de desvendar a verdade
real.

Contudo, já foi dito noutro passo que no processo não se atinge a verdade real, senão a
verdade judicial, e a constante busca por essa "verdade" somente ocorre na ação penal pública
incondicionada, porquanto, mesmo na ação penal pública condicionada pode o ofendido
impedir a persecução se não oferece a representação ou dela se retrata, antes do oferecimento
da denúncia (art. 25 do Código de Processo Penal).

Além disso, no art. 385 há aparente violação ao sistema acusatório, misturando-se as


funções de acusação e julgamento. Diz-se também que a regra é prejudicial aos acusados e,

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por isso deveria ser interpretada restritivamente, no sentido de que o magistrado somente
poderia proferir sentença condenatória quando o Ministério Público não fundamentasse
devidamente o pedido absolutório.

Ora, se o órgão incumbido pela Constituição Federal de promover a acusação em nome


do Estado entende que há causa excludente de ilicitude, que o fato é atípico ou que outro foi o
seu autor e pede a absolvição do réu, por que haveria o julgador, órgão imparcial, de assumir
ele a pretensão estatal acusatória e condenar o réu quando pedido nesse sentido não mais
existe. Não seria essa uma forma de julgamento extra ou ultra petita? Parece-nos que sim,
pois o juldador, situado imparcialmente entre e acima das partes, estaria quase que assumindo
uma pretensão que não é nem pode ser sua.

O pedido de absolvição pelo Ministério Público equivale a inexistência de acusação. E


da acusação, pela regra do art. 129, inciso I, da Constituição Federal, somente o Ministério
Público é titular.

Não há nada de estranho nesse proceder, uma vez que noutros sistemas jurídicos pode
o Ministério Público simplesmente retirar a acusação apresentada contra o réu, findando-se a
instância.

Com a introdução dessa medida, fundada em idéias de política criminal, de


necessidade, utilidade, conveniência e intervenção mínima, não se estaria violando o princípio
da inafastabilidade da jurisdição (art. 5º, XXXV, Constituição Federal), pois o Poder
Judiciário seria chamado a verificar em cada ação se há justa causa para a retirada da denúncia
e se as causas legais que a condicionam estão presentes in concrecto.

Idêntica censura se faça quanto à previsão da segunda parte do art. 385 do Código de
Processo Penal, que autoriza a autoridade judiciária a reconhecer agravantes que não tenham
sido alegadas na denúncia ou nas alegações finais do Ministério Público. A proposição é
estranha, porque representa forma de julgamento ultra petita, além do pedido. A sentença não
terá correlação com a acusação.

Disposição como esta tinha sentido na década de 1940, quando da introdução do


Código de Processo Penal, época em que o Ministério Público não estava organizado
nacionalmente com a devida estrutura e capilarizado em todas as comarcas do País, como
instituição inteiramente profissional. Hoje, com as responsabilidades que foram atribuídas ao
Parquet e com o desenvolvimento de uma cultura de Ministério Público é desarrazoada a
regra ora examinada, tanto quanto o é a que determina o reexame necessário em certos casos.

Em apoio à tese ora esposada, lembremos que na fase recursal o tribunal de apelação
não pode piorar a situação jurídica do réu caso não haja recurso da acusação. Ou seja, se o
Ministério Público não interpuser apelação, o colegiado ad quem não poderá reformar
sentença que tenha absolvido o réu e nem mesmo poderá agravar a pena que lhe tenha sido
aplicada.

Por outro lado, se o Ministério Público (ou o querelante) apresentar apelação, o


tribunal estará livre para manter a decisão de primeira instância, para reformá-la (inclusive
condenando réu que tenha sido absolvido) ou para alterar a pena, minorando-a ou
agravando-a.

Conclui-se, portanto, que se o tribunal, órgão de superior hierarquia na pirâmide


judiciária, não pode condenar o réu (apelante exclusivo) quando o Ministério Público haja
silenciado na fase recursal ou quando tenha se conformado com a sentença do juízo a quo, por
que este, de instância inferior, poderia fazê-lo (condenar o réu) quando o Ministério Público
houvesse pedido a absolvição?!

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Ora, o tribunal ad quem não pode nem mesmo aumentar a pena do réu, no caso de
recurso exclusivo da defesa, que corresponde a hipótese de silêncio ou conformação do
Ministério Público, com cessação da tarefa acusatória. Como então admitir que o juiz a quo
possa condenar o réu a pena maior do que a pedida pela acusação, reconhecendo agravante
não alegada?!

A resposta parece estar no princípio da verdade real. Mas esse princípio não pode
aplicar-se apenas à primeira instância, esquecendo a fase recursal. Há assim um evidente
descompasso entre a regra do art. 385 do Código de Processo Penal e o princípio non
reformatio in pejus.

6.6. Princípio da iniciativa das partes

É conhecido o axioma latino Ne procedat judex ex officio, que assinala o sistema


acusatório. O juiz não age de ofício, não inicia a ação por iniciativa própria; depende da
provocação do Ministério Público ou da parte ofendida, que atuará como querelante.

Dessa regra deriva a de que Nemo judex sine actore, ou seja, de que não há juiz sem
autor, que equivale a dizer que não há jurisdição sem ação. O direito germânico conhece a
diretriz na forma Wo kein Anklägler ist, da ist auch kein Richter, que se traduz por "onde não
há acusador, não há também julgador".

No ordenamento brasileiro, a diretiva está no art. 24 do Código de Processo Penal


(ação penal pública), e nos arts. 29 e 30 do mesmo código (ação penal privada e privada
subsidiária). Deles se depreende o princípio da iniciativa das partes, sendo hoje uma regra
absoluta, pois não mais subsiste o procedimento judicialiforme, previsto na Lei n. 4.611/65,
em que o juiz ou o delegado de Polícia, mesmo não sendo partes, podiam iniciar a ação penal
em certos crimes (lesão corporal e homicídio culposos) e nas contravenções penais (art. 531
do Código de Processo Penal), bem como em razão da Lei Federal n. 1.508/51, que cuidava do
rito sumário para a contravenção de jogo do bicho.

A conseqüência imediata do princípio da iniciativa é que o juiz estará adstrito ao


pedido do promovente da ação. Não poderá julgar além do pedido das partes. Ne eat judex
ultra petita partium, pois, caso contrário, estaria dando início a uma acusação diversa da
apresentada, pois mais ampla. Define-o bem a regra do art. 128 do Código de Processo Civil,
segundo a qual "O juiz decidirá a lide nos limites em que foi proposta, sendo-lhe defeso
conhecer de questões, não suscitadas, a cujo respeito a lei exige a iniciativa das partes".

Também caracteriza o princípio da iniciativa das partes o axioma sententia debet esse
conformis libello, o de que a sentença deve estar em conformidade com a acusação. Este
princípio é também denominado de princípio da correlação.

São exceções à regra os institutos da mutatio libelli (art. 384-CPP) e da emendatio


libelli (art. 383-CPP). Embora desejável, não estão as partes obrigadas a tipificar corretamente
o pedido. Diz-se que o juiz conhece o Direito (jura novit curia) e que basta a narração do fato
ao julgador para que se tenha o veredicto (narra mihi factum dabo tibi jus). Em face disto, o
juiz pode ver-se na contingência de alterar a qualificação legal dada ao crime ou sugerir o
agravamento da imputação.

6.7. Princípio do impulso oficial

A regra Ne procedat judex ex officio não transforma o juiz num órgão absolutamente
inerte. Iniciada a ação penal, pode e deve a autoridade judiciária promover o bom e rápido
andamento do feito. Presidindo a instância penal, cabem ao juiz (art. 251, Código de Processo
Penal) a direção e regulação do processo, competindo-lhe determinar:

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a)na forma do art. 156 do Código de Processo Penal, diligências e provas


complementares;

b)a coleta de documentos probantes de relevo (art. 234);

c)a realização de exame de corpo de delito complementar (art. 168)

d)quesitos em perícias (art. 176);

e)o reinterrogatório do réu (art. 196);

f)a reinquirição de testemunhas e do ofendido (art. 502, parágrafo único).

Essas providências são necessárias para a busca da verdade real, tendo em conta
também a indeclinabilidade da jurisdição penal, o que siginifica que o juiz não poderá declarar
non liquet; encerrar o processo sem causa legal (como a incidência de causa extintiva de
punibilidade); ou paralisá-lo injustificadamente em seu curso.

As exceções ao princípio do impulso oficial são determinadas em lei, sendo exemplo


delas a suspensão da ação penal pública de competência do tribunal do júri por falta de
intimação pessoal da pronúncia ao acusado (art. 413).

6.8. Princípio da ordem consecutiva legal

O processo é um encadeamento lógico e sucessivo de atos e diligências, que tem como


fim permitir ao julgador a declaração da regra de direito aplicável ao caso concreto, fazendo
valer o jus puniendi estatal.

Assim, suas características estruturais mais importantes são:

a)a sucessão de atos;

b)a sucessão lógica desses atos;

c)a sucessão ordenada, na forma da lei; e

d)a dependência e concatenação entre os atos sucessivos.

Como conseqüência dessa concatenação, o elemento temporal, na definição de prazos


e ocasiões para a prática dos atos processuais, torna-se importante. Se descumprida uma regra
temporal, dá-se a preclusão, segundo o preceito Dormientibus non sucurrit jus.

A desatenção à forma sucessiva e lógica dos atos processuais pode conduzir também à
nulidade do processo. Assim, a alteração da ordem legal de ouvida de testemunhas (primeiro
as da acusação e depois as da defesa), se causar prejuízo ao acusado, ocasionará a nulidade do
processo a partir do instante da violação da ordem sucessiva ordenada em lei.

6.9. Princípio da economia processual

Este princípio possibilita a escolha da opção menos onerosa às partes e ao próprio


Estado no desenvolvimento do processo, desde que não represente risco para direitos
individuais do acusado. Se isso puder ocorrer, a economia formal deve ser evitada.

São exemplos de aplicação do princípio a rejeição da denúncia em vista da defesa


preliminar do funcionário público (art. 514 do Código de Processo Penal) e a conservação de
atos processuais não decisórios em face de eventuais nulidades (art. 567).

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6.10. Princípio ne bis in idem

Conforme o art. 14, §7º, do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos,
"Ninguém poderá ser processado ou punido por um delito pelo qual já foi absolvido ou
condenado por sentença passada em julgado, em conformidade com a lei e os procedimentos
penais de cada país".

Pelo art. 8º, §4º, do Pacto de São José da Costa Rica "O acusado absolvido por
sentença passada em julgado não poderá ser submetido a novo processo pelos mesmos fatos".

O preceito está previsto expressamente na Quinta Emenda à Constituição dos Estados


Unidos (Amendment V):

"No person shall be held to answer for a capital, or otherwise infamous crime, unless
on a presentment or indictment of a Grand Jury, except in cases arising in the land or naval
forces, or in the Militia, when in actual service in time of War or public danger; nor shall any
person be subject for the same offence to be twice put in jeopardy of life or limb; nor shall
be compelled in any criminal case to be a witness against himself, nor be deprived of life,
liberty, or property, without due process of law; nor shall private property be taken for public
use, without just compensation.

Também a Sétima Emenda da Constituição norte-americana proíbe o dúplice


julgamento, salvo aquele realizado de acordo com o devido processo legal: "In suits at
common law, where the value in controversy shall exceed twenty dollars, the right of trial by
jury shall be preserved, and no fact tried by a jury, shall be otherwise re-examined in any
Court of the United States, than according to the rules of the common law".

No Brasil, além das disposições convencionais, derivadas de tratados, assegura-se a


soberania dos veredictos no tribunal do júri e a autoridade da coisa julgada no art. 5º, da
Constituição Federal.

6.11. Princípio favor libertatis

Talvez um dos mais importantes princípios do processo penal, o do favor rei


representa uma garantia contra a ineficiência do Estado ou contra acusações temerárias.

Em face dele, conhecido também como princípio In dubio pro reo (favor innocentiæ),
a lei processual permite a absolvição do réu por insuficiência de provas (art. 386, II e IV).

O favor rei proíbe a reformatio in pejus em detrimento do acusado (art. 617 do CPP)
durante o exame recursal de irresignação exclusiva da defesa e favorece a posição jurídica do
réu, facultando-se a interposição de recursos privativos, como o protesto por novo júri (art.
607-CPP) e a revisão criminal (art. 621).

Como exceção, pode-se citar a desclassificação in pejus, prevista no art. 408, §4º, do
Código de Processo Penal.

7. Conclusão

Se alguma utilidade tem este rápido panorama, é a de revelar a importância do estudo


dos princípios constitucionais e dos princípios gerais do processo penal. Sem o exame e o
conhecimento dessas diretrizes e postulados, não pode a Justiça Criminal funcionar a
contento, nem estarão os juldadores, os membros do Ministério Público e os defensores
habilitados a promover o bom direito.

Os princípios não se esgotam no rol analisado. Outros existem como o da

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fundamentação, o do acesso universal à Justiça, o da duração razoável do processo, o direito à


ação civil indenizatória contra o Estado, inclusive por erro judicial — neste caso na forma do
art. 5º, inciso LXXV, da Constituição Federal e dos arts. 9º, §5º e 14, §6º, do Pacto de Nova
Iorque —; o direito à informação processual, consoante o art. 5º, LXII, LXIII e LXIV, da
Constituição Federal e o art. 7º, §4º, do Pacto de São José da Costa Rica, entre outros.

Um direito constitucional processual está assinalado na Carta Republicana de 1988.


Nela, além dos princípios estritamente processuais, há outros, igualmente importantes, que
devem servir de orientação ao jurista e ao aplicador do Direito. Afinal, este não é somente a
norma positiva. Certamente, como alguém já disse, mais grave do que ofender uma norma é
violar um princípio, pois aquela é o corpo material, ao passo que este é o espírito, que o
anima.

"A letra mata; o espírito vivifica".

NOTAS

1.O Código de Processo Penal, introduzido pelo Decreto-lei n. 3.689, de 3 de outubro


de 1941, completará meio século de sanção em outubro de 2001 e cinqüenta anos de vigência
em 1º de janeiro de 2002.

2.Segundo Aurélio Buarque de Holanda, a palavra reação, de onde deriva o adjetivo


reacionário, significa a "oposição conservadora que tende a impedir qualquer inovação no
campo das atividades humanas" ou o "sistema político extremamente conservador, contrário
às idéias que envolvem importantes transformações político-sociais".

3.Em alguns países dessa ordem é crime ter acesso à Internet, expressar opinião, ou,
para a mulher, sair às ruas com maquiagem ou com o rosto descoberto. A Folha de São Paulo,
edição de 19 de julho de 2001, noticia que no Egito é crime ser homossexual (página A-12):
"Justiça do Egito julga 52 homens por comportamento homossexual". A justiça egípcia imputa
aos acusados citados na reportagem o delito de "imoralidade sexual", estando sujeitos "a até
cinco anos de prisão".

4.Como se pode entender como harmônica uma sociedade, como a norte-americana,


que tem dois milhões de pessoas encarceradas?! Tal número, ao contrário de demonstrar a
eficiência do sistema penal dos EUA ou a atuação incansável da Justiça criminal naquele país,
serve para provar a falência de um modelo comunitário e o fracasso do próprio Estado em
integrar os seus cidadãos.

5.Vide, a propósito, o artigo do promotor de Justiça de São Paulo, Ricardo Antonio


Andreucci, sob o título "O direito penal máximo", na edição 35, ano IV, da Revista da APMP,
pp. 48/49.

6.Costumo dizer que nenhum delinqüente consulta o "cardápio penal" antes de cometer
crimes. A gravidade da pena, o agravamento das já existentes ou a tipificação de novas
condutas têm escasso valor intimidativo. Em regra, quem quer cometer um crime, comete-o.
Mesmo quando há previsão de sanção capital ou de penas cruéis, como a amputação de
membros, como se dá em regimes islâmicos. E, ainda assim, por lá, como aqui, a
criminalidade subsiste e prolifera.

7.Na forma do art. 10, §3º, do Pacto de Nova Iorque, "O regime penitenciário
consistirá num tratamento cujo objetivo principal seja a reforma e a reabilitação moral dos
prisioneiros".

8.Quiçá um dia, nos séculos do porvir, isso seja possível.

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9.A expressão é deplorável porque sugere que há categorias "especiais" de cidadãos:


os "incomuns".

10.A Declaração Francesa de 1789 especifica (art. 5º) que "A lei não proíbe senão as
ações nocivas à sociedade".

11."Nenhuma pena passará da pessoa do condenado" (art. 5º, XLV, CF).

12.Mirabete (Processo penal, pp. 122/123) ensina que esse princípio, que "consiste no
fato de ser a ação penal limitada à pessoa ou às pessoas responsáveis pela infração, não
atingindo desse modo, seus familiares ou estranhos", não é acatado nas legislações que
prevêem a reparação civil ex delicto.

13.Pelo art. 14, §3º, ´d´, do Pacto de Nova Iorque, toda pessoa acusada de um delito
tem direito de ser julgada "sem dilações indevidas", garantia esta que efetivamente determina
a limitação do prazo da prisão preventiva. O mesmo direito decorre do art. 8º, §5º, do Pacto de
São José.

14.Convenção Americana sobre Direitos Humanos, assinada na capital costa-riquenha


em 22 de novembro de 1969 e introduzida na legislação brasileira pelo Decreto n. 678, de 6 de
novembro de 1992.

15.Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, assinado em Nova Iorque em


16 de dezembro de 1966 e introduzido no Brasil pelo Decreto n. 592, de 6 de julho de 1992.

16.Pacto de São José da Costa Rica.

17.A tortura já foi ela mesmo um procedimento processual, destinado a arrancar


confissões de acusados ou informações de testemunhas. Chegaram a existir manuais de
tortura, especialmente na época da Inquisição, em que eram ensinadas aos inquisidores as
regras necessárias para o procedimento, no processo, sem levar o torturado à morte.

18.Conforme o art. 10, §2º, do Pacto de Nova Iorque sobre Direitos Civis e Políticos.

19.É inviável a tipificação criminal de condutas por meio de medidas provisórias.


Questiona-se se o Estado também estaria proibido de veicular regras processuais por meio de
medidas provisórias.

20.Fenômeno dessa ordem se deu quando da alteração do art. 366 do Código de


Processo Penal pela Lei n. 9.271/96, que determinou que nos processos em que se desse
citação editalícia e o réu não comparecesse ou não constituísse advogado, ficariam suspensos
o curso da ação (instituto processual) e o curso do prazo prescricional (instituto penal).

21.Consta da Declaração da ONU, de 1948, que "Toda pessoa tem direito, em plena
igualdade, a uma justa e pública audiência por parte de um tribunal independente e
imparcial, para decidir de seus direitos e deveres ou do fundamento de qualquer acusação
criminal que lhe seja feita" (art. X). Dessa regra decorre a obrigatoriedade da fundamentação
da pretensão punitiva estatal veiculada em denúncia do Ministério Público.

22.A garantia da publicidade está também no art. 14, §1º, do Pacto de Nova Iorque.

23.Due process of law.

24.Princípio da publicidade, que também está no art. X da mesma Declaração.

25.Direito à ampla defesa.

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26.DUDH – Declaração Universal dos Direitos Humanos, da Organização das Nações


Unidas.

27.Embora seja um direito do acusado não confessar, é interessante notar que na


linguagem usual e nas abordagens da imprensa a expressão "réu confesso" tem uma carga
semântica bastante negativa. É como se o objetivo fosse dizer: esse sujeito cometeu um crime
e ainda confessa... Ocorre que na realidade da prática forense o réu confesso tem pena menor
do que aquele que não confessa.

28.As dez primeiras emendas à Constituição norte-americana têm o nome de Bill of


Rigths e foram aprovadas em 15 de dezembro de 1791.

29.Somente a confissão legítima e cabal pode descrever, próximo da absoluta realidade


e na sua quase inteireza, os elementos objetivos do crime e o quadro subjetivo que motivou o
agente.

30.Art. 1º, inciso I, alínea ´a´: "Constitui crime de tortura constranger alguém com
emprego de violência ou grave ameaça, causando-lhe sofrimento físico ou mental com o fim
de obter informação, declaração ou confissão da vítima ou de terceira pessoa".

31.Direito a um julgamento célere.

32.Direito a um julgamento público.

33.Direito a julgamento por um júri imparcial.

34.Regra lex loci, com definição de competência pelo lugar da infração.

35.Princípios da legalidade e anterioridade.

36.Direito à informação processual, pressuposto do direito à ampla defesa.

37.Proteção contra acusações temerárias ou infundadas e o correspondente direito a


acusação fundamentada em causa legal.

38.Direito ao contraditório e à inquirição das testemunhas da acusação.

39.Direito de arrolar testemunhas da defesa e fazê-las comparecer.

40.Direito à defesa técnica por advogado.

41.Como determina o art. 8º, §1º, do Pacto de São José da Costa Rica.

42.Artigo 9º, §2º, do Pacto de Nova Iorque: "Qualquer pessoa, ao ser presa, deverá
ser informada das razões da prisão e notificada, sem demora, das acusações formuladas
contra ela".

43.Art. 14, §3º, ´b´, do Pacto de Nova Iorque e art. 8º, §2º, ´c´, do Pacto de São José.

44.Vide o art. 8º, §2º, ´b´, do Pacto de São José.

45.São direitos de toda pessoa os de "ser assistido gratuitamente por tradutor ou


intérprete, se não compreender ou não falar o idioma do juízo ou tribunal" (art. 8º, §2º, ´a´,
do Pacto de São José) e de "ser informado, sem demora, numa língua que compreenda e de
forma minuciosa, da natureza e dos motivos da acusação contra ela formulada" (art. 14, §3º,
´a´, do Pacto de Nova Iorque). Esta regra abrange o direito à acusação fundamentada ou a
proibição de acusação temerária e tardia.

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46.Vide o art. 14, §3º, ´f´, do Pacto de Nova Iorque.

47.Consta do art. 14, §3º, ´e´, do Pacto de Nova Iorque, e do art. 8º, §2º, ´f´, do Pacto
de São José.

48.Art. 14, §3º, ´b´, segunda parte, do Pacto de Nova Iorque.

49.Conforme o art. 14, §1º, do Pacto de Nova Iorque.

50.Estaria aí um obstáculo ao interrogatório on line? Estar "virtualmente" presente


equivale a estar presente?

51.Não são incomuns os pedidos do Ministério Público, no tribunal do júri, para


dissolução do conselho de sentença, por falta de defesa, quando o advogado do réu utiliza
apenas alguns minutos do tempo de defesa ou quando na prática não sustenta tese favorável ao
acusado.

52.A regra consta também do art. 2º da Lei n. 8.906/94 — Estatuto da Ordem dos
Advogados do Brasil.

53.A regra é repetida no art. 8º, §2º, alínea ´h´, do Pacto de São José da Costa Rica.

54.GOMES, Luiz Flávio; BIANCHINI, Alice. Crimes de responsabilidade fiscal: Lei


10.028/2000. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001

55."A confissão do acusado só é válida se feita sem coação de nenhuma natureza" (art.
8º, §3º, do Pacto de São José).

56.O inverso, todavia, é causa de nulidade. Não se pode substituir o rito ordinário pelo
sumário, nem este pelo sumariíssimo.

57.Exemplo: ação penal por crime de lesões corporais contra marido que espanque sua
esposa ou companheira. Se o casal voltar a conviver pacificamente, a ação penal promovida
pelo Ministério Público será, sem dúvida, nociva à salubridade da relação conjugal. Então, o
que fazer, diante dos princípios da obrigatoriedade e indispobinibilidade da ação penal?

58.Para uma análise mais aprofundada, ver o nosso artigo "Suspensão condicional do
processo: direito subjetivo do acusado?" em www.direitocriminal.com.br

59.Vide também o art. III da Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948:
"Todo homem tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal" e o art. 9º, §1º, do Pacto
de Nova Iorque.

60.A lei determina inabilitação por cinco anos, mas a Constituição Federal especifica
que tal inabilitação deve-se dar pelo prazo de oito anos, o que de fato aconteceu com o
ex-presidente Fernando Collor de Melo.

61.Dispositivo introduzido pela Lei n. 10.028/2000.

62.Op. cit., p. 25.

63.Como se vê, a indisponibilidade é relativa, pois só se dará quando o Ministério


Público interpuser o recurso. Neste caso, não poderá dele desistir. Mas se não o interpuser,
nada ocorrerá. Nesta hipótese, não estaria ocorrendo desistência da ação penal, ou, pelo
menos, considerando o princípio ne reformation in pejus, não estaria havendo, com a não
apresentação do recurso, desistência da continuidade da persecução criminal na instância
superior?

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64.O art. 8º da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, dispõe que
"A lei deve estabelecer penas estrita e evidentemente necessárias (...)". Já o art. 9º quanto aos
acusados diz que "todo rigor desnecessário à guarda da sua pessoa deverá ser severamente
reprimido pela lei".

65.A serem estabelecidas em lei.

66.Vide o art. 9, §3º, do Pacto de Nova Iorque: "Qualquer pessoa presa ou


encarcerada em virtude de infração penal deverá ser conduzida, sem demora, à presença do
juiz ou de outra autoridade habilitada por lei a exercer funções judiciais e terá o direito de
ser julgada em prazo razoável ou de ser posta em liberdade". Desse direito internacional da
pessoa humana deriva a proibição da prisão preventiva como sucedâneo da sentença
condenatória (condenação antecipada). A partir do mesmo artigo também se pode defender a
proibição do interrogatório on line, já que a acusado tem direito a avistar-se pessoalmente com
o juiz ou o direito de ser levado à sua presença.

Bibliografia

ARAS, Vladimir. Suspensão condicional do processo: direito subjetivo público do


acusado?, www.direitocriminal.com.br, 1998.

CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. São Paulo: Saraiva, 5ª ed., 2000.

CHOUKE, Fauzi Hassan. Garantias constitucionais na investigação criminal. São


Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1995.

GOMES, Luiz Flávio; BIANCHINI, Alice. Crimes de responsabilidade fiscal: Lei n.


10028/2000. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001.

MIRABETE, Júlio Fabbrini. Processo penal. São Paulo: Atlas, 10ª ed., 2000.

Sobre o autor
Vladimir Aras
E-mail: Entre em contato

Sobre o texto:
Texto inserido no Jus Navigandi nº52 (11.2001)
Elaborado em 07.2001.

Informações bibliográficas:
Conforme a NBR 6023:2000 da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto científico
publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma:
ARAS, Vladimir. Princípios do Processo Penal . Jus Navigandi, Teresina, ano 6, n. 52, nov.
2001. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=2416>. Acesso em: 19
fev. 2008.

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