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Vladimir Aras
procurador da República no Paraná
1. Introdução
Assim, este ensaio tem em mira, inicialmente, verificar ainda que perfunctoriamente
quais princípios constitucionais aplicam-se ao processo penal, para, depois, centrar atenção
nas diretrizes específicas desse ramo da "grande árvore" processual, que finca suas raízes no
solo constitucional.
O tema, com todas as suas facetas, é deveras importante. Fonte primária das normas,
os princípios, axiomas e postulados são proposições não deduzidas de nenhuma outra dentro
do sistema; são, por isso, a própria essência do Direito; são o Direito essencial ou primordial.
Por isso qualquer estudo correto de uma disciplina jurídica deve iniciar-se por eles.
Não é por outra razão que o inolvidável ASÚA legou para a posteridade a lição de que
"Toda nova Constituição requer um novo Código Penal".
Introduzindo novos princípios no sistema, uma nova lei fundamental reclama novos
paradigmas e soluções. E por isso também, desde 1988, exige-se um novo processo penal, pela
atualização e eliminação de modelos arcaicos, positivados há cinqüenta anos, ou ao menos por
uma nova forma de aplicar a lei processual penal, com mais atenção à pessoa humana e à
efetiva harmonização social.
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Tem-se sedimentado cada vez mais o entendimento de que o Direito, como sistema,
não prescinde de uma interpretação axiomática e de uma hermenêutica que considere a
Constituição como norma-controle da validade dos demais dispositivos que integram um dado
ordenamento jurídico.
Com efeito, não se pode conceber um processo penal que não tenha como norte a idéia
de cidadania, tanto da vítima e de seus familiares, quanto do indiciado, réu ou sentenciado. O
processo penal deve ser inclusivo, e não excludente. Do mesmo modo, é inimaginável manejar
o direito processual penal sem ter em conta, também como pólo orientador, a noção de
dignidade da pessoa humana.
Ora, a pessoa humana é sujeito do processo, e não seu objeto. A resposta penal do
Estado, veiculada por meio do processo, deve ter em vista a recuperação do condenado e sua
(re)inserção social, tarefa difícil que, reconhece-se, não pode ser adimplida exclusivamente
pelo Direito.
De todo modo, não mais se admite um direito penal vingativo ou reativo, como
produto das iras e ódios coletivos ou como resultado da raiva social, que vem insuflada por
meios de comunicação de massa quase sempre sensacionalistas.
Por sua vez, no espaço do próprio direito penal, há também incidência da regra da
ultima ratio. Constituindo-se na resposta estatal mais marcante e lesiva para o indivíduo que a
deve suportar, a pena privativa de liberdade será o último dos horrores a ser retirado da caixa
de Pandora do direito penal. Em lugar dela, o legislador preferirá as sanções alternativas, não
limitativas do jus libertatis, como a prestação social alternativa, a prestação pecuniária, a
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restrição de direitos.
Nenhum Estado democrático pode ter como objetivo fundamental constituir uma
sociedade policial ou policiada, de total controle, em que as liberdades públicas sejam
interpretadas restritivamente ou suprimidas de fato e na prática.
Como se vê, tudo é questão de ocasião e de valoração cultural. O que é crime ali não é
delito aqui. O que foi infração penal um dia, no outro deixa de ser. Basta que se evolua. E a
evolução do direito penal é reducente de sua aplicação, contagiando positivamente o processo,
que deve ser também minimamente interventivo.
O Estado brasileiro, ao contrário das nações totalitárias, pretende ter como substrato
uma sociedade livre, justa e solidária. É este o objetivo assinalado no art. 3º, inciso I, da
Constituição Federal. E, para atingir o desiderato de uma sociedade livre, é incompossível
superestimar o direito penal ou hipervalorizar o uso de sanções penais privativas de liberdade,
salvo para a criminalidade violenta. Afinal, não se alcança justiça com exclusão, nem se pode
ser solidário afastando-se o homem do meio social.
Para que esse tormento não se torne excessivo, nem desnecessário, a ponto de ofender
a dignidade da pessoa humana; para que o processo não se poste como indesejável ameaça à
liberdade ou — aí de fato uma grave ameaça — à harmonia social, é preciso, pois, reduzir sua
abrangência ao estritamente necessário, àquele mínimo imprescindível para a segurança
coletiva. Quanto menos processos penais houver, mais saudável será a sociedade. Quanto
maior a salubridade social, menos crimes existirão. Não é que o Estado deva deixar de
proceder à persecução criminal quando isto pareça adequado e essencial, mas que a maior
parte do esforço estatal seja destinada à prevenção e à profilaxia dos fatores criminógenos.
Nesse mesmo diapasão, não pode servir o processo penal para concretizar as
pretensões de um direito penal máximo, fundado na idéia corrente de medo e insegurança que
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de fato vicejam na sociedade. A atuação máxima do direito criminal acaba por desacreditar
todo o sistema de justiça penal, seja pela reconhecida ineficiência do Estado, seja pela sempre
presente cifra negra da criminalidade, seja porque os instrumentos penais de privação de
liberdade perderam de há muito o caráter intimidativo geral ou preventivo; e não são de modo
algum reeducativos (como deveriam), reduzindo-se somente ao aspecto retributivo, de
pena-castigo, tão ao gosto das massas conduzidas por setores pouco responsáveis dos media.
Nem tanto ao céu, nem tanto à terra, convenhamos. Muito valiosa é a ponderação em
todos os campos da vida. Embora reconhecendo a falência da pena-prisão e a excessiva
atuação do direito penal, nada de afrouxar por demais os laços da lei. Algum controle é
necessário, em face da imaturidade humana.
Basta ver o que aconteceu na Bahia na paralisação dos policiais militares em julho de
2001, quando a só redução do controle ostensivo da segurança pública serviu como fator
criminógeno: saques, homicídios, agressões, atos de baderna se sucederam nas principais
cidades do Estado, promovidos até mesmo por "cidadãos comuns", como se houvéssemos
voltado ao "estado de natureza". Imaginemos então o que se daria com a abolição de todo o
sistema penal?!
A virtude, então, está no meio-termo. Nem o direito penal máximo nem a eliminação
do direito penal. Que se utilize o processo como meio de defesa social, mas que não se
inviabilize o homem. Que se maneje a norma ou o procedimento eficazmente, mas que não se
torture a consciência do indivíduo já sujeito às agruras da acusação.
Do mesmo modo que o crime não atinge apenas a pessoa da vítima, irradiando-se
negativamente no entorno social, o processo penal acaba por molestar reflexamente e de
maneira difusa outras pessoas que não o acusado. Em certo sentido, são apenas teóricos os
postulados da incontagiabilidade da pena e da intranscendência da ação penal.
Enfim, mais do que o terror penal e do que a aflição processual, são necessárias a
estabilidade, a firmeza, a justiça e a segurança da resposta estatal. E isto pode ser elevado à
forma de axioma: o princípio da certeza, significando que, diante da infração, o processo
penal deve ser sempre certo, efetivo, célere, cabal, para dar, proporcionalmente e
razoavelmente, a cada um o que é seu. Não a sanção máxima, nem a mais dolorosa, mas a
pena necessária e adequada, pois esta será sempre a pena justa.
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estatal, que a Constituição as protege com uma cláusula de irrevogabilidade. Ainda que se
pretenda alterar, suprimir ou reduzir o espectro dos direitos individuais, o Estado não poderá
fazê-lo, nem mesmo por emenda ou por reforma constitucional.
Somente o Poder Constituinte originário está autorizado, pela dicção do art. 60, §4º,
inciso IV, da Constituição Federal, a tocar nos direitos e garantias individuais da pessoa
humana. E, ainda que reunida uma Assembléia Nacional Constituinte, seria inconcebível, do
ponto de vista moral e do desenvolvimento da democracia, suprimir tais garantias ou
reduzi-las, pois um imperativo ético se apresenta no sentido de sua manutenção em qualquer
situação e em permanência, como uma espécie de jus cogens, uma imposição da própria
natureza das coisas e da condição humana, por serem preceitos reconhecidos e reconhecíveis
sem necessidade de prévia demonstração, premissas sociais evidentes e universalmente
verdadeiras.
Entre essas liberdades públicas, petrificadas como as inscritas nas tábuas da lei
mosaica, encontramos garantias processuais para o imputado, garantias estas tão importantes
que são também reproduzidas em cartas universais de direitos e em tratados internacionais,
como o Pacto de São José da Costa Rica e o Pacto de Nova Iorque sobre Direitos Civis e
Políticos, ambos integrados ao ordenamento jurídico brasileiro com força de leis ordinárias e
portanto normas vigentes.
Neste tópico serão analisados os mais importantes princípios que regem o direito
processual constitucional, do qual derivam outros postulados igualmente relevantes, todos
necessários ao viço do sistema jurídico, ao qual servem como seiva e como raiz.
Por sua vez, o Pacto de Nova Iorque, de 1966, declara que "Toda pessoa privada de
sua liberdade deverá ser tratada com humanidade e respeito à dignidade inerente à pessoa
humana". A privação de liberdade implica, necessariamente, um processo. Resulta, portanto,
clara a obrigação dos órgãos de persecução e julgamento de respeitar os direitos
personalíssimos do acusado no processo e durante sua tramitação.
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Ao declarar, no terceiro inciso do art. 5º que "ninguém será submetido a tortura nem a
tratamento desumano ou degradante", o constituinte especificou indiretamente duas garantias
processuais, as de que:
a)o processo penal não pode servir como meio para a aplicação da pena de tortura ou
da pena de morte ou para a sujeição de quem quer que seja a tratamento desumano ou
degradante, como sanção final;
b)o processo penal não pode assumir ele mesmo forma desumana, com procedimentos
que exponham o homem a posições ou situações degradantes, torturantes ou a vexames.
Implica, portanto, o direito ao respeito, de que toda pessoa humana é titular, cabendo
ao Estado providenciar:
Ao seu turno, o art. 5º, inciso XLIX, da Carta Federal, garante aos "presos o respeito à
integridade física e moral", significando que ao homem sujeito do processo penal só se lhe
retira parte da liberdade (a de locomoção extra muros), não lhe sendo tolhida a dignidade.
Vale dizer: mesmo preso ou condenado o homem preserva o direito personalíssimo à sua
integridade física, moral e psíquica, com o que se vedam também formas de tortura mental e
ameaças à sanidade intelectual dos imputados.
Para a exata compreensão desses dogmas e sua efetividade no processo penal, vale
recordar a lição de BETTIOL, segundo quem "O juiz vive e opera num determinado clima
político-constitucional em que a pessoa humana representa o valor supremo; e é a posição
desta que o Juiz é chamado a escolher entre duas interpretações antitéticas de uma norma
legal".
Este princípio, que tem evidente interesse processual, não se acha colocado apenas no
art. 5º, inciso II, da Constituição Federal, onde se anuncia que "ninguém será obrigado a fazer
ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei".
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Daí porque os códigos de processo são veiculados por lei federal, de âmbito nacional,
diferentemente do que ocorria outrora, no regime constitucional de 1891, em que o processo
era estadualizado. A unificação ocorreu com o Código de Processo Penal de 3 de outubro de
1941.
É certo que quanto ao processo penal vige a regra tempus regit actum ou princípio do
efeito imediato (art. 2º, Código de Processo Penal), segundo o qual os atos processuais
praticados na forma da lei anterior são válidos, passando os atos futuros à esfera jurídica da lei
processual nova. Portanto, embora deva-se atender ao critério de legalidade, não se há de falar
em irretroatividade da lei processual penal.
Segundo o art. 5º, inciso I, da Constituição Federal, todos são iguais perante a lei, em
direitos e obrigações. Assim, ainda que subjetivamente desiguais, os cidadãos merecem igual
tratamento jurídico.
Ou seja, essa cláusula geral de isonomia perante a lei traduz-se também em igualdade
processual. Embora na ação penal pública o Estado se faça presentar pelo Ministério Público,
a parte pública não tem maiores poderes que a parte privada ré, o indivíduo. Ambos estão no
mesmo plano de igualdade, com os mesmos poderes e faculdades e os mesmos deveres
processuais, diferentemente do processo civil em que a Fazenda Pública e o Ministério
Público têm prazos mais dilatados para recorrer e contestar, além de outros privilégios
previstos no Código de Processo Civil.
Todavia, no processo penal a isonomia é mais efetiva. Caso seja violado esse
princípio, a ação penal torna-se nula.
O art. 14, §1º, do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos — Pacto de Nova
Iorque estabelece que "Todas as pessoas são iguais perante os tribunais e as cortes de
justiça". As implicações do postulado parecem interessantes quando ele é posto em confronto
com a prerrogativa especial de função, dirigida a certas autoridades públicas e agentes
políticos.
Do ponto de vista do sujeito passivo da demanda penal, não haveria nesse privilégio
funcional uma violação ao direito à igualdade processual? As razões estatais para tal espécie
de prerrogativa não nos convencem. Não se diga que com o foro especial protege-se a função
pública ou a dignidade do cargo. Ora, esta não precisa de nenhuma proteção dessa ordem: a
função ou o cargo não são sujeitos de direitos, não ficam maculados pela conduta ímproba ou
desonrosa do agente político que a exerça ou que o ocupe. Ao fim e ao cabo, é mesmo o
indivíduo (autoridade) que se beneficiará do foro privilegiado e, por conseguinte, de eventual
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impunidade. Aliás, esta tem sido muito comum nos últimos anos no Brasil, servindo de
nutriente para as teses do direito penal máximo.
Outra razão nos leva a deplorar o foro especial por prerrogativa de função. O
julgamento criminal do indivíduo deve-se dar sempre pelo Poder Judiciário, que é composto
por órgãos de primeira e segunda instância e encimado por tribunais superiores. Por que se
haveria de imaginar que o detentor do foro especial estaria melhor "protegido" por ser julgado
num tribunal e não diretamente por um juiz de direito? Qual é a base racional para se acreditar
que a função estatal será melhor tratada ou que o interesse público será melhor atendido, do
ponto de vista processual, numa instância superior?
Ainda que julgado pelo juízo de primeira instância, o agente político que hoje detém a
prerrogativa de foro especial inevitavelmente acabaria por ter sua causa penal revista, em grau
recursal, por um tribunal, seja pelas cortes estaduais de justiça, pelas cortes regionais federais
ou pelos tribunais superiores.
Onde estaria então o risco para a "função pública"? Que prejuízo é esse que poderia
advir de um julgamento direto, como o a que têm direito os cidadãos "comuns"? Se esse
suposto risco existe para os detentores de função pública, existe também (e talvez em muito
maior grau) para os pobres homens do Povo.
Extrai-se do art. 5º, inciso LIII, da Constituição Federal, o princípio do juiz natural.
"Ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente". Com isso
garante-se a existência de um órgão julgador técnico e isento, com competência estabelecida
na própria Constituição e nas leis de organização judiciária de modo a evitar que se
materialize o dogma nulla pœna sine judice.
c)e modificações usuais de competência, pela criação de novas varas ou juízos ou pela
redistribuição de processos.
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Inserido no art. 5º, inciso LIV, da Constituição Federal, o princípio due process of law
determina que "ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo
legal".
A garantia vale tanto para o processo civil ("de seus bens") quanto para o processo
penal ("da liberdade") e é uma conquista do humanismo britânico, repartindo-se em
procedural due process e substantive due process.
A Declaração das Nações Unidas, de 1948, repete a regra no seu art. IX: "Ninguém
pode ser arbitrariamente preso, detido ou exilado". Por arbítrio, entende-se a inexistência de
lei ou o abuso de direito.
Está claro que tal liberdade pública mantém íntima relação com o princípio da
legalidade (ora, trata-se do devido processo legal), reclamando a devida persecução penal,
limitada pela lei processual.
Por igual, verifica-se também facilmente que é do due process of law que se retira a
proibição de admissão de provas ilícitas no processo (art. 5º, LVI, CF). Descumprida tal
garantia, a sanção é de nulidade em conformidade com a teoria fruit of the poisonous tree
("fruto da árvore envenenada"), acolhida pelo Supremo Tribunal Federal. Lembre-se, contudo,
que essa vedação não é absoluta, devendo ser vista em cotejo com o princípio da
proporcionalidade, a fim de que não haja grave prejuízo material ao direito substancial
discutido ou protegido, apenas para se dar atendimento a uma forma procedimental.
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"O processo penal deve ser público, salvo no que for necessário para preservar os
interesses da justiça", determina o art. 8º, §5º, da Convenção Americana sobre Direitos
Humanos. A regra, tamanha a sua importância, é reafirmada no art. 93, inciso IX, da
Constituição Federal, conforme o qual "todos os julgamentos do Poder Judiciário serão
públicos e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade (...)".
a)a publicidade geral ou plena, como regra para todo e qualquer processo;
Previsto no art. 5º, inciso LVII, da Constituição brasileira, este princípio é também
denominado "da presunção de inocência" ou da "presunção de não-culpabilidade".
Acolhida também nos tratados internacionais sobre direitos humanos, esta garantia
representou ao tempo de sua introdução nos sistemas jurídicos um enorme avanço. Ninguém
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poderia ser considerado culpado senão após o trânsito em julgado da sentença penal
condenatória. Já constava da Declaração Francesa de 1789 no art. 9º: "Todo acusado é
considerado inocente até ser declarado culpado (...)".
A Declaração Universal de 1948 assentou, com mais detalhes, que "Toda pessoa
acusada de um ato delituoso tem o direito de ser presumida inocente, até que a culpabilidade
tenha sido provada de acordo com a lei, em julgamento público, no qual lhe tenham sido
asseguradas todas as garantias necessárias à sua defesa" (art. XI).
Como corolário dessa idéia, foi preciso desenvolver o sistema acusatório, atribuindo-se
a um órgão público a missão de alegar e provar os fatos criminais, em nome do Estado,
desfazendo a presunção legal que vigora em prol do indivíduo.
Sinaliza a Súmula 9 do STJ no sentido de que "A exigência de prisão provisória, para
apelar, não ofende a garantia constitucional da presunção de inocência". Tal enunciado não
passou imune a críticas, mas desde que bem compreendido e aplicado com restrições, não
causa dano ao jus libertatis nem ao estado de inocência do acusado.
É também constitucional, para o STJ, o art. 2º, §2º, da Lei Federal n. 8.072/90, que
determina que em caso de sentença condenatória por crime hediondo "o juiz decidirá
fundamentadamente se o réu poderá apelar em liberdade". Este posicionamento é censurável,
tendo em conta que a presunção legal é de não-culpabilidade. Portanto, o que o juiz deveria
decidir fundamentadamente é se o réu precisaria recolher-se à prisão para apelar até o trânsito
em julgado da decisão, e não o contrário. Isto é evidente, porque a regra é poder o réu, em
qualquer caso, apelar em liberdade.
d)o de assegurar a validade da regra universal In dubio pro reo, aplicada no direito
anglo-saxônico com o nome de reasonable doubt, que sempre favorece a posição jurídica do
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acusado; e
e)a revogação (ou não recepção) do art. 393, inciso II, do Código de Processo Penal,
que mandava lançar o nome do réu no rol dos culpados, por ocasião da sentença condenatória
recorrível.
Dispõe o art. 14, §3º, alínea ´g´, do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos
— Pacto de Nova Iorque que toda pessoa humana tem o direito de não ser obrigada a depor
contra si mesma nem a confessar-se culpada.
É também garantia judicial internacional, no continente americano, por força do art. 8º,
§2º, alínea ´g´, do Pacto de São José da Costa Rica o direito que toda pessoa tem de "não ser
obrigada a depor contra si mesma, nem a declarar-se culpada". Quer dizer, nenhuma pessoa
é obrigada a confessar crime de que seja acusada ou a prestar informações que possam vir a
dar causa a uma acusação criminal.
A Quinta Emenda à Constituição dos Estados Unidos da América assegura tal garantia
desde o século XVIII. Desde sua adoção nenhuma pessoa "shall be compelled in any criminal
case to be a witness against himsel." Trata-se do "privilege against self incrimination", que,
entre nós, denomina-se garantia contra a auto-incriminação.
Embora a confissão seja tida doutrinariamente como a "rainha das provas", não se
pode, no processo penal, constranger a isso o acusado. Vale dizer: confissão, só espontânea
e/ou voluntária. Qualquer informação obtida do réu (ou mesmo de testemunha) mediante
coação configurará o crime de tortura, previsto na Lei n. 9.455/97.
No sistema brasileiro, admite-se que o indiciado ou réu minta, que negue relação com
o fato, que cale a verdade, que fantasie, que amolde versões aos seus interesses. Trata-se da
regra de ouro Nemo tenetur se detegere, insculpida no art. 5º, inciso LXIII, da Constituição
com a seguinte redação: "O preso será informado de seus direitos, entre os quais o de
permanecer calado (...)".
Em razão desta regra, não foi recepcionado no ordenamento pátrio o disposto no art.
186, parte final, do Código de Processo Penal, segundo o qual, por ocasião do interrogatório
do acusado, "o juiz observará ao réu que, embora não esteja obrigado a responder às
perguntas que lhe forem formuladas, o seu silêncio poderá ser interpretado em prejuízo da
própria defesa".
De igual modo, derrogado está a segunda parte do art. 198 do Código de Processo
Penal, conforme o qual "O silêncio do acusado não importará confissão, mas poderá
constituir elemento para a formação do convencimento do juiz". De sorte que, desde 1988,
não pode o magistrado considerar o silêncio do réu em desfavor do processado.
Estas normas, como se evidenciou, não mais têm aplicação no País. Os réus continuam
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Interessante notar, porém, que se o réu não desejar exercer esse direito ao silêncio ou a
ele renunciar, poderá ser "compensado" pelo sistema criminal, por meio dos institutos da
delação premiada e da confissão espontânea.
No primeiro caso, lei especial prevê redução da pena de 1/3 (um terço) a 2/3 (dois
terços) para o réu delator (co-autor ou partícipe) que "através de confissão espontânea revelar
à autoridade policial ou judicial toda a trama delituosa". É o que se dá por força do art. 16,
parágrafo único, da Lei Federal n. 8.137/90, que cuida dos crimes contra a ordem tributária, a
ordem econômica e as relações de consumo.
Tratamento mais favorável ao delinqüente colaborador também está presente no art. 1º,
§5º, da Lei n. 9.613/98 — Lei de Lavagem de Capitais, quando o réu, co-autor ou partícipe
"colaborar espontaneamente com as autoridades, prestando esclarecimentos que conduzam à
apuração das infrações penais e de sua autoria ou à localização dos bens, direitos ou valores
obeto do crime".
Perceba-se que, em qualquer das situações acima analisadas, o réu preserva o seu
direito ao silêncio e continua desobrigado de colaborar com as autoridades. Mas se resolver
falar, cooperando, será premiado com a redução da pena.
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A Sexta Emenda à Constituição dos Estados Unidos declara que "In all criminal
prosecutions, the accused shall enjoy the right to a speedy and public trial, by an impartial
jury of the State and district wherein the crime shall have been committed, which district shall
have been previously ascertained by law, and to be informed of the nature and cause of the
accusation; to be confronted with the witnesses against him; to have compulsory process for
obtaining witnesses in his favor, and to have the Assistance of Counsel for his defence".
Para o Supremo Tribunal Federal, a garantia do contraditório não vigora, também, nos
pedidos de quebra de sigilo bancário, porquanto em tais situações o anúncio da disclosure
poderá levar à mobilização de somas em dinheiro e sua conversão em ativos móveis, o que
dificultaria sobremaneira a reparação do dano ou o eventual seqüestro dos bens.
Tais considerações, entretanto, precisam ser bem entendidas. Não é que de fato
inexista contraditório nesses procedimentos. Significa apenas que a oportunidade de
conhecimento da medida apuratória ou das provas colhidas na investigação inquisitorial, e o
ensejo de contestação a elas e produção de contra-provas serão dados ao investigado/réu em
momento posterior, garantindo-se assim a ampla defesa.
Certo, por outro lado, é que não há incidência do contraditório no inquérito policial,
que é procedimento administrativo pré-processual, inquisitorial, presidido pela Polícia
Judiciária, destinado à formação da opinio delicti do Ministério Público e a subsidiar a ação
responsável do Estado em juízo, evitando lides penais temerárias.
h)a liberdade processual de especificar suas provas e linha de defesa, escolher seu
defensor e mesmo de fazer-se revel.
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A defesa criminal pode ser técnica, quando realizada por meio de advogado, ou
pessoal. Neste caso, o réu assumiria a proteção processual dos seus próprios interesses em
face da acusação contra si apresentada.
Quanto a este último aspecto, realçamos a previsão do art. 14, §3º, alínea ´d´, do Pacto
de Nova Iorque, que assegura a todo acusado o direito de "estar presente no julgamento e de
defender-se pessoalmente ou por intermédio de defensor de sua escolha; de ser informado,
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caso não tenha defensor, do direito que lhe assiste de tê-lo e, sempre que o interesse da
justiça assim exija, de ter um defensor designado ex officio gratuitamente, se não tiver meios
para remunerá-lo".
Semelhantemente, no art. 8º, §2º, alínea ´d´, do Pacto de São José da Costa Rica, está a
garantia do acusado de "defender-se pessoalmente ou de ser assistido por um defensor de sua
escolha e de comunicar-se livremente e em particular, com seu defensor".
Daí resulta que a incomunicabilidade dos acusados, ainda que judicialmente decretada
na forma do art. 21 do Código de Processo Penal, não impede o contato direto do advogado
com o seu cliente. Esta garantia profissional do advogado é imprescindível ao asseguramento
da ampla defesa do acusado. O direito profissional é uma das manifestações do direito
constitucional do acusado a uma defesa efetiva e larga.
Nessa mesma medida, é óbvio que a defesa deverá ser efetiva, uma vez que defesa
técnica irreal, falha, omissa, leniente equivale a ausência de defesa, sendo causa de nulidade
do processo.
Além disso, parece-nos oportuno assinalar que o art. 261 do Código de Processo Penal
foi derrogado pelos citados dispositivos convencionais. Os tratados internacionais têm força
de lei ordinária no Brasil, seguindo o princípio temporal de que "lei posterior derroga lei
anterior".
Assim, em tese, seria possível a defesa processual realizada inteiramente pelo acusado
in persona, sem concurso de advogado, já que a regra do art. 261 ("Nenhum acusado, ainda
que ausente ou foragido, será processado ou julgado sem defensor") datada de 1941 foi
suplantada pelo art. 8º, §2º, ´d´, do Pacto de São José da Costa Rica, e pelo art. 14, §3º, ´d´, do
Pacto de Nova Iorque, que lhe são posteriores (1992) e permitem às inteiras a defesa pessoal.
Todavia, esta possibilidade é um tanto temerária, pois a falta de defesa técnica pode
prejudicar sobremaneira os interesses do acusado, em virtude da real ou potencial disparidade
de armas entre o réu e o Ministério Público, sempre profissional.
Demais disso, a tese peca por olvidar que, por força do art. 133 da Constituição
Federal (norma hierarquicamente superior aos citados tratados) o advogado é essencial à
administração da justiça, principalmente a criminal. Isto se mostra mais claro ao se verificar
que as hipóteses de jus postulandi existentes em nosso ordenamento aplicam-se apenas a
procedimentos extrajudiciais. Quanto aos judiciais, admite-se a postulação direta, sem
advogado, tão-somente nas reclamações trabalhistas em geral e nas ações cíveis de até 20
salários mínimos, reguladas pela Lei n. 9.099/95, que instituiu os Juizados Especiais Cíveis.
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Está também previsto tal princípio no Pacto de São José da Costa Rica e no Pacto de
Nova Iorque. Todavia, nessas duas convenções a menção é expressa, valendo como lei
ordinária no Brasil. Neste caso, como lei processual ordinária.
Genericamente, o art. 9º, §4º, do Pacto de Nova Iorque determina que "Qualquer
pessoa que seja privada de sua liberdade por prisão ou encarceramento terá o direito de
recorrer a um tribunal para que este decida sobre a legalidade de seus encarceramento e
ordene sua soltura, caso a prisão tenha sido ilegal".
Mais claro é o art. 15 do mesmo tratado: "Toda pessoa declarada culpada por um
delito terá o direito de recorrer da sentença condenatória e da pena a uma instância superior,
em conformidade com a lei".
Neste passo, é oportuno assinalar o art. 5º, §2º, da Constituição Federal, que estabelece
que "Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do
regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República
Federativa do Brasil seja parte".
Esse dispositivo de extensão, além de fazer clara a importância dos princípios para a
exegese constitucional, evidencia por igual que as diretrizes que regem essa hermenêutica não
se encontram apenas no art. 5º, do rol de direitos, nem estão elencadas somente na
Constituição; podem estar nas convenções internacionais de que o Brasil seja parte ou mesmo
em outros pontos da Constituição, como no art. 228, que estatui que "São penalmente
inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às normas da legislação especial".
Embora situado no capítulo VII, do Título VIII, da Constituição, que trata da ordem
social, o art. 228 prevê legítimo direito individual, limitador da ação do Estado no processo
penal. E, portanto, é também cláusula pétrea, em conformidade com o art. 60, §4º, inciso IV,
da Carta Federal.
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recursos voluntários, não havendo porque prever a remessa necessária e automática à instância
superior, para reexame da decisão. A permanência dessa anomalia no sistema acaba por fazer
incidir sobre o julgador a pecha de "suspeito", sobre o acusador público a nódoa da
"incompetente" e sobre ambos a suposição da conivência com o erro ou a fraude. Tal estorvo
deve, assim, ser eliminado do sistema processual o mais rápido possível.
O fato de não estarem previstos na Constituição não lhes retira a importância, bastando
lembrar a norma de extensão do art. 5º, §2º, da Constituição Federal.
Segundo a doutrina mais moderna, capitaneada no Brasil por LUIZ FLÁVIO GOMES,
é impossível alcançar a verdade real. No máximo, obtém-se a verdade processual ou a verdade
judicial, o que dá no mesmo.
O que importa observar é que nunca será possível reconstruir inteiramente o iter
criminis, porquanto parte dele se processa no mundo subjetivo, na mente do delinqüente,
sendo inalcançável pelo julgador e pelo Ministério Público, mesmo mediante confissão.
De qualquer modo, o princípio da verdade real — que deve ser aplicado também ao
processo civil, malgrado a resistência da doutrina — obriga:
Para atingir esse desiderato, permite-se, ao lado da iniciativa das partes, o impulso
oficial pelo magistrado e a produção de provas ex officio, faculdade que é criticável pois pode
contaminar o ente de razão do juiz, levando-o a pré-julgamento.
Decorrem também desse princípio a redução das faculdades dispositivas das partes,
quanto a prazos, procedimentos e formas, todos de ordem pública, bem assim a drástica
limitação das ficções, transações e presunções, tão características do processo civil, mas quase
totalmente vedadas no penal.
Também em razão da verdade real, a confissão do réu, para alguns tida como regina
probationum, passa a ser vista no processo penal como prova comum, a teor do art. 197 do
Código de Processo Penal, que dispõe: "O valor da confissão se aferirá pelos critérios
adotados para os outros elementos de prova, e para a sua apreciação o juiz deverá
confrontá-la com as demais provas do processo, verificando se entre ela e estas existe
compatibilidade ou concordância".
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estiver em conformidade com a verdade processual, extraída das outras provas colhidas na
instrução criminal, e desde que tenha sido obtida voluntariamente, sem coação.
c)o perdão do ofendido na ação penal privada, como forma de extinção do processo,
impedindo também a declaração da verdade real.
A oralidade, além dessa noção temporal, ligada à concentração dos atos, permite
também inserir no processo penal o princípio da imediatidade, que confere maior proximidade
ao julgador em relação às partes e à prova produzida, levando à mesma celeridade.
Por igual, outra conseqüência da oralidade pode ser a garantia da identidade física do
juiz, que não se aplica ao processo penal, segundo a doutrina, salvo excepcionalmente
mediante a repetição voluntária dos atos processuais, determinada na forma do art. 502,
parágrafo único, do Código de Processo Penal, ou analogicamente in bonam partem, na forma
do art. 132 do Código de Processo Civil.
a)no rito sumariíssimo da Lei Federal n. 9.099/95, decorrente do art. 98, inciso I, da
Constituição Federal; e
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O princípio tem merecido críticas, pois não mais se coaduna com o processo penal
democrático, no qual tem maior aceitação o princípio da oportunidade da ação penal pública,
que confere um maior campo de discricionariedade ao Ministério Público.
Há pouco espaço normativo (no direito positivo infraconstitucional, que fique bem
entendido) para a aplicação do princípio da oportunidade da ação penal pública. Esse
postulado deriva da regra magna minima non curat prætor, que hoje encontra descrição
doutrinária como o princípio da insignificância.
Um dos dispositivos úteis é o próprio artigo 28 do Código de Processo Penal, pois este
cânon não diz quais devem ser as "razões invocadas" pelo Ministério Público para a promoção
do arquivamento do inquérito policial. O promotor ou o procurador poderia, perfeitamente,
invocar razões de política criminal ou de utilidade para não promover a demanda penal, tendo
em vista, por exemplo, a aproximação do termo final do prazo prescricional máximo previsto
para aquele delito. Poderia, ainda, alegar o membro do Parquet a insignificância penal da
conduta apurada no inquérito, ou a inconveniência da ação.
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Com isso quer-se dizer que, embora reconheçamos, que a teoria geral da ação é uma só
— abarcando ação civil e ação penal —, as semelhanças entre a ação penal privada e a ação
civil são maiores do que as que existem entre as demais. Prova disso é que o princípio da
obrigatoriedade não se aplica nem à ação civil nem à ação penal privada, mas é impositivo em
relação à ação penal pública incondicionada e à ação penal pública condicionada.
Tratando desta última, é de se ver aí uma forma híbrida de ação — meio penal e meio
civil, ou meio penal pública e meio penal privada —, porquanto nela a persecução penal pelo
Estado (presentado pelo Ministério Público) somente se iniciará se houver o implemento da
condição: a representação da vítima ou de seu representante legal ou a requisição do Ministro
da Justiça. Sem essas condições de procedibilidade, a ação penal pública, conquanto marcada
pelo princípio da obrigatoriedade, não poderá ser iniciada.
Em razão disso, percebe-se que o brocardo Nec delicta maneant impunita somente se
aplica inteiramente à ação penal pública incondicionada, porque se para a ação penal privada
não tem qualquer influência, no que pertine à ação pública condicionada fica a depender da
vontade (autonomia privada) do indivíduo ofendido ou da requisição do Ministro da Justiça,
que agirá animado por razões políticas.
Sem dúvida, essa concepção inovadora tem-se inserido aos poucos no sistema jurídico
brasileiro, a partir da Constituição Federal de 1988, que, além de conferir independência
funcional ao Ministério Público, permitiu a instituição do procedimento sumaríissimo, com
transação penal (art. 98, inciso I).
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Daí serem criados por lei órgãos oficiais de persecução criminal, para investigação dos
delitos e processamento dos crimes, no sistema acusatório. A Declaração Francesa de 1789 já
especificava que "A garantia dos direitos do homem e do cidadão necessita de uma força
pública; esta força é, pois, instituída para fruição por todos, e não para utilidade particular
daqueles a quem é confiada" (art. 12).
O art. 144 da Constituição Federal organiza a segurança pública no País, ao passo que
o art. 4º do Código de Processo Penal estabelece atribuições de Polícia Judiciária e o art. 129,
inciso I, da Constituição Federal especifica o munus do Ministério Público no tocante à ação
penal pública.
Observe-se, porém, que existe uma outra aparente exceção à oficialidade da ação
penal. Trata-se da ação penal popular, instituída no art. 14 da Lei n. 1.079/50, que cuida dos
impropriamente chamados "crimes" de responsabilidade do Presidente da República.
Trata-se esta da lei especial a que alude o art. 85, parágrafo único da Constituição
Federal. Perceba-se que os delitos previstos na legislação de 1950, que foi recepcionada pela
Carta de 1988, não estabelecem sanção privativa de liberdade. A sanção é a perda do cargo
com a inabilitação para a função pública, na forma do art. 52, parágrafo único, da Constituição
Federal, combinado com o art. 2º da Lei n. 1079/50.
Logo, não se pode falar na existência de ação penal popular, como entendem alguns
comentaristas do art. 14 da Lei n. 1079/50.
De igual modo, não há ação penal popular (conquanto assim denominada) no art. 41-A
da mesma Lei, para as ações "penais" por "crime" de responsabilidade previstos no art. 10 da
Lei n. 1.079/50. Esses delitos podem ser atribuídos ao Presidente do STF, aos presidentes dos
tribunais superiores, tribunais regionais e cortes de contas, tribunais de justiça e de alçada, aos
juízes diretores de fóruns, ao Procurador-Geral da República, ao Advogado-Geral da União,
aos membros do Ministério Público e da AGU com função de direção de unidades regionais,
entre outros.
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qualquer do povo". A razão do óbice é evidente, pois se assim fosse estaríamos diante de uma
violação ao art. 129, inciso I, da Constituição Federal, que confere ao Ministério Público a
privatividade da ação penal pública. Ora, lei ordinária não pode ferir essa regra, senão será
marcada com o labéu de inconstitucional.
Com razão, portanto, LUIZ FLÁVIO GOMES e ALICE BIANCHINI, ao dizerem que
"se for entendido que as condutas previstas no art. 10 da Lei 1.079/50 são de caráter penal (e
isso já foi anteriormente afastado), torna-se absurdo permitir a todo cidadão o oferecimento
da denúncia, pois amplia o rol dos legitimados para propositura de ação penal, em total
afronta ao art. 129, I, da Constituição, que estabelece a competência privativa do Ministério
Público".
Corrente minoritária da doutrina defende a idéia de que a "denúncia" de que trata a Lei
n. 1.079/50 (especialmente a prevista no art. 14) é simplesmente uma notitia criminis
postulatória, pois a verdadeira acusação contra o Presidente da República nos chamados
crimes de responsabilidade ficaria a cargo da Câmara dos Deputados, autoridade competente
consoante o art. 51, inciso I, da Constituição Federal.
Tanto o inquérito policial quanto o processo penal são indisponíveis. Esta realidade
deriva do princípio da obrigatoriedade da ação penal pública e do brocardo Nec delicta
maneant impunita.
Positivam tal princípio o art. 10 do Código de Processo Penal, que estabelece prazo
cabal para a conclusão do inquérito policial; o art. 17 do mesmo código, que impede o
arquivamento do IP pela autoridade policial; e o art. 28, que situa o juiz como fiscal do
princípio da obrigatoriedade da ação penal, permitindo-lhe discordar da promoção feita pelo
Ministério Público.
Merece crítica, no entanto, a disposição do art. 385 do Código de Processo Penal, que
autoriza o juiz a condenar o réu, mesmo em face de pedido absolutório apresentado pelo
Ministério Público na ação penal pública.
Contudo, já foi dito noutro passo que no processo não se atinge a verdade real, senão a
verdade judicial, e a constante busca por essa "verdade" somente ocorre na ação penal pública
incondicionada, porquanto, mesmo na ação penal pública condicionada pode o ofendido
impedir a persecução se não oferece a representação ou dela se retrata, antes do oferecimento
da denúncia (art. 25 do Código de Processo Penal).
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por isso deveria ser interpretada restritivamente, no sentido de que o magistrado somente
poderia proferir sentença condenatória quando o Ministério Público não fundamentasse
devidamente o pedido absolutório.
Não há nada de estranho nesse proceder, uma vez que noutros sistemas jurídicos pode
o Ministério Público simplesmente retirar a acusação apresentada contra o réu, findando-se a
instância.
Idêntica censura se faça quanto à previsão da segunda parte do art. 385 do Código de
Processo Penal, que autoriza a autoridade judiciária a reconhecer agravantes que não tenham
sido alegadas na denúncia ou nas alegações finais do Ministério Público. A proposição é
estranha, porque representa forma de julgamento ultra petita, além do pedido. A sentença não
terá correlação com a acusação.
Em apoio à tese ora esposada, lembremos que na fase recursal o tribunal de apelação
não pode piorar a situação jurídica do réu caso não haja recurso da acusação. Ou seja, se o
Ministério Público não interpuser apelação, o colegiado ad quem não poderá reformar
sentença que tenha absolvido o réu e nem mesmo poderá agravar a pena que lhe tenha sido
aplicada.
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Ora, o tribunal ad quem não pode nem mesmo aumentar a pena do réu, no caso de
recurso exclusivo da defesa, que corresponde a hipótese de silêncio ou conformação do
Ministério Público, com cessação da tarefa acusatória. Como então admitir que o juiz a quo
possa condenar o réu a pena maior do que a pedida pela acusação, reconhecendo agravante
não alegada?!
A resposta parece estar no princípio da verdade real. Mas esse princípio não pode
aplicar-se apenas à primeira instância, esquecendo a fase recursal. Há assim um evidente
descompasso entre a regra do art. 385 do Código de Processo Penal e o princípio non
reformatio in pejus.
Dessa regra deriva a de que Nemo judex sine actore, ou seja, de que não há juiz sem
autor, que equivale a dizer que não há jurisdição sem ação. O direito germânico conhece a
diretriz na forma Wo kein Anklägler ist, da ist auch kein Richter, que se traduz por "onde não
há acusador, não há também julgador".
Também caracteriza o princípio da iniciativa das partes o axioma sententia debet esse
conformis libello, o de que a sentença deve estar em conformidade com a acusação. Este
princípio é também denominado de princípio da correlação.
A regra Ne procedat judex ex officio não transforma o juiz num órgão absolutamente
inerte. Iniciada a ação penal, pode e deve a autoridade judiciária promover o bom e rápido
andamento do feito. Presidindo a instância penal, cabem ao juiz (art. 251, Código de Processo
Penal) a direção e regulação do processo, competindo-lhe determinar:
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Essas providências são necessárias para a busca da verdade real, tendo em conta
também a indeclinabilidade da jurisdição penal, o que siginifica que o juiz não poderá declarar
non liquet; encerrar o processo sem causa legal (como a incidência de causa extintiva de
punibilidade); ou paralisá-lo injustificadamente em seu curso.
A desatenção à forma sucessiva e lógica dos atos processuais pode conduzir também à
nulidade do processo. Assim, a alteração da ordem legal de ouvida de testemunhas (primeiro
as da acusação e depois as da defesa), se causar prejuízo ao acusado, ocasionará a nulidade do
processo a partir do instante da violação da ordem sucessiva ordenada em lei.
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Conforme o art. 14, §7º, do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos,
"Ninguém poderá ser processado ou punido por um delito pelo qual já foi absolvido ou
condenado por sentença passada em julgado, em conformidade com a lei e os procedimentos
penais de cada país".
Pelo art. 8º, §4º, do Pacto de São José da Costa Rica "O acusado absolvido por
sentença passada em julgado não poderá ser submetido a novo processo pelos mesmos fatos".
"No person shall be held to answer for a capital, or otherwise infamous crime, unless
on a presentment or indictment of a Grand Jury, except in cases arising in the land or naval
forces, or in the Militia, when in actual service in time of War or public danger; nor shall any
person be subject for the same offence to be twice put in jeopardy of life or limb; nor shall
be compelled in any criminal case to be a witness against himself, nor be deprived of life,
liberty, or property, without due process of law; nor shall private property be taken for public
use, without just compensation.
Em face dele, conhecido também como princípio In dubio pro reo (favor innocentiæ),
a lei processual permite a absolvição do réu por insuficiência de provas (art. 386, II e IV).
O favor rei proíbe a reformatio in pejus em detrimento do acusado (art. 617 do CPP)
durante o exame recursal de irresignação exclusiva da defesa e favorece a posição jurídica do
réu, facultando-se a interposição de recursos privativos, como o protesto por novo júri (art.
607-CPP) e a revisão criminal (art. 621).
Como exceção, pode-se citar a desclassificação in pejus, prevista no art. 408, §4º, do
Código de Processo Penal.
7. Conclusão
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NOTAS
3.Em alguns países dessa ordem é crime ter acesso à Internet, expressar opinião, ou,
para a mulher, sair às ruas com maquiagem ou com o rosto descoberto. A Folha de São Paulo,
edição de 19 de julho de 2001, noticia que no Egito é crime ser homossexual (página A-12):
"Justiça do Egito julga 52 homens por comportamento homossexual". A justiça egípcia imputa
aos acusados citados na reportagem o delito de "imoralidade sexual", estando sujeitos "a até
cinco anos de prisão".
6.Costumo dizer que nenhum delinqüente consulta o "cardápio penal" antes de cometer
crimes. A gravidade da pena, o agravamento das já existentes ou a tipificação de novas
condutas têm escasso valor intimidativo. Em regra, quem quer cometer um crime, comete-o.
Mesmo quando há previsão de sanção capital ou de penas cruéis, como a amputação de
membros, como se dá em regimes islâmicos. E, ainda assim, por lá, como aqui, a
criminalidade subsiste e prolifera.
7.Na forma do art. 10, §3º, do Pacto de Nova Iorque, "O regime penitenciário
consistirá num tratamento cujo objetivo principal seja a reforma e a reabilitação moral dos
prisioneiros".
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10.A Declaração Francesa de 1789 especifica (art. 5º) que "A lei não proíbe senão as
ações nocivas à sociedade".
12.Mirabete (Processo penal, pp. 122/123) ensina que esse princípio, que "consiste no
fato de ser a ação penal limitada à pessoa ou às pessoas responsáveis pela infração, não
atingindo desse modo, seus familiares ou estranhos", não é acatado nas legislações que
prevêem a reparação civil ex delicto.
13.Pelo art. 14, §3º, ´d´, do Pacto de Nova Iorque, toda pessoa acusada de um delito
tem direito de ser julgada "sem dilações indevidas", garantia esta que efetivamente determina
a limitação do prazo da prisão preventiva. O mesmo direito decorre do art. 8º, §5º, do Pacto de
São José.
18.Conforme o art. 10, §2º, do Pacto de Nova Iorque sobre Direitos Civis e Políticos.
21.Consta da Declaração da ONU, de 1948, que "Toda pessoa tem direito, em plena
igualdade, a uma justa e pública audiência por parte de um tribunal independente e
imparcial, para decidir de seus direitos e deveres ou do fundamento de qualquer acusação
criminal que lhe seja feita" (art. X). Dessa regra decorre a obrigatoriedade da fundamentação
da pretensão punitiva estatal veiculada em denúncia do Ministério Público.
22.A garantia da publicidade está também no art. 14, §1º, do Pacto de Nova Iorque.
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30.Art. 1º, inciso I, alínea ´a´: "Constitui crime de tortura constranger alguém com
emprego de violência ou grave ameaça, causando-lhe sofrimento físico ou mental com o fim
de obter informação, declaração ou confissão da vítima ou de terceira pessoa".
41.Como determina o art. 8º, §1º, do Pacto de São José da Costa Rica.
42.Artigo 9º, §2º, do Pacto de Nova Iorque: "Qualquer pessoa, ao ser presa, deverá
ser informada das razões da prisão e notificada, sem demora, das acusações formuladas
contra ela".
43.Art. 14, §3º, ´b´, do Pacto de Nova Iorque e art. 8º, §2º, ´c´, do Pacto de São José.
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47.Consta do art. 14, §3º, ´e´, do Pacto de Nova Iorque, e do art. 8º, §2º, ´f´, do Pacto
de São José.
52.A regra consta também do art. 2º da Lei n. 8.906/94 — Estatuto da Ordem dos
Advogados do Brasil.
53.A regra é repetida no art. 8º, §2º, alínea ´h´, do Pacto de São José da Costa Rica.
55."A confissão do acusado só é válida se feita sem coação de nenhuma natureza" (art.
8º, §3º, do Pacto de São José).
56.O inverso, todavia, é causa de nulidade. Não se pode substituir o rito ordinário pelo
sumário, nem este pelo sumariíssimo.
57.Exemplo: ação penal por crime de lesões corporais contra marido que espanque sua
esposa ou companheira. Se o casal voltar a conviver pacificamente, a ação penal promovida
pelo Ministério Público será, sem dúvida, nociva à salubridade da relação conjugal. Então, o
que fazer, diante dos princípios da obrigatoriedade e indispobinibilidade da ação penal?
58.Para uma análise mais aprofundada, ver o nosso artigo "Suspensão condicional do
processo: direito subjetivo do acusado?" em www.direitocriminal.com.br
59.Vide também o art. III da Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948:
"Todo homem tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal" e o art. 9º, §1º, do Pacto
de Nova Iorque.
60.A lei determina inabilitação por cinco anos, mas a Constituição Federal especifica
que tal inabilitação deve-se dar pelo prazo de oito anos, o que de fato aconteceu com o
ex-presidente Fernando Collor de Melo.
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64.O art. 8º da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, dispõe que
"A lei deve estabelecer penas estrita e evidentemente necessárias (...)". Já o art. 9º quanto aos
acusados diz que "todo rigor desnecessário à guarda da sua pessoa deverá ser severamente
reprimido pela lei".
Bibliografia
CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. São Paulo: Saraiva, 5ª ed., 2000.
MIRABETE, Júlio Fabbrini. Processo penal. São Paulo: Atlas, 10ª ed., 2000.
Sobre o autor
Vladimir Aras
E-mail: Entre em contato
Sobre o texto:
Texto inserido no Jus Navigandi nº52 (11.2001)
Elaborado em 07.2001.
Informações bibliográficas:
Conforme a NBR 6023:2000 da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto científico
publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma:
ARAS, Vladimir. Princípios do Processo Penal . Jus Navigandi, Teresina, ano 6, n. 52, nov.
2001. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=2416>. Acesso em: 19
fev. 2008.
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