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REPÚBLICA DA GUINÉ-BISSAU

UNIVERSIDADE COLINAS DE BOÉ


DIREITO PROCESSUAL PENAL (4.º Ano)
Programa
(2021/2022)
Professor: Mamadu Embaló

Nota: os presentes sumários (não revistos e em forma de tópicos) não


dispensam e nem podem substituir o recurso aos manuais, antes pelo
contrário.

I.Noções Gerais.

Direito Processual Penal e Processo Penal

1. Conceito de Direito Processual Penal

Direito Processual Penal: é o ramo de direito público que disciplina a


aplicação da lei penal aos casos da vida, regulamentando o poder que aplica
e protegendo os direitos do suspeito e do ofendido (Direito Constitucional
aplicado, significando que é o principal instrumento de proteção dos
direitos humanos contra eventuais abusos de poder).

2. Direito Penal, Processo Penal e Direito Processual Penal

Direito Penal: é o ramo do Direito que disciplina a matéria dos crimes e


das medidas de segurança criminais. No plano doutrinário trata da
dogmática do direito penal. Ex. O estudo dos crimes e das suas
consequências, da respetiva teoria.

O processo é uma sequência de actos preordenados e praticados por certas


pessoas legitimamente autorizadas em ordem à decisão sobre se foi
praticado algum crime e, em caso afirmativo, sobre as respectivas
consequências jurídicas e a sua justa aplicação.

Há uma estreita relação entre o Direito Penal e o Processo Penal porque o


processo penal visa a aplicação do direito penal aos casos ocorrentes, mas

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há também uma grande autonomia. O direito penal trata apenas da
tipificação dos crimes e demais regras que definem em abstrato o que é um
crime e as condições da sua punição. O processo penal disciplina a
atividade das autoridades na investigação dos factos criminosos e o
processamento da aplicação da lei penal aos casos concretos. O processo
penal tem grande autonomia relativamente ao direito penal porque trata do
modo como as autoridades judiciárias devem proceder para investigar e
proceder ao julgamento dos crimes e aplicação das sanções, definindo os
direitos e deveres dos sujeitos processuais (tribunal, MP, assistente, vítima,
arguido ou suspeito e defensor). Ao definir os direitos e deveres dos
sujeitos processuais o processo penal visa, por um lado , disciplinar a
atividade de cada sujeito, evitar abusos e erros judiciários, sucedendo que
no limite pode sacrificar a busca da verdade para assegurar os direitos dos
intervenientes e acautelar os erros judiciários.

Formalmente, o direito processual penal tem uma disciplina própria com a


pretensão de regulamentar todas as questões que se suscitam no âmbito do
processo penal, por um lado.

Por outra banda, materialmente, também tem uma intencionalidade


específica: aplicação da lei penal aos casos concretos.
3. Âmbito do processo penal

Cabe no âmbito do processo penal não só a matéria substancialmente


penais, designadamente, a intervenção das autoridades judiciárias na
execução das penas e medidas de segurança, assim como a acção civil de
indemnização por perdas e danos emergentes da prática do crime (nº1, do
artigo 70º, CPP).

4. Objecto do processo penal

Objecto do processo é um facto aperentemente punível, um conjunto


aparente de pressupostos de que dependem a aplicação pelo tribunal ao
agente de uma pena ou medida de segurança criminais.

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5. Fins do processual penal

Visa assegurar a realização da justiça que pressupõe a descoberta da


verdade dos factos alegados na acusação e o restabelecimento da paz
jurídica.

Nota o restabelecimento da paz não se resume apenas no plano individual,


do suspeito e da vítima, assim como numa perspetiva mais ampla da
comunidade jurídica.

Por outra banda, a descoberta da verdade deve ser procurada de modo


processualmente válido e admissível e, portanto, com o integral respeito
dos direitos fundamentais das pessoas envolvidas no processo. As normas
do direito processual penal procuram que os meios tendentes à decisão
sobre a ocorrência ou não do crime e à aplicação da sanção ao responsável
sejam justo, ainda que para salvaguarda destes interesses se tenha
eventualmente e excecionalmente de renunciar à descoberta da verdade
porque o fim justo, a justa aplicação da lei ao caso, não pode ser
prosseguido por meios injustos. Daí o regime da limitação dos meios de
obtenção da prova no texto constitucional e no Código de Processo Penal,
respectivamente (artigo 42º nº 6 da Constituição e 114º do CPP).

6. Relação do direito processual penal com outros ramos do direito


e ciencias auxilares de processual Penal.

6.1. Política Criminal, Direito Processual Civil e


Direito Civil

Política criminal e direito processo penal. A política criminal é um ramo da


política geral. A política é a escolha feita pelas autoridades competentes. A
política criminal é a escolha que fazem as autoridades com poder
legislativo em matéria criminal de definir quais os comportamentos
humanos que devem ser criminalizados e as sanções que lhes devem ser
aplicadas. Por exemplo: o consumo de drogas deve ou não ser
criminalizado? A opção é de politica criminal. As penas aplicáveis aos
crimes devem ser preferencialmente privativas da liberdade ou pecuniárias?
É a politica que escolhe. Devem procurarse penas substitutivas da prisão e
em que medida, a escolha é da política criminal.

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A política processual é também escolha, Escolha de quem intervem no
processo. Ex. Quem procede à investigação? Qual o papel das polícias?
Como se distribuem as funções entre as policias, o Ministério Público, os
juízes? Os tribunais devem ser de um juiz só ou coletivo?

Quais as garantias a conceder ao suspeito/arguido? Muitas, poucas, quais?


Todas estas escolhas são políticas processuais...

O Direito processual já está acima definido. O Direito processual civil


trata da aplicação pelos tribunais das normas do direito civil aos casos que
são regulados pelo direito civil. O direito civil trata essencialmente da
disciplina das relações entre as pessoas (situações e negócios jurídicos de
natureza civil) que não sejam objeto de disciplina especial por outros ramos
do direito (penal, trabalho, segurança social). O direito civil é o ramo base
do direito. Disciplina todas as relações e situações da vida que exijam ser
reguladas e não sejam objeto de ramos especiais do direito. Quais sejam as
situações e relações que precisam de ser reguladas já é questão também
política. Ex. o namoro deve ou não ser regulado pelo Direito civil? E o
noivado? E as prendas dadas pelos namorados durante o namoro ou no
noivado? Tudo são opções políticas que cabe ao legislador fazer e depois
regulamentar.

REPÚBLICA DA GUINÉ-BISSAU
UNIVERSIDADE COLINAS DE BOÉ
DIREITO PROCESSUAL PENAL (4.º Ano)
Programa (2021/2022)

Princípios Gerais do Processo Penal


Os princípios jurídicos são grandes orientações, em regra muito
indefinidos, mas que devem inspirar o legislador e o aplicador das leis. Ex:
Celeridade processual - o legislador deve criar condições para que o
processo seja decidido o mais brevemente possível e o aplicador do direito
não deve deixar para amanhã o que pode fazer hoje. São grandes
orientações que se consideram importantes para caraterizar um determinado
tipo de processo. Outro exemplo: princípio da igualdade das partes: O
processo deve ser estruturado de modo que a acusação e a defesa tenham os

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mesmos direitos e deveres. Não significa que sejam exatamente os mesmos,
mas que no conjunto sejam idênticos.

Os princípios concretizam-se nas normas. As normas refletem os princípios


para a sua execução.Assim, o princípio da celeridade é concretizado na
norma que dispõe prazos para a realização da instrução, para apresentação
da defesa, etc.

A importância dos princípios serve para orientar o legislador e serve


também de recurso para integrar lacunas. Para integrar uma lacuna da lei
posso eventualmente ter de recorrer a normas do processo civil, mas só se
estas forem compatíveis com os princípios que conformam o processo
penal. Ex. No processo civil vigora a regra do ónus da prova, ou seja, quem
invoca um facto é que tem o dever de o provar. Na falta de norma no
processo penal sobre a matéria poder-se-ia recorrer ao processo civil, mas
tal não é pssível porque no processo penal não vigora oprincípip do ónus da
prova, asssim o princípip da presunção de inocência, ou seja, o acusado não
tem o dever de provar nada, nem tem ónus probatório.
Ac. n.º 09|2000, STJ, de 20 de Dezembro de 2000
[Sobre os sujeitos processuais não recai qualquer ónus legal de prova. O
processo penal aspira a descoberta da verdade material, não concedendo
relevo probatório ao comportamento processual dos sujeitos, quer da
acusação (M.ºP.º), quer da defesa, pela ausência de qualquer ónus de
impugnação]

O processo Justo ou Processo equitativo. A garantia de todos os meios


de defesa
Processo justo e garantias de defesa. Em princípio processo justo e
garantias de defesa confundem-se. O processo justo é aquele que permite
ao arguido/suspeito todas as garantias de defesa. Simplesmente é preciso
saber quais são essas garantias. E as garantias de defesa devem resultar da
lei de acordo com os princípios do processo penal democrático comumente
aceites na comunidade internacional e expressos nos textos internacionais
sobre garantias do processo penal. O processo justo é aquele que é
estruturado de modo a salvaguardar as garantias de defesa que são
comumente aceites como necessárias para realizar a justiça na decisão
final.

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A Estrita Legalidade procedimento. Significa que todos os actos
processuais devem estar previstos na lei. Não podem praticar-se actos que
não tenham previsão legal e muito menos contrários à lei.

Princípios inerentes à estrutura do Processo

Princípio da Jurisdição

Significa que só os tribunais com jurisdição penal – aos quais a lei atribua o
poder de julgar a matéria criminal, têm competência para aplicar a lei
penal.
Ex. O agente cometeu o crime A. Este crime só pode ser julgado por um
tribunal que segundo a lei tenha jurisdição penal- Não pode ser julgado por
um outro tribunal, seja de que natureza for (civil, administrativo, trabalho)
a que a lei não atribua jurisdição. Se o processo for julgado por um tribunal
sem jurisdição penal, é inexistente (todos os seus atos são inexistentes).

A estrutura acusatório
A estrutura acusatória respeita a todo o processo. Significa primariamente
que há um confronto entre a lei e o suspeito acusado em que são garantidas
ao suspeito acusado todas as garantias de defesa. É o chamado processo
democrático. O suspeito acusado é sujeito processual (tem direitos e
deveres, participa ativamente no processo e não é puro objeto, submetido ao
processo e às autoridades policiais e judiciárias.

Princípio acusatório
O princípio da acusação é outra coisa. significa que o acusado só tem de
defender-se da acusação que lhe é feita. Feita a acusação não pode mais ser
alterada substancialmente para que a defesa possa ser plena (Este princípio
que existe sempre no processo de estrutura acusatória também pode existir
no processo de estrutura inquisitória).

Restrição do acusatório por actos com estrutura inquisitória

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Na fase de inquérito
Nesta fase a prova é recolhida unilateralmente pela autoridade (em regra ao
pela policia ou MºPº) sem intervenção da defesa. Portanto, a investigação
decorre sob manto de secretismo (nº 1, do artigo 78º, do CPP) É o que se
passa em geral na fase da investigação pré acusatória. Por isso que em
alguns países o processo penal só começa com a acusação.

Na fase de instrução/impugnação contraditória

Também aqui prevalece o princípio inquisitório conforme depreende do


rotábulo normativo do artigo 208º, nº 2, do CPP e a fase de julgamento
(artigo 228º, do CPP).

Princípio da Igualdade de oportunidades. Isonomia processual.


Princípio igualdade de oportunidades: significa que acusação e defesa
devem ter as mesmas oportunidades de intervenção na fase judicial do
processo. Ex: O MP interroga uma testemunha, o defensor também a pode
interrogar; o MP pode juntar documentos, a defesa também pode fazer.

Isonomia processual: Todas as pessoas são iguais perante a lei. Todas


devem ser tratadas de modo igual, ou sejam, com os mesmos direitos e
deveres de intervenção no processo.

Princípio da Lealdade: Exige uma atitude por parte de todos, especialmente das
autoridades, ao longo de todo o processo, de respeito dos direitos e dignidade de
todas as pessoas que se vê envolvidas no processo e com deveres funcionais.

Exemplo:

a) Dos Polícias:
Detenções humiliantes;
Detenções que visam coagir pelo sofrimento físico e psicológico;
Dão mais relevância às provas que possam confiarmar a suspeita.
b) Ministério Público
Interessado mais na condenação do que descoberta da verdade;
Tratam arguidos/suspeitos como inimigos sociais antes de serem
condenados.

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c) Advogados
Intimidar testemunhas;
Tratam vítimas como presumidos criminosos;
E distrõe o que foi dito.
d) Juizes
Tratam com rispidez o arguido, assistente ou testemunhas;
Proferem comentários ofensivos ou revelam impaciência perante esforço
da acusação ou da defesa no contraditório.

E) Testemunhas

Debitam mentiras que causam erros judiciários

Princípios Relativos à Promoção Processual


Princípio de Oficialidade (artigo 47º, nº1 e 50º, nº1 ambos do cpp):
significa que a promoção processual das infracções é tarefa estatal, a
realizar oficialmente, indepentemente da vontade e da actuação de
quaisquer particulares.
Ou seja, o exercício da acção penal não depende de
impulso de terceiro, salvo nos crimes dependentes de
queixa. Tendo notícia de crime, o MºPº deve promover o
processo.Ex1: Ac. n.º 2|97, STJ, de 13 de Fevereiro de 1997, B.O, n.º
10, de 10 de Março de 1997 [Sempre que se instaure e desenvolva processo
penal sem intervenção do Ministério Público, para não falar de manifesta
violação do princípio da oficialidade, a promoção processual levada a cabo
….., é ilegal e de nulidade insanável]

Ex2:Ac. n.º 143|2001, STJ, de 26 de Dezembro de 2001, B.O, n.º


52, de 26 de Dezembro de 2001
[O Ministério Publico é o titular da acção penal]
Justificação: o processo penal é um assunto da comunidade jurídica.
Excepção: crimes semi-públicos (artigos 50º, nº2 e 177º, nº3, ambos do
cpp).
Princípio da Legalidade
Significa que, a ação do MºPº na promoção do processo e
no seu desenvolvimento está sujeito à lei: se obtiver
indícios de crime, deve acusar; se não tiver indícios

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ou o facto não for punivel por qualquer razão
(prescrição, por exemplo) deve arquivar
Em princípio o MºPº está obrigado a proceder e dar acusação por todas as
infracções de cujos pressupostos factuais e jurídicos, substantivos e
processuais, tenha tido conhecimento (artigos 192º, do cpp). No entanto, só
existe dever acusar quando há indicios suficientes (artigo 204º e 211º, do
cpp).
Fundamento: princípio da igualdade na aplicação da lei, que é uma ideia
estruturante do Estado de Direito.

Princípios Relativos à Prossecução Processual

O Princípio da Investigação: poder-dever que incumbe o tribunal de


esclarecer e instruir autonomamente, mesmo para lá das contribuições da
acusação e da defesa, o facto sujeito a julgamento (artigos 208º, nº4, 228º,
ambos do cpp). Mas atenção só admite recolha de provas dos factos
constantes da acusação ou da pronúncia.

Esse princípio não é aceite num sistema do processo acusatório puro, como
o Inglês e Norte Americano.

O Princípio da Contraditoriedade(artigo 42º , nº5, da CRGB artigo 14º,


nº3, al. e), PIDCP): significa que, no julgamento, e não só no julgamento,
mas, também, nos actos instrutórios que a lei determine, a acusação e a
defesa têm o direito de se pronunciar sobre as iniciativas processuais, de
qualquer natureza, da parte contrária, e não só desta, mas, também, sobre as
iniciativas oficiosas do juiz;por força deste princípio, mas não apenas dele,
só as provas apresentadas e discutidas em audiência de julgamento é que
podem servir de base à decisão (artigo 242º, nº1, cpp).

Por outras palavras, faculta o suspeito a possibilidade de contestar os factos


que como crime se lhe imputam.
O Princípio da Suficiência e as Questões Prejudiciais.

Em princípio (salvo disposição legal em contrário) o tribunal resolve todas


as questões que forem necessárias para decidir a questão.

Princípio da suficiência: No processo penal resolvemse todas as questões


de natureza processual e substantiva que se mostrem necessárias para
decidir a causa penal. Assim, para decidir um crime de furto é em regra
necessário determinar a quem pertence a coisa furtada. O tribunal apreciará

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também se a coisa pertence ou não ao acusado, ma esta decisão só tem
relevância para efeitos de decidir sobre o furto.
Questão prejudicial: É a questão de natureza substantiva que é necessário
decidir previamente à decisão sobre a questão penal. No exemplo anterior o
determinar a quem pertence a coisa furtada é uma questão prejudicial. Esta
questão prejudicial pode ser decidida autonomamente noutro processo pelo
tribunal competente, mas, em regra, é decidida no próprio processo
criminal. A isto se chama suficiência do processo penal para decidir as
questões prejudiciais.

Ex. A acusação é por um crime de furto. É preciso determinar se a coisa é


alheia ou do próprio acusado. A determinação da propriedade é matéria
civil, da competência dos tribunais civis. No entanto, por força desta
norma, o tribual penal tem competência para decidir se a coisa é ou não
alheia, se é ou não do acusado.

Pode, porém, suceder que a questão não penal a resolver e que é


necessária : para a decisão do processo crime seja complexa ou não possa
ser suficientemente resolvida no processo penal.

Por exemplo. É importante saber se o suspeito é ou não casado com a vítina


da ofensa corporal e por qualquer razão é muito difícil determiná-lo
(porque se extraviaram os documentos ou outra razão). O Tribunal pode
suspender o processo crime para que a questão do casamento seja decdida
no tribunal normalmente competente.

Outro exemplo. Discute-se quem é o proprietário de um imóvel. É preciso


saber quem é o dono do imóvel para determinar se há crime ou não, mas
por qualquer motivo a questão da propriedade revela-se muito complexa.
Neste caso, o tribunal penal pode suspender o processo para que a questão
da propriedade seja resolvida pelo tribunal civil competente para o efeito.

O regime de suficiência está agarrado sobretudo como a celeridade


processual. Se as questões prejudiciais tivessem de ser julgadas em
processo autónomo isso iria contribuir para mais demora dos processos e a
celeridade processual é um dos pilares do processo penal democrático (não
deve o suspeito nem a vítima aguardar por tempo demasiado que lhes seja
feita justiça porque a pendência tem custos humanos graves para os
suspeitos e vítimas).

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O Princípio da Celeridade e da economia processual.
A celeridade processual (artigo 42º, nº2, artigo 14º, nº3, d, PIDCP): é um
princípio do processo justo ou equitativo e significa que o processo deve
ser decidido em tempo razoável. É sobretudo dirigido ao legislador para
que estabeleça prazos (de prescrição e de duração dos processos e das suas
fases). Entende--se que o arrastar do processo por tempo que não seja
razoável, necessário para a boa administração da justiça, é altamente lesivo
da paz do acusado.

- a celeridade, assim entendida, não deve confundir-se com pressa;

- a pressa é inimiga da justiça;

Princípio da economia processual: se não devem praticar actos inúteis no


decurso do processo;

a economia processual, enquanto princípio geral do processo penal, é um


instrumento desse outro princípio, de raiz constitucional, que é o da
celeridade, atrás referenciado;

Significa que não se devem praticar atos inúteis para a boa decisão da
causa. Ex: ouvir testemunhas ou praticar outras diligências que não têm
importância para a boa decisão da causa.

Princípios Relativos à Prova

O Princípio da Investigação ou da Verdade Material (remissão para as


considerações supra): Significa que o juiz é livre de investigar em
busca da verdade substancial, que deve inquirir acerca da
realidade não estando limitado pela prova aduzida pela acusação e
defesa.
O Princípio da Livre Apreciação da Prova
Estreitamente ligado ao princípio da averiguação da verdade material ou
da investigação, está o da prova livre ou da livre valoração da prova que
tem o duplo sentido de prova não taxativa (artº 113º, do cpp) e de prova de
livre apreciação (artº 117º, do cpp), sem esquecer, no entanto, a importante
condicionante das proibições de prova, que faz parte das garantias
constitucionais em matéria de processo penal.

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Significa que o julgador tem a liberdade de formar a sua convicção sobre
os factos submetidos a julgamento com base apenas no juízo que se
fundamenta no mérito objectivamente concreto desse caso, tal como ele foi
exposto no processo, pelas alegações, respostas e meios de prova
utilizados)

Princípio da presunção de inocência (artigo 42º, nº2, da CRGB artigo


14º, 2, PIDCP): este princípio assenta na ideia-força de que o processo deve
assegurar todas as necessárias garantias práticas de defesa do inocente e
não há razão para não considerar inocente quem não foi ainda solene e
publicamente julgado culpado por sentença transitada. O Princípio in dubio
pro reo: significa que, no caso de o tribunal, depois de ter produzido todos
os meios de prova, ficar com uma dúvida razoável sobre a questão de facto,
não poderá dar como provados os factos por que o arguido era acusado,
devendo absolvê-lo por falta de provas.
• Se a dúvida razoável incide sobre a questão de direito o
princípio “in dubio pro reo” não funciona, devendo o tribunal escolher a
interpretação que juridicamente seja a mais correcta.

Princípios Relativos à Forma do Processo

O princípio da publicidade (artigo 14, nº 1, 2ª parte, do PIDCP, 78º, nº1,


1ª parte do cpp) : o processo penal deve estar aberto ao público, tão cedo
quanto possível;

A publicidade é uma exigência da ideia democrática de organização do


Estado, um meio de controlo popular do poder e um veículo de
fortalecimento da confiança do povo nos tribunais e na autoridade que
exercem.
No sistema processual penal Guineense, o princípio da publicidade só tem
integral consagração, como melhor veremos adiante, a partir da decisão
instrutória ou do momento em que já não possa ser requerida instrução;
até então, vigora, como regra, o segredo de justiça, cujas implicações, na
forma de restrições à publicidade, estão prescritas no artº 78º, nº1, do
mesmo diploma.

Ou seja, significa que as audiências dos tribunais são públicas,


que o público pode assistir à realização dos actos processuais, que estes

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podem ser narrados ou reproduzidos pelos meios de comunicação social e
que os autos podem ser consultados e obtidas cópias e certidões deles

O princípio da oralidade e da imediação.

Princípio da oralidade e imediação: A produção de prova deve ser feita


oralmente perante o juiz. É uma caraterística do processo de estrutura
acusatória: as provas devem ser produzidas oralmente perante o juiz e as
demais provas (documentais) devem ser apreciadas oralmente perante o
juiz (artigo 89º, nº1, do cpp).

O princípio da imediação significa que quem julga deve ter contato


imediato com a prova. Deve ouvir as testemunhas e o acusado, deve
apreciar pessoalmente as provas documentais. A recolha da prova deve ser
feita diretamente (imediatamente) perante o juiz (ou seja, sem
intermediários).

Princípio da concentração.

Princípio da concentração: Deve procurar-se que os atos processuais não se


dispersem. Se se puder fazer o julgamento num só dia ou em dias seguidos
não se devem fazer intervalos de dias.

Princípio da proibição de perseguição penal múltipla.

O princípio da proibição de perseguição múltipla (artigo 14º , 7, do


PIDCP) significa simplesmente que por um mesmo crime não podem ser
instaurados mais de um processo. Ex. O suspeito foi julgado por furto e
absolvido. Não pode depois instaurar-se novo processo por burla ou abuso
de confiança. Ou seja: julgados os factos não pode o suspeito voltar a ser
julgado pelos mesmos factos, ainda que com qualificação jurídica diferente.

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A conformação Jurídico –Constitucional do Processo penal e a sua
Estrutura

Considerações gerais

O texto constitucional, porque lei fundamental, define o figurino e o


modelo de processo penal que o legislador ordinário há de adotar em sede
de limitação dos direitos fundamentais (é o Direito Constitucional
aplicado). Por isso, o terreno por excelência para aferir os fundamentos do
direito processual penal é a constitução.

É corrente ordenar o estudo dos modelos históricos do processo penal em


duas tradições: acusatória e inquisitória. Limitaremos, no entanto, a apontar
apenas as suas carateristicas.

O processo penal de estrutura Inquisitória.

No modelo inquisitório, o interesse prevalecente é do Estado, sendo o


suspeito um objeto de inquisição e não um sujeito atuante.

caracteriza-se pela diminuição dos direitos de defesa do suspeito, por um


lado e, por um domínio absoluto e discricionário do processo pelo Juiz, que
decide sobre promoção processual, inquire, acusa e julga sem quaisquer
limitações com relação ao thema probandum e thema decidendum. Ou seja,
fixava e alterava a seu belprazer o objecto do processo em cada dado
momento – é um juiz dinamizador e interventor.

Privilegiava a descoberta da verdade material a todo o custo, o que levava


ao uso da tortura como meio de obtenção de prova.

A sentença não fazia caso julgado.

O processo é lento, escrito e secreto, no sentido de o suspeito desconhecia


em absoluto os factos objeto da acusação e as provas contra ele carreadas.

O processo penal de estrutura Acusatória.

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Carateriza-se, essencialmente, por uma nitida separação entre a acusação e
o julgamento. Uma entidade acusa e outra julga a acusação, por forma a
garantir a imparcialidade do julgamento e portanto a justiça da decisão.

O juiz é um simples árbitro passivo e «super partes» e como tal não pode
alterar substancialmente o objeto do processo.

O proceso acusatório orientava-se pela busca da verdade processual.Debate


processual decorria sob forma contraditória e em perfeito plano de
igualdade a defesa e acusação.

A presunção de inocência é um princípio intocável . Daí que as limitações


da liberdade antes da condenação são sempre excecionais e
necessariamente justificadas pelas necessidades do processo (evitar a
subversão do processo ou continuação da atividade criminosa).

O processo acusatório material é equivalente a processo democrático e a


democracia carateriza-se pela defesa intransigente dos direitos
fundamentais dos cidadãos.

A decisão fazia caso julgado.

O caso guineense

Como já referido, é na lei fundamental que há de ser encontrado o modelo


processual gizado pelo legislador constituinte.

A par dos outros, o preceito que se me afigura mais relevante é o artigo 42º.
Este rotábulo normativo consagra, em matéria processual penal, um modelo
processual de estrutura acusatório.

Tenha-se especial atenção que a estrutura acusatória não postula


obrigatoriamente a existência de uma fase processual de instrução.
Significa tão só que os atos que afetem direitos fundamentais (direitos e
garantias fundamentais) têm de ser praticados ou autorizados por um juiz.
A não ser asssim, ficaria irremdiavelmente comprometida a imparcialidade
da decisão visto que o centro da decisão está na entidade que instruíu o
processo. Bem demonstradora do que se vem afirmando, é o recente
acórdão do S.T.J Guineense datado de 02.08.2017, que declarou de
inconstitucional a medida de coação de obrigação de permanencia
decretada pelo MP, no âmbito de um processo-crime.

Passamos agora a analisar os princípios nele consagrados.

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O nº1 reconhece o suspeito como um verdadeiro membro da comunidade e
não subordinado (submisso) a qualquer forma de poder instituído, e por
conseguinte, está em paridade de posição com os restantes sujeitos
processuai, na circunstância, Ministério Público e o assistente. Ou seja, o
suspeito acusado é sujeito processual (tem direitos e deveres, participa
ativamente no processo e não é puro objeto, submetido ao processo e às
autoridades policiais e judiciárias.

Por sua vez, decorre do nº2 um princípio fundamental da estrutura


acusatória, qual seja, presunção de inocência do suspeito até trânsito em
julgado da condenação.Mas também consagra o princípo da celeridade. Tal
celeridade tem que ser interpretada á luz de todo o sistema e não de forma
seccionada. Ou seja, a celeridade impõe-se justamente para confirmar a
presunção de inocência de que goza o suspeito.
O nº3, confere ao suspeito a faculdade de ser assistido em, por um
advogado, todos actos processuais, devendolhe ser nomeado por tribunal,
sempre que estão em causa os direitos fundamentais.
Como referi no início, tenho para mim que o conceito de instrução usado
nº4 não tem nada a ver com a fase processual de instrução. Esta norma
respeita à salvaguarda dos direitos fundamentais, ou seja, só o juiz pode
limitar os direitos fundamentais. Isso permitirá estabelecer um certo
equilibrio entre a entidade que investiga e a entidade que tem ao seu cargo
a limitação dos direitos fundamentais.
Este nº5, igualmente, vem consagrar princípio contraditório. Princípio que
se traduz numa faculdade, mas nunca dever de contestar os factos que são
imputados.

Finalmente, o nº6 deste preceito consagra o princípio da nulidade das


provas alcançadas mediante desrespeito pela pessoa humana.

Direito Processual Penal e a sua aplicação.

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Fontes do Direito Processual Penal

Usualmente os estudiosos de Direito utilizam a metafora fonte de Direito


para designar formas ou modos de criação de Direito. É possível dividi-la
em duas partes, a saber:

a) Fontes de Direito Legal

O universo das normas jurídicas que disciplinam o Direito Processual Penal


vão desde o Código de Processo Penal de 1993 (Revista pela Lei 15/2011,
de 12 de Outubro de 2011, revisão intercalar) até as que constam nas
legislação extravagante. Trata-se de diplomas cujo conhecimento são de
deveras importância para o correto enquadramento legal do processo penal.

1ª Constituição Da República Da Guiné-Bissau: artigos 24º, 30º 40º, 41º/4,


42º, 56º, 85º, 86º, 119 a 126º.

2ª Normas Internacionais: Declaração Universal dos Direitos do Homem,


Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, Carta Africana dos
Direitos Humanos e dos Povos e Convenção da CEDEAO sobre a
extradição e auxilio judiciário Mutuo.

3ª O Código de Processo Penal – Decreto- Lei nº 05/1993, revista pela lei


15/2011 de 12 de outubro.

3ª Legislação extravagante:Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais (Lei


nº3/2002, revista pela lei 6/2011, de 4 de Maio de 2011, regulamentada
pelo Decreto-Lei nº 7/2010); Decreto-Lei nº 2-B, de 28 de Outubro de 1993
(Legislação relativa à estupefacientes); Lei Orgânica do Ministério Público
(Lei nº 7/95); Lei Orgânica da Policia Judiciária (Decreto-Lei nº 14/2010);
Lei de Organização, Funcionameto e as formas de processo de Execução do
Tribunal de Execução de Penas (Lei nº 7/2011); Lei de Investigação
Criminal (Lei nº 8/2011).

b) Fontes Materias

Ao lado das fontes legais, temos jurisprudência e doutrina como fonte do


direito. São uma fonte indireta e por isso nunca se pode invocar a
jurisprudência ou a doutrina para resolver um qualquer caso. Fonte indireta
significa que servem apenas para ajudar a interpretar a lei. Quando se
suscitam dúvidas sobre a interpretação de uma dada norma recorre-se
frequentemente à interpretação que é maioritariamente seguida pelos

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tribunais e pela doutrina mais significativa. Nem a jurisprudência nem a
doutrina obrigam o juiz; só ajudam na interpretação. Diria que são
auxiliares da interpretação, mas não são verdadeiras fontes do direito . Por
isso que a lei nunca se lhes refira como fonte.

Contudo, hoje em dia, a jurisprudência acaba por assumir papel de


legislador complementar, no âmbito da concretização das clausulas gerais e
dos conceitos indeterminados e no desenvolvimento do direito praeter
legem.

A título de exemplo destacamos, entre outros, o recente acórdão do S.T.J


guineense datado de 02. Agosto de 2017, que declara inconstitucional o
artigo 48º, nº1, al. d), do CPP.

Interpretação e Integração

No que concerne à interpretação não há nenhuma particularidade a apontar.


Ou seja, valem aqui os ensinamentos da Introdução ao estudo de Direito.

Integração de lacunas (artigo 2º, do CPP)

Frequentemente há casos que têm de ser resolvidos e não há norma


expressa no Código sobre o assunto. Há uma lacuna. Porem, só há lacuna
quando há uma questão que não está prevista mas que exige uma
regulamentação. Não é fácil saber se há ou não lacuna. Só há lacuna
quando para resolver a questão a lei que existe não chega.

Quando a lei dá solução à questão suscitada, não há lacuna. Mas


recorrentemente se confunde a existência da lacuna com regulamentação
diversa noutros ramos de Direito ou irrazoabilidade da solução legal.

Ex. O nosso cpp não prevê a forma do processo sumarissimo. Mas nada
impõe ou aconselha sequer que haja um processo sumaríssimo. É simples
opção do legislador.

A analogia aplica-se quando há uma lacuna (situação que não está regulada
e precisa de o ser), recorrendo ao direito subsidiário ou às normas do
sistema que tenham a mesma razão de ser.

Ora, se não chega, então recorre-se aos lugares paralelos do CPP. Devemos
entender a semântica cpp como abrangendo não só as normas do cpp, mas
também as que fazem parte da legislação extravagante.

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3
Se não houver lugares paralelos, recorre-se aos lugares paralelos do CPC
que se harmonizem com os princípios do CPP.

Se mesmo assim não for possível resolver, recorre-se aos princípios gerais
do processo penal.

Ex. a nossa lei não preve que a libertação do preso preventivo pudesse ser
ordenada pelo juiz. Imagine que se verifica este caso. Tem um detido que é
apresentado ao juiz ou um preso que o juiz decide libertar.

Suponha que não há lei que expressamente preveja o caso.

Vamos ter de recorrer a lugares paralelos do CPP. Há de haver algum lugar


que determina que em caso de absolviçao de réu que está preso o juiz de
execução ordene a sua libertação. Aplica-se esta norma por analogia. Ex.
Podemos, porventura, recorrer a lei de organização, funcionamento e as
formas de processo de execução de penas – Dec. Lei nº7/2011.

Se não houver norma, vamos ver no Processo civil se há algo semelhante.


No caso não há. Se houvesse teríamos de verificar se essa norma se
coaduna com os princípios do processo penal.

Vamos então aos princípios gerais do processo penal. O princípio é que a


prisão só pode ser ordenada pelo juiz. Daqui decorre que se só o juiz pode
prender também só ele pode libertar ou pelo menos que pode libertar.

Aplicação da lei no tempo (artigo 3º, do cpp)

Regra básica: a lei processual aplica-se aos processos que se iniciem na


sua vigência. Não importa se os factos foram praticados anteriormente à
entrada em vigor da lei. Quando se inicia um processo, aplica-se a lei
processual penal vigente.

Ex: A lei entrou em vigor no dia x.

O processo iniciou-se dois meses depois do dia x, é a lei vigente que se


aplica.

O processo iniciou-se dois meses depois do dia x, mas os factos foram


praticados um ano antes da entrada em vigor da lei, não importa, é a lei em
vigor à data do inicio do processo aquela que se aplica.

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2. A lei processual penal nova aplica-se a processos já em curso, desde
que:

a) Se traduza num benefício para o suspeito ou réu

Ex. A lei nova encurta o prazo máximo da prisão preventiva; a lei nova cria
um novo recurso e antes não existia.

b) Se mantenha a harmonia entre os factos já praticados e a praticar,


ou seja, a nova lei não altera de tal modo o procedimento e as garantias
que prejudique os direitos de defesa ou do assistente.

Ex. A nova lei substitui a fase da instrução por um incidente contraditório


no início da fase de julgamento, mas sem possibilidade de produção de
prova. Esta nova lei não se aplica porque quebra a harmonia do sistema
anterior.

3. Quando a lei nova é aplicada a processos que já estavam em curso à


data da sua entrada em vigor, não se aplica parcialmente, apenas a
alguns atos, aplica-se a todos os que se praticarem a partir da sua
entrada em vigor.

Ex. A lei nova faz várias alterações, encurtando os prazos da prisão


preventiva e os prazos para apresentar a contestação à acusação.
Isoladamente o encurtamento do prazo da prisão beneficia, mas o
encurtamento do prazo para a contestação prejudica. Tem de se fazer
um balanço global. E a lei nova ou se aplica a todos os atos a partir da
sua entrada em vigor ou não aplica a nenhum.

1º A nova lei aplica-se a todos os processos que se iniciem após a sua


entrada em vigor, independentemente do tempo em que os crimes foram
praticados.

2º Aplica-se também aos processos pendentes, quando se verifiquem as


condições do nº 2.

3º Sempre que se aplicar o nº 2, então a lei nova aplicase a todos os demais


atos do processo, caso contrário mantém-se a aplicação da lei anterior que
regia o processo antes da nova lei.

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EX. A nova lei encurta os prazos da prisão preventiva ou estabelece
condições mais restritivas da sua aplicação. Esta lei é mais favorável ao
arguido/suspeito preso ou em condições de ser preso segundo a antiga lei.
Aplicada a lei nova, porque mais favorável, então aplica-se a lei nova a
todos os atos do processo.

Outro possível entendimento seria que a lei nova só seria aplicável aos
processos já iniciados nas disposições que favorecessem o arguido. Isto
quebraria a unidade do sistema e por isso me parece de repudiar.

Art. 4º- Aplicação no espaço.

A lei processual penal aplica-se no território da Guiné. É o princípio da


territorialidade. A soberania dos Estados abrange apenas o respetivo
território e por isso a lei só se aplica no espaço territorial do Estado que dita
a lei.

Excecionalmente, fruto de tratados, convenções ou do direito internacional


comum a lei processual penal da Guiné pode ser aplicada no
estrangeiro.
A regra é que os tribunais de um qualquer Estado só aplicam a lei nacional.

Não conheço nenhum caso de aplicação por um tribunal nacional de lei


processual estrangeira. Em termos teóricos só concebo que um tribunal
estrangeiro possa aplicar a lei da Guiné, ou qualquer outra estrangeira que
não a do próprio tribunal, em caso de tratados ou acordos internacionais em
matéria de cartas precatórias. Neste caso, como o conteúdo da carta há de
ser aplicado pelo tribunal deprecante segundo a lei desse país, admito
teoricamente que tal fosse possível. De qualquer forma, porque os tribunais
são orgãos de soberania não aplicam nunca lei estrangeira.

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Os Sujeitos Processuais

Considerações.

Sujeitos e participantes processuais.

A distinção entre sujeitos e participantes processuais é muito relativa. Entre


nós só há dúvidas sobre se os órgãos de polícia criminal são sujeitos ou
meros participantes.
A ideia é que só são sujeitos quem tem uma intervenção constitutiva no
processo. E só têm intervenção constitutiva o MP, que promove, acusa,
debate e recorre; o arguido que contesta, confessa, debate e recorre e o juiz
que decide. Todas as demais pessoas que de algum modo intervêm no
processo são considerados meros participantes processuais porque não têm
quaisquer poderes constitutivos (deles não depende a promoção de qualquer
acto processual nem o poder de o condicionar); são meros colaboradores do
tribunal. Sem os participantes pode haver processo, mas não pode haver
processo sem os sujeitos.

1.O Tribunal (artº 119º da Constituição, artº 5º, do cpp 1º, do dec. Lei
nº 3/2002, revista pela lei 6/2011 )

Só os tribunais com jurisdição penal – aos quais a lei atribua o poder de


julgar a matéria criminal, têm competência para aplicar a lei penal.
Princípio de jurisdição.

Os tribunais com jurisdição penal estão previstas no artigo 121º, al. a da


Contituição conjugado com a Lei Organica dos Tribunais (Dec. Lei nº
3/2002, revista pela lei 6/2011), designamente a partir do artigo 27º, 29º,
40º, 50º, 51º, 52º, 53º, 56º. As demais categorias não têm jurisdição penal.

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Ex. O agente cometeu o crime A. Este crime só pode ser julgado por um
tribunal que segundo a lei tenha jurisdição penal- Não pode ser julgado por
um outro tribunal, seja de que natureza for (civil, administrativo, trabalho)
a que a lei não atribua jurisdição. Se o processo for julgado por um tribunal
sem jurisdição penal, é inexistente (todos os seus atos são inexistentes).

Organização dos tribunais judiciais

No cumprimento do preceito constitucional, designamente artigo 124º, a lei


organica dos tribunais contém regras sobre organização dos tribunais
judiciais (artigo 12º) e o seu respectivo regulamento (Dec-Lei nº 7/2010,
artigos 2º, 3º segs):

- última instancia/tribunal de topo da hierarquia dos tribunais judiciais,


STJ;

- 2ª instancia, tribunal da Relação;

- 1ª instancia, tribunal regional;

- tribunal de sector.

Artigos 19º, 46º, 47º, 48º, 64º e 66º, falam da organização segundo a
matéria, território e a estrutura.

Daqui se depreende que, a organização dos tribunais é complexa. Por isso,


necessário se torna determinar qual o tribunal territorialmente competente e
depois quais os tribunais com jurisdição penal competente nessa
circunscrição.

Distinção entre Jurisdição e competência

A jurisdição significa poder de declarar o direito ao caso concreto da vida.


A competencia tem que ver com a medida/parcela de jurisdição atribuida a
cada tribunal. Ou seja, a jurisdição refere-se género e a competencia a
espécies. O cpp classifica competencia em: material, funcional e territorial.

Competência

As competências podem ser classificadas em: material, funcional,


hierarquica e territorial.
Competência material respeita à matéria (penal, civil, administrativo,
militar, etc.).Frequentemente os sistemas jurídicos atribuem competência

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para julgar as questões a tribunais diferentes consoante a matéria em
questão.

A competência funcional respeita ao tipo de actividade que cumpre ao


tribunal materialmente competente. Ou seja, delimita a jurisdição dos
diferentes tribunais materialmente competentes dentro do mesmo processo
e segundo as suas fases ou graus e para a prática de determinados actos.
Assim a competência para a instrução, para o julgamento, para o recurso,
para a execução. Consoante estas fases do processo assim também a
competência funcional. Se o tribunal tiver competência para a matéria
crime mas só para a fase da instrução, diz-se que tem competência material
(penal) e funcional (para a instrução). Se o tribunal tiver só competência
para o recurso, diz-se que tem competência material e funcional só para o
recurso. Se o tribunal não puder ter intervenção em matéria penal mas só
civil, diz-se que não tem competência material para o penal.

Competência Material e Funcional

O código processual penal trata de competencia materiral e funcional nos


artigos 10º e 12º, do cpp, conjugado com a lei organica dos tribunais
(artigos 27º, 28º, 29º, 39º, 40º, 56º, 64º, 66º, do Dec. Lei nº6/2011).

Competencia material dos Tribunais de 1ª Instancia.

Critério: natureza ou gravidade do crime (artigo 52º e 53º, da L.O.T


conjugado com o artigo 13º, do cpp).

Competência em razão da hierarquia tem a ver com a estruturação


vertical dos tribunais (última instancia/tribunal de topo da hierarquia dos
tribunais judiciais, STJ, 2ª instancia, tribunal da Relação;1ª instancia,
tribunal regional;tribunal de sector).

Competência territorial delimita a jurisdição dos tribuanais da mesma


espécie segundo a sua localização no territorio (artigo 15º, do cpp).

Art. 15º (competência territorial)

O critério é o elemento de ligação do objeto do processo com o território


em que cada tribunal exerce jurisdição.

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1º - Regra geral da competência territorial: é competente o tribunal com
jurisdição na área onde o crime foi consumado. Ex. homicídio - lugar onde
ocorreu a morte.
Importa, por isso, determinar qual é o critério legal para a ligação do crime
ao territorio e depois verificar qual o tribunal que naquele momento exerce
jurisdição relativamente àquele crime, agora em razão da competencia
material e funcional dos diversos tribunais que exercem a sua jurisdição
sobre o mesmo territorio.
Justificação: razões de facilidade de prova e a prevenção geral.

2º - Se o crime ficou pela tentativa - lugar do último ato de execução da


tentativa. Ex. O agente quis matar e para tanto deu duas facadas a vítima,
mas esta não morreu. Há tentativa e o trib. competente é o do lugar onde
foram dadas as facadas.
Nº2, do artigo 15º, prevê os casos em que o crime não se consuma no lugar
onde os actos de execução foram praticados

Tratando-se de crime permanente (crimes em que a execução e a


consumação perduram enquanto não for posto termo à violação permanente
do interesse penalmente tutelado), o tribunal competente é aquele onde
acaba a execução do crime. Ex. Sequestro. Este crime só cessa quando o
sequestrado for posto em liberdade. O trib. competente é o do lugar em que
o sequestrado foi libertado.

3º Crime de execução sucessiva ou reiterada: o t. comp. é o do último ato


de execução. Há crimes em que a lei prevê que a repetição dos factos não
constituem pluralidade de crimes. Na Guiné, a violência doméstica é um
crime reiterado ou de execução sucessiva porque dispõe que as ofensas
reiteradas constituem um só crime de violência doméstica (artigo 4º alinea
a , da Lei nº 06/2014, de 04 Fevereiro).

Os artigos 16º a 19 consagram regras subsidiárias.

Artigo 16º
Crime cometido a bordo de navio ou aeronave

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Trata-se da aplicação da lei guineense a crimes cometidos a bordo de
navios ou aeronaves (artigo 6º, do cp guineense) nestes casos o tr, territ.
competente é o do lugar do desembarque em território guineense e se não
houver desembarque em território da Guiné o do lugar da matrícula do
navio ou aeronave. Ou seja, lugar para onde se dirigir/desembarcar ou
lugar onde primeiro tiver havido notícia do crime.

Art. 17º
Crime cometido no estrangeiro

Trata-se de crime cometido no estrangeiro a que seja aplicável a lei penal


da Guiné (ver artº 6º, do cp).

A regra é que se o crime for praticado no estrangeiro, o tribunal


competente é o do lugar onde o agente for encontrado.
Se não for encontrado na Guiné então o tribunal competente é da área da
última residência o agente que for conhecida na Guiné.
Art. 18º
Crime de localização duvidosa ou desconhecida

1. Se for desconhecido o local da prática do crime, ou houver dúvidas sobre


a localização, o tribunal competente é o do lugar onde primeiro tiver
havido notícia do crime. Ex. Não se sabe bem se o crime foi cometido no
lugar A ou B, a regra é que será competente o tribunal de A ou B consoante
o lugar onde primeiramente houver dele notícia.. O mesmo sucederá se não
se souber o lugar onde o crime foi cometido. Ex. Aparece um cadáver no
local A,mas tudo leva a crer que o homicídio não foi cometido nesse lugar,
foi em lugar desconhecido.
Outro exemplo de localização duvidosa ou desconhecida.:crime de burla ou
falsificação de documento. Não se sabe onde foram praticados os actos do
crime de burla ou a falsificação do documento.
A regra é que será competente o tribnal onde primeiro houve notícia
do crime que será, muito provavelmente, o do lugar onde o cadáver for
encontrado.

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2. Sempre que por aplicação das regras anteriores não for possível fixar o
tribunal competente, então aplica-se a regra supletiva: o trib. competente é
o do lugar onde primeiro tiver havido notícia do crime. EX. crime cometido
no estrangeiro a que seja aplicável a lei da Guiné. Se se tratar de
estrangeiro que nunca teve residência na Guiné ou de guineense mas do
qual se desconhece a última residência na Guiné, aplica-se a regra
supletiva: lugar onde primeiro tiver havido notícia do crime.
O art. 19º é aplicável quando o arguido é magistrado. Neste caso não deve
ser julgado no tribunal com o qual tem relação pela suspeita que isso
poderia suscitar. Desloca-se a competência para outro tribunal, o mais
próximo.
Na Guiné só há um Tribunal de Relação. Q.Y?
Neste caso creio que não haverá deslocação da competência por
impossibilidade de cumprimento da norma.
Competencia por conexão

As regras de competencia material, funcional e territorial são definidas com


base num crime. Tal regra sofre desvio, permitindo então que vários crime
sejam apreciados conjuntamente num só processo.
O código arranca da premissa de que a cada crime corresponde um distinto
processo. Por razões de economia processual e facilidade na prova há um
mecanismo da conexão processual (objetiva e subjetiva). Ou seja, nesses
casos haverá um desvio aquela regra e como tal vários crimes (concurso de
crimes) ou vários agentes (comparticipação) vai dar lugar a um só processo,
desde que os autos se encontrem no mesmo estágio (nº2, do artigo 20º, do
cpp).
A questão da conexão explica-se por razões práticas. Se for possível julgar
vários processos num só há sempre (ou presume-se) economia processual.
Facilita nos casos de conexão subjetiva a formação da pena única (cumulo)
e na objetiva evita contradição de julgados, o que gera prestigio nas
decisões judiciais. Se vários agentes do mesmo crime forem julgados em
tribunais ou processos diferentes há maior risco de contradiçoes de
julgados.
A conexão determinante da competência pode ser, como logo começámos
por afirmar: a) pessoal ou subjetiva, quando uma pluralidade de infrações

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se encontra relacionada através da unidade do agente; b) material ou
objetiva, quando, sendo dada uma pluralidade de infrações e de agentes, a
sua relacionação se faz através da própria materialidade ou conteúdo das
infrações; c) mista (pessoal e material) quando os dois tipos de relacionação
atrás apontados convergem no mesmo caso concreto.
A razão da conexão é o facto de um se destinar a encobrir o outro. Tratase
de conexão objetiva

A conexão subjetiva ou pessoal respeita ao agente ( o mesmo agente


comete vários crimes) - art. 21º, nº1
Conexão objetiva ou material: o mesmo crime é cometido por várias
pessoas- art. 20º, nº 1, a)
Mista (Pessoal e Material): o mesmo agente tiver praticado diversos
crimes na mesma ocasião ou lugar (subjetiva) ou vários agentes tiverem
praticado vários crimes na mesma ocasião ou lugar ou .... (objetiva) O
critério é: se se atende ao agente: subjetivo; se se atende ao crime ou
crimes: objetivo.

A conexão opera se os processos encontrarem no mesmo estágio e até fase


julgamento (artigo 21º nº1 e 2, do cpp).
Justificação: celeridade processual.
Casos em que não operam a conexão (artº 22, do cpp)

Não opera a conexão nos termos do artigo 22º do cpp:


a) Se existirem tribunais de menores com competência material específica
os processos que devam ser julgados nestes tribunais não se conexionam
com outros que devam ser julgados nos tribunais comuns, mesmo que
existam os pressupostos da conexão objetiva ou subjetiva. Ou seja, os
crimes da competência dos tribunais de menores (quando os haja) são
sempre julgados nos tribunais de menores.
Mas dentro dos tribunais de menores funcionam as regras normais da
conexão relativamente a processos da competência destes tribunais.
Exemplo:

Subjetiva (por exemplo, A pratica um furto com a idade de 15 anos e um


roubo já após perfazer 16 anos) ou objetiva entre as infrações (por

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exemplo, A, de 14 anos, e B, de 17, ofendem em co-autoria a integridade
física de C).

b)Se o crime for da competência de tribunais militares não valem as regras


da conexão entre crimes da competência destes tribunais e dos tribunais
comuns;

c) Há casos que são da competência do Supremo, etc (competência


reservadas destes tribunais para julgarem os processos).

Nestas hipóteses não funcionam as regras da conexão. Além desta


disposição, outras mais, em domínios específicos como os dos crimes dos
crimes de responsabilidade de titulares de cargos políticos (artº 37º da Lei
14/97, de 2 de Dezembro) e dos crimes militares (Código de Justiça
Militar), estabelecem limites à conexão.

Determinação do tribunal competente em caso de conexão (artº 23, do


cpp).

a)Se os processos que devam ser julgados em conjunto (conexão) forem


primariamente de tribunais de diferente hierarquia ( ex. 1ª e 2ª instância) ou
forma de funcionamento com diferente solenidade (ex. tribunal singular ou
tribunal coletivo) escolhe-se o tribunal de hierarquia superior ou com forma
mais solene. É pressuposto que quanto mais elevada a hierarquia ou maior
for a solenidade mais garantias são dadas aos arguidos.
Num primeiro caso, de afastamento da conexão, tem sobretudo a ver com a
natureza dos tribunais.
No segundo caso, com a maior solenidade (quem pode o mais pode o
menos, mas a contrária não é verdadeira).
O Código não esclarece qual a entidade a quem cabe proceder à
conexão de processos dela suscetível. Uma vez que só é possível agregar
processos que se encontrem na mesma fase processual, a competência para
o fazer deverá ser reconhecida à autoridade judiciária a quem cumpre a
direção processual em cada uma das fases em que os processos estejam
pendentes. Estando os processos nas fases da instrução ou do julgamento, a
derradeira e decisiva palavra para decretamento da conexão deve ser do
tribunal que, após a conexão, passará a ter a competência para o processo.

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Prorrogação da competência da competência (artº 24º, do cpp).
Significa que, não obstante a cessação de conexão, mantêm, o tribunal
competente do tribunal previamente designado por conexão.

para evitar que o juiz desfaça a conexão (separe os processos para não
julgar um deles). Por isso a lei estabelece que, neste caso, mesmo
separando os processos, o juiz que seria competente por aplicação das regra
da conexão mantém a competência para todos os processos, mesmo para
aqueles que se tivessem sido processados separadamente não era
competente. Ex. Crime A (competente o tribunal de Bissau); crime B
(competente o tribunal de Safim. Por força das regras da conexão passou a
ser competente o tribunal de Bissau. Este tribunal determinou a separação
dos processos, fazendo cessar a conexão.

O juiz de Bissau mantém-se competente para todos os processos, mesmo


para o que se tivesse sido processado separadamente seria da competência
do tribunal de Safim. A norma tem por finalidade evitar que o juiz desfaça
a conexão para não ter de julgar ambos os crimes. Outro caso: Processo em
conexão dos crimes anteriores (A e B). Pelas regras da conexão é
competente o tribunal de Bissau. Entretanto o crime A prescreveu ou
faleceu o arguido ou houve desistência da queixa. O tribunal de Bissau
mantém-se competente para o julgamento do crime B, embora este crime,
se tivesse sido processado isoladamente fosse da competência do Tribunal
de Safim. A norma visa aproveitar o que já foi processado pelo tribunal de
Bissau, evitando repetição de atos (razão de economia processual).

Exemplo: separando-se o processo relativamente A, acusado de crime de


auxílio material, em virtude de declaração de contumácia; e prosseguindo-
se com o julgamento de B, acusado de crime de dano e beneficiário do
auxílio daquele; uma vez cessada a contumácia, deverá A ser julgado pelo
mesmo tribunal coletivo que julgou B e não por um tribunal singular,
apesar de a pena de prisão aplicável não exceder os 2 anos.

Uma idêntica solução de prorrogação de competência deve ainda ser


adotada nas situações, já não necessariamente de competência por conexão,
em que, fruto de uma alteração da qualificação jurídica dos factos ou de
uma alteração não substancial dos factos, o tribunal decida condenar por
crime menos grave do que aquele que vinha imputado ao arguido na
acusação ou na pronúncia: por exemplo, em caso de acusação por ofensa à

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integridade física grave (art. 115.º do CP), depois “desgraduada” na
condenação para uma ofensa à integridade física simples (art. 114.º-1 do
CP), não há por que pôr em causa a competência do tribunal coletivo para
tomar esta decisão condenatória mais branda, apesar de tratar-se de crime
para o qual seria, afinal, competente o tribunal singular, pois quem pode o
mais pode o menos e não se mostram comprometidas as garantias de defesa
do arguido, bem pelo contrário.

A hipotese inversa já não é todavia admitida (artigo 249º nº 6, do cpp).


Refiro-me a alteração substancial de factos.
Verificação da incompetência (artºs 26 e 27, do cpp)

A atribuição da causa a um tribunal material ou funcionalmente


incompetente, em virtude de desrespeito das prescrições relativas à
competência material, funcional ou por conexão, representa uma nulidade
insanável que deve ser conhecida e declarada a todo o tempo, isto é, até ao
trânsito em julgado da decisão final (artigos 26º, 27º 1ª parte, 106º al. e nº
2, todos do cpp). A declaração de incompetência pode ser proferida pelo
tribunal de forma oficiosa ou na sequência de suscitação da questão pelo
Ministério Público, pelo suspeito ou pelo assistente.

Oportunidade da declaração da incompetência.


Legitimidade

Em caso de incompetência territorial , só pode ser deduzida e declarada até


ao inicio do debate instrutório, tratando de juiz de instrução, ou até ao
inicio da audiência de julgamento, tratando-se de tribunal de julgamento
( 2ª parte do artigo 27º, do cpp). O tribunal que se declarar
incompetente deve remeter o processo para o tribunal por si tido por
competente, o qual, por sua vez, se reconhecer a competência que lhe foi
deferida, deve tomar posição sobre os atos praticados anteriormente (art.
31.º). Isto tendo em conta que a nulidade decorrente da incompetência
não é propriamente uma nulidade do processo, antes incidindo apenas
sobre os atos que se não teriam praticado se o processo tivesse corrido
perante o tribunal competente, devendo ser ordenada a repetição dos atos
necessários para conhecer da causa.
Entretanto, o artigo 30º do cpp autoriza o tribunal incompetente praticar
actos urgentes.

2
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Exemplo: Suponha que o juiz de instrução criminal ordenou uma busca
domiciliária, uma apreensão ou até a prisão preventiva. Posteriormente vem
a declarar-se que esse JIC é incompetente. Consequência: os atos praticados
mantêm-se válidos mas o juiz que entretanto for declarado competente
pode apreciá-los e declarar nula a apreensão, a busca ou a prisão. E se
entender que esses atos foram praticados ilegalmente ou que não eram
necessários pode revoga-los.

Suponha também que entretanto foi suscitada a incompetência do tribunal,


mas o novo tribunal ainda não aceitou a sua competência. Verifica-se neste
interregno que há risco de destruição de prova ou de fuga. O juiz declarado
incompetente não vai deixar que o arguido/suspeito fuja ou que destrua a
prova (são atos urgentes) e por isso pode praticá-los, embora depois o novo
juiz se deva pronunciar sobre eles para os aceitar ou afastar.

Consequência da declaração da incompetência (artº 29º, 30º, 31 do cpp)

Os arts. 30 e 31 visam aproveitar atos já praticados quando for declarada a


incompetência do MP ou do tribunal. É uma regra de economia processual.
A alternativa seria: declarada a incompetência do MP ou do tribunal todos
os atos praticados pelo MP ou tribunal incompetentes seriam anulados por
sofrerem do vício da incompetência.

O art. 30º quer assegurar que, os atos urgentes não fiquem por praticar
enquanto não se determina qual o tribunal competente. Por isso que o
tribunal declarado incompetente mantém competência para praticar atos
urgentes enquanto a jurisdição não for recebida por outro MP ou tribunal. É
para evitar o vazio de competência. O art. 31º visa assegurar que o
tribunal que venha a assumir a competência não fique necessariamente
vinculado a atos praticados ou provas recolhidas antes da declaração
da incompetência. Por isso que o tribunal declarado competente aprecia a
validade dos atos anteriormente praticados (que mantêm a sua eficácia)
salvo se o novo tribunal considerar que esses atos anteriormente praticados
sofrem de nulidade insanável ou eram desnecessários.

Conflitos de competência (artigos 32º a 36º, do cpp) Tanto relativamente


à determinação em concreto da competência material como da territorial
pode dar-se um conflito de competência entre dois ou mais tribunais. Há um
conflito positivo de competência quando vários tribunais de diferente
hierarquia, espécie ou localização se declaram competentes para conhecer

2
3
do mesmo crime imputado ao arguido; e um conflito negativo de
competência quando vários tribunais de diferente hierarquia, espécie ou
localização se declaram incompetentes para conhecer do mesmo crime
imputado ao suspeito.

Instalando-se um conflito, positivo ou negativo, de competência, a via


processual para a sua superação não é a do recurso, mas a da intervenção de
um tribunal superior, impulsionada por um dos tribunais em conflito,
oficiosamente ou na sequência de requerimento dos demais sujeitos
processuais (artigos 29º nº 1 al. e) e 40 al. e), ambos da L.O.T).

Esse despacho é recorrível? A lei não esclarece.

O art. 262º não exclui o recurso. A regra é a de que é sempre admissível o


recurso quando a lei o não proíba (artº261ºcpp).
Não há norma no Código que o proíba, logo, em consequência, é
admissível o recurso. O ato de fixação de competência não é ato de mero
expediente, é interlocutório mas decisório e por isso admite recurso. Só não
será admitido recurso se houver alguma norma que o exclua como sucede
com o art. 262ºcpp.

O artigo 35º regula a tramitação do incidente

Impedimentos e Suspeições

A independência dos tribunais e dos juízes significa que estes estão


apenas sujeitos à lei. Não devem obediência senão à lei e por isso não
recebem ordens ou instruções de NINGUÈM. A tutela da imparcialidade
significa que os tribunais e juízes estão protegidos nas suas decisões,
devem agir apenas com respeito da lei e não em benefício ou prejuízo de
quem quer que seja (não tomam posição de "parte" no processo porque lhes
deve ser indiferente quem beneficia ou é prejudicado com a decisão). A lei
deve proteger esta imparcialidade do juiz (tutela) que deve agir com
indiferença relativamente aos demais sujeitos processuais (imparcialidade).

Os impedimentos são situações ou circunstâncias atinentes à pessoa do juiz


que põem em causa a sua imparcialidade. Assim, se o juiz for direta ou
indiretamente interessado na causa -( por exemplo porque no litigio é
interessado um seu familiar) fica impedido de intervir no processo para
evitar que seja tentado a ser parcial, a beneficiar ou prejudicar uma das
partes. As suspeições são situações ou circunstâncias que podem fazer

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duvidar da imparcialidade do juiz. Assim, por exemplo, se o juiz faz visita
de casa de uma das partes não deve participar no processo, porque se cria a
suspeita de que possa beneficiar a pessoa de quem é visitada.
Enquanto os impedimentos são taxativos na lei - a lei indica quais as
situações em que o juiz fica impedido de exercer a sua função no processo,
as suspeições não são taxativas, tem de ser apreciadas caso a caso para ver
se são ou não motivo de suspeita sobre a eventual imparcialidade do juiz
(Não basta ao juiz ser sério (imparcial) é preciso também parece-lo para
que as partes possam confiar na sua imparcialidade. Outro exemplo: se o
juiz emitiu opinião sobre o assunto, ainda que informalmente, deve ser
considerado suspeito porque já tem ideias feitas antes do julgamento.

REPÚBLICA DA GUINÉ-BISSAU
UNIVERSIDADE COLINAS DE BOÉ
DIREITO PROCESSUAL PENAL (4.º Ano)
Programa (2021/2022)

O Ministério Público

1.1. Função do Ministério Público no Processo Penal

O MP é um órgão importante da administração da justiça, essencial no


processo penal.

O MP representa a comunidade, o Estado, na perseguição penal. Foi um


órgão criado pelo iluminismo para assegurar a imparcialidade do juiz que,
assim, só decide sobre a acusação que lhe é submetida. O juiz não tem a
responsabilidade de perseguir os criminosos, que cabe ao MP, e desse
modo o juiz pode ser imparcial porque só tem de aplicar a lei. No processo
de tipo inquisitório era o juiz que procedia ao inquérito (investigação) e por
isso ficava influenciado para o julgamento. Quis-se que o juiz fosse
imparcial, aplicando apenas a lei e sem preocupação de perseguição dos
criminosos e desse modo o juiz é o principal garante dos direitos do
cidadão. Por outro lado, a existência do MP assegura o contraditório na
audiência e sem contraditório não há verdadeira justiça.

O exercício da acção penal é a principal tarefa do MºPº (artigo 125º nº1, da


CRGB conjugado com o artigo 1º, 3º nº1 alineas a, e, j, da Lei Orgânica do
MºPº Lei nº7/95, de 25 de Julho).Significa que o MºPº tem que promover a

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reparação da legalidade democrática, sempre que ela pareça ou tenha sido
violada.

No âmbito dessa tarefa, compete ao MºPº dirigir a investigação, mesmo


quanto a crimes não públicos, e ainda que realizada por outras entidades
(artigos 47º, 48º e 180º, todos do cpp).

1.2. Estrutura/posição do MºPº

O Ministério Público é uma Magistratura que goza de autonomia orgãnica e


funcional, mas hirarquizado (nº2, do artigo 125º, da CRGB conjugado com
o artigo 2º, nº2, Lei órganica).

O MºPº é autonomo não só em relação aos juízes assim como perante os


demais órgãos de Estado (artigo 2º nº1, da Lei Orgânica).

Para acentuar a sua autonomia, o artigo 5º do Estatuto MºPº (Lei nº8/95)


estabelece que os Magistrados não podem ser transferidos, suspensos,
aposentados ou demitidos nem se quer mudados da sua situação, salvo nos
casos previstos na lei.

Essa ideia está melhor realçada, quando o legislador consagrou a ideia de


que a colocação, transferência ou nomeação, como acção disciplinar
incumbem à Procuradoria –Geral da República (artigo 10º nº1 alinea b, da
Lei Orgânica do MºPº).

1.3. Princípios reitores da atuação do MºPº

No entanto, na sua intervenção penal, deve pautar pela legalidade e


objectividade ( não pode ceder a uma visão subjectiva, no sentido
interesseira, parcial, dos factos e do Direito. Ou seja, na sua intervenção
penal deve representar o sentimento de colectividade e como tal pode pedir
absolvição do suspeito) artigo 52º, do cpp.

Por outro lado, o MºPº é uma Magistratura hierarquizada e presidida pelo


Procurador Geral da República (artigo 11º, da Lei Organica), cuja a
nomeação cabe , nos termos constitucionais, ao Presidente da República
assim se querendo realçar a sua independência face oa governo.

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Subordinados a estes Magistrados, há o Vice-procurador, bem como os
PGAS (artigo 13º, da Lei Orgânica).

Na depedência e subordinação destes, temos Procuradores da República


(artigo 48º, do referido diploma).

Finalmente, temos os Delgados do Procurador da República(artigo 49º, do


mesmo diploma).

Consequência:

Os magistrados de grau inferior deve obidiências aos do grau superior e


como tal têm a obrigação de acatarem as directivas, ordens e instruções
recebidas- artigo 3º nº3, do Estatuto do MºPº, sem prejuízo do artigo 6º. Ou
seja, podem recusar as directivas, ordens e instruções quando estas
consubstânciam ilegalidade ou violação da consciência jurídica.
Podendo,neste caso, o superior hierarquico avocar o processo ou
redistribui-lo a outro colega subordinado. Daqui se infere que a hirarquia
do MºPº é diferente daquela que conhecemos na Cadeira de Direito
Administrativo, pois os Magistrados têm o dever de recusar as ordens
ilegas e também pode recusá-la com base na objecção de consciência. Sem
que isso lhe importem um processo disciplinar.

Qual é o sistema de relacionamento entre MºPº e os orgãos de polícia


criminal?

O nosso legislador (cpp e lei de investigação criminal) adoptou o sistema de


dependência funcional das policias relativamente às autoridades judiciárias,
deixando persistir a depedência organizatória, administrativa e disciplinar,
face ao executivo (47º/2, 48º, 54/2 e 77º, todos do cpp conjugado com o
artigo 5º/2, 6º/1 al. a, da lei de investigação criminal e o artigo 1º nº1, da lei
nº14/2010 de 15 de Novembro – Lei Organica de Polícia Judiciária).

Daqui se infere que, Os OPCS dependem funcionalmente das autoridades


judiciárias, ou seja, só dependem das autoridades judiciárias no que se
refere ao conteúdo dos seus atos praticados em colaboração com as
autoridades.

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É uma relação puramente funcional. O MP não tem competência
hierárquica nem de organização dos opcs. Apenas tem supervisão
relativamente ao conteúdo dos atos processuais delegados nos opcs.

Vantagens:

1ª Distinção nitida de competência entre MºPº e Polícias Criminais.


Aqueles dirigindo e estas realizando tarefas de investigação;

2ª Maximiza os recursos humanos disponíveis, pois integra conceito de


polícia criminal todos os corpos policiais a que cabe auxiliar as autoridades
judiciárias ou pratricar actos de polícia que devam revelar para o processo
penal;

3ª Adequação ao modelo policial unitário constitucionalmente declarado no


artigo 21º, da Constituição.

Consequência:

Policias não podem, por iniciativa própria, abrir inquérito relativamente a


nenhuma denúncia que tenha adquirido.

A intervenção dos Orgãos de Policia Criminal

O artigo 4º e 7º da Lei de investigação Criminal (Decreto Nº8/2011)


definem os órgãos de polícia Criminal. Integram o rol deste universo: A Pj,
Polícia de Ordem Pública, Guarda Nacional e Interpol.

Compete os OPC prevenirem e reprimirem a violação de legalidade


democrática (artigo 6º, als. b, c da lei de investigação criminal conjugado
com o artigo 54º, nº1, do cpp).

1.4.Legitimidade do Ministério Público para a promoção do Processo


(artigo 50º, do cpp). Crimes públicos e semipúblicos. E os crimes
particulares?

Há crimes que a lei diz que o procedimento criminal depende da queixa;


noutros nada declara. Estes, a doutrina denomina por crimes públicos e
aqueles por crimes semi-públicos. É o caso, entre outros, dos artigos 138º,
150, 162º, 197º e 198, que dispões que o procedimento criminal depende de
queixa.

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3
Nos crimes públicos, em regra, o MºPº tem legitimidade para promover o
processo sem limitação: instaura o inquérito, deduz acusação e sustenta-a
na instrução e julgamento, interpõe recursos e promove a execução (nº1, do
artigo 50º, do cpp).

Excepção: há alguns crimes cuja a promoção depende da iniciativa de


outro órgão. Ex: crimes praticados pelo Presidente da República no
exercício das suas funções em que é necessária a deliberação da A.N.P
(artigo 72º, nº 2, da Constituição).

Em contrapartida, nos crimes semi-públicos é necessária o impulso dos


ofendidos ou de outras pessoas para tal legitimidade (artigo 50º, nº2
conjugado com o artigo 177º, nº 3, ambos do cpp).

E os crimes particulares?

Não temos figura de crimes particulares na nossa ordem jurídica e, na


minha modesta opinião, Acho muito bem. O crime ofende sempre
interesses coletivos e só isso justifica a punição. O crime particular é uma
aberração, só justificável por razões pragmáticas, para dificultar o acesso
aos tribunais quanto às bagatelas penais.

No direito comparado, designamente, em Portugal o sistema foi


implementado em 1945 precisamente para evitar processos com bagatelas
(ex: difamações, injúrias, danos negligentes). São crimes que o legislador
entende que não têm repercussão pública, mas essencialmente particular.

Portanto, é uma criação do legislador para dificultar o processamento dos


crimes particulares. Nestes é obrigatória a constituição de assistente e
consequentemente de advogado, o que acarreta custos.

Ao invés, crime semi-público é o crime que na perspectiva do legislador


tem relevância pública, mas admite o perdão e por isso que se exige a
queixa do ofendido.

Conclusão:

Nestes crimes, para que o MºPº possa exercer a acção penal é necessário a
verificação de três pressupostos: 1º) a queixa do titutar do direito; 2º) se
constitua assistente para que o MºPº possa promover o inquérito; 3º) e

2
3
que acuse para que o procedimento possa prosseguir para as fases
posteriores.

Justificação/razões de exigência ou não da queixa e/ou acusação


particular

A razão assenta nas consequências para o próprio ofendido da instauração


do processo crime (ex: atentado ao pudor pelo próprio pai na pessoa de
filha; ser menor o ofendido sem discernimento para por si exercer o direito
de queixa).

Legitimidade do MºPº no caso de concurso de crimes públicos e crimes


semi-públicos.

O MºPº tem legitimidade para promover o processo?

O cpp não regulou essa situação, mas podemos e devemos defender que o
MºPº pode promover imediatamente o procedimento criminal e depois
notificarem as pessoas a que a lei confere direito de queixa para, querendo
em oito dias, se querem ou não exercer esse direito (interpretação
enunciativa do artigo 177º, nº 3, do cpp).

O que sucede se os titulares de direito de queixa remeterem num silêncio


absoluto, isto é, não declararem perdem o direito de a fazê-lo
posteriormente?

Com o Professor Germano Marques Da Silva, somos de parecer que a não


resposta à notificação no prazo indicado não importa a renúncia do direito
de queixa.

Justificação: interpretação sistemática com o artigo 181º, do cpp.

Extinção do direito de queixa e desistência da queixa (artigos 181º e


182º, ambos do cpp).

Quanto ao prazo de extinção do direito de queixa:

1º o prazo de exercício de direito de queixa da do prazo de prescrição


(artigos 87º a 93º, do cp).São prazos autónomos e que correm
paralelamente. São de natureza diferente. Os prazos de extinção da
queixa são prazos de caducidade. Os prazos de caducidade, em regra,
não sofrem suspensões nem interrupções, ao contrário do que sucede
com os prazos de prescrição.

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3
2º o direito de queixa não se transmite para herdeiros, se o de cujus a ela
renunciar antes da morte;

3º sendo vários os titulares de queixa, o prazo contase automaticamente


para cada um deles (nº 2, do artigo 181º, do cpp);

4º Nos termos do nº2, do artigo 85º, do cód. Penal, o prazo para os


sucessores no direito de queixa, inicia-se com a morte ou incapacitação do
primitivo titular desse direito ainda que tivessem conhecimento do crime e
dos seus autores. Justificação: É que só com a morte ou incapacitação os
sucessores têm legitimidade para intervir no processo; antes disso
poderiam ser-lhe inteiramente alheios/indiferentes. Depois da morte há
que apurar quem pode constituir-se assistente e entre os que se podem
constituir decidir qual deles o vai fazer. Se não fosse concedido novo prazo
correr-se-ia o risco do prazo anterior caducar sem tempo para que os
sucessores tomassem a decisão. Suponha que o primitivo titular do direito
morre na véspera do termo do prazo de caducidade. Acha que no dia a
seguir à morte os sucessores estariam em condições de se constituírem
assistentes? E mesmo que estivessem seria razoável exigir-lhes que o
fizessem? O legislador foi generoso no prazo, mas percebe-se pelas razões
expostas e atendendo a que o prazo para a queixa é sempre muito inferior
ao prazo de prescrição.

A desistencia da queixa (artigo 182º, do cpp)

Esses dois institutos não suscitam grandes problemas de interpretação, pelo


que não vamos perder tempo em deburçar sobre eles.

Momento para apresentar a Desistência

É legitimo o ofendido/queixoso pode desistir ou renunciar o exercício do


direito de queixa até a publicação da sentença em 1ª instância, contanto que
não haja oposição do arguido (nº 2, do artigo 182º, do cpp).

Tramitação da desistência da queixa

A autoridade competente para homologar a desistência, notifica o


suspeito/arguido para, em cinco dias, declarar, sem necessidade de
fundamentação, se a ela se opõe. O silêncio equivale a não oposição.Se
opuser à desistência, o processo prossegue como se o crime fosse público
(in fine do nº2, do artigo 182º, do cpp).

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Quem compete homologar a desistência?

O MºPº, durante o inquérito, o juiz de instrução, na fase da impugnação


contraditória, e o presidente do tribunal de julgamento, na fase de
julgamento. Consequência da desistência da queixa

A desistência da queixa faz extinguir o procedimento criminal e impede a


sua renovação (nº 3 e 1, do artigo 182º, do cpp).

Quem tem legitimidade para apresentar desistencia?

A desistência deve ser apresentada pelo seu respetivo titular ou por


mandatário munido de poderes especias (ver cc e cpc).

O suspeito

Direito comparado

A categoria de suspeito em Portugal não tem estatuto processual. Quando o


processo seja dirigido contra pessoa determinada é obrigatório constitui-lo
como arguido (o nosso suspeito) e mantém esta qualidade até à decisão
final com trânsito em julgado. Depois do trânsito em julgado perde a
qualidade de arguido e passa a ser o condenado ou o absolvido (ex-
arguido). É apenas uma questão de designação processual. Com a
constituição de arguido o suspeito passa a ter direitos e deveres processuais,
tal qual como o vosso suspeito.

Caso Guineense

A constituição fala em arguido, mas o cpp ora em suspeito ora em arguido.

Julgo que a divergência entre a Constituição e o Código é apenas


terminológica. O conceito de arguido abrange o suspeito e o réu e a ambos
se refere a Constituição com a referência ao arguido. Arguido é aquele que
é suspeito e ainda não está definitivamente condenado ou absolvido, ainda
está em discussão a sua responsabilidade.

a) A constituição de suspeito

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O suspeito é aquele sobre quem é formalmente constituído como sujeito
processual e relativamente a quem corre processo como eventual
responsável pelo crime que constitui objecto do processo.

A lei prevê três casos em que deve ser constituido suspeito:

1º ocorre inquérito contra determinada pessoa, que é formalmente


constituída sujeito processual (ou seja, investido numa posição de
participação constitutiva da declaração do direito no caso concreto) e que
deve prestar declarações perante o MºPº ou entidade policial (artigo 60º,
nº1 do cpp); e,

2º tenha de ser aplicada medida de coação ou garantia patrimonial (artigo


148º, nº 1, do cpp);

3º for levantado auto de notícia que dê uma pessoa como agente de um


crime e que for comunicado (artigo 178º, do cpp).

4º um suspeito for detido, nos termos e para efeitos previstos nos artigos

A pessoa visada deve ser, através de um despacho, comunicada de que a


partir daquele momento deve considerar-se suspeito num processo penal e
deve ser indicados os direito e deveres previstos nos artigos 61º e 62º cpp,
bem como a identificação do processo e do defensor se este tiver sido
nomeado. Ou seja, a constituição do suspeito opera-se mediante
comunicação (oral ou por escrito) feita ao visado por uma autoridade
judiciária.

A qualidade de suspeito é de extrema importância, na medida em que vai


lhe permiti-lo exercer o direito de defesa assegurados na lei e imposto os
deveres processuais (artigo 62º, do cpp).

Sendo, este sujeito processual, obrigatóriamente interrogada nessa


qualidade, salvo se for inviavel (artigo 60º, nºs 2 e 3, do cpp).

Consequência da omissão dessas formalidades:

A omissão dessa formalidade gera irregularidade processual e como tal tais


declarações não podem ser utilizadas como meio de prova contra o visado
(artigos 105º, nº2 e 110º, ambos do cpp).Essa ineficácia contra o declarante
é a sanção pela ilegalidade cometida pela sua não constituição atempada de
suspeito.

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Condição do declarante ainda não constituído suspeito

As declarações prestadas pelo declarante presta-as na qualidade de


testemunha e por isso fica sujeito as injunções das testemunhas, na
circunstância, o de dizer a verdade, incorrendo no crime de falsidade em
acto processual (artigo 225º, do cp).

Capacidade judiciária do suspeito

1º Gozam de personalidade judiciária, podem ser suspeitos, as pessoas


físicas maiores de dezasseis anos e pessoas coletivas/jurídicas.

Importa esclarecer, porém, que a qualidade de suspeito não se confunde


com com a responsabilidade penal. A susceptibilidade de responsabilidade
tem natureza substantiva, enquanto a personalidade judiciária, a
susceptibilidade de ser suspeito, tem natureza processual e representa a
susceptibilidade de ser titular de direitos e deveres processuais, na
circunstância para se defender da imputação que lhe é feita.

2º a qualidade de suspeito é também excluída relativamente àquelas pessoas


que não estão sujeitas à jurisdição guineense em virtude de imunidade
substantiva ou só processual. Os processos instaurados contra eles são
juridicamente inexistentes.

A falta do suspeito no processo, resultante da insuscetibilidade de o ser,


gera a inexistência jurídica dos actos posteriores que lhe respeitam.

Efeitos processuais da falta de personalidade judiciária

A insusceptibilidade de imputação do facto objecto do processo, resultante


de insusceptibilidade de ser suspeito, determina o arquivamento ou
despacho de não pronúncia, no inquérito e na impugnação contraditória, e
absolvição, na fase de julgamento.

Finalmente, é necessário também capacidade judiciária (artigo 9º, do cpc).


Por conseguinte, se o suspeito carecer de capacidade, isto é, de participar
pessoalmente no processo, este deveria, logicamente, ser suspenso.Pois ele
não estará em condições de organizar a sua defesa em conformidade com os
seus interesses.

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A capacidade judiciária das pessoas coletiva aplica-se mutatis mutandiso
disposto no artigo 21º, nº1, do cpc. Portanto, valem aqui os ensinamentos
do processo civil.

Indícios:

Quando a lei se refere a indícios quer significar provas: aparência de prova;


prova bastante; prova consistente...

O CPP se refere a «indícios suficientes» para acusar, querendo referir-se a


provas que provavelmente sustentarão a acusação em julgamento. Mas para
a prisão preventiva a lei fala em «fortes indícios», o que significa que é
mais exigente do que para a formulação da acusação. Para aplicar a prisão
preventiva o juiz não deve bastar-se com uma mera aparência, antes deve
exigir prova segura, ainda que não completa.

Direitos e Deveres do suspeito

Os direitos e deveres do suspeito vêm descritos nos artigos 61º e 62º, ambos
do cpp. O legislador quis sublinhar o papel interventor do suspeito.

Importa referir que essa enumeração (isto é, de direitos e deveres) não é


taxativa. Exemplos de outros direito:

o suspeito durante inquérito, mediante requerimento, pode pedir consulta


dos autos e os elementos constantes no referido processo ou ainda pedir
extracto de certidão dos mesmos;

O suspeito não deve contribuir para a sua incriminação


(princípio de nemo tenetur se ipsum accusare);
o direito de estar livre, durante interrogatório, mesmo esteja detido o preso
(artigo 63º nº1 1ª parte do cpp); Outros deveres:

Dever de sujeitar-se às medidas de coacção de garntia patrimonial previstas


na lei.

Direito comparado

Em Portugal, já foi eliminado o dever de suspeito mencionar os seus


antecedentes criminais.

Essa solução pode ser transportada para a nossa ordem jurídica?

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Quanto ao art. 62º. O sistema Português abandonou o dever de indicação
dos antecedentes criminais por se considerar que tal não era necessário por
constar do registo criminal, obrigatoriamente junto ao processo.

Quanto à classificação dos indícios. Tendo em conta o princípio da livre


convicção do julgador na apreciação da prova, não me parece que se possa
proceder a alguna classificação com utilidade. A única coisa que se pode
dizer é que a prova por indícios e uma prova perigosa, mas necessária.
Exige especial cuidado do julgador e que um só indício é quase sempre
insuficiente para a condenação.

Regras relativas ao interrogatório do suspeito detido

Compete ao MºPº presidir primeiro interrogatório do suspeito detido


(artigos 48º al. c e 64º nº1, do cpp), salvo se tratar de interrogatório para
aplicação de prisão preventiva,nesse caso, será o J.I.C (artigo 40º nº1, da
CRGB).

Quem assiste: artigo 64º nº3, do cpp.Neste estágio, não há publicidade


(artigo 78º, nº1, do cpp).

Finalmente, o artigo 63º nº3, estabelece como se efectua o primeiro


interrogatório.

Qualidade de réu

Assume a qualidade de réu todo aquele contra quem for proferida decisão
final condenatória, após o trânsito em julgado (cfr. n.º 1 do art. 65.º).

O réu goza dos mesmos direitos e está sujeito aos mesmos deveres do
suspeito, salvo no que for incompatível com o facto de ter sido condenado
definitivamente (cfr. n.º 1 do art. 63.º).

O defensor

A consagração constitucional de que o «processo penal assegurará todas as


garantias de defesa» - artigo 42º/1 - leva à assistência obrigatória do
defensor em dados casos e fases, cuja a delimitação deixa ao legislador
ordinário – artigo 42º nº3, da CRGB.

Razões de intervenção do defensor:

É um servidor de justiça e de Direito.

2
3
O suspeito tem direito não só de ser assistido, tecnicamente, pelo defensor
assim como à sua escolha. Isto é assim, porque o suspeito não é objeto de
um acto de Estado,mas sim um sujeito de processo com direito de organizar
a sua própria defesa (artigo 72º e 73º, ambos do cpp).

Assistência obrigatória: artigo 72º, do cpp.

Deveres do defensor: artigo 76º, do cpp. A preterição dessa formalidade


gera a nulidade insanável do interrogatório (artigo 106º, nº1, al. c, do cpp).

Assistente

Na legislação portuguesa a vítima também não é sujeito processual


enquanto não se constituir assistente. Com a última alteração do CPP
português em que se atribuiram poderes processuais à vítima é possível
considerar que a vítima é agora sujeito processual. Sou crítico quanto à
vítima ser sujeito processual sem se constituir assistente.

Discordo da constituição da vítima como sujeito processual por duas


razões:

1ª porque na grande maioria dos casos é suficiente o estatuto do assistente;

2º porque a intervenção da vítima desacompanhada de advogado


(necessário no assistente) vai dificultar a marcha e normalidade do
processo, apelando ao populismo (vamos ter o MP e o juiz preocupados
com o coitadinho...).

Legitimidade para constituir-se assistente: artigo 66º, do cpp.

Poderes do assistente

A intervenção processual do assistente é subordinada e auxiliar da do


Ministério Público (cfr. n.º 1 do art. 68.º). Mas são tantos os poderes que a
lei confere ao assistente que acaba sendo inadequado caracteriza-lo como
um simples colaborador do MP(cfr. al. b) do n.º 2 do art. 68.º).Em última
análise o assistente é um verdadeiro sujeito processual, pois tem poderes
próprios de conformação do processo penal como um todo.

Nota: a intervenção do assistente é uma boa solução democrática, de


participação do povo soberano na realização da justiça. No caso de o
assistente poder acusar independentemente do MP o fazer, ou por factos
diversos, é uma forma de fiscalização do Ministério Público pelo povo

2
3
(interessado: assistente). Não obstante a Constituição nada dizer sobre o
assunto, o princípio democrático consente-o.

Representação judiciária

O assistente é sempre representado por advogado (se forem vários os


assistentes a representação é feita por um só advogado que competirá ao
Ministério Público ou ao juiz, respectivamente, escolher se houver
desacordo entre os assistentes quanto à escolha) (cfr. art. 69.º)).

As partes Civis

O lesado

O ofendido pelo crime é quem sofreu a violação do interesse que o crime


especialmente quis proteger. Ex. Nas ofensas corporais o ofendido é a
vítima das ofensas. O lesado é aquele que sofreu danos com o crime,
materiais ou morais, que possam ser indemnizados. Mais frequentemente o
ofendido confunde-se com o lesado, mas não necessariamente. Assim, no
homicídio, o ofendido é a vítima, o lesado ou lesados são os que sofrem
danos materiais ou morais com a morte do ofendido (em regra os
familiares).
O ofendido é um conceito penal; lesado é um conceito civil. O ofendido
é o titular do interesse especialmente protegido pelo crime. No
homicidio o ofendido é a vítima; o lesado é quem tem direito à
indemnização civil pela morte do ofendido.

O pedido de indemnização civil no processo penal.

O princípio de adesão: artigo 70º a 71º, ambos do cpp

Da prática do crime podem resultar danos indemnizáveis. É este pedido de


indemnização que pode ser formulado no processo crime. Chama-se a isto
processo de adesão. O pedido cível deveria, em princípio, ser deduzido em
processo autónomo perante o tribunal competente para o pedido de
indemnização, mas por razões de economia processual admite-se (e impõe-
se em certos casos) que seja deduzido no próprio processo penal, ou seja,
que seja feito por adesão ao processo penal.

Pode suceder que o responsável civil não seja o réu no processo crime (ex.
responsabilidade da seguradora), Neste caso, o pedido civil deve ser

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formulado contra a seguradora. A seguradora só pode intervir no processo
desde que representada por advogado o qual terá poderes idênticos aos do
defensor para patrocinar a seguradora (artigo 71º, do cpp).

Pode haver muitos casos em que o responsável civil não coincida com o
responsável penal. Ex. nas pessoas coletivas. Pode suceder que a pessoa
coletiva não seja responsável penal, mas o seja civilmente. Sucede isso, em
geral, nos casos de atuação em nome de outrem.

Razões: princípio de economia processual associada a simplicidade e


rapidez do processo penal.

O lesado é representado no pedido de indemnização civil por um advogado


(artigo 71º, do cpp).

A intervenção processual do lesado deve restringir-se à sustentação e à


prova o pedido civil, competindo-lhes, correspondentemente, os direitos
que a lei confere aos assistentes.

REPÚBLICA DA GUINÉ-BISSAU
UNIVERSIDADE COLINAS DE BOÉ
DIREITO PROCESSUAL PENAL (4.º Ano)
Programa
(2021/2022)

Do objecto do Processo

No essencial não há diferenças entre o objeto do processo penal e do


processo civil, mas depende de modo como os respetivos ramos de direito
configuram o ‘’pedido’’ feito ao tribunal . No processo civil a causa de
pedir, que resulta também de factos, pode ser mais ou menos ampla. No
processo penal a causa que poderá levar à satisfação do pedido do acusador
tem de ser muito concretizada em factos concretos, alegadamente
praticados ou omitidos pelos acusados, e que são tipificados (os
constitutivos da responsabilidade) na lei. É este o aspeto mais relevante: os
factos que constituem o objeto do processo em processo penal são
tipificados na lei e não é assim necessáriamente no processo civil. O maior
rigor na definição do objeto do processo em processo penal tem que ver

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com a natureza das sanções. Mais graves no penal, logo maior rigor na
acusação para que a defesa possa ser plena.

1.Os princípios da definição e conhecimento do objeto do processo:


princípio da identidade e da unidade.

1.1. Princípio da Identidade: significa simplesmente que o objeto do


processo se tem de manter o mesmo desde a acusação até a decisão final.
Não pode ser alterado no decurso decurso do julgamento, salvo
relativamente a factos acessórios que não são constitutivos do crime. Isto só
é válido no processo de estrutura acusatória. O suspeito/arguido acusado de
ofensas corporais, não pode ser pronunciado ou condenado por homicídio
ou tentativa de homicídio porque neste caso os factos, o objeto da acusção
e da decisão não são idênticos, são diferentes.

1.2. Princípio da unidade: quer significar que o objeto do processo é só


um pedaço de vida e que é esse pedaço de vida que há-de ser
apreciado. O facto de o acusado ter dado duas facadas não significa
que cada facada vá ser apreciada separadamente porque ambas
constituem uma unidade (um pedaço de vida) para o Direito Penal.
Unidade é sempre referida ao tipo legal. Isto não significa que no
mesmo processo, atentas as regras da conexão, não possam ser
julgados vários crimes (vários pedaços de vida), significa que a
conduta a apreciar há de ter por referência a norma incriminadora na
sua totalidade, na sua unidade.

2. Alteração de factos

Alteração do objecto do processo.

Depois de fixado o objecto do processo, ainda assim pode ocorrer


variações dos factos descritos na acusação. Se houver alteração dos
factos, podemos estar perante uma alteração substancial ou não, por
um lado.

Por outra banda, alteração dos factos pode consubstanciar a uma


alteração da qualificação jurídica. Mas a inversa não é verdadeira, ou
seja: a alteração da qualificação jurídica não implica uma alteração
substancial de factos.

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i. Alteração substancial e alteração não substancial do objecto do
processo.
A qualificação de uma alteração de factos como substancial só ocorre
quando se identifica uma possível quebra da identidade do objecto do
processo, traduzida numa alteração de factos. O nosso legislador elege
dois critérios consubstanciadores de alteração substancial dos factos
(artigo 210º nº4 e 249º nº5, ambos do cpp):
a) Critério qualitativo: crime diverso;
b) Critério quantitativo: pena máxima mais elevada.
3. Fixação do objeto do processo

O objecto do processo fixa-se definitivamente com a acusação seja do


Ministério Público ou do assistente (artigos 204º, nº1, 204-A, nº1, ambos
do cpp revisto). A partir desse momento passa a vigorar o princípio da
vinculação temática.

Em razão desse princípio, o juiz de instrução ou juiz julgador não podem


pisar fora do círculo traçado pela acusação sob pena de nulidade ou da
inexistência das suas decisões, respectivamente (artigos 212º e 260º, nº1, b ,
do cpp revisto).

4. Regime da Alteração substancial de factos (artigos 210º e 249º ,


ambos do cpp revisto)
4.1. Alteração substancial e alteração não substancial do objeto do
processo

Estamos perante alteração não substâncial dos factos quando a variação dos
factos não implicar, nem a incompetência do juiz, nem a imputação ao
suspeito de um crime diverso ou a agravação dos limites máximos da
sanção aplicável, ou se resultar, apenas, a alteração da qualificação jurídica.
Nesse caso, deve o juiz comunicar a alteração ao defensor e conceder-lhe
prazo não superior a 5 dias para reelaborar a defesa, com consequente
adiamento do debate instrutório, se necessário.

Exemplo: A chamou a B filho da ladra e na instrução comprova-se que lhe


chamou também corrupto).Também podem ser tidos em conta na
pronúncia, desde que sejam previamente comunicados ao defensor do
suspeito para que requeira, querendo, prova sobre esses novos factos. Em
contrapartida, estamos perante alteração substancial dos factos quando a

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alteração ou variação da descrição dos mesmos factos implicar a imputação
de um crime diverso (significa outro facto histórico diferente do acusado,
ou seja o crime não será materialmente diverso desde que o bem jurídico
tutelado seja essencialmente o mesmo) ou a agravação do limite máximo
da sanção aplicável. Nesse caso, o juiz não pode tomar conhecimento do
novo facto.

A alteração substancial de factos pode verificar-se, em termos amplos, em


duas situações:

a) Factos não autonomizáveis (nº 5 à contrariu sensu, do cpp).


Se o novo facto não for autónomo com relação ao do objeto do
processo em curso, mas que representa uma agravação do limite
máximo da sanção, o juiz não pode inclui-lo na decisão.
Ex: a acusação é por crime de furto. Descobre-se na audiência de
debate instrutório que o furto foi com violência (roubo). A violência
não é autonomizáveis e por isso não pode ser conhecida nem dar
origem a novo processo (não é autonomizáveis porque o furto com
violência é roubo, crime complexo mas unitário). Esta alteração não
pode ser considerada no processo em curso nem dá lugar à abertura
de outro.O acusado ser apenas pronunciado por crime de furto.

Não pode conhecer porque implicaria alteração da acusação. O


processo deixaria de ser acusatório para ser inquisitório porque o juiz
alteraria a acusação no caso de alteração por facto não autonomizável
o MP formulasse nova acusação, mas isso poderia frustar os direitos
de defesa. O suspeito teria preparado a sua defesa perante uma dada
acusação e seria surpreendido no decurso da instrução ou do
julgamento com a sua modificação, prejudicando eventualmente a
defesa que tinha sido preparada. O MP deve ser eficiente e se não o
for sibi imputet. O que não é correto num sistema democrático é que
as deficiência da investigação prejudiquem o suspeito.
O que acontece com o novo facto? Não se considera. É como se não
existisse. Se o MP tivesse feito bem o seu trabalho não teria acusado
deficientemente. Tudo se passa como se não existisse para não
frustrar a defesa do acusado.

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b) Factos autonomizáveis (nº 5, do artº 210º, do cpp revisto)

Ao invés, se esse facto constituir crime autónomo, o juiz deve


pronunciar por facto objeto de acusação e comunicar o novo facto ao
MP. No caso deste crime autónomo ser dependente de queixa (crime
semipúblico) não deve ser comunicado, porque a perseguição
criminal depende da queixa do ofendido.

Ex: o suspeito vem acusado de uma ofensa corporais e na instrução


descobre-se que ele praticou também uma burla ou uma difamação.
Os novos factos são inteiramente autónomos do primeiro (ofensas
corporais) e por isso pode ser objeto de um processo. Comunica-se
os novos factos ao MºPº para instaurar novo processo pelos factos
novos (crime de burla ou de difamação).

Alteração da qualificação jurídica (nº6, artº 210º)

A acusação descreve factos constitutivos apenas do furto e qualifica-


os como sendo roubo. O tribunal não está vinculado à qualificação
dada pela acusação, mas para proceder à alteração da qualificação
tem primeiro de notificar o defensor do acusado. A lei só fala em
defensor do acusado, mas deve entender-se que também o assistente
e o MP devem ser notificados.

REPÚBLICA DA GUINÉ-BISSAU
UNIVERSIDADE COLINAS DE BOÉ
DIREITO PROCESSUAL PENAL (4.º Ano)
Programa (2021/2022)

Conceito e finalidades de acto processual


O conceito de acto processual é conceito da teoria geral do processo. O
conceito é o mesmo no civil e no penal: é o acto que tem finalidade e
efeitos processuais.
O acto processual (enquanto espécie do género do acto jurídico) é,
portanto, toda conduta dos sujeitos ou participantes do processo que tenha
por efeito a criação, modificação ou extinção de situações jurídicas
processuais”. Exemplo: denúncia ou exercício de uma queixa, dedução do
pedido de indemnização civil em separado do processo criminal,
interrogatório do suspeito, uma sentença, etc.

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Grosso modo, pode-se dizer que os atos processuais são aqueles atos
praticados pelos sujeitos ou participantes do processo que, de uma forma ou
de outra, dão andamento ao processo, ou seja, auxiliam para a consecução
de uma prestação jurisdicional eficiente.
Os prazos ordenadores dos actos processuais

Prazos ordenadores são aqueles cuja violação não acarreta qualquer sanção.

O prazo ordenador visa disciplinar a actuação dos sujeitos processuais


públicos (juiz e MP) ,mas a sua violação não tem efeitos processuais. Pode
ter efeitos disciplinares mas não processuais. Assim: o prazo para a
realização do inquérito. Se este prazo não for respeitado pode
eventualmente dar origem a responsabilidade disciplinar do MP mas não
determina o arquivamento do inquérito. O prazo para o juiz proferir
sentença (se estiver estabelecido) ou para proferir a decisão instrutória. Se
não forem respeitados pode dar lugar a responsabilidade disciplinar mas
não impede que seja prferida a sentença ou a decisão instrutória, ainda que
para além do prazo estabelecido. Todos estes prazos são meramente
ordenadores. O acto pode ser praticado para além do prazo sem quaisquer
consequências.

Já, por exemplo, o prazo para recorrer. Se o MP ou o suspeito não


respeitarem o prazo para interpor recurso não o podem fazer depois de
esgotado o prazo. Este prazo é peremptório. Esgotado já o acto não pode
ser praticado.

O segredo de justiça e a dinâmica do processo penal Do segredo de

justiça em geral

Segredo é algo que é secreto, algo que não se deve dizer ou ser do
conhecimento de outro.

Também significa não divulgar o que se conhece e manter o processo fora


do alcance de pessoas estranhas à investigação.
De acordo com o artigo 78º, nº1, do cpp, o processo penal é secreto no
inquérito, sendo público a partir da acusação definitiva. A regra é a de o
processo ser secreto nas fases preliminares.

A instrução/impugnação contraditória e a própria audiência instrutória são,


portanto, em regra secreta; ou seja, o inquérito e toda a instrução estão

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cobertas pelo regime do segredo de justiça, enquanto que a fase de
julgamento está sujeita ao regime da publicidade
A justificação do segredo de justiça é hoje quase só a necessidade da
investigação criminal. Há processos que necessitam ser investigados em
segredo para que a investigação seja eficaz (p.ex. escutas telefónicas,
buscas). Se os suspeitos tiverem conhecimento de diligências de
investigação poderão fazer desaparecer a prova ou dificultar a sua
apreensão.

Noutros tempos invocava-se também como justificação do segredo a


proteção da honra do suspeito e nessa altura também a instrução era coberta
pelo segredo. O segredo deve ser limitado ao que for absolutamente
necessário à eficácia da investigação porque a justiça quer-se transparente.

Importa, no entanto, enfatizar que o segredo de justiça não obsta a


prestação de esclarecimento. Ponto é que não sirva pretexto para acções de
propaganda. Ex. Pode surgir necessidade de autoridade judiciária esclarecer
publicamenteque contra determinada pessoa não corre qualquer processo
ou processo com determinado objecto, ou ainda para tranquilizar a
população sobre a eficácia das autoridades.

Quem está vinculado ao segredo de justiça?

O nº1, do artigo 80º, enuncia o rol das pessoas cobertos pelo segredo de
justiça.

Por sua vez, o nº2, do arto 80º, do cpp fala nas implicações do segredo de
justiça.

Uma das noções de segredo de justiça diz que é a regra segundo a qual, aos
sujeitos processuais não interessados ou a terceiros, é legalmente proibido
conhecer o conteúdo dos actos e diligências praticadas no processo (nº2, do
artigo 80º, do cpp). Publicidade do processo e suas implicações
O nº2 do artigo 78º, por seu turno, dispõe sobre o conteúdo da publicidade,
nomeadamente assistência, pelo público e comunicação social, à realização
dos actos processuais; a narração dos actos processuais, ou reprodução dos
seus termos, pelos meios de comunicação social; consulta e obtenção de
cópias, extractos e certidões de quaisquer partes dele.

Limites da publicidade: artigo 79º, nº1, do cpp

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Razões da dignidade das pessoas, a moral pública ou ao normal decurso do
acto. Ex: crime sexual, etc.

Interesses da Investigação e a presunção da inocência do suspeito


A presunção de inocência é um estatuto que se concede aos presumidos
culpados. Significa, sobretudo, que devem ser assegurados ao suspeito
todos os meios de defesa para que possa efectivamente defender-se. É que
pode suceder que o suspeito seja mesmo inocente (e acontece muitas vezes)
e seria intolerável que tivesse sido tratado como um criminoso. Só se
presume inocente quem antes é presumido culpado e por isso investigado,
sujeito ao processo. Presume-se inocente de quê? Do crime de que é
suspeito!

A presunção de inocência constitui um limite aos investigadores (policias)


e aos magistrados. Enquanto o suspeito não for julgado culpado e
condenado deve ser tratado como possível inocente.

A presunção de inocência tem limites por necessidades processuais e daí


que o suspeito, embora presumido inocente, fique submetido a uma série de
deveres processuais, nomeadamente fique sujeito a medidas de coacção.
Parece uma contradição, mas não é. O suspeito não deixa de ser presumido
culpado e por isso sujeito ao processo, mas deve ser-lhe garantida a mais
ampla defesa porque pode ser inocente (presunção de inocência).

Não se trata verdadeiramente de uma presunção em sentido técnico. Trata-


se de um estatuto processual que se impõe a todos para que o suspeito se
possa defender.
Antes da Revolução francesa todo o suspeito se presumia culpado e podia
ser submetido a tortura para lhe extorquir a confissão. Ainda antes de
condenado era já tratado como culpado e sujeito a medidas frequentemente
atrozes. Se mais tarde viesse a ser reconhecido inocente, paciência; dizia-se
que era o preço da justiça. Os Iluministas bateram-se pela ampla defesa
para tentar evitar que algum inocente fosse condenado. Sendo tratado como
possível inocente se viesse a ser declarado inocente no fim do processo o
sofrimento que tivesse sofrido era mais desculpável.

Trata-se de uma medida civilizacional. O suspeito não perde a sua


dignidade e pode ser inocente. Por isso, deve ser tratado como tal até à
condenação. Há por aí (direito penal do inimigo) uma certa tendência para
afastar a presunção de inocência relativamente à suspeita de crimes graves
(ex. terrorismo, corrupção, branqueamento, etc).É um retrocesso

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civilizacional, retrocede-se ao ancien regime, ao período de antes do
Iluminismo (Revilução francesa).

Quando se praticam os actos (artigos 82 a 84, do cpp)


Os actos processuais praticam-se nos dias úteis, às horas de expediente dos
serviços e fora do período de férias judiciais (nº1, do artigo 82º, do cpp).
A excepção do n.° 2 não significa, evidentemente, que os actos enumerados
nas suas alíneas se não podem praticar-se nos dias úteis, às horas de
expediente e fora do pedido de férias judiciais, mas antes que se podem e
devem praticar (trata-se de um poder vinculativo) em qualquer momento,
sem tais limitações, desde que isso seja indispensável para a realização dos
fins visados pela lei, v . g para a garantia da liberdade das pessoas.

De notar porém que durante o período de férias judiciais correm os prazos


relativos a arguidos detidos ou presos e indispensáveis à garantia da
liberdade das pessoas, pelo que, por exemplo, corre durante esse período o
prazo de interposição de recurso por parte de arguido nessas condições,
bem como para apresentação de motivação dos respectivos recursos .
Finalmente, a 2ª parte do nº3, contém uma regra de proteção ao suspeito em
razão de cansaço e ou de sono , proibindo a realização de interrogatório
entre as zero e as seis horas. A excepção de 1ª parte funda-se em benefício
do suspeito. Lingua dos actos e nomeação do intérprete

Em regra, quer nos actos orais assim como nos actos escritos, usa-se língua
portuguesa (nº1, do artigo 86º, do cpp). Essa regra comporta de excepção,
quando haja de ser ouvida pessoa que não conheça ou não domine língua
Portuguesa, usa-se língua ou dialecto que domine. Em ambos os casos, é-
lhe nomeado intérprete (nº2, do artigo 86º, do cpp).

Também são nomeados intérpretes, o surdo, mudo ou surdo-mudo (artigo


87º, nº1, do cpp). Os intérpretes prestam juramento (nº2, do referido artigo
e diploma).

Forma escrita dos actos: o artigo 88º , do cpp prescreve os actos que
devem revestir a forma escrita.

Oralidade dos actos: significa que, em regra, as declarações são prestadas


oralmente, não podendo o declarante produzi-las por escrito nem ler
documentos escritos previamente elaborados para o efeito de servirem
como declarações (artigo 89º nº1, do cpp). As declarações prestadas
oralmente serão porém consignadas em auto sempre que a lei o exigir. Esta

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regra, destina-se a garantir a imediação da prova e a espontaneidade das
declarações,estando também de algum modo relacionada com a regra da
livre apreciação da prova,formulada no art . 117, do cpp .
Noção, redacção e autenticidade do auto: artigos 90º, 91 e 92, todos do
cpp.
Comunicação dos actos processuais
Como é que se efectua comunicação entre os serviços de justiça e entre as
autoridades judiciárias e os órgãos de polícia criminal?
Ocorre mediante mandado, carta (precatória ou rogatória) – artigo 97º, do
CPP.

Notificações (artigos 95 e 96, ambos do cpp).

É uma forma de comunicação, que é utilizada não entre os serviço de


justiça. Mas sim para convocar outros sujeitos ou participantes processuais.

Requisitos e efeitos de notificações: artigo 96 e 98º, ambos do cpp.

Nulidades dos actos Processuais (artigos 105 a 111, do cpp).


Consagra-se no nº1 do artigo 105º, o princípio da legalidade no domínio
das nulidades dos actos processuais . Assim, para que algum acto
processual relativamente ao qual tenha havido violação ou inobservância
das disposições legais do processo penal padeça do vício da nulidade é
necessário que a lei o diga expressamente; de outro modo o acto viciado
sofrerá do vício menor da irregularidade, submetido ao regime do art 110°,
mas não será nulo.
As nulidades podem ser sanáveis e insanáveis. Estas -as nulidades
insanaveis -, são taxativas . Estão enumeradas no art . 106°, acrescendo-
lhes as que assim são cominadas em outras disposições legais. Desde que
não cominadas como insanáveis, as nulidades consagradas na lei serão
sanáveis, segundo o regime dos arts . 107.° e 108 º, do cpp.

Por conseguinte, quando a lei comina a existência de uma nulidade, esta só


será insanável se a lei assim o determinar; perante o silêncio da lei quanto à
natureza da nulidade, esta considera-se sanável. Irregularidades: nº2, do
artigo 105º, do cpp.

Trata-se de uma categoria atípica e generica. Nela cabem quaisquer vícios


de que enfermem os actos processuais, e que a lei não taxe de nulidade.

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Pelo que não funciona o princípio da tipicidade/legalidade declarada no
nº1, do artigo 105º, do cpp.
É uma espécie de invalidade menos grave e, por isso, fácil de saná-lo

Conhecimento e arguição das nulidades e da Irregularidades:

As nulidades e irregularidades verificadas durante o inquérito ou ainstrução


são arguidas perante o juiz, nos termos e no prazo do artºs 108º nº1 e 111º
nº1, ambos do cpp . Há um momento em que as nulidades ficam sanadas.
No caso das nulidades insanáveis (ou de conhecimento oficioso) se não
forem conhecidas até ao trânsito em julgado da sentença, não se fala mais
nisso: em homenagem à segurança jurídica, ficam sanadas.

Isso as distingue da inexistência que é vício mais grave e raro. Estas não se
sanam porque tornam a decisão inexistente. O acto inexistente não carece
de ser anulado, pois não tem virtualidade para produzir efeitos jurídicos
nem pode originar caso julgado Ex. A falta do número legal de juízes
constitui nulidade insanável, mas se não houver juiz porque a decisão foi
tomada por um funcionário a decisão é inexistente.

Efeitos da declaração de nulidades ou


irregularidade: artigo 111º, n2, do cpp

A inexistência

É um vício grave e raro; fruto de labor doutrinária e jurisprudencial.

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