Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
O Direito Penal trata das penas mas a realidade é que este nome não é
completamente correto porque para além das penas também trata das medidas de
segurança, e há aqui de facto uma diferença muito importante:
PENAS -> reações criminais que se impõem a pessoas que atuam com culpa, o crime é
um facto culposo e ilícito;
Também não é uma designação totalmente correta porque para que haja um
crime é preciso que haja um facto ilícito culposo, mas o direito penal também se dedica
aos factos dos inimputáveis e portanto também pode aplicar medidas de segurança sem
culpa, portanto falar de direito criminal também seria incompleta, falta-lhe um
elemento essencial que é a culpa.
O Tribunal europeu dos direitos do homem é uma instância jurisdicional que tem
como função apreciar as queixas dos cidadãos relativamente aos estados por violação
dos seus direitos humanos, dedica-se por fiscalizar e por vezes condena os estados por
Tem uma parte substantiva material e uma parte adjetiva processual, para além
disso ainda existe o direito penal executivo, que é o direito da execução das reações
criminais onde tem importância o direito penitenciário, é claro que o direito penal
material e o processual penal são disciplinas diferentes.
Em nenhum outro caso existe uma relação tão estreita entre a parte material e
processual (substantivo e adjetivo) porque o direito penal só vive dentro do processo
penal, necessita do processo, isso é uma diferença muito grande de todos os outros
ordenamentos jurídicos, por exemplo o direito civil está presente em tudo o que nos
rodeia, mesmo se passa com o direito administrativo.
A parte geral está contida no Código Penal entre os artigos 1º e 130º qual é o
significado? Nem todos países tem uma criação de um sistema, qual é o fim? É composta
por 2/3 subpartes:
1º- Primeiros artigos e diz respeito aos fundamentos gerais, funções,
princípios, limites, fontes, âmbito de vigência temporal e espacial do
direito penal, todos estes temas introdutórios relativos a lei penal,
fundamentos e princípios gerais de atribuição do direito penal;
2º- Construção do facto punível ou doutrina geral do crime, isto é, quais são
as características que um certo facto tem para ser juridicamente
qualificado como crime, é o objetivo da doutrina geral do crime, e isso é
um esforço formidável de abstração, resulta de um método dedutivo, do
particular para o geral, o que existe em cada crime concreto que são
constante, o que é comum entre os crimes? Na sua expressão
fenomenológica são factos completamente diferentes, e todavia, a
ambição da doutrina geral do crime é mostrar que em todos esses factos
existem constantes, elementos comuns, o que tem de haver em cada um
para que possamos dizer que estamos perante um crime em sentido
jurídico. Esta é a ambição da doutrina geral, vamos estudar os elementos
que nos permitem perceber quando estamos perante um facto típico,
ilícito, culposo e punível. Elementos característicos constantes em todos
os crimes: TIPICIDADE, ILICITUDE, CULPA E PUNIBILIDADE.
3º- A ultima subparte é a que se encontra nos artigos 41º e 130º e relativa às
reações criminais.
Sobra-nos o artigo 40º que funciona como uma ligação entre a construção do
facto e as reações criminais, porque é este que na perspetiva do curso que ilumina o que
está para trás e o que está a diante, é a ligação.
Não vamos estudar a parte especial, vamos recorrer a ela, é uma descrição dos
crimes em especial, são os elementos específicos de cada crime, enquanto que a parte
geral é uma súmula de todos os elementos comuns , parte geral evita que se estudasse
crime por crime em cada situação específica, o que o legislador fez foi o esforço de
abstração, de criar as regras do sistema.
1º Perfil – trazido pelo direito internacional público que trouxe para os Estados
obrigações de punir e obrigações de não punir, os estados estão sujeitos ao dever de
punir e de não punir certas condutas. Os deveres de punir decorrem de convenções
internacionais aplicadas à regulação de certas formas de criminalidade (por exemplo: a
convenção da ONU sobre a corrupção), são convenções onde os estados se obrigam a
punir certos comportamentos, nesse aspeto o direito penal tem uma dimensão
internacional, não está apenas sujeito ao abrigo do direito nacional porque existe um
problema comum, um interesse comum na resolução desses crimes, os estados unem-
se no sentido de criar convenções entre si.
Por outro lado a partir do fim da 2º guerra mundial também ficou claro que os
estados tem certos direitos de punir que derivam do direito costumeiro, como o
genocídio, crimes contra a humanidade, crimes de guerra, escravatura, etc., não é
preciso que o estado se comprometa a punir esses crimes, daqui decorre uma
impretensão importante do direito internacional sobre o direito penal, todos somos
destinatários dos deveres destas normas impostas pelo direito costumeiro, o direito
internacional sobrepõe se e torna-nos a todos destinatários desses deveres.
Quando se trata destas normas de direito internacional, elas são aplicadas não
só pelos tribunais internacionais mas também pelos nacionais, dependendo do estado
em causa permitir a sua aplicação direta, em Portugal é possível art. 8º e 29º/2 CRP
percebemos que o estado português pode aplicar diretamente normas de direito
internacional costumeiras, já o nº5 trata das convenções. O direito internacional traz
obrigações de punir e de não punir porque existem vários instrumentos internacionais
que garantem certos direitos as pessoas, por exemplo: liberdade de expressão, estado
está obrigado a não punir alguém por exercer o direito como liberdade garantida.
Direito penal é visto como um direito interno mas temos 2 perfis transnacionais
que se acentuaram. Hoje constitui se como um direito autónomo, direito internacional
penal.
2º Perfil – é nos dado pela integração europeia, porque a pertença à união europeia
também traz para os estados obrigações de punir e de não punir.
As obrigações de não punir são anteriores, chamam-se efeito negativo ou
incidência negativa do direito europeu sobre o sistema penal dos estados. O efeito
negativo não tem um sentido valorativo, por ser mau, mas sim porque nega a norma
penal interna, afasta-a. Como sabemos o direito comunitário tem uma característica
muito marcante que foi a criação de direitos e liberdades económicas para as pessoas,
Há duas maneiras de ver as coisas: de uma maneira mais antiga, haveria uma
categoria de ilicitude comum ao ordenamento jurídico, seria una, o facto seria ilícito ou
licito em todo o ordenamento jurídico, não haveria distinção entre direito
administrativo, direito penal, ou é licito ou ilícito, ou é antijurídico ou é conforme com
o direito e depois o direito penal surgia como mera sanção dessa ilicitude, não teria
qualquer autonomia, limitar-se-ia a sancionar condutas consideradas ilícitas de outros
ramos, seria apenas um ramo de direito acessório.
Hoje não é esta a visão das coisas que vigoram porque quando o direito penal
sanciona certos comportamentos há uma seleção desses comportamentos, essa seleção
não é feita ao acaso, nem de acordo com critérios da ordem jurídica geral, é uma seleção
orientada por critérios específicos e autónomos, é o próprio direito penal que configura
o seu âmbito de aplicação, por isso aplicam-se sanções especificas o que significa que só
se justifica esta especificidade se tivermos uma ilicitude especifica, uma contrariedade
autónoma do direito, só nesses casos é que se justifica aplicar penas criminais, portanto
hoje considera-se que o direito penal cria uma ilicitude autónoma sem prejuízo de haver
uma certa unidade na ordem jurídica no sentido em que aquilo que é autonomizado,
permitido por outro ramo de direito não pode ser penalmente ilícito, se eu tenho um
direito administrativo ou um direito civil e praticar um certo facto não posso ser punido
penalmente por esse facto, caso contrário teríamos uma ordem jurídica esquizofrénica.
O direito penal cria a sua própria ilicitude autonomamente. Mas é evidente que há
muitos factos criminosos que também constituem um ilícito à face do direito,
administrativo, civil, etc., de acordo com esses ramos de direito.
A resposta a esta questão foi dada em torno de duas grandes ideias: teorias
absolutas ou teorias da retribuição às quais se opõem as teorias relativas da prevenção,
além disso temos ainda várias correntes que constituem combinações destes dois
grupos que procuram juntar ou complementar estes dois tipos de teorias.
O que estas doutrinas dizem é que a pena existe porque é o preço a pagar pelo
infrator por ter cometido o crime, a pena é um castigo. Neste sentido, esgota-se em si
mesma, tira o seu sentido de si própria e olha para o passado, “pune-se porque se
pecou”.
Estas doutrinas inspiram-se em vários textos antigos (olho por olho, dente por
dente), numa ideia de retribuição em espécie, mas sobretudo as doutrinas absolutas,
tem na base as construções religiosas da reprodução da justiça divina na terra, da
mesma maneira que na religião o pecado é pago com penitencia, o mesmo aconteceria
na terra, cabia ao rei castigar pelos crimes cometidos, tendo a religião uma influencia
grande nesta ideia da retribuição, até porque grande parte dos crimes eram
considerados pecado, portanto podiam ser julgados quer pelas autoridades religiosas
quer pela justiça, originando doutrinas de retribuição.
Receberam um novo impulso importantíssimo com a filosofia idealista alemã,
desde logo com Kant que considerava a pena um imperativo categórico, uma sociedade
que deixa um crime por punir está a violar um imperativo categórico, mesmo que não
haja perspetivas de uma continuação na vida social, é obrigatório punir aqueles que já
foram condenados.
Também Hegel sustentou uma doutrina absoluta dos fins das penas mas não
como imperativo categórico, mas aplicou ao problema do crime e da pena a sua teoria
dialética dizendo que existe a norma jurídica, o crime é a negação da ordem jurídica e
portanto a pena é a negação da negação, a pena serve para negar a negação do direito
levando ao restabelecimento da norma, a norma volta a estar intacta porque a pena
apaga a própria negação do direito.
• Todas assentam numa qualquer ideia de justiça, a pena é imposta por uma
questão de justiça e tem naturalmente que respeitar uma equivalência, a medida
justa.
Se a pena significa uma reprovação do agente pelo ato cometido, então o
fundamento da pena há que ser igual à culpa, pena e culpa são entidades indissociáveis,
A grande diferença das teorias relativas em relação às absolutas é que a pena nas
teorias relativas, tem uma finalidade que a transcende, não se esgota em si própria, é
um mal que tem de servir um propósito e este não pode deixar de ser a prevenção
criminal, isto é, evitar a prática futura de crimes.
- Doutrinas de prevenção especial: diz que a pena serve para evitar a prática de
crimes futuros mas atuando sobre o próprio delinquente impedindo que ele
cometa mais crimes e neste sentido podemos falar numa prevenção de
reincidência. Como se consegue isto? Aqui podemos falar de três modelos:
o Prevenção especial negativa: a pena deve agir como ferramenta de
intimidação do próprio condenado, tem que ser orientado no sentido de
que ele sofra e para que com receio desse sofrimento não venha a
cometer mais crimes ou então no sentido da sua neutralização, a pena é
vista como um instrumento para neutralizar o fim. Isto depois tem
consequências no tipo, duração das penas;
Em síntese:
Sim, se olharmos para o artigo 18º/2 CRP vemos que a constituição permite a
restrição de direitos, desde que ela seja necessária, proporcional e adequada para a
proteção de outros interesses constitucionalmente protegidos. Por outro lado, para
além do art. 18º/2, temos o artigo 40º CP que diz-nos precisamente isso.
Temos falado bastante da perigosidade criminal mas não nos podemos esquecer
que qualquer medida de segurança tem dois pressupostos fundamentais:
1) A prática de um facto ilícito típico – isto é, um facto que se fosse praticado
por alguém com culpa seria considerado crime
2) Perigosidade
Ambos os requisitos são fundamentais para a aplicação de uma medida de
segurança, significa que o agente que cometer um facto ilícito, for considerado
inimputável, mas não for criminalmente perigoso, não há lugar a uma medida de
segurança, mesmo que tenha sido um crime terrível (por exemplo: homicídio múltiplo).
Não se pode aplicar medidas de segurança a pessoas com base na sua
perigosidade individual que não estão documentadas na prática de um facto típico
ilícito, mesmo que fosse possível determinar que certa pessoa é criminalmente perigosa,
pela sua personalidade, modo de vida, não é suficiente para aplicar uma medida de
segurança. Não há lugar no direito português para medidas de segurança pré-delituais.
Por isso também se justifica que a matéria das medidas de segurança continue
no direito penal e no processo penal precisamente porque é preciso determinar se
existiu ou não o comportamento de um facto típico ou ilícito e isso cabe aos tribunais.
Hoje em dia mantem-se a discussão sobre as medidas de segurança devem passar para
o direito administrativo ou não, o Dr. Figueiredo Dias considera que deverá manter-se
no direito penal.
Pode ter vários sentidos, desde logo pode querer o sentido de dizer que um
sistema penal prevê duas espécies de sanções: penas e medidas de segurança, neste
sentido não levanta qualquer problema porque virtualmente todos os sistemas do
mundo preveem dois tipos de sanções; podemos ainda dizer que o sistema é dualista no
MONISMO PURO-> toda a punição de agente imputáveis seja limitada pela culpa
provavelmente vamos deixar descoberto uma zona da criminalidade que trará
problemas ao próprio sistema, isto é, delinquentes especialmente perigosos onde não
é suficiente as penas previstas pelos tribunais em função da normalidade dos casos.
Pode acontecer que certa perigosidade individual não seja suficientemente atalhada
através das molduras penais que são as normas gerais legisladas pelo legislador, e
portanto um direito da culpa em sentido absolutamente estrito levaria a alguma
vulnerabilidade social porque deixaria a sociedade sem maneira de responder aos
delinquentes especialmente perigosos. Este é portanto o problema do monismo a
vulnerabilidade social perante imputáveis especialmente perigosos.
Quanto ao monismo:
Quanto ao dualismo:
Este implica sempre uma fratura entre duas espécies de sanções (penas e
medidas de segurança) comportam-se como universos fechados e não existe aí uma
unidade de execução que o nosso sistema permite, portanto essa autonomia formal não
é conveniente.
O dualismo representa uma verdadeira burla de etiqueta quando as medidas
sejam da mesma espécie, aqui o Dr. Eduardo Correia tem toda a razão, se aplicamos
uma pena a um agente no limite da culpa e no mesmo ato uma medida de segurança
Perspetiva Positivista-legalista
➔ Crime será tudo aquilo que o legislador disser que é, todas as condutas que o
legislador ameaçar com uma pena, isto é um conceito formal de crime, porque
estamos a remeter para o legislador a definição do que é um crime.
Esta perspetiva tem uma vantagem, que é mostrar que não existe crime para
fora da lei, é necessário que a lei o defina como tal e isso é precisamente a cominação
de penas criminais para essa conduta. Porém, esta perspetiva tem algumas
desvantagens, ou algumas insuficiências, desde logo porque remete a definição do
crime acriticamente para o voluntarismo do legislador, tudo o que este disser que é
crime, é crime, mas isso não dá ao legislador um padrão daquilo que deve ou não ser
crime. E o legislador também precisa desse critério. Portanto o conceito positivista-
legalista a única vantagem que tem é mostrar a vinculação do crime à lei.
Importância desta perspetiva para o nosso problema -> deu origem a correntes
criminológicas que ainda hoje são atuais, a criminologia procurou definir o seu objeto
fora da lei e começou a centrar-se no comportamento desviante, que de alguma forma
não cumpre as regras sociais, porque só assim é que podemos avaliar a danosidade
social dos comportamentos, ver se existem condutas que devem ser criminalizadas e
condutas que sendo formalmente consideradas como crime não causam dano social
suficiente para serem criminalizadas. É preciso estudar empiricamente os casos em que
a conduta é desviante e perceber porque algumas condutas são crime e outras não.
A nossa atenção passa a focar-se no bem jurídico, essa é a função do direito penal
e o ponto de referencia da criminalização e descriminalização.
Perspetiva Teleológico-
Perspetiva Liberalista Perspetiva Metodológica
funcional e racional
bem jurídico nessa altura o bem jurídico era uma
era identificado pela espécie de instrumento de o bem jurídico tem que ter
doutrina com direitos interpretação dos tipos de um certo conteúdo
individuais, subjetivos, era crime, seria o resumo do material, tem de ter uma
como uma identidade conteúdo do tipo de crime, certa espessura, alguns
a ideia seria ler o tipo de exemplos que não tem
crime e a partir dessa essa espessura é por
leitura dizer que o bem exemplo a dignidade da
jurídico é isto ou aquilo. pessoa humana, é tanto
Mas o bem jurídico deve que não é suscetível de
servir de pressuposto da apreensão num único tipo
norma e não é correto ele de crime
resultar da interpretação
de uma norma.
O que se pede então a categoria do bem jurídico é que possam servir de padrão
crítico ao direito vigente, mas também ao direito a constituir, tanto o discurso da
descriminalização como da criminalização implicam esta propriedade, mas para isso o
bem jurídico tem de ser transcendente, estar para lá do direito penal, pois só assim é
que se pode criticá-lo, tem de estar dentro da constituição, mas fora do direito penal.
A primeira sede do bem jurídico é a sede constitucional. Só que esta implica ainda
algumas concretizações, nem todos os bens jurídico-constitucionais são bens jurídico-
penais portanto há até quem por causa desse facto se desvie da ideia da constituição
dizendo que o bem jurídico é o próprio funcionamento regular da sociedade, e o crime
é qualquer disfunção sistémica.
Numa outra aproximação o bem jurídico seria um objeto valioso que exprime o
reconhecimento intersubjetivo, do direito por uma relação que a comunidade considera
ser fundamental para a realização do indivíduo e a partir desta ideia a conclusão é que
só existe bens jurídico-penais quando se trata de reconhecer bens jurídicos pessoais, só
estes é que são dignos de proteção penal. Esta visão tem grandes fragilidades porque é
muito redutora, na realidade existem vários bens jurídicos que são instrumentais, que
estão sempre ordenados à pessoa, mas por causa disso, o estado não está impedido de
construir certos bens jurídicos que funcionam como uma espécie de entreposto entre a
ação protetora do estado e a pessoa, por exemplo, quando falamos do bem jurídico
Só quando esteja em causa a lesão ou perigo de lesão para bens jurídicos é que
o legislador estará legitimado para agir, é chamada uma não intervenção moderada, ou
seja, rigorosa vigilância por parte do legislador, vale para o direito vigente, o legislador
tem o dever de verificar se o direito vigente não está a intervir excessivamente na
liberdade das pessoas, mas também tem importância para a criação de novos crimes,
também aí tem o dever de verificar se existe uma lesão ou crime de lesão.
Hoje em dia na generalidade dos países com a nossa tradição cultural, a noção
de bem jurídico vem do iluminismo, vem do contrato social, ela desligou-se a certa altura
dos direitos subjetivos, mas a matriz da ideia de bem jurídico ainda é construída sobre
a pessoa, portanto esta é a matriz – bem jurídico sobre a pessoa. Com o processo
histórico foram surgindo outros bens jurídicos já não tão direcionados com a pessoa mas
carecem de proteção, por exemplo, segurança no tráfico rodoviário. O problema que se
põe em bem jurídico hoje é que nas últimas décadas vivemos na sociedade de risco, foi
o sociológico Beck, teorizou esta sociedade do risco dizendo que hoje tomamos por
força da evolução tecnológica e social, tomamos decisões que representam riscos
difíceis de dominar a nível global, por força da evolução tecnológica, hoje os riscos
transcendem os quadros do espaço e do tempo que eram conaturais a qualquer decisão
que envolva perigos. Basta pensar no problema nuclear onde a decisão de instalação de
uma fábrica nuclear pode afetar não só o país e a manipulação genética que pode ter
efeitos daqui a muitas gerações. Estes riscos de eventuais resultados de índole mundial
ou num futuro muito longínquo, põem de facto o problema de saber se isto será
compatível com a doutrina do bem jurídico, nem sabemos o que está verdadeiramente
em causa as implicações ou resultados dessas técnicas, como vamos dizer que está em
causa a proteção de um bem jurídico? Desde logo temos um problema da legitimação
do direito penal e também problemas à construção do conceito de crime.
A sociedade de risco com as suas implicações, põe problemas novos ao direito
penal, ao discurso do bem jurídico. Vem dizer que o bem jurídico não é suficiente porque
o direito penal tem de olhar para outras coisas.
Em primeiro lugar a resposta mais conservadora, que tem uma visão minimalista
do direito penal centrada nos bens jurídicos da pessoa, vida, propriedade, etc. E diz a
Escola de Frankfurt que de facto os novos riscos existem mas tem de ser tratados fora
do âmbito do direito penal, tem de se pedir a outros ramos do direito que trate essas
realidades porque se não encontramos aí bens jurídicos com suficiente materialidade
sob os quais construir a tutela penal é uma intervenção ilegítima na liberdade das
pessoas, portanto os bens jurídicos reduzem-se àqueles que são os bens jurídicos
individuais, os da pessoa.
No outro extremo, temos as Escolas que dizem não, estes novos riscos, é
precisamente um sintoma, a indicação que temos de repensar todo o direito penal, não
pode ficar agarrado á velha tradição do bem jurídico, o que o direito penal tem de fazer
• O direito penal não pode ser instrumento do governo da sociedade, não é feito
para governar a sociedade, não deve ser usado para promover certos
interesses de oportunidade, a grande parte das teorias funcionalistas podem
desembocar nesta utilização do direito penal como um instrumento do
governo diário da sociedade, esta ideia de que o direito penal pode servir de
promoção deste tipo de interesses é uma ideia que deve ser rejeitada, a noção
de bem jurídico serve para evitar este tipo de adulteração politica do direito
penal, o direito penal não pode ser usado como instrumento do governo. A
doutrina do bem jurídico deve manter-se absolutamente firme e
absolutamente inderrogável, a doutrina do bem jurídico é o instrumento mais
eficaz para resistir e impedir o desvirtuamento politico do direito penal.
• Há de facto novos riscos às quais por força da potencial gravidade desses riscos
o direito penal não pode virar a cara e contra esta ideia não são corretas as
abordagens dos autores que pretendem atirar estes novos riscos para outras
formas de controlo social, porque muitas vezes o direito penal é a única chance
dessas condutas serem impedidas, se mandarmos estas condutas para fora do
direito penal é por a subsidiariedade de pernas para o par, o direito penal não
pode fingir que não tem nada a dizer sobre essas condutas e sobre a prevenção
dessas condutas.
De maneira que a solução aqui, entendida pelo Dr. Figueiredo Dias, é que há uma
nova estirpe de bens jurídicos a que podemos chamar bens jurídicos coletivos, para os
diferenciar tanto dos bens jurídicos pessoais, como também dos bens jurídicos
puramente supra individuais. Estes bens jurídicos coletivos são da coletividade, são de
todos nós, mesmo que não sejam experienciáveis na nossa vida individual – exemplo:
preservação da fauna e da biodiversidade, por exemplo o petroleiro que no mar faz uma
descarga altamente poluente e extermina uma espécie de aves que só existiam naquela
zona e a espécie extingue-se, não está aqui em causa o ambiente, nenhum de nós vai
sentir o efeito daquela descarga, mas perdeu-se ali uma parte do nosso património
coletivo. A ideia do bem jurídico coletivo é no fundo por um lado permitir responder a
estes novos riscos, mas mantendo tanto quanto possível a noção do bem jurídico,
procurar a quadratura do círculo. Esses bens jurídicos coletivos tem vários problemas,
por um lado são bens jurídicos mais vagos, tem uma delimitação mais difícil, é mais difícil
captar a materialidade necessária para o bem jurídico.
Há também no bem jurídico coletivo uma certa acessoriedade em relação ao
direito administrativo, muitas vezes estes bens jurídicos coletivos são construídos pelo
direito administrativo, isto é, existe uma politica do estado que é jurisdificada através
• Direito penal:
- Direito penal clássico ou direito penal de justiça (está previsto no CP)
- Direito penal secundário (também chamado de direito penal económico)
que é o ramo do direito que trata dos crimes contra os bens jurídicos
próximos dos bens sociais.
• Direito de contraordenação social.
Quando ele nasceu, em 79, foi pensado para ser o ramo de direito de muito
simples aplicação, quando estão em causa violações de normas axiologicamente
neutras, sem conteúdo ético, normas que não tem relevância ao nível do bem jurídico e
as coimas foram pensadas como advertências sociais. Este era o protótipo pensado para
o direito de mera ordenação social. Ao longo das décadas passou a disciplinar áreas da
economia muito importantes, onde intervém agentes com muito poder económico e
com práticas que se contem dificilmente dentro da prática de mera ordenação social,
por exemplo a bolsa, regime da concorrência, e portanto o direito de mera ordenação
social passou a englobar também as grandes contraordenações, já não é a advertência
social, e em consequência dessa importância aumentaram muito também a gravidade
das sanções.
Foi que perante a gravidade destas sanções e o impacto que elas tem nos direitos
individuais, é claro que o direito de mera ordenação social teve que ser reequilibrado,
dando mais garantias às pessoas, e isto resultou numa aproximação indesejável do
Funções da coima
Não são funções de prevenção criminal, não se aplicam a factos que constituam
crime, mas sim a factos que constituam violação disciplinar. Portanto podemos dizer
que estas penas tem funções de prevenção de novos factos disciplinares, seja prevenção
especial ao próprio funcionário mas também uma prevenção geral, englobando os
funcionários adstritos a esses particulares deveres. Embora a prevenção aqui não seja
entendida no sentido criminal.
Como as sanções disciplinares são muito mais leves do que as penas criminais,
também se reflete na construção do próprio direito disciplinar, não há as mesmas
exigências ao nível da tipicidade dos factos. Uma das características principais da lei
penal é a tipicidade, a lei penal tem de exprimir as proibições em tipos de crime, isto
não existe da mesma maneira no direito disciplinar, nem relativamente a culpa do
agente, a culpa é fundamental na compreensão do direito penal, sem ela não há pena.
No direito disciplinar exige-se uma censura ao agente mas não é uma culpa
entendida com o peso que tem no direito penal. As exigências relativas ao direito
disciplinar são mais brandas do que o direito penal. TODAVIA há certas regras
constitucionais que se aplicam a todo o direito sancionatório, porque são impostas
desde logo pelo principio da segurança jurídica, aplica-se a toda a atividade repressiva
do estado independentemente de se tratar direito penal, disciplinar, mera ordenação
social.
Mas como o direito disciplinar não é direito penal, como as penas disciplinares
não são criminais, é perfeitamente possível que se cumulem penas criminais e penas
disciplinares, são processos que correm sempre separadamente, por exemplo, o
funcionário que comete um crime de corrupção, o processo penal corre os seus termos
do processo penal e a infração disciplinar no processo disciplinar dentro do órgão a que
o funcionário pertence e estas sanções podem ser cumuladas, não se viola o principio
non bis in idem. Em principio as penas disciplinares não representam a mesma punição
relativamente às penas criminais, portanto podem ser cumuladas. EM PRINCIPIO,
porque pode haver aqui algumas complicações, nomeadamente no que diz respeito à
prisão disciplinar. De facto, pode ser complicado acumular penas de prisão disciplinar
com penas de prisão por virtude de crimes.
Nos contratos as partes podem inserir clausulas penais para o seu não
cumprimento são as chamadas penas privadas, trata-se de sanções aceites pelas duas
partes que são completamente diferentes das sanções previstas pelo direito penal que
se impõem independentemente da vontade das pessoas, portanto não se pode
confundir uma clausula penal com uma sanção criminal.
“Não existe pena sem lei” -> é uma das expressões mais vivas de como o direito
penal é um direito do cidadão contra o estado.
Esta ideia da descrição pela lei dos factos que podem ser considerados crime, é
uma ambição antiga da humanidade, que surge pela primeira vez na Magna Carta de
Inglaterra no principio do século XIII. Essa ideia foi repetida mais tarde no fim do século
XVII e depois foi acarinhada pelas revoluções liberais.
Dr. Figueiredo Dias diz nos que hoje existe uma proteção multinível do principio
da legalidade, tanto a nível interno como em vários documentos internacionais, super
estatais e regionais. É claro que apesar da sua consagração em muitos instrumentos
internacionais desde o fim do século XVIII não foi uma evolução linear, houve muitos
atropelos, houve instancias na história de supressão do principio da legalidade não é por
acaso que essas instâncias nasceram de cariz autoritário. No direito português o
principio da legalidade tem consagração constitucional – artigo 29º/1 CP.
O artigo 29º/2 introduz uma ressalva diferente, os tribunais portugueses tem
competência para aplicar sanções penais relativamente a factos que sejam considerados
Quais são os fundamentos? Quais são as razões pela qual o principio da legalidade é
consagrado?
Tudo o que não estiver previsto na lei penal é permitido ou pelo menos não pode
ser sancionado com penas criminais, por isso se diz que a lei penal de certa maneira é a
magna carta das pessoas, é a defesa contra a ação do estado, e portanto o principio da
legalidade serve esta funcionalidade contra o arbítrio estatal, tudo o que não estiver
previsto na lei, não pode ser punido. Isto significa que os erros, as omissões, as falhas
não podem funcionar contra as pessoas, acontece por vezes que o legislador não
formula as condutas de maneira mais adequada, portanto as falhas tem que ser
imputados ao próprio estado, e não podem ser emendados à custa da liberdade das
pessoas.
Em relação às penas, tem de estar consagradas na lei, e isto abrange tanto as
penas como as medidas de segurança. Este ponto é importante porque até há algum
tempo atrás entendia-se que as medidas de segurança não eram cobertas pelo principio
da legalidade porque se dizia que na verdade são medidas que favorecem o agente, são
medidas para o bem daquele a quem são aplicadas e portanto se são favoráveis à pessoa
não faz sentido pô-las sob o principio da legalidade e isto tem aplicações a vários níveis.
A consequência da aplicação do principio da legalidade às penas e às medidas de
segurança, é que os juízes, os tribunais, não podem criar as penas, que não estejam
previstas na lei.
O principio da legalidade exprime-se em cinco planos:
Aqui também se exige uma lei em sentido formal, para que haja crime exige-se
uma lei da AR ou uma lei de autorização ao Governo. A questão que se levanta é se o
governo tem competência própria para descriminalizar um certo comportamento,
porque se estamos a dizer que o principio da legalidade só diz respeito as normas que
fundamentam ou agravam a responsabilidade da pessoa, mas pode haver intervenções
legislativas que visam descriminalizar um certo comportamento ou que visam reduzir a
pena aplicável. E isto é permitido pelo principio da legalidade? Em tese nada obstaria a
que o governo por sua própria iniciativa pudesse descriminalizar um certo
comportamento ou reduzir uma moldura penal, todavia o nosso TC já disse que a
definição dos crimes e das penas, seja em que sentido for é sempre uma reserva relativa
de competência da AR – artigo 165º/1 c) CRP. Compreende-se que do ponto de vista
jurídico politico, orgânico, deva competir ao mesmo órgão o decurso da criminalização
ou da descriminalização e compreende-se que o TC interprete esta norma no sentido de
entregar à AR qualquer intervenção sobre a matéria penal, seja num sentido seja no
outro, o que não podemos é imputar essa solução ao principio da legalidade. Uma coisa
é o principio da legalidade na sua veste substantiva e o principio da legalidade não se
oporia a uma intervenção do governo fosse no sentido de descriminalizar um
comportamento ou de reduzir a pena aplicada, mas de facto existem boas razões do
ponto de vista orgânico, para que seja o mesmo órgão a criminalizar e a descriminalizar.
Outro problema em relação à fonte é o problema das normas penais em branco
– são normas que remetem uma parte da sua definição para outros instrumentos
normativos, normalmente de natureza infralegal, por exemplo, uma norma de direito
penal secundário diz que “quem pescar sardinha com uma dimensão inferior à
autorizada”, há um espaço branco nesta norma penal porque não adquirimos inteiro
conhecimento sobre o comportamento proibido, não sabemos qual é a dimensão
autorizada, para o saber temos de recorrer a uma portaria do ministério das pescas que
todos os anos estabelece o tamanho permitido para a pesca da sardinha. Porque as
normas penal estabelecem este expediente? Muitas vezes estas normas para onde se
remete são muito mutáveis e a lei penal é difícil de se mudar, portanto a maneira de
preservar uma certa estabilidade da norma é usar este expediente de remissão parcial
do sentido da norma para um instrumento normativo.
Dr. Caeiro não gosta muito do nome norma penal em branco. O problema que
se põe é saber se isto é contrário ao principio da legalidade atendendo a que quem vai
definir uma parte do espaço da norma é o ministério, é um órgão que faz parte do
executivo através de um instrumento que não tem valor de lei. Do ponto de vista da
fonte aqui não existe qualquer problema desde que exista uma lei formal a fazer essa
remissão as remissões feitas aí tem esta cobertura por parte da assembleia, é o órgão
titular do poder punitivo que deliberadamente remete uma parte da norma para outro
Nota: a união europeia não tem uma competência própria em matéria penal, portanto
exige uma intervenção da AR.
Exemplos de normas que não são suficientemente determinadas: crime que dizia que
quem prejudicar outra pessoa é punido com pena de X, isto é extraordinariamente
amplo, nem sabia identificar corretamente quais são os comportamentos, ou então
quem incomodar uma autoridade pública, é muito amplo, formulações que não
cumpririam o principio da determinabilidade. Seriam normas inconstitucionais por
violação do artigo 29º/1 CRP.
(Este é o plano mais problemático do principio da legalidade)
Por outro lado, por vezes a norma penal, o legislador, tem de empregar certos
elementos normativos, certas clausulas gerais que trazem alguma indeterminação à
norma, por exemplo na qualificação do homicídio, um dos motivos que pode levar a
qualificação do homicídio é a utilização de um meio insidioso, não é muito claro o que
isso é, portanto também existe aqui uma certa vaguidade neste elemento. Dr.
Figueiredo Dias diz que o importante aqui é nós olharmos para norma globalmente, e
muitas vezes isso ajuda a eliminar o sentido destes elementos mais indeterminados,
temos de olhar globalmente para o sentido da norma e ver se na sua globalidade
conseguimos apreender o sentido da proibição.
Volta a levantar-se o problema das normas penais em branco, mas de um outro
ponto de vista, no exemplo da pesca da sardinha, agora suponhamos que essa norma
ainda cumpre o essencial da determinação, temos aqui uma clausula geral remissiva que
não está determinada, mas quem lê esta norma percebe que há um limite pela qual não
pode pescar abaixo e isto impõe ao cidadão um dever de informação. Neste caso a
norma penal ainda oferece ao cidadão um sentido para a sua conduta, ainda que a
perfeição só se alcance através da informação de outros elementos da norma. Mas
agora suponhamos que a norma penal dizia que quem violar o disposto nos
regulamentos de pescas é punido com pena de X, é uma norma penal em branco, mas
será compatível com o principio da legalidade? Não porque não oferece ao cidadão
qualquer sentido de comportamento, é uma remissão genérica e indistinta. Deverá ser
considerada inconstitucional em virtude da violação do principio da legalidade pelo
artigo 29º/1 CRP.
Não tem a mesma importância prática que os outros, mas do ponto de vista
teórico é bastante importante. A analogia é um procedimento de aplicação do direito
geralmente permitido, portanto o legislador pode perante situações análogas aplicar
sempre que exista uma lacuna, uma norma prevista para uma outra situação desde que
a situação lacunosa seja semelhante à que está regulada pela norma. TODAVIA no
direito penal é um procedimento proibido – artigo 1º/3 CP.
Olhando de novo para a função do principio da legalidade, reparamos também
que a analogia só é proibida quando se trata de qualificar um facto como crime, quando
se trata de fundamentar a responsabilidade do agente ou determinar a pena ou medida
de segurança que lhe corresponde, também aqui devemos olhar para as finalidades do
principio da legalidade, a analogia é proibida quando funcione contra a liberdade das
pessoas, é proibida quando se trata de dizer que este facto não é considerado pela lei
como crime, mas é muito semelhante, nesses casos a lei não pode utilizar a analogia, da
mesma forma não pode aplicar uma pena análoga.
O problema que se põe aqui é na distinção entre o que é interpretação extensiva
e a analogia. Todavia no direito penal é fundamental garantir essa separação para
garantir a eficácia do principio da legalidade. Temos de proceder a essa separação e o
critério que o Dr. Figueiredo Dias dá é o:
➔ critério do quadro possível de significações das palavras, quando o legislador
constrói uma norma penal, esta é um ato de comunicação, faz-se com palavras
e estas tem sentidos limitados que compõem um quadro fechado. De acordo
com esta visão das coisas cada norma tem um quadro limitado de possibilidades
de interpretação, para lá desse quadro já não estamos a interpretar a norma,
estamos a fazer uma analogia e essa será proibida, agora dentro do quadro de
significações que a norma permite, aí valem inteiramente todos os
procedimentos de interpretação que a ciência jurídica acolhe, todos os métodos
de interpretação acolhidos pela ciência jurídica são inteiramente válidos.
Por outro lado este respeito por este quadro de significações possíveis vale nos
vários momentos de construção do crime, por exemplo quando sabemos o que são atos
de execução para efeitos de tentativa, quando definimos quem é autor e quem é
cúmplice a lei dá definições desses institutos e aí também vale a proibição de analogia.
Mais concretamente para apreciarmos o âmbito de proibição de analogia podemos
concluir que ela vale sempre que funcione contra o arguido, vale em relação aos tipos
legais de crime, vale para aqueles casos em que se utilizam as normas penais em branco,
não se pode utilizar a analogia para qualificar um facto como análogo, vale para as
penas, não se pode aplicar penas por analogia.
Onde é que a analogia é permitida? É permitida na aplicação das causas de
justificação ou causas de exculpação. Estas normas visam afastar a responsabilidade do
agente, são normas que justificam factos (legitima defesa, estado necessidade), nesses
casos o propósito da norma é afastar a responsabilidade, são aplicáveis por analogia.
Aqui temos o chamado facto partilhado, porque é o mesmo crime mas é regulado
por 2 leis diferentes, temos ai um conflito de leis porque ambas incidem sobre o mesmo
facto, qual se deve aplicar? Deve seguir-se a regra geral que a lei posterior revoga a lei
anterior, deve aplicar-se a segunda lei mas apenas se os pressupostos do sequestros se
realizarem integralmente durante a segunda lei. Portanto não temos que nos preocupar
se a segunda lei é mais grave ou mais favorável do que a primeira, porque os
pressupostos do crime realizam-se integralmente na vigência da segunda lei, esta aplica-
se independentemente do seu conteúdo.
Se for um crime de execução instantânea, tem de se aplicar a lei que estava em
vigor no momento da prática do facto, essa é a lei geral. Se for um crime duradouro, em
principio aplica-se a segunda lei.
Mas há que fazer uma ressalva, suponhamos que é uma circunstancia
modificativa do sequestro, a duração do sequestro, evidentemente que aplicando a
segunda lei, que tem essa circunstancia nova, não se pode contabilizar na aplicação da
nova lei, o período de tempo que a pessoa esteve encerrada durante a primeira lei.
Dimensão da retroatividade
No art. 29º/4 diz-se que a nossa CRP impõe a retroatividade mais favorável, se
houver uma sucessão de leis, a nossa lei impõe que sejam aplicadas retroativamente as
leis mais favoráveis, o fundamento disto é dizer se a lei vigora agora não considera este
facto como crime, não tem sentido puni-lo, esta imposição nada tem que ver com o
principio da legalidade, tem haver é com o principio da necessidade da lei penal. Estes
casos a aplicação retroativa de tratamento mais favorável fundamenta-se é na
desnecessidade da intervenção penal. Não tem nada que ver com o principio da
legalidade. Isto é uma decorrência do principio da necessidade e por isso é incorreto
dizer que a aplicação retroativa da lei penal mais favorável é uma exceção do principio
da legalidade, NÃO, o princípio da legalidade só tem o seu âmbito as leis desfavoráveis.
Mas como sabemos que a lei nova é mais favorável que a lei anterior?
No caso do artigo 2º/2 isso é evidente, existe uma lei que descaracterizou aquela
conduta como crime, não temos que avaliar nada, mas aqui a questão é diferente, o
facto continua a ser crime e temos de saber se a nova lei é mais favorável do que a lei
que vigorava na prática do facto.
Nota: não digam que a o artigo 2º/4 visa a aplicação da lei mais favorável, não é isso,
tem uma logica de principio exceção, principio de regra especial, o principio é que se
aplica a lei no momento da prática do facto, isso é o principio geral sempre, o que
estamos aqui a discutir é se podemos fazer uma exceção a esse principio, excecionar a
aplicação da lei no momento da prática do facto, que só acontecerá se a segunda lei for
mais favorável, portanto não é propriamente escolher qual delas é mais favorável, isto
tem uma lógica, aplica-se o principio no momento da prática do facto, a não ser que a
lei do momento posterior seja mais favorável do que a lei do momento anterior.
O que o juiz tem de fazer é uma aplicação dos dois regimes simuladamente e ver
qual é o resultado final de cada um deles e depois deve comparar esses resultados, ver
Exemplo: suponhamos que na lei anterior o facto é punido com determinada pena de
prisão e existe um prazo de prescrição bastante alongado, depois na segunda lei é
punido com pena de prisão superior mas existem prazos de prescrição mais curtos, os
prazos de prescrição do procedimento são calculados em função das molduras penais,
o juiz não pode estar a escolher as molduras penais de um dos regimes e aplicar depois
porque é mais favorável um prazo prescricional previsto num outro regime, são dois
institutos conexionados e o juiz não pode andar a fazer essa desmoldagem para aplicar
o regime mais favorável com bocadinhos de cada uma das leis, tendencialmente deve
ser em bloco, mas claro que deve haver situações em que se justifique uma aplicação.
É uma lei que está no meio de duas outras leis, temos aqui um fenómeno de
sucessão não de duas leis, mas sim de pelo menos três leis, sendo certo a lei intermédia
não tem qualquer contacto com o facto, isto é, não estava em vigor no momento em
que o facto foi praticado e já não está em vigor no momento do julgamento. Lei 1
vigorava na prática do facto, depois temos a Lei 2 e depois a Lei 3 que é a que vigora no
momento do julgamento.
A lei 2 pode ser aplicada nesta situação em que não estava em vigor nem
no momento da prática do facto, nem no momento do julgamento?
Sim, a lei 2 está sujeita ao regime do artigo 2º/2 e do nº4 o que significa que se
ela for mais favorável ao agente mesmo não tendo qualquer contacto com a prática do
facto, ela será a lei aplicada. E isto pode dar-se em duas circunstancias: a lei 2 pode ser
uma lei descriminalizadora, isto é, pode perfeitamente acontecer que suponhamos que
uma força politica mais conservadora voltava a criminalizar a interrupção voluntária da
gravidez, podíamos ter casos de leis intermédias inúteis, casos de pessoas que tivessem
praticado o facto antes da descriminalização, entretanto houve leis descriminalizadora
e agora havia uma recriminalização por parte do legislador, ora bem nestes casos a lei
intermédia pode ser tanto descriminalizadora e nesses casos o agente deve ser
absolvido porque se aplica retroativamente a lei intermédia com fundamento no artigo
2º/2 e pode ser uma lei despenalizadora, que não tenha despenalizado o facto mas que
se tenha limitado a suavizar a responsabilidade do agente tratando-a menos
gravemente (artigo 2º/4).
Dr. Figueiredo Dias fala nas lições nas leis temporárias em sentido amplo, que
inclui as leis de emergência. Portanto teríamos as leis temporárias em sentido estrito e
as leis de emergência. Uma lei temporária é uma lei que é aprovada para vigorar durante
um certo período de tempo, isto é, uma lei que tem um termo, seja explícito (a própria
lei diz que serve para vigorar de tantos a tantos), seja um termo implícito, uma lei que
está associada a uma circunstancia e implicitamente vigora enquanto essa
circunstancias for presente.
As leis de emergência são leis que vigoram para fazer face a um estado
excecional. Seja uma lei de emergência, seja uma lei temporária, são feitas para vigorar
durante um período de tempo determinado. Esta é a grande característica destas leis
em contraposição com as leis comuns.
Porque de acordo com o artigo 2º/3 do CP quer dizer que os factos praticados na
vigência de uma lei temporária e de uma lei de emergência continuam a ser puníveis
mesmo depois de terminar a vigência da lei temporária ou da lei de emergência, ao
contrário do que acontece com o artigo 2º/2. O nº3 diz que quando se trata de uma lei
que vale para um certo período de tempo os factos praticados para esse período
continuam a ser puníveis mesmo que sejam julgados já depois de terminar a vigência
dessa lei. Isto é assim porque se não fosse este regime a eficácia preventiva das leis
temporárias a emergência era nula, as pessoas já sabiam de ante mão que dificilmente
seriam julgadas durante a vigência dessa lei. Se não houvesse esta ressalva a aplicação
do artigo 2º/2 implicaria a impunidade, ninguém ia cumprir as normas das leis
temporárias e das leis de emergências.
Nota: não confundir as leis temporárias com as leis que se aplicam de forma fracionada
no tempo, isto é, leis que só se aplicam durante um certo período num ano. Não são leis
temporárias, estão sempre em vigor. O conteúdo é modelado pelo tempo. Por exemplo:
lei da caça ou a lei que proíbe as queimadas.
São aqueles crimes onde o contacto com o território nacional é fugaz e não
implica uma atuação do agente, um exemplo é o caso em que uma encomenda de um
pacote de droga vem de um país da américa central, Colômbia, atravessa Portugal para
ir para a holanda, a questão que se põe é saber se nestes casos o facto se considera
praticado em território nacional de acordo com o artigo 7º ou artigo 4º, será que este
contacto com o território nacional é suficiente? Não há aqui uma regra geral para todos
os casos, neste caso em especifico a lei portuguesa tem competência, basta que a droga
esteja em território nacional, o perigo que a droga implica tem um contacto com a
comunidade nacional, portanto trata-se de um facto praticado também em território
português.
Mas já suscitam-se dúvidas quando o contacto com o território nacional não
implica qualquer perigosidade daquele específico tipo de crime, imaginemos que um
cidadão português envia para Bruxelas por correio físico, uma série de documentos para
se candidatar a um subsídio comunitário, esses documentos são falsos e comete um
crime de fraude na obtenção de subsídios, será que o facto dos documentos passarem
por território espanhol e francês torna essas leis competentes em função do território?
Não, porque a perigosidade dos documentos não se reflete minimamente no contacto
com o território nacional.
4. A aplicação incondicionada:
1ª Regra da Territorialidade
Quando se trata de factos praticados em território português ou que podemos
conectar de acordo com as situações previstas no artigo 7º, a lei portuguesa aplica-se
seja qual for a nacionalidade do agente ou da vítima, por isso é que se fala de uma
aplicação incondicionada da lei nesses casos. É importante lembrar que quando se trata
Nota: território português é o que está definido como tal na constituição, parcela de
território continental entre o Atlântico e a Espanha, 12 milhas, espaço aéreo, etc.
Alínea a) do artigo 5º/1, o que há de comum entre todos estes crimes? Qual é a
razão de ser da aplicação da lei portuguesa a factos praticados fora do território
português quando se trate destes crimes? Entende-se que todos estes crimes atentam
Esta era a regra base do direito feudal, nesta altura não havia um direito
territorial, o direito aplicava-se aos vassalos, súbditos daquele senhor feudal, portanto
o laço que justificava a conexão da lei era um laço pessoal, o vassalo respondia perante
o seu senhor independentemente do lugar onde praticasse o facto.
Depois com as revoluções liberais destrui-se esses laços de vassalagem e passou
a territorialidade a assumir a forma básica de conexão da lei, até por causa da nascente
soberania, a territorialidade era a expressão mais óbvia da soberania.
Esta regra da nacionalidade ou personalidade vem a ser ressuscitada pelo código
penal alemão no fim da década de 30 do século XX, isto tinha uma função ideológica
Há aqui várias construções possíveis, uma construção um pouco mais antiga que
encontra nessa ideia do código nacional socialista é a da fidelidade do cidadão ao seu
direito. Depois uma segunda perspetiva diz-se: a regra da nacionalidade é uma
compensação pela não extradição de nacionais, como Portugal não extradita os seus
nacionais, tem de administrar a justiça sob pena de entrar em grave incumprimento com
os outros países, porque se um cidadão português comete um crime no estrangeiro e
Portugal não o pode extraditar para o estrangeiro porque a sua constituição não lhe
permite, se o deixa impune isso é uma violação do dever de respeito e cooperação para
com os países onde o cidadão tenha praticado o crime.
Portanto regra da nacionalidade ativa nesta perspetiva compensa a proibição de
extradição de nacionais. Dr. Caeiro diria que há algo de verdade nesta perspetiva, até
porque certos países que não tem a regra da nacionalidade são países que extraditam
os seus nacionais (ex: Reino Unido), só conhecem factos praticados no território da sua
jurisdição, mas a verdade é que esta explicação não é totalmente satisfatória porque se
o fundamento desta regra da nacionalidade fosse não permitir que o estado estrangeiro
saia defraudado do nosso esquema legal, não possa haver um agente julgado e punido,
se fosse só em virtude da cooperação internacional que existiria esta regra, então para
isso teríamos não a regra da nacionalidade mas uma regra da administração supletiva
da justiça penal mais ampla. Que é uma regra que diz o seguinte, se um estado pede a
extradição de uma pessoa a outro estado e este nega, então julga essa pessoa, ou
entregas ou julgas, se o problema fosse esse então a regra da nacionalidade também
não era necessária.
Do ponto de vista do Dr. Caeiro a regra da nacionalidade tem um fundamento
diferente, não é só uma questão de compensar a não extradição de nacionais, o que se
passa é que os crimes praticados por cidadãos nacionais no estrangeiro também provoca
alarme na comunidade nacional e portanto o estado português tem também uma
responsabilidade de administrar a justiça nesses casos, mesmo que os bens jurídicos
atingidos sejam bens jurídicos estrangeiros. Esse é do ponto do vista do professor o
fundamento atual da regra da nacionalidade.
Onde se diz “constituir em crime que admita extradição” isto significa que
há certos crimes por sua natureza não admitem extradição, quais são?
De acordo com a lei portuguesa são os crimes políticos ou crimes conexos a
crimes políticos e os crimes puramente militares (aqueles que só violam a lei militar, mas
não a lei comum, por exemplo, o crime de abandono de sentinela), aqui só há uma
exceção que é os casos em que Portugal tem um tratado ou uma convenção com esse
país onde se compromete a dar ajuda mútua relativamente aos assuntos militares. Por
outro lado, crimes políticos ou infrações conexas a eles, esta é uma das regras mais
antigas do direito da extradição - a proteção dos criminosos políticos por se entender
que o que se quer é proteger a pessoa de uma perseguição politica, alguém pratica um
crime objetivamente e subjetivamente politico, um crime praticado com um fundo
politico e que na sua materialidade também tem uma expressão politica e muitas vezes
esses crimes são perseguidos em virtude de discriminação politica proibida, a ideia é
proteger esses agentes relativamente a perseguições discriminatórias. No caso dos
militares, é que um estado não tem de proteger uma parede militar de um outro estado,
são coisas estritamente nacionais. No passado ainda havia uma 3ª categoria de crimes
que não admitiam extradição que eram os crimes fiscais também um pouco com a ideia
de que atentam a uma organização fiscal de cada estado, um assunto interno. Hoje não
é assim, os crimes fiscais são fundamento da extradição.
Diferenças entre a extradição, entrega no mandado de detenção europeu, entrega aos
tribunais penais internacionais, etc. -> a extradição é um procedimento tradicional de
cooperação entre os estados, trata-se de uma situação em que o estado procura uma
determinada pessoa, para a julgar ou executar uma pena que já foi aplicada, essa pessoa
está fugida num outro estado, portanto existe um pedido de extradição para que ela
seja entregue ao estado que tem a pretensão de aplicar ou de executar uma pena sobre
esse indivíduo. O mandato de detenção europeu tem como finalidade o mesmo que a
extradição, mas os estados entenderam que não se justificava aqueles processos
complexos da extradição atendendo à confiança entre os estados da mesma união. Os
procedimentos de entrega aos tribunais internacionais, é necessária a cooperação dos
estados para que lhe sejam entregues as pessoas procuradas para efeitos de
julgamento, esses procedimento de entrega estão descritos no estatuto de Roma no TPI
e os estados desses estatutos estão vinculados ao TPI.
b) A “nacionalidade dupla”
Já vimos a regra da nacionalidade ativa, a regra da nacionalidade passiva, os
respetivos fundamentos e em ligação com esta regra temos aquela que se encontra na
Exemplo: o agente que se encontrava em lua de mel com a mulher casados de fresco
num país que admite o sequestro ou até a punição física do marido em relação à mulher
e praticava esses factos nesse país, o legislador português entendeu que esses factos
praticados entre portugueses mesmo não puníveis pela lei do lugar deveriam ser
perseguidos pela lei nacional.
Esta regra da competência é uma regra muito duvidosa do ponto de vista da sua
conformidade com o direito internacional, porque o instituto da fraude à lei, se existe
no direito civil, é dificilmente pensável no direito penal, porque no direito penal cada
estado rege livremente as condutas praticadas no seu território, portanto o principio é
o da liberdade, se uma conduta não é proibida em determinado lugar, em principio este
estado tem a prerrogativa de garantir que a pessoa não é punível por um outro estado,
salvo naqueles casos excecionais que vimos. Cada estado tem a prerrogativa de garantir
a liberdade das pessoas que se encontram no seu território contra a ingerência de outros
estados que procurem punir esses crimes e portanto do ponto de vista do direito
internacional, considerar esses casos como sujeitos à lei portuguesa, punir agentes que
atuam de forma ilícita perante a lei do lugar é muito duvidoso porque provavelmente
existe aqui uma ingerência na lei no estado do lugar da prática do facto. Outro exemplo
atual será o da mulher que ajuda o marido a suicidar-se (marido tem uma doença
terminal) vão para outro país onde o suicídio não é punível, de acordo com a lei
Nota: não esquecer que a nossa CRP, se for caso disso, no artigo 29º/2 permite a
aplicação direta de normas penais geradas pelo direito internacional comum.
O principio que inspira esta norma é o principio ne bis in idem, que impede que
uma pessoa seja punida 2 vezes pelo mesmo facto. Há aqui várias questões que se
podem levantar a este propósito e a primeira é a seguinte:
Quando se aplica a lei estrangeira pode acontecer que a pena aplicável não seja
exatamente igual às penas que existem no direito português e aqui temos um problema
de ordem pública, porque o estado português não pode aplicar penas que não conhece
e portanto se aquela pena não tiver correspondência direta na lei portuguesa, tem de
ser convertida naquela que lhe seja mais próxima, portanto a execução segue nos
termos da lei portuguesa, se não houver nenhuma correspondência próxima, temos de
aplicar a pena que a lei portuguesa prevê o facto.
Ultima ressalva do artigo 6º é que este principio do tratamento mais favorável
não se aplica quando a competência da lei portuguesa se fundamento nas alíneas a) ou
b) do artigo 5º, portanto há aqui uma exceção ao principio do tratamento mais favorável
quando se trata de crimes contra os interesses nacionais, portanto a regra da defesa
contra os interesses nacionais ou quando se trata da regra da nacionalidade dupla, tanto
num caso como no outro não se aplica a lei mais favorável porque o raciocínio aqui é o
seguinte: remeter o tratamento do caso para a aplicação da lei mais favorável significaria
não haver punição porque a lei estrangeira não pune esses factos e isso entende-se que
a proteção dos interesses mais importantes do estado português não deve ser definida
pela lei estrangeira, mas sim pela nacional.
Raciocínio semelhante deve ser desenvolvido em relação à alínea d), pois se a
especificidade da alínea b) é desconsiderar totalmente a lei do lugar, é dizer
independentemente do que diz a lei do lugar, a lei portuguesa aplica-se a factos
praticados por portugueses contra portugueses, se a competência da lei portuguesa se
fundamenta dessa maneira não tem sentido depois remeter o tratamento de um caso
para a lei estrangeira mais favorável.
Nota: ESTE CAPÍTULO NÃO SAI, mas era importante que lêssemos para compreender o
resto da matéria, embora não saiam perguntas diretas sobre esta matéria.
Vamos falar do facto punível e não do agente criminoso, e esta ressalva tem
razão de ser porque nem sempre se entendeu o direito penal como um direito penal do
facto, houve momentos na história em que o direito penal atendeu não tanto aos factos,
mas ao agente desses factos, ao criminoso e não ao crime. Na época das ordenações o
foco do direito penal centrava-se no agente e não no facto. Isto hoje não é assim.
Quando falamos na construção do facto punível já estamos a dar uma certa
orientação metodológica ao nosso estudo, é o estudo do crime. O conceito jurídico de
crime foi evoluindo ao longo do tempo, houve várias perspetivas que procuraram
traduzir o conceito jurídico de crime, isso deu origem aos vários elementos do crime.
Isto implica olhar para todos os crimes de todas as espécies e encontrar elementos
comuns, é um esforço de racionalização notável, e isso começou a ser feito com a escola
clássica, com grande influencia do positivismo, onde se procurou estudar o crime de
forma positiva, copiando as ciências exatas. Partiram do particular para o geral para
encontrar as categorias fundamentais do crime – método categorial classificatório – à
qual se subordinam todas as espécies das infrações criminais.
AÇÃO – era vista como um elemento corpóreo que levava a uma modificação do mundo
exterior;
TÍPICA – tinha de ser englobada num tipo de crime, por seu lado essa ação tinha de ser
englobada num tipo de crime e para a escola clássica tratava-se apenas de uma lógica
formal, A matou B, existe um tipo de crime que diz quem matar outra pessoa, então essa
ação é típica;
ILÍCITA – tem de ser uma ação contrária ao direito, escola clássica via isto de uma
maneira muito pobre porque seriam ilícitas todas as ações típicas que não beneficiassem
de uma causa de justificação, a ação típica era uma ação contrária ao direito a não ser
que beneficiasse de uma causa de justificação;
CULPA – seria uma mera psicológica entre o agente e o facto, que se exprimia ou através
do dolo ou da negligencia;
PUNIBILIDADE – não tinha autonomia, só surge mais tarde portanto não iremos abordá-
la dentro da conceção da escola clássica.
Foi um movimento geral do direito, uma luta de vários setores da filosofia que
se manifestou contra a abordagem positivista ao direito. O que se criticava ao
positivismo? Desde logo os seus pressupostos metodológicos, o que o normativismo
veio dizer é que não se pode estudar o crime enquanto fenómeno humano como se
tratasse de um fenómeno físico, mecânico, causal, as ciências humanas tem os seus
próprios sentidos. As condutas humanas são guiadas por valores e por sentidos de ação.
Depois críticas mais específicas, por exemplo, diziam os normativistas e com
razão, que a forma de compreender o crime por parte do positivismo no que toca à
tipicidade e ilicitude do comportamento, são meras operações lógicas, não fazem uma
unidade de sentido para as condutas humanas, a categoria da ilicitude é muito pobre
porque consiste apenas de uma coisa objetiva que se reduz a saber se existe ou não uma
cláusula de justificação. O comportamento para ser valorado como ilícito teria que ter
um conteúdo material para isto, não podemos limitar-nos a refugiarmo-nos nos
conceitos formais de tipo e ilicitude.
Outro argumento é que o positivismo via a culpa como uma pura ligação
psicológica entre o agente e o facto, qual era essa ligação? Era a que se continha nas
fórmulas do dolo e da negligencia. Dizem os autores do normativismo que a culpa não é
só isso, há uma série de outros elementos que também conformam o juízo de culpa, por
exemplo a inimputabilidade, o inimputável (aquele que age sem culpa) também pode
agir com dolo ou negligencia, por outro lado há certos casos em que não é exigível ao
agente que pratique uma outra conduta (casos de exclusão da culpa), o agente atua com
dolo, mas não lhe era exigível que praticasse uma conduta diferente (que obedecesse à
lei), aqui temos mais uma elemento que não se reduz ao dolo e à negligencia, que é a
exigibilidade. E por ultimo dizem ainda os normativistas que há certos casos em que o
desconhecimento do ilícito, isto é, a circunstancia do agente não perceber que está a
atuar contra o direito também deve excluir a culpa. Em suma o conceito de culpa do
positivismo era muito estreito, muito orientado para as realidade psicológicas e incapaz
de oferecer um juízo material.
Normativismo propõe um sistema com outros pressupostos metodológicos do
reino da cultura, do sentido e não ao reino causal, embora depois o normativismo não
se desviava muito do positivismo num aspeto, adotava que o que estava na base do
crime seria a ação vista como uma modificação do mundo exterior, nesse aspeto era
Que ao contrário das correntes anteriores, nasceu da obra de uma pessoa, Hans
Welzel que erigiu uma perspetiva do crime dele e que condicionou durante muito tempo
e ainda hoje a visão do conceito de crime.
O ponto de partida era: o normativismo não chegou a superar o positivismo, caiu
em grande parte dos erros do mesmo, nomeadamente o normativismo parte do mesmo
conceito de ação, e a este propósito este autor diz que o direito não faz parte do tal
paradigma causal, direito vive no mundo do sentido, mas então é preciso levar esse
pensamento até ao fim e temos de ver em que consiste a ação humana, é que uma vez
que consigamos determinar o conceito de ação humana, o direito não pode manipular
esse conceito, e na busca desse conceito derivado da natureza das coisas, este autor diz
que o que é característico da ação humana é que o homem quando age, age motivado
por finalidades, a ação humana é dirigida a certos fins, daí a ideia de ação final, é uma
ação com sentido, ao contrário do que acontece com os fenómenos naturais, a ação
humana é dirigida a fins, é uma supera determinação final de um processo causal, quer
Quer isto dizer então que a ação perde completamente relevância no sistema
de crime?
Exemplo: uma pessoa que sofre um ataque epilético e com o ataque parte o objeto de
outrem, isto não é uma ação humana, não chega aqui a haver uma ação e portanto nem
sequer se realiza o tipo de crime de dano de destruição de um objeto alheio. Mas se o
agente teve esse ataque porque não tomou a medicação que devia ter tomado, aí o
direito já pode dizer não, temos aí uma ação relevante, o que significa que será sempre
o sistema jurídico a determinar a relevância típica de certa ação.
Mas estes dois tipos tem uma diversidade estrutural e são estudados em
momentos diferentes, os tipos incriminadores gravitam à volta de um bem jurídico, e os
tipos justificadores são tipos de aplicação geral e estão na parte geral do CP.
Em conclusão, o tipo é instrumental em relação à ilicitude, não tem
verdadeiramente qualquer autonomia em relação ao juízo de ilícito. Não deixa de ser
verdade que esta diferença entre tipos incriminadores e justificadores já nos sugere
outra coisa, que o incriminador tem a função de descrever em abstrato o juízo de
danosidade social. O confronto entre os dois tipos dá-nos um juízo de ilicitude, que é
sempre sobre uma conduta concreta.
É por força desta visão que o Dr. Figueiredo Dias propõe que nós falaremos
frequentemente do ilícito típico (ou tipo de ilícito), podemos dizer que as categorias tipo
e ilicitude não devem estar isoladas – são uma fusão, mas sempre por base na ideia de
que o preenchimento do tipo por si só não desencadeia uma ação criminal, mas o tipo
de ilícito sim.
Em relação ao dolo e à negligencia, são condutas partilhadas entre o tipo de
ilícito e a culpa, são categorias heterogéneas que tem dois lugares de valoração dentro
do sistema penal que estudaremos mais à frente.
A ultima categoria do crime é a punibilidade, concentra as exigências de
dignidade penal, nem todos os tipos de ilícitos culposos são dignos de pena, punibilidade
serve como um filtro a determinados comportamentos.
Agora vamos ver uma categoria que na realidade nunca foi muito aceite pela
doutrina portuguesa, que são os chamados crimes de perigo abstrato-concreto: são
ainda crimes de perigo abstrato, mas a prova de que o bem jurídico não correu qualquer
perigo, afasta a imputação do crime, a prova negativa seria suficiente. Estes crimes
devem ser diferenciados dos chamados crimes de aptidão, estes sim, existem vários
onde a capacidade da conduta para produzir perigo faz parte do próprio tipo de crime,
por exemplo no crime de terrorismo na Lei 52/2003, há uma clausula de aptidão que dá
uma coloração diferente à perigosidade da conduta, é um elemento do tipo e não é um
crime de perigo abstrato.
Uma outra distinção ainda é aquela que contrapõe os crimes simples aos crimes
complexos. A generalidade dos crimes são simples porque se destinam a proteger um
único bem jurídico, mas em alguns tipos de crime protege-se mais do que um bem
jurídico – crimes complexos. Por exemplo o crime de roubo (artigo 210º CP) protege
simultaneamente a propriedade e a integridade física. Que interesse é que esta
classificação tem? Pode ter interesse para certas causas de justificação.
Podemos ter também:
Quais são os instrumentos que o juiz usa para fazer este juízo de prognose?
Desde logo as regras da experiencia, desde logo é aquilo que se pode designar
pelo senso comum, para além destas o juiz tem também de levar em conta
conhecimentos especiais que o agente tem sobre determinada situação, exemplo,
vamos supor que A cozinha um jantar para o seu vizinho B e inclui um aperitivo
composto de amendoins, B come essa mousse e morre porque era alérgico a
amendoins, bom se fizermos um juízo póstuma ex ante, ninguém morre por comer uma
mousse feita com amendoins e nesse caso seriamos levados a negar a imputação do
resultado porque se trata de uma consequência anormal e imprevisível, porém, se ele
sabia que o vizinho era alérgico, então os conhecimentos que o agente tinha também
devem ser usados para medir a previsibilidade da ocorrência do resultado. E ainda os
conhecimentos técnicos e científicos que sejam necessários no caso. Muitas vezes o juiz
não tem competência para saber se era ou não previsível que aquela intervenção
conduzisse ao resultado, muitas vezes é preciso recorrer a conhecimentos técnicos e
científicos.
O resultado só deve ser imputado à ação quando de acordo com este juízo se
possa afirmar que é uma consequência previsível, típica e normal naquela espécie de
ações.
Além disso, outra das consequências da doutrina da adequação é que esta tem
de se manter ao longo de todo o processo causal, quer dizer, que não pode haver
interferências imprevisíveis no decurso do processo causal, a este propósito costuma
falar-se dos problemas de interrupção do nexo causal e intervenção de terceiros.
Nós temos duas formas básicas de interrupção do processo causal, temos um
grupo de casos em que o que se interrompe é o processo causal propriamente dito e
portanto é claro que nesses casos, o resultado não deve ser imputado porque não é
causado pela ação do agente, por exemplo A leva um tiro que lhe pode provocar a
morte, vai para o hospital e enquanto está lá em coma sofre uma infeção hospitalar e
morre em virtude da infeção, neste caso há uma interrupção de nexo causal, a morte
não deve ser imputada ao agente que disparou o tiro, porque aquilo não podemos dizer
que foi aquele agente a causar a morte, o agente morreu da infeção, o que existe aqui
é a substituição do processo causal originário por um novo processo causal que decorre
da infeção, logo só poderá haver responsabilidade pelo agente que deu o tiro por
Diminuição do risco
Casos em que a ação do agente diminui um risco já existente para o bem jurídico
ou para o portador do bem jurídico, não há uma coincidência entre o bem jurídico
afetado pela ação do agente e o bem jurídico que se encontra em risco, mas ambos são
Exemplo: num caso que ocorreu na Alemanha, provou-se que uma certa fábrica que
produzia pincéis para a barba, estava a causar doenças nos seus trabalhadores, e
apurou-se também que a fábrica não tinha procedido à desinfeção obrigatória daqueles
produtos e portanto tudo apontaria para causalidade adequada, é previsível que
produtos de origem animal que não sejam desinfetados adequadamente, tenham
consequências para a saúde e portanto até podemos dizer que ao não proceder a essa
desinfeção a empresa criou um risco proibido na ocorrência do resultado, só que
provou-se em tribunal que os produtos regularmente indicados para fazer a desinfeção
daqueles materiais, seriam absolutamente inócuos para o tipo de bactéria que eles
continham, mesmo que a empresa tivesse atuado conforme o direito, o resultado ter-
se-ia produzido na mesma e pela forma forma.
Isto leva-nos a negar nestes casos a imputação do resultado, porque este não
surge como uma imputação do risco proibido, e portanto como o risco proibido não se
materializa no resultado não se deve imputar o mesmo à ação do agente. Por isso se fala
numa regra de comportamento lícito alternativo, porque deve se excluir a imputação do
resultado sempre que se o agente tivesse atuado conforme o direito, o resultado era o
mesmo e portanto também nesses casos se deve negar a imputação do resultado.
Não se deve imputar a ação àqueles resultados que não estão compreendidos
no âmbito da proibição, as normas existem para prevenir certos resultados ou certas
formas de causação de resultados e por vezes há de facto uma violação da norma que
origina um certo resultado, mas este é diferente do resultado que aquela norma quer
Mas isto é a norma de cuidado, aquilo que estamos a tratar ainda não é um
problema do cuidado devido, mas sim do âmbito de proteção das normas
incriminadoras e a esse respeito há 3 constelações de casos diferentes:
1) Casos de auto colocação em risco, casos em que a própria pessoa se coloca em
risco, Dr. Figueiredo Dias dá o exemplo de uma corrida de carros por aposta e
uma pessoa fere-se;
2) Hétero colocação em risco aceite por terceiro, alguém coloca outra pessoa em
risco mas esse risco é aceite pelo terceiro, por exemplo o passageiro do táxi que
ordena o taxista para ir mais depressa e em virtude dessa velocidade acaba por
ter um acidente;
3) Responsabilidade alheia, por exemplo A põe um incendio numa floresta e o
bombeiro que vai apagar esse incendio acaba por morrer, aqui a morte do
bombeiro não cabe dentro do âmbito da proibição estabelecida.
Diz o Dr. Figueiredo Dias que todos estes casos não acrescentam muito em
termos de imputação objetiva, porque aqui o que está em causa é o principio da auto
responsabilidade.
6. A irrelevância da causa virtual para a exclusão da imputação do resultado
A questão aqui é a inversa do comportamento lícito alternativo, o que aqui se
procura saber é: A causou o resultado B, mas esse resultado seria causado com certeza
noutro tempo e noutra condição por um evento natural ou por ação de C.
No caso dos pincéis o resultado não é causado pela pessoa cujo problema de
responsabilidade se põe, neste caso existe um processo causal em curso que culmina na
Crime de execução livre -> erro é IRRELEVANTE, porque o processo causal não faz parte
do tipo e assim incide sobre uma matéria que não pertence ao tipo (NÃO ESCREVER ISTO NO
EXAME)
O principio da resposta está certo, o fundamento é que está errado, é que não
se pode dizer nos crimes de execução livre que o processo causal não faz parte do tipo,
claro que faz, o que acontece é uma coisa diferente, é que qualquer processo causal que
seja adequado, que cumpra as regras de imputação objetiva é suficiente para imputar o
resultado, não é necessário que o agente represente aquele particular processo causal
que quis produzir – exemplo: A quer matar B por afogamento, atira-o para uma ponte
abaixo mas o agente acaba por morrer porque bateu com a cabeça mas não por
afogamento, há aqui uma divergência entre o processo causal projetado e o
efetivamente ocorrido, mas isto não é relevante, porque este resultado morte é
imputável à ação do agente e portanto é indiferente o modo como o agente queria
produzir a morte.
Já se o agente produz o resultado de acordo com o processo causal descrito na
lei, mas ele não conhece esse processo causal, por exemplo num crime de burla vamos
supor que o agente está a brincar com a vitima e ela acaba por sofrer um prejuízo
patrimonial com isso, o agente não representa que está a determinar a vítima à prática
de atos que lhe vão causar um grande prejuízo.
Grande parte dos casos onde se discute o erro sobre o processo causal, são casos
que na realidade levantam problemas é ao nível da imputação objetiva, por exemplo A
quer matar B por afogamento, atira-o da ponte, mas A consegue salvar-se, nada até a
margem, agarra-se a uma pedra para sair do rio, mas esta rola e acaba por esmaga-lo,
aqui o problema é se ainda podemos imputar a morte daquela pessoa àquela ação, se
Dolos Generalis
Erro na execução
FIM
Bom estudo malta!