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Direito da Família e dos Menores

Mariana Melo

Direito da Familia e dos Menores


Cadeira muito técnica – temos de ter atenção para não nos confundirmos nos conceitos.

Frequência: 14 de novembro e 14 de dezembro

Noção jurídica de família. Fontes das relações jurídicas familiares. Evolução sociológica e evolução
jurídica da família

Quando falamos em família, no direito civil, somos remetidos para o artigo 1576º – significa que a nossa
família é composta pelos nossos cônjuges, pelos parentes, pelos nossos afins e pelos nossos adotados e
adotantes.

O legislador foi “atabalhoado” porque no artigo 1576º temos 4 relações familiares das quais apenas 2
são fontes de relações familiares – o casamento e a adoção:

 O casamento (relação matrimonial) é uma fonte familiar, pois é a relação que, em consequência do
casamento, liga os cônjuges entre si - quando alguém casa, está a escolher um estatuto familiar. Ao casar,
constitui-se uma nova família, uma família matrimonial. Aquele casal, agora, à luz do direito, é uma
família.
 A adoção também é uma fonte de relação familiar - até ser decretada a adoção, existe uma relação
(existirá confiança numa futura adoção, uma relação de afeto) embora ainda não exista adoção.
Estas são relações que se estabelecem entre adotante e adotado ou entre um deles e os parentes do
outro.

O parentesco e a afinidade já são relações familiares e, como tal, o legislador não foi muito coerente,
mas é claro que há 4 relações familiares: a relação de afinidade, a relação fundada na adoção, a relação de
parentesco (sangue) e a relação matrimonial – 1576º. Podemos dizer que a família abrange todas as pessoas
ligadas por estas relações.
À família de uma pessoa, pertencem, pois, não só o seu cônjuge, como ainda os seus parentes, afins,
adotantes e adotados: este conceito tão lato é o que corresponde à noção jurídica de família.

Há quem, incorretamente, desvalorize o elenco expresso no artigo 1576º e considere que lhe devem ser
acrescentadas as relações emergentes da UF ou do apadrinhamento civil e a paternidade não biológica
consentida no quadro da procriação medicamente assistida (1839º/3 e Lei nº 32/2006, de 26 de julho, 20º,
23º/2, 26º, 27º e 47º).

A família, em sentido jurídico, constitui um grupo de pessoas, mas não é ela própria uma pessoa
jurídica. Isto não quer dizer que a lei não reconhece o grupo familiar como portador de interesses próprios,
interesses distintos dos interesses individuais das pessoas que formam o grupo.

 Os cônjuges hão-de ter em conta o “bem da família” na orientação da vida em comum – 1671º/2;
 Os cônjuges devem procurar salvaguardar a “unidade da vida familiar” na escolha da residência –
1673º;
 O cônjuge que, após a morte do outro ou depois de decretado o divórcio ou a separação de pessoas e
bens, conserve apelidos do outro cônjuge pode ser impedido de os usar se os “interesses morais da
família” forem gravemente lesados – 1677º-C/1.

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O “interesse” ou o “bem” da família é prosseguido, não através de um novo ente jurídico, a que o
direito reconheça personalidade, mas através das próprias pessoas singulares que integram o grupo familiar.

A esta noção, não corresponde qualquer realidade social, pois um grupo numeroso só se reunirá, p. ex.,
em festas importantes ou depois da morte. Como grupo social, a família é hoje quase sempre a “pequena
família”, podendo revestir diversas composições.

Parentesco

Esta é a relação mais importante no direito da família porque é a relação de sangue. Os nossos parentes
são as pessoas que estão ligadas a nós pela (relação de) consanguinidade, pela relação de sangue.

1576º - parente não é equivalente a familiar; a nossa família é constituída pelos cônjuges, parentes,
adotantes e afins. Os nossos parentes são apenas os familiares com quem temos relação de
consanguinidade.

E esta relação funda-se no sangue porquê? Porque ou descendemos uns dos outros ou descendemos
de um progenitor comum (1578º). No 1º caso, o parentesco é em linha reta ou direta e, no 2º, em linha
transversal ou colateral. A base comum é esta relação de sangue.

São relações de parentesco, a relação entre o filho e o pai ou a mãe, as relações entre irmãos, entre
primos, etc. No entanto, as relações de filiação — a relação de maternidade e a de paternidade, logo que
uma e outra se encontrem estabelecidas — são de longe e, sem dúvida, as mais importantes das relações de
parentesco.

A maternidade estabelece-se por simples menção no registo de nascimento do filho ou, quando o registo seja
omisso, por declaração de maternidade ou reconhecimento judicial; quanto à paternidade, pode estabelecer-se por
presunção legal ou, tratando-se de filho nascido fora do casamento, por perfilhação ou decisão judicial em ação de
investigação de paternidade.

Há aqui, à semelhança do que acontece na relação matrimonial, relações em si mesmas não familiares,
mas obrigacionais ou reais, que nascem e se desenvolvem na dependência de uma relação de parentesco, e
cujo regime é influenciado por tal circunstância, por isso mesmo sendo abrangidas e estudadas no direito da
família. A obrigação de alimentos aos filhos menores (1878º e 2009º e 45º e ss da Lei nº 141/2015), e
mesmo aos filhos maiores (1880º, e Lei nº 122/2015), assim como o direito de propriedade dos pais sobre
certos bens dos filhos menores (1895º) e o direito conferido aos pais de utilizar os rendimentos dos bens dos
filhos (1896º), são exemplos dessas relações.

Nesta relação, não temos na base a vontade, como acontece no casamento (contrato). Há um facto
biológico na base. O parentesco pode dar origem a efeitos muito densos – p. ex., entre pais e filhos com as
responsabilidades parentais -, ou praticamente inexistentes não assumindo grande relevância jurídica.

Nota: filiação - relações unilaterais, não nos interessa se A ou B é homem ou mulher, nem se é casado ou
solteiro. Só nos interessa que B e C são filhos de A.

Deve ter-se em conta, o limite à relevância jurídica do parentesco posto no artigo 1582º, segundo o
qual os efeitos do parentesco se produzem em qualquer grau na linha reta, mas só até ao 6º grau na
colateral.

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São raras as disposições que, em contrário ao limite imposto no artigo 1582º, dão relevância às relações
de parentesco na linha colateral para além do 6º grau. Só nos ocorre o artigo 2042º, segundo o qual, na
sucessão legal, a representação tem sempre lugar, na linha colateral, em benefício dos descendentes de
irmão do falecido, qualquer que seja o grau de parentesco.

Pelo contrário, são muito numerosos os casos em que a lei restringe ainda mais, para determinados
efeitos, a relevância jurídica do parentesco. Assim, os colaterais que não sejam descendentes de irmãos só
têm direitos sucessórios até ao 4º grau (2133º/1/d). Podem conferir-se ainda, entre muitos outros, os artigos
1639º/1, 1677º-C/2, e 2009º/1. Podemos dizer que o parentesco é relevante para as sucessões.

Há parentes mais próximos e mais distantes e o direito não o ignora, pois dá às várias relações de
parentesco efeitos diferentes. E, é mediante a contagem do parentesco que se torna possível definir,
ordenar e estabelecer uma hierarquia entre elas. O parentesco conta-se por linhas e por graus. Nos termos
do artigo 1579º, “cada geração forma um grau, e a série dos graus constitui a linha de parentesco”.

O artigo 1580º/1 faz uma distinção entre a linha reta e a linha transversal. Esta diferença é importante
porque vamos contar os graus de parentesco. Como se contam?

A
A
Linha reta B Linha colateral
ou direta ou transversal B C
C
B1 B2 C1 C2

Na linha reta, descendemos um dos outros. Na linha colateral, temos um progenitor comum.

Nota: Cada uma destas linhas chamam-se gerações.

Na linha reta – 1580º -, contamos toda a gente, menos o progenitor.


 Se A é pai de B, eles são parentes em 1º grau (porque só se conta o B).
 Então e os netos (C)? São parentes em linha reta de 2º grau.

Na linha colateral – 1580º -, a contagem é feita de modo diferente: contamos toda a gente, menos o
progenitor comum.
 Isso significa que os nossos irmãos são nossos parentes em 2º grau na linha colateral (Porque em B conta-
se o 1º grau, A não se conta e C faz o 2º grau).
 E os nossos tios? B1 é sobrinho de C. Então os nossos tios são nossos parentes em 3º grau na linha
colateral. Os tios e sobrinhos são parentes na linha colateral em 3º grau.
 Então e os primos? Estamos a aferir a relação entre B1 e C1. Os nossos primos são nossos parentes na
linha colateral em 4º grau.

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Devemos fazer, ainda, outras distinções. Assim, a linha reta pode ser descendente ou ascendente
(1580º/2), consoante a encaramos num sentido ou noutro. Quanto ao interesse da distinção, lembraremos
só que os descendentes constituem, ao lado do cônjuge sobrevivo, a 1ª classe sucessória, na ordem legal da
sucessão estabelecida no artigo 2133º, enquanto os ascendentes constituem a 2ª classe. Por outro lado,
pode distinguir-se entre linha paterna e materna, tanto quanto à linha reta como quanto à transversal. A
distinção releva, p. ex., quanto à constituição do conselho de família (1952º/3) e à nomeação do protutor
(1955º/2).

! Não podemos dar relevância a todas as relações, dando-se importância jurídica relevante até ao 6º grau.
Grau de parentesco: linha reta ou colateral. Dentro destas é irrelevante ser linha descendente ou ascendente.

Regras:
 No parentesco em linha reta contamos toda a gente menos progenitor;
 Na linha colateral contamos toda a gente menos o progenitor comum.

É fácil ver como, segundo este processo de contagem, os irmãos, ou os avós e os netos, são parentes
em 2º grau, os tios e os sobrinhos em 3º, os primos direitos em 4º grau, etc.

 1578º
 1579º
 1580º
 1581º
 1582º  norma de caráter geral

Efeitos:

Os efeitos do parentesco variam consoante a relação de parentesco em causa: as relações de


parentesco têm maior ou menor relevância conforme são mais apertadas ou mais frouxas.

Efeitos gerais

 Efeito sucessório (efeito principal): os descendentes, os ascendentes, os irmãos e seus descendentes e


os outros colaterais até ao 4º grau integram, respetivamente, a 1ª, a 2ª, a 3ª e a 4ª classes de
sucessíveis na ordem da sucessão legítima estabelecida no artigo 2133º/1. Embora se trate de um efeito
comum às várias relações de parentesco, a lei estabelece uma hierarquia entre elas. Esta hierarquia
é-nos revelada, tanto pelo princípio da proximidade de classe ou grupo sucessório, como pelo princípio
da proximidade de grau de parentesco dentro de cada classe sucessória.
Nota: os parentes na linha reta descendente ou ascendente, que ocupam, ao lado do cônjuge, as duas
primeiras classes sucessórias do artigo 2133º/1, são herdeiros legitimários (2157º).

 Obrigação de alimentos, imposta pela lei a determinados parentes: aos descendentes, ascendentes,
irmãos e tios (estes durante a menoridade do alimentando), justamente pela ordem indicada (2009º).
Respondem todos na proporção das suas quotas como herdeiros legítimos do alimentando (2010º/1).
Se algum deles não puder prestar os alimentos ou não tiver possibilidade económica de saldar
integralmente a sua responsabilidade, o encargo recairá sobre os onerados subsequentes (2009º/3).

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 Direito ao arrendamento para habitação por morte do arrendatário, e na falta de cônjuge com
residência no locado ou pessoa que com o arrendatário vivesse no locado em UF há mais de um ano, o
direito ao arrendamento para habitação transmite-se aos seus parentes que com ele residiam há mais
de um ano em economia comum, nos termos previstos no artigo 1106º; Direito ao arrendamento rural
aos seus parentes na linha reta que viviam com ele em comunhão de mesa e habitação ou em
economia comum há mais de um ano consecutivo (20º/2/a), do DL nº 294/2009, de 13 de outubro).

 Da qualidade de parente pode derivar a obrigação de exercer a tutela ou fazer parte do conselho de
família, nos termos dos artigos 1931º/1, e 1952º/1, respetivamente.

 Legitimidade para intentar a ação de anulação do casamento: 1639º - a lei confere legitimidade para
intentar a ação de anulação do casamento fundada em impedimento dirimente, ou para prosseguir nela
se o autor falecer na pendência da causa, a qualquer parente dos cônjuges na linha reta ou até ao 4º
grau na linha colateral; ou, nos termos dos artigos 1640º/2 e 1641º, intentar esta ação, mas agora
fundada em falta (à parte a simulação) ou em vício da vontade podendo ser prosseguida por qualquer
parente do cônjuge a quem a lei confere legitimidade para a propor (o cônjuge cuja vontade faltou ou
que foi vítima do erro ou da coação).

Efeitos especialmente atribuídos a certas relações de parentesco


Aqui destacamos as relações de filiação que são as mais importantes de todas.

 Responsabilidades parentais: 1877º e ss - é o complexo de poderes e deveres que a lei atribui ou impõe
aos pais para regerem as pessoas e os bens dos filhos menores.

 Efeitos do parentesco que se traduzem em limitações ou restrições à capacidade jurídica: 1602º/a)/c) -


não podem contrair casamento, entre si, os parentes na linha reta, nem os parentes em 2º grau na linha
colateral (irmãos); existe neste caso, um impedimento dirimente relativo à celebração do casamento. E,
também, os parentes em 3º grau na linha colateral (tio e sobrinha, tia e sobrinho) não podem casar
(1604º/c)); mas o impedimento é agora meramente impediente, e admitindo dispensa (1609º/1/a)).
Se, existindo perfilhação, a pretensa mãe e o perfilhante forem parentes em linha reta ou no 2º grau da
linha colateral, não é admitida a averiguação oficiosa da maternidade (1809º/a)); do mesmo modo, não
é admitida a averiguação oficiosa da paternidade se a mãe e o pretenso pai estiverem ligados por iguais
relações de parentesco (1866º/a)).

 Outras limitações à capacidade, constam de legislação especial. P. ex., as normas que regulam os
impedimentos e as suspeições do juiz (115º e 120º CPC); as recusas a depor como testemunha (497º
CPC); os impedimentos dos notários e dos adjuntos e oficiais do cartório (5º e 6ºCNot); etc.

Casamento

1577º: “Casamento é o contrato celebrado entre duas pessoas que pretendem constituir família mediante
uma plena comunhão de vida”.

Esta relação afeta a condição dos cônjuges de forma profunda e duradoura, influenciando a
generalidade das relações jurídicas obrigacionais e reais de que eles sejam titulares.

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A alteração da Lei nº 9/2010, de 31/05 veio consagrar o casamento homossexual, sendo deixada para
trás a expressão “entre duas pessoas de sexo diferente”.

! Plena comunhão de vida.

1577º  1587º/1 - significa que no nosso OJ estão consagrados 2 tipos casamentos. Poderíamos até pensar
em ter um casamento civil e que este fosse posteriormente celebrado catolicamente. Mas não, o que temos
são dois institutos diferentes. Quando escolhemos casar, casamos civilmente ou catolicamente. Ou seja,
cada um de nós escolhe, ou não, a modalidade de casamento com que pretende celebrar o matrimónio mas,
os direitos que adquirem são iguais apesar dos caminhos serem diferentes.

 Casamento Civil: única modalidade retratada no CC, uma vez que o casamento católico é retratado no
Código Canónico. Pode ser celebrado por casais homossexuais ou heterossexuais, sendo irrelevante.
Desde 2001, o casamento civil pode ser celebrado de 2 formas:
 Forma tradicional: Pode ser celebrado pelo conservador do registo civil. Não tem de ser no
conservatório, necessariamente.
 Sob forma religiosa: Pode ser celebrado segundo os rituais de uma religião radicada no
nosso país há mais de 30 anos. Ex: se eu for muçulmana, posso escolher casar civilmente, e
escolher o ministro de culto da minha religião para realizar uma cerimónia religiosa.
 Casamento Católico

Os noivos não sabem, muitas vezes, que ganham uma relação que constituíram com o seu cônjuge –
uma relação familiar. Mas, também não sabem, muitas vezes, que passam a ter como família, grande parte
dos familiares do cônjuge, pois temos no nosso OJ aquilo que designamos por relação de afinidade.

Afinidade

É a relação que liga um cônjuge aos parentes do outro (1584º). Isto significa que se eu for casada e o
meu marido tiver uma irmã, ela será minha afim. E, se ela for casada, o marido dela não será meu afim
porque ele não é parente do meu marido. Estas relações são elas mesmas um dos efeitos da relação
matrimonial. Temos de ter 2 vínculos: um matrimonial e um de parentesco.

A fonte da afinidade, ou das várias relações de afinidade, é, pois, o casamento.

! A afinidade liga-me aos parentes do meu cônjuge, não aos afins do meu
marido. Afinidade não gera afinidade. Portanto, eu sou afim dos parentes do
meu marido, mas não sou afim dos afins do meu marido.

Como é que contamos a afinidade?

Conta-se exatamente da mesma forma que se contabilizam os graus de parentesco, mas com nomes
diferentes. Os irmãos são parentes na linha colateral em 2º grau. O cônjuge do irmão é afim no 2º grau na
linha colateral. Na linha reta, A é mãe de B. Se B casar com Y, Y será a nora de A; são afins no 1º grau na linha
reta. Só substituímos o parentesco por afinidade.

Nota: Nunca dizer parente por afinidade. São afins. Correto: ele é meu familiar, somos afins.

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Quando é que a afinidade acaba?

Como o casamento é a causa da afinidade, esta só começa com a celebração do casamento. A afinidade
não opera para trás, não é ,mativa. Mas a afinidade cessará igualmente quando se dissolve o casamento que
lhe deu origem?

A questão foi sempre discutida, sobretudo acerca da dissolução por morte, que era a causa mais
frequente; chegou a prevalecer temporariamente a cessação da afinidade no caso de segundas núpcias. O
Código de 1966 manteve a solução tradicional de que a afinidade “não cessa pela dissolução do casamento”
(1585º, 2ª parte).

A solução pode compreender-se no caso de dissolução por morte, em que, regra geral, o falecimento de
um dos cônjuges não faz cessar as relações do sobrevivo com os parentes do finado; tratando-se de
dissolução por divórcio, porém, na generalidade dos casos as relações de afinidade deixam de ter relevância
social, mal se justificando que mantenham a sua relevância jurídica. Pelo menos no caso de divórcio, a
solução do 1585º suscitava assim de iure condendo as maiores reservas e a Lei nº 61/2008 determinou que a
afinidade só não cessa no caso de dissolução do casamento por morte.

E se o casamento foi declarado nulo ou anulado, o vínculo de afinidade manter-se-á? A questão deve
resolver-se de harmonia com os princípios do casamento putativo. O vínculo de afinidade só se mantém se
ambos os cônjuges estiverem de boa fé ao contrair o casamento.

1585º: “A afinidade determina-se pelos mesmos graus e linhas que definem o parentesco e não cessa pela
dissolução do casamento por morte.”

Nota: Para o direito, o casamento é tendencialmente perpétuo.

 Divórcio: a afinidade extingue-se. (Ex-marido; ex-sogra; tio do ex-marido).


Alteração da Lei nº 61/2008 – antes, a afinidade não se extinguia por divórcio. Só a partir desta lei é que
a afinidade se extingue. Antigamente, quando as pessoas mais velhas casavam, casavam muito novas.
Isso significava a entrada da mulher na família do marido, que muitas vezes passaria a ser a sua família,
por se ter nela integrado tão nova. A nora era muito relevante na família dos maridos. Ou seja, mesmo
que se divorciassem, aquela era a mãe dos netos, era a primeira nora, etc.
 Morte: a afinidade não se extingue.

O legislador não prevê o que acontece se a pessoa volta a casar.


Ver: 1677º-A.

! A UF não gera afinidade com os parentes da pessoa com a qual se está em UF.

Efeitos:

 Os afins não têm direitos sucessórios.

 Obrigação de alimentos: a lei só a impõe ao padrasto ou madrasta, relativamente a enteados menores


que estejam, ou estivessem no momento da morte do cônjuge, a cargo deste (2009º/1/f)).

 Direito ao arrendamento para habitação (1106º) e Direito ao arrendamento rural (20º/2/a), do DL


294/2009, de 13 de outubro) no caso de falecimento do arrendatário.

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 Obrigação de exercer a tutela ou fazer parte do conselho de família, pode igualmente recair sobre os
afins, nos termos dos artigos 1931º/1 e 1952º.

 Efeitos da afinidade que se traduzem em restrições à capacidade e incompatibilidades de vária


natureza: O artigo 1602º/c), considera a afinidade em linha reta impedimento dirimente relativo à
celebração do casamento, e os artigos 1809º/a) e 1866º/a) proíbem, respetivamente, a averiguação
oficiosa da maternidade e a da paternidade, quando a pretensa mãe e o perfilhante, no 1º caso, ou a
mãe e o pretenso pai, no 2º caso, estiverem ligados por relações de afinidade em linha reta.

 Os restantes efeitos da afinidade constam de legislação especial: embora a afinidade tenha o mesmo
limite do parentesco e, portanto, se estenda até ao 6º grau, a verdade é que são poucas as normas que
atribuem efeitos às relações de afinidade, na linha colateral, para além do 2º grau. Como exemplo,
temos o artigo 120º/1/a) CPC. As relações de afinidade na linha colateral do 5º e do 6º grau são
juridicamente irrelevantes em face do direito.

Adoção

1586º: é o vínculo que, à semelhança da filiação natural mas independentemente dos laços do sangue, se
estabelece legalmente entre duas pessoas nos termos dos artigos 1973º e ss.

Regime previsto no artigo 1973º e ss, que foi objeto de uma recente reforma.

Por oposição ao parentesco natural (verdadeiro parentesco), a adoção é assim um parentesco legal. O
que acontece é que a adoção assenta numa verdade afetiva e sociológica, distinta da verdade biológica em
que se funda o parentesco.

Anteriormente, a adoção estava centrada no adotante e ao serviço do seu interesse de assegurar a


continuação da família e a transmissão do nome e do património. Hoje, visa servir o interesse dos menores
desprovidos de meio familiar normal.

A adoção pode ser conjunta ou singular, conforme é feita por um casal (por duas pessoas casadas ou
que vivam em UF) ou por uma só pessoa, casada ou não casada.

Hoje em dia só existe 1 modalidade de adoção: a adoção plena. Antes conhecíamos, para além desta
modalidade, a adoção restrita.

Adoção plena: o filho que é adotado torna-se parte integrante da família do adotante (palavras muito
importantes), pois ele não se torna só filho deste, torna-se também parte de toda a família do adotante. Há
uma integração plena na família.

Anteriormente, alguém adotava uma criança mas não era com o objetivo de integrá-lo plenamente na
família, sendo restringindo, p. ex., em termos de heranças – Extinto do nosso OJ.

O apadrinhamento civil, que surge em 2009, vai servir como contraponto da adoção. Acontece quando
queremos apenas cuidar da criança, queremos acolhê-la e, como tal, seguimos a via do apadrinhamento civil
e não o da adoção.

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A parentalidade adotiva é muito mais exigente do que a parentalidade biológica uma vez que:

 Parentalidade biológica: tanto a mãe como o resto da família, têm 9 meses para se habituar à ideia de
receber a nova criança na família. A criança vai nascer no seio daquela família, não existindo,
posteriormente, a necessidade de haver um período de adaptação.
 Parentalidade adotiva: a pessoa que está a adotar tem os seus receios e pode estar até bastante
nervosa no momento da adoção. Também a criança poderá trazer “bagagem”, fazendo com que a
adaptação seja muito complicada.

A adoção não funciona sempre bem, havendo casos mal sucedidos, quer na pré-adoção (casos em que
já está na casa do adotante mas ainda não foi decretada a adoção), quer posteriormente.

Todavia há outras relações que são protegidas pelo direito: as relações parafamiliares.

Relações “parafamiliares”: a união de facto e outras “parcerias”


São as relações que não constam do artigo 1576º. Não estão classificadas pelo legislador como sendo
uma relação familiar mas, este tutela-as aplicando-lhes, em alguma medida, o regime das relações
familiares.

A adoção é uma relação familiar, sendo o apadrinhamento civil uma relação parafamiliar pois não vem
elencada no artigo 1576º. No entanto, não significa que não hajam semelhanças entre as 2 relações.

A relação parafamiliar mais importante é a união de facto pois é semelhante à vida partilhada em
casamento; desta forma, o legislador aplica à UF alguns aspetos e normas do regime do casamento.

O que é a UF e qual o fundamento da tutela da UF?

União de facto: Regulada pela Lei nº 7/2001, de 11/05 - lei que sofre alterações profundas em 2010,
deixando de levantar tantas questões doutrinais. Esta lei começa por nos dizer no artigo 1º que adota
medidas de proteção das uniões de facto. Este diploma não cria nem regula a UF, ele adota medidas de UF.
Porque é um facto, é a vida em concreto das pessoas; as pessoas não precisam de autorização do direito
para viver juntas. O que o legislador faz é tutelar em alguma medida essas relações.

Ao longo das últimas décadas, tem-se vindo a atribuir à UF cada vez mais efeitos, sobretudo no direito
da segurança social.

1º/2 – requisito que o legislador considerou necessário: 2 anos em vida comum para se ser protegido por
este diploma. Isto não significa que a UF não seja protegida antes de decorridos aqueles 2 anos. No caso do
arrendamento, é protegido a partir de 1 ano, p. ex.

A UF é a situação jurídica de duas pessoas que vivam em condições análogas às dos cônjuges, ou seja,
como se fossem casadas, apenas com a diferença de que não o são, pois não estão ligadas pelo vínculo
formal do casamento. A circunstância de viverem como se fossem casadas cria uma aparência externa de
casamento, em que terceiros podem confiar, o que explica alguns efeitos atribuídos à UF.

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É necessário que exista coabitação, em sentido técnico, não apenas viver juntas, ou seja, tem de haver
comunhão de leito, mesa e habitação, unidade e exclusividade. Só assim há UF.

 Comunhão de habitação: os unidos têm de ter uma sede da família. Até podem não viver juntos (p. ex.:
professores casados e que lecionam em cidades diferentes), mas tem de haver uma sede da sua UF.
Não implica necessariamente que vivam juntos, basta pois que tenham uma casa comum (não em
sentido de propriedade comum), uma casa onde estejam as raízes da relação.
 Comunhão de mesa: tem de haver uma economia doméstica comum. Ter uma economia comum.
(Partilha de alimentos, p. ex.).
 Comunhão de leito: têm de dormir juntos, uma vez que tem de ser uma relação tendente às relações
sexuais. Se assim não for, há uma lei – Lei nº 6/2001 - que rege a economia comum protegendo-os
sobretudo na habitação (p. ex.: duas irmãs velhinhas). É isto que distingue se há ou não UF.
Relações sexuais fortuitas, passageiras, acidentais, não configuram uma UF.
 Unidade e exclusividade: só com uma e mais nenhuma outra. Uma pessoa só pode viver em UF com
outra, não com duas ou mais. É claro que não deixa de haver UF porque um dos sujeitos da relação não
é fiel ao outro. Também o designado poliamor não é protegido pela Lei nº 7/2001. Podem viver em
poliamor, mas não são protegidos juridicamente.

A UF distingue-se do concubinato duradouro, por mais longo que este seja. Embora haja aí, de alguma
maneira, comunhão de leito, não há comunhão de mesa nem de habitação. Esta distinção não se mostra
relevante.

A noção de UF cobria apenas a relação entre pessoas de sexo diferente, que viviam como marido e
mulher. A Lei nº 7/2001, na sua alteração de 2010, porém, veio dar ainda relevância jurídica à UF entre
pessoas do mesmo sexo, a qual está equiparada à UF entre pessoas de sexo diferente.

2º - Exceções: o legislador não protege estes casos:


 O nosso legislador só protege a partir dos 18 anos (nos casos de UF começada aos 16, e que complete o
requisito jurídico para o seu reconhecimento daí a 2 anos);
 Demência notória;
 Casamento anterior não dissolvido, salvo se tiver sido decretada separação de pessoas e bens. P. ex.:
imaginemos que A é casado com B. Há um ano e meio deixou A, e começou a viver junto com C. Estes
vivem em UF (há comunhão de leito, mesa habitação, há unidade, mas não há exclusividade, porque
ainda está casado). O casamento extingue-se ou por invalidação ou dissolução – morte ou divórcio -,
não nos referimos à separação de pessoas e bens.
O CC proíbe a celebração de um casamento quando o sujeito em causa ainda esteja casado com outra
pessoa. Na UF admite-se que persista o vínculo matrimonial e que sejam protegidos os efeitos da UF.
 Parentesco na linha reta ou no 2º grau da linha colateral ou afinidade na linha reta. Estes são os
mesmos impedimentos previstos no CC, como forma de cumprir o tabu relacionado com o incesto,
moralmente criticável no nosso OJ.

Existe UF, quando existe comunhão de leito, mesa, habitação, unidade e exclusividade. Se existir há
mais de 2 anos, são protegidas pela Lei nº 7/2001.

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Direito da Família e dos Menores
Mariana Melo
Formas e motivações

Porque é que as pessoas vivem em UF? Em Portugal é muito fácil casar, portanto, a UF não constitui um
casamento sem forma. A UF é uma opção, e cada um de nós pode optar, baseando-se numa série de razões:
por não acreditar no casamento; por não acreditar naquela pessoa para casar; a UF pode servir para
preparar o casamento; ou até já tinham casado anteriormente e são velhinhos.

 Às vezes trata-se de convivência pré-matrimonial, ou seja, uma situação transitória. As pessoas querem
casar, mas há um impedimento (impedimento de facto ou legal) temporário ao casamento e,
entretanto, decidem “juntar-se”, pensando casar logo que cesse o impedimento.
P. ex., A está ligado por vínculo matrimonial ainda não dissolvido. O processo de divórcio está a correr;
ou nem sequer teve início porque o outro cônjuge não consente no divórcio e a separação de facto dura
há menos de um ano, pelo que o divórcio sem consentimento de um dos cônjuges ainda não pode ser
requerido. Mas os unidos de facto têm a firme disposição de casar logo que a sentença de divórcio
transite em julgado e corra o prazo internupcial.

 Outras vezes, a situação é aceite como definitiva. Os membros da UF não querem casar, rejeitam o
casamento como instituição. Ou então, logo de início, prevêem que a sua relação possa deteriorar-se, e
pensam que, se casarem e se se desentenderem, o divórcio será moroso e difícil.

 Na coabitação juvenil há alguma oposição aos ritos sociais mas não uma rejeição definitiva do
casamento, ou seja, os jovens não querem assumir já um compromisso, mas admitem vir a casar.

 Há também a UF dos estratos mais desfavorecidos da população em que as pessoas vivem


normalmente assim. Não há pressão familiar ou social no sentido do casamento, que não faz parte da
sua cultura. É-lhes indiferente casar ou não, mas não são contra o casamento e poderão vir a casar se as
circunstâncias se propiciarem.

 As pessoas que não se casam porque o casamento lhes traria desvantagens (p. ex., de ordem fiscal) ou
lhes retiraria benefícios patrimoniais (p. ex., uma pensão de sobrevivência, até à alteração introduzida
pelo artigo 4º do DL nº 133/2012, de 27 de junho); se tiverem preferido viver em UF por essa razão,
talvez venham a casar se a lei for convenientemente alterada.

A UF, em todos estes casos, é provisória; mas, como tantas vezes acontece, o provisório pode tornar-se
definitivo.

! A UF não é um casamento sem forma, é sim, uma forma de alcançar determinado estatuto.

Como é que sabemos que 2 pessoas vivem em união de facto?

A UF constitui-se quando os sujeitos da relação “se juntam”, ou seja, passam a viver em comunhão de
leito, mesa e habitação. Não sendo objeto de registo civil, pois não vem referida no artigo 1º CRegCiv, nem
de registo administrativo (municipal), não se torna fácil saber quando a UF se inicia. E é importante sabê-lo,
pois só a partir dessa data se contam os dois anos que devem decorrer para que a UF produza os efeitos
previstos no artigo 3º da Lei nº 7/2001.

A prova da UF é normalmente testemunhal; mas a possibilidade de prova documental não deve


excluir-se.

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Direito da Família e dos Menores
Mariana Melo
Antes de 2010 era muito complicado averiguar quem vivia em UF, uma vez que existiam vários
entendimentos. O legislador veio simplificar a prova da UF. Vem dizer que prova é feita através de uma
declaração de honra dos unidos e uma declaração da junta de freguesia – 2º-A/2, Lei nº 7/2001.

34º/1, do DL nº 135/99, de 22 de abril: regula o modo como “os atestados de residência, vida e situação
económica dos cidadãos” devem ser passados pelas juntas de freguesia, podendo admitir-se que a junta de
freguesia da residência dos interessados passe atestado comprovativo de que uma pessoa vive ou vivia em
UF com outra. Não se tratando de facto atestado “com base nas perceções da entidade documentadora”
(371º/1), o documento não faz prova plena, podendo provar-se que o facto não é verdadeiro, pois a UF não
existiu ou não existiu durante determinado período. É a palavra “vida” que faz referência à UF.

3º - muito importante:

Grande parte da proteção da UF tem que ver com a intenção de proteger estas pessoas, tem que ver
com proteções sociais.

Interessa-nos a proteção da casa de morada de família, porque é um elemento familiar da comunhão de


habitação.

O que é que acontece quando termina a união de facto?

Como já foi dito, a regulação jurídica de duas pessoas quem vivem em condições análogas às dos
cônjuges, foi regulada pela primeira vez pela Lei nº 135/99, que definia como objeto de proteção a situação
jurídica de pessoas de sexo diferente que vivessem em UF há mais de 2 anos. Já em 2001, com a Lei
nº7/2001, este proteção foi estendida às uniões homossexuais, com exclusão ao direito de adoção.
Uma vez que os unidos de facto vivem como se fossem casados – “condições análogas às dos cônjuges”
– a UF parece ser uma relação parafamiliar, equiparada pelo nosso legislador ao casamento para
determinados efeitos. A questão da equiparação e aproximação ao regime do casamento tem sido muito
controversa, motivando várias vezes a intervenção do Tribunal Constitucional.
 Acórdão TC nº 275/02 – considera inconstitucional, por violação do artigo 36º/1 CRP conjugado com o
Princípio da proporcionalidade, a norma 496º/2, na parte em que excluía a atribuição de um direito de
indemnização por danos não patrimoniais, sofridos pela pessoa que convivia em UF, estável e
duradoura. Este regime gerava uma grande incerteza e colocava o lesante no risco de ter de indemnizar
um número incalculável de pessoas, desde que apresentassem pretensões convincentes. Em segundo
lugar, perguntava-se se a exclusão deliberada do membro sobrevivo da UF significava uma desigualdade
desproporcionada relativamente ao cônjuge. (Ver: 496º/3).
 Acórdão TC nº 86/2007 – relativo ao regime da atribuição de pensão de sobrevivência ao unido de
facto, que fazia depender a titularidade do direito a essa pensão da prova pelo companheiro sobrevivo
da impossibilidade de obtenção de alimentos da herança do companheiro falecido. O TC decidiu não
julgar inconstitucional o 496º/2, na medida em que não admitia que a pessoa que vivesse em UF com
uma vítima de acidente de viação, do qual resultasse a morte dessa vítima, tivesse o direito a receber
uma indemnização por danos não patrimoniais.

Um dos aspetos mais relevantes em termos de proteção dos unidos de facto tem sido o destino a dar à
casa de família, quer em caso de rutura, quer em caso de morte de um dos unidos.

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Direito da Família e dos Menores
Mariana Melo
Extinta a relação, há que proceder à liquidação e partilha do património do casal, que pode suscitar
dificuldades: haverá então, frequentemente, bens adquiridos pelos membros da UF, dívidas contraídas por
um ou por ambos, contas bancárias em nome dos dois, confusão dos bens móveis de um e outro, etc.

Não valendo aqui os artigos 1688º e 1689º, as regras a aplicar são as que tenham sido acordadas no
“contrato de coabitação” eventualmente celebrado e, na sua falta, o direito comum das relações reais e
obrigacionais.

 Os princípios do enriquecimento sem causa são frequentemente invocados na jurisprudência, que


entende que a liquidação e partilha do património adquirido pelo esforço comum se pode fazer na
sequência de ação judicial de dissolução da UF, por dependência desta ação, ou em ação declarativa de
condenação, em que o membro da UF que se considere empobrecido relativamente aos bens em cuja
aquisição participou, peça a condenação do outro a reembolsá-lo com fundamento no enriquecimento
sem causa, provando que há um património comum resultante da UF vivida entre um e outro.

O que acontece à casa de morada de família, por rutura da união de facto? – Artigo 4º, Lei nº 7/2001

Cada um pode romper a relação quando quiser, livremente e sem formalidades, sem que o outro possa
pedir uma indemnização pela rutura. Não excluímos, porém, a possibilidade de a rutura da UF, em
determinadas circunstâncias, se mostrar injusta, com manifesto excesso dos limites impostos pela boa fé ou
pelos bons costumes ao exercício do direito (334º).

 Se a casa era uma casa própria de um deles ou comum, vale o (Lei nº 7/2001, 4º/4 ) artigo 1793º.
 Se a casa era uma casa arrendada, vale o artigo 1105º.

Temos duas normas fundamentais. Nas duas, encontramos a equiparação entre um cônjuge casado e
unido de facto.

O que nos diz o 1105º?

 Se o arrendamento, sobre a casa de morada, pertencia só a um deles, na rutura da UF, eles podem
decidir que haja transmissão do arrendamento para o outro. São os unidos que vão decidir sobre a
transmissão do arrendamento. Há uma cessação da posição contratual sem ouvir a contraparte (o senhorio,
como se pode compreender, ficará de parte, não participará nesta decisão).
 Se os dois forem arrendatários, podem decidir que o arrendamento “se concentre a favor de um
deles”. Este é um direito que a lei dá à rutura de um casamento (por divórcio) ou de uma UF.

Ou seja, pode transmitir-se ou concentrar-se apenas num dos unidos.

O que nos diz o 1793º?

 Se a casa pertencia aos dois unidos (compropriedade), qualquer um deles pode pedir ao tribunal que
lhe dê o arrendamento da casa de morada de família, considerando, as necessidades de cada um dos
unidos e os interesses dos filhos destes, se os houver.
 Se a casa pertencia a um dos unidos, o outro pode ficar com casa a título de arrendatário. Ou seja, se A
e B viviam juntos numa casa pertencente a A, o facto de se separarem não significa que o outro tenha
de sair. O B pode ficar com a casa. A, ficará o senhorio. Aqui, um dos membros da relação pode fazer
pedido idêntico ao supramencionado.

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Direito da Família e dos Menores
Mariana Melo
Imaginemos que os dois estão zangados e os dois querem o arrendamento? O tribunal é que decide –
1105º/2. Se formos ao artigo 8º da Lei nº 7/2001, onde fala da dissolução da UF, podemos ler que:

A união de facto dissolve-se:


a. Com o falecimento de um dos membros;
b. Por vontade de um dos seus membros;
c. Com o casamento de um dos membros.

Quando queremos fazer valer um direito que dependa da rutura, temos de pedir que o tribunal declare
existência de UF.
O que significa em termos práticos? Imaginemos que estamos a discutir sobre quem fica com casa. O
que pedimos ao tribunal? Pedimos duas coisas: (1) que ele declare judicialmente a existência da UF e depois
em consequência, (2) a transmissão ou concentração do arrendamento. O artigo propõe que em caso de
rutura se peça ao tribunal que declare existência de rutura da UF e a transmissão do arrendamento.

Então e se a união de facto se dissolve por morte? Que direitos assistem ao membro sobrevivo no caso de
morte de um dos sujeitos da união de facto?
Bem, se se dissolver por morte, temos o grande 5º da Lei nº 7/2001.
 Começamos já pelo seu nº10, que nos diz que se a casa for arrendada, vale o artigo 1106º;
 Então e se a casa fosse própria? Então encontramos os nº1-9.

Em termos técnicos o que nos diz o artigo 5º?

A vive com B e A morre. O que acontece ao B que vivia na casa de A? Não há direitos sucessórios, B não
é herdeiro de A, apenas o são os cônjuges. Como é legislador protege o B? Ora, protege de várias maneiras.

1. A Lei nº 135/99, estabelecia que, em caso de morte do membro da UF proprietário da casa de


morada do casal, o unido sobrevivo tinha um direito real de habitação sobre a mesma pelo prazo de 5 anos
e direito de preferência na sua venda ou arrendamento. O disposto nesta norma podia ser afastado por
disposição testamentária em contrário, e não se aplicava se ao falecido sobrevivessem descendentes ou
ascendentes que com ele vivessem há pelo menos um ano e pretendessem continuar a habitar a casa.
A Lei nº 7/2001 manteve o direito real de habitação do membro sobrevivo, pelo prazo de 5 anos,
continuando este direito a poder ser afastado por disposição testamentária e não se aplicava quando ao
falecido sobrevivessem descendentes com menos de 1 ano de idade ou que com ele convivessem há mais de
1 ano e pretendessem habitar a casa, excluindo, a tutela dos ascendentes. Pereira Coelho e Guilherme
Oliveira consideravam este um direito de “fraca proteção” e apontava-se como deficiência do regime o facto
do unido sobrevivo não ter direito ao uso do recheio da casa.
No entanto, em 2011, o artigo 5º desta lei foi alterado, concedendo hoje a favor de B um direito real de uso e
de habitação da casa de morada de família, para proteger mais eficazmente a continuidade do lar daquele
que viveu em UF. Este é um direito real, e é o mesmo direito, mas tem nomes diferentes. Chama-se direito
de habitação quando incide sobre uma casa. Chama-se direito de uso relativamente ao recheio da casa.
Agora, o unido de facto, tem o direito de habitação e uso do recheio. Este direito tem uma duração mínima
de 5 anos e uma duração máxima igual à duração da UF (3º/a), e 5º/1/2). Excecionalmente, e por motivos de
equidade, o tribunal pode prorrogar os prazos previstos, considerando os cuidados dispensados pelo
membro sobrevivo à pessoa do falecido ou a familiares deste e a especial carência em que o membro
sobrevivo se encontre, por qualquer causa.

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Direito da Família e dos Menores
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As disposições que reconhecem este direito aplicam-se mesmo que ao falecido sobrevivam descendentes
com menos de um ano ou que com ele vivam há mais de um ano e pretendam continuar a viver na casa, ou
ainda que haja disposição testamentária em contrário. Isto é, a redação nova encara mais nitidamente a
necessidade de proteção do membro sobrevivo da UF e dá-lhe prioridade relativamente aos descendentes,
tal como os cônjuges têm privilégios relativamente aos filhos.
Se os descendentes forem só do falecido, ficarão a cargo do outro progenitor, ou do membro sobrevivo da
UF com quem viviam; se forem descendentes comuns, devem seguir o seu progenitor que se torna titular do
direito de habitação. Este direito não pode ser afastado por disposição testamentária do falecido porque a
redação nova da lei considera que a proteção da casa de morada é o núcleo irredutível da proteção
conferida ao membro sobrevivo da UF e, portanto, garante a proteção mesmo contra vontade do falecido.
Concluindo, a redação nova da lei dá relevo à circunstância de a UF ter sido duradoura. Assim, quando a UF
durou mais do que cinco anos, os direitos de habitação do imóvel e o direito de uso do recheio são
conferidos pelo tempo que a UF durou – seis, dez ou vinte anos, etc - (5º/2). A redação de 2010 admite
ainda uma prorrogação excecional dos direitos de habitação e de uso, baseada em motivos de equidade,
para atender a uma severa carência do interessado, e tendo em especial consideração cuidados pessoais que
este tiver dispensado ao falecido ou a seus familiares. Para além disto, não é difícil imaginar que a dedicação
pessoal do membro sobrevivo da UF pode ter libertado os parentes do falecido da necessidade de lhe
prestar cuidados pessoais relevantes (5º/4). Em caso de compropriedade do imóvel, reconhece-se ao
sobrevivo um direito de uso exclusivo da coisa comum durante os prazos estabelecidos no 5º/3.
Ver: 5º/3 e 5º/5.

2. Depois de terminado o período em que o membro sobrevivo tem o direito de habitação, a redação
acrescenta a atribuição de um direito de arrendamento, nos termos gerais do mercado, salvo se estiverem
reunidas as condições em que um senhorio pode denunciar um contrato de arrendamento. Ou seja, o
membro sobrevivo tem, posteriormente, o direito de permanecer no imóvel na qualidade de arrendatário,
nas condições gerais do mercado, tendo direito de permanecer no local até à celebração do respetivo
contrato. O tribunal pode intervir na definição das condições do contrato, ouvidos os interessados,
designadamente na fixação da renda, quando houver desacordo acerca do que sejam as condições do
mercado (5º/7/8).

3. Para além disso, todo este tempo tem direito de preferência, em caso de alienação do imóvel. Se,
porventura, os herdeiros quiserem alienar a casa, o unido terá direito de preferência na alienação da casa.
Este que dura por todo o tempo em que o membro sobrevivo tenha o direito de permanecer no imóvel, a
qualquer título – como titular de um direito de habitação, como arrendatário, ou enquanto espera a
celebração do contrato de arrendamento.

! Esta norma é inconstitucional

 Imaginemos que o senhor António tem um filho Filipe e vivia com Bárbara, que não é mãe de Filipe.
Viveu em UF com a Bárbara e não queria casar com esta, porque não queria colocar em perigo Filipe,
como seu herdeiro. Imaginemos que António morre e Filipe tem 14 anos. Bárbara poderá expulsar Filipe
de casa, que é herdeiro de António. O legislador inverteu logo aqui um princípio importante que
considera as relações entre pais e filhos mais relevantes. Aqui, o legislador preferiu o unido sobrevivo, e
não considerou que este se pode voltar a casar ou volte a viver em UF. Logo por aqui podemos ter uma
violação da constituição.

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Direito da Família e dos Menores
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 Mas ainda viola o Direito à Igualdade (tratar de forma igual, o que é igual e de forma diferente, o que é
diferente). Como? Veremos: Imaginemos que António e Bárbara casam e viviam com o filho Filipe, que
apenas era filho de António. E agora António morre. Quem são herdeiros? Cônjuge e filho, e têm direito
de compropriedade na casa, têm os dois direitos sobre a casa (direito de compropriedade da casa,
podem os dois utilizá-la). Agora, como não casou, o filho é expulso de casa. As pretensões de António
em proteger o filho foram prejudicadas, por não se ter casado. O legislador protegeu mais o unido de
facto do que o filho. Onde há violação? No princípio da igualdade.

Na opinião da Dra. Sandra Passinhas esta norma pode levar a uma aplicação inconstitucional. Pois
poderá o unido de facto ser mais protegido do que um filho, um familiar. O artigo 5º tem esta
particularidade.

Nota:

 Quanto à constituição, pelo período mínimo de 5 anos, de um direito real de habitação, em caso de
morte do unido proprietário da casa de morada de família, ou do direito de uso exclusivo, se os
membros da UF eram comproprietários, sem outros requisitos especiais nem outras exceções além das
estabelecidas no 5º/5/6: haverá repercussões no direito de uso e habitação se o unido de facto, durante
o prazo de duração desses direitos, iniciar uma outra UF ou contrair matrimónio?
De uma análise literal do regime legal, parece certo que a resposta a esta questão seja negativa:
No entanto, a doutrina (Dr. Sandra, na sua tese) aponta noutro sentido. A casa é importante como
espaço de vida, fornecendo o contexto mais apropriado para o recato e desenvolvimento da família e
da vida familiar. Como tal, a melhor doutrina seria aquela que considera que quando a casa deixa de
funcionar para o unido sobrevivo como a continuação do seu ambiente familiar – porque esse ambiente
agora mudou, em função da nova relação afetiva -, ou quando ela já não representa a continuação do
quadro de vida existente ao tempo da UF, o direito atribuído pelo artigo 5º deve extinguir-se.

O legislador protege ainda o sobrevivo no caso de morte de um dos sujeitos da UF através de outros
direitos:

4. O sobrevivo tem direito a exigir alimentos da herança do falecido - 2020º. Na versão anterior, a lei
estabelecia uma ordem entre os obrigados a socorrer o membro sobrevivo da UF que carecesse de
alimentos: (1) cônjuge ou ex-cônjuge, descendentes, ascendentes e irmãos; (2) os herdeiros do falecido,
pelas forças da herança; (3) o Estado, através das prestações da segurança social. Há uma
responsabilização da herança do falecido pela satisfação de alimentos, sem que o interessado tenha de
demandar previamente os seus familiares obrigados pelo artigo 2009º.
Nota: A lei não exige que a UF não tenha sido adulterina durante o prazo de dois anos; basta que à data
da morte o falecido não fosse casado ou estivesse separado de pessoas e bens, embora o seu
casamento só se tivesse dissolvido por morte ou divórcio há menos de dois anos. O que a lei não
quererá é que, cumpridas as condições do artigo 2020º, a pessoa que vivia em UF com o falecido, sendo
este casado à data da morte, venha exigir alimentos da herança ao viúvo ou viúva e aos filhos. Esta
limitação está expressa no artigo 2º/c), da Lei nº 7/2001.

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A medida dos alimentos é a fixada nas disposições gerais dos 2003º e 2004º, e não a que seria
necessária para manter o mesmo padrão de vida do “casal”, pois da UF não decorre qualquer dever de
assistência idêntico ao que a lei impõe aos cônjuges (1675º; 2016º-A/5 nega-o expressamente). Parece
antes razoável dizer que os hábitos anteriores e a necessidade de aplicar as indicações constantes do nº
1 do artigo recomendam a medida de um “mínimo decente”, acima do limiar de sobrevivência e abaixo
do padrão anterior à dissolução do casamento. Há uma certa aproximação entre as posições do cônjuge
sobrevivo e do membro sobrevivo da UF neste tema dos alimentos. Portanto, parece desajustado
manter o critério antigo da medida dos alimentos a que tem direito o membro sobrevivo da UF; o
critério mais consentâneo é o do “mínimo decente” que também se recomenda para o cônjuge
sobrevivo.
Note-se que o direito a alimentos tem de ser exercido, sob pena de caducidade, nos dois anos seguintes
à data da morte do autor da sucessão – 2020º/2.

5. Podemos também falar da transmissão do direito ao arrendamento para habitação, por morte do
arrendatário, à pessoa que vivia com ele em UF. Esta matéria está regulada no artigo 1106º, na redação
que lhe deu o Novo Regime do Arrendamento Urbano (NRAU). Enquanto na legislação anterior a pessoa
que vivia em UF com o arrendatário vinha mencionada no 85º/1/c), RAU, depois do cônjuge (alínea a)) e
até dos descendentes (alínea b)), no artigo 1106º estava referida ao lado do cônjuge e antes dos
descendentes na alínea a) do nº 1. O cônjuge e a pessoa que vivia em UF com o arrendatário ficaram
assim equiparados, só com a diferença de que o membro sobrevivo da UF, mas não o cônjuge, devia ter
vivido no locado com o arrendatário há mais de um ano.
Para este efeito específico bastará agora, pois, que a UF se tenha mantido por um ano; mas exige-se ao
mesmo tempo que o transmissário vivesse já no locado há pelo menos um ano (1106º/2).

6. No caso de lesão de que proveio a morte de um dos membros da UF, o sobrevivo poderá exigir ao autor
da lesão uma indemnização dos prejuízos sofridos?
 Tratando-se de danos patrimoniais, a pretensão pode fundar-se no artigo 495º/3 se o falecido
prestava alimentos ao sobrevivo, e a prestação, embora não judicialmente exigível, correspondia nas
circunstâncias do caso a um dever de justiça e, portanto, ao cumprimento de uma obrigação natural
(402º).
 Quanto aos danos não-patrimoniais, a questão era complexa. A Lei nº 23/2010 veio superar a
discussão alargando a proteção das UF a este caso. Hoje, o artigo 496º/3 inclui o membro sobrevivo
da UF entre os titulares da indemnização. (Ver supra., Acórdão TC nº 275/02).

7. A lei dá ainda ao sobrevivo o direito ao subsídio por morte e à pensão de sobrevivência, tanto no caso de o
falecido ser funcionário ou agente da Administração Pública ou da Administração Regional ou Local (40º e
41º do “Estatuto das Pensões de Sobrevivência” — DL nº 142/73, de 31 de março, e 3º/1/a), 4º/2/b),
e 10º/2, do DL nº 223/95, de 8 de setembro) como no caso de ser beneficiário do regime geral da
segurança social (8º do DL nº 322/90, de 18 de outubro, e Decreto Regulamentar nº 1/94, de 18
de janeiro).
De acordo com as leis anteriores à alteração de 2010, o acesso às prestações do Estado dependia de se
demonstrar a necessidade de alimentos e ainda de se terem esgotado as duas vias particulares de
satisfação das necessidades alimentares - a da satisfação pelos obrigados a alimentos ou a da satisfação
através da herança do falecido. O regime deu origem a uma copiosa jurisprudência do Tribunal
Constitucional.

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Direito da Família e dos Menores
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Os membros sobrevivos de uniões de facto sentiam especiais dificuldades quando pretendiam obter
prestações sociais, relativamente aos cônjuges sobrevivos.
Esta diferença enorme seria proporcional e compatível com a CRP? A versão de 2010 da Lei nº 7/2001
alterou o regime.
 Em primeiro lugar, o acesso a prestações do Estado não devia ser rejeitado com a alegação de que o
membro sobrevivo da UF só tem direito à sua própria segurança social; de que só o cônjuge
sobrevivo devia beneficiar das prestações porque ficou privado das obrigações de assistência
decorrentes do casamento e que não existem na UF, e que criam uma “presunção de dependência”
ou uma “presunção de necessidade”. Na verdade, o membro sobrevivo da UF também ficou privado
da assistência que decorre da vida em comum – da partilha de recursos e da comunhão informal em
que viveu, e que pertence ao próprio conceito de UF como “comunhão de leito mesa e habitação”,
em “condições análogas às dos cônjuges”. Afinal, é também este valor de assistência, embora
informal, que justifica que uma UF faça cessar prestações anteriores baseadas num casamento
dissolvido (2019º).
 Em segundo lugar, deve reconhecer-se que havia várias possibilidades de alterar o regime vigente
num sentido mais protetivo do membro sobrevivo da UF. A lei nova poderia ter conferido o direito às
prestações se se demonstrasse a necessidade de alimentos e logo que não tivesse sido possível
obter satisfação da necessidade através da herança do falecido; deste modo, o interessado ficaria
sempre dispensado de tentar obter os alimentos de que carecia através dos obrigados tradicionais
mencionados no 2009º/a)/b)/c)/d). Numa versão ainda mais favorável à proteção dos membros
sobrevivos da UF – e mais onerosa para o Estado – poderia conceder-se o direito às prestações
sociais dispensando os tradicionais obrigados a alimentos e sem responsabilizar previamente a
herança do falecido. Poderia mesmo dispensar-se a prova da necessidade de alimentos, tal como
acontece relativamente aos cônjuges sobrevivos. A versão mais protetiva foi a solução adotada pelo
novo artigo 6º/1 da Lei nº 7/2001; esta norma dispensa o membro sobrevivo da prova da
necessidade de alimentos e deste modo aceita que ele se dirija imediatamente contra a instituição
competente para a atribuição de pensões. Simultaneamente, o artigo 2010º/1 aceita que ele
reclame os alimentos imediatamente da herança do falecido.

8. A Lei nº 7/2001 concede também, a quem vivia em UF com o falecido (união heterossexual ou
homossexual), o direito às prestações por morte resultante de acidente de trabalho ou doença profissional
(3º/f); 20º a 22º da Lei nº 100/97, de 13 de setembro) e às pensões de preço de sangue e por serviços
excecionais e relevantes prestados ao País (3º/g); 5º, 6º e 8º do DL nº 466/99, de 6 de novembro).

9. Por último, o artigo 251º/2 CTrabalho, que permite ao trabalhador faltar justificadamente cinco dias
consecutivos por falecimento da pessoa com quem vivia em UF, desde que esta durasse há mais de dois
anos (1º/2 e 3º/c) da Lei nº 7/2001 - “legislação especial” para a qual aquela disposição remete).

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Direito da Família e dos Menores
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A União de Facto e a CRP – (Discussão doutrinal pelo Curso)

A Constituição não fala na união de facto nem dispõe diretamente sobre ela.

Gomes Canotilho e Vital Moreira: a UF está prevista na 1ª parte do artigo 36º/1. Segundo estes, do
“direito de constituir família” decorreria “uma abertura constitucional — se não mesmo uma obrigação
— para conferir o devido relevo às uniões familiares “de facto”.

 Embora a formulação do artigo 36º levante as maiores dúvidas e várias interpretações sejam
legítimas, pode entender-se que o nº1, 1ª parte, respeita exclusivamente à matéria da filiação: o
“direito de constituir família” é, em primeiro lugar, um direito a procriar, e, em segundo lugar, um
direito a estabelecer as correspondentes relações de maternidade e paternidade. Deve
reconhecer-se, no entanto, que a expressão “direito de constituir família” foi adotada em
documentos internacionais com o propósito explícito de acolher as leis dos estados que foram
abrindo o reconhecimento jurídico da UF.
Não pode extrair-se o reconhecimento da UF da 2ª parte do artigo 36º/1, que a coenvolveria como
“dimensão ou vertente negativa” do “direito de contrair casamento”. A “dimensão ou vertente negativa” do
direito de casar é o direito de não casar; não é o direito de estabelecer uma união de facto.

Não haverá dúvida de que a UF está abrangida no “direito ao desenvolvimento da personalidade”,


que a revisão de 1997 reconheceu de modo explícito - 26º/1.

Estabelecer uma UF é certamente uma forma de exercício desse direito. A legislação que proibisse
a UF, que a penalizasse, impondo sanções aos membros da relação e restringindo de modo intolerável o
direito de as pessoas viverem em UF, seria manifestamente inconstitucional.

O princípio de proteção da UF decorrente do “direito ao desenvolvimento da personalidade” a


todos reconhecido no artigo 26º/1, não exige, todavia, que o legislador dê à UF efeitos idênticos aos que
dá ao casamento, equiparando as duas situações.

 Assim, o artigo 2133º, que coloca o cônjuge ao lado dos descendentes na 1ª classe de sucessíveis,
enquanto a pessoa que vivia em UF com o falecido só beneficia de um direito a alimentos sobre os
bens da herança, nos termos do artigo 2020º, não está ferido de inconstitucionalidade;
 Do mesmo modo não o está o artigo 1106º/1/a), relativo à transmissão por morte do direito ao
arrendamento para habitação, em que o cônjuge com residência no locado sucede no direito ao
arrendamento sem que a lei exija qualquer prazo de duração da residência conjugal, ao passo que a
pessoa que vivia com o arrendatário em UF só sucede no direito ao arrendamento se vivia com ele
no locado há mais de um ano.
 E o facto de a legislação anterior à Lei nº 135/99 não permitir a adoção conjunta a pessoas ligadas
por UF mas só a pessoas casadas não configurava qualquer inconstitucionalidade do artigo 1979º/1.
 Nem se diga que o diferente tratamento do casamento e da UF viola o princípio da igualdade (13º),
pois este princípio, no entendimento da doutrina e da jurisprudência constitucionais, apenas proíbe
discriminações arbitrárias ou desprovidas de fundamento ou justificação racional. Casamento e UF
são situações materialmente diferentes: os casados assumem o compromisso de vida em comum;
os membros da UF não assumem, não querem ou não podem assumir esse compromisso.

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Direito da Família e dos Menores
Mariana Melo

A desproteção da UF relativamente ao casamento é assim fundada. Um tratamento diferente das


duas situações, em que as pessoas que vivam em UF, não tendo os mesmos deveres, não tenham em
contrapartida os mesmos direitos das pessoas casadas, mostra-se assim conforme ao princípio da
igualdade, que só quer tratar como igual o que é igual e não o que é diferente, não havendo base legal
para estender à UF as disposições aplicáveis ao casamento. Julgamos, até, que a legislação que
equiparasse inteiramente a UF ao casamento poderia ser julgada inconstitucional, fosse qual fosse a via
por que essa equiparação se fizesse. A decisão de casar é uma opção constitucionalmente protegida, mas
a decisão de não casar também o é. Uma legislação que deixasse de impor aos cônjuges quaisquer
obrigações do tipo das referidas nos artigos 1671º/2 e 1672º, permitisse a qualquer dos cônjuges
denunciar o casamento livremente e sem formalidades, etc., equiparando assim o casamento à UF,
poderia ser acusada de violar o artigo 36º/1, 2ª parte, o qual, concedendo a todos o “direito de contrair
casamento”, garante o instituto matrimonial. Por outro lado, uma legislação que equiparasse a UF ao
casamento, seria inconstitucional, pois violaria o seu direito de não casar, “dimensão ou vertente
negativa” do “direito de contrair casamento” que o artigo 36º/1, 2ª parte, lhes reconhece. Se as pessoas
não podem casar porque há um impedimento legal ao seu casamento, nem se entendia que a UF tivesse
os mesmos efeitos do casamento que elas não podiam celebrar; a própria lei dispõe que os efeitos da UF
não se produzem nesse caso (Lei nº 7/2001, 2º). E se as pessoas vivem em UF porque não querem casar,
embora pudessem fazê-lo, seria uma violência impor-lhes o estatuto matrimonial, que elas
deliberadamente rejeitaram; a imposição desse estatuto seria uma violação do seu “direito de não casar”.
Em conclusão, cremos que a CRP não permite penalizar a UF nem equipará-la ao casamento: entre
estas duas balizas vale o princípio democrático, que permite ao legislador ordinário conformar livremente
o regime da UF, de acordo com a opção mais “progressista” ou “conservadora” da política familiar
adotada.

Nota da aula: Encontramos na doutrina quem ache que a união de facto era tutelada pelo direito
a casar (Vital Moreira e Gomes Canotilho). Mas não, seria o direito a não casar. Esta não é a posição do
curso nem da Dra. Sandra Passinhas. O fundamento é o livre desenvolvimento da personalidade, que
permite que o cidadão esteja sujeito a nenhum regime. O direito não tem de se meter em tudo.

A união de facto, relação de família?

A questão aparece confundida, por vezes, com a da relação entre os filhos que nasçam da UF e os seus
progenitores, que é uma relação de família, como é óbvio. Não é esse o problema, mas o de saber se a UF,
ela própria, é uma relação de família. Ou doutro modo: dois anos decorridos sobre a data em que “se
juntam” (Lei nº 7/2001, artigo 1º), as pessoas passam a ser “da família”?

Em termos práticos, a questão da qualificação da UF como relação de família assume relevância para
saber se a lei que atribua um direito, imponha uma obrigação ou confira legitimidade para certa ação aos
“familiares” de determinada pessoa compreende não só o cônjuge e os parentes, afins, adotantes e
adotados, mas também quem vivia em UF com ela. É muito frequente que as leis enunciem os tipos de
familiares a que pretendem atribuir algum efeito, de tal modo que não se imponha este esclarecimento; mas
também há casos em que a referência legal é genérica e a indagação é oportuna.

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Direito da Família e dos Menores
Mariana Melo
A pergunta “a UF é relação de família?” terá respostas diversas se for feita em comunidades com uma
percentagem baixa de pessoas que vivem em UF ou, pelo contrário, em países, como os do norte da Europa,
onde a maioria dos casais jovens, sem filhos, vive nessas condições. Em abono da opinião de que a UF não é
uma relação de família para a generalidade dos efeitos pode alegar-se que o artigo 1576º apenas considera
relações de família as que resultam das “fontes” que estão aí mencionadas. No entanto, ao lado da noção
restrita e técnica de família, que apenas compreenderia o cônjuge e os parentes, afins, adotantes e
adotados, o direito português regista ainda noções mais amplas e menos técnicas de família, válidas em
certos domínios ou para determinados efeitos.

 O direito da segurança social acolhe o conceito de “agregado familiar”, de que faz parte a pessoa ligada
por UF com o beneficiário.
 Igualmente no direito da locação, tem dado à relação significativa relevância jurídica. Ora, a pessoa que
viva com o falecido arrendatário em UF há mais de um ano sucede no direito ao arrendamento para
habitação (1106º), uma solução em face da qual deverá admitir-se que também seja havida como
“familiar” do arrendatário para os efeitos previstos nos artigos 1040º/3 e 1072º/2/b)/c).

Ou seja, mesmo que a resposta seja negativa, há que saber se não estaremos num daqueles domínios
em que, excecionalmente, ela merece essa qualificação. Em abono da resposta positiva, pode alegar-se que
o artigo 9º da Carta dos direitos fundamentais da UE usou a expressão “direito de constituir família” com o
sentido de abranger novas formas de constituir família que emergiam nos estados membros.
 A Lei nº 7/2001, na redação da Lei nº 23/2010, usou a expressão “casa de morada da família” onde a
versão de 2001 falava em “casa de morada comum” e “residência comum” (4º/1); e que os direitos a
alimentos e a prestações por morte do membro sobrevivo da UF se aproximaram dos direitos do
cônjuge sobrevivo.
 A perda do valor do Estado e da Igreja como instâncias legitimadoras da comunhão de vida e o
movimento no sentido de uma “relação pura”, modificam o critério que orienta a resposta à questão,
que tende a ser menos “institucional” ou “formal”.
 O aumento previsível do número de UF, e dos seus efeitos, tenderá a consolidar a resposta positiva.

Esquematização – União de Facto

Constituição e Prova da União de Facto

A UF não está sujeita a registo civil, não há uniões de factos registadas, pois não vem referida no artigo
1º CRegCiv e, como tal, muitas vezes não é possível sabermos quando começou a UF. Isto levanta questões
relativas à prova. A maneira de provar a UF consta agora do artigo 2º-A da Lei nº 7/2001, que foi
acrescentado pela Lei nº 23/2010.

O artigo 2º-A diz-nos como se prova a união de facto. Como?

Através de qualquer meio legalmente admissível – prova documental, prova testemunhal… Mas, de
uma forma mais simples, a prova da UF faz-se através de uma declaração da junta de freguesia e ainda de
uma declaração de honra dos unidos, ou seja, eles próprios vão declarar que vivem juntos, em UF.

Aqui temos 2 declarações: a declaração da junta de freguesia (convém que estejam recensiados na
junta de freguesia) e a declaração deles que deve ser verdadeira. A estas duas tem de se acrescentar uma
cópia da certidão do registo civil uma vez que podem ser casados e como tal a UF já não irá produzir efeitos.

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Direito da Família e dos Menores
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Condições de eficácia da relação

A UF, para efeitos da Lei nº 7/2001, só produz efeitos ao fim de 2 anos. O que não quer dizer que para
outros efeitos a duração não seja inferior ou não seja superior.

Em 2015 saiu um Acórdão da Relação de Lisboa. A e B viviam em UF. A, era casado com X. A, morreu em
setembro de 2014, e tinha-se divorciado de X em maio de 2014. Então, entendemos que o prazo da UF só
começa a produzir efeitos depois do divórcio ou contamos depois do início da vivência em conjunto? Pois, A
já vivia com B há muito tempo.

Este é um acórdão notável que aplica a jurisprudência dos interesses. A ponderação dos juízes foi a
seguinte: é certo que vivia só em UF depois de divorciado há 6 meses, mas já estava separado de X há mais
de 2 anos, bem como vivia há mais de 2 anos com B. Mas no momento da morte, a não produção de efeitos
não beneficiava ninguém. E se produzisse efeitos, não prejudicava ninguém. Se considerarmos que esta UF
produz efeitos, a unida de facto pode pedir a pensão de alimentos ao Estado. Este direito conflitua com
algum direito? Não. Então, o tribunal considerou que nesta situação a UF produz efeitos jurídicos.
Importância do acórdão: É preciso é que no momento em que pedimos para produzir efeitos, a pessoa já
não esteja casada, pois já não existem direitos conflituantes. Vejamos: se ele fosse casado, os direitos
conflituariam, entre o cônjuge e a unida. Como estão divorciados, não conflituam, e a unida de facto fica
tutelada.

Nota: no momento da morte, se ainda há um casamento, é protegido o cônjuge, mesmo que a pessoa
já vivesse em UF.

Drª Sandra Passinhas: concorda com a decisão tomada pelo tribunal.

a. Hoje, não se impõe um requisito de heterossexualidade porque a UF entre pessoas do mesmo sexo está
equiparada à UF entre pessoas de sexo diferente, gozando de igual proteção jurídica (1º, Lei nº 7/2001).
Até à entrada em vigor da Lei nº 2/2016, só os unidos de facto de sexo diferente podiam adotar e
recorrer a técnicas de PMA. Agora, os unidos de facto do mesmo sexo já podem adotar; mas
continua-lhes vedado o recurso a técnicas de PMA, nos termos dos artigos 3º/3, da Lei nº 7/2001 e 6º/1
Lei nº 32/2006; o requisito da heterossexualidade apenas é exigido explicitamente para este efeito.
b. A UF só produz efeitos se já dura há mais de dois anos (1º, Lei nº 7/2001).
c. Não deve existir impedimento dirimente ao casamento dos membros da UF. É a solução do artigo 2º da
Lei nº 7/2001, que reproduz, o disposto nos artigos 1601º e 1602º. Não podendo as pessoas abrangidas
por estes impedimentos celebrar casamento, por haver aqui interesses públicos fundamentais a
salvaguardar (monogamia, proibição do incesto, liberdade do consentimento matrimonial, etc.), seria
contraditório que, vivendo aquelas pessoas em UF, a lei tutelasse a situação conferindo-lhes os direitos
mencionados no artigo 3º da Lei nº 7/2001, direitos equiparados aos que do casamento resultam.
Como a UF supõe que as pessoas vivam como se fossem casadas, poderia entender-se, que a lei deveria
exigir que elas pudessem casar se quisessem e, portanto, não houvesse qualquer impedimento legal à
celebração do seu casamento. Mas o legislador não foi tão longe, permitindo que os efeitos da UF se
produzam se o impedimento for meramente impediente. Assim, p. ex., a circunstância de os membros
da UF serem tio e sobrinha (1604º/c) não obsta a que a relação produza os efeitos enumerados no
artigo 3º da Lei nº 7/2001.

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Direito da Família e dos Menores
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A redação de 2010 procurou resolver alguns problemas que a doutrina vinha suscitando.
 Os factos enunciados nas várias alíneas do nº 1 apenas impedem a produção de efeitos favoráveis da UF
(atribuição de direitos ou benefícios). Na verdade, o legislador não quererá que a UF, mesmo afetada
por impedimento de um ou ambos os unidos de facto, seja considerada juridicamente irrelevante
quando se trate de salvaguardar interesses legítimos de terceiros que de outro modo poderiam resultar
prejudicados, ou quando se tirarem consequências desfavoráveis, como uma presunção de paternidade
relativamente ao homem.
 Procurou-se corrigir o elenco dos impedimentos à produção de efeitos favoráveis da UF, a fim de evitar
que do excessivo apego às soluções do artigo 1601º resultassem consequências indesejadas:
a. a eficácia da UF a partir dos 16 anos levava a atribuir uma relevância indireta à vida em comum
iniciada dois anos antes; ora, esta relevância não se compaginava com as normas penais que
tutelam a autodeterminação sexual de menores com menos de 16 anos. A lei nova estabelece o
limiar de 18 anos, atenuando aquele defeito.
b. não parecia justo determinar que a demência ou a anomalia psíquica manifestadas ou verificadas
após o início da UF fossem impeditivas da produção de efeitos favoráveis de tal união;
c. o casamento não dissolvido deve obstar à produção de efeitos favoráveis à UF, quer seja anterior
ou posterior ao início da mesma. Na referência à separação de pessoas e bens, suprimiu-se o
advérbio “judicialmente”, pois aquela separação não tem de ser decretada pelo tribunal;
d. a condenação de um dos membros da UF, como autor ou cúmplice, por homicídio doloso contra o
cônjuge do outro deve ser impeditiva da produção de efeitos favoráveis da UF independentemente
de se verificar antes ou depois de iniciada a UF.

As circunstâncias especificadas neste artigo não impedem que se produzam outros efeitos, como
efeitos desfavoráveis à UF. Não se entenderia que a paternidade não se presumisse, no caso de UF entre a
mãe e o pretenso pai no período legal da conceção (1871º/1/c)), porque a relação era adulterina (Lei nº
7/2001, 2º/c)) ou incestuosa (alínea d)).
Do mesmo modo, se se entender que o artigo 1691º/1/b) deve estender-se à UF entre pessoas de sexo
diferente, a circunstância de a UF ser adulterina ou incestuosa não deve impedir a aplicação do preceito.
Ainda, no caso de UF adulterina, é a própria lei que dá efeitos à relação, invalidando, em regra, a doação
(953º) ou a disposição testamentária (2196º) feita pelo doador ou testador casado a favor do outro membro
da UF.

Efeitos da União de Facto

Efeitos pessoais

Não assumindo compromissos, os membros da UF não estão vinculados por qualquer dos deveres
pessoais impostos aos cônjuges (1671º/2 e 1672º) e nenhum deles pode acrescentar aos seus apelidos os do
outro (1677º).

1. Porque o direito conhece a relação pessoal que liga os membros da UF, os unidos de facto podem adotar
nos mesmos termos em que podem adotar os cônjuges – 1979º.
2. Nos termos do artigo 3º/3 da Lei da Nacionalidade, pode adquirir nacionalidade portuguesa o
estrangeiro que, à data da declaração de vontade, viva em UF há mais de 3 anos, desde que tenha
obtido o reconhecimento judicial da situação. Esta é uma das situações em que a UF não produz efeitos
ao fim de 2 anos, mas sim ao fim de 3 anos, permitindo a aquisição da nacionalidade.

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3. Lei de Proteção às Crianças e Jovens em Perigo, Lei nº 147/99, de 1 de setembro: no seu artigo 46º/2
diz-nos que os unidos de facto constituem uma família para efeitos do acolhimento familiar. A família de
acolhimento não tem de ser uma família casada, pode ser um casal unido de facto.
4. Lei nº 32/2006, de 26 de julho, trata da procriação medicamente assistida: o artigo 6º/1 equipara os
unidos de facto aos cônjuges, ou seja, as pessoas que, sendo de sexo diferente, vivam em UF há pelo
menos dois anos podem recorrer a técnicas de procriação medicamente assistida, estando equiparadas,
para este efeito, às pessoas casadas e não separadas de pessoas e bens nem separadas de facto.
5. 497º/d) CPC - trata da recusa legítima a depor, ou seja, quem conviver ou tiver convivido em UF
pode recusar-se a depor como testemunha contra o seu unido de facto, tal como no casamento.
6. 241º e 251º CTrabalho: as pessoas que vivam em UF há mais de dois anos e trabalhem na mesma
empresa têm o direito de gozar férias no mesmo período, salvo se houver prejuízo grave para a entidade
empregadora.
7. Quanto aos filhos, há a notar que a paternidade se presume quando tenha havido comunhão duradoura
de vida entre a mãe e o pretenso pai no período legal da conceção (1871º/1/c)), e que, se os
progenitores conviverem maritalmente, o exercício das responsabilidades parentais pertence a ambos,
sendo aplicáveis as disposições que regem as responsabilidades parentais na constância do matrimónio
(1901º a 1904º) e bem assim as relativas à regulação do exercício das responsabilidades parentais no
caso de divórcio, separação de pessoas e bens, declaração de nulidade ou anulação do casamento
(1905º a 1908º), como prescreve o artigo 1911º.
! Os filhos nascidos de UF, como quaisquer outros nascidos fora do casamento, estão equiparados aos
nascidos dentro dele - 36º/4 CRP.

Efeitos patrimoniais

Regra geral: não há regime de bens na UF e não pode haver. E também não têm aplicação as regras que
disciplinam os efeitos patrimoniais do casamento, independentemente do regime de bens.

O regime da responsabilidade por dívidas não se aplica na UF; cada um dos unidos de facto é
responsável pelas dívidas que contrai. Este regime diz-nos que quando duas pessoas casam, cada uma é
responsável pelas suas dívidas. Todavia, eventualmente, poderá ficar responsável um, pelas dívidas
contraídas pelo outro.
Este é um exemplo de situação em que a UF não se equipara ao casamento e uma grande
especificidade deste regime.
À partida, aplica-se o regime geral das relações obrigacionais – cada um é responsável pelas dívidas que
contrai - e das relações reais – cada um é proprietário das suas coisas. O artigo 1714º, que proíbe
determinados contratos entre cônjuges, não tem aplicação à UF.

Exceções ao regime geral/efeitos patrimoniais:

1. Impostos – 14º CIRS – torna aplicável aos membros da UF o regime do IRS nas mesmas condições que é
aplicado aos cônjuges. Se entregarmos declaração de IRS conjunta, estamos a dar uma ótima prova de
que vivemos em UF.

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2. 2019º - A era casada com B. A tinha 20 anos e B tinha mais 50 anos do que ela, sendo muito rico.
Entretanto, A achou que já chegava de casamento e divorciou-se. No divórcio, havia uma obrigação de
alimentos. Ou seja, A tinha direito a receber uma prestação de alimentos de B. Esta prestação é
específica (2009º) constante do regime específico dos alimentos no CC. O que acontece? Até 2010, A
podia viver com aquela prestação de alimentos paga pelo ex-marido, podendo ter outros namorados ou
até viver em UF, pois não cessava a obrigação de alimentos (aqui dá-se a possibilidade de que A e Y
vivam os dois com esta pensão de alimentos). O CC é alterado, e declara-se que esta obrigação de
prestação de alimentos cessa se A contrair novo casamento ou se iniciar uma UF. Não esperamos os 2
anos, porque assim tínhamos alguém que beneficiava de 2 deveres de assistência: beneficiava da
pensão de alimentos paga pelo ex-marido e beneficiava do salário do seu unido de facto que o iria
partilhar consigo. Faz parte da própria definição da UF a partilha de recursos para a vida em comum
parecendo insólito que se mantenha uma prestação derivada de uma situação familiar prévia, que foi
substituída por uma nova situação familiar. Este dever de prestar alimentos é um efeito que não existe
na UF, mas sim no casamento.
A pessoa que estava a receber uma pensão de alimentos do ex-cônjuge de quem se divorciara, perde o
direito à pensão se passar a viver em UF; ou a pessoa que recebia pensão de alimentos da herança do
falecido, nos termos do artigo 2020º, perde o direito à pensão se passar a viver em UF.
A redação de 2010 veio consagrar a equiparação recomendada; segundo o artigo 2019º a UF também
faz cessar a obrigação de alimentos que poderia decorrer de um casamento anterior. E, no que respeita
à pensão de sobrevivência, também o DL nº 133/2012, veio proceder à alteração do artigo 41º do DL nº
322/90, passando agora a UF do pensionista a constituir igualmente causa de cessação do direito à
referida pensão.

3. 496º - indemnização por danos não patrimoniais: dava-nos o elenco das pessoas que tinham direito a
uma indemnização por danos não patrimoniais em caso de morte. Vamos à lista e, se duas pessoas
viviam em UF, não estariam protegidas por este artigo. Encontramos o cônjuge e os filhos, mas não
encontramos o unido de facto. Isto causa alguma perplexidade. Esta questão foi levada ao TC que
considerou que esta norma não era inconstitucional porque a UF é diferente do casamento e o
legislador poderia tratar as duas de forma diferente. Em resposta a isto, o legislador alterou o artigo
496º acrescentando-lhe o nº3. O legislador pretendeu equiparar a UF ao casamento embora,
constitucionalmente, não tivesse de o fazer.

4. 1691º/b) e 1695º - dizem que os dois cônjuges são responsáveis pelas dívidas contraídas para
responder aos encargos da vida familiar. Portanto, se o marido vai com o carro à oficina, contrai uma
dívida que é dos dois, porque este é um encargo normal da vida familiar. Se alguém vai ao
supermercado e não paga, a dívida é dos dois. Ou seja, tudo o que seja encargo normal da vida familiar
é da responsabilidade de ambos os cônjuges. A pergunta que se faz na doutrina é se isto se deve aplicar
por analogia à UF? A resposta da Dra. Sandra Passinhas é que não se deve aplicar. Foi o Dr. Guilherme
Oliveira que apresentou o projeto de aplicação analógica e tal projeto não passou no Parlamento. Logo,
o legislador quis recusar verdadeiramente esta aplicação analógica. Ao contrário do que vem nas lições,
a Dra. Sandra defende que se a aplicação foi recusada, então não devemos realmente aplicá-la.
Acrescenta ainda, Sandra Passinhas, que quando aplicamos uma norma por analogia, é porque estamos
perante uma lacuna e não parece ser esse o caso. Pelo contrário, o Dr. Guilherme Oliveira aponta para a
aplicação analógica, entendendo que os sujeitos da relação são solidariamente responsáveis (1695º/1)
pelas dívidas contraídas por qualquer deles para ocorrer aos encargos normais da vida em comum.

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5. As relações patrimoniais entre os cônjuges e entre estes e terceiros estão sujeitas a um estatuto que se
chama “regime de bens do casamento”. Não acontece assim na UF. Não há aqui um “regime de bens”,
nem têm aplicação as regras que disciplinam os efeitos patrimoniais do casamento independentes do
regime de bens (1678º a 1697º): administração dos bens dos cônjuges, dívidas dos cônjuges e bens que
respondem por elas, partilha dos bens do casal, etc.
Cada um pode vender bens móveis ou imóveis, dar ou tomar de arrendamento, contrair dívidas. Podem
contratar um com o outro: fazer contratos de compra e venda, de trabalho, locação, depósito,
comodato e mútuo, etc. O artigo 1714º, que proíbe determinados contratos entre cônjuges, não tem
aplicação à UF. A chamada “comunhão de mesa”, ou seja, a vida em economia comum é um dos
aspetos em que se exprime a UF. Esta pode prolongar-se por muitos anos, durante os quais as pessoas
adquirem bens, contraem dívidas, movimentam contas bancárias em nome de um deles ou de ambos,
tudo com interferências nos respetivos patrimónios.
Põe-se a questão de saber se os membros da UF poderão regular eles próprios, os aspetos patrimoniais
da relação, inventariando os bens que levam para o casal, fixando presunções sobre a propriedade dos
móveis ou dos valores depositados em contas bancárias, regulando a contribuição de cada um para as
despesas da casa, o pagamento das dívidas, a divisão dos bens que venham a adquirir durante a vida em
comum, etc.
Nada impede que os unidos celebrem entre si contratos de coabitação. Nunca aconteceu, mas
imaginemos que existem duas pessoas muito certinhas que não querem casar, e querem fazer um
contrato de coabitação. Isto é possível? Estamos no âmbito da autonomia privada, nomeadamente da
liberdade contratual. Mas este contrato tem um âmbito muito limitado, pois ele não pode afetar o
regime imperativo das relações contratuais. Sendo um contrato, está muito limitado pelas normas
imperativas, portanto, não terá grande eficácia em termos de regulamentação.
O “contrato de coabitação” só pode regular os efeitos patrimoniais da UF, não os efeitos pessoais.
Assim, a cláusula em que os membros da UF impusessem obrigações como as previstas no artigo
1671º/2, ou no artigo 1672º, ou a que lhes proibisse romper a ligação, sancionando de um ou outro
modo a rutura da UF, não seriam válidas. Do mesmo modo não o seria a cláusula que por morte de um
dos membros da UF atribuísse os seus bens ao outro; como pacto sucessório, estaria proibido por lei
(2028º/2).

6. É o princípio geral, que comporta a exceção prevista no artigo 953º, que manda aplicar às doações, o
disposto no artigo 2196º. Nos termos da lei, é nula a doação à pessoa com quem o doador casado
“cometeu adultério”. Parece justificar-se uma interpretação restritiva do preceito, que só quererá
abranger situações de UF ou concubinato duradouro. O artigo 953º só fere de nulidade a doação
quando o doador for casado.

7. A pessoa que viva em UF com o beneficiário titular pode inscrever-se na Assistência na Doença aos
Servidores do Estado (ADSE) como beneficiário familiar, nos termos do artigo 7º/1, do DL nº 118/83 e
da Portaria nº 701/2006, a qual exige, entre os documentos requeridos para prova da UF, a declaração
emitida pela junta de freguesia de que o interessado reside com o beneficiário titular há mais de dois
anos e a declaração de ambos os membros da UF, sob compromisso de honra.
Nota: o artigo 8º/3, do DL nº 118/83 permite ainda, nos termos previstos no nº 2 daquela Portaria, a
inscrição como beneficiário familiar da pessoa que viveu em UF com o beneficiário titular já falecido.

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Direito da Família e dos Menores
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O regime da UF é um regime de grande aplicação prática.

O que é que se perde ao optar pelo instituto da União de Facto?

No que toca aos efeitos pessoais não há grande diferença em relação ao casamento, destacando-se apenas:

 o facto de os unidos de facto não terem direito ao nome;


 o facto de a lei não atribuir aos unidos de facto muitos dos direitos que atribui aos casados, ainda que
estes direitos não sejam muito relevantes.

A grande diferença faz-se, realmente, sentir ao nível dos efeitos patrimoniais:

 no casamento há um regime geral de bens que não há na UF, mesmo nos casos de regime matrimonial
com maior autonomia, como o da separação de bens;

 não há um regime de responsabilidade por dívidas na UF;

 a diferença fundamental encontra-se ao nível sucessório, uma vez que o cônjuge é um herdeiro
obrigatório por força do artigo 2157º, ao contrário do unido de facto que não é um herdeiro legal, não
estando previsto na lei, podendo, não obstante, constar de testamento.
No entanto, o unido de facto tem o direito de exigir a prestação de alimentos – 2020º -, o que implica
sempre a prova das necessidades daquele que pede e das possibilidades daquele a quem se pede – este
direito só existe se o unido de facto, em concreto, precisar desta pensão e, o unido de facto só tem
direito de exigir a referida pensão se esta provier da herança/se o montante da herança deixada o
permitir.
Deste modo, podemos concluir que, apesar do artigo 2020º prever a atribuição da pensão de alimentos
ao unido de facto sobrevivo, esta norma tem uma aplicação limitada, já que para que vigore é
necessário que haja massa de herança suficiente para a sustentar e, ainda que seja demonstrada a
necessidade da pensão por parte do unido.

A Dr. Sandra não concorda com o Dr. Pereira Coelho uma vez que considera que o casamento e a UF
não são realidades semelhantes mas sim, bastante distintas, não obstante a UF ser uma relação parafamiliar
em que se vive em condições análogas às dos cônjuges e, por isso, também se lhe aplicar parte do regime do
casamento. Para o Dr. Pereira Coelho, a única diferença entre a UF e o casamento é a produção ou não de
efeitos sucessórios.

A função da família é, nos dias de hoje, um espaço de gratificação amorosa em relação aos
companheiros e, relativamente aos filhos, um espaço de transmissão de valores. Para o Dr. Leite de Campos
a família já não faz sentido se não servir o bem dos seus membros, o que demonstra uma mudança
sociológica do conceito de família, sendo indiferente se estamos a falar de casamento ou de UF.

Conceito de família

67º/1 CRP  Família  Elemento fundamental da sociedade  “tem direito à proteção da sociedade e do
Estado e à efetivação de todas as condições que permitam a realização pessoal dos seus membros”

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Direito da Família e dos Menores
Mariana Melo

 realidade social objetiva


 instituição basilar da sociedade, titular de um direito fundamental à proteção pela sociedade, e pelo
Estado – direito este funcionalizado à “realização pessoal dos seus membros”.
 CRP: a família é conformada pelas pessoas que dela fazem parte e existe para a realização pessoal dos
que a compõem, não podendo a família ser considerada independentemente das pessoas que a
constituem, muito menos contra elas.
 A família é para o individuo o seu enquadramento vivencial, o locus do seu afeto e realização – Diogo
Leite Campos fala do direito a “afirmar-se indivíduo mesmo no seio da família” – e só faz sentido
pensarmos a família enquanto instituição na medida em que ela sirva positivamente os indivíduos que
dela fazem parte.
 A família não está obviamente delimitada pelo específico elenco das relações familiares definido pelo
artigo 1576º. São múltiplas as considerações – sociológicas, éticas, morais e históricas – que
determinam a aceitação de esquemas muito variados no âmbito da instituição familiar. Enquanto
fenómeno da vida e não mera criação jurídica, seria inaceitável que no conceito da instituição família
(67º CRP), não tivessem cabimento não só as relações parafamiliares (como a UF, a vivência em
economia comum ou o apadrinhamento civil) como as famílias monoparentais, as famílias extensas ou
plurigeracionais, as famílias reconstruídas, e a vida em comum sem coabitação. Estas formas de
organização familiar serão objeto de proteção diferenciada.

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Direito da Família e dos Menores
Mariana Melo

Princípios constitucionais do Direito da Família

Artigos importantes: 36º e 37º CRP (liberdades e garantias); 68º e 69º CRP (direitos programáticos que
exigem a ação do Estado).

“Direitos, liberdades e garantias” – 1º a 9º - vinculam entidades públicas e privadas; “Direitos e deveres


económicos, sociais e culturais” – 10º a 12º - normas de caráter programático.

1. Direito à celebração do casamento – baseia-se no artigo 36º CRP e significa, na positiva, que todos
temos o direito a casar. Na negativa, significa que o Estado não pode criar impedimentos injustificados
ao casamento, ou seja, que não tenham por detrás a proteção de interesses públicos fundamentais (ex:
proibição com base na idade inferior a 16 anos).
Antigamente, era preciso pedir para casar.
Uma leitura literal deste artigo levaria a que fossem consideradas inconstitucionais quaisquer normas
que estabelecessem impedimentos ao casamento e, por essa razão, a legislação ordinária não pode
estabelecer os tais impedimentos injustificados já referidos. Seria inconstitucional:
 A norma que estabelecesse impedimentos fundados na raça, na religião ou na nacionalidade dos
nubentes; que proibisse ao transsexual, na sua nova identidade sexual, contrair casamento, etc.
 Normas que não permitissem o casamento de pessoas que desempenhassem certas profissões ou
funções sem autorização dos respetivos superiores hierárquicos – p. ex., a norma que exigia
autorização do Ministro da Educação para o casamento das professoras primárias (norma
suprimida).
 A norma que exigisse o celibato dos interessados como condição de acesso a determinado cargo
público; como seria nula a cláusula do contrato de trabalho que atribuísse à entidade patronal a
faculdade de despedir o trabalhador que viesse a contrair casamento.

Embora a Constituição não formule de modo explícito um princípio de “proteção do casamento” (só a
família é “protegida” - 67º), parece existir, com base neste princípio, uma proteção ao casamento,
sendo de reconhecer o seu caráter institucional e, por isso, a existência de uma garantia institucional ao
casamento, pois não faria sentido que a Constituição concedesse o direito a contrair casamento e, ao
mesmo tempo, permitisse ao legislador suprimir a instituição ou desfigurar o seu “núcleo essencial”.

2. Direito de constituir família – É o princípio consagrado no artigo 36º/1, 1ª parte, o qual permite
diferentes interpretações por parecer consistir no mesmo que consiste o direito a casar. No entanto,
hoje em dia esta questão já não gera tanta controvérsia uma vez que constituir familia já não é
sinónimo de casar, podendo mesmo, o primeiro acontecer sem que se verifique o segundo.
No entanto, interessa saber se este artigo – 36º CRP -, tutela constitucionalmente a UF.

Professor Castro Mendes: “a conjunção e que une (aparentemente) dois direitos conferidos é um pouco
estranha”, pois, em face da noção de casamento do artigo 1577º, “contrair casamento é constituir
família”. E concluía que “os dois direitos se reduzem a um só e a ordem da enunciação dos aspetos do
seu objeto é infeliz, pois parte do efeito — “constituir família” — para a causa — “contrair casamento”.

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Direito da Família e dos Menores
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Dr. Guilherme Oliveira e Dr. Pereira Coelho: julgam que o propósito da disposição foi o de conceder
efetivamente dois direitos e não apenas um, e que o legislador intencionalmente redigiu o preceito do
modo como o fez. Com efeito, parece que o artigo 36º/1, ao distinguir a “família” do “casamento”, quis
deixar bem claro que se tratam de realidades diversas, como na realidade acontece, pois ao lado da
família conjugal, fundada sobre o casamento, há ainda lugar para a família natural, resultante do facto
biológico da geração, para a família adotiva e, dir-se-á hoje, para a família baseada na UF. Estes autores
consideram que a expressão “direito a constituir família” se refere à matéria de filiação: refere-se, em
primeiro lugar, a um direito a procriar e, em segundo lugar, a um direito a estabelecer as
correspondentes relações de maternidade e paternidade. Ao mencionar no artigo 36º/1, por esta
ordem, o “direito de constituir família” e o “direito de contrair casamento”, o propósito do legislador
constitucional terá sido justamente o de arredar uma interpretação do preceito como a que lhe viria a
ser dada por Castro Mendes.
Estes autores sublinham ainda que não se pode reconduzir a UF a uma dimensão negativa do direito a
contrair casamento; pois essa dimensão negativa constitui o direito de não casar.

Gomes Canotilho e Vital Moreira: são autores que se pronunciaram em sentido positivo, dizendo que o
“direito de constituir família” que, ao lado do de “contrair casamento”, é conferido pelo artigo 36º/1, 1ª
parte, visa fundamentalmente a UF. “Conjugando, naturalmente, o direito de constituir família com o de
contrair casamento a Constituição não admite todavia a redução do conceito de família à união conjugal
baseada no casamento, isto é, à família “matrimonializada”. Para isso apontam, não apenas a clara
distinção das duas noções no texto (“constituir família” e “contrair casamento”), mas também o
preceito do nº 4 sobre a igualdade dos filhos, nascidos dentro ou “fora do casamento” (e não: “fora da
família”). Há uma abertura constitucional para conferir o devido relevo jurídico às uniões familiares “de
facto”. Constitucionalmente, o casal nascido da UF também é família e, ainda que os seus membros não
tenham o estatuto de cônjuges, seguramente que não há distinções quanto às relações de filiação daí
decorrentes”.

Jorge Miranda: “num entendimento dinâmico da Constituição e num sistema aberto de interpretação”,
que o artigo 36º/1 não exclui do seu âmbito de aplicação “as novas relações familiares e parafamiliares
do nosso tempo” e entende que o direito fundamental de “constituir família” foi concretizado, pelo
legislador democrático, na Lei nº 6/2001, que adotou medidas de proteção das pessoas que vivem em
economia comum, e na Lei nº 7/2001, que tutelou as UF, entre pessoas de sexo diferente ou do mesmo
sexo.

Notas: (1) o artigo 36º/1, não reduz o conceito de família à união conjugal baseada no casamento, mas não é
forçoso que dessa circunstância possa tirar-se argumento favorável à qualificação da UF como relação de família;
(2) também não se considera que o direito de estabelecer a UF e o direito de contrair casamento como formas
alternativas de organização da vida familiar; (3) a designação “filho nascido fora da família” é incorreta, pois todos
os filhos nascem dentro da família, mesmo os nascidos fora do casamento, uma vez que a relação que se
estabelece entre cada um dos progenitores e os filhos que procedam de UF é obviamente uma relação familiar.

A Dr. Sandra concorda com o Dr. Guilherme Oliveira no sentido em que “constituir família” é
sinónimo de procriar e estabelecer relações de maternidade e paternidade, estabelecimento este que,
em Portugal, deriva do parto (embora em certos países seja questionado à mãe e ao pai se o querem
ser após o parto).

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Direito da Família e dos Menores
Mariana Melo
Como já foi mencionado, para estes autores, e para a Dr. Sandra, o princípio da proteção da UF
decorre do direito ao livre desenvolvimento da personalidade (26º/1). Este direito consiste no direito do
indivíduo poder afirmar livremente a sua identidade.

Como tal, seriam inconstitucionais, por violarem o direito de constituir família, normas que, p. ex.,
impusessem a esterilização de pessoas portadoras de determinadas doenças, penalizassem as pessoas
não casadas que tivessem filhos, estabelecessem, em execução de uma política demográfica, o número
máximo de filhos que os casais poderiam ter e sancionassem as pessoas, casadas ou não casadas, que
tivessem filhos em número superior a esse, etc.; por outro lado, e por violarem o direito a casar, seriam
do mesmo modo inconstitucionais, as normas que proibissem ao pai perfilhar ou à mãe declarar a
maternidade de filho adulterino ou incestuoso. No âmbito da UF, seria manifestamente
inconstitucional, a legislação que a proibisse, que a penalizasse, impondo sanções aos membros da
relação e coartando o direito das pessoas viverem em UF.

Apesar da formulação do artigo 36º/1, que a todos concede “em condições de plena igualdade” o
direito de constituir família, admitimos que a atribuição deste direito conheça limitações na lei
ordinária, as quais poderão até ser impostas por outros princípios constitucionais do direito da família.

3. Princípio da competência da lei civil em matéria da regulação dos requisitos e efeitos do casamento e da
sua dissolução, independentemente da forma de celebração – consta do artigo 36º/2 CRP, sendo que os
requisitos têm a ver com a validação do casamento e os efeitos com o resultado. Este princípio visa,
fundamentalmente, subtrair ao direito canónico a regulamentação das matérias aí previstas.
Relativamente aos efeitos do casamento o princípio não levanta dificuldades, pois os efeitos do
casamento católico, quer os patrimoniais quer os pessoais, já eram regulados pelo direito civil mesmo
antes da Constituição.
Aqui destaca-se o artigo 1625º, quanto aos requisitos do casamento católico, em que há uma cedência
aos tribunais eclesiásticos – este artigo reproduz o artigo XXV, 1ª parte da Concordata celebrada entre
Portugal e o Vaticano em 1940, ainda que vigore a concordata celebrada em 2004.
Assim, quanto aos efeitos do casamento, é a lei civil que os rege e, por isso, é igual estarmos perante
um casamento civil ou um casamento católico. Já não é assim quando falamos dos requisitos do
casamento em que, no caso de ser civil, dizem respeito apenas à lei estadual enquanto que, no
casamento católico, dizem respeito à lei estadual e à lei canónica.
Ora, o artigo 1625º, dispõe que o conhecimento das causas respeitantes à nulidade do casamento
católico e à dispensa do casamento rato e não consumado é reservado aos tribunais e às repartições
eclesiásticas competentes. Se só os tribunais eclesiásticos podem conhecer das causas respeitantes à
nulidade do casamento católico, é só a esses tribunais que cabe apreciar os requisitos de cuja falta
resulta a nulidade do casamento, quer a nulidade provenha de falta ou vício do consentimento, quer de
incapacidade de algum dos cônjuges, sem que obste à solução, neste segundo caso, o facto de o artigo
1596º dispor que o casamento católico só pode ser celebrado por quem tiver a capacidade matrimonial
exigida na lei civil.

4. Princípio da admissibilidade do divórcio – o divórcio é constitucionalmente admissível em todos os tipos


de casamento. Seria inconstitucional a norma que proibisse o divórcio – tal como antes acontecia -, em
geral, ou mesmo só quanto aos casamentos católicos – 36º/2, in fine CRP.

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Direito da Família e dos Menores
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A CRP deixou ao legislador a possibilidade de conformar o respetivo regime. Já quanto ao divórcio por
mútuo consentimento, não seria inconstitucional a norma que exigisse um prazo de duração do
casamento para o divórcio poder ser requerido, ou até suprimisse o divórcio por mútuo consentimento,
tornando válido o divórcio sem consentimento de um dos cônjuges.

5. Princípio da igualdade dos cônjuges – consagrado no artigo 36º/3 CRP, sendo um reflexo do artigo 13º
CRP, está consagrado no artigo 1671º e é uma norma essencial no casamento civil. Tem interesse, tanto
no direito matrimonial como no direito da filiação. Na segunda parte do artigo 36º/3 CRP, importa notar
que aqui se fala só dos cônjuges em relação aos filhos; mas há muitos pais que não são cônjuges e, por
isso, o artigo a aplicar é o artigo 13º CRP.
 No âmbito do direito matrimonial, este princípio feriu de inconstitucionalidade as normas do CC
que colocavam a mulher casada em situação de desfavor relativamente ao marido, normas que a
Reforma de 1977 suprimiu ou adaptou aos novos imperativos constitucionais. Assim, p. ex., o
chamado “poder marital” e a proibição de a mulher exercer o comércio sem o consentimento do
marido desapareceram; a mulher pode agora exercer livremente qualquer profissão ou atividade
(1677º-D); pertence-lhe a administração dos bens próprios ou dos bens comuns que tenha levado
para o casal ou adquirido posteriormente a título gratuito, independentemente de reserva na
convenção antenupcial (1678º/1 e nº 2/c)); etc.

 No âmbito do direito de filiação, o princípio assume relevo sobretudo quanto às responsabilidades


parentais que são exercidas por ambos os pais (1901º/1, 1911º e 1912º), ao contrário do que
acontecia no Código de 1966, em que o poder paternal era exercido pelo pai e a mãe apenas tinha
o direito de “ser ouvida”. Outro corolário do princípio parece ser o de que a ação de impugnação
de paternidade deverá ser concedida tanto ao marido da mãe como à própria mãe, como está hoje
expresso no artigo 1839º/1.

6. Princípio da atribuição aos pais do poder-dever de educar os filhos – está relacionado com o artigo 36º/5
CRP e é um princípio muito importante porque são os pais que devem educar os filhos e, por isso, o
Estado não pode sobrepor-se aos pais na sua educação. Este poder-dever opõe-se em 2 frentes:

 Poder em relação aos filhos: relativamente aos filhos, os pais têm o poder e o dever de os educar –
1878º/1 – compete aos pais e não ao Estado cuidar dos filhos, bem como, dependendo da maturidade
dos filhos, ouvir/atender à opinião destes – 1878º/2. Este poder deve, no entanto, ser levado a cabo,
respeitando a personalidade dos filhos (1874º/1 e 1878º/2). Quanto à autonomia religiosa dos filhos
rege o artigo 1886º;

 Poder em relação ao Estado: relativamente ao Estado, os pais têm autonomia relativamente a este,
decidindo sobre a educação dos filhos e cabendo-lhes a tarefa de cuidar deles. Ao Estado compete
“cooperar com os pais na educação dos filhos” (67º/2/c) CRP), mas não poderá “programar a educação
e a cultura segundo quaisquer diretrizes filosóficas, estéticas, políticas, ideológicas ou religiosas”
(43º/2).

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Direito da Família e dos Menores
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7. Princípio da inseparabilidade dos filhos dos seus progenitores – enunciado no artigo 36º/6 CRP, segundo
o qual os filhos não pode ser separados dos pais, salvo quando estes não cumprem os seus deveres
fundamentais para com eles, e sempre mediante decisão judicial. Sempre que se verifiquem os
condicionalismos do artigo 1915º (inibição do exercício das responsabilidades parentais) os filhos
podem ser separados dos pais. Nos casos previstos no artigo 1918º pode o tribunal confiar o menor a
terceira pessoa ou estabelecimento de educação ou assistência; isto chama-se de confiança a terceiros:
isto só acontece quando haja perigo para as crianças em permanecer com os pais, mas não for caso de
inibição do exercício das responsabilidades parentais. Seria inconstitucional a norma que, no processo
de adoção, permitisse ao organismo de SS decidir a confiança administrativa do menor havendo
oposição de quem exerça as responsabilidades parentais, ou, sendo a situação do menor objeto de
processo de promoção e proteção ou tutelar cível, lhe permitisse decidir a confiança administrativa sem
a intervenção do tribunal. No caso das crianças fugirem da casa dos pais têm o direito de as ir buscar e
de contar com a ajuda das autoridades para tal.

8. Princípio da não discriminação entre filhos nascidos dentro e fora do casamento – consta do artigo 36º/4,
sendo que a sua 2ª parte enuncia o sentido formal deste princípio, não podendo, na lei, existir
expressões discriminatórias como filho “bastardo” ou “ilegítimo” ou “natural”; no entanto, isto não
significa que não haja diferenças entre filhos nascidos dentro e fora do casamento, pois a lei faz constar
do registo o estado dos pais (102º/1/e) CRegC) e manda averbar o casamento dos pais posterior ao
registo de nascimento do filho (69º/1/c)).
Já a 1ª parte do artigo formula este princípio em sentido material, não permitindo que os filhos nascidos
fora do casamento sejam “objeto de qualquer discriminação”. Não quer isto dizer que a CRP imponha
uma total identidade de regime entre as duas espécies de filhos: o que ela não permite é que os filhos
nascidos fora do casamento sejam objeto de qualquer discriminação que lhes seja desfavorável e que,
além disso, não seja justificada pela diversidade das condições de nascimento. Antes, cabia à mãe, em
princípio, o exercício do poder paternal relativamente ao filho nascido fora do casamento. Já não vigora
hoje o conceito de guarda dos filhos em que havia alguma discriminação, ficando, a maior parte das
vezes, a mãe com a guarda destes se não fosse casada.

Por outro lado, há diferenças de regime que na verdade desfavorecem os filhos nascidos fora do
casamento mas que também parecem conciliáveis com o princípio da não discriminação, enquanto
sejam suficientemente justificadas pela diversidade das condições de nascimento dos filhos. É o caso da
presunção pater is est (1826º/1), que só vale em relação aos filhos nascidos do casamento, não
beneficiando, os nascidos fora do casamento, mesmo de UF ou concubinato duradouro (cfr., porém,
1871º/1/c)). Igualmente justificada pela diversidade das condições do nascimento, e por isso conciliável
com o princípio da não discriminação, é a solução referida no artigo 1883º.
36º/4 - teve aplicação imediata, revogando a legislação precedente que dava melhores direitos
sucessórios aos parentes “legítimos”, quer no sentido de uma preferência absoluta dos “legítimos”
sobre os “ilegítimos”, quer no sentido de uma preferência relativa (os “ilegítimos” concorriam com os
“legítimos”, mas eram desfavorecidos na partilha).

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Direito da Família e dos Menores
Mariana Melo
Em 2008, o legislador veio igualar a circunstância de os pais estarem casados ou unidos de facto,
passando este a preocupar-se apenas com o facto de viverem juntos ou separados. Os artigos 1901º até ao
1904º, tratam das responsabilidades paternais em caso de casamento, e os artigos 1905º até 1908º tratam
das responsabilidades paternais em caso de divórcio:
 1909º: relativo aos cônjuges separados de facto.
 1910º: filiação estabelecida apenas quanto a um dos progenitores
 1911º: filiação estabelecida quanto a ambos os progenitores que vivem em UF
 1911º/2: casos de rutura da convivência dos progenitores

! Estes artigos são muito importantes, pelo que o que releva é saber se os progenitores vivem juntos ou separados.

9. Princípio da proteção da adoção – consta do artigo 36º/7 e prende-se com a exigência na celeridade da
adoção. A primeira parte deste preceito tornou a adoção objeto de uma garantia constitucional, ou seja,
a CRP assegura a sua existência e a sua estrutura fundamental, não podendo o legislador ordinário
suprimi-la ou dar-lhe diferentes contornos do que aqueles que a caracterizam. P. ex., seria
inconstitucional a norma que extinguisse a adoção, ou que deixasse de considerar o adotado como filho
do adotante. A Dr. Sandra critica a demasiada preocupação com a celeridade do processo adotivo,
defendendo que este deve demorar o tempo necessário a ser efetuado com sucesso, podendo mesmo
não ser rápido devido à sua complexidade. Como tal, podemos falar de uma proibição de retrocesso
nesta matéria. O legislador fala aqui de garantias na Lei nº 143/2015, de 8 de setembro, que regula a
adoção, sendo que no artigo 32º vem dizer que os processos judiciais para obter o consentimento para
adoção bem como para a sua tramitação devem ter um caráter urgente, mas não precipitado.

10. Princípio da proteção da família – enunciado no artigo 67º CRP o qual concede à própria família — seja
ela, assente no casamento ou, UF, natural ou adotiva — um direito à proteção da sociedade e do
Estado, tornando-a objeto de uma garantia institucional.
Aqui, o conceito de família é um objeto sociológico, uma vez que, não podemos acabar com as UF,
temos de reconhecer e proteger as famílias monoparentais (ou outras de outro tipo) e de abranger o
LAT (living apart together), que são pessoas casadas e vivem separadas.

11. Princípio da proteção da paternidade e da maternidade – o Estado deve promover politicas de


maternidade e de paternidade.
68º CRP - considera a paternidade e a maternidade “valores sociais eminentes” e concede aos pais e às
mães, sejam ou não unidos pelo matrimónio, um direito à proteção da sociedade e do Estado na
realização da sua ação em relação aos filhos, nomeadamente quanto à educação destes, para que a
paternidade e a maternidade não os impeçam de se realizarem profissionalmente e de participarem na
vida cívica do país.

12. Princípio da proteção da infância – falamos aqui do direito a prestações.


69º CRP - atribui igualmente às crianças um direito à proteção da sociedade e do Estado, com vista ao
seu desenvolvimento integral. Quanto ao nº 2, na parte em que este concede especial proteção às
crianças contra o exercício abusivo da autoridade na família, devem ter-se em conta as disposições
respeitantes à inibição das responsabilidades parentais (1915º), às providências limitativas dessas
responsabilidades (1918º) e, naturalmente, todas as disposições que integram o sistema de proteção de
crianças e jovens em perigo.

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Direito da Família e dos Menores
Mariana Melo
Notas: (1) estes três últimos princípios referidos prendem-se com normas de conteúdo programático, que cabe ao
Estado concretizar e proteger; (2) esta matéria é muito importante e releva saber articular os princípios enunciados
com as restantes matérias.

Características do Direito da Família


 Predomínio das normas imperativas (o princípio da igualdade entre os cônjuges é um exemplo de
norma imperativa), mesmo ao nível do direito patrimonial.
Estas são inderrogáveis pela vontade dos particulares. Esta característica faz distinguir o direito da família do
direito das obrigações, cujas normas revestem, na sua grande maioria, caráter supletivo ou dispositivo.
Ex: as normas que regulam os impedimentos matrimoniais e, em geral, os requisitos de fundo e de forma do casamento; os direitos
pessoais dos cônjuges; as modalidades e as causas do divórcio e da separação de pessoas e bens; os modos de estabelecimento da
filiação; as presunções de maternidade e paternidade, o seu valor e o modo como podem ser impugnadas; a atribuição do exercício
das responsabilidades parentais, relativamente à pessoa e aos bens dos filhos, e o seu conteúdo essencial; a organização da tutela; as
condições e os efeitos da adoção; etc.
Podemos dizer que apenas as relações familiares patrimoniais são regidas por normas de caráter dispositivo
mas, no entanto, ainda aqui nos deparamos com algumas normas imperativas (p. ex., 1699º, 1714º/1,
1720º).
 Institucionalismo - há muitas instituições como a UF, o casamento, etc., que, ao longo do tempo, se
vão integrando no conceito família, não no sentido de o alterar, mas de o caraterizar.
A família é, decerto, uma destas instituições. Mais velha que o Estado, é um organismo natural, que
preexiste ao direito escrito, e dentro do qual vive uma ordenação íntima, complexa e difícil de racionalizar.
Não foi o legislador que criou as normas que impõem certas obrigações aos cônjuges (1672º) ou as que
dizem quais os deveres dos pais para com os filhos e destes para com os pais (1874º); por outro lado, o
conteúdo de tais normas é muito vago, sendo necessário, para o integrar, recorrer àquelas outras normas
pelas quais se rege institucionalmente a família. É uma característica muito significativa, mas cujo alcance
não deve exagerar-se. Como é óbvio, nas normas de direito da família também pode existir, e até ser
decisivo, um momento técnico e racional, pois o legislador pode querer modificar, num sentido ou noutro, a
ordenação institucional da família.
 Coexistência do direito estadual com o direito canónico na disciplina da relação matrimonial: Não é
uma característica geral do direito da família, mas apenas do direito matrimonial português. Vimos já que o
artigo 1625º se deve julgar conforme à CRP e continua em vigor, mesmo depois da Concordata de 2004.
 Permeabilidade do direito da família às transformações sociais, políticas, económicas, ou outras, como
as técnicas de PMA’s; os deveres dos cônjuges, tais como o dever de fidelidade, que hoje já não tem o
mesmo sentido que tinha antigamente. Esta característica, permite que o direito da família acompanhe, não
só, o desenvolvimento dos vários ordenamentos nacionais, como também se adapte aos fenómenos de
globalização, sejam eles de que matéria.
 Ligação do direito da família a outras ciências sociais, tais como a biologia e os vários progressos
científicos no caso do direito da filiação; a psicologia e a pedagogia no caso das responsabilidades parentais e
da adoção; ou ainda a sociologia.
 Afetação das questões do direito da família aos tribunais (de competência) de família e de menores,
ou seja, as questões relacionados com esta área do direito são tratadas por tribunais específicos com
competência especializada.

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Direito da Família e dos Menores
Mariana Melo

Direito Matrimonial – O casamento como ato


Conceito e caracteres gerais
Relação matrimonial

Esta não é a relação familiar mais importante (essa é a filiação), mas vamos estudá-la porque o CC fala
desta em primeiro lugar, uma vez que antes se casava e só depois se tinha filhos.

De que forma se pode celebrar o casamento?

1587º - diz-nos que o casamento é católico ou civil. Portanto, temos a possibilidade de escolha e, por isso, o
nosso sistema caracteriza-se por ser facultativo e não de casamento civil (como acontece em França) ou
católico obrigatório.

Desde 2001, quem opta pelo casamento civil pode fazê-lo segundo a via tradicional ou religiosa.

Quando dizemos que o casamento civil pode ser celebrado de 2 formas, apenas estamos a distinguir o
modo de celebração, sendo de notar que o casamento tem 3 momentos: formalidades preliminares,
celebração e registo.

Em Portugal podemos celebrar um de dois casamentos: Civil (sob forma tradicional ou sob forma religiosa)
ou Católico

Dito isto, se estivermos perante um:

 casamento civil tradicional o conservador é responsável/trata de tudo.


 casamento civil religioso, o conservador trata do 1º e 3º momentos, enquanto o ministro de culto da
religião do cônjuge trata do 2º momento. Esta forma de casamento consta do artigo 19º da Lei da
Liberdade Religiosa. No artigo 33º desta mesma lei, constam ainda as pessoas coletivas religiosas
inscritas no registo nacional de pessoas coletivas religiosas, sendo que só se pode inscrever neste
registo a comunidade que se encontre no nosso pais há 30 anos – 37º -, ou aquelas que foram fundadas
no estrangeiro há mais de 60 anos. Assim se, p. ex., um casal de muçulmanos pretende casar-se em
Portugal, pode fazê-lo sob a forma religiosa (19º) tendo, no entanto, o ministro de culto da sua religião
de assegurar que os cônjuges conhecem certas normas como o artigo 1577º; 1600º; 1671º; 1672º. Ou
seja,
 para os católicos, continua a ser um sistema de casamento civil facultativo, em que o casamento
católico não é apenas outra forma de celebração do casamento, mas um instituto diferente,
disciplinado em vários aspetos por normas diversas das que regem o casamento civil;
 para os que pertençam a igrejas ou comunidades religiosas que se considerem ou venham a
considerar-se “radicadas no País”, é igualmente um sistema de casamento civil facultativo, ou seja,
um sistema em que o casamento religioso é apenas uma forma de celebração do casamento, o
qual, à parte da forma, fica sujeito em todos os aspetos às mesmas normas por que se rege o
casamento civil;
 para os que pertençam a outras igrejas ou comunidades religiosas, não “radicadas no País”, é um
sistema de casamento civil obrigatório, pois a lei não dá qualquer valor à respetiva cerimónia
religiosa.

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Direito da Família e dos Menores
Mariana Melo
Esta ideia de que em Portugal há dois casamentos, encontramos expressa no artigo 1587º/1. Importa-
nos esclarecer o sentido desta dualidade, que é um dado essencial do direito matrimonial português. Antes
da Constituição de 1976, fossem institutos diferentes, conforme a “segunda modalidade” do sistema do
casamento civil facultativo (visto mais à frente). Mas em face do artigo 36º/2 CRP, que atribui competência à
lei civil para regular os requisitos do casamento católico, podia pôr-se em dúvida a constitucionalidade do
artigo 1625º e do artigo XXV 1º parte da Concordata de 1940, que o artigo 1625º reproduzira, pois na
hierarquia das fontes não pode dar-se à Concordata valor supraconstitucional ou sequer constitucional
(como os acordos internacionais, a Concordata tem valor supralegal, mas infraconstitucional).

Devemos então começar este estudo, seguindo o pressuposto de que as causas respeitantes à nulidade
do casamento católico são da competência exclusiva dos tribunais eclesiásticos e as duas modalidades de
casamento são regidas, em certa medida, por distintas normas jurídicas.

De uma forma breve, podemos dizer que é muito complicado definirmos o conceito de casamento,
apesar de todos nós conhecermos os seus contornos e, notoriamente, compreendermos que este não
poderá levantar questões relativas à sua distinção com a UF. Mesmo historicamente, percebemos que é
difícil conceber uma noção que se mantenha.

Conceito de casamento civil: o artigo 1577º define o casamento como “o contrato celebrado entre duas
pessoas que pretendem constituir família mediante uma plena comunhão de vida”. A lei não diz de modo
explícito o que é a comunhão de vida – conceito indeterminado. Trata-se de uma comunhão de vida em que
os cônjuges estão reciprocamente vinculados pelos deveres de respeito, fidelidade, coabitação, cooperação
e assistência (1672º), comunhão de vida exclusiva (1601º/c)) e não livremente dissolúvel (1773º). A
eliminação recente da relevância da culpa para a dissolução do casamento e a simplificação do regime do
divórcio tornam frágeis os deveres recíprocos e permitem uma dissolução mais fácil do vínculo. Nota: a
procriação, sendo um fim normal ou natural, não é um fim absolutamente essencial do casamento civil, pelo
que não deve entrar na respetiva definição.

Conceito de casamento católico: cânone 1057, § 2 CCan, que define o casamento como “ato da vontade pelo
qual o homem e a mulher, por pacto irrevogável, se entregam e recebem mutuamente a fim de constituírem
o matrimónio”. É a “comunhão íntima de toda a vida, ordenada por sua índole natural ao bem dos cônjuges
e à procriação e educação da prole”. De todo o modo, a consumação continua a ter no casamento católico
um relevo que não possui no casamento civil. Nota: só depois de consumado é que o casamento católico
goza de indissolubilidade, não apenas intrínseca, mas também extrínseca. Tem as mesmas características
gerais do casamento que referimos acima e que são suas “propriedades essenciais”: a unidade ou
exclusividade e, por outro lado, a indissolubilidade (cân. 1056). Ainda, a vocação de perpetuidade do
casamento católico é muito mais forte que a do casamento civil, pois são extremamente raros os casos,
(câns. 1141 a 1150) em que o direito canónico permite a dissolução do vínculo matrimonial.

37
Direito da Família e dos Menores
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Estamos a falar da caracterização do nosso sistema matrimonial. E estes sistemas podem ser de 4 tipos,
em geral:

1. Sistema de casamento religioso obrigatório – o único casamento conhecido é o casamento religioso. Não
se admite o casamento civil, foi o que vigorou na Grécia até 1982 (casamento segundo os ritos da Igreja
ortodoxa grega, independentemente da religião e da nacionalidade dos nubentes).
2. Sistema de casamento civil obrigatório (como acontece em França, nos países nórdicos): o Estado
apenas admite o casamento civil, regulado pelas suas leis; o direito matrimonial do Estado é obrigatório
para todos os cidadãos, independentemente da religião que professem. Não reconhece, pois, à Igreja
Católica o direito de disciplinar o casamento dos seus membros. Isto não quer dizer que os nubentes
não possam casar segundo as normas da sua confissão religiosa, mas não lhe serão atribuídos quaisquer
efeitos jurídicos. Apenas o casamento civil é será válido.
3. Sistema de casamento civil facultativo – no sistema de casamento civil facultativo, os nubentes podem
escolher o sistema de casamento que querem celebrar - civil ou religioso – atribuindo o Estado efeitos
civis ao casamento em qualquer caso. É uma escolha. Ao contrário do subsidiário, onde primeiro será o
religioso, e só subsidiariamente celebrarão o civil. Este sistema abrange duas modalidades distintas: (1)
o Estado permite que os seus nacionais celebrem casamento religioso e dá a esse casamento efeitos
legais, mas dá-lhe os mesmos efeitos e sujeita-o ao mesmo regime do casamento laico ou civil; (2) o
Estado admite como válido o casamento católico, admite-o como é regulado pelo direito da Igreja.
Portanto, o Estado não reconhece apenas a forma de celebração religiosa; o Estado reconhece a própria
legislação (e até a jurisdição) eclesiástica sobre o casamento.
4. Sistema de casamento civil subsidiário – O Estado subordina-se inteiramente à Igreja e como que faz seu
o direito matrimonial canónico. Por isso, o casamento católico é o único que o Estado reconhece; o
casamento civil só é admitido subsidiariamente, nos casos em que as partes provarem que não
professam nenhuma outra religião (Em Portugal entrou em vigência com o Código de Seabra. No
entanto, como poderá conciliar-se com o princípio da liberdade religiosa em Portugal?).

Na primeira modalidade, o casamento religioso é entendido apenas como uma celebração de forma
diferente do casamento civil. Aqui, temos o casamento civil e religioso. A única coisa que muda no
casamento religioso é a forma de celebração. Já vimos que, no nosso sistema, o casamento civil pode ser um
casamento tradicional ou sob forma religiosa. Em Portugal, relativo às religiões radicadas no país.

Na segunda modalidade, o Estado reconhece o casamento religioso como um instituto diferente do


casamento civil. O casamento religioso é algo de diferente do casamento civil, tem regras diferentes. Em
Portugal, relativo ao casamento católico

Em termos abstratos, temos estes 4 sistemas de casamento. Em Portugal, podemos ter o casamento
católico e o civil. O civil pode ser celebrado sob forma religiosa ou tradicional. Podem casar sob forma
religiosa as pessoas que professem de uma religião radicada neste país há mais de 30 anos, e há mais de 60
anos fora do país. Na verdade, o nosso sistema matrimonial, combina o sistema de casamento civil
obrigatório, para as religões não radicadas em Portugal, e o sistema de casamento civil facultativo, na 1ª
modalidade (religiões radicadas em Portugal) e na 2ª modalidade (relativamente à Igreja católica).

Com este quadro assim, vamos caracterizar o nosso sistema matrimonial em concreto.

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Direito da Família e dos Menores
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Caracterização do nosso Sistema Matrimonial


1. Para os católicos é um sistema de casamento civil facultativo na segunda modalidade – se for católica
posso casar catolicamente; se casar catolicamente, o Estado reconhece-o.
2. Para as pessoas que professem uma religião radicada no nosso país, temos um sistema de casamento
civil facultativo na primeira modalidade – tem de casar civilmente, mas pode escolher uma forma de
celebração diferente. Para quem for católico, o Estado Português oferece dois institutos: o civil e o
católico. Para quem for muçulmano, o Estado Português oferece um sistema de casamento civil, que
pode ser celebrado na forma tradicional ou segundo os rituais da sua religião.
3. Para quem não tiver religião ou tem mas não radicada, temos um sistema de casamento civil obrigatório
– podem celebrar uma cerimónia própria, mas com efeitos meramente internos, o Estado não
reconhece efeitos.

O Estado português reconhece efeitos a 1 instituto que vem de outro OJ, o católico.

Isto só acontece porque há um acordo entre o Estado e a Santa Sé, a concordata de 2004. Ao lermos a
concordata percebemos que esta concordata é redigida no interesse da Santa Sé. Há interesse da Igreja em
que o seu casamento seja reconhecido pelo Estado português. A concordata é de maio de 2004. Rege esta
Concordata:

 13º - o Estado português reconhece efeitos a casamentos celebrados em conformidade com a lei
canónica. Ou seja, se eu casar hoje, na conservatória ou na Igreja, os efeitos que o casamento produz
são exatamente os mesmos. Portanto, ao nível dos efeitos não existe diferença entre o casamento civil
e o católico.
 14º - momento em que se inicia a produção dos efeitos do casamento.
 15º/1/2: dever de não requerer divórcio civil - este dever é assumido para nubentes.
 16º - diz respeito à dissolução do casamento.

As causas que levam à dissolução do casamento, são verificadas pelos tribunais eclesiásticos segundo as
normas do direito canónico. O Estado português reservou-se uma competência: avaliar a capacidade dos
nubentes  1596º: quem não tiver capacidade matrimonial civil, não pode casar catolicamente. Eu só posso
casar se tiver a capacidade exigida pelo código civil. O direito canónico exigirá outros requisitos
relativamente aos quais é a Igreja a decidir.

O direito canónico diz-nos que aos 14 anos as pessoas podem casar-se apesar de esta regra não valer
em Portugal. Já o CC diz-nos que se pode casar aos 16 anos, desde que com autorização dos pais.

! O casamento católico não é verdadeiramente católico mas concordatário: porque valem as normas do
direito canónico que foram aceites pelo Estado português na Concordata de 2004.

Alguns impedimentos:

1. Divórcio civil
2. Homossexuais
3. Não batizados

Pode haver casamentos católicos unilaterais: se um dos nubentes for católico pode casar catolicamente
e o outro não. O casamento católico é um sacramento. Se um for católico e o outro não, só um fica vinculado
ao sacramento.

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Direito da Família e dos Menores
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Dissolução do casamento: temos algumas especificidades.

O casamento civil dissolve-se por divórcio ou morte. O casamento católico, face ao direito canónico, não
se dissolve pelo divórcio.

Para o casamento católico há uma forma de dissolução específica que vem referida no artigo 1625º –
dispensa do casamento rato e não consumado. Esta dispensa só os tribunais eclesiástico podem conferir. O
que é isto? Bem, isto é aquele casamento que foi celebrado (rato: ratificar, ratificação, consentimento). O
casamento rato é aquele em que os nubentes casaram, mas não consumaram, não houve relações sexuais
completas. Porque é que isto é importante? Porque a procriação é um elemento essencial do casamento
católico. Se não há cópula, não pode haver procriação.

O Estado português reconhece, na sua ordem jurídica, 1 casamento com formas de dissolução
diferentes do casamento civil – são regidos por leis diferentes.

O artigo 1625º estabelece outra diferença:

 Os casamentos católicos inválidos, são nulos. Declaração de nulidade do casamento católico.


 Os casamentos civis, são anuláveis ou inexistentes.

1589º - O casamento católico tem algo a mais que o civil, tem o sacramento. Quem casa civilmente, pode
depois ir à igreja casar, buscar o sacramento. Mas o inverso não será possível fazer, já não faz sentido,
porque casando catolicamente, eu já tenho tudo, “já não vou buscar nada ao casamento civil”. Quem casa
civilmente pode casar catolicamente. Quem casa catolicamente não pode depois casar civilmente, não pode
casar duas vezes.

Normas que regulam o casamento civil e católico:

1. Quanto à promessa de casamento - 1591º - aplica-se aos casamentos civis e católicos.


2. Quanto aos requisitos de fundo do casamento católico:
a. Quanto ao consentimento: aplica-se o direito canónico.
b. Quanto à capacidade: aplica-se o direito civil e o direito canónico.
3. Quanto às causas de nulidade aplica-se o direito canónico – 1625º.
4. Quanto aos efeitos da declaração de nulidade, aplica-se o código civil.
5. Quanto aos efeitos do casamento, aplica-se o direito civil – 1588º.
6. Quanto à dissolução do casamento católico vale o direito civil e o direito canónico (para a causa que
origina a dispensa…).

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Direito da Família e dos Menores
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Falamos no casamento como um ato e como um estado. Vamos falar na celebração do casamento, ou
no casamento como ato. Quando vamos casar temos 3 fases: o processo preliminar, a celebração e o registo.
Estes são os 3 momentos do casamento, tanto para o civil como para o católico, embora hajam diferenças,
mas a estrutura é sempre igual.

 O processo preliminar, começa com uma declaração de casamento – vamos à conservatória e


declaramos que queremos casar. Não vamos trazer um papel porque esta é uma declaração verbal-oral,
pois aqui os nubentes declaram os dois que querem casar, tendo mesmo que ir os dois à conservatória.
Quando dizemos isto, temos de ser precisos, pois os nubentes têm que declarar que querem casar um
com o outro. Eu posso casar, mas não posso casar com qualquer pessoa (com irmão, filho ou pai).
Quando estamos nesta fase preliminar, declaro que quero casar com aquela pessoa, e na conservatória
vão averiguar se posso casar com aquela pessoa. Ou seja, esta fase, começa com uma ida à
conservatória declarar que se quer casar.
 Celebração
 Registo – condição de eficácia, sobretudo para terceiros.

Casamento Civil – Celebração tradicional

Formalidades preliminares – 1610º e ss:

 Declaração para casamento (135º CRegCivil).


 Publicidade do Processo (140º CRegCivil) – o casamento é público. Antigamente, afixava-se na CM e na
conservatória. Hoje em dia, teremos de ir à conservatória perguntar se há um processo preliminar de
casamento.
 Diligências a efetuar pelo conservador (143º CRegCivil) – têm o fim de descobrir se as 2 pessoas têm
capacidade matrimonial para se casar uma com a outra e se há algum impedimento para o casamento.
O conservador estará aberto a averiguar todas as diligências. Esta seria a fase do: “alguém tem alguma
coisa a dizer, ou cale-se para sempre”.
 Despacho de autorização (144º CRegCivil) – Se estiver tudo bem, haverá um despacho de autorização
por parte do conservador. Só há no casamento civil.
 Prazo para a celebração (145º CRegCivil) – Se o despacho do conservador for favorável, o casamento
deve celebrar-se dentro dos seis meses seguintes.

Celebração do casamento: Casamento civil tradicional (153º CRegCivil) – recomenda-se que se trate das
diligências no prazo de um mês, mas tudo se faz numa semana.

Registo do casamento:

 1º/1/d) CRegC – (factos obrigatoriamente sujeitos a registo)


 Por inscrição – 52º/e) e 180º CRegCivil
 Averbamento ao assento de nascimento - 69º/1/a) CRegCivil
 Efeitos - 2º, 3º e 188º CRegCivil

Nota: é fácil casar em Portugal e, como tal, a UF não pode ser considerada como um casamento sem forma,
porque as pessoas que vivem em UF não se casam por falta de possibilidades.

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Direito da Família e dos Menores
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Casamento Civil – sob forma religiosa

! O Estado controla A e B (nubentes) e C conservador – nomeando um - e tem de garantir que os primeiros


conhecem os artigos do Código Civil.

Formalidades preliminares:

 Declaração para casamento (135º CRegC) + Indicação do ministro de culto (136º/2/g) CRegC) – o
conservador é o Estado e o ministro de culto vai substitui-lo, sendo previamente nomeado.
 Publicidade do processo – 140º CRegC
 No caso de ter sido declarada a pretensão de celebração de casamento civil sob forma religiosa, o
conservador deve efetuar diligências no sentido de assegurar que os nubentes têm conhecimento do
disposto nos artigos 1577º, 1600º, 1671º e 1672º.
 Autorização para casamento (144º CRegC)
 Certificado para casamento (146º CRegC).
• 147º CRegC - A menção de que os nubentes têm conhecimento do disposto nos artigos 1577º,
1600º, 1671º e 1672º, bem como a menção do nome e da credenciação do ministro de culto.
• Envio oficioso ao ministro de culto (146º/4 CRegC).

Registo do casamento:

 1º/1/d) CRegC - (factos obrigatoriamente sujeitos a registo)


 Por transcrição - 52º/e) e 187º- A a C CRegCivil
 187-º B e 19º/6 LLR: O conservador deve efetuar a transcrição dentro do prazo de dois dias e comunicá-
la ao ministro de culto até ao termo do dia imediato àquele em que foi feita.
 Averbamento ao assento de nascimento - 69º/1/a) CRegCivil
 Efeitos - 2º, 3º e 188º CRegCivil

Celebração do casamento:

 Casamento civil sob forma religiosa - 19º da Lei da Liberdade Religiosa; O ministro de culto lavra assento
em duplicado e envia no prazo de três dias para transcrição (19º/5 LLR).

Casamento Católico

(Podemos ter capacidade para casar à luz do direito civil, e não à luz do direito canónico)

Formalidades preliminares - 1597º e ss:

 Declaração para casamento – 135º/1/2 CRegCivil


 Publicidade do Processo - 140º CRegCivil
 Diligências a efetuar pelo Conservador - 143º CRegCivil
 Autorização para casamento - 144º CRegCivil
 Certificado para casamento - 146º CRegCivil; Envio oficioso ao pároco (146º/3)

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Organização do processo pré-matrimonial católico:

 1ª entrevista: informação e exame dos nubentes/convite à preparação para o matrimónio (a sua


omissão não é impedimento à celebração do matrimónio)
 Recebimento do certificado da Conservatória - os padres nunca podem celebrar um casamento sem
este certificado, sob pena de cometer um crime – 151º/1 CRegC.

Celebração do casamento

 151º CRegC; Código de Direito Canónico


 O pároco da paróquia da celebração do casamento deve, no prazo de três dias, enviar a uma
conservatória do registo civil o duplicado do assento paroquial a fim de ser transcrito – 169º/1 CRegC.

Registo do casamento:
 1º/1/d) CRegC - (factos obrigatoriamente sujeitos a registo)
 Por transcrição - 52º/e) e 187º-A a C CRegC
 172º: O conservador deve efetuar a transcrição dentro do prazo de um dia e comunicá-la ao ministro de
culto até ao termo do dia imediato àquele em que foi feita.
 Averbamento ao assento de nascimento - 69º/1/a) CRegC
 Efeitos - 2º/3º e 188º CRegC

! Este esquema é muito importante e é sempre questionado

Também é claro que, o casamento como ato, é um casamento pelo qual sempre se interessaram
profundamente, não só o Estado, como as Igrejas. A Igreja Católica elevou à categoria de sacramento o
casamento entre batizados, considerando que só ela pode celebrar verdadeiros casamentos. No entanto,
isto também acontece noutras religiões.

O casamento, como ato, é também um negócio jurídico, pessoal e solene, sendo um contrato (tanto o
civil como o católico) unlilateral (2 declarações no mesmo sentido) que produz efeitos jurídicos e que vale
também para o casamento católico. Sendo um NJ é o instrumento por excelência da autonomia da vontade
privada.
No entanto, os efeitos pessoais do casamento, em particular os direitos e deveres dos cônjuges, são
imperativos, sem que as partes possam introduzir desvios ou derrogações no regime (1699º/1/a) – esta
característica decorre da pessoalidade deste NJ.
Liberdades dos nubentes: (1) liberdade de casarem ou não; (2) liberdade de casarem com uma pessoa
ou outra; (3) liberdade de escolherem entre casamento civil ou católico; (4) liberdade de casarem
pessoalmente ou por intermédio de procurador, etc. No entanto, e apesar do artigo 1672º, a lei permite-lhes
decidir livremente sobre o modo de cumprimento de alguns desses deveres: (1) os cônjuges devem acordar
sobre a orientação da vida em comum (1671º/2); (2) são os cônjuges que escolhem de comum acordo a
residência da família (1673º) e a forma como cada um cumpre o dever de contribuir para os encargos da
vida familiar (1676º).

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Direito da Família e dos Menores
Mariana Melo
Este é um negócio familiar e, como tal, um negócio pessoal.
É um contrato pessoal porque altera o estatuto pessoal das pessoas - e também o patrimonial – ou seja,
que influi no estado das pessoas, familiar ou de outra ordem. P. ex., podemos ter um nome diferente; nunca
mais voltamos a ser solteiros; cria uma série de direitos e deveres. E, é também um negócio solene, tanto o
casamento civil como o católico, porque se exige uma determinada forma, não podendo as partes
manifestar aqui a sua vontade: as formas de celebração do casamento são as que estão especificadas na lei;
ou é celebrado pelo conservador ou pelo padre da igreja. A forma requerida para a validade do casamento
consiste na cerimónia da celebração do ato. As formalidades do casamento católico são regidas pelo D.
Canónico. Já o casamento civil, tem de ser celebrado perante o funcionário do registo civil (155º CRegC).

O casamento como estado, e agora não como ato, implica unidade ou exclusividade, sendo apenas
reconhecida a monogamia em Portugal, ou seja, uma pessoa não pode estar casada ao mesmo tempo com
duas ou mais. A poliandria e a poligamia simultânea – a sucessiva (segundas núpcias) é admitida pelo
casamento civil e pelo católico - não são admitidas, sendo a bigamia um crime – 247º CPenal. Esta
característica vale tanto para o casamento civil (1601º/c), como para o casamento católico. A morte dissolve
o vínculo matrimonial.
Tradicionalmente, falava-se em perpetuidade, como ideia de que este só se dissolve quando um dos
cônjuges falecer. Esta noção manteve-se até à “Lei do Divórcio” de 1910, pois o Código de Seabra só admitia
a separação judicial de pessoas e bens. No entanto, e depois de muitos desenvolvimentos, a Lei nº 61/2008,
admitiu o divórcio por mútuo consentimento ainda que os cônjuges não consigam resolver as questões
enunciadas no artigo 1775º/1, que eliminou a importância da culpa e que alargou os fundamentos
relevantes da rutura do matrimónio (1781º/d). Como tal, agora vai-se falando em vocação de perpetuidade,
noção que é defendida pela Dr. Sandra. O Curso, refere-se a esta noção relativamente ao casamento
católico; quanto ao casamento civil, entende que deva antes falar-se em dissolubilidade condicionada, e não
livre, no sentido em que não possam ser apostos ao casamento condição ou termo resolutivos, haja um
numerus clausus de causas do divórcio e não seja permitido estipular outras além das previstas no artigo
1781º. Neste ponto, a Dr. Sandra discorda com os autores.

O que é isto do casamento? O artigo 1577º diz-nos que é o contrato celebrado entre 2 pessoas que
pretendem constituir família mediante uma plena comunhão de vida. A ideia é que haja uma associação para
a felicidade, que os dois queiram partilhar coisas juntos.

A plena comunhão de vida é definida pelos cônjuges, sendo esta expressão muito importante para
sabermos se 2 pessoas estão separadas ou não. Ex: A e B vivem na mesma casa mas estão separados,
comem separados, nunca estão juntos, não fazem nada juntos, e não há comunhão de vida, estando de
facto separados. Portanto, esta ideia de plena comunhão de vida é vaga, mas serve-nos de critério para
averiguar se A e B estão ou não separados.

 O casamento católico é muito diferente – Cânone 1055 CCanónico – vemos que a 1ª finalidade do
casamento católico é o bem dos cônjuges, e depois temos a procriação e educação dos filhos. Temos
um contrato e depois temos um sacramento.
 Cânone 1056 – importância que a indissolubilidade e a unidade comportam no âmbito do direito
canónico.

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Direito da Família e dos Menores
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 Cânone 1057/2 – como se casa catolicamente? Os nubentes, entregam-se e recebem-se mutuamente.


Aqui não são os padres que casam, são os nubentes que se casam mutuamente. O padre assiste e
orienta a cerimónia.
 Consequências da procriação ser vista como um dos fins do casamento? O cânone 1084 diz-nos que,
sendo a procriação o fim natural do casamento católico, a impotência de um dos cônjuges, dirime o
matrimónio.
 Cânone 1083 - não vale para nós, não vale para Portugal, por força da Concordata de 2004 e, uma vez
que, a capacidade de contrair casamento é estabelecida pela nossa lei civil (16/18 anos).
 Cânone 1124 e ss - diz-nos o que são matrimónios mistos: são casamentos católicos, entre batizados e
não batizados. Só um deles recebe o sacramento – o batizado, o católico.
 Cânone 1134 - efeitos do matrimónio: surge um vínculo de natureza perpétua e exclusiva.
 Cânone 1141 – o matrimónio rato e consumado não pode ser dissolvido por nenhum poder humano
nem por nenhuma causa para além da morte.
 O casamento é válido e perfeito mas não se estabilizou – como se estabiliza? Pela consumação do
casamento. E torna-se indissolúvel. Se não for consumado – dispensa do casamento rato e não
consumado – Cânone 1142 (1625º).

Situações de separação:
Quando o casamento é celebrado, os efeitos do casamento são os mesmos face à lei civil. E, face a ela,
os casamentos (todos) dissolvem-se por morte ou divórcio. Mas, há um outro instituto em que não se
dissolve o casamento mas existe um afrouxamento do vínculo matrimonial. E qual é? É a separação das
pessoas e bens – não é a separação de facto (não é um sair de casa e ir embora). Não é uma alteração no
estatuto matrimonial. Os cônjuges passam a ser separados (e não solteiro), mas ainda são casados. O que vai
acontecer é que vão desaparecer os deveres. Os católicos vão querer separar-se, pois não podem divorciar-
se pelo sacramento ou não querem o divórcio porque têm filhos, mas cada um quer fazer a sua vida de
forma independente da vida do outro cônjuge. Separam-se juridicamente. Não há aqui uma dissolução do
casamento; não podem casar com outra pessoa, mas existe um afrouxamento do vinculo. Mesmo no
casamento católico este regime está previsto no Código Canónico – Cânones 1151 e ss. Separados
juridicamente e não de facto.

Promessa de Casamento - regulada nos artigos 1591º a 1595º.


O casamento civil é um contrato e, portanto, pode existir um contrato-promessa de celebração de um
casamento.
1591º: o contrato pelo qual, a título de esponsais, desposórios ou qualquer outro, duas pessoas se
comprometem a contrair matrimónio não dá direito a exigir a celebração do casamento, nem a reclamar, na
falta de cumprimento, outras indemnizações que não sejam as previstas no artigo 1594º, mesmo quando
resultantes de cláusula penal - ou seja, o contrato de promessa de casamento é o contrato em que duas
pessoas se comprometem a contrair casamento com a outra.

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Qual a diferença entre o regime geral dos contratos-promessa e a especificidade da promessa de
casamento?
O regime geral do contrato promessa, gera a obrigação de celebrar o contrato prometido; se uma das
partes não celebrar o contrato prometido, como em todos os contratos, a outra parte tem o direito a uma
indemnização. No contrato promessa, vigora a execução específica, que consiste no facto de o juiz substituir-
se à declaração de vontade das partes. Ex: num contrato-promessa, eu prometo vender uma casa a B; no
entanto, posteriormente, não a vendo. Então B, pode pedir ao juiz que se faça substituir à declaração de
vontade.
Desvios ao regime geral:
 Muito importante em termos de dogmática: o CP de casamento desvia-se do regime geral porque não
há execução específica, não podendo o juiz fazer-se substituir. Ainda que a promessa de casamento
fosse plenamente eficaz, nunca dela resultaria uma obrigação de casar cujo cumprimento fosse exigível
judicialmente. Pois, embora o artigo 830º admita, em geral, a execução específica das obrigações
derivadas de contratos-promessa, a natureza pessoal da obrigação assumida, excluiria desde logo esta
possibilidade.
 Nos contratos em geral quando uma das partes não cumpre, a outra é obrigada a indemnizar. O
contraente que não cumpre a promessa de casamento não responde pela totalidade dos prejuízos
causados, nos termos gerais, ou pela cláusula penal convencionada: responde só por certas despesas,
sem que as partes possam estipular cláusula penal de montante superior. Por isso, no contrato-
promessa de casamento, as únicas indemnizações devidas são as que constam do artigo 1594º, não
havendo outras. Ex: A não quer casar e B fica muito triste. Aqui, A irá apenas indemnizar nos termos do
artigo 1594º.
E porquê este desvio? Porque o legislador não quis sobrecarregar um dos nubentes, obrigando-o a
casar, quando percebesse que isso não o faria feliz, ou que não era isso que queria para a sua vida. Se
assim fosse, o consentimento para o matrimónio seria menos livre, uma vez que um nubento que se
deparasse com a obrigação de pagar uma indemnização por todos os danos decorrentes do seu
incumprimento, talvez preferisse casar.

1592º - se o casamento não for celebrado cada um deles é obrigado a restituir as doações, quer as tenha
recebido pelo nubente ou por terceiros, obtidas na expectativa da celebração do casamento. Ex: a mãe do
noivo deu à noiva o seu vestido de casamento. Nestas situações, havendo rompimento do contrato-
promessa de casamento, há obrigação de restituir o vestido. Sobre que coisas não recai a obrigação de
restituição? Aquilo que foi consumido em vista do casamento. O importante aqui é restituir as coisas, aquilo
que foi dado em vista do casamento.

Ou seja, decorrente do não cumprimento da obrigação, não haverá lugar a indemnizações por danos morais.

! Mas, em caso de morte, é diferente – 1593º.

Indemnizações: só as previstas no artigo 1594º - “sem justo motivo ou por culpa sua” – neste caso continua
a ser a outra parte a culpada pelo rompimento da promessa, ou pela não celebração do contrato prometido.

A conceção de que os efeitos previstos nos artigos 1591º a 1595º são efeitos da promessa como
verdadeiro negócio jurídico válido é a que melhor se adapta aos dados legais. É a explicação menos
artificiosa da aplicação à promessa de casamento das regras gerais dos negócios jurídicos.

Nota: num caso prático sobre contrato-promessa de casamento, temos de referir 3 coisas: a existência ou
não de execução específica; o regime das indemnizações; e as restituições.

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O que tem de se pagar?

A indemnização pode ser pedida pelo esposado inocente, pelos pais deste ou por terceiros que tenham
agido em nome dos pais. E pode ser pedida ao nubente culpado, que rompeu a promessa sem justo motivo
ou que, por culpa sua, deu lugar a que o outro se retratasse - 1594º/1. Nós não vamos pagar uma
indemnização por danos morais; não vamos pagar despesas que não sejam efetivamente feitas no âmbito do
casamento. Portanto, estas despesas que foram feitas, é que vão ser pagas. Ficam de fora os lucros
cessantes, os restantes danos emergentes, que não se reconduzam a despesas feitas ou obrigações
contraídas e os danos não patrimoniais. Ver ainda o artigo 1592º/2.

A lei não define o que seja “justo motivo”. Trata-se de um conceito indeterminado. Poderá dizer-se, de
um modo geral, que há justo motivo quando, segundo as conceções que dominam a esfera social dos
nubentes, a continuação do noivado e a celebração do casamento não podem razoavelmente ser exigidas a
um ou a ambos os esposados. Há-de tratar-se de causas anteriores à própria retratação, mas que poderão
ser posteriores ou anteriores à promessa de casamento. Não deve tratar-se de circunstâncias que já fossem
conhecidas do nubente que se retratou. Como dissemos, a prova do justo motivo pertence ao devedor; é a
solução mais razoável (799º/1).

A indemnização é fixada pelo tribunal - 1594º/3.

! Quando falamos em indemnizações, não falamos de uma compensação pelo não cumprimento do contrato
promessa; aqui consideramos que houve despesas e queremos dividir os encargos.

E no caso do nubente querer ser padre? Pode ser considerado justo motivo porque estava a cumprir a sua
liberdade religiosa. Mas a Dr. Sandra considera que não, porque a liberdade religiosa está assegurada pela
não execução específica. A lei concede-lhe a liberdade de não casar, se quiser ser padre. O que está aqui em
causa é pagar os gastos que foram feitos com vista ao casamento, não estamos a compensar ninguém.

! Aqui, a indemnização deveria chamar se repartição de encargos.

O direito de exigir restituição dos donativos caduca ao fim de 1 ano – 1595º.

É muito importante compreender que não há indemnizações por danos morais, p. ex., pelo facto da imagem
ficar manchada - isto não é indemnizável.

O que pode acontecer é que um dos nubentes, ao mesmo tempo que rompe a promessa de casamento,
pratique um outro ato, de responsabilidade civil extracontratual. É o caso de um dos esposados difamar
ou injuriar o outro (180º a 181º CPen), ou, sendo este menor entre 14 e 16 anos, lhe prometer
casamento e, abusando da sua inexperiência, cometer na pessoa do outro o crime contra a
autodeterminação sexual previsto e punido no artigo 173º CPen. Ele é então obrigado a indemnizar o
ofendido, e a sua responsabilidade, nascida do delito cometido, pode ir muito além do montante das
despesas e obrigações que o artigo 1594º prevê. Tal responsabilidade, não resultará, do rompimento da
promessa de casamento.

Requisitos substanciais do casamento:

 Consentimento
 Capacidade

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O consentimento é muito importante no casamento, é um ato pessoal. É necessário a apresentação da
declaração negocial, quer no casamento civil quer no católico. Sem vontade de casar, da parte de ambos os
nubentes, e sem que esta vontade tenha sido manifestada, não pode haver casamento válido.
O consentimento dos nubentes é o que constitui o núcleo essencial e verdadeiramente fundamental do
matrimónio, devendo repudiar-se a tendência para o desvalorizar.
O artigo 1617º enuncia o princípio da atualidade do mútuo consentimento; e a ideia de que a vontade
de contrair casamento reveste caráter pessoal está expressa no artigo 1619º. Por sua vez, o artigo 1631º/b),
considera anulável o casamento celebrado, por parte de um ou de ambos os nubentes, com falta de vontade
ou com a vontade viciada por erro ou coação; o regime da anulabilidade consta dos artigos 1634º e ss.
O consentimento dos nubentes exprime-se em palavras, e a lei vai ao ponto de dizer em que palavras
deve ele exprimir-se. O consentimento deve ser pessoal, puro, simples e livre.
O consentimento é também importante no casamento católico – Cânone 1095 – em que se tornam
incapazes: (1) os que carecem do uso suficiente da razão; (2) os que sofrem de defeito grave de discrição do
juízo acerca dos direitos e deveres essenciais do matrimónio; (3) os que por causa de natureza psíquica não
podem assumir as obrigações essenciais do matrimónio.
Este cânone diz nos quem não está capaz de dar consentimento. Ele é muito importante porque
podemos ter a ideia de que o casamento é indissolúvel; mas hoje em dia já é possível pedir a declaração de
nulidade do casamento católico. O Papa Francisco defende que os pedidos de declaração de nulidade do
casamento católico devem ser tratados rapidamente – há uma pretensão de acelerar processo.
Na prática, podemos tentar dizer que o casamento é nulo porque há um vício na formação do
casamento. O que vamos invocar? Quando a pessoa casou, não tinha noção dos direitos e deveres do
casamento, como p. ex., o da fidelidade. Durante o casamento, a pessoa assumiu-se com outra orientação
sexual, logo quando casou, não assumiu os direitos e deveres essenciais do casamento. Também num caso
de violência doméstica, podemos considerar que estes cônjuges também não sabiam quais eram os deveres.
! (1) Os casamentos católicos não são indagáveis. (2)Tem de haver declarações – é um negócio solene.

Se o casamento tem caráter pessoal, a procuração é possível no casamento? A lei admite este regime,
que está regulado no artigo 1620º e nos artigos 43º e 44º CRegC.
O artigo 1620º ( 44º/1 CRegC) diz-nos que é possível que só um dos nubentes se faça representar por
procurador do na celebração do casamento; isto é, no casamento civil. Mas no casamento católico, podem
os dois fazer representar-se por procurador.
1620º/2 – esta não é uma procuração com o fim de lhe ser arranjado um cônjuge; tem de ser uma
procuração para a celebração do casamento, tendo de se indicar a modalidade do casamento e o nome do
nubente.
Temos mesmo um representante ou um núncio? Sem entrarmos em considerações teóricas, sabemos
que o representante aqui é um núncio porque vai transmitir a vontade do nubente.
Pode não celebrar o representante o casamento ao saber que o nubente tem muitas dívidas?
Esta é uma questão fundamental e muito discutida.
Ora, parte da doutrina (Pereira Coelho e Guilherme Oliveira) entende que a melhor qualificação será a
de representante, embora com limitados poderes. Para estes, só estaremos perante um núncio quando a
procuração obrigar o procurador a casar sejam quais forem as circunstâncias, ou seja, quando o nubente não
lhe dê poderes para obstar à conclusão do matrimónio.
Devemos entender (opinião de Sandra Passinhas), contudo, que o procurador ad nuptias é um núncio,
pois apenas transmite a vontade do nubente. Os poderes do procurador são muito limitados para poder
obstar à conclusão do casamento.

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1621º: (nº1) faz cessar os efeitos da procuração pela simples revogação dela, ou seja, a revogação da
procuração ad nuptias torna-se eficaz no momento da mesma revogação; (nº2) permite ao constituinte
revogar a procuração a todo o tempo, mesmo que já não haja tempo de levar a revogação ao conhecimento
do procurador e se evitar a celebração do casamento.

Agora, o que é importante na declaração de vontade do consentimento, é saber quando se reveste a


declaração de um vício e quando tal não acontece.
O Curso não faz a estrutura que a professora vai fazer, mas a estrutura da professora é mais fácil para
compreender melhor a importância do consentimento.

Falta de consentimento/vontade: Quando é 2 pessoas casam, ou acham que casam, e não há vontade de
uma ou de ambas as partes?

Perfeito deve ser o consentimento: no sentido de que devem ser concordes uma com a outra as duas
declarações de vontade que o integram, e no sentido de que em cada uma dessas declarações de vontade
deve haver concordância entre a vontade e a declaração. Por vezes conscientemente ou inconscientemente,
pode ocorrer que a vontade manifestada ou declarada seja diferente da vontade efetiva ou real. Então o
consentimento é imperfeito. O problema que se põe é o de saber se o declarante ficará vinculado, e em que
termos, à declaração que prestou sem embargo de ser outra a sua vontade.

A lei diz-nos isso no artigo 1635º (casos em que há divergência entre a vontade e a declaração) - diz-nos
quando há falta de vontade. Mas este artigo não pode ser lido sem o artigo 1634º - este artigo presume que
a declaração de vontade, constitui presunção de duas coisas: de que há vontade de matrimónio e de que
esta vontade não está viciada. Ao presumir isto, faz uma inversão do ónus da prova: tem de ser o nubente,
que quer invalidar o casamento, a mostrar que de facto não havia vontade ou que estava viciada.

Quando não há vontade?


 Quando o nubente não tinha consciência do ato praticado: está alcoolizado, não sabia o que estava a
fazer - incapacidade acidental;
 Se se enganarem em relação ao nubente, pensando que se estava a casar com um e afinal estava a
casar-se com outro. Ex: A casou com B. A casou e foram muito felizes, até que um dia ela descobre que
o B era C e que este tinha roubado a identidade a B. O que pode fazer a conservadora? Aqui podia dizer-
se que A não é casada com o senhor B, obviamente. Mas depois o que acontece ao casamento? O
casamento é inexistente, dada a gravidade. Aqui também não há declaração de vontade.
 No caso da coação física, também não há declaração de vontade.
 Nos negócios simulados, não há declaração de vontade de nenhum deles. Eles vão casar-se porque lhes
vai trazer uma determinada vantagem patrimonial, ou têm o fim de um dos nubentes obter uma
nacionalidade. O negócio simulado é crime no caso do casamento. Mas também pode haver negócios
simulados para que quando um deles morrer o outro receber uma pensão, ou seja, enganar o Estado.

Nestas situações, haverá lugar a anulabilidade por falta de vontade. Mesmo os negócios simulados são
anuláveis. Os casamentos civis com falta de vontade são anuláveis.

Se não existir declaração de vontade, o casamento é inexistente, ou seja, uma das partes não disse que
queria casar. P. ex., quando o procurador não tem poderes ou quando quem lá está não é o senhor B mas o
senhor C. Quando não há declaração do nubente, não há casamento, logo o negócio é inexistente dada a
gravidade.

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Quando há declaração de vontade mas há falta da vontade, ou seja, as partes não querem casar a
consequência é a anulabilidade – 1635º  1640º este artigo dá-nos legitimidade  só pode ser arguida a
anulação por estas pessoas. Nota: os prejudicados podem ser filhos.

! Temos sempre de falar nos prazos e na legitimidade para arguir a anulabilidade - 1644º

! 1635º  1640º  1644º

No entanto, temos aquelas situações em que há vontade, os nubentes querem casar, mas em que tem lugar
um vício da vontade:

 Os noivos estão no registo civil, querem os dois casar, mas um deles está muito engando em relação ao
seu futuro cônjuge. O artigo 1636º trata do erro, e o artigo 1638º trata da coação moral. Ora, tendo em
conta o que estudámos percebemos que falta aqui o dolo.
O legislador não autonomizou o dolo como vício da vontade no casamento (ex: nunca mais vou ao futebol
depois de casar) – O Dr. Guilherme de Oliveira diz que, sendo o dolo muito vulgar no casamento, dar-lhe
relevância seria permitir a anulação da maior parte dos casamentos que se celebram. Considera que esta
é uma visão pessimista e que seria sempre um dolo bom, pois o que será vulgar no casamento será a
tendência para cada um dos nubentes se fazer crer ao outro o que não é, exagerando as suas qualidades
e escondendo os seus defeitos – não quer isto dizer que o dolo não seja relevante, mas o legislador não o
autonomizou. Autonomizou o erro e a coação.
A Dr. Sandra diz-nos que, em termos patrimoniais, é mais vantajoso declarar a anulação do casamento,
do que o divórcio, porque na anulação, havendo um cônjuge de boa-fé, ele é protegido
patrimonialmente. Em vez de seguirmos pela via do divórcio, em termos práticos, vamos seguir para a
anulação, caso se verificarem os requisitos.

 O artigo 1636º estabelece o erro, mas a lei exige que seja um erro qualificado dando-nos requisitos:
1. Deve recair sobre a pessoa com quem se realiza o casamento e versar sobre qualidades essenciais do
outro cônjuge, e não de terceiro – uma qualidade essencial do outro cônjuge é, p. ex., o cônjuge ter um filho
do qual nada sabia ou o cônjuge já ter sido casado e isso era um facto desconhecido; não tem aqui lugar o
nome social ou o estatuto académico, que são qualidades não essenciais. Este é um conceito indeterminado.
P. ex., se o nosso cônjuge casar no estrangeiro e não fizer registo, o casamento não tem efeitos perante
terceiros, logo a pessoa é dada como solteira. Também podemos considerar a condenação penal; ou ainda o
comportamento desonroso; também a deformação física grave, etc.
2. O erro tem de ser desculpável – é aqui que entra o dolo, porque ser desculpável ajuda à prova se a
outra parte nos enganou. O facto de existir dolo da outra parte ajuda à desculpabilidade do erro. P. ex., o
cônjuge que diz que vai trabalhar e afinal vai ter com o filho desconhecido do outro. Resulta do artigo 1636º.
O erro indesculpável ou grosseiro, em que não teria caído uma pessoa normal, não pode ser invocado como
motivo de invalidade do casamento
3. O erro há-de versar sobre uma circunstância que tenha sido decisiva ou determinante na formação da
vontade: temos de provar que se o erro não existisse, e o sujeito tivesse um conhecimento exato dessa
circunstância, não teria querido celebrar o casamento. A esta essencialidade subjetiva acresce uma
essencialidade objetiva, ou seja, há-de ser legítimo, razoável, em face das circunstâncias do caso e à luz da
consciência social dominante, que na determinação da vontade de casar tenha sido decisiva a circunstância
sobre que versou o erro. As circunstâncias sobre a qual recai o erro tem de ser absolutamente determinante
na formação da vontade, não podendo apenas determinar a celebração do casamento noutros termos.

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Como tal, o legislador fala aqui do razoavelmente. Que circunstâncias serão atendíveis neste juízo: as
circunstâncias atuais ou só as contemporâneas da celebração do matrimónio? Parece-nos que devemos
atender às circunstâncias originárias.
A circunstância sobre a qual recai o erro, tem de ser absolutamente determinante na formação da vontade;
não pode apenas determinar a celebração do casamento noutros termos.
4. O erro deve ser próprio – resulta do próprio fundamento das normas. Quando o erro não incide sobre
um requisito de existência ou de validade legal do casamento. Assim, se um dos cônjuges supunha
erradamente que o outro já atingira a idade nupcial, ou que o outro era divorciado quando ainda era casado,
o erro será impróprio. O casamento será anulável, não propriamente por erro, mas sim, e
independentemente do erro, por falta do requisito legal a que o erro diz respeito. Este requisito acrescenta-
se ao artigo. Ex: A achava que B tinha 18 anos, mas este tinha 17; ora, aplicamos o regime da validade do
casamento que foi celebrado com um menor; ou então se A achava que B já estava divorciado, mas afinal
não estava – aqui aplica-se o regime legal que diz respeito à legalidade do casamento. Portanto, as normas
da validade do casamento vão consumir as normas do erro. Não é relevante para o erro enganar-se
relativamente à idade ou ao estado civil!

 O casamento também poder anulado com fundamento em coação moral, nos termos do artigo 1638º.
Esta consiste no receio ou temor ocasionado no declarante pela cominação de um mal, dirigido à sua
própria pessoa, honra ou fazenda ou de um terceiro. Não pode ser qualquer coação, tem de haver
efetivamente justificado receio da realização da ameaça. O nº 2 equipara a coação à ameaça ilícita, que
consiste no facto de alguém ter a intenção de extorquir o consentimento do declarante para o negócio
de que se trata. O regime da coação estabelece 3 condições:
1. Essencial ou determinante da vontade: Não há-de ser puramente incidental. É preciso que o negócio
nunca tivesse sido concluído se não fora o temor ou receio do mal cominado.
2. Intenção de extorquir a declaração
3. Cominação deve ser injusta, ilícita: o mal ameaçado pode corresponder ao exercício de um direito do
cominante e, todavia, a cominação ser injusta; será injusta se o cominante quiser obter uma
vantagem anormal, desproporcionada ou sem qualquer relação com o seu direito.
Se for coação proveniente de terceiro, exige ainda a lei mais dois requisitos: que seja grave o mal
cominado e justificado o receio da sua consumação. Pelo que respeita ao casamento, não se distingue
entre as hipóteses de a coação provir do outro contraente ou de terceiro.

Quanto ao casamento simulado (falta de vontade) podemos dizer que tem vários fins: adquirir uma
nacionalidade estrangeira, obter uma autorização de residência ou de trabalho em país estrangeiro, adquirir
uma situação vantajosa decorrente do estado de cônjuge ou até contornar uma disposição legal. Se, no
entanto, os nubentes têm disposição de fazer, e fazem realmente, vida em comum, não há simulação e o
casamento é válido. Mas se apenas pretendem prosseguir o fim visado e recusam a “comunhão de vida”,
este é simulado: a declaração que prestam perante o conservador do registo civil de que querem casar um
com o outro (155º/1/e) CRegC) não corresponde à sua vontade real. A anulação pode ser requerida pelos
próprios cônjuges e por quaisquer pessoas prejudicadas com o casamento (1640º/1), dentro dos 3 anos
subsequentes ou, se o casamento era ignorado do requerente, nos 6 meses seguintes à data em que dele
teve conhecimento (1644º).
Nestes casos, em que há vícios da vontade (só o erro e a coação moral), os casamentos são anuláveis.
Temos que falar dos prazos e da legitimidade que são um bocadinho diferentes.
 1634º1641º; 1636º1638º - 1641º que trata da legitimidade.

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Nos casos de falta de vontade podem ter legitimidade quem tivesse interesse na declaração de
anulabilidade: aqui não apenas o cônjuge! O próprio nubente que foi vítima do erro e coação tem a
discricionariedade de escolher se quer ou não anular o casamento.
 1641º - anulação fundada em vício da vontade
 1636º  1638º  1645º que trata do prazo – 6 meses a partir da cessação do vicio. Ou seja, a partir do
momento que sabe que causou por erro ou que cessa a coação, a ameaça.
 1644º e 1645º – os prazos são verdadeiramente diferentes (3 anos e 6 meses).
 A anulabilidade é sanável mediante confirmação - 288º. Pode ser expressa ou tácita, como nos negócios
jurídicos em geral (288º/3).

Falámos hoje sobre o consentimento que é o requisito de fundo. Não vamos falar dele no âmbito do
casamento católico, só do civil.
O dolo não tem autonomia dogmática, o que não significa que, no entanto, não tenha relevância.
Num caso prático deste género, temos sempre de referir a consequência, a legitimidade e o prazo no
caso da anulação.

Vimos que os requisitos substanciais do casamento civil (não vamos falar sobre o casamento católico)
são dois: o consentimento e a capacidade. Também já vimos os requisitos formais.

Quem é que pode casar? Quem é que tem capacidade para casar? Qual é a capacidade exigida para o
ato matrimonial? Antes de mais, é no momento das formalidades preliminares que o Estado averigua se as
partes têm capacidade ou não para casar. Mas o conservador não vai ver apenas se a pessoa pode casar, vai
ver se aquela pessoa pode casar com a outra, com quem se apresenta na conservatória.

As incapacidades nupciais não são as mesmas que a lei admite para os negócios jurídicos em geral.
O casamento tem por fim a constituição da família, o estabelecimento de uma plena comunhão de vida;
supõe, por isso, uma capacidade natural e contende com interesses morais e sociais muito importantes.

Sendo a anulação do casamento um mal, a lei procura não só salvar os efeitos já produzidos dos
casamentos invalidamente celebrados, como também antever a anulação, evitando que cheguem a
celebrar-se esses casamentos. Pode dizer-se que o empenho da lei está aqui em evitar, em impedir os
casamentos concluídos por incapazes — e que poderiam ser anulados se se celebrassem.

A nossa lei responde a esta questão no artigo 1600º (regra geral), dizendo que têm capacidade para
casar, os nubentes sobre os quais não recaia nenhum impedimento previsto na lei. Podemos ainda dizer que
uma das consequências diretas do direito a casar (36º/1, 2ª parte CRP), é a de que o legislador não pode
estabelecer impedimentos ao casamento que não sejam justificados por motivos de interesse público.

Impedimentos matrimoniais dizem-se as circunstâncias que, de qualquer modo, impedem a celebração


do casamento, as circunstâncias verificadas com as quais o casamento não pode celebrar-se, sob pena
de anulabilidade do ato ou de sanções de outra natureza.

Tais incapacidades e proibições são os efeitos que os impedimentos matrimoniais produzem ainda antes
de o casamento se celebrar; depois da celebração, os impedimentos determinam a anulabilidade do
casamento ou outras sanções: p. ex., a imposição de um regime particular de administração de bens ao
cônjuge que casou infringindo a proibição legal (1649º), incapacidades de adquirir por sucessão ou
doação (1650º), sanções para o pároco ou para o funcionário que celebrou o casamento (296º/1/a)/b) e
297º/c) CRegC), sanções criminais (247º CPen), etc. A estas sanções podem acrescer a anulabilidade do
casamento.
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! A apreciação dos impedimentos matrimoniais reporta-se ao momento matrimonial. Não antes, não
depois.

Temos 2 tipos de impedimentos:

1. Dirimentes: estes levam à invalidade do casamento, ou seja, levam à anulabilidade do casamento


que foi contraído, não obstante a existência do impedimento (1631º/a)). Dentro destes, podemos
ainda encontrar dois tipos:
 Absolutos – 1601º: são verdadeiras incapacidades, filiam-se numa qualidade (ou numa
deficiência) da pessoa e impedem-na de casar seja com quem for (p.ex., alguém que tenha 13
anos).
 Relativos – 1602º: são mais propriamente ilegitimidades, que se fundam numa relação da
pessoa com outra ou outras e só lhe proíbem o casamento com essa ou essas pessoas. Este é
o quadro mais importante.
2. (Simplesmente) Impedientes – 1604º: Aqui o casamento não é anulável, aplicando-se apenas
outras sanções. Estes têm 2 particularidades: (1) podem ser dispensados em concreto, ou seja,
pode haver dispensa por parte do conservador; e (2) mesmo que o impedimento não seja
ultrapassado, ele não afeta a validade do casamento, mas confere outras consequências. P. ex., o
casamento que não produz efeitos patrimoniais, mas que não afeta o casamento.

Podemos fazer ainda outra distinção, que não se mostra relevante, entre impedimentos dispensáveis –
admitem dispensa -, e impedimentos indispensáveis – não admitem dispensa.

Notas: (1) Não pode casar quem tem um destes impedimentos. (2) Só os impedimentos dirimentes
afetam a validade do casamento. (3) Não há casamentos civis nulos.

1600º - regra de que todos temos capacidade a não ser que haja, pela negativa, impedimentos.

Impedimentos dirimentes absolutos - 1601º:

a. Falta de idade nupcial: Uma pessoa com menos de 16 anos está incapacitada para casar, seja qual for o
seu sexo. Mas, e se casar? O casamento é anulável. Quem tem legitimidade para arguir a anulabilidade?
1639º/1  1639º/2. Em que prazos? 1643º/1/a).
! A anulabilidade considera-se sanada, convalidando-se o casamento desde a data da celebração, se
antes de transitar em julgado a sentença de anulação o menor confirmar o casamento perante o
funcionário do registo civil e duas testemunhas, depois de atingir a maioridade (1633º/1/a)).

b. Demência: “a demência notória, mesmo durante os intervalos lúcidos, e a interdição ou inabilitação por
anomalia psíquica”, ou seja, uma pessoa que sofra de Alzheimer, mesmo nos intervalos lúcidos, está
incapaz de casar. O direito canónico aqui é diferente do direito civil.
A demência que nos interessa é aquela que, quer se projete no domínio da inteligência quer no da
vontade, impeça o indivíduo de reger convenientemente a sua pessoa e os seus bens. Importa tomar
algumas notas:
 1601º/b) – abrange tanto a demência de direito, reconhecida em sentença de interdição ou
inabilitação por anomalia psíquica, como a simples demência de facto. Tratando-se de demência de
facto, requer ainda a lei a notoriedade da demência.

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Direito da Família e dos Menores
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 A questão dos intervalos lúcidos, está hoje expressamente resolvida na lei (1601º/b)), no sentido de
que a demência constitui um impedimento mesmo durante esses intervalos. É um dos pontos de
divergência entre o direito civil e o canónico, que não conhece o impedimento de demência e
considerando válido o casamento celebrado em intervalo lúcido desde que o facto se prove.
 1601º/b) - haja ou não sentença de interdição ou inabilitação, concebe a demência como um estado
permanente ou habitual, não se abrangendo os casos de demência acidental. Se o nubente, no
momento da celebração, não tinha consciência do ato que praticava, o casamento é anulável por
“falta de vontade” nos termos do artigo 1635º/a); mas o regime da anulabilidade é aí muito menos
severo do que caberia no caso de demência, só podendo a ação de anulação ser proposta pelo
cônjuge cuja vontade faltou (1640º/2). E o casamento será válido (cfr. 1627º) se a alteração das
faculdades mentais não retirava ao nubente a consciência do ato.
Legitimidade? 1639º/1  1639º/2. Prazo? 1643º/1/b).

c. Casamento anterior não dissolvido, civil ou católico - ainda que o respetivo assento não tenha sido
lavrado no registo do estado civil, o casamento é valido, porque o registo é condição de eficácia do
casamento. O problema é que, na prática, podemos mesmo estar casados com 2 pessoas com alguma
facilidade. P. ex., alguém que se case no Brasil, nunca registando o casamento em Portugal, sendo na
mesma válido mas ineficaz perante terceiros. Passados uns tempos, essa pessoa casa outra vez em
Portugal. Este senhor entretanto morre, e há 2 viúvas. O Tribunal da Relação decidiu que eram as 2
herdeiras.
Há uma falha no nosso OJ porque no direito civil a bigamia gera anulabilidade, mas no direito penal é um
crime.
Quem for casado não pode pois contrair matrimónio sem que se ache dissolvido, declarado nulo ou
anulado o seu casamento anterior.
A morte presumida não dissolve o casamento (115º), dado que a respetiva declaração pode ser
requerida por qualquer dos interessados a que se refere o artigo 100º (114º/1). Decorrido um ano sobre
a data das últimas notícias, o cônjuge do ausente pode pedir o divórcio - 1781º/c). Não regressando o
ausente, o primeiro casamento considerar-se-á dissolvido por morte; se o ausente regressar ou houver
notícia de que era vivo quando foram celebradas as novas núpcias, considera-se o primeiro matrimónio
dissolvido por divórcio à data da declaração de morte presumida (116º).
Legitimidade? 1639º/1  1639º/2. Prazo? 1633º/1/c)  1643º/3.

Estes impedimentos geram a anulabilidade do casamento  1631º/a). Temos ainda o artigo 1639º quanto à
legitimidade e o artigo 1643º quanto aos prazos para arguir a anulabilidade do casamento.

Impedimentos dirimentes relativos - 1602º:

a. Parentesco: Não podemos casar com os parentes na linha reta que são os nossos pais, avós, filhos,
netos. Trata-se fundamentalmente, (excluídas as relações de adoção), de proteger a proibição do
incesto.

c. Parentes em 2º grau da linha colateral: Não podemos casar com os nossos irmãos. O casamento entre
tios e sobrinhos vai estar noutro sitio e, como tal, não gera a anulabilidade do casamento.

d. Afinidade na linha reta: Não podemos casar com os nossos sogros, em caso da morte do cônjuge, pois a
afinidade extingue-se com o divórcio, não sendo relevante neste caso.

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e. Condenação por homicídio: Reconduz-se àquela ideia romântica de “Vou matar o teu marido e ficamos
juntos para sempre”. Há constitucionalistas, p. ex. Jorge Miranda, que entendem que esta norma é
inconstitucional porque viola o Princípio da Proporcionalidade, uma vez que sanciona um crime sem
limite temporal.
Trata-se de uma sanção imposta ao autor ou cúmplice do homicídio, embora não consumado (portanto,
mesmo no caso de tentativa), homicídio que a lei suspeita tenha sido cometido com intenção de
permitir o casamento do agente com o cônjuge da vítima. A lei só exige que o homicídio seja doloso;
não requer que tenha sido praticado com uma intenção específica de posterior casamento com o
cônjuge da vítima.
1602º/d) - o impedimento de condenação por homicídio só existe a partir da data do trânsito em
julgado do respetivo acórdão condenatório.
A ação de anulação com fundamento em impedimento de condenação por homicídio pode ser
intentada pelos cônjuges ou por qualquer parente deles na linha reta ou até ao 4º grau da linha
colateral, pelos herdeiros e adotantes dos cônjuges e pelo MP (1639º/1), nos 3 anos subsequentes à
celebração do casamento (1643º/1/b)).

Entretanto, a lei introduz-nos a alínea b):


b. Trata da relação anterior de responsabilidades parentais, ou seja, quando uma das pessoas que vai
casar já exerceu poderes parentais sobre a outra. O cônjuge de um pai ou mãe, ou unido de facto com
estes que tenha assumido responsabilidades parentais relativamente ao filho desse pai ou mãe, fica
impedido de casar com esse filho.
P. ex., imaginemos que houve uma situação de apadrinhamento civil, ou uma das pessoas foi retirada à
família e entregue a outra; imaginemos que A e B são casadas e B tem um filho - a nossa lei só permitia
o registo de uma mãe embora os três vivessem juntos. Se B morresse, o filho ficaria à guarda dos pais
de B, seus avós, porque era a pessoa com quem tinha uma relação de sangue. Mas, em 2015 a lei
muda, permitindo aos juízes confiar num terceiro a guarda da criança, que muitas vezes representa uma
referência mais significativa para esta do que os seus avós. Há um alargamento do espetro das
responsabilidades parentais, que antes estava muito focado nos pais. Agora, estas pessoas já não se
podem casar.  1631º/a).
Legitimidade? 1639º. Prazos? 1643º.

Depois temos o artigo 1603º que nos fala da prova de maternidade e de paternidade. Estas só se
estabelecem dentro das formas previstas na lei, ou seja, há um princípio de taxatividade neste âmbito. Não
quer dizer isto que o conservador, no processo preliminar, não consigo provar que há este tipo de relação,
podendo prová-lo para o casamento, mas não estabelece estas relações.
Os impedimentos de parentesco e afinidade valem mesmo que a maternidade ou paternidade não se
encontre estabelecida (1603º), admitindo a lei que a respetiva prova se faça no processo de impedimento do
casamento, nos termos dos artigos 245º e ss CRegC, ou, se o casamento tiver sido celebrado, em ação de
declaração de nulidade ou anulação do casamento.
O reconhecimento do parentesco não produz qualquer outro efeito e não vale sequer como começo de
prova em ação de investigação de maternidade ou paternidade - 1603º/1: a lei admite que uma pessoa seja
tida como filha de outra só para o efeito de não poder casar com ela.

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Direito da Família e dos Menores
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Se o impedimento de parentesco não reconhecido for declarado em processo de impedimento de
casamento, os interessados poderão limitar-se a impugnar o impedimento declarado, nos termos do artigo
247º CRegC. 1603º/2 - faculta-lhes o recurso aos meios ordinários a fim de obterem a declaração de
inexistência do impedimento, em ação proposta contra as pessoas que teriam legitimidade para requerer a
declaração de nulidade ou anulação do casamento (1639º/1) com base no impedimento reconhecido.

Impedimentos impedientes: circunstâncias que apenas impedem o casamento, mas não o tornam anulável se
ele chegar a celebrar-se. Não originam verdadeiras incapacidades, mas simples proibições legais de contrair
casamento, sob pena de sanções distintas da anulabilidade e menos severas do que ela.

a. Falta de autorização dos pais ou do tutor para o casamento de menores - constitui impedimento
impediente “a falta de autorização dos pais ou do tutor para o casamento do nubente menor, quando
não suprida pelo conservador do registo civil”, ou seja, estamos a falar de um nubente com menos de 18
anos, mas com mais de 16 anos. A falta de idade núbil (menos de 16 anos), constitui um impedimento
dirimente, como já vimos.
A autorização deve ser concedida pelos progenitores que exerçam as responsabilidades parentais, ou
pelo tutor (149º/1 CRegC), antes da celebração do casamento ou no ato da celebração. No primeiro caso
pode ser dada por qualquer das formas previstas no artigo 150º/1 CRegC em documento que deve
identificar o outro nubente e indicar a modalidade de casamento (nº 2); se o menor já tiver obtido o
consentimento dos pais ou do tutor à data da instauração do processo preliminar de casamento, o
documento comprovativo da autorização ou do seu suprimento é junto ao processo (149º/2).
Ver: 155º/1/b), 150º/3 e 181º/d) CRegC.
Todavia, este impedimento pode ser suprimido, seguido de pedido do menor, quando a autorização lhe
seja negada. Quando os pais não dão o consentimento, o jovem podem recorrer ao artigo 1612º,
podendo o conservador suprir a autorização nos termos do nº 2 em casos como, p. ex., a gravidez. A
sanção é a do artigo 1649º, que não afeta a validade do casamento mas gera a sanção especial, ou seja,
o menor continua a ser menor quanto à administração dos bens. Ver: 1649º  1678º/2/f).

b. Prazo internupcial – está na ordem do dia por isso, em princípio, a lei vai ser alterada. É o prazo entre os
casamentos – 1605º - basicamente entre dois casamentos, a lei estabelece um período diferente entre
os homens e as mulheres, para a celebração de novo matrimónio.
Esta desigualdade, tem base no facto de haver uma possibilidade de a mulher ter um filho na constância
do casamento e, aí, o seu marido é presumivelmente o pai. Ou seja, se um 2º casamento imediato fosse
possível o filho que nascesse dentro dos 300 dias subsequentes à dissolução, declaração de nulidade ou
anulação do 1º casamento seria havido como filho do 1º e do 2º marido (1826º/1) — filho do 1º marido
por ter sido concebido durante o 1º casamento, filho do 2º marido por ter nascido na constância do 2º
matrimónio. De qualquer forma, a lei prevê uma solução para este problema (1834º). Ora, o que
acontece é que as mulheres podem provar por atestado médico que não estão grávidas podendo
também elas casar ao fim de 180 dias – este sim já é um prazo moral.
E se alguém casar sem passar este prazo? O casamento é válido, mas não poderá obter nenhum
benefício patrimonial resultante do casamento – 1650º.
Exceções: 1605º/2, 1ª parte – declaração judicial de não gravidez; 1605º/2, 2ª parte – cônjuges
separados judicialmente de pessoas e bens; 1605º/5.
! 1605º

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Direito da Família e dos Menores
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c. O parentesco no 3º grau da linha colateral, ou seja, o impedimento de casamento entre tios e sobrinhos,
que pode ser dispensado nos termos do artigo 1609º. Precisam é desta dispensa do conservador, que irá
ser concedida nos termos deste artigo, como p. ex., em caso de gravidez ou de amor. Se os nubentes
casarem sem esta dispensa, não poderão receber qualquer benefício por doação ou testamento do seu
consorte – 1650º/2.
1650º - a lei não diz nada sobre isto, mas parece-nos que os efeitos patrimoniais se extinguem para
sempre.

d. Tutela, curatela e administração legal de bens  1608º. Este impedimento atinge, não só o tutor,
curador ou administrador, mas também os seus parentes ou afins na linha reta, irmãos, cunhados e
sobrinhos. A lei quer evitar que o tutor, curador ou administrador se exima, através do casamento, ao
cumprimento da obrigação de prestar contas — por isso exige que as contas tenham sido prestadas e
aprovadas. Por outro lado, a lei como que receia que seja menos livre o consentimento do incapaz para
o casamento, dado o ascendente que o tutor, curador ou administrador ainda mantenha sobre ele —
por isso exige que tenha corrido um ano completo sobre a data da cessação da tutela, curatela ou
administração legal de bens, pensando que só então aquele ascendente cessará.
O impedimento é dispensável desde que estejam aprovadas as contas (1609º/1/b)) em processo de
dispensa de impedimentos (253º e 254º CRegC).
A sanção legal para a violação deste impedimento é a incapacidade, para o tutor, curador, administrador
e seus familiares de receber qualquer benefício por doação ou testamento do consorte (1650º/2).

e. Podemos ainda aqui referir o vínculo de adoção restrita, que foi eliminada em 2015.
Quanto ao vínculo de apadrinhamento civil, sabemos que foi criado pela Lei nº 103/2009, de 11/09, que
determinou que esta relação constitui um impedimento impediente à celebração do casamento entre
padrinhos e afilhados. Este impedimento não é extensivo a outros familiares deles. O impedimento é
dispensável pelo conservador do registo civil, sempre que haja motivos sérios que justifiquem a
celebração do casamento, ouvindo, sempre que possível, quando um dos nubentes for menor, os pais
(22º/2, em linha com a regra geral do artigo 1609º/2/3). Se houver celebração matrimonial e não houver
a dispensa referida, o padrinho ou a madrinha, passam a comportar a incapacidade de receber qualquer
benefício por doação ou testamento, do seu ex-afilhado, agora cônjuge (22º/3, também em linha com a
regra geral do artigo 1650º/2).

f. Quanto à pronúncia por homicídio, é necessário que o agente tenha sido condenado por acórdão
condenatório transitado em julgado para que funcione o impedimento dirimente do artigo 1602º); e
como o objetivo da lei poderia frustrar-se se não se impedisse o casamento celebrado antes da sentença
o Código de 1966 estabeleceu um impedimento impediente a partir da data da pronúncia do nubente
pelo respetivo crime, impedimento que se manterá “enquanto não houver despronúncia ou absolvição
por decisão passada em julgado” (1604º/f)). No ponto em que se refere ao despacho de pronúncia, o
preceito deve porém ser adaptado às modificações entretanto ocorridas no nosso processo penal. A
abertura da instrução é hoje facultativa (286º/2 CPPen), e só no termo do debate instrutório o juiz
profere despacho de pronúncia, se for o caso (307º/1); se o processo for remetido para julgamento sem
ter havido instrução e despacho de pronúncia, parece que deve considerar-se relevante para este efeito,
equiparando-o ao despacho de pronúncia, o despacho do juiz que, confirmando ou consolidando a
acusação, marca dia para a audiência, nos termos do artigo 312º/1 CPPen.

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Direito da Família e dos Menores
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Invalidade do casamento: (1) A inexistência e anulabilidade do casamento civil e seus regimes. (2) O casamento
putativo.

No casamento como ato falta-nos falar dos vícios do casamento civil (os únicos que vamos estudar).
Estes são 2: a inexistência e a anulabilidade. Os casamentos civis não podem ser nulos, só inexistentes ou
anuláveis.

Manuel de Andrade: “concebe-se que haja casos em que, embora o negócio nulo não produza todos os
efeitos que devia produzir, no entanto ainda possa produzir alguns, pelo menos certos efeitos laterais ou
secundários”. Por isso, parece relevante distinguirmos entre nulidade e inexistência, uma vez que, sendo a
nulidade aplicada a um determinado caso, a lei ainda atribui alguns efeitos como facto jurídico. Por outro
lado, a lei pode não reconhecer sequer a existência do negócio, que não produz efeitos nem como negócio
nem como facto jurídico – aqui estamos perante aquilo que se chama de inexistência.

No entanto, no direito matrimonial, não se distingue entre casamentos nulos e anuláveis, pois a
primeira figura não tem aplicação. Por outro lado, a doutrina da inexistência, a que não se faz referência na
Parte Geral do Código, foi admitida expressamente no Livro do Direito da Família relativamente ao
casamento.

1627º - consagra a regra geral, que nos diz que os casamentos são válidos, a não ser que haja uma causa de
inexistência ou de anulabilidade, que se lhe aplique.

As causas de inexistência existem, principalmente, no casamento porque aqui era preciso algo muito
forte para destruir o casamento. Reparamos que aqui nem sequer há uma imagem de casamento, ao
contrário dos casamentos inválidos. Ele é mais do que inválido.

Os casamentos inexistentes vêm mencionados no artigo 1628º:

a. Temos de dividir esta alínea em 2 pontos:


 Quem não tinha competência funcional para o ato, ou seja, quem não tem competência para selar o
vínculo matrimonial (p. ex.: se A Dr. Sandra celebrar um casamento aos seus alunos). Aqui vamos
abarcar todos os casamentos fora do âmbito do casamento civil ou religioso (p. ex.: membros da
etnia cigana que conheçam todos os seus costumes, mas não têm legitimidade para celebrar um
casamento e, como tal, estes não produzem efeitos).
Esta situação é diferente de um casamento celebrado perante um funcionário de facto, p. ex.:
celebramos um casamento e agora descobrimos que, afinal, a pessoa perante a qual o celebrámos,
não tinha o título de conservadora, estando nós convencidos – boa fé – de que ela era conservadora.
Ora, nestas situações, diz o artigo 1629º, o casamento não é inexistente, só o será quando for
celebrado por quem não tenha competência nenhuma, por quem não tenha competência funcional
para o ato.
 Ressalva ainda, este artigo, os casamentos urgentes – 1622º (156º e ss CRegC, porque o
casamento urgente é verdadeiramente regulado no CRegC).
Então, quando é que podemos casar de forma urgente? Quais são os requisitos? Quando haja
fundado receio da morte próxima de um dos nubentes ou quando haja iminência de parto. Isto é
relevante porque, embora não haja distinção entre o filho nascido dentro ou fora do casamento, há
diferenças no estabelecimento da paternidade.

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Direito da Família e dos Menores
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Quais são os efeitos? Tem de ser lavrada uma ata por quem celebra o casamento, podendo este
celebrar-se independentemente do processo preliminar de casamento e sem a intervenção de
funcionário do registo civil – 1622º, 1623º, 1624º.
É inexistente o casamento celebrado por quem não pode celebrar casamentos civis ou católicos.

b. O casamento urgente que não tenha sido homologado – não o é, porque a pessoa casou não havendo
perigo de morte ou iminência de facto – 1624º/1/a) -, sendo neste caso inexistente o casamento.

c. Falta a declaração de vontade, ou seja, um deles não disse que queria casar.

d. Casamento contraído por procuração, depois de terem cessado os efeitos da procuração. O casamento
por procuração está regulado nos artigos 1620º e 1621º.

1630º - regime da inexistência – o casamento não produz nenhum efeito, nem mesmo efeitos putativos. Não
é preciso haver uma declaração judicial de inexistência, podendo ela ser invocada a todo o tempo por
qualquer pessoa. Portanto, para o Direito, este casamento nunca existiu. Há uma gravidade máxima nestes
vícios. Não há uma declaração, basta que seja invocada.

Vamos agora falar dos casos de casamento anulável. O casamento só é anulável nas situações previstas do
artigo 1631º:

Anulabilidade – 1631º:

 Impedimento dirimente – 1631º/a)


 Impedimentos dirimentes absolutos – 1601º - Idade inferior a 16 anos; Demência notória,
interdição ou inabilitação por anomalia psíquica; Casamento anterior não dissolvido.
 Impedimentos dirimentes relativos – 1602º - Parentesco na linha reta; regulação anterior de
responsabilidades parentais; parentes do 2º grau da linha colateral; afinidade na linha reta;
condenação por homicídio.

 Falta de vontade por parte de um ou de ambos os nubentes – 1634º


 Incapacidade acidental ou outra causa que determine a falta de consciência do ato; erro acerca
da identidade física; coação física; simulação – 1635º

 Vontade viciada – 1634º


 Erro vício ou coação – 1636º e 1638º

 Falta de testemunhas – 1616º/c)

a. Contraído com algum impedimento dirimente ( 1601º e 1602º) – estes configuram um vício
substancial do casamento.
b. Casamento celebrado quer com falta de vontade (1635º) (diferente da falta de declaração, que resulta
na inexistência) quer com vícios da vontade – erro e coação (1636º e 1638º).
c. Casamento celebrado sem presença das testemunhas, exigidas por lei – 1616º/c).

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Quando o casamento é anulável, a lei estabelece: (1) a necessidade de uma ação de anulação do
casamento (1632º); (2) e temos regras específicas, porque estamos numa ação de anulação, para a
legitimidade -1639º e ss - e para o prazo – 1643º e ss.
Se estivermos perante um CP que tenha a ver com a anulabilidade do casamento temos de falar: 1.
ação de anulação, 2. legitimidade e 3. prazos.
1632º - a anulabilidade, não é invocável para qualquer efeito, judicial ou extrajudicial, enquanto não for
reconhecida por sentença em ação especialmente intentada para esse fim – 1633º - considerando-se sanada
a anulabilidade e válido o casamento em determinadas hipóteses.
Cabe aos nubentes decidir se querem ou não a anulação do casamento – p. ex., alguém simula um
casamento, mas depois o casal apaixona-se; ou, então, um cônjuge enganou-se, mas entretanto, não quer
saber desse erro.

Imaginemos, um casamento que foi anulado, ou um casamento que foi declarado nulo nos tribunais
eclesiásticos. Passaram 6 ou 7 anos, o que representa muito tempo na vida de um casal. E surgem,
sobretudo, aos olhos de terceiros como um casal, havendo um conjunto de regras que entram em
funcionamento. Quando há esta invalidação do casamento, ou a anulação do casamento, o nosso legislador
reconhece efeitos ao casamento celebrado, caso se verifiquem certos pressupostos – a estes chamamos de
casamentos putativos.
Ora, putativos porquê? Porque vem do latim putare (acreditar, julgar, estar convencido), portanto, as
pessoas acreditam que estão validamente casadas – regime previsto nos artigos 1647º1648º.
O instituto do casamento putativo visa evitar certos inconvenientes: a união conjugal haver-se-ia como UF e,
falecido um dos cônjuges e vindo o casamento a ser declarado nulo ou anulado, o sobrevivo só poderia pretender a
proteção do artigo 2020º e os demais benefícios atribuídos no caso de morte de um dos membros da relação. Os filhos
nascidos do casamento ter-se-iam como nascidos fora dele, pelo que não se lhes aplicaria o artigo 1826º/1. As
convenções antenupciais, assim como as doações feitas pelos cônjuges ou por terceiros, caducariam. Nenhum dos
cônjuges poderia invocar a maioridade (132º) ou a nacionalidade que o casamento lhe tivesse feito adquirir. P. ex., um
contrato em que um dos cônjuges tivesse intervindo como administrador de bens comuns ou próprios do outro: uma
vez declarado nulo ou anulado o casamento, tal intervenção passaria a ser irregular, o contrato não produziria efeitos e
os direitos do terceiro que tivesse contratado com aquele cônjuge ficariam injustamente prejudicados
Quais são os requisitos para que o casamento produza efeitos?
 O casamento tem de existir – se o casamento é inexistente (1628º), não tem efeitos putativos;
 O casamento ter sido declarado nulo ou anulado (1647º/1/3) – a invalidade não opera por si só e,
como tal, enquanto não for reconhecida por sentença em ação especialmente intentada para esse
fim, o casamento produz todos os seus efeitos; aos casamentos declarados nulos ou anulados devem
equiparar-se os casamentos católicos cuja transcrição tenha sido recusada (174º/1/d)/e), CRegC) ou
declarada nula por ter sido feita indevidamente (87º/d) CRegC).
 A boa fé de um ou de ambos os cônjuges – é necessário para que o casamento produza efeitos em
relação aos cônjuges ou os efeitos favoráveis em relação ao cônjuge de boa fé e produza efeitos
em relação a terceiros.

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Direito da Família e dos Menores
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Notas:
 Há um efeito putativo no casamento mesmo quando os cônjuges estão de má-fé - 1827º (não se
encontra elencado no regime do casamento putativo) – presunção de paternidade (p. ex., há um
casamento simulado, com vista à obtenção da nacionalidade, mas nasce uma criança na constância
do casamento. O casamento pode vir a ser anulado quando descoberta a simulação, mas a
presunção de paternidade da criança mantém-se);
 A boa fé vem definida no artigo 1648º/1 e consiste na ignorância desculpável do vício causador da
nulidade ou anulabilidade, ou seja, a boa fé presume-se, sendo esta uma noção subjetiva
(1648º/3). Considera-se igualmente de boa fé, o cônjuge cujo consentimento tenha sido
extorquido por coação, sendo esta uma noção objetiva e moral. A boa fé dos cônjuges deve existir
no momento da celebração do casamento.
O conhecimento judicial da boa fé é da exclusiva competência dos tribunais do Estado tal como a
eventual aplicação do instituto do casamento putativo, após ter sido declarada a nulidade de um
casamento católico nos tribunais eclesiásticos (1648º/2).

Quais são os efeitos putativos do casamento? 1647º - ! 1647º/2 – esta norma é muito importante na
prática futura, porque havendo anulação do casamento, quem está de boa fé, vai ser protegido e os bens
vão ser distribuídos seguindo o regime da comunhão geral de bens, tendo uma vantagem patrimonial – em
termos do divórcio, não há sanções patrimoniais para o culposo, mas se houver anulação haverá. A Dr.
Sandra não critica muito esta solução mas o Curso critica-a.

Em relação aos cônjuges:


 Se os cônjuges estavam ambos de boa fé, o casamento produz todos os efeitos, entre eles, até à data
da declaração de nulidade ou da anulação (1647º/1). P. ex., se A, casado com B, faleceu, sendo B herdeiro de
A, e depois o casamento entre A e B é declarado nulo ou anulado, o efeito sucessório já produzido
mantém-se. Outra aplicação do princípio: as alienações efetuadas, p. ex., pela mulher sem outorga do
marido putativo continuam a ser anuláveis mesmo depois da declaração de nulidade ou da anulação do
casamento.
 Se só um estava de boa fé, o casamento inválido produz (e produz, naturalmente, em relação a ambos
os cônjuges) os efeitos que forem favoráveis ao cônjuge de boa fé (1647º/2). P. ex., se A, casado com B,
faleceu, e B foi herdeiro de A, o efeito sucessório mantém-se se B era o cônjuge de boa fé; a convenção
antenupcial terá efeitos se o regime estipulado beneficiar o cônjuge de boa fé (1716º); etc.
 Se ambos os cônjuges estavam de má fé, o casamento não tem eficácia putativa em relação a eles.

Em relação aos filhos:

Mesmo que os cônjuges tenham contraído o casamento de má fé, a presunção de paternidade aplica-se
aos filhos nascidos do casamento (1827º).

Em relação a terceiros:
 Se ambos os cônjuges estavam de boa fé, o casamento inválido produz todos os seus efeitos, também
em relação a terceiros, até ao trânsito em julgado da sentença de anulação do casamento civil ou ao
averbamento da decisão do tribunal eclesiástico que declarou a nulidade do casamento (1647º/1/3).

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Direito da Família e dos Menores
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 Se só um dos cônjuges estava de boa fé, o artigo 1647º/2, faz ainda uma distinção. (1) Tratando-se de
relações que, estabelecendo-se entre os próprios cônjuges, vão afetar terceiros nos seus interesses (p. ex.,
alienação de imóveis feita por um dos cônjuges sem o consentimento do outro), os respetivos efeitos, “mero
reflexo, relativamente a terceiros, das relações havidas entre os cônjuges” (1647º/2), produzem-se ou não
— em relação aos cônjuges e, reflexamente, em relação a terceiros — conforme forem favoráveis ou
desfavoráveis ao cônjuge de boa fé. (2) Tratando-se de relações que se estabeleçam diretamente entre cada
um dos cônjuges e terceiros mas que estejam dependentes do estado pessoal de casado (p. ex., relação de
afinidade, doação para casamento feita por terceiro a um dos esposados), já a solução é diversa. Não se
estabelecendo agora a relação entre os próprios cônjuges, não se justificaria que fosse aqui decisiva a
distinção entre cônjuge de boa fé e cônjuge de má fé, só se produzindo os efeitos favoráveis àquele. O
terceiro não merece mais ou menos proteção porque esteja de má fé ou de boa fé o cônjuge com quem
contratou. Não estando estas relações abrangidas no artigo 1647º/2, pois não se trata aqui, relativamente a
terceiros, de “mero reflexo das relações havidas entre os cônjuges”, o princípio a aplicar deve ser o da
invalidade, pelo que o casamento não produz neste caso quaisquer efeitos.
 Se ambos os cônjuges estavam de má fé o casamento não produz efeitos em relação a eles e, por
conseguinte, também não os produz em relação a terceiros.
Se tivermos um caso prático relativo à invalidação do casamento temos de falar: (1) da inexistência ou
anulabilidade, (2) em caso de anulação, temos de ver as causas dela e os seus requisitos, (3) explicar que a anulação
carece de uma ação nos termos do artigo 1632º; (4) referir quem tem legitimidade e qual o prazo para esta ação, (5) e,
sendo um caso de invalidade do casamento temos de explicar os efeitos putativos.

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Efeitos pessoais do casamento: o casamento como estado. Princípios fundamentais: o princípio da


igualdade e o princípio da direção conjunta da vida familiar. Os deveres dos cônjuges. Nome e
nacionalidade.

Quanto ao casamento como estado, podemos dizer que se constitui uma nova família, a família conjugal.
No artigo 1577º, como já sabemos, encontramos a definição de casamento.
Os efeitos do casamento estão regulados nos artigos 1671º e ss. Depois daqueles 3 momentos –
formalidade preliminares, celebração e registo -, falamos do casamento como estado, falamos de todos os
casamentos (civil e católico) reconhecidos pelo Estado português, como tal. Sendo assim, os casamentos
reconhecidos pelo Estado têm efeitos patrimoniais e pessoais; distinção que tem suscetibilidade de ser
criticada, mas é assim que iremos estudar este tema.
Os efeitos pessoais do casamento podem resumir-se assim: o casamento constitui a família, impõe aos
cônjuges um conjunto de deveres e tem efeitos sobre o seu nome e nacionalidade.

Vamos começar por fazer algumas introduções gerais ao casamento.


 Princípio da Igualdade (1671º/1) e o Princípio da direção conjunta da vida familiar (1671º/2) - Há aqui
um princípio fundamental, que é o Princípio da igualdade dos cônjuges, e que tem a sua base no artigo 13º
CRP. A Dr. Sandra não gosta quando os alunos utilizam esta norma para se referir às responsabilidades
parentais, pois este princípio não fala de progenitores, fala de cônjuges; até porque os progenitores podem
não ser cônjuges, e os cônjuges podem não ser progenitores. A norma é muito clara. O artigo 36º/3, é mero
corolário do princípio geral do artigo 13º/2, que proíbe qualquer discriminação em razão do sexo. O homem
e a mulher são iguais perante a lei (13º/2), e não deixam de o ser (36º/3) pelo facto de serem casados um
com o outro. Claro que num sistema de igualdade surgem dificuldades provocadas pelo desacordo dos
cônjuges; mas estes devem resolver os seus diferendos. E a coesão da família nunca poderá assentar na
autoridade de um dos cônjuges sobre o outro, mas só no seu acordo, na sua ação comum. Qualquer norma
que comporte a ideia de supremacia do marido como aceitável, é agora considerada inconstitucional. As
únicas desigualdades que naturalmente subsistem são as que se fundam na natureza “biológica” da mulher.
É o que se passa, p. ex., com o maior prazo internupcial que o artigo 1605º/1 lhe exige e com os direitos
especiais reconhecidos às mães trabalhadoras e relativos ao ciclo da maternidade.
Como tal, temos aqui também o Princípio da direção conjunta da vida familiar que é um corolário do
princípio da igualdade dos cônjuges. Se os cônjuges são iguais, a direção da família deve pertencer aos dois e
não exclusivamente a um deles. Sabemos que há um acordo, p. ex., quanto à idade em que o casal pretende
ter filhos - mas o seu incumprimento não tem muita importância porque estes acordos são naturalmente
irrevogáveis, são matéria da vida pessoal dos cônjuges. O que diz o Curso? Que eles devem orientar-se sobre
a vida familiar.
A questão que se colocou, num teste do ano passado, tinha a ver com o saber se o planeamento familiar
relativamente aos filhos era uma questão da vida em comum ou pessoal. Se calhar, o politicamente correto,
seria dizer que faz parte da orientação da vida familiar porque o filho é dos dois; mas, na prática, a Dr.
Sandra diz que pode não ser assim, tendo em conta a liberdade reprodutiva da mulher. Nos EUA, falamos do
aborto financeiro a propósito de um caso em que o pai não queria ter o filho, e a mulher decidiu tê-lo na
mesma. Então, o progenitor, levou o caso a tribunal como forma de não ter nenhum encargo financeiro com
a criança, embora tenha reconhecido a paternidade. O seu pedido foi recusado, mas isto tem de nos fazer
refletir.

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Temos ainda de sublinhar alguns pontos: (1) este preceito é imperativo, pelo que seria nulo o contrato em
que os cônjuges acordassem que a direção ficasse a pertencer a um deles, mesmo que se ressalvasse a
hipótese de ter de ouvir o outro; (2) este é um dever pessoal dos cônjuges, que se faz acrescer aos
enunciados no artigo 1672º, pois estes devem ter em conta o bem da família e os interesses de ambos –
mesmo que não cheguem a acordo, devem sempre mostrar disponibilidade para uma concordância; (3) o
objeto do acordo deve versar sobre a orientação da vida em comum e só sobre ela.
 Quanto aos efeitos pessoais, surgem uma série de deveres dos cônjuges a que devemos atender.
1677º-D – Trata do exercício de profissão ou de outra atividade. Esta norma foi ditada na reforma de 1977,
que diz que cada um dos cônjuges pode exercer uma profissão ou atividade, sem o consentimento do outro -
muito importante uma vez que antes os maridos podiam ter de autorizar a mulher para tal. Hoje em dia, já
não é assim. Este é um direito fundamental, mas não significa que não tenha de ser conciliado com os
deveres de família. P. ex., uma mulher está farta de acordar às 7h todos os dias e decide que agora vai
trabalhar à noite num bar de alterne; como parece óbvio, o seu marido não ficou muito satisfeito. Aqui, ela
pode estar a violar algum dever conjugal, nomeadamente, o dever de respeito. Estes direitos fundamentais
têm de se harmonizar com o dever de os cônjuges acordarem sobre a orientação da vida em comum, tendo
em conta o bem da família e os interesses de ambos (1671º/2), e com os deveres a que estão
reciprocamente vinculados. O exercício por um dos cônjuges, sem o acordo do outro, de profissão pouco
decorosa ou de atividade muito perigosa, assim como a compromissos que impliquem esforço e
empenhamento excessivo e disponibilidade de tempo, podem configurar uma violação grave dos deveres de
cooperação ou de respeito, e contribuir para a rutura da vida conjugal. O cônjuge quando se proponha a
exercer certa profissão ou atividade não deve esquecer-se de que não é só.
Ainda, quanto ao direito de emigrar ao abrigo do exercício da profissão dizemos que pode fazê-lo, não
significando que viole um dever conjugal, mas vai violar o dever de coabitação, o de colaboração (havendo
filhos). É importante é que o estatuto conjugal nunca se sobreponha ao estatuto pessoal, no sentido da
violação dos nossos direitos, nomeadamente, os que se prendam com o nosso desenvolvimento pessoal –
direito de exercer uma profissão ou de vestir aquilo que gosto - estes deveres estão consagrados no artigo
1672º: têm sempre de ser limitados pelo núcleo das nossas liberdades pessoais.

 Outros efeitos pessoais são:


1. Os artigos 3º a 8º, da Lei da Nacionalidade, permitem que o estrangeiro casado há mais de 3 anos
com nacional português pode adquirir a nacionalidade portuguesa mediante declaração feita na
constância do casamento (3º/1); nos termos do nº2, a declaração de nulidade ou a anulação do
casamento não prejudica a nacionalidade adquirida pelo cônjuge que o tenha contraído de boa
fé;
2. o direito ao nome – o nome patronímico, ou seja, os apelidos dos cônjuges estão regulados nos
artigos 1677º a 1677º-C. A regra fundamental (1677º) é a de que cada um dos cônjuges conserva
os seus próprios apelidos, mas pode acrescentar-lhes apelidos do outro, até ao máximo de 2. Os
cônjuges poderão, no entanto, manter os seus apelidos de solteiros se o desejarem. Este é um
direito, não um peso, pois é um direito ao nome de família, um direito a criar um nome que seja o
nome para a família; é uma faculdade que a lei dá a cada um dos cônjuges, e não tem de ser
apenas a mulher a mudar de nome, como antes acontecia. P. ex., temos a Ana Lopes e o João
Silva. Ela passa a ser Ana Lopes Silva, mas ele fica João Silva Lopes? Ora, o nosso legislador,
quando diz acrescentar, quer dizer acrescentar ou intercalar, o que significa que ele pode ficar
João Lopes Silva, tendo os seus descendentes o mesmo nome. A Dr. Sandra casou assim.

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Direito da Família e dos Menores
Mariana Melo

 E no caso da viuvez ou de segundas núpcias? 1677º-A – diz-nos que o viúvo pode conservar o
nome do outro mesmo após as segundas núpcias. Mas, casando a 2ª vez, ou opta pelo nome do
primeiro marido ou pelo nome do segundo.
 E no caso de separação de pessoas e bens? 1677º-B/1, 1ª parte - decretada a separação cada
um dos cônjuges conserva os apelidos do outro que adotado, mas nada o impede, porém, de os
renunciar.
 E no caso de divórcio? Em princípio, cada um dos cônjuges perde os apelidos do outro que
tenha adotado; nos termos do artigo 1677º-B/1, 2ª parte, pode, todavia, conservá-los se o
ex-cônjuge aceitar, ou se não aceitar, pode mantê-los se o tribunal aceitar, atendendo aos
motivos invocados. Se conservar os apelidos do ex-cônjuge e passar a segundas núpcias, não
pode acrescentar-lhes apelidos do novo cônjuge (1677º/2).
 Privação judicial do uso do nome (1677º-C): falecido um dos cônjuges ou decretada a
separação de pessoas e bens ou o divórcio, o cônjuge que mantenha apelidos do outro pode ser
privado do direito de os usar quando esse uso lese gravemente os interesses morais do outro ou
da sua família (1677º-C/1). O pedido de privação do uso do nome. Imaginemos que a senhora A
fica viúva e decidiu que ia viver a vida, mas para tal, precisava de dinheiro celebrando alguns
negócios duvidosos, e levando uma vida devassa. Agora a família do falecido tem vergonha dela,
podendo ser pedida a privação judicial do uso nome que será declarada pelo tribunal.

Deve o juiz intervir em caso de desacordo dos cônjuges? Se sim, em que termos? Em princípio, o nosso
direito recusa-o. Apenas em três casos permite o CC que o conflito entre os cônjuges seja decidido pelo
tribunal: nos casos de desacordo sobre a fixação ou alteração da residência da família (1673º/3), sobre o
nome próprio ou os apelidos dos filhos (1875º/2) e sobre questões de particular importância relativas ao
exercício das responsabilidades parentais (1901º/2) - casos em que é especialmente necessária ou urgente a
solução do conflito. Nos restantes casos, o desacordo deve ser resolvido dentro da família, pelos próprios
cônjuges. O direito recusa-se a intervir e apela ao sentido de responsabilidade dos cônjuges e à sua
capacidade de autorregulamentação da família.

Quanto aos deveres dos cônjuges, nos termos do artigo 1672º, os cônjuges, que decidiram contrair um
contrato seguindo uma plena comunhão de vida, estão reciprocamente vinculados pelos deveres de
respeito, fidelidade, coabitação, cooperação e assistência. Trata-se de deveres recíprocos, como o exige o
princípio da igualdade dos cônjuges. Não há hoje deveres próprios do marido ou da mulher. Os deveres dos
cônjuges enquadram-se nos efeitos pessoais do casamento, inseridos no casamento como estado.

A violação dos deveres enunciados não é causa de divórcio; a violação daqueles deveres não vale por si
mesma – ela dilui-se na rutura do matrimónio que eventualmente provocar. Sabendo que o cumprimento
destes deveres corresponde ao que se espera de uma “plena comunhão de vida”, a verificação dos factos
enunciados no artigo 1781º/a)/b)/c) faz acreditar, segundo a lei, que o vínculo matrimonial se rompeu. No
âmbito da alínea d), a prova de quaisquer factos que constituam violações graves do quadro dos deveres
conjugais, com uma intensidade ou uma repetição grave, pode convencer o tribunal de que o projeto de vida
em comum está definitivamente terminado. É a rutura — e não os factos que a indiciam — que justifica a
dissolução formal do casamento. E a prova dos factos não tem de apurar as culpas e a sua graduação; na
verdade, a rutura definitiva do vínculo deve apresentar-se como objetiva, a justificar plenamente o regime
de legitimidade ativa previsto no artigo 1785º/1: qualquer dos cônjuges pode pedir o divórcio.

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Direito da Família e dos Menores
Mariana Melo
A enumeração do artigo 1672º é taxativa? A solução afirmativa poderia basear-se na “plena comunhão de
vida” (1577º) que constitui o conteúdo da relação conjugal. Mas não se veem facilmente deveres que não se
reconduzam ou que não caibam em algum dos deveres explícitos previstos no artigo 1672º. Assim, o dever
de sinceridade cabe no dever de respeito; o dever de cada cônjuge informar o outro sobre a sua situação
patrimonial, sobretudo para lhe permitir exigir o que for devido como contribuição para os encargos da vida
familiar, também poderá caber no dever de respeito ou, talvez no de cooperação; etc. Como tal, podemos
dizer que, à partida existem outros – 1671º/2 – dever dos cônjuges acordarem sobre a orientação da vida
familiar, p. ex. Mas, sem ser este, não haverá outro? Dá-se o exemplo do dever de honestidade financeira,
ou seja, o direito que o outro cônjuge tem de saber como estão as nossas contas bancárias, as partilhadas e
as não partilhadas.

Como resulta dos artigos 1618º/2 e 1699º/1/b), o artigo 1672º é imperativo, no sentido de que não é
possível excluir convencionalmente qualquer dos deveres que ele impõe aos cônjuges. Mas a lei oferece a
possibilidade de estes os cumprirem de modo diverso, de acordo com os seus interesses e conveniências. P.
ex., o cumprimento do dever de coabitação reveste-se de grande plasticidade; e o modo como deve ser
cumprido por cada um dos cônjuges o dever de contribuir para os encargos da vida familiar depende do que
seja acordado entre eles. Um mesmo ato ou procedimento de um dos cônjuges pode constituir ou não uma
falta de respeito ao outro; p. ex., o próprio adultério, a mais grave violação do dever de fidelidade, pode não
se traduzir num motivo de rutura do matrimónio dada a particular relação estabelecida pelos cônjuges ou
vivida por eles. ! Temos sempre de atender às particularidades de cada casal.

 Dever de respeito: enunciado no artigo 1672º, tem caráter residual, ou seja, tudo o que não couber
noutro sítio, mas que seja necessário para a plena comunhão de vida, integra-se aqui, como, p. ex., o dever
de informar o outro sobre a situação financeira. Só são violações do dever de respeito atos ou
comportamentos que não constituam violações diretas de qualquer dos outros deveres mencionados no
artigo 1672º.
Este é um dever negativo e, como tal, em primeiro lugar, o dever que incumbe a cada um dos cônjuges de
não ofender a integridade física ou moral do outro, compreendendo-se na “integridade moral” todos os
bens ou valores da personalidade: a honra, a consideração social, o amor próprio, a sensibilidade e ainda a
suscetibilidade pessoal. Infringe o dever de respeito, p. ex., o cônjuge que maltrata ou injuria o outro; o
cônjuge que ridiculariza a religião que o outro pratica ou a formação política de que ele é militante,
reiteradamente; o cônjuge que, sem o consentimento do outro, introduz no lar conjugal o filho concebido
fora do matrimónio (1883º); a mulher que, sem o consentimento do marido, recorre a técnicas de PMA com
esperma de dador, ou, estando grávida de filho do casal, interrompe voluntariamente a gravidez – decisões
relativas ao planeamento familiar; o marido que fez uma doação de esperma sem o consentimento da
mulher; etc. A esterilização voluntária de um dos cônjuges, sem fins terapêuticos, constituirá violação do
dever de respeito se tiver sido feita sem o consentimento do outro. Mas, em segundo lugar, o dever de cada
um dos cônjuges não se conduzir na vida de forma indigna, desonrosa e que o faça desmerecer no conceito
público. Fala-se aqui de “injúrias indiretas” - se um dos cônjuges se embriaga ou se droga com frequência, ou
comete um crime infamante, está a violar o seu dever de respeito ao outro cônjuge. Portanto, este dever
passa também por não ofender a imagem do casal. P. ex., imaginemos que a mulher quer trabalhar num bar
de alterne – para este não ofender a integridade moral tem sempre de estar coordenado com os direitos e
liberdades da pessoa humana (núcleo irredutível), mas aqui não parece justificar-se.

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Direito da Família e dos Menores
Mariana Melo
Este é ainda um dever positivo. Não falamos aqui do dever de cada um dos cônjuges amar o outro. Mas o
cônjuge que não fala ao outro, que não mostra o mínimo interesse pelo outro ou pela família que constituiu,
que não mantém com o outro qualquer comunhão espiritual, não respeita a personalidade do outro cônjuge
e infringe o correspondente dever. Há um acórdão interessante, que devemos chamar a análise: uma
senhora pede o divórcio ao seu marido, que calha ser um médico muito reputado, alegando que ele ia várias
vezes ao Brasil onde, supostamente, tinha uma amante. O marido, em contestação, diz que ela lhe faltou ao
respeito quando propôs o divórcio. O que é o tribunal disse? Não conseguiu provar a relação extraconjugal,
mas considerou que havia violação de dever de respeito, pois este não a levava nas suas viagens, avisava-a
com nenhuma antecedência…
Os deveres conjugais estão na lei, são imperativos e, como tal, não podemos casar estipulando uma cláusula
que prevê que o casal ou um dos cônjuges não se vinculam aos deveres conjugais. Mas, estes deveres são
modelados por cada casal, tendo em conta o casamento concreto, pois serão eles que melhor sabem o que
lhes interessa.

 Dever de fidelidade: trata-se de um puro dever negativo, pois o dever de cada um dos cônjuges ter
relações sexuais com o outro, não se integra no dever de fidelidade, mas no de coabitação. Este é
certamente uma limitação à liberdade sexual dos cônjuges. O dever de fidelidade obriga cada um dos
cônjuges, em primeiro lugar, a não ter relações sexuais consumadas com pessoa que não seja o seu cônjuge.
Quando falamos em relações sexuais consumadas abrangemos a cópula e ainda o coito anal e oral. Além da
prática de relações sexuais consumadas, o adultério supõe ainda a intenção ou, pelo menos, a consciência de
violar o dever de fidelidade. Assim, não haverá violação do dever de fidelidade se o cônjuge que teve
relações sexuais com terceira pessoa só o fez, p. ex., por erro, ou sob coação. Também uma tentativa de
adultério constitui violação do mesmo dever.
E independentemente da prática de relações sexuais, consumadas ou tentadas, são ainda violações do dever
de fidelidade a conduta licenciosa ou desregrada nas relações com terceiro, a ligação sentimental e a
correspondência amorosa que mantém com ele, etc. É pertinente dizer que não podemos definir o que é o
dever de fidelidade, uma vez que hoje em dia é muito difícil afirmar o que é uma violação deste dever, em
consideração da fluidez de conceitos, sendo os próprios cônjuges que decidem se querem ter uma relação
aberta, se querem praticar swing, conferindo ou não estas práticas violações deste dever.

 Dever de coabitação: “Coabitar” não quer dizer apenas habitar conjuntamente, na mesma casa, ou
viver em economia comum, mas viver em comunhão de leito, mesa e habitação. Comunhão de leito – o
casamento não é uma relação fraterna, se não houver comunhão de leito, não há casamento. O casamento
obriga os cônjuges ao chamado “débito conjugal”. O casamento implica uma limitação lícita do direito à
liberdade sexual, no sentido de que a pessoa casada fica obrigada a ter relações sexuais com o seu cônjuge e
a não ter essas relações com terceiros. A recusa de consumar o casamento ou de manter relações sexuais
com o outro cônjuge constitui violação do dever de coabitação, se não for justificada por impotência, doença
de um ou outro dos cônjuges, etc. A imposição de relações sexuais ao cônjuge doente pelo outro cônjuge
poderia constituir uma violação do dever de respeito. Comunhão de mesa – é haver uma economia
doméstica, a vida em economia comum; depois cada um escolhe que despesas paga, que contas terão, eles
é que vão conformar esta comunhão. Comunhão de habitação (em sentido estrito, não no sentido de as
partes terem de viver juntas) – este é só um dos 3 elementos.

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Direito da Família e dos Menores
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De acordo com o princípio da igualdade dos cônjuges, são estes que devem escolher de comum acordo
(expresso ou tácito) a residência da família, ou seja, a terra e o local onde vão viver; nos termos da lei,
devem os cônjuges atender nomeadamente às exigências da sua vida profissional, ao interesse dos filhos e à
salvaguarda da unidade da vida familiar (1673º/1).
A residência da família é o lugar do cumprimento do dever de coabitação; escolhida a residência da família,
ambos os cônjuges têm obrigação de viver aí, salvo motivos ponderosos em contrário (1673º/2). Exigências
da sua vida profissional, designadamente, podem justificar que um dos cônjuges se afaste da residência da
família por mais ou menos tempo. Nem por isso haverá então separação de facto dos cônjuges, para o efeito
previsto no artigo 1781º/a), se ambos tiverem o propósito de restabelecer a comunhão de vida quando isso
for possível (1782º/1). Outro motivo ponderoso para um dos cônjuges não adotar a residência da família
será o de a vida em comum se lhe ter tornado intolerável ou inexigível, em face dos maus tratos ou das
injúrias do outro. O acordo sobre a residência da família não pode ser revogado unilateralmente por
qualquer dos cônjuges; a alteração da residência requer igualmente o acordo dos dois (1673º/3). Não
havendo acordo sobre a fixação ou a alteração da residência da família, a lei permite, excecionalmente, que
qualquer dos cônjuges requeira a intervenção do tribunal. Ora, significa isto que os cônjuges têm uma sede,
a casa de morada de família, que é um bem muito importante. E, o Estado reconhece isso, pois hoje, ela não
é vendida em caso de haver uma dívida ao Estado. Mesmo que os cônjuges se tenham casado no regime da
separação de bens, é necessário o consentimento do outro para a vender.
Como sabemos qual é a casa de morada de família? 1673º - em princípio, os cônjuges escolhem, mas se eles
não escolherem pode ser o tribunal a escolher.
Mas, a questão que se tem feito na doutrina é a de saber se o casal pode ter 2 casas de morada de família?
P. ex.: um casal tem uma moradia na Figueira da Foz e vive lá com os seus 2 filhos. O filho de 18 anos veio
estudar para Coimbra e compraram-lhe um apartamento; mais tarde vai para a mesma cidade o outro filho.
Agora já passam todos mais tempo na casa de Coimbra do que na casa da Figueira da Foz. Neste caso,
parece que podemos ter 2 casas de morada de família. Isto não é muito importante em termos práticos.

 Dever de cooperação: 1672º - importa para os cônjuges a obrigação de socorro e auxílio mútuos e a de
assumirem em conjunto as responsabilidades inerentes à vida da família que fundaram (1674º). A primeira
obriga os cônjuges a ampararem-se mutuamente nas horas boas e más, na felicidade como na provação; a
segunda, obriga-os a assumirem em conjunto as responsabilidades inerentes à vida da família. Não se trata
agora de cada um ajudar o outro. Trata-se de que a família é obra dos dois, e ambos devem assumir em
conjunto as inerentes responsabilidades. Assim, o cônjuge que mostra um absoluto desinteresse pela saúde
e pela educação dos filhos não infringe apenas um dever em relação a estes, mas também um dever em
relação ao outro cônjuge, o dever de assumir em conjunto com o outro as responsabilidades inerentes à vida
familiar.
1674º - os cônjuges devem cooperar um com o outro, mas nem sempre é assim.
Importa analisarmos aqui um acórdão: uma senhora era muito doente e tinha de fazer vários tratamentos no
CHUC 3 vezes por semana. O seu marido tinha carro, carta e estava reformado, mas não levava a sua esposa
ao hospital. O tribunal considerou, então, que aqui houve uma violação do dever de cooperação. O marido
que sai de casa para ir ao café, jogar, sem ajudar com os filhos, também está a violar este dever.
É importante não confundir este com o dever de assistência (refere-se a dinheiro).

 Dever de assistência: 1675º - compreende a obrigação de prestação de alimentos e a de contribuição


para os encargos da vida familiar.

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Direito da Família e dos Menores
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Obrigação de prestação de alimentos - Praticamente, a primeira destas obrigações só tem autonomia em
face da segunda quando os cônjuges vivem separados, de direito ou mesmo só de facto.
Se vivem juntos, o “dever de prestação de alimentos” toma a forma de “dever de contribuição para os
encargos da vida familiar”. No caso de separação de pessoas e bens e de simples separação de facto
(enquanto ainda estão casados), não existe “vida familiar” e não tem sentido falar na obrigação de contribuir
para os respetivos encargos; mas a lei, em certas condições, obriga cada um dos cônjuges a prestar
alimentos ao outro (questão diferente da obrigação de alimentos a ex-cônjuge). O dever de alimentos no
caso de separação de pessoas e bens está regulado no artigo 2016º. Quanto a saber a quem incumbe a
obrigação de prestação de alimentos, o artigo 1675º/2 fala-nos do “único ou principal culpado” - esta norma
está em desuso pois quando foi alterada a legislação do divórcio, esta norma foi esquecida. Os juízes
ignoram esta parte da norma, porque nós não vamos averiguar quem é culpado – devemos riscar a parte
que diz “se esta não for imputável a qualquer dos cônjuges” e também o nº3. Nunca foi clara na lei a
questão de saber qual o objeto da prestação de alimentos e com que critério deve ser fixado o respetivo
montante. Decerto que a obrigação de alimentos entre cônjuges está sujeita ao princípio geral do artigo
2004º, segundo o qual o montante dos alimentos depende das necessidades de quem os pede e das
possibilidades de quem os presta; mas a dúvida consiste em saber como se determinam aquelas
“necessidades”, ou seja, se o credor de alimentos apenas tem direito ao que for necessário para o seu
“sustento, habitação e vestuário”, nos termos do artigo 2003º, ou se ele tem direito, na medida das
possibilidades do devedor, ao necessário para assegurar o padrão de vida anterior. O cônjuge separado de
facto poderá contar com uma prestação de alimentos que o coloque numa situação razoável acima do limiar
de sobrevivência, provavelmente abaixo do padrão de vida que o casal atingira. 1675º/22015º (é uma
norma no âmbito da secção dos alimentos), ou seja, quando os cônjuges vão prestar alimentos na separação
de facto, eles estão a contribuir para os encargos normais da vida familiar. Quando houver divórcio, cessa
esta manutenção do nível de vida a que o casal estava habituado. Este nível de vida mantém-se enquanto há
casamento, mesmo durante a separação, e só cessa com o divórcio. Temos ainda que atender ao facto de,
na prática, o devedor de alimentos terá agora duas casas para sustentar e temos de ter isso em atenção.
O pedido de alimentos definitivos, neste caso como nos demais, pode ser precedido de pedido de alimentos
provisórios, nos termos gerais dos artigos 399º e ss CPC.

Obrigação de contribuir para os encargos da vida familiar - 1676º/1: como é que se contribui para os
encargos da vida familiar? Este artigo, incumbe aos 2 cônjuges, a contribuição proporcional para os encargos
da vida comum, em harmonia com as possibilidades de cada um (de acordo com o princípio da igualdade dos
cônjuges, não há uma atribuição estereotipada de funções ao marido ou à mulher), pois isto traduz-se na
plena comunhão de vida. Este dever pode ser cumprido por qualquer deles de 2 formas: ou pela (1) afetação
dos seus recursos àqueles encargos, ou então (2) através trabalho despendido no lar ou na manutenção e
educação dos filhos – isso também é contribuir para os encargos da vida familiar. O legislador pretendeu
afirmar que o trabalho prestado por um dos cônjuges no governo da casa e na criação e educação dos filhos
tem valor económico, como o trabalho profissional. ! Não é uma contribuição igualitária, é uma contribuição
proporcional que atende às possibilidades de cada um! Como tal, este é um dever diferente do dever de
cooperação, pois o dever de assistência tem mais a ver com um valor económico.
Esta é uma conjunção copulativa e não disjuntiva, pois legislador receou que, se dissesse que os cônjuges
podiam cumprir este dever de uma forma ou da outra, a formulação legal pudesse sugerir que um dos
cônjuges (e terá pensado no marido) o cumprisse da primeira forma (através dos seus rendimentos e
proventos) e o outro cônjuge (e terá pensado na mulher) o cumprisse da segunda forma (através do trabalho
despendido no lar ou na manutenção e educação dos filhos).

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Direito da Família e dos Menores
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Cada um dos cônjuges pode, pois, cumprir a obrigação de contribuir para os encargos da vida familiar por
uma das formas referidas, pela outra ou por ambas. Tudo depende do que seja convencionado entre eles. O
acordo sobre a repartição de funções ou tarefas é um dos mais importantes “acordos sobre a orientação da
vida em comum” a que os cônjuges estão obrigados nos termos do artigo 1671º/2. No entanto, imaginemos,
p. ex., que acordaram em que o marido exerceria atividade profissional e a mulher teria a seu cargo o
governo doméstico e a criação e educação dos filhos que viessem a ter. Seria intolerável, que o acordo se
mantivesse quando a mulher quisesse exercer uma profissão. Admitimos, porém, que a solução seja outra,
excecionalmente, quando o acordo tenha durado por muito tempo, criando no outro cônjuge a expectativa
razoável de que a situação não viria a alterar-se; em casos como estes estamos perante abuso do direito.
Violação grave ou reiterada do dever de contribuir para os encargos da vida familiar: sinal de rutura do
casamento para efeitos do artigo 1781º/d).

Quando falamos nos efeitos pessoais, falamos na mudança da nacionalidade e do nome. São dois
elementos que podem ser alterados com o casamento – alterações substanciais.
Quando falamos dos deveres, podemos dizer que para o casamento é necessário que haja plena
comunhão de vida.
1671º/2 – quando tudo corre bem é assim que se dá o acordar sobre a orientação da vida comum. O artigo
1672º tem um elenco de deveres conjugais que são sempre recíprocos. Estas normas são tão essenciais que
até têm de ser recordadas pelo conservador se estiver a celebrar um casamento civil sob forma religiosa. E,
mesmo no casamento civil tradicional o conservador deverá, na celebração do matrimónio, falar destes
deveres.

Então qual é a importância destes deveres? A resposta não é fácil porque antigamente, até 2008, nós
tínhamos um divórcio que era baseado na violação dos deveres conjugais. Portanto, a recusa de ter relações
conjugais com o cônjuge dava origem a divórcio. A, traiu a mulher, violando assim o dever de fidelidade.
Antes de 2008, a mulher é vítima e pode pedir o divórcio. Mas isto acabou tudo em 2008, já não
funcionando o divórcio como sanção da violação dos deveres conjugais. Agora, se o A bateu na mulher,
violou o dever de respeito, a mulher pode invocar a rutura do casamento dizendo: “eu quero o divórcio
porque se romperam os laços conjugais”.

Temos, hoje, um sistema em que a violação dos deveres conjugais se dilui na rutura do casamento.

Há, certamente, ainda, deveres no casamento. No entanto, Guilherme de Oliveira constata que o
legislador não tem capacidade para escolher e impor um modelo de boas condutas universal. Não pode o
legislador pormenorizar os deveres conjugais, refugiando-se, então, na adoção de cláusulas gerais que os
cônjuges irão concretizar segundo o seu projeto individualizado.

Mas há uma diferença de prova – onde se colocam os deveres conjugais? Eles dão origem à rutura que
poderá culminar em divórcio. Hoje já não temos de ir ao tribunal provar que houve violação dos deveres
conjugais. Sandra Passinhas: os deveres já estão a mais no CC, pois o legislador ficou num meio termo, uma
vez que remete para o sistema de rutura, mas mantém ainda os deveres do cônjuge, cuja violação dava lugar
ao divórcio. Nos países nórdicos, só se fala em plena comunhão de vida que origina rutura e depois divórcio.

O dever de assistência tem muita importância prática (depois de 2008). Hoje, os deveres dos cônjuges são
feridos de todas estas fragilidades, uma vez que eles acordam sobre a sua conformação, mas a sua violação
não gera uma sanção direta.

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Direito da Família e dos Menores
Mariana Melo

A dissolução da relação matrimonial: o divórcio e a morte


O divórcio e a separação de pessoas e bens são os dois remédios que o nosso direito oferece para as
situações de crise matrimonial que, pela sua gravidade, justificam uma modificação do regime normal do
casamento. Na separação esta modificação traduz-se num relaxamento ou afrouxamento da relação
matrimonial; no divórcio consiste numa inteira rutura da mesma relação, da qual os cônjuges ficam
desvinculados. Entende-se por divórcio, a dissolução do casamento decretada pelo tribunal ou pelo
conservador do registo civil, a requerimento de um dos cônjuges ou dos dois, nos termos autorizados por lei.

Em primeiro lugar, está sempre a separação de pessoas ou bens. Mas temos sempre de acautelar que,
em segundo lugar, está a extinção da relação matrimonial. Acontece que, para falarmos da modificação da
relação matrimonial e da separação de pessoas ou bens, vamos remeter-nos para o regime do divórcio; não
vamos dar esta matéria já, por razões de mera exposição. Falaremos primeiro da dissolução e depois da
extinção.

A evolução que agora se apresenta, mostra, quanto ao divórcio por mútuo consentimento, o
desaparecimento progressivo dos requisitos de maturidade que assentavam na idade dos cônjuges (25 anos)
e/ou na duração do casamento; os requisitos de convicção, que impunham um período de reflexão,
traduzido pela necessidade de renovar o pedido dentro de um certo prazo; e os requisitos de
responsabilidade, que obrigavam os cônjuges a atingir os acordos complementares sobre os alimentos, a
casa de morada e o destino dos filhos, sob pena de o pedido ser indeferido. Quanto ao divórcio litigioso ou
sem consentimento de um dos cônjuges, a evolução mostra a coexistência de uma via baseada na violação
culposa dos deveres conjugais ao lado de uma via assente na rutura objetiva do matrimónio.

O divórcio está regulado nos artigos 1772º e ss. O regime do divórcio foi objeto de uma reforma
fundamental em 2008, pela Lei nº 61/2008, de 31 de outubro, e vem alterar 2 regimes fundamentais no
direito da família: o divórcio e as responsabilidades parentais.

A Lei nº 61/2008, veio alterar profundamente o regime jurídico do divórcio em Portugal, ao colocar os
afetos no centro da relação matrimonial, e ao determinar a dissolução do vínculo quando os laços se
rompem e o casamento deixa de ser fonte de realização e satisfação dos cônjuges.

Com a Reforma de 2008, consagrou-se no nosso OJ o sistema de divórcio rutura, em que o fundamento
do divórcio é a falência da comunhão conjugal, e em que, na dissolução do casamento, se abstrai de
qualquer declaração de culpa, bem como das sanções patrimoniais acessórias. Num modelo puro de
divórcio-constatação da rutura do casamento, o divórcio é permitido onde quer que se verifique uma rutura
do casamento, admitindo a lei que o divórcio seja requerido por ambos os cônjuges ou só por um deles.

Para Guilherme de Oliveira, a relação conjugal torna-se uma “relação pura”, “baseada no compromisso
permanente e na gratificação renovada, que contém em si o acordo prévio sobre a sua dissolução”.

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Mariana Melo
Antes de 2008, havia vários tipos de divórcio:

 Divórcio remédio – era fundado em causas objetivas, ou seja, quando houvesse alteração das
faculdades mentais das partes. O divórcio pressupõe apenas uma situação de crise do matrimónio,
um estado de vida conjugal intolerável, e quer ser o remédio para um tal estado ou situação. Aqui
não havia culpa, ou havia ausência da outra parte ou ainda havia separação de facto – culminava
em divórcio.
 Divórcio sanção – o cônjuge vítima vinha pedir o divórcio contra o cônjuge culpado, o tal que violou
de forma grave ou reiterada os deveres conjugais. Pressupõe um ato ou procedimento culposo de
algum dos cônjuges. Esta é uma violação de tal modo grave que punha em causa a manutenção
das obrigações conjugais; este tipo de divórcio era muitas vezes aplicado porque era mesmo uma
sanção. No entanto, se o culpado quisesse o divórcio não o poderia pedir. Ele poderia fazer com
que o cônjuge vítima pedisse a rutura da relação matrimonial, mas não quereria a sanção, pois se
ele fosse declarado culpado (único ou principal culpado) iria sofrer sanções patrimoniais. O sistema
não é hoje aceite na lei.
 Divórcio como simples constatação da rutura do casamento - o direito português, depois de 2008,
consagra um sistema de divórcio-constatação da rutura do casamento, em que a causa do divórcio
é a própria rutura em si, independentemente das razões que a tenham determinado. No nosso
direito, admite-se um princípio geral de dissolução por divórcio com fundamento em rutura
definitiva da vida em comum, que pode ser indiciada pela verificação de qualquer facto (1781º/d).

Atendemos agora a um Acórdão: um casal do Porto esteve casado 30 anos dos quais apenas 2
estiveram juntos. Nesses 2 anos, o casal foi para a África do Sul. Durante este período o marido teve vários
problemas do foro financeiro, o que levou a mulher a voltar para Portugal. A esposa, vai tentar que ele viole
os deveres conjugais para que ele seja julgado em tribunal como único ou principal culpado.

Para Guilherme de Oliveira, este regime de divórcio era um rol do pior que tinha acontecido no
casamento – antes de 2008 – fazendo com que fosse uma litigiosidade brutal.

Como tal, o legislador procurou trazer um processo de divórcio limpo para a nossa ordem jurídica. As
pessoas já não têm que ir ao tribunal dizer que houve violação dos deveres conjugais; vamos agora ter um
sistema de rutura, podendo os cônjuges alegar que já não há plena comunhão de vida, uma vez que há
rutura de laços, não sendo o foco a violação dos deveres dos cônjuges. Se a violação dos deveres gera a
rutura, aqui o direito pode intervir com vista à declaração de divórcio.

Isto tem vantagens e desvantagens porque temos de provar a violação e a rutura; mas outras vezes
temos de provar menos, como p. ex., nas situações em que falam um para o outro sem respeito ou
educação, dando sinais de não haver afeto, sinais de que houve rutura dos laços matrimoniais, não sendo
necessário provar mais nada.

E se apenas um dos cônjuges deixou de gostar do outro, estando tudo o resto igual? Aqui um dos cônjuges
repudia o outro. Hoje já se chama “divórcio a pedido”. O Dr. Guilherme explica muito bem que o divórcio
tem de ser exigente, tem de mostrar que se romperam os laços; o juiz vai constatar que eles já não viviam
felizes casados um com o outro, ele não vai averiguar se já não gostavam, simplesmente, um do outro. Em
termos de prova, numa ação judicial, temos de efetivamente provar a rutura. Mas haverá rutura maior do
que a falta de amor?...

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Direito da Família e dos Menores
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Imaginemos um caso de um casamento que tenha sido uma miséria. A esposa hoje pede o divórcio
dizendo que há 6 meses que não vivem juntos, que cada um deles já vive com outra pessoa e que ela está
grávida do seu novo companheiro. Aqui há logo rutura, não podemos fazer mais nada; não vamos elencar
todas as coisas más que se passaram no casamento, esquecendo as boas.

! Agora já não há vítima, nem culpado. Imaginemos um senhor que é casado, e apaixonou-se por outra
pessoa que calha estar agora grávida. Portanto, o senhor pode pedir o divórcio, não havendo já o divórcio
sanção em que a vítima pedia o divórcio contra o cônjuge culpado, podendo o que cometeu adultério pedir
o divórcio.

Até 2008, a terceira pessoa era escondida, pois o cônjuge seria logo declarado culpado. Mas hoje já não,
hoje esta terceira pessoa até vai testemunhar.

! Temos um regime de divórcio muito desenvolvido, sabendo nós que, muitos ordenamentos jurídicos
estrangeiros, exigem uma idade mínima ou um período mínimo de duração do casamento, para que se possa
lançar mão à extinção do matrimónio por divórcio.

O divórcio pode revestir 2 modalidades:

 Divórcio por mútuo consentimento – se os dois querem o divórcio. É pedido por ambos os
cônjuges, de comum acordo e sem indicação da causa por que é pedido. O sistema legal português,
desde a Reforma de 1977, como forma de desdramatizar o divórcio, mostrou preferência pelo
divórcio por mútuo consentimento. É hoje de longe o mais frequente; além disso, a lei permite às
partes, em qualquer altura do processo de divórcio sem consentimento de um dos cônjuges,
convolar para o divórcio por mútuo consentimento, e obriga o juiz a procurar o acordo dos
cônjuges para o divórcio por mútuo consentimento no caso de a tentativa de conciliação em
processo de divórcio sem consentimento de um dos cônjuges não resultar.
Este pode ser (conforme é requerido e/ou decidido no tribunal ou na conservatória do registo
civil):
 Divórcio administrativo: Este não é frequente nas legislações, pelo menos na nossa matriz
cultural. O divórcio por mútuo consentimento pode ser pedido na conservatória do registo
civil. Aqui, requer-se a apresentação de alguns documentos. Os tribunais são competentes
quando os cônjuges estiverem de acordo acerca do divórcio, mas não conseguirem fazer
acordo sobre algum dos temas previstos no artigo 1775º, ou quando o acordo apresentado
não for considerado razoável e não puder ser homologado; o processo é apresentado no
tribunal, ou é enviado para o tribunal, respetivamente. O juiz decretará o divórcio por mútuo
consentimento, depois de ter determinado as consequências do divórcio que os cônjuges não
conseguiram combinar.
 Divórcio judicial: O divórcio pode ser pedido no tribunal. O tribunal sabe que os dois querem o
divórcio, não vai estar a averiguar o ou os motivos que levaram à rutura.

 Divórcio sem o consentimento de um dos cônjuges – acontece quando um dos cônjuges quer o
divórcio e o outro não. É pedido por um dos cônjuges contra o outro, e com fundamento em
determinada causa. Ao divórcio sem consentimento, antes de 2008, chamava-se divórcio litigioso.
Ele ainda é litigioso, pois há alguém que intenta uma ação contra outra pessoa, mas o legislador
quis afastar essa expressão.

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 Se os dois querem o divórcio, e estão de acordo quanto aos acordos, dirigem-se à conservatória e
pedem o divórcio administrativo.
 Quando os dois querem o divórcio, mas falha um ou mais do que um acordo, o divórcio tem de ser
pedido perante o tribunal. O tribunal vai aproveitar os acordos sobre os quais já havia acordo e tentar
chegar a acordo relativamente aos pontos em que não o havia; pode até decidir sobre tudo se não
houver acordo em todos os aspetos.
 Agora, se ambos os cônjuges querem o divórcio, é sempre por mútuo consentimento; antes não era.

1773º - o divórcio pode ser por mútuo consentimento ou sem consentimento de um dos cônjuges.

1773º/2 – o divórcio por mútuo consentimento pode ser requerido por ambos os cônjuges, de comum
acordo, na conservatória do registo civil, ou no tribunal se os cônjuges não alcançarem algum dos acordos
elencados no artigo 1775º.

1775º - encontramos o requerimento com vista ao divórcio administrativo: (a) rol dos bens comuns; (b)
responsabilidades parentais; (c) direito a alimentos; (d) casa de morada de família; (e) certidão da escritura
da convenção antenupcial - não falamos deste porque o conservador vai automaticamente ver se foi ou não
celebrada; (f) animais de companhia – novidade de 2017.

Temos de atentar nesta conceção material, pois se não houver um dos acordos, o conservador não
aceita o requerimento e teremos de ir para tribunal.

Características do direito ao divórcio

 É um direito potestativo, pois não se traduz no poder de exigir qualquer prestação ou comportamento
de outrem, mas no poder de produzir determinado efeito jurídico - a dissolução do vínculo matrimonial.
Não pode ser exercido por mero ato de vontade do titular, pois este ato de vontade carece de ser
integrado por posterior ato de uma autoridade pública, judicial ou administrativa. Por outro lado, pode
classificar-se como direito potestativo extintivo, pois o efeito jurídico que se destina a produzir não
consiste na constituição ou modificação, mas na extinção de uma relação jurídica.
 É um direito pessoal, pois é um direito relativo ao estado das pessoas, que a lei atribui exclusivamente
aos cônjuges ou a um deles. Uma primeira manifestação do carácter pessoal do direito ao divórcio é a
sua intransmissibilidade, quer inter vivos, quer mortis causa - há, porém, a ter em conta a doutrina do
artigo 1785º/3. Se os herdeiros do cônjuge titular do direito ao divórcio não podem intentar a ação e
esta não pode ser proposta contra os herdeiros do cônjuge falecido, o artigo 1785º/3, permite, porém,
que a ação seja continuada pelos herdeiros do autor ou contra os herdeiros do réu para efeitos
patrimoniais. Outra manifestação da ideia de que o direito ao divórcio é pessoal é que não é aqui
admitida em princípio a representação voluntária - só no caso de estarem ausentes do continente ou da
ilha onde corre o processo o autor e o réu podem fazer-se representar por mandatário com poderes
especiais na tentativa de conciliação em processo de divórcio litigioso (931º/1 CPC); do mesmo modo,
só quando estejam ausentes do continente ou da ilha em que tenha lugar a conferência em processo de
divórcio por mútuo consentimento, ou se encontrem impossibilitados de comparecer, podem os
cônjuges fazer-se representar por procurador com poderes especiais (995º/2 CPC). A representação
legal é, porém, admitida no artigo 1785º/1; estando interdito, o cônjuge ofendido pode ser
representado na ação de divórcio.

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Direito da Família e dos Menores
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 É um direito irrenunciável porque a lei quer que o cônjuge a quem pertença esse direito tenha, sempre,
a faculdade de decidir, com inteira liberdade e em face das circunstâncias atuais, sobre a oportunidade
do divórcio; a lei quer defender os cônjuges contra a sua precipitação, que poderia levá-los a renunciar
a exercer ou a exercer livremente o seu direito ao divórcio. A lei não se contradiz quando, por um lado,
proíbe renunciar ao divórcio e, por outro, admite expressamente nas ações de divórcio a possibilidade
de desistência do pedido (289º/2 CPC). São coisas diferentes, a renúncia e a desistência. Na primeira o
sujeito renuncia a um direito existente, a um direito que tem; ao passo que na segunda o sujeito
reconhece a improcedência da ação e, portanto, a inexistência do direito que fez valer, reconhece que
não tinha esse direito. Isto embora a desistência possa equivaler praticamente à renúncia. Esta solução
pode fundar-se no princípio geral do artigo 69º CC e ainda num argumento histórico: a circunstância de
ter sido eliminado no Projeto do Código de 1966 o artigo 4º do Anteprojeto Gomes da Silva-Pessoa
Jorge, onde se consagrava a solução da renunciabilidade, tão contrária à lição da doutrina tradicional.

Mediação Familiar: 1774º - é um artigo novo (2008) e é, sobretudo, importante nesta fase do divórcio por
vontade comum. A mediação familiar é fundamental. Esta não visa a reconciliação dos cônjuges, pois é
muito difícil que tal aconteça quando há um processo de divórcio a decorrer. O que temos de fazer é
“matar” o casal conjugal e dar lugar ao casal parental. Temos também de ter em atenção que é muito
importante que, os filhos dos cônjuges e, portanto, irmãos entre si, fiquem sempre juntos. Esta mediação
tem como finalidade a tentativa de iniciar conversações entre o casal, nomeadamente, conversações sobre
os filhos.

O legislador depara-se com um problema porque as pessoas não conhecem a mediação familiar. E,
depois, as partes têm de querê-la. O terceiro é aqui só um mediador, pois são as partes que vão resolver o
litígio entre si. Problema: o tribunal não sabe da existência do divórcio até haver uma petição inicial pelo CITIUS.

Este artigo é muito importante, sobretudo no divórcio por mútuo consentimento, porque o divórcio
sem consentimento era um divórcio com uma causa. O divórcio por mútuo consentimento, já seria um
divórcio que tinha uma causa, mas que não era conhecida. Acontece que, de facto, continuamos a não ter
uma causa, a não perguntar qual é a causa, mas pode nem haver uma causa.

Atualmente, não existe uma figura de tentativa de reconciliação, apenas de mediação.

Curso: talvez o divórcio por mútuo consentimento seja um divórcio sem causa e, como tal, deixamos que se
divorciem. Antes achava-se que este era um divórcio com causa escondida.

Nos termos do artigo 1793º, o divórcio pode ser por mútuo consentimento ou sem consentimento.

Divórcio por mútuo consentimento: administrativo e judicial

O divórcio por mútuo consentimento não é pedido por um dos cônjuges contra o outro, mas pelos dois,
de comum acordo, e os cônjuges não têm de revelar a causa ou as causas por que pretendem o divórcio. A
lei regula esta modalidade de divórcio nos artigos 1775º a 1778º-A e, nos seus aspetos processuais, quanto
ao divórcio judicial, nos artigos 931º e 932º CPC e, quanto ao divórcio administrativo, nos artigos 271º a
274º CRC.

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Mais que um divórcio sem causa (ou cuja causa seja pura e simplesmente o mútuo consentimento dos
cônjuges), o divórcio por mútuo consentimento é verdadeiramente um divórcio por causa não revelada, por
causa que a lei permite aos cônjuges manter secreta – é este o espírito do instituto. Este divórcio terá uma
causa, mas uma causa que os cônjuges “não têm de revelar”.

Na “Lei do Divórcio” de 1910, o divórcio por mútuo consentimento só podia ser decretado se os cônjuges
tivessem completado 25 anos de idade e fossem casados há mais de 2 anos.

A Reforma de 1977 eliminou o primeiro. Manteve, porém, a exigência de um prazo mínimo de duração
do casamento, aumentando até esse prazo de dois para três anos, uma exigência comum à generalidade
das legislações, justificada pela defesa dos cônjuges contra a sua leviandade ou precipitação, que poderia
levá-los a pedir o divórcio irrefletidamente, sob o impulso dos primeiros desentendimentos ou
dificuldades que lhes surgissem na sua vida matrimonial.

Não foi sensível a esta razão a Lei nº 47/98, 10 de agosto, que suprimiu pura e simplesmente a exigência
de um prazo mínimo de duração do casamento, permitindo aos cônjuges requerer o divórcio por mútuo
consentimento “a todo o tempo” e, portanto, mesmo imediatamente após a celebração do ato.

Este aspeto do regime foi mantido pela Lei nº 61/2008, de 31 de outubro.

De acordo com a Lei nº 61/2008, o acordo dos cônjuges para a dissolução do casamento é o único
pressuposto que subsiste para o divórcio por mútuo consentimento. A celebração de acordos
complementares – sobre alimentos, responsabilidades parentais e sobre o destino da casa de morada da
família – deixou de ser um verdadeiro pressuposto do divórcio. É certo que a necessidade de os cônjuges
deixarem resolvidos aqueles assuntos principais, continuou presente nesta lei. A diferença que se
introduziu está apenas no valor dos acordos: enquanto no regime anterior a falta de algum dos acordos
ou a não homologação de algum deles conduzia necessariamente ao indeferimento do pedido de
divórcio, na Lei nº 61/2008 estas circunstâncias justificam somente que o processo corra no tribunal,
para que seja o juiz a definir o regime que os cônjuges não conseguiram estabelecer entre si. Deste
modo, “salva-se” o acordo principal que diz respeito à própria dissolução do casamento; ou seja, o
casamento acabará por ser dissolvido por mútuo consentimento, embora corra no tribunal e algum
daqueles assuntos importantes seja regulado por decisão do juiz. O acordo sobre os temas mencionados
deixou de poder considerar-se um pressuposto do divórcio; pressuposto é o acordo sobre o próprio
divórcio.

No divórcio por mútuo consentimento nós verificamos que os dois cônjuges querem o divórcio e nós
não vamos perguntar porquê, respeitamos a vontade das partes. O divórcio por mútuo consentimento pode
ser administrativo – é requerido na conservatória do registo civil – ou pode ser judicial – quando é requerido
no tribunal. Não precisamos de fazer prova, temos é de decidir sobre a vida deles depois do divórcio.

Divórcio Administrativo

O processo de divórcio por mútuo consentimento está regulado no artigo 14º do DL nº 272/2001, de 13
de outubro, entre os procedimentos de competência exclusiva do conservador. O processo só é judicial nos
casos em que os cônjuges não apresentam algum dos acordos a que se refere o artigo 1775º/1, em que
algum dos acordos apresentados não é homologado ou nos casos resultantes de acordo obtido no âmbito de
processo de divórcio sem consentimento do outro cônjuge (12º/1/b) DL nº 272/2001).

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O processo pode ser instaurado em qualquer conservatória do registo civil mediante requerimento
assinado por ambos os cônjuges (271º CRC + 12º/2 e 14º/1 DL nº 272/2001); o pedido é instruído com os
documentos mencionados no artigo 272º/1 CRC e ainda com o acordo sobre o exercício das
responsabilidades parentais se houver filhos menores e esse exercício não estiver já regulado judicialmente
(14º/2 DL nº 272/2001).

 Requerimento de divórcio, em que os 2 decretam que querem o divórcio; têm de se dirigir os dois à
conservatória;
 Este requerimento tem de ser instruído com 4 acordos:

1. Acordo sobre a prestação de alimentos ao cônjuge que deles careça – é muito importante. Não estão
aqui em causa os alimentos ao filho. Estão regulados no artigo 2016º e ss. – não quer isto dizer que os
cônjuges regulem de forma diferente do que está na lei, esta é só uma indicação. Este acordo tem de
ser assinado, mesmo que prescindam do direito a alimentos.

2. Acordo sobre o destino da casa de morada de família – têm que decidir qual é o destino da casa de
morada de família – está regulada nos artigos 1105º e 1793º. Este acordo tem de ser assinado, mesmo
que não haja casa de morada de família.

3. Acordo sobre o destino dos animais de companhia – esta é uma norma nova (2017), mas vamos fazer
uma ligação com o artigo 1733º que é uma norma do regime da comunhão geral de bens. Mesmo no
regime da comunhão geral de bens, há bens que são incomunicáveis, ou seja, são sempre próprios, p.
ex., a roupa e acessórios. O legislador acrescentou a alínea h) neste artigo, que diz que os animais de
companhia que o cônjuge já tenha no momento da celebração do casamento, são um bem próprio e
são um bem incomunicável. O que é curioso porque criamos o estatuto dos animais e estamos, na
mesma, a “coisificá-los”.

4. Acordo sobre o exercício das responsabilidades parentais – quando existam filhos menores. Regulado
nos artigos 1905º e ss.

Nota: O acordo relativo à partilha, previsto na alínea a), não tem de ser entregue, não é exigido para o casal
se poder divorciar pela via administrativa. No entanto, poderão apresentá-lo, se assim o entenderem.

Todas estas matérias estão reguladas na lei, portanto, se os cônjuges não chegarem a acordo, o juiz vai
decidir. Mas há regulamentação que vai servir de base para haver negociação.
Quando o conservador recebe o requerimento e os acordos em papel, sendo tudo isto muito formal, ele
marca uma data em que vai reunir com os cônjuges para verificar se eles querem mesmo o divórcio e para
verificar os acordos. É o conservador que vai verificar os acordos (à parte do acordo das responsabilidades
parentais). Ele vai homologar os acordos e decreta o divórcio. Este divórcio tem exatamente os mesmos
efeitos do divórcio decretado pelo juiz.
Imaginemos, p. ex., que o conservador ao verificar os acordos acha que não estão bem. Ele vai, então,
convidar os cônjuges a alterar os acordos – o conservador tem o dever de convidar à alteração.

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Depois temos duas hipóteses:
 Os cônjuges alteram o(s) acordo(s) - o conservador decreta o divórcio.
 Os cônjuges não alteram o(s) acordo(s) - o processo de divórcio é remetido para o tribunal.
Remessa para o tribunal – 1778º. Se os cônjuges não alterarem, o conservador não homologa os
acordos e, portanto, não pode haver acordo; há remessa para o tribunal. Temos um divórcio por
mútuo consentimento, mas agora judicial. Todo o processo que está na conservatória é remetido
para o tribunal, não sendo as partes que enviam, mas sim o conservador, uma vez que o elemento
essencial já existe - a vontade de divórcio.

Quanto ao acordo sobre as responsabilidades parentais dos menores quem tem competência para o
apreciar (e direito de proteger e tutelar os menores) é o MP e não o conservador. Portanto, este acordo é
enviado oficiosamente pelo conservador ao MP e este é que vai homologá-lo.
Então, é o MP que vai verificar se este é ou não o melhor acordo para as crianças. Se considerar que não
cumpre o melhor interesse da criança, convida os pais a alterar o acordo. Se alteram, o MP homologa o
acordo. Mas se não alterarem não há homologação, e vamos recorrer à remessa para o tribunal, pois falta
um acordo.

Agora vamos apreciar algumas questões práticas que aqui se colocam:


1. Somos advogados e temos um casal que se quer divorciar. Este casal tem 2 filhos. Vamos aconselhar
sobre estes temas todos e vamos requerer o pedido de divórcio na conservatória. Mas, sabemos que
temos de esperar que a conservatória decida e que envie o processo para o tribunal. Então, qualquer
advogado pensa que é muito mais fácil e prático, dirigir-se primeiramente ao tribunal, em vez de ir à
conservatória e ainda esperar que a conservatória cumpra com as suas diligências. Em termos
meramente práticos, é mais rápido e fácil ir ao tribunal pedir a regulação das responsabilidades
parentais, entregando, ou a certidão da sentença que regulou as responsabilidades parentais, ou a
certidão da homologação do acordo das responsabilidades parentais.
2. O procurador é que decide e, portanto, se o procurador homologa o acordo, o conservador não pode
mexer no acordo. O conservador só pode confirmar que este existe.
3. Imaginemos que somos procuradores do MP e recebemos um acordo. A e B divorciam-se. Este é apenas
um acordo, um papel, e não conhecemos nem os pais nem as crianças, sendo muito difícil tomar uma
decisão. Então, o que podemos fazer é chamar ou ouvir as crianças, ou chamar os pais da criança. Não
apenas assinar por baixo, fazendo um controlo efetivo sobre o acordo das responsabilidades parentais,
embora os conservadores tenham o cuidado de enviar todo o processo para o MP. O que acontece é que
os procuradores, quando o processo chega ao tribunal, começam a chamar as famílias para averiguar o
acordo. Por um lado, isto ainda justifica mais que nos dirijamos em primeiro lugar ao tribunal, em vez de
passarmos pelo conservador. Achávamos nós que já não se entregavam acordos no conservador,
quando a Dr. Sandra foi surpreendida. Os pais querem entregar os acordos na conservatória para evitar
que filhos tenham de ir ao tribunal, como forma de os proteger. Agora estamos neste impasse. Sandra
Passinhas, diz que é uma violência levar crianças a tribunal e que só deve acontecer quando haja
circunstâncias forçosas para tal.

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Direito da Família e dos Menores
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Normas:
 1775º - tem que ver com o requerimento e a instrução do requerimento.
 1776º - procedimento e decisão na conservatória do registo civil.
 1776º/3 – se tivermos, p. ex., um acordo de alimentos a cônjuge e se este for homologado pelo
conservador, tem os mesmos efeitos que teria se tivesse antes sido homologado pelo MP. Se for preciso
alterar o acordo, a conservatória tem sempre capacidade para alterar os acordos, desde que haja
mútuo consentimento. Estes acordos nunca transitam em julgado. Se se alterarem as circunstâncias,
alteram-se os acordos - isto em alterações de facto.
 1776º -A – trata do estatuto especial do acordo sobre o exercício das responsabilidades parentais.
 Só seguirão pelo caminho do divórcio judicial, quando os dois querem o divórcio, mas não estão de
acordo quanto a um destes acordos complementares. Ou, então, até houve consenso, mas não houve
homologação, tomando, a remessa para o tribunal, lugar.
 1778º-A – divórcio por mútuo consentimento judicial. Estas normas são novas porque este divórcio não
existia antes de 2008.

O que é que acontece neste divórcio? O juiz vai decidir sobre as matérias relativamente às quais as partes não
estejam de acordo. Até poderá fazê-lo em relação àquelas em que os cônjuges estejam de acordo, mas em
princípio não o fará. Ele decidirá quando o acordo possa influir sobre a casa de morada de família, em que
haja acordo e, mas não tenha sido homologado. O juiz tem sempre o máximo respeito pelos acordos, uma
vez que o acordo é uma máxima importante na família.

Conclusão:

 Não há filhos menores ou, havendo-os, o exercício das responsabilidades parentais já está a ser
judicialmente regulado (p. ex., numa situação anterior de separação de facto): o conservador deve
convocar os cônjuges para uma conferência em que informa os cônjuges da existência de serviços de
mediação familiar.
Se houver conciliação ou desistência, o conservador fará consignar em ata a desistência e homologá-la
(996º/1 CPC e 14º/8 DL nº 272/2001), não havendo divórcio.
Se os cônjuges mantiverem o propósito de se divorciar, deve verificar se estão preenchidos os
“pressupostos legais” do divórcio (12º/5 e 14º/3 DL nº 272/2001).
Nos termos do artigo 1776º/1, o conservador deve homologar na conferência os acordos destinados a
valer na pendência do processo, podendo alterá-los, ouvidos os cônjuges, se o interesse dos filhos o
exigir; e apreciar os acordos que valerão depois de decretado o divórcio, convidando os cônjuges a
alterá-los se os acordos não acautelarem suficientemente os interesses de algum deles ou dos filhos. Se
os cônjuges não alterarem os acordos ou, mesmo depois das alterações, os interesses de um dos
cônjuges ou dos filhos não tiverem ficado suficientemente acautelados, o conservador recusa a
homologação dos acordos e remete o processo para o tribunal competente (1778º). Se as alterações
introduzidas nos acordos já acautelam esses interesses, homologa os acordos e decreta o divórcio,
procedendo-se ao respetivo registo por averbamento aos assentos de nascimento dos cônjuges e ao
assento de casamento (69º/1/a) e 70º/1/b) CRC).

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 Há filhos menores e o exercício das responsabilidades parentais ainda não estar judicialmente regulado:
hipótese em que o artigo 14º/2 DL nº 272/2001 manda acrescentar aos documentos referidos o acordo
dos cônjuges sobre o exercício das responsabilidades parentais.
Neste caso, antes de marcar dia para a conferência, deve o conservador enviar o processo de divórcio
ao MP (único que tem capacidade para proteger o melhor interesse da criança) junto da secção de
competência especializada do tribunal de comarca, para que o MP se pronuncie, no prazo de 30 dias,
sobre o acordo dos cônjuges acerca do exercício das responsabilidades parentais (14º/4 daquele DL e
artigo 1776º-A/1).
Se o MP entender que o acordo não acautela suficientemente os interesses dos menores e que lhe
devem ser feitas determinadas alterações, o processo baixa à conservatória e o conservador notifica os
cônjuges de que no prazo de 10 dias (19º do DL e 149º/1 CPC) devem alterar o acordo em
conformidade ou apresentar outro acordo, do qual é dada nova vista ao MP para que sobre ele se
pronuncie, igualmente no prazo de 30 dias (14º/5, e 1776º-A/2).
Se o MP puser o visto no acordo inicial, ou entender que o acordo alterado nos termos por ele
indicados, ou o novo acordo, já acautela devidamente os interesses dos menores, o conservador marca
dia para a conferência em que informa os cônjuges da existência dos serviços de mediação familiar;
verificando que estão preenchidos os outros “pressupostos legais” do divórcio, designadamente que os
acordos dos requerentes acautelam suficientemente os interesses dos cônjuges e dos filhos, decreta o
divórcio e ordena o averbamento da decisão aos assentos de nascimento e ao assento de casamento
(14º/3/6 e 1776º-A/3).
Se os cônjuges não alterarem o acordo nos termos indicados pelo MP e mantiverem o propósito de se
divorciar, o conservador deve remeter o processo à secção de competência especializada do tribunal da
comarca a que pertença a conservatória (14º/7 e 1776º-A/4). A Lei nº 61/2008 pretendeu, nestes casos,
que o divórcio não deixasse de ser baseado no mútuo consentimento, ainda que eles não soubessem ou
não pudessem apresentar acordos dignos de homologação. Assim, o tribunal vai promover os acordos,
ou decidir as questões em que os cônjuges deviam ter obtido acordos, como se se tratasse de um
divórcio sem consentimento de um dos cônjuges (1778º e 1778º-A).

Nota: o MP é o último responsável e representante dos menores.

Divórcio judicial

O divórcio por mútuo consentimento reveste caráter judicial quando, em processo de divórcio sem
consentimento de um dos cônjuges, estes acordarem em se divorciar por mútuo consentimento,
correspondendo a iniciativa do juiz nesse sentido ou por iniciativa própria (1779º/2 e 931º/2/3 CPC). Ao
divórcio litigioso convertido em divórcio por mútuo consentimento são aplicáveis os artigos 1775º a 1778º-A
e os artigos 994º a 999º CPC.

Em qualquer via para o divórcio, os cônjuges devem ser informados sobre a existência de serviços de
mediação familiar (1774º).

Pretendendo favorecer o divórcio por mútuo consentimento, que julgou preferível ao divórcio litigioso,
a lei permitiu, em qualquer altura do processo, a conversão do divórcio litigioso em divórcio por mútuo
consentimento.

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Direito da Família e dos Menores
Mariana Melo
Em primeiro lugar, quando os cônjuges apresentarem o requerimento de divórcio na conservatória do
registo civil, acompanhado dos acordos necessários, pode acontecer que o conservador, ou o MP no que se
refere às responsabilidades parentais, não aceite o acordo feito pelos cônjuges, faça um convite à alteração,
mas os cônjuges não correspondam; se assim for, o processo deve ser remetido para o tribunal (1778º) para
que seja o juiz a decidir as questões em que os cônjuges não obtiveram um acordo digno de homologação. A
lei manda fazer “as necessárias adaptações”, para que se aproveitem os atos que já foram praticados na
conservatória do registo civil. Neste caso, portanto, o divórcio será decretado por mútuo consentimento,
mas no tribunal.

Em segundo lugar, quando os cônjuges querem divorciar-se por mútuo consentimento, mas, desde o
início, não conseguirem assinar um ou vários dos acordos necessários, o requerimento assinado por ambos,
que dará inicio ao processo, deve entrar logo no tribunal, e não na conservatória do registo civil (1788º-A). O
divórcio será decretado por mútuo consentimento e o processo correrá integralmente no tribunal.

Divórcio por mútuo consentimento:

Administrativo – 1775º e ss

Judicial:

 Pedido no tribunal – 1778º-A


 Remetido para o tribunal – 1778º
 Quando resultar de conversão – 1779º

1778º-A

Divórcio sem consentimento do outro cônjuge: a rutura como fundamento

Este é o antigo divórcio litigioso. Neste divórcio também há um litígio porque uma das partes não quer o
divórcio, portanto é um divórcio proposto por uma das partes contra a outra.

Como tal, desde 2008, nós temos um sistema de divórcio rutura, o que significa que o pedido de uma
das partes contra a outra é feito com fundamento em determinada causa. Temos de provar que há uma
rutura inequívoca do casamento. Isto significa que o divórcio pode ser pedido por qualquer um dos cônjuges,
mesmo por aquele que viola os deveres conjugais. Antigamente, era apenas pedido pelo cônjuge vitima.

Nisto se distingue do divórcio por mútuo consentimento, que é pedido pelos dois cônjuges e sem
indicação da causa por que é pedido. Outra diferença é que o divórcio por mútuo consentimento pode ser
judicial ou administrativo, enquanto o divórcio “litigioso” é sempre judicial.

A Lei nº 61/2008 usou a designação de “divórcio sem consentimento de um dos cônjuges”, que o Curso
adota com o propósito de acompanhar a tendência para a “desdramatização” do divórcio, embora, por um
lado, não se tenha corrigido o título sobre esta matéria no código civil e, por outro lado, o divórcio sem
consentimento de um dos cônjuges seja, realmente, um divórcio litigioso.

Causas do Divórcio

O divórcio sem consentimento é um divórcio com causa, o que quer dizer que um dos cônjuges só pode
pedir o divórcio contra o outro desde que alegue e prove uma circunstância que seja fundamento para o
divórcio. Ou seja, a porta do divórcio sem consentimento de um dos cônjuges está fechada, em regra, e só se
abre quando haja uma causa ou um fundamento para isso.

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Direito da Família e dos Menores
Mariana Melo
O direito português, depois de 2008, segue o critério da cláusula geral (critério preferencial) – 1781º/d)
– e o princípio da tipicidade – 1781º/a)/b)/c). A “rutura definitiva da vida em comum” é o fundamento do
divórcio, que pode ser revelado através de “quaisquer factos – o que mostra uma verdadeira cláusula geral
onde cabem todos os factos relevantes”.

Os fundamentos do divórcio sem consentimento estão no artigo 1781º - esta norma tem como epígrafe
a rutura do casamento.

Alínea d) – Não queremos saber quem é culpado, e esta é a ideia base que precisamos, pois, o fundamento
do divórcio é a rutura do casamento. Tem que ser uma rutura forte, em que pelo menos um deles já não
veja no outro um cônjuge, um companheiro de vida, pois o casamento é feito da vontade dos 2 e, por isso,
se não há vontade de um, não há casamento.

! O divórcio é uma constatação da rutura. Ela já tem de existir; não é o juiz que vai romper os laços. Ele
só vai constatar. Também não há limite temporal para requerer divórcio (antes era de 1 ano) – não temos de
estabelecer um prazo, porque há rutura. P. ex., alguém que diga que o seu marido a traiu há 5 anos,
admitindo que posteriormente se reconciliaram. Agora vem dizer que nunca ultrapassou esse incidente
ocorrido há 5 anos. Nós só vamos considerar que houve rutura agora porque foi o momento em que os
deveres conjugais perderam a sua força.

Em síntese, os deveres conjugais servem, havendo violação deles, como indício da rutura. No entanto,
não basta para que haja divórcio. Porque se há, p. ex., uma traição, isto implica rutura do casamento. A
violação dos deveres é indício de rutura, mas não estabelece logo o divórcio. Ora, até se pode dar o caso, em
que os cônjuges se entendem e ultrapassam esta dificuldade. Então, e por isso mesmo, não podemos dizer
que apenas houve violação dos deveres conjugais; tem de haver rutura efetiva e definitiva do casamento.

Acórdão: aconteceu no Porto, um marido que se dirigiu à sua mulher e disse: “cala-te e vai para o
caralho!”. No rigor do divórcio sanção, havia um divórcio porque havia uma violação do dever de respeito,
mas podia não ser uma violação grave ou reiterada. Temos de atender às conceções sociais que rodeiam os
cônjuges.

! O comportamento processual das partes – imaginemos que esta senhora pede o divórcio, o que significa
que aquilo que o marido lhe disse a ofendeu muito. Então, este comportamento processual da senhora
contribui para a verificação da existência de rutura, porque de facto aquela violação do dever conjugal foi
grave, levando a que esta tivesse requerido o divórcio. Se fosse normal o marido dirigir-se a ela naqueles
termos, ela poderia não requerer o divórcio.

Ou seja, são indícios de rutura, para além da violação grave de deveres conjugais, a cessação da
coabitação, a presença de novos parceiros e o comportamento processual das partes. Todavia, desde 2008,
tornou-se particularmente relevante o comportamento processual das partes, enquanto elemento
interpretativo do impacto dos factos invocados pelo cônjuge. P. ex., aquele acórdão que concluiu pela rutura
manifesta do casamento, pois o réu no decurso e no desfecho do processo manifestou “total
alheamento/desinteresse”.

Acórdão: aconteceu em Lisboa, um caso em que a mulher requer o divórcio alegando que o marido
tinha ido ao seu trabalho e lhe bateu. A verdade é que ninguém viu este ato de violência, não havia
testemunhas. Como tal, não sabemos que o tribunal não foi simulado, porque ninguém testemunhou o
incidente.

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Direito da Família e dos Menores
Mariana Melo
Sandra Passinhas considera que as alíneas a), b) e c) não são fundamentos. Estas 3 alíneas têm uma
história no nosso direito, porque ao lado do divórcio sanção, tínhamos o divórcio por causas objetivas, que
eram estas. O juiz não ia averiguar quais eram os deveres que tinham sido violados, mas, ainda assim, no
caso de haver separação de facto, era apontado um cônjuge como culpado. Mesmo nas causas objetivas
havia declaração de culpado, uma que se um deles saísse de casa, era declarado culpado.

P. ex., A, tinha uma relação com C. Este era casado com B que teimava em não lhe dar o divórcio. A,
teria de esperar 6 anos para que se pudesse divorciar. Foi com isto que o legislador quis acabar. Agora, para
todas as alíneas, há um requisito de 1 ano.

Ora, então qual é a diferença entre a alínea d) e as restantes?

Propriedade e Personalidade, Sandra Passinhas.

A causa de divórcio sem consentimento é hoje a rutura do casamento, como está explanado no artigo
1781º, quer na epígrafe do artigo, quer na cláusula geral da alínea d), onde se referem quaisquer outros
factos que, independentemente da culpa dos cônjuges, mostrem a rutura definitiva do casamento. Também
nos casos das outras alíneas, a causa do divórcio é a rutura da vida em comum; o legislador ao demarcar
estas situações, está a conferir-lhes um regime específico. Deve o julgador presumir que, sempre que se
verifiquem estas situações, existe rutura do casamento.

Em todas as situações que cabem na alínea d), o requerente tem de provar a existência de rutura
definitiva do casamento, alegar e provar os factos que demonstrarão ao tribunal que aquele casamento,
como projeto de vida, falhou definitivamente, que se romperam objetivamente os laços afetivos entre os
cônjuges. Ou seja, que aquele casamento, objetivamente, não é mais fonte de felicidade conjugal.

Guilherme de Oliveira ensina-nos que a prova deve ser exigente, ou seja, “devem ser factos objetivos
capazes de convencer o tribunal de que os laços matrimoniais se romperam e se romperam
definitivamente”, pois a utilização desta cláusula geral, “não deve permitir a relevância de factos banais e
esporádicos”.

O Tribunal deve identificar as razões da rutura, avaliar o estado da relação matrimonial e, se nesse
sentido o entender, decretar o divórcio.

Mais do que perguntar se um dos cônjuges não quer o divórcio, o Tribunal deve valorar se há um que o
quer. O casamento faz-se a dois, e se um deles não quer continuar casado, este é um indício forte de rutura.

Então e se um casal estiver separado há 5 meses? Aqui poderá haver declaração de divórcio por haver
um facto que mostra a rutura definitiva do casamento. Temos, p. ex., de dizer que vivemos com outra
pessoa e que já há uma gravidez. Aqui aplica-se a alínea d), pois temos de provar ao juiz que houve rutura do
casamento. Podemos, então, dizer que a prova é mais exigente.

Separação de facto

Só se pode propor a ação, com este fundamento, ao fim de um ano consecutivo, que se tem de verificar
no momento em que se propõe a ação.

A lei diz o que é a separação de facto, que não é a separação de pessoas e bens. Temos de ter este
conceito muito presente, pois é este deixar de estar juntos que é um facto – 1782º - constituído pelo
elemento objetivo - a não existência de comunhão de vida entre os cônjuges - e o elemento subjetivo - que
não exista da parte de um ou de ambos os cônjuges, o propósito de restabelecer essa comunhão de vida.

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Direito da Família e dos Menores
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P. ex., um casal que acaba de tirar o curso. Estão muito apaixonados e casam. Um deles continuou a
estudar noutro país, enquanto o outro ficou em Portugal. Aqui não há separação de facto, pois há um
propósito de restabelecer a comunhão de vida. A separação de facto que nos interessa não se compadece
com reconciliações.

É claro que quando falamos em comunhão de vida, pensamos que deixam de viver juntos, ou seja, que
cessa a coabitação. E isto é o normal na separação de facto. Mas tal nem sempre acontece; muito menos
depois de 2008, com a crise, em que as pessoas não tinham possibilidade de mudar de habitação. Portanto,
muitas vezes a conservatória decidia que a casa de morada de família era atribuída aos dois. Ora, aqui o mais
difícil será provar que há separação de facto quando os dois continuam a viver na mesma habitação.

Nota: os separados não têm de viver em casas separadas para haver separação de facto.

Portanto, o divórcio sem consentimento tem fundamento na rutura, sempre. Depois averiguaremos se
é preciso provar que houve rutura ou se o legislador a presume.

1782º  1781º/a)

Legitimidade: qualquer um dos cônjuges pode requerer o divórcio – 1785º. Se o cônjuge que intentou a ação
morrer, entretanto, podem os herdeiros prosseguir na ação, mas não a podem intentar.

Prazo: não há prazo para intentar a ação de divórcio, só tem de haver rutura.

1779º - tem que ver com a tentativa de conciliação. No divórcio sem consentimento, o juiz tenta conciliar os
cônjuges, como forma de averiguar, também, se se trata de uma decisão resultante de desentendimentos
recentes ou se há mesmo decisão definitiva de divórcio. Mas, muitas vezes não consegue, e o que tenta é
que o divórcio sem consentimento se torne um divórcio por mútuo consentimento – isto acontece muitas
vezes. Só não haverá conversão, ou quando há interesses patrimoniais em jogo, ou então quando as pessoas
pretendem obter uma sentença para poder dizer aos filhos, p. ex., “foi o teu pai que se quis divorciar de
mim, de NÓS”.

! Não há conferência para haver conciliação, mas sim para haver conversão de divórcio sem consentimento
em divórcio por mútuo consentimento.

Alteração das faculdades mentais

O divórcio pode ser pedido com fundamento em alteração das faculdades mentais mesmo que o
doente não tenha sido hospitalizado e não haja, portanto, sequer uma separação de facto entre os cônjuges.

Os cônjuges devem-se socorro e auxílio mútuos (1674º) e unem as suas vidas “para a felicidade e para a
provação”. A verdade, porém, é que a alteração das faculdades mentais, quando seja grave, destrói a plena
comunhão de vida que é a essência do casamento (1577º), uma comunhão de vida, não apenas física, mas
também intelectual e afetiva. A continuação de uma vida em comum tão gravemente limitada representaria
para o outro cônjuge um sacrifício inexigível.

Ausência sem notícias

Pode o cônjuge do ausente, decorrido um ano sobre a data das últimas notícias, pedir o divórcio e
passar a segundas núpcias se o desejar. Se esta causa do divórcio não fosse admitida, poderia pedir o
divórcio com base em separação de facto, provando a existência do elemento subjetivo.

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Efeitos do Divórcio. Cessação das relações pessoais e patrimoniais.

Efeitos da dissolução do casamento, por divórcio: (1) Cessação das relações pessoais e patrimoniais; (2)
Partilha; (3) Destino da casa de morada da família; (4) Termo das ilegitimidades conjugais; (5) Perda de
direitos sucessórios; (6) Perda de benefícios; (7) Obrigação de alimentos; (8) Obrigação de indemnizar
(reparação de danos); (9) Regulação das responsabilidades parentais caso haja filhos menores; (10) Efeitos
em relação a terceiros; (11) Crédito Compensatório.

Podemos dizer, desde logo, que se alterou o facto de a ausência de declaração de culpa implicar a
extinção das sanções patrimoniais acessórias. Estabeleceu-se ainda um regime específico para o crédito
compensatório ao cônjuge que contribuiu de forma excessiva para os encargos da vida familiar.

O divórcio dissolve o casamento: extingue a relação matrimonial e faz cessar, para o futuro (ex nunc), os
efeitos da relação, mantendo-se, porém, os efeitos já produzidos. Mas o casamento deixa de produzir
efeitos. Extinguem-se os deveres conjugais. Extingue-se também a obrigação de contribuir para os respetivos
encargos; mas pode manter-se a obrigação de prestar alimentos.

Quanto ao nome, o cônjuge que tenha adotado apelidos do outro perde, em princípio, o direito de os
usar, mas pode conservá-los se o ex-cônjuge o consentir. Quanto à nacionalidade adquirida, o estrangeiro
que tenha adquirido pelo casamento a nacionalidade portuguesa e, depois do divórcio, não queira
conservá-la pode perdê-la se fizer a declaração prevista no artigo 8º da Lei da Nacionalidade.

Os divorciados podem casar de novo, quando decorrido o prazo internupcial, pois cessa o impedimento
do artigo 1601º/c) - diferença prática mais relevante com separação de pessoas e bens.

1788º - o divórcio “dissolve o casamento e tem juridicamente os mesmos efeitos da dissolução por
morte”. Apesar de algumas exceções consagradas pela lei, p. ex.:

 Enquanto o cônjuge sobrevivo é herdeiro legítimo e legitimário do falecido, ocupando até o 1º lugar na
hierarquia dos sucessíveis (2133º/1/a) e 2157º), o divórcio faz perder a qualquer dos ex-cônjuges o
direito de suceder por morte do outro, tanto na sucessão legítima e legitimária como na sucessão
testamentária.
 Quanto ao destino da casa de morada da família, são também distintas as regras que se aplicam à
dissolução por divórcio (1105º e 1793º) e à dissolução por morte (1106º e 2103º-A).
 Quanto à obrigação de alimentos, a dissolução por divórcio (2016º) e a dissolução por morte (2018º)
estão sujeitas a regime diverso.
 São diferentes os termos em que as leis da segurança social regulam a pensão de sobrevivência e o
subsídio por morte dos viúvos e dos divorciados, tanto no regime de proteção social da função pública
como no regime geral da segurança social a própria lei permite aos esposados dar efeitos diferentes às
duas formas de dissolução do casamento.

Há duas normas gerais muito importantes:


 1688º - é uma norma geral que nos diz que com a dissolução do casamento, cessam as relações
pessoais e patrimoniais entre os cônjuges.
 1689º - cessando as relações patrimoniais, vamos então proceder à partilha.

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Data em que se produzem os efeitos do divórcio

Os efeitos do divórcio produzem-se, em regra, a partir do trânsito em julgado da sentença (1789º/1, 1ª


parte). Mas quanto aos efeitos patrimoniais entre cônjuges, e não pessoais, estes retrotraem-se à data da
propositura da ação (1789º/1, 2ª parte).

 Se um dos cônjuges contrai segundo casamento entre a data da propositura da ação e a data em que
transitou em julgado a sentença de divórcio, não deixa o casamento de ser anulável por impedimento
de vínculo matrimonial anterior não dissolvido.
 Mas se, sendo os cônjuges casados no regime da comunhão geral, um deles recebe uma herança na
pendência da ação de divórcio, os bens deixados não se comunicam ao outro cônjuge, pois o cônjuge
herdeiro, graças ao princípio de retroatividade do artigo 1789º/1, 2ª parte, e se o divórcio vier a ser
decretado, é havido como divorciado, para este efeito, a partir da data da propositura da ação.

Todavia, o nº2 estabelece um momento diferente: se a separação de facto estiver provada no processo,
qualquer deles pode requerer que os efeitos do divórcio retroajam à data em que começou a separação de
facto. Ou seja, se a coabitação entre os cônjuges tiver cessado antes da propositura da ação e a falta de
coabitação estiver provada no processo, pode qualquer dos cônjuges requerer que a sentença fixe a data em
que a coabitação cessou, retrotraindo-se os efeitos patrimoniais do divórcio a essa data.

 1º: um dos cônjuges tem de o requerer, não podendo o tribunal fazer isto oficiosamente (Princípio do
pedido). O cônjuge tem de requerer que os efeitos retroajam à data da separação de facto. Isto é
importante, pois um cônjuge pode contrair dívidas, p. ex.
 2º: a lei diz “no processo” dando-nos um indício fundamental: só pode acontecer num divórcio sem
consentimento de um dos cônjuges. Então, num divórcio por mútuo consentimento, não é possível. Só
no divórcio sem consentimento se faz a prova de haver ou não separação de facto! E isto é fundamental
para os cônjuges não quererem a conversão do divórcio sem consentimento em divórcio por mútuo
consentimento!

Nota: O advogado tem de requerer, senão o juiz não decide, e isto pode ser um obstáculo.
P. ex., Suponhamos que a mulher, casada em comunhão de adquiridos, pede o divórcio contra o marido com
fundamento no artigo 1781º/a); o tribunal tem de apurar se a separação de facto já dura há um ano consecutivo, mas a
mulher pode provar que já dura há muito mais tempo e pedir ao tribunal que fixe a data em que cessou a coabitação,
para que sejam considerados próprios dela e não entrem na partilha os bens que tenha adquirido a título oneroso
depois da data do termo da coabitação, por se considerar divorciada, para efeitos patrimoniais, desde essa data.

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Termo da comunhão. Partilha

Só temos partilha quando existe património comum.


Quando falamos em partilha, temos de ter em consideração as massas patrimoniais:
1. Massa patrimonial comum, a massa do casal – aqui procede-se à liquidação do património comum
2. Massas patrimoniais próprias

Isto só não acontece assim no regime de separação de bens, pois não existe partilha, não há bens
comuns. Podem existir bens em compropriedade (compraram casa juntos, são comproprietários; não é uma
casa tida em comunhão).

Imaginemos que estamos no regime de comunhão de adquiridos – o que é a massa patrimonial comum?
Os bens adquiridos onerosamente na constância do matrimónio. E o que é a massa patrimonial própria? Os
bens adquiridos antes da celebração do casamento. Imaginemos que ambos, antes de casarem, tinham um
carro: o carro é um bem próprio de cada um. São também próprios os bens adquiridos na constância do
matrimónio, mas gratuitamente (doação).

E no regime de comunhão geral de bens, o que é a massa patrimonial comum? Todos os bens,
adquiridos antes ou depois do casamento, onerosa ou gratuitamente, com exceção dos que constam dos
artigos 1733º (bens incomunicáveis, como os direitos de autor, p. ex.).

A partilha só existe quando haja regime de comunhão. Não quer dizer que seja um dos regimes
tipificados na lei. Mas, havendo comunhão, há sempre partilha.
Temos de ter em consideração dois aspetos: (1) Quando casamos no regime de separação de bens, não há
partilha e (2) Na comunhão conjugal há uma massa patrimonial.

O legislador não exige a partilha para o divórcio. Não é necessário acordo sobre partilha, mas ele pode
existir. Em muitos casos é muito razoável não se divorciarem sem antes acordar sobre a partilha (por vezes,
as partilhas podem prolongar-se por muitos anos nos tribunais). Embora, noutras situações, os próprios
cônjuges não queiram fazer partilha, porque a casa é dos dois, p. ex., e a mãe vai lá ficar com os filhos, e
então a casa não se pode vender.

É certo que, quando há divórcio, tem de haver partilha. A partilha pode ser amigável, estando regulada
nos artigos 272º-A, B, C CRegC, e os cônjuges vão acordar entre si como querem dividir os bens. Se não
estiverem de acordo, a partilha será feita segundo um processo de inventário (processo de partilha
conjugal), no notariado.

Mas deparamo-nos com um problema: A, saiu de casa há 2 meses e só tinha um carro. Deixou para trás
a casa e o carro. Ele trabalha na Figueira da Foz e ter de ir de comboio para lá é uma chatice. Então pensa:
como ainda sou casado, posso adquirir o carro, e o carro é um bem comum. Agora, imaginemos que compra
um carro, e tem um acidente, e fica com a dívida do carro para pagar. O facto de estarem casados, faz com
que se mantenha a responsabilidade solidária por dívidas dos cônjuges.

Com a dissolução do casamento cessam as relações patrimoniais entre os cônjuges (1688º) e pode
proceder-se à partilha.

A partilha faz-se de acordo com o regime de bens estipulado (ou que, na falta de estipulação, ficou a
valer como regime supletivo), recebendo cada um dos cônjuges os seus bens próprios e a sua meação no
património comum (1689º).

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Direito da Família e dos Menores
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Porém, se o casamento terminar por divórcio, é necessário ter em conta a limitação prevista no artigo
1790º - a lei não impõe que na partilha cada cônjuge seja encabeçado nos bens que lhe pertenceriam se
tivesse vigorado o regime da comunhão de adquiridos; só quer que cada cônjuge não receba na partilha
mais do que receberia se tivesse sido convencionado esse regime. Não lhe importam os bens em espécie,
mas só o seu valor.

Este artigo não implica a substituição do regime da comunhão geral pelo da comunhão de adquiridos.

O que o artigo 1790º diz é que, havendo divórcio, o regime da partilha, a partilha dos bens, é sempre
feita segundo o regime da comunhão de adquiridos. Isto significa que, havendo divórcio, os cônjuges vão
dividir aquilo que adquiriram onerosamente na constância do casamento. O legislador impôs esta norma
porque, se o casamento não dura “até que a morte os separe” (ideia de tendencial perpetuidade do
casamento), então vamos dividir apenas aquilo que construíram e obtiveram onerosamente juntos, durante
o matrimónio. Este é o resultado prático deste artigo.

Quanto ao fundamento do artigo 1790º, é o fracasso da sociedade conjugal.

1790º - “nenhum dos cônjuges pode na partilha receber mais do que receberia se o casamento tivesse
sido celebrado segundo o regime da comunhão de adquiridos”.

Porque é que o legislador não disse que a partilha se faz de acordo com o regime da comunhão de
adquiridos? Na anterior redação da norma lia-se que “o cônjuge declarado único ou principal culpado não
pode na partilha receber mais do que receberia se o casamento tivesse sido celebrado segundo o regime da
comunhão de adquiridos”. Ora, o legislador, não deveria, como fez, substituir a expressão “o cônjuge
declarado único ou principal culpado” por “nenhum dos cônjuges pode” receber mais do que receberia se o
casamento tivesse sido celebrado segundo o regime da comunhão de adquiridos. Isto porque, uma vez
abolida a declaração de culpa na dissolução do casamento, deveria ter sido também abolida a sanção
existente para o comportamento culposo causador do divórcio, o que, em termos práticos, significava
manter em pleno funcionamento a autonomia das partes, ou seja, significava que a partilha fosse feita
segundo o regime convencionado pelos nubentes, seguindo, pois, o rumo normal das relações patrimoniais
entre os cônjuges.
 O legislador decidiu banir a averiguação da culpa no divórcio, mas manteve os efeitos patrimoniais
anteriormente previstos, em relação a ambos os cônjuges, ainda que desprovidos, agora, de
qualquer intuito sancionatório.
(Ver notas para oral)

Este artigo foi objeto de criticas. P. ex., Rita Lobo Xavier, disse que o casamento iria ter 2 regimes. Diz-
nos que esta mudança significa “uma transformação quanto ao sistema do próprio regime de bens do
casamento, em que a divisão dos bens se faz segundo o regime de bens convencionado, quer se trate de
divórcio, quer de dissolução por morte; e uma alteração do próprio regime da comunhão geral, que passa
agora a ter uma disciplina para a vigência do casamento e para a dissolução no caso de morte, e outra para a
hipótese de dissolução por divórcio”.
A e B casaram em 2000 no regime da comunhão geral. Hoje, se um deles morrer, a partilha faz-se
segundo o regime da comunhão geral. Mas, se eles se divorciarem, a partilha faz-se segundo a comunhão de
adquiridos. Esta solução foi muito criticada.

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Já Guilherme de Oliveira afirma haver uma justificação, dizendo que se um dos cônjuges morrer, o
casamento cumpriu a sua função; mas se eles se zangarem, então, o projeto conjugal não cumpre a sua
função e vamos apenas dividir o que eles adquiriram onerosamente juntos; como tal, não considera a crítica
de Rita Lobo Xavier totalmente descabida.
A ideia hoje subjacente a tal imposição já não será a de sancionar o cônjuge culpado, mas a de “evitar
que o divórcio se torne um modo de adquirir bens, para além da justa partilha do que se adquiriu pelo
esforço comum na constância do matrimónio”.

Neste sentido, a medida legislativa que visa evitar que o casamento seja um meio de adquirir, é, na
nossa opinião constitucionalmente autorizada.

Ainda, Jorge Duarte Pinheiro, critica, dizendo que hoje pode ser mais vantajoso uma anulação do
casamento civil do que o divórcio. Isto porque, no regime do casamento putativo, encontramos a proteção
do cônjuge de boa fé, e no divórcio tal não acontece.
A e B casaram no regime da comunhão geral. Quando casaram A tinha um património de 500 000€ e B
não tinha património. Agora, A tem uma relação extraconjugal com um homem. B descobre e quer o
divórcio. A não quer. Na partilha, vamos partilhar os bens adquiridos na constância do matrimónio. Quais
são? Não há. Então, se seguirmos o caminho da anulação do casamento com fundamento em erro
(homossexualidade), o casamento vai ser anulado e ela pode gozar dos efeitos putativos do casamento que
permitem ao cônjuge de boa fé, ao que estava em erro, aproveitar-se dos efeitos matrimoniais. Desta forma,
B tem direito a metade dos 500 000€ de A.
O artigo 1790º é uma norma só para o divórcio, porque a regra geral é a de que a partilha se divide por
2. Então, na nossa vida prática, nós poderemos, em vez de seguir a via do divórcio, seguir a via da anulação,
como forma de salvaguardar o nosso cliente. Esta crítica foi escrita pela primeira vez pelo Jorge Duarte
Pinheiro.

Relação do artigo 9º da Lei nº 61/2008 com a Constituição


Enquanto o legislador estabelece esta norma, a Lei nº 61/2008 dizia no seu artigo 9º, que o artigo 1790º
não se aplicava aos processos pendentes. Isto significa, a contrario, que esta norma, se aplica a todas as
ações de divórcio que venham a ser propostas depois da entrada em vigor da lei, mesmo nos casamentos
celebrados antes da entrada em vigor da Lei nº 61/2008, ainda que os nubentes tenham optado pelo regime
da comunhão geral, ou por algum regime de comunhão para além dos adquiridos na constância do
casamento a título oneroso.

É importante falarmos aqui naquilo a que chamamos de património comum: património que pertence
em comum a várias pessoas, mas sem se repartir entre elas por quotas ideais, como na compropriedade. Os
vários titulares do património coletivo são sujeitos de um único direito, e de um direito uno, o qual não
comporta uma divisão, nem mesmo ideal. Como tal, não tem cada um deles algum direito de que possa
dispor ou que lhe seja permitido realizar através da divisão do património comum. E isto é assim porque o
património coletivo radica no vínculo pessoal que liga os cônjuges.
No entanto, este artigo 9º permite que questionemos se não se poderá considerar a posição dos
cônjuges em face do património comum como um verdadeiro direito. Antes de desenvolvermos estas
considerações devemos ter em atenção que o direito sobre os bens comuns na constância do casamento é
um direito atual.
Os cônjuges casados em comunhão geral são, na constância do casamento, titulares de direitos atuais
sobre bens comuns e não apenas titulares de um direito à meação enquanto mera expectativa que se irá
concretizar no momento da partilha.
Por isso, a aplicação do artigo 9º, vai determinar que, na prática, vejam diminuir a sua massa
patrimonial, apesar de ter sido outra a sua declaração de vontade aquando da celebração do casamento.

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Direito da Família e dos Menores
Mariana Melo
Ou seja, p. ex., A e B casaram em 2005. Há uma casa que é de B, e sendo este o único bem com
relevância patrimonial, decidiram casar no regime de comunhão geral. Agora, querem divorciar-se, e a
partilha é feita segundo o regime da comunhão de adquiridos. A, que não é proprietário do terreno, está
numa situação particularmente prejudicial, com um mero direito a uma compensação por benfeitoria
realizada em bem alheio. (Pode importar aqui, em termos práticos, o Crédito Compensatório).
Esta aplicação retroativa da lei gera muitos problemas.

Para alguns dos cônjuges, a sua massa patrimonial vai diminuir, apesar de o divórcio ser um ato lícito e
abstrair de qualquer declaração de culpa. E, muitas vezes, isto ocorrerá passados alguns anos de casamento,
em que houve investimentos patrimoniais e comunicações financeiras não rastreáveis.
Ora, o legislador está vinculado pelos DLG. A estes é inerente uma função de defesa, o que implica a
proibição de restrição ou de criação de normas que lhes sejam contraditórias. Então, ao fazer valer o artigo
9º, o legislador vai possibilitar que os cônjuges casados no regime da comunhão geral, ou num regime de
comunhão superior aos bens adquiridos onerosamente na constância do casamento, venham defrontar-se,
na partilha por divórcio, com uma imposição de partilha no regime de adquiridos que significa verem-se
privados de direitos de propriedade efetivamente existentes no seu património (direitos atuais) – existe,
assim, uma privação de propriedade, que não depende de nenhuma declaração de culpa.

Sandra Passinhas, em síntese.

O artigo 9º, ao mandar aplicar o artigo 1790º a todos os divórcios instaurados após 1 de dezembro de 2008 –
com efeito prático de os cônjuges casaram em regime de comunhão geral ou de comunhão para além dos
adquiridos a título oneroso na constância do casamento virem a ser privados de direitos atuais que tinham sobre
determinados bens, por mero efeito do seu exercício do direito ao divórcio e independentemente de qualquer
declaração de culpa na rutura do casamento – é materialmente inconstitucional, por violação do artigo 62º CRP.

Sofrem, pois, uma privação da propriedade, contrária ao artigo 62º CRP – Direito de Propriedade.

Rita Lobo Xavier vem sugerir, no sentido de limitar o âmbito de aplicação do artigo 9º, que este artigo
não poderá afetar os bens que entraram no património comum até à entrada em vigor da lei e que só se
deverá aplicar àqueles que casaram segundo este regime depois da sua entrada em vigor, e, quanto aos
cônjuges que casaram anteriormente em tal regime, quando muito, só poderá excluir do património comum
a partilhar os bens que nele ingressaram após a entrada em vigor da lei. Mas consideramos que a posição da
autora peca por defeito. De facto, o que está em causa não é só a propriedade ou a titularidade de direitos
sobre os bens dos cônjuges; veio atingir também a autorregulamentação dos cônjuges, estabelecida
aquando da celebração do casamento.

Tendo em conta um dos exemplos anteriormente referidos, B perde os 250 000€ que eram seus antes
do divórcio. E perde o dinheiro porquê? Por força do artigo 9º. Isto é uma violação do seu património, pois
agora vai ficar sem o dinheiro que era seu ao momento da celebração do casamento. Então porque é que o
legislador aqui se enganou? Porque criou uma sanção para os dois, dizendo que nenhum dos dois pode
receber mais do que receberia no regime da comunhão de adquiridos. Se o legislador tinha uma sanção com
a declaração de culpa, desaparecendo agora a declaração de culpa, deveria também ter desaparecido a
sanção. Isto porque, estamos no âmbito da autonomia privada, e se as partes querem casar em comunhão
geral de bens, temos de deixar que isso aconteça livremente. Podemos então concluir que, o nosso
legislador se intrometeu na autonomia privada.

Sandra Passinhas, não aponta qualquer problema ao artigo 1790º; no entanto, considera
inconstitucional, por violar o artigo 62º CRP, o artigo 9º da Lei nº 61/2008.

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Direito da Família e dos Menores
Mariana Melo
Perda de benefícios

Outro efeito do divórcio é o previsto no artigo 1791º, segundo o qual cada cônjuge perde todos os
benefícios recebidos ou que haja de receber do outro cônjuge ou de terceiro, em vista do casamento ou em
consideração do estado de casado, quer tenham sido estipulados antes ou depois do casamento.

A Lei nº 61/2008 optou pela caducidade dos benefícios atribuídos a ambos os cônjuges, que parte da
ideia de que o casamento não deve ser um meio de adquirir património, separando os afetos matrimoniais
de qualquer vantagem patrimonial; e que acolhe o princípio geral de que a cessação da causa dos efeitos
jurídicos deve fazer cessar estes efeitos.

Falando em “benefícios”, a lei quer referir-se às liberalidades. O artigo 1791º abrange pois as doações entre
esposados, entre vivos ou por morte, feitas em vista do futuro casamento, e as doações feitas por terceiro em vista do
casamento; as doações entre cônjuges (cfr. 1766º/1/c)), mesmo que se trate de simples doações indiretas; as doações
feitas a ambos os cônjuges por familiar de um deles em consideração do estado de casado do beneficiário; e as deixas
testamentárias, em forma de instituição de herdeiro ou de legado, com que um cônjuge tenha beneficiado o outro
cônjuge. Mas, dada a sua razão de ser, o artigo 1791º não parece que deva aplicar-se aos simples “donativos conformes
aos usos sociais” a que se refere o artigo 940º/2, nos quais não existe intenção liberal, correspondem a práticas sociais
generalizadas e não implicam, em regra, disposições de valor considerável.

A perda de benefícios nos termos do artigo 1791º/1, verifica-se por força da lei. Com o trânsito em
julgado da sentença proferida na ação de divórcio sem consentimento de um dos cônjuges, caducam as
disposições testamentárias feitas a cada um dos cônjuges; e os bens que lhe tenham sido doados pelo outro
cônjuge ou por terceiro em vista do casamento ou em consideração do estado de casado revertem
automaticamente ao património do doador.

Havendo filhos do casamento, a lei permite que o autor da liberalidade determine que o benefício se
mantenha em favor dos filhos do casamento (1971º/2).

Exemplo decidido em Acórdão: Imaginemos que A e B casaram. Vivem num T1, B está grávida de
gémeos e os pais de A dizem que lhes dão uma casa maior, até como forma de estes ficarem perto deles. Os
pais oferecem-lhes também uma carrinha. Agora querem divorciar-se. Pelo artigo 1790º, as partilhas dos
bens do casal fazem-se segundo o regime da comunhão de adquiridos. Mas, um dia A recebe uma carta em
casa, notificando-o de que os pais intentaram uma ação contra ele, com o fim de receberam uma
compensação pelas doações que lhes fizeram em ocasião do casamento. Os conservadores, quando fazem
as partilhas, chamam à atenção para isto. Se há, p. ex., uma doação de casa feita pelos pais. Esta norma é
muito importante na prática, porque os pais podem vir cobrar, mais tarde, pela doação que fizeram em
benefício do estado de casados.

Reparação de danos

A Lei nº 61/2008 modificou muito o regime que vigorava sobre a reparação de danos.

O artigo 1792º é uma inovação profunda. Se eu sou casada e o meu cônjuge me causa danos, a lei diz
que eu tenho direito a indemnização nos termos gerais da responsabilidade civil. Mas nos tribunais comuns
e não nos tribunais de família. Eu intento uma ação como lesada contra o lesante. Isto foi propositado pelo
legislador, uma vez que antigamente se pedia o divórcio e a indemnização em conjunto; hoje pede-se o
divórcio no tribunal da família e a indemnização nos tribunais comuns.

Não se procura um culpado ou um principal culpado; nem um inocente, que possa ser considerado o
lesado, e, portanto, o titular de um direito de indemnização pela violação dos deveres conjugais.

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Direito da Família e dos Menores
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O artigo 1792º diz-nos que é verosímil que certos factos praticados por um cônjuge constituam ilícitos
civis, violações dos direitos de personalidade do outro cônjuge, dignos de tutela do Direito. As pretensões de
indemnização devem ser apresentadas nos tribunais próprios, apreciadas e decididas com os critérios
próprios da responsabilidade civil extracontratual entre cidadãos. Mas estas discussões estarão sempre fora
do processo que leva à dissolução do casamento; as pretensões de indemnização serão apresentadas
sempre por pessoas cujo casamento já foi dissolvido num tribunal de Família.

Esta norma é terrível para as vítimas de violência doméstica, pois estes são casos facilmente suscetíveis
de indemnização (despesas com o hospital, psicólogo, tratamentos). Para além de danos morais, há danos
patrimoniais. Normalmente, nos casos em que há violência doméstica, o agressor não quer o divórcio,
havendo aqui um sentimento de posse e o divórcio será um divórcio sem consentimento. Então, as vítimas
têm de fazer prova no tribunal de família e ainda têm de ir ao tribunal comum pedir a indemnização. Esta
norma foi muito criticada, para além de que há uma sensibilidade nos tribunais de família, que não há nos
tribunais comuns.

O legislador não deu indicações/critérios quanto à responsabilidade. Esta é uma questão que sempre foi
discutida na doutrina, saber se um cônjuge, quando responde perante o outro, responde pela violação dos
deveres conjugais. Isto é Responsabilidade Contratual? Há quem diga que não. Mas parece que o legislador
quis deslocar esta matéria, neste caso, para a questão da responsabilidade extracontratual. E ficamos sem
saber. O que é que acontece? Guilherme de Oliveira veio dizer que consagrou esta solução no projeto, pela
razão de que ninguém se entendia e também considera que não é o legislador que tem de decidir, mas sim
os tribunais que têm de decidir que há uma traição que constitui fundamento de uma indemnização, p. ex.
Ou que haja, p. ex., uma traição com achincalhamento e humilhação social.

E quanto à indemnização pelo divórcio em si mesmo? Muitas pessoas pediam indemnização nestes casos,
uma vez que o divórcio gera um dano. Mas Guilherme de Oliveira achou que têm de ser os tribunais a
concretizar os contornos desta indemnização, apesar de demorarem algum tempo; a lei entrou em vigor há
9 anos, e os casos só começam agora a chegar ao STJ. O que encontramos no supremo é a subversão
completa do sistema, porque está “a deixar entrar pela janela o que saiu pela porta”, uma vez que em ação
de divórcio há rutura e não vamos questionar mais nada, mas nas ações de indemnização e alimentos, o
supremo vê outra vez a história toda do casamento. O que era uma típica sentença de divórcio, agora está a
deixar entrar nas ações de alimentos e de indemnização, toda a história daquele casamento.

Isto é a subversão do sistema. Em 2008 quisemos acabar com a declaração de culpa e as sanções que
dela decorressem, mas a nossa sociedade não está preparada para tal, nomeadamente, naqueles
casamentos que duram há anos. Como tal, o supremo, quando lida com casos concretos, precisa de fazer
alguma compensação, que é a justiça do caso concreto.

Os ilícitos que podem fundamentar uma obrigação de indemnizar, portanto, não resultam da mera
violação de deveres especificamente conjugais; os ilícitos resultam da violação de deveres gerais de respeito,
de ofensas a direitos de personalidade e a direitos fundamentais. Por exemplo: um adultério não tem de ser
fundamento para uma indemnização; mas sê-lo-á, provavelmente, se for acompanhado de publicidade ou de
qualquer forma de crueldade moral. Esta foi a ideia que presidiu às alterações; mas, afinal, serão os tribunais
a dar corpo ao regime.

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Direito da Família e dos Menores
Mariana Melo
Muito importante é o nº2 deste artigo, onde se manteve o regime anterior. Portanto, se propusermos
uma ação com fundamento na alteração das faculdades mentais, na contestação do divórcio vamos ter uma
reconvenção, pelos danos causados. Na contestação, o advogado da contraparte pede uma indemnização
pelos danos não patrimoniais causados pela dissolução do casamento, e o tribunal decide a indemnização e
o divórcio. Existe esta exceção.

Normalmente, não se pede divórcio com fundamento na alteração de faculdades mentais, porque este
requisito exige que esta alteração dure há mais de um ano e que comprometa a possibilidade de vida em
comum. Em vez de fundamentarmos a ação com a alteração das faculdades mentais, podemos fundamentá-
la com a existência de separação de facto. Na contestação, não temos pedido de indemnização nem é o juiz
a decidir o divórcio. Obrigamos a outra parte a fazer prova.

Temos de saber muito bem isto, e nunca propor uma ação com fundamento na alteração das
faculdades mentais.

Vimos 3 normas que correspondem a 3 efeitos.

 1790º – Partilha – Dissolvendo-se o casamento por divórcio, nenhum dos cônjuges pode receber mais
do que teria recebido se tivesse casado segundo comunhão de adquiridos.
Se houver separação de bens, nem sequer há partilha; mas havendo comunhão, seja ela comunhão
geral de bens ou outro regime criado pelos próprios cônjuges, nenhum dos cônjuges pode na partilha
receber mais do que receberia se o casamento tivesse sido celebrado segundo o regime da comunhão
de adquiridos.
 1791º - Determina a perda de benefícios. Se o casamento se dissolver por divórcio, aquilo que foi dado
aos nubentes em função do casamento ou do estado de casado vai ser restituído ao doador. O doador
pode pedir também que o bem ou valor do bem seja transmitido aos descendentes.
Esta norma tem muita relevância prática.
 Em termos de indemnização, a grande diferença, é que depois de 2008 a questão da reparação dos
danos foi alterada. Estamos a falar em 2 aspetos fundamentais, na reparação dos danos causados ao
outro cônjuge, mas também no dano causado pela dissolução do casamento (o divórcio era
considerado um dano, o dano do divórcio). Este último tem que ver com o estigma de se ter sido
deixado ou deixada.
Ora, estes danos eram apurados na ação de divórcio e era o tribunal de família que determinava o
montante dos danos a indemnizar. Atualmente, o legislador remeteu esta situação para os tribunais
comuns.
Temos apenas a exceção do artigo 1792º/2, que manteve o regime anterior.

Hoje falamos de mais 2 efeitos do divórcio:

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Direito da Família e dos Menores
Mariana Melo
Destino da casa de morada de família

No momento da dissolução do casamento, por morte ou por divórcio, uma das questões mais
relevantes é a do destino a dar à casa de morada de família, porque ela constitui um elemento simbólico da
família que se está a desmembrar.
Na UF estas normas também se aplicam, tendo nós de fazer a distinção se a casa é arrendada ou
própria e, no caso de ser própria, temos de saber se é comum ou de apenas um dos cônjuges.
 Se a casa for arrendada, aplica-se o artigo 1105º.
 Se a casa for própria ou comum, aplica-se o artigo 1793º.

O artigo 1105º consagra que “Incidindo o arrendamento sobre a casa de morada de família, o seu
destino é, em caso de divórcio ou de separação judicial de pessoas e bens, decidido por acordo dos cônjuges,
podendo estes optar pela transmissão ou pela concentração a favor de um deles”.
Portanto, a primeira regra é a regra do acordo, ou seja: vivem numa casa arrendada, vão divorciar-se e
vão acordar, ou que o arrendamento se transmite de A para B, ou vão acordar que o arrendamento se
concentra num deles, uma vez que o arrendamento foi feito aos dois e agora concentra-se num deles.
Eles acordam porque no divórcio por mútuo consentimento, o acordo da casa de morada de família é
um dos acordos exigidos pelo artigo 1775º. Temos aqui a transmissão da posição contratual sem
consentimento da contraparte.
O nº3 diz que é o conservador que vai oficiosamente informar o senhorio da alteração do arrendatário.
Ou seja, o senhorio vai receber uma carta da conservatória a informar da transmissão ou concentração.

Podemos aqui questionar a constitucionalidade desta norma, porque o novo inquilino pode até ser o
inquilino que esteja desempregado, que seja conflituoso, ou que complique o normal funcionamento do
contrato de arrendamento, etc. Para além de que, esta norma influi com a autonomia privada das partes,
nomeadamente, com a liberdade que o senhorio tem na escolha do seu inquilino, ou seja, na escolha da
contraparte. Mas é uma forma que o legislador encontrou de proteger os cônjuges.
Se não houver acordo, não pode haver divórcio por mútuo consentimento. Então o divórcio será
judicial, e é o tribunal que vai decidir, nos termos do artigo 1105º/2, tendo em conta o interesse dos filhos,
etc. E isto é muito amplo, a abertura que se dá, porque o tribunal está aqui a decidir apenas sobre a
transmissão ou concentração de uma posição contratual. O legislador tem em conta os interesses dos
cônjuges, dos filhos (o legislador não diz filhos do casal, intencionalmente), tem em conta que pode haver
um idoso, uma pessoa com deficiência na casa, etc.
Este arrendamento é fixado em sentença, e a sentença é comunicada ao senhorio. Este arrendamento
pode conter as cláusulas que o juiz entender - pode ser um arrendamento que tenha uma limitação
temporal, p. ex., o arrendamento fica concentrado em A até enquanto o filho não for maior de idade.
Mas o elemento essencial do arrendamento é a renda. E a pergunta que se coloca é, o que é que
acontece se o inquilino (ex-cônjuge) deixar de pagar a renda? O Tribunal da Relação de Lisboa já considerou
que se aplicavam as regras gerais do arrendamento.
Colocava-se também a questão de saber se o contrato de arrendamento podia ser resolvido e depois
intentada uma ação especial de despejo. O tribunal considerou que sim. Sandra Passinhas, não sabe o que
dizer, porque tendo o arrendamento (?). Por outro lado, o senhorio já é prejudicado por haver cessação da
posição contratual, por outro lado é chato ter de ir ao tribunal. (?)

Já foi perguntado se esta norma punha em causa as regras de habitação social. Os critérios de
atribuição de habitação social são muito rigorosos. Os tribunais já disseram que este artigo se aplica também
quando existe um arrendamento social. (?)

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Direito da Família e dos Menores
Mariana Melo
Artigo 1793º – Neste caso, a casa pertence a um dos cônjuges ou a ambos. Consagra que “Pode o
tribunal dar de arrendamento a qualquer dos cônjuges, a seu pedido, a casa de morada de família, quer esta
seja comum quer própria do outro, considerando, nomeadamente, as necessidades de cada um dos
cônjuges e os interesses dos filhos do casal”.
Isto significa que eles eram cônjuges, deixaram de ser, e vão passar a ser senhorio e inquilino. Mas o
importante é perceber que a lei estabelece a constituição de um arrendamento - um dos cônjuges vai dar de
arrendamento a outro. Isto gera problemas na prática, porque a casa de morada de família é o bem mais
importante da família, e quando estão casados ambos acham que têm a casa. Quando se querem divorciar,
apercebem-se que a casa é de ambos e muitas vezes têm ainda de pagar ao banco.
O que a lei diz é, é um arredamento, tendo como elemento essencial a renda e, portanto, tem de se
estabelecer uma renda.
Muitas vezes também acontece que, o ex-cônjuge, agora senhorio, aja no sentido de ser o outro, agora
inquilino, a pagar ao banco. Isto gera outro problema, porque o inquilino está a pagar renda ao agora
senhorio, e ainda terá de pagar ao banco. Às vezes, os tribunais decidem (mal), que o inquilino fica na casa e
ainda paga a prestação ao banco.
De qualquer maneira, temos esta ideia de que quando a casa é de um, o outro pode ficar na casa a
titulo de arrendatário.

O pedido é deduzido por apenso à ação de divórcio, indicando o cônjuge os factos com base nos quais
entende que deve ser-lhe atribuído o direito. Este arrendamento fica sujeito às regras gerais do
arrendamento para habitação, mas o tribunal pode, ouvidos os cônjuges, definir condições específicas para
este contrato. Aqui não há nada fixo, pode ser sempre alterada a atribuição da casa ou o montante da renda,
ou seja, pode ser sempre alterada a decisão do tribunal. Os tribunais não gostam desta norma, porque
quando as coisas não são feitas por acordo, é sempre muito penoso para um tribunal dizer “o senhor não
fica naquilo que é seu”.
Este é um arrendamento normal, e o nº2 deste artigo diz que “o tribunal pode definir as condições do
contrato, ouvidos os cônjuges, e fazer caducar o arrendamento, a requerimento do senhorio, quando
circunstâncias supervenientes o justifiquem”. A lei fala aqui em “caducar”; mas para além da modificação da
situação específica que motivou o arrendamento, cremos ser pacífico que o ex-cônjuge senhorio pode
resolver o contrato por incumprimento dos deveres da contraparte, pelo menos quanto a algumas das
situações previstas no artigo 1083º.

Se não houver acordo, como é que os tribunais decidem? Os fatores a ter em conta na decisão do
tribunal são as necessidades de cada um dos cônjuges e o interesse dos filhos do casal. Decidem
considerando a necessidade de cada um dos cônjuges e os interesses dos filhos do casal (DO CASAL), e já não
se abre aos outros fatores relevantes. Aqui os únicos fatores a ter em consideração são o casal e os filhos.
 Diogo Leite Campos: Afirma que parece chocante a atribuição da casa de morada de família ao
cônjuge que dela não é proprietário. Trata-se de um caso de expropriação forçada, que se deve
considerar inconstitucional, pelo que só em casos excecionais deverá o tribunal entregar a casa de
morada de família ao cônjuge que não seja proprietário.
 Pereira Coelho e Guilherme Oliveira; Nuno Salter Cid: Consideram que a lei terá sacrificado o direito
de propriedade, constitucionalmente protegido pelo artigo 62º CRP, ao interesse da família,
igualmente objeto de proteção constitucional (67º CRP). Esta atribuição do artigo 1793º passa pela
consideração da relevância constitucional atribuída à família e à respetiva proteção.

Os tribunais também têm a intuição de que esta é uma norma inconstitucional. Então, desde 2008
verificamos uma limitação prática à aplicação desta norma.

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Direito da Família e dos Menores
Mariana Melo

 Sandra Passinhas: Este artigo não obriga apenas a um arrendamento forçado, mas a um
arrendamento forçado a uma pessoa com quem o proprietário já não tem uma relação familiar. O
legislador – ao impor um arrendamento a um proprietário que não o deseja, e que esse
arrendamento seja celebrado precisamente com uma pessoa cuja rutura da vida em comum com o
proprietário acabou de ser constatada – atinge de forma inabalável a concretização e o
desenvolvimento do seu projeto de vida. A afetação da propriedade do ex-cônjuge apresenta, pois,
um forte impacto no desenvolvimento da personalidade do proprietário, porque se vai manter a
relação entre duas pessoas que viram dissolvidas a relação familiar e pessoal que os unia. Somos,
pois, da opinião de que o arrendamento forçado da casa de família a ex-cônjuge consubstancia
uma restrição ao direito de propriedade (62º CRP)

Relação do Porto: Temos um casal em que cada um deles tem um apartamento T4. Querem agora
divorciar-se. O senhor sai de casa, enquanto a senhora fica com 4 filhas. Mas ele quer a casa. O tribunal não
atribuiu arrendamento à mãe, porque havia um apartamento que satisfazia as necessidades daquela família.

A restrição em favor da família (Propriedade e Personalidade)


A CRP impõe ao legislador um dever de respeito pelos direitos fundamentais, e neste caso, pelo direito
de propriedade, abstendo-se de ofender, de restringir ou limitar o direito para além dos casos em que tal
seja necessário para a salvaguarda de outros direitos ou valores constitucionais e sempre no respeito por
princípios de proporcionalidade. Então, o artigo 1793º visa proteger a família, tal como ela é
constitucionalmente garantida nos artigos 36º e 67º CRP?
 Quando haja filhos ou outros familiares do cônjuge proprietário (ou comproprietário) a residir na casa.
Aqui a resposta é positiva, uma vez que a constituição do arrendamento contra a vontade do
proprietário, serve os interesses, constitucionalmente protegidos, da família. Portanto, nestes casos a
norma é legítima e a restrição do direito de propriedade é constitucionalmente justificável.
 Quando não existam filhos ou estes não fiquem a morar na casa. Os termos da proteção da família são
conformados pelo legislador ordinário, que vai valorando as relações e institutos do Direito da Família,
mantendo a conexão entre este último e a realidade social. Ora, na Reforma de 2008, o legislador veio
assumir o casamento como uma fonte de felicidade conjugal e como laço que deve subsistir apenas e
enquanto os dois cônjuges assim o sentirem. Frustrado o projeto conjugal, cada um dos cônjuges tem o
direito a seguir livremente a sua vida, sem declarações de culpa nem sanções que lhe sejam associadas;
como tal, não consideramos que, depois do divórcio o ex-cônjuge ainda seja considerado família.
Então, poderá o ex-cônjuge caber no âmbito normativo do artigo 67º, enquanto família? A Reforma de
2008 tinha como objetivo conformar a família conjugal como uma relação baseada na felicidade
conjugal e na liberdade individual de fazer constatar a rutura da relação, de extinguir um laço que se
fragilizou definitivamente. Liberto da censura da culpa, o individuo torna-se responsável pela condução
da sua vida, no sentido da sua felicidade.

Como tal, consideramos que os ex-cônjuges não mantêm uma relação entre si que possa ser qualificada
como familiar. Assim sendo, a atribuição da casa de morada de família a ex-cônjuge, quando não haja filhos,
ou quando os filhos não fiquem a residir na casa, é uma restrição ao direito de propriedade que não nos
parece constitucionalmente justificada por outros “direitos ou interesses legalmente protegidos”.
O artigo 1793º consubstancia uma restrição não justificada ao direito do ex-cônjuge proprietário. Não
havendo filhos ou outros familiares, que residem e continuem a residir na casa, parece-nos que a norma não
permite ao tribunal atribuir a casa de morada de família ao ex-cônjuge, devendo ser desaplicada pelos
tribunais.

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Direito da Família e dos Menores
Mariana Melo
A questão da inconstitucionalidade já foi várias vezes levada ao Tribunal Constitucional, e o TC
considerou sempre que era constitucional, porque há uma limitação do direito de propriedade, mas que tem
uma justificação - a proteção da família e, portanto, há uma limitação à propriedade, mas é uma limitação
que visa proteger a família, que é um valor constitucionalmente protegido (67º CRP).
Esta é uma norma inspirada no Código Civil francês. A regra geral é a de que a casa deve ficar com o ex-
cônjuge que ficou com os filhos. O mais importante são os filhos, manter o “ninho” das crianças

Violação do Princípio da Proporcionalidade (Propriedade e Personalidade)

Mesmo que considerássemos o artigo 1793º constitucional, ele falha, pois, esta medida legislativa não
seria proporcional. Viola este princípio, uma vez que as limitações aos direitos constitucionais têm de ser
proporcionais. E, portanto, é inconstitucional.

Este princípio está consagrado no artigo 18º/2 CRP e tem como subprincípio, o princípio da
conformidade ou adequação de meios. Este subprincípio requer que a medida adotada para a realização do
interesse público a proteger deva ser apropriada à prossecução que o ato do poder público seja apto para e
conforme aos fins justificativos da sua adoção.

Ora, este princípio implica que o cidadão cujo direito esteja a ser restringido tenha direito à menor
desvantagem possível. Como tal, mesmo que considerássemos a constituição de um arrendamento forçado
sobre a habitação do ex-cônjuge proprietário um meio adequado para alcançar o fim, não cremos que esta
medida seja a que satisfaça com menos custos a realização do fim. Havendo sempre sacrifício patrimonial,
em termos pessoais é mais aceitável uma contribuição monetária do que o arrendamento forçado. O meio
mais adequado para acudir às necessidades habitacionais do ex-cônjuge há-de ser o da prestação de
alimentos.

O artigo 2003º consagra que “Por alimentos entende-se tudo o que é indispensável ao sustento,
habitação e vestuário”, por isso, quando estamos a falar em providência de habitação, estamos a falar em
providenciar alimentos em sentido amplo. Significa, em primeiro lugar, que o juiz não tem que atribuir a casa
ao ex-cônjuge de arrendamento, ele pode compensá-lo com uma prestação/obrigação de alimentos. O juiz
tem aqui outros meios, como a pensão de alimentos. O legislador tem é de recorrer ao meio menos intrusivo
possível. Esta é uma criação da professora.

O legislador diz que tem o direto a arrendamento, mas não diz mais nada. Então, e se o arrendatário
voltar a casar? E se viver em união de facto? O legislador não responde a esta questão.
Consideramos que esta seja a melhor solução: a habitação é um direito a alimentos em sentido amplo;
então, vamos aplicar a regra do artigo 2019º, ou seja, cessa a obrigação de alimentos, se o titular do direito
de arrendamento contrair matrimónio, iniciar união de facto ou se se tornar indigno do benefício pelo seu
comportamento moral.

É fundamental sabermos que este o arrendamento segue regras gerais do arrendamento, e tem de ser
estabelecida uma renda.

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Direito da Família e dos Menores
Mariana Melo
Crédito Compensatório

O crédito compensatório é outro efeito muito importante e está consagrado no artigo 1676º. Entre os
deveres dos cônjuges, elencados no artigo 1672º, encontra-se o dever de assistência que apresenta duas
vertentes: o dever de cada um dos cônjuges contribuir para os encargos da vida familiar e, no âmbito da
separação de facto, o dever de alimentos. Aqui tratamos do dever de contribuir para os encargos da vida
familiar; isto enquanto estão juntos, porque quando estão separados é a obrigação de alimentos que ganha
relevo.

A lei diz que este dever pode ser cumprido pela afetação dos recursos do cônjuge aos encargos da vida
familiar ou, então, pelo trabalho despendido no lar ou na manutenção e educação dos filhos.

O artigo 1676º/2 teve o intuito de restabelecer o equilíbrio entre os cônjuges, nas situações em que um
deles se sacrificou excessivamente em prol da vida comum, isto é, renunciou à satisfação dos seus interesses
individuais em favor da vida familiar -, cabe ao juiz, em função das circunstâncias do caso concreto, arbitrar-
lhe um crédito que atenue ou compense esse desequilíbrio.

O artigo 1676º/1, inserido no âmbito dos deveres conjugais, determina que o dever de contribuir para
os encargos da vida familiar incumbe a ambos os cônjuges, de harmonia com as possibilidades de cada um, e
pode ser cumprido, por qualquer deles, pela afetação dos seus recursos àqueles encargos e pelo trabalho
despendido no lar ou na manutenção e educação dos filhos.

O legislador português não consagrou um tratamento diferente para cada um dos cônjuges,
estereotipado em função do género, o que já não seria possível em face do princípio da igualdade dos
cônjuges. Todavia, a realidade sociológica demonstra que, em Portugal, à semelhança de muitos outros
países europeus, predomina o modelo da mulher como única ou principal cuidadora do lar e dos filhos,
exercendo ou não uma atividade profissional remunerada.

Esta formulação de 1977 é muito importante porque foi pensada para as mulheres, que ficavam em
casa a cuidar da vida doméstica, uma vez que estas senhoras também contribuíam para os encargos da vida
familiar. Este dever não se prende apenas com salários. Esta norma pretendeu eliminar juízos de desvalor
relativamente ao trabalho no lar e abandonando uma conceção familiar em que o homem ganha-pão surge
como o sustento da família e, consequentemente, como o seu dirigente.

Este artigo diz que cada um deve contribuir na medida das suas possibilidades, logo se um ganha 1000€
e outro ganha 500€, é normal que cada um contribua de forma diferente.

Se pensarmos na vida prática, não é bem assim; há um certo desequilíbrio. A estatística diz-nos que as
mulheres têm muito mais horas de trabalho no lar. O legislador apercebeu-se disso, desde logo nos
casamentos mais antigos, em que as senhoras passaram toda a vida em casa a tratar dos filhos e do marido,
e agora eles querem o divórcio. O homem pede o divórcio e temos uma mulher muito empobrecida, que
nunca trabalhou, nunca fez descontos para a Segurança Social, não tem amigos...
Então, o legislador estabelece neste artigo um crédito compensatório, de um dos cônjuges que contribuiu
mais do que o outro para os encargos da vida familiar.

Ao contrário do que seria expectável, com a entrada das mulheres no mercado de trabalho, ao lado das
mulheres que nunca exerceram ou que renunciaram a uma atividade profissional para se dedicarem ao
governo da casa e à manutenção e educação dos filhos, temos um grande número de mulheres que
acumulam o trabalho profissional remunerado com as lides domésticas e o cuidado dos vulneráveis (filhos e
idosos).

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Direito da Família e dos Menores
Mariana Melo
Todavia, o nº 2, viria a introduzir uma importante limitação prática à avaliação concreta das
contribuições dos cônjuges, ao determinar que: “Se a contribuição de um dos cônjuges para os encargos da
vida familiar exceder a parte que lhe pertencia nos termos do número anterior, presume-se a renúncia ao
direito de exigir do outro a correspondente compensação”. Sendo que, em 1977, o desajuste mais frequente
era aquele de a mulher não exercer ou renunciar a uma atividade profissional, o cônjuge que contribuísse
para os encargos da vida familiar de forma que excedesse a parte que lhe pertencia - entenda-se, o cônjuge
cuja contribuição fosse proporcionalmente superior à do outro porque houvesse feito um sacrifício maior,
um esforço mais intenso em prol da vida familiar - via presumida a sua renúncia a exigir do outro a
correspondente compensação. Esta presunção era ilidível, mediante prova em contrário. Mas esta prova, de
facto negativo, para além de ser difícil, recaía sobre o cônjuge fragilizado e desgastado por uma vida de
contribuição excessiva. Daí a necessidade que o legislador sentiu de alterar também este ponto.

O legislador eliminou a presunção de renúncia. Caberá, agora, ao cônjuge prejudicado e que pretenda
exigir do outro a correspondente compensação o ónus de provar os factos constitutivos da sua pretensão,
de acordo com as regras gerais do ónus da prova: que a sua contribuição para os encargos da vida familiar
foi consideravelmente superior ao previsto no nº 1, porque renunciou de forma excessiva à satisfação dos
seus interesses em favor da vida em comum, com prejuízos patrimoniais importantes.

Em 2008, o legislador alterou o teor do nº3 dizendo que o crédito só é exigível no momento da partilha
dos bens do casal, a não ser que o regime seja o da separação de bens. Se não existir partilha, porque os
cônjuges casaram no regime da separação de bens, o pedido do crédito compensatório será deduzido em
ação autónoma. Se houver partilha, é pedido na partilha. Mas é só na partilha conjugal, porque há outras
situações (insolvência, processos executivos em que há separação de meações nos bens comuns). A
compensação é feita após a extinção do casamento e terá, normalmente, lugar na partilha do património
conjugal. Poderemos ainda considerar abrangida nesta norma a partilha subsequente a uma declaração de
nulidade ou anulação de um casamento.

Se virmos o nº2 deste artigo temos um problema – há que provar várias coisas. A lei não permite que
contribuição valha por si, tem de haver uma contribuição excessiva, uma contribuição que tenha sido
consideravelmente superior. Tem de provar que houve prejuízos patrimoniais, mas como é que prova? É
impossível provar.

Um caso que chegou da 1ª instância de Sintra: Temos uma senhora que era hospedeira e casou,
deixando de trabalhar. Teve um filho. Depois tirou curso de direito e fez algumas coisas, mas nada de
especial. Eles divorciaram-se e ela pediu crédito compensatório. O tribunal considerou que não houve
renúncia excessiva e, como tal, não lhe foi atribuído crédito compensatório.

À volta da norma surgiram duas teorias:

1. Sandra Passinhas e Rita Lobo Xavier: Entendemos que este crédito compensatório é
verdadeiramente um crédito para compensar. O que o legislador exige é que a pessoa tenha
renunciado de forma excessiva aos seus interesses. A lei fala da renúncia aos interesses
profissionais, mas Sandra Passinhas defende que estão aqui em causa todos os interesses; tudo o
que seja uma renúncia.
Quanto aos prejuízos patrimoniais importantes, não importa sabermos quanto é que a pessoa
deixou de ganhar, não importa sabermos se ela trabalhava mais ou menos horas. Como esta norma
é uma norma de partilha, o que nós vamos ver é se, naquele casamento concreto, um dos cônjuges
deu mais ao casamento do que o outro, ou seja, se o casamento deixou um dos cônjuges mais
pobre do que o outro. Esta norma é compensatória, porque se um deles sair enriquecido, nós
vamos tentar equilibrar estes desequilíbrios na medida do possível, vamos ter de fazer contas.

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Direito da Família e dos Menores
Mariana Melo
2. Paula Vítor: Segue a via da responsabilidade pelo risco. Sandra Passinhas tem dúvidas que isto seja
responsabilidade pelo risco, até porque estas são sempre opções dos cônjuges.
Portanto, aplicarmos aqui as regras da responsabilidade pelo risco, parece-nos errado, porque não
há risco; e estamos a onerar demasiado com prova, porque se há responsabilidade temos de
provar muitas coisas, desde logo o dano.

Os critérios de que depende a atribuição do crédito compensatório

Quando se considera a contribuição de um cônjuge consideravelmente superior ao previsto no artigo


1676º/1, sobretudo em face do critério de proporcionalidade, em que cada um dos cônjuges deve contribuir
na medida das suas capacidades e proporcionalidades? A contribuição é superior ao exigível face ao dever de
contribuir para os encargos da vida familiar, e está para além do expectável de cada um dos cônjuges,
quando o cônjuge “renunciou de forma excessiva à satisfação dos seus interesses em favor da vida em
comum”. O critério para a compensação não é, pois, o da desigualdade da contribuição dos cônjuges, mas o
do sacrifício da contribuição, o sacrifício de um dos cônjuges em prol da vida familiar. É este sacrifício, esta
renúncia excessiva à satisfação dos seus interesses, que vai ser objeto de compensação. Um dos cônjuges
sacrificou-se mais, e esse sacrifício não se confunde com a contribuição quantitativa. O que releva é o
impacto que a renúncia dos interesses pessoais do cônjuge em favor da vida em comum tem na dinâmica
daquele casal, ou seja, negativamente, nas aspirações e possibilidades do cônjuge renunciante, bem como,
positivamente, nas possibilidades e realizações do cônjuge beneficiado.

Não é, todavia, a renúncia à vida profissional, o único fator que pode representar uma renúncia
excessiva à satisfação dos interesses pessoais do cônjuge em favor da vida em comum. Outros interesses,
podem traduzir um sacrifício excessivo de um dos cônjuges em razão da vida familiar. P. ex., um cônjuge que
se afastou geograficamente dos seus progenitores porque a família mudou de residência em função das
necessidades profissionais do outro; ou o cônjuge que se dedicou ao cuidado dos filhos do outro.

GUILHERME DE OLIVEIRA: “Haverá um crédito de compensação quando um cônjuge excedeu manifestamente o seu
investimento na vida em comum, quando um cônjuge desinvestiu na sua vida pessoal em favor do casamento, mais do que seria
exigível – caso do cônjuge que não acabou os estudos, que não fez cursos de formação profissional, que abandonou o emprego,
que aceitou um emprego em tempo parcial, que aceitou um emprego pior mais perto de casa, que não pôde aceitar uma
promoção que implicaria a sua deslocação para uma filial afastada, e que por qualquer destas razões fez descontos mais
modestos para a segurança social e terá uma reforma menor”. “Em regra, o desinvestimento na vida pessoal implica ainda o
afastamento das pessoas amigas, e o abandono de outras práticas de lazer”.

Por último, cabe apreciar o significado da referência do legislador à contribuição que, sendo
consideravelmente superior ao previsto no dever de contribuir para os encargos da vida familiar de harmonia
com as possibilidades de cada um, pressupõe uma renúncia excessiva à satisfação dos seus interesses em
favor da vida em comum, “com prejuízos patrimoniais importantes”. É certo que o legislador veio restringir o
âmbito da compensação. De forma consistente com a exigência de uma contribuição consideravelmente
superior de um dos cônjuges, o legislador determinou que os prejuízos têm de ser importantes, quer no
sentido de serem ostensivos, quer no sentido de serem especialmente relevantes para quem os sofreu.

Quanto aos “prejuízos patrimoniais importantes” temos de deixar de lado uma interpretação analítica
do preceito, para procurarmos indagar o que verdadeiramente o legislador pretendeu ao criar esta figura
inovadora na ordem jurídica portuguesa. A Reforma de 2008, no âmbito da qual surgiu esta disposição, veio
alterar profundamente o regime jurídico do divórcio em Portugal, ao colocar os afetos no centro da relação
matrimonial, e ao determinar a dissolução do vínculo quando os laços de rompem e o casamento deixa de
ser fonte de realização e satisfação dos cônjuges.

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Direito da Família e dos Menores
Mariana Melo
Consagrou-se no ordenamento jurídico português o sistema de divórcio rutura, em que o fundamento
do divórcio é a falência da comunhão conjugal, e em que, na dissolução do casamento, se abstrai de
qualquer declaração de culpa, bem como das sanções patrimoniais acessórias aplicadas em sua função. Mas,
se assim é, não esqueceu o legislador que há casamentos em que as contribuições dos cônjuges para a vida
comum, para o governo do lar, para a educação e o cuidado dos filhos, foram manifestamente
desequilibradas, porque exigiram da parte de um deles um maior (e pesado) sacrifício dos seus interesses
pessoais em favor da vida em comum. E esse sacrifício deve ser compensado após a extinção do casamento,
para repor algum equilíbrio entre os cônjuges. Para que ambos estejam numa situação paritária (não de
igualdade, porque essa não será normalmente possível) no momento do relançamento da sua vida: que um
deles não leve consigo todo o peso da relação conjugal anterior ou, pelo menos, não o leve sem uma
compensação pelo excesso de sacrifício. Os “prejuízos patrimoniais importantes” assumem um cariz relativo:
os prejuízos de um dos cônjuges serão medidos pela medida do enriquecimento, correspetivo, do outro
cônjuge. Esta é a interpretação, a nosso ver, mais adequada.

Este regime veio colmatar muitas das insuficiências ou injustiças resultantes da regra da metade
prevista no artigo 1730º, em vista da desigualdade das contribuições para os encargos da vida familiar.

Esta norma atende sobretudo à vulnerabilidade das mulheres que tem uma dupla dimensão: as
mulheres são as que estão numa situação económica mais difícil devido à estrutural desigualdade do
mercado de trabalho e ao seu papel como cuidadoras e, por outro lado, devido à dinâmica emocional da
relação com o outro cônjuge em virtude das escolhas e constrangimentos ao longo da relação. Devemos
interlaçar estas considerações com o Princípio da Igualdade.

Cabe, pois, ao julgador, no seu prudente arbítrio, fazer essa avaliação em cada caso concreto, e
determinar a justa medida da correção do desequilíbrio, de modo que, da extinção do casamento, resulte
uma partilha dos custos e benefícios, em partes iguais, da vida matrimonial.

Antes de entrarmos na prestação de alimentos a cônjuges, vejamos alguns artigos introdutórios:

 2003º - começa por nos dar uma noção geral do que são alimentos. “Por alimentos entende-se tudo o
que é indispensável ao sustento, habitação e vestuário.” Esta é a noção geral de alimentos, e não é a
noção com que vamos ficar.
 2004º - este artigo é muito importante, porque quando nos diz qual é a medida dos alimentos,
estabelece um critério de proporcionalidade. Significa que em geral, na prova, quando vamos intentar
uma ação a pedir alimentos, temos de provar as necessidades daquele que pede, ou seja, do credor da
prestação de alimentos (levamos todos os recibos, demonstrando todas as nossas despesas) e as
possibilidades de quem presta, do devedor. Estes dois elementos são constitutivos do direito de
alimentos.
 2005º - os alimentos são pagos em prestações pecuniárias mensais.
 2009º - Pessoas obrigadas a alimentos. Temos, desde logo, o cônjuge ou o ex-cônjuge. Os cônjuges
estão obrigados a alimentos entre si e os ex-cônjuges também. Mas se estão obrigados a alimentos,
estão obrigados de forma muito diferente. Os cônjuges estão obrigados a alimentos só em caso de
separação de facto - aqui estão obrigados no âmbito do dever de assistência; falamos da relação
conjugal. Mas quando estamos a falar de ex-cônjuges, aqui já não há casamento, já não há sociedade
conjugal - aqui o fundamento da obrigação de alimentos é a “solidariedade pós conjugal”: aqueles dois
foram uma família durante algum tempo, mas agora desvincularam-se, e continuam a ter deveres em
relação a outro.

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Direito da Família e dos Menores
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 2015º e ss: Disposições especiais – trata da obrigação alimentar relativamente a cônjuges, ou seja,
estamos a falar do dever de assistência e por isso é que este artigo diz que a obrigação de alimentos
segue o regime do artigo 1675º. Até a doutrina diz que nesta situação, enquanto vigorar a sociedade
conjugal, a prestação deverá manter o nível de vida. Mas isto não será possível, porque haverá outras
despesas. No entanto deve procurar-se chegar a esse patamar, na medida do possível.
 2016º e ss – Alimentos entre ex-cônjuges, ou seja, os alimentos pós divórcio. Para os efeitos do divórcio
só nos interessam estes alimentos; vamos focar-nos nestes artigos.

Prestação de alimentos a ex-cônjuge

Este regime sofreu alterações profundas em 2008. Se antigamente, quando os cônjuges se divorciavam,
a obrigação de alimentos era muito forte (forte dever de solidariedade conjugal), hoje o enquadramento é
totalmente diverso. Acabou-se completamente com a ideia de que se casássemos com um homem rico,
tínhamos a vida feita. Hoje se nos divorciarmos do homem rico, voltamos à vida que tínhamos.

2016º/1 – temos mais um ónus da prova, porque quando dizemos que a prova é composta pelas
necessidades de quem pede e as possibilidades de quem se pede, também tem de se provar agora que a
pessoa que pede não consegue prover à sua subsistência – há um agravamento da prova. Encontramos na
jurisprudência um caso paradigmático – uma professora que não voltou a dar aulas, não voltou a concorrer.
Veio pedir alimentos ao ex-marido, mas o tribunal não o concedeu porque ela não proveu à sua subsistência.
Portanto, em termos práticos, e estamos a falar de situações desequilibradas (casamentos mais antigos em
que as mulheres não trabalham e ficam muito desamparadas com o divórcio), o legislador veio criar um peso
grande no casamento.

Só se a pessoa não conseguir prover à sua subsistência é que há solidariedade pós conjugal.

“Qualquer dos cônjuges tem direito a alimentos, independentemente do tipo de divórcio” - 2016º/2 –
Antigamente dizia-se que o cônjuge declarado único ou principal culpado não tinha direito a alimentos.
Agora qualquer um dos cônjuges tem direito a alimentos, independentemente do tipo de divórcio. Mais uma
vez, o legislador sai do esquema da solidariedade pós conjugal e remete para as regras gerais (desde que um
possa e o outro precise e quem pede, não consiga prover ao seu sustento). Mas isto não pode ser sempre
assim:

“Por razões manifestas de equidade, o direito a alimentos pode ser negado” - 2016º/3 – Aqui há uma
inversão do ónus da prova, porque agora o outro é que tem de provar que por razões de equidade, o direito
a alimentos tem de ser negado. P. ex., um caso de uma senhora desgostosa com o divórcio e que, como tal,
perseguia o marido, achincalhando-o. A advogada do senhor, pediu que por razões de equidade, se negue
direito a alimentos. E efetivamente não lhe foi atribuído este direito.

P. ex., um acórdão da Relação em que a senhora saiu de casa e esteve 4 meses numa relação com outra
pessoa, dizendo a toda a gente que estava muito feliz. Mas depois voltou para casa. O tribunal afirma logo
que vai contra a equidade estar a pedir alimentos quando ela sai de casa e está noutra relação. Entretanto,
este caso vai para o supremo, que está a deixar entrar pela janela o que saiu para porta. Faz-se um divórcio
simples, mas depois, naquilo que é acessório ao acordo do divórcio, vai explanar sobre todo o casamento.
Era isto que o legislador não queria, que este direito permitisse contar toda a história do casamento. Sandra
Passinhas considera que, em termos técnicos, esta decisão está errada, porque o legislador não quis que o
direito de alimentos fosse um meio de estabelecer o equilíbrio da relação. Esta questão que levantamos aqui
sobre o STJ, levanta-se tanto na reparação de danos como na atribuição de alimentos.

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Direito da Família e dos Menores
Mariana Melo
Isto acontecia muito antes de 2008 – alguém esta a pagar alimentos ao ex-cônjuge que estava já com a
outra pessoa, acontecendo muitas vezes, que o novo casal estivesse a viver com aquela pensão paga por um
ex-cônjuge.

Em suma: (1) cada um tem de prover a sua subsistência; (2) temos de provar a necessidade do credor e
a possibilidade do devedor; (3) esta pensão só não é atribuída por questões de equidade.

Agora vamos ver o montante de alimentos que vai configurar vários elementos importantes – 2016º-A.
No nº 3 “o cônjuge credor não tem o direito de exigir a manutenção do padrão de vida de que beneficiou na
constância do matrimónio”; ou seja, após o divórcio não há direito à manutenção do padrão de vida vivido
durante o casamento. Mas também não é estabelecido o mínimo do artigo 2003º. O legislador arranjou aqui
um meio termo, procurando um montante de dignidade.

“Na fixação do montante dos alimentos deve o tribunal tomar em conta a duração do casamento” -
Temos de ter em conta a duração do casamento, por isso, se tiver durado 3 meses, ou não vai ter direito ou
vai ter direito a uma quantia residual; mas se o casamento durar 25 anos já é diferente. Temos aqui uma
ampla margem de análise dos tribunais, que vai tomar em consideração todos os aspetos para determinar o
montante de alimentos.

! O tribunal vai tomar em consideração a existência de um novo casamento ou união de facto do


devedor de alimentos. Aqui, o legislador tomou o partido do devedor, porque a pessoa segue a sua vida na
procura da sua felicidade e isso não é censurado pelo legislador; pelo contrário, é tomado em consideração
no montante de alimentos ao ex-cônjuge. O problema nestes casos é que os alimentos são muito baixos e
são situações em que toda agente tem muita necessidade.

Nota importante na prática: 2016º-A/2 – o tribunal deve dar preferência a obrigações de alimentos a
filhos, sobre a obrigação de alimentos a ex-cônjuges. Qualquer filho, mesmo um filho posterior ao
casamento ou nascido fora do casamento. Isto pode ser muito gravoso para o ex-cônjuge.

2019º - cessação da obrigação de alimentos – se a pessoa que é titular de um direito a alimentos dá


entrevistas nas revistas a dizer mal do ex-cônjuges, ou tem muitos parceiros que alimenta, p. ex., cessará
esta pensão. Só em 2010 é que se acrescentou neste artigo a união de facto – mais uma machadada na
solidariedade pós conjugal. Em geral, entende-se que o montante de alimentos só se altera quando haja uma
alteração de facto.

Para terminar podemos dizer que o novo regime do divórcio tem a particularidade de cair numa
sociedade com realidades muito distintas.

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Direito da Família e dos Menores
Mariana Melo

Modificação/Afrouxamento da relação matrimonial. Generalidades. Simples separação judicial de


bens e separação de pessoas e bens.
Como qualquer outra empresa humana, a empresa matrimonial atravessa crises mais ou menos
profundas, que se manifestam na separação dos cônjuges. Quando essas crises ocorrem, o legislador
permite que a relação se dissolva ou extinga, ficando os cônjuges desligados do vínculo matrimonial.
Concebe-se ainda, que o legislador autorize um ou ambos os cônjuges a obter uma modificação da relação
matrimonial no sentido de um afrouxamento dessa relação.

A relação matrimonial pode mudar de 2 maneiras: ou pela separação de bens ou pela separação de
pessoas e bens.

É em relação a estes que se fala em estado de separação, a qual se entende que afete só os efeitos
pessoais do casamento, só os efeitos patrimoniais ou uns e outros, sendo, pois, concebível uma simples
separação de pessoas, uma simples separação de bens e uma separação de pessoas e bens. No entanto, o
nosso direito não conhece a simples separação de pessoas desde 1910.

Interessa-nos que o vínculo matrimonial se relaxa sem, todavia, se quebrar inteiramente.

Separação de pessoas e bens

Quer na separação de bens que não vamos estudar, quer na separação de pessoas e bens, mantém-se o
casamento. As pessoas continuam casadas. Mas há uma modificação do seu estatuto jurídico. E isto é muito
importante, porque não tem nada a ver com a separação de facto. A separação de facto está regulada no
artigo 1782º - é fundamento de divórcio e é um facto (não existe comunhão de vida entre os cônjuges e não
há, da parte de um ou de ambos os cônjuges, propósito de a restabelecer).

Na separação de pessoas e bens há uma modificação do estatuto matrimonial. Temos que ir ao tribunal
ou à conservatória. É uma modificação jurídica, aquele casamento muda juridicamente.

A separação de pessoas e bens está regulada no artigo 1794º e ss.

Esta separação não afeta simplesmente os bens, mas as próprias pessoas dos cônjuges, sendo muito
mais extensa e profunda, do que a simples separação judicial de bens. As malhas do vínculo relaxam ou
distendem tanto que quase se partem. Separados de pessoas e bens, os cônjuges continuam, não obstante a
ser casados. Porque são casados, nenhum deles pode contrair novo casamento sob pena de cometer um
crime - bigamia.

A separação é um dos dois remédios que se oferecem para aquelas crises, sendo das duas a menos
perfeita. Ela será um mal, não só em si mesma, mas até em confronto com o divórcio. E sendo um mal, a
separação será uma situação transitória, que o legislador prefere não dure por muito tempo e admite que
seja convertida em divórcio decorrido certo prazo.

1794º - significa que tudo aquilo que sabemos sobre o divórcio, aplica-se à separação de pessoas e
bens. Esta separação pode ser por mútuo consentimento ou sem consentimento de um dos cônjuges. Se for
sem consentimento de um dos cônjuges, é requerida no tribunal. Se houver consentimento de ambos os
cônjuges, temos duas hipóteses: (1) ou estão de acordo quanto à separação e quanto às matérias
complementares; (2) ou requerem por mútuo consentimento no tribunal.

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Direito da Família e dos Menores
Mariana Melo
Portanto, só o pedido é diferente: em vez de pedirmos o divórcio, pedimos a separação. O estado civil
passa a ser o estado de separado.

 As pessoas fazem isto, sobretudo os católicos, porque quando casaram comprometeram-se perante a
sua religião a não pedir o divórcio; portanto, não se divorciam, mas separam-se.
 Secção 2 – separação judicial de pessoas e bens – não é separação judicial de pessoas e bens, porque tal
como o divórcio, esta pode ser sem consentimento de um dos cônjuges ou por mútuo consentimento; e
se assim for, e estiverem de acordo sobre os 4 acordos, vão requerer a separação na conservatória.
Riscamos a palavra “judicial”, porque esta separação também pode ser administrativa.

A separação é, em qualquer caso, a antecâmara do divórcio.

A separação de pessoas e bens pode revestir duas modalidades:

 Separação de pessoas e bens sem consentimento de um dos cônjuges: supõe um litígio; é,


portanto, pedida por um dos cônjuges contra o outro e funda-se numa determinada causa.

 Separação de pessoas e bens por mútuo consentimento: não implica litígio algum, sendo requerida
pelos dois cônjuges de comum acordo e sem indicação da causa por que é pedida. Por sua vez, a
separação por mútuo consentimento pode ser judicial ou administrativa, conforme é decretada
pelo tribunal ou pela conservatória do registo civil; a separação de pessoas e bens por mútuo
consentimento é hoje da exclusiva competência das conservatórias do registo civil, exceto no caso
de acordo obtido no âmbito de processo de separação litigiosa (12º/1/b) DL nº 272/2001, de 13 de
outubro) e quando os cônjuges não conseguiram formar algum dos acordos exigidos pelo artigo
1775º/1, ou atingiram um acordo que não mereceu homologação.

1795º - Reconvenção – se um deles pedir a separação sem consentimento do outro, o outro, em


reconvenção, pode pedir o divórcio. Também pode acontecer o contrário, ou seja, em reconvenção pede-se
de separação de pessoas e bens.

 Efeitos: aqui eles continuam casados e, portanto, há efeitos pessoais que se mantém.
 1795º-A: extingue-se o dever de coabitação e o dever de assistência. Então fica o dever de
respeito, porque são casados, o dever de colaboração porque há uma família. Mas fica, também, o
dever de fidelidade. Aqui, o legislador enganou-se porque se formos à Lei da UF, ao artigo 2º/c),
percebemos que a união de facto produz efeitos quando um dos unidos está separado de pessoas
e bens do seu cônjuge. Portanto, há aqui um desencontro no sistema. Então, parece que o dever
de fidelidade não se mantém.
Não pode, o separado, contrair novo matrimónio.
No entanto, Guilherme Oliveira diz-nos que o dever de fidelidade se mantém.

 O dever de alimentos mantém-se (1794º, 1795º-A e 2016º); mas cessa o dever de contribuir para
os encargos da vida familiar, uma vez que se extinguem o dever de coabitação e a “vida familiar”.

 Cada um dos cônjuges conserva, mesmo depois da separação, os apelidos do outro que porventura
tenha adotado (1677º-B/1, 1ª parte).

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Direito da Família e dos Menores
Mariana Melo

 No plano dos bens: com a separação, termina o regime matrimonial em vigor, qualquer que ele
seja, e que deixa de haver propriamente um “regime de bens do casamento”. Como dispõe o artigo
1795º-A, a separação faz perder ao cônjuge sobrevivo os seus direitos sucessórios em relação à
herança do falecido (2133º/3), e cada cônjuge não pode, na partilha, receber mais do que
receberia se o casamento tivesse sido celebrado segundo o regime da comunhão de adquiridos
(1790º), perdendo ainda todos os benefícios recebidos ou a receber do outro cônjuge ou de
terceiro em vista do casamento ou em consideração do estado de casado (1791º).

 O cônjuge que tenha pedido a separação com o fundamento do artigo 1781º/b), deve reparar os
danos não patrimoniais causados ao outro cônjuge pela separação decretada, devendo o pedido
de indemnização ser deduzido na própria ação de separação (1792º e 1794º).

 Como termina a separação de pessoas e bens?


O divórcio e a separação de pessoas e bens são dois remédios que a nossa lei admite lado a lado, nos
casamentos civis e nos casamentos católicos, podendo o cônjuge autor optar livremente pelo divórcio
ou pela separação. Portanto a lei prefere o divórcio à separação, mas facultou esta possibilidade porque
o divórcio pode ser, em muitos casos, contrário às convicções dos cônjuges.
Pode, então, terminar com:
 Reconciliação e os dois voltam a ser plenamente casados – 1795º-C. O processo de reconciliação
de cônjuges separados de pessoas e bens é de exclusiva competência das conservatórias do registo
civil (12º/1/a)). Os cônjuges que pretendam reconciliar-se devem formular o pedido,
fundamentado, em requerimento entregue em qualquer conservatória. A reconciliação pode ser
requerida a todo o tempo (1795º-C/1), efetua-se por acordo dos cônjuges.
A reconciliação vale como um segundo casamento, pelo que a convenção que os cônjuges
celebrassem sobre o regime de bens que valeria depois da reconciliação seria ainda, de alguma
maneira, uma convenção “antenupcial”. Dispondo o artigo 1795º-A, in fine, que a separação,
relativamente aos bens, “produz os efeitos que produziria a dissolução do casamento”, os regimes
da separação de pessoas e bens e do divórcio coincidem neste ponto, pois no divórcio, os
divorciados que voltem a casar um com o outro podem escolher livremente o regime de bens do
segundo casamento.
 Conversão da separação em divórcio - (1795º-D) - ao fim de 1 ano de separação de pessoas e bens,
há divórcio. A partir daí qualquer um deles pode pedir a conversão em divórcio. Mas se os dois
chegarem a acordo, nem sequer é necessário que se verifique o decurso daquele prazo.

! Esta separação é uma separação jurídica.

! É uma modificação da relação matrimonial, é menos do que o divórcio.

A separação de bens é meramente patrimonial e está regulada nos artigos 1767º e ss. É judicial porque
implica prova e o tribunal tem que aferir os factos.

106
Direito da Família e dos Menores
Mariana Melo

Direito da Filiação. Estabelecimento da filiação. Efeitos da Filiação


Filiação Biológica e filiação jurídica

Esta distinção não é mais do que uma aplicação da diferença conhecida entre o Facto e o Direito. A
maternidade e a paternidade foram sempre consideradas como factos biológicos, antes de os sistemas
jurídicos os reconhecerem, para lhes dar efeitos jurídicos; isto, independentemente dos modos de
reconhecimento jurídico admitidos, que variaram ao longo do tempo, e que são diferentes mesmo dentro
dos sistemas atuais.

Esta diferença entres os factos e o Direito existiu mesmo quando o Direito, em certas épocas e em
certos regimes, regulava a filiação de um modo tal que parecia esquecer-se dos factos biológicos que estão
na base dos vínculos jurídicos. P. ex., o Direito presumia como pai o marido da mãe e tornava muito difícil provar
que, num caso concreto, essa presunção tinha dado um resultado falso, parecia que não queria saber do facto da
paternidade biológica. Quando as perfilhações pelo progenitor, fora do casamento, assentavam fundamentalmente na
sua vontade soberana de assumir o estatuto de pai, parecia que o vínculo biológico era o menos… na aplicação do
regime do estabelecimento da paternidade.

A relação de filiação é a relação familiar mais importante. Quando estudámos as relações familiares,
vimos que temos as relações de parentesco, que são as que se fundam no sangue (porque ou descendemos
uns dos outros ou descendemos de um progenitor comum), e de todas estas a mais importante é a relação
de filiação.

Dum lado, temos a relação de sangue; do outro, temos os afetos. Temos um direito ainda muito
baseado nas relações de sangue, mas talvez daqui a uns tempos, seja mais baseado nos afetos. A adoção é
algo diferente. Isto não quer dizer que não se estabeleça a filiação nas relações que não são de sangue, pois
o legislador tutela-as.

É importante sabermos que a paternidade estabelecida pode ser impugnada. Existem prazos para
impugnar a paternidade. Mas decorridos esses prazos, a paternidade estabelecida, passa a ser inimpugnável.

Vamos encontrar situações no nosso direito em que a paternidade estabelecida não corresponde à
paternidade biológica. E o direito tutela estas situações, uma vez que para a família não interessa apenas as
relações de sangue. Ou seja, embora a filiação assente, na maioria das vezes, numa procriação em que
intervêm os dois progenitores que se tornam depois a mãe e o pai jurídicos, isto não quer dizer que a
maternidade e a paternidade se fundem sempre em factos biológicos pois, há casos em que a maternidade e
a paternidade assentam apenas na vontade de assumir um projeto parental.

No direito português emergente da Reforma de 1977, a distinção entre os factos biológicos da


maternidade e da paternidade e os estatutos jurídicos correspondentes é muito nítida; sobretudo, o relevo
daqueles factos biológicos é determinante na conformação do regime, que é dominado pelo chamado
princípio do respeito pela verdade biológica e, portanto, aceita com largueza a cessação e a impugnação dos
vínculos jurídicos que emergiram dos factos biológicos.

Portanto, quanto ao estabelecimento da filiação, o princípio mais importante é o Princípio da Verdade


Biológica - todo o nosso OJ gira em torno deste princípio, quer no estabelecimento da filiação, quer na sua
correção.

Mas não tem de ser assim. No nosso país a maternidade resulta do parto, mas nos países nórdicos é
necessário declarar, depois do parto, que se quer ser mãe. Esta opção serve para possibilitar que se possa
ter bebés sem se estabelecer a maternidade.

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Direito da Família e dos Menores
Mariana Melo
Vamos estudar dois grandes blocos de matéria: o estabelecimento da filiação – maternidade e paternidade -, e os
efeitos da filiação.

Princípios gerais do Estabelecimento da filiação – Estabelecimento jurídico e retroatividade

O artigo 1796º diz-nos como se estabelece a filiação.

Relativamente à mãe, a filiação resulta do facto do nascimento. Agora temos alguns desvios (gestação
de substituição). A linguagem corrente chama-lhe barriga de aluguer e existe o conceito de maternidade de
gestação. Mas o conceito mais correto, é o de gestação de substituição.

Relativamente ao pai temos 2 formas de estabelecimento da filiação - por presunção, durante o


casamento, ou fora do casamento, por reconhecimento.

Antes da utilização de um dos modos previstos para traduzir o vínculo biológico, ou as manifestações de
vontade, num vínculo jurídico, a filiação não tem relevo para o Direito; antes disso não se reconhece um
estatuto jurídico típico de filiação. Só no momento em que se completa o uso de um dos modos de
estabelecimento da filiação é que nasce a relação jurídica que une os sujeitos, uma relação jurídica que não
existia antes, mesmo que entre eles já existisse um laço biológico.

Quando nos situamos no âmbito mais vulgar em que existe entre dois indivíduos um vínculo biológico
de descendência, o cumprimento do modo previsto na lei para o estabelecimento da filiação cria o vínculo
jurídico, e cria-o com retroatividade (1797º/2). Isto é, quando a mãe biológica se torna mãe jurídica, ou
quando o pai biológico se torna pai jurídico, ambos são mãe e pai desde o nascimento.

Nos casos minoritários em que a maternidade e a paternidade assentam em manifestações de vontade


da mulher ou do homem que se vêm a tornar respetivamente mãe e pai jurídicos através dos procedimentos
taxativos que a lei prevê, a filiação reconhecida também retroage ao tempo do nascimento. Assim é quando o
marido da mãe consente na inseminação ou FIV com dador; quando a mulher ou companheira em união de facto da
mãe biológica consente no recurso à inseminação ou FIV com dador; quando a mulher recorre a doação de ovócito, FIV
e a gestação de substituição; e ainda quando a maternidade e a paternidade se estabelecem por adoção. Neste último
caso, era tecnicamente possível atribuir à adoção um efeito ex nunc; mas esta solução sugeria que os pais
biológicos conservavam o seu estatuto desde o nascimento até à constituição da adoção, o que não é
compatível com a quebra total dos laços entre a nova família adotiva e a velha família biológica que a lei
impõe.

Que sentido tem a retroatividade?

A retroação dos efeitos da filiação significa que todo o conjunto de consequências jurídicas que são
previstas por várias normas – e que não se produziram antes – produzem-se agora como se a filiação tivesse
sido estabelecida desde o nascimento. P. ex., podem ser adicionados apelidos do progenitor reconhecido, com
efeitos desde o nascimento; pode-se chamar o filho a heranças que foram abertas antes do estabelecimento da filiação;
a revelação de um vínculo de parentesco ou afinidade que teria obstado ao casamento realizado com o filho agora
reconhecido pode invalidar agora o casamento; segundo alguns, o progenitor que arcou sozinho com a prestação de
alimentos pode exercer um direito de regresso sobre o novo progenitor reconhecido pela parte que teria cabido a este
na criação do filho comum; no direito alemão, o pai que prestou alimentos e depois viu a sua paternidade impugnada
pode exercer um direito de regresso contra o progenitor agora reconhecido; talvez possa haver direito de regresso
contra o progenitor que teria partilhado a responsabilidade civil pelos danos causados pelo filho comum, como se ele
tivesse sido reconhecido antes do ato causador do dano.

108
Direito da Família e dos Menores
Mariana Melo
Limites da eficácia retroativa:

 Os comportamentos jurídicos devem ser avaliados de acordo com as leis vigentes à data da sua prática,
e nem as leis novas, nem atos posteriores, devem alterar os requisitos de validade que esses
comportamentos cumpriram oportunamente, sob pena de se comprometer o valor essencial da
segurança jurídica. P. ex., o casamento de um menor, autorizado por quem figurasse na época como progenitor
no registo civil, deve permanecer totalmente regular ainda que se estabeleça posteriormente a paternidade
verdadeira; o estabelecimento da paternidade sobre um filho que não tinha progenitores registados e que tinha
sido protegido através da instauração da tutela faz cessar a tutela [1961º/f)] mas não destrói todos os atos
regularmente praticados pelo tutor; o estabelecimento da filiação sobre um filho maior não tem consequências
sobre a sua nacionalidade (cfr. 14º Lei nº 37/81, de 3 de outubro).
 Ainda por razões de tutela da segurança jurídica, a retroatividade do estabelecimento da filiação não
pode suscitar a aplicação a factos passados de normas que restringem direitos fundamentais. P. ex., o
caso de se pretender invalidar uma venda de pais a filhos, feita com o consentimento de todos os filhos
reconhecidos na altura, alegando-se que a filiação agora estabelecida retroage ao tempo do negócio e o filho
agora reconhecido não prestou o seu consentimento para a venda. Ora, sendo o requisito do consentimento
dos filhos uma restrição do direito fundamental de transmitir a propriedade em vida, nem uma lei
formal pode exigir o cumprimento desse requisito retroativamente (18º/3 CRP).
 Há limites que são ditados pela razão e pela “natureza das coisas”, e não se pode dizer que um
progenitor reconhecido retroage em pessoa por força do art. 1797º/2, de tal modo que tudo se passa
como ele tenha estado presente a velar pela segurança e saúde dos filhos, tenha dirigido a sua
educação e o tenha representado desde o nascimento, exercendo assim, no passado, os poderes-
deveres que a lei impõe aos pais (1878º/1); a retroatividade é uma técnica jurídica, não é uma ficção da
realidade.

Quanto ao caráter formal é muito importante que se esclareça: ou se é mãe ou não, ou se é pai ou não;
não há meios termos. Como é que sabemos se determinada pessoa é pai ou mãe? Vamos ao registo - se não
o nome da pessoa não estiver no registo é porque não é pai ou mãe. Pode haver relações muito semelhantes
às relações de filiação, mas a verdade é que se não estiver estabelecido o vínculo, para o direito, essa relação
não tem valor – 1797º.

A maternidade e a paternidade jurídicas têm de ser registadas, segundo o art. 1º CRC, por razões de
organização social e familiar. Como tal, o art. 2º estabelece que a maternidade ou a paternidade que não
sejam registadas “não podem ser invocadas” – não gozam de “atendibilidade”. Não se trata de negar a
existência dos factos reconhecidos, nem a sua validade, mas apenas de lhes negar eficácia, na medida em
que os factos não podem ser invocados por aqueles que quiserem tirar proveito deles. Pelo contrário, o
mero cumprimento da obrigação de registar os factos elimina todo o obstáculo à eficácia jurídica dos
vínculos.

 Exceção: 1843º - o marido pode impugnar a paternidade presumida mesmo antes de a


maternidade e a paternidade constarem do registo; ele pode invocar, assim, um estatuto
meramente eventual, para antecipar a impugnação.

1802º - como é que provamos que somos filhos de alguém? Só através do registo civil.

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Direito da Família e dos Menores
Mariana Melo
Critérios jurídicos de parentalidade

1. A defesa do casamento e da “legitimidade”


Depois do parto, o estatuto jurídico de mãe só era atribuído à mulher que praticasse o ato jurídico de
reconhecimento do filho, tornando possível que, em certos casos, a mulher não viesse a assumir o estatuto
jurídico de mãe. Porém, esta faculdade era mais facilmente admitida à mulher solteira, do que à mulher
casada. Em princípio, o filho nascido dentro do casamento da mãe era obrigatoriamente registado como seu
filho, mesmo que não fosse ela a declarar o nascimento.
O papel jurídico de pai era confiado ao marido da mãe, quando a mulher era casada; esta atribuição era
quase imperativa. Mesmo que o marido soubesse que não era o responsável pela conceção, e mesmo que
esta irresponsabilidade fosse patente, ninguém podia impugnar a paternidade jurídica atribuída, salvo em
casos muito excecionais. Isto significava que a lei não pretendia que a paternidade fosse “verdadeira” com o
sentido que hoje damos a esta expressão; o que a lei queria era impedir que se provasse um adultério da
mulher casada e, assim, queria guardar o prestígio do casamento.

2. O privilégio da vontade arbitrária do pai ou da mãe


Na filiação fora do casamento – onde não se fazia sentir o imperativo da defesa do casamento e da
“legitimidade” – a mãe ou o pai assumiam o estatuto jurídico correspondente se quisessem.
 Maternidade - as mulheres solteiras e grávidas não deviam ser obrigadas a assumir o estatuto
jurídico de mães para que não fossem levadas a interromper a gravidez, apenas para evitar aquela
consequência. O filho nascido acabaria, afinal, por ser entregue para adoção, formal ou informal.
 Paternidade - entregava-se à sua vontade arbitrária a assunção das responsabilidades. Esta
liberdade, aliás, não se estranhava nas sociedades tradicionalmente machistas. Por outro lado, se o
homem tivesse perfilhado a criança sem ser realmente o progenitor, a ação de impugnação da
paternidade era tão livre quanto podia ser. A vontade arbitrária do homem era ainda defendida pelo
Direito no caso que o filho pretender investigar judicialmente a paternidade, para impor o estatuto
ao pai, porque a ação era quase impossível – tais os requisitos que alguns sistemas jurídicos
impunham.

3. A prioridade da verdade biológica


Nos anos 70, sobretudo nos países latinos, era fácil encontrar algum descontentamento relativamente
aos padrões dominantes, por várias razões. Então, os sistemas jurídicos orientaram-se para a descoberta da
chamada “verdade biológica” – a “verdade verdadeira” nas palavras de CARBONNIER – de tal modo que os
factos biológicos pudessem ser “convertidos” facilmente em factos jurídicos. As mulheres que tinham os
partos eram reconhecidas necessariamente como mães jurídicas, e os homens que tinham sido
corresponsáveis pela conceção assumiam o estado jurídico de pais. As leis previam os procedimentos
adequados; os factos biológicos impunham-se por si, para além das ideologias e dos preconceitos.
Para mais, os meios científicos de prova estavam a desenvolver-se como nunca, não só por força da prática das
transplantações e dos conhecimentos associados de histocompatibilidade, mas também, e sobretudo, pelos progressos
da genética.

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Direito da Família e dos Menores
Mariana Melo
4. A vontade de um projeto parental

No âmbito do estabelecimento da filiação com recurso a inseminação com dador, desde os anos 70,
encontram-se manifestações de relevância da vontade onde o princípio da verdade biológica não pode ter
lugar, por definição; na verdade, o recurso a esta técnica justifica-se pela infertilidade do marido e, portanto,
não faria sentido imputar-lhe uma paternidade biológica. O marido assume o estatuto de pai apenas porque
consente na inseminação da mulher. E, para além de se inscrever o nome do marido no registo civil, o filho
não podia pretender o reconhecimento da paternidade assente no vínculo biológico, nem sequer descobrir a
identificação do dador. E a preocupação de robustecer o papel do marido levou as boas práticas a admitir
alguma seleção do dador para que este tivesse uma aparência semelhante à daquele, e assim favorecer as
hipóteses de o filho ostentar a aparência do marido.

Quanto à maternidade, começam a ser admitidos casos em que a mulher casada com a mãe biológica,
ou unida de facto com ela, manifeste a vontade de assumir o estatuto de segunda mãe, no início dos
procedimentos de PMA em vista do nascimento. Note-se que a mera vontade de assumir a paternidade ou a
maternidade, nos casos referidos, manifestada nos termos da lei, é suficiente; como é óbvio – já que a
criança ainda não nasceu – não se poderia exigir a demonstração de quaisquer atos reiterados de cuidado,
ainda que a simples manifestação da vontade deixe prever um comportamento típico de pai ou de mãe, e a
partilha das responsabilidades parentais.

5. A verdade socioafetiva
No direito brasileiro, nasceu no fim dos anos 70 uma corrente forte que favoreceu a chamada
paternidade socioafetiva.
 João Batista Villela: “ser pai ou ser mãe não está tanto no facto de gerar quanto na capacidade de
amar e servir”.
De certo modo, esta ideia já se praticava, na medida em que se atribuía a paternidade sem vínculo
biológico. Na verdade, o instituto da adoção é conhecido em todos os sistemas jurídicos com uma
configuração semelhante e o adotante não é, por definição, o progenitor. A regra de que o marido, ou o
companheiro da mãe, que consente na inseminação com gâmetas de dador é o pai jurídico também foi
consagrada em muitos países.
Mas a ideia ampliou-se na doutrina, na jurisprudência e na lei brasileiras - “toda a paternidade é
necessariamente socioafetiva, podendo ter origem biológica ou não”. Entendeu-se a noção de “parentesco
civil” para abranger a expressão da verdade socioafetiva, que sustenta os vínculos de parentalidade em três
tipos de situações: na adoção, no caso de paternidade do marido ou companheiro da mãe inseminada com
esperma de dador, e no caso de posse de estado de filho.
Em suma, se alguns sistemas jurídicos europeus davam valor à estabilidade das relações constituídas, no
interesse do filho, dificultando a impugnação da filiação, o sistema brasileiro ampliou muito o valor da
verdade socioafetiva baseando a constituição dos vínculos na prova de que se criou um laço afetivo
duradouro, ou assentando a impugnação da filiação exclusivamente na prova de que não chegou a formar-
se, ou desapareceu, uma convivência familiar. A investigação da paternidade biológica é uma questão da
tutela da personalidade; o estabelecimento da filiação, para ser um assunto de direito da família, exige a
comprovação de uma convivência familiar de natureza socioafetiva.

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Direito da Família e dos Menores
Mariana Melo
6. O cuidado parental
Esta realidade social pode encontrar-se, de uma forma crescente, no quadro de relações entre um filho
e o novo cônjuge ou companheiro em união de facto do pai ou da mãe. Ou seja, p. ex., relação de afinidade
em primeiro grau, entre madrastas, padrastos e enteados, que vêm aspirando a um reconhecimento jurídico
há muito tempo. Neste sentido, o cuidado parental tem fundamentado a atribuição formal da titularidade e
do exercício de responsabilidades parentais, no interesse da criança, sobretudo para as hipóteses mais
drásticas em que o progenitor reconhecido fica impedido, ou morre, e a criança corre o risco de ser entregue
a alguém que mal conhece mas que, por força de algum vínculo familiar próximo, tem prioridade sobre o
cuidador informal.
Ao contrário dos critérios de parentalidade enunciados – o cuidado parental não tem de pretender
fundamentar um estatuto de mãe ou de pai, mas apenas basear a formalização jurídica da função de
cuidador pleno.

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Direito da Família e dos Menores
Mariana Melo
Referência à evolução do direito português

O código civil de 1966 manteve os traços gerais do direito tradicional, quanto à maternidade e
quanto à paternidade. Prevaleciam, como critérios da parentalidade, a defesa do casamento e da
“legitimidade” e a vontade arbitrária do progenitor.

A reforma de 1977 significou uma alteração enorme no quadro jurídico português, no sentido do
critério biologista.

 Quanto à maternidade – onde o critério biológico foi sempre mais fácil de seguir pelo caráter
ostensivo do vínculo – a acentuação da verdade biológica notou-se principalmente na eliminação da
perfilhação pela mãe: a maternidade passou a resultar do facto do nascimento, e a ser estabelecida
por uma simples indicação da identidade da mãe.
 A determinação jurídica da paternidade, por sua vez, continuou a respeitar a máxima antiga pater is
est quem justae nupciae demonstrant, mas a impugnação da paternidade do marido passou a seguir
o regime geral da “prova do contrário”, baseada em qualquer facto e sujeita às mesmas práticas de
convicção judicial. A negação da paternidade resultava serenamente da demonstração de que o
marido era alheio à conceção. Por outro lado, os filhos nascidos fora do casamento tinham liberdade
para investigar a paternidade, ora provando diretamente o facto biológico da progenitura, ora
beneficiando de presunções que traduziam a probabilidade de o réu ser o progenitor. Em ambos os
casos, o esforço probatório exigido deixou de exprimir quaisquer preconceitos antigos para passar a
ser racional e proporcionado.
O sistema, que antes atribuía o estatuto de pai por razões diversas da humilde verificação da
progenitura subjacente, deixou de poder ser acusado de favorecer a instituição matrimonial ou a
arbitrariedade dos homens. Deixou de interessar se o vínculo nascera de relações sexuais lícitas ou
ilícitas, ou se o progenitor queria ou não queria assumir o estatuto jurídico correspondente. O vínculo
jurídico da paternidade passou a assentar no vínculo prévio da progenitura e, desde então, a paternidade
jurídica coincide com a paternidade biológica – cada um tem o pai que a biologia lhe deu.
O regime português justificou assim a qualificação de “biologista”.

 Em Portugal, desde 1967 que se conhece o caso da adoção, que nasce da vontade de assumir o
papel de pai ou mãe e que se justifica pela perspetiva de construir um vínculo semelhante àquele
que assenta na progenitura, no interesse do adotando. Por definição, neste regime, não há lugar
para afirmar um fundamento biológico da paternidade ou da maternidade; apenas a vontade de ser
pai ou mãe, e o compromisso de assumir as responsabilidades correspondentes, sustentam a
parentalidade jurídica que se estabelece.
 Há poucos anos, o direito português também aceitou a concorrência do critério da vontade de
assumir um projeto parental, no âmbito do estabelecimento da filiação com procriação
medicamente assistida. Ver: 20º e 21º Lei nº 32/2006, de 26/7; 27º - normas que valem para a
fertilização in vitro que envolva a dação de esperma; 47º - outras técnicas.
 Recentemente, segundo a Lei nº 17/2016, de 20/6, que alterou a Lei nº 32/2006, o direito português
reconheceu que a maternidade pode fundar-se na vontade de assumir o estatuto de mãe. Na
verdade, quando uma mulher recorre a inseminação com dador (ou a fertilização in vitro
correspondente) a mulher que está casada com ela ou que vive em união de facto com ela pode
consentir no projeto maternal e, neste caso, assume um estatuto igual de mãe (20º/1).
 Finalmente, no caso de a mulher recorrer à fertilização in vitro com doação de um ovócito por
terceira e à gestação de substituição, acabará por ser considerada a mãe jurídica da criança, sendo
que o fundamento desta maternidade jurídica é a sua vontade de iniciar um projeto parental.

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Direito da Família e dos Menores
Mariana Melo
Breve referência aos princípios fundamentais do estabelecimento da filiação

Princípios Constitucionais

 2º, 6º, 7º, 8º, 9º, 10º, 11º e 12º.


 Uma vez que este volume só se ocupa do estabelecimento da filiação, os princípios mais relevantes são:
o 2º – no sentido de que todos têm o direito de ver juridicamente reconhecidos os vínculos de
parentesco; o 8º – no sentido de que as leis não podem dificultar o estabelecimento da filiação fora do
casamento, ainda que os modos de estabelecimento da paternidade previstos sejam diferentes; o 10º -
no ponto em que se impõe a efetivação de condições que permitam a realização pessoal dos membros
da família – e isto pode exigir a previsão dos meios para estabelecer ou impugnar vínculos de filiação; e
no ponto em que se impõe a regulamentação da procriação medicamente assistida – que implica a
constituição de vínculos de parentesco; o princípio 11º - no sentido marginal em que os pais são
insubstituíveis enquanto têm o dever de agir em nome dos filhos para a promoção das diligências
necessárias para o estabelecimento da filiação, designadamente para agir em ações de investigação ou
de impugnação; e o princípio 12º que garante às crianças a promoção do seu desenvolvimento integral
– exigindo, porventura, o estabelecimento ou a impugnação de vínculos de parentesco – e que garante
uma especial proteção às crianças desprovidas de um meio familiar normal – como as que nunca viram
estabelecidos os seus laços de filiação.
 O direito à identidade pessoal e o direito ao livre desenvolvimento da personalidade – 26º
Consiste, por um lado, “num direito a ter um nome, de não ser privado dele, de o defender e de impedir
que outrem o utilize (sem prejuízo dos casos de homonímia”. Consiste, por outro lado, num direito à
historicidade pessoal, significando isto o direito ao conhecimento da identidade dos progenitores que,
por sua vez, garante um direito à “localização familiar”, de tal modo que cada indivíduo possa identificar
os seus parentes, a sua origem geográfica e social. O direito ao desenvolvimento da personalidade, ao
mesmo tempo que fundamenta uma “tutela geral da personalidade”, consagra uma “liberdade geral de
ação”, uma “liberdade de comportamento” no sentido de uma autonomia e autodeterminação
individuais, “assegurando a cada um a liberdade de traçar o seu plano de vida”. Todos os cidadãos são
titulares deste direito, mas as crianças e os jovens são um grupo para quem ele assume uma “especial
relevância”. A prová-lo está o facto de que a lei fundamental já consagrava a mesma proteção
especificamente para a infância (69º) e para juventude (70º), ao mesmo tempo que inscrevia o
“desenvolvimento da personalidade” como um dos grandes objetivos da educação, no âmbito da escola
(73º/2).
 Este princípio deve ser ponderados no quadro da discussão de alguns temas relevante como, por
exemplo, quando se discute se os filhos adotivos devem ter o direito de procurar judicialmente os
vínculos biológicos ainda incógnitos (1987º), ou quando se discutia o direito de conhecer a
identidade dos seus progenitores já estabelecidos; ou quando se discute, num caso paralelo, se os
filhos nascidos por inseminação com recurso a gâmetas de dador têm o direito de saber quem
forneceu o óvulo ou o esperma que contribuiu para a conceção; ou ainda, num caso duas vezes
mais difícil, se o filho nascido de um embrião doado pode conhecer a identidade do casal que
produziu e doou esse embrião. Aqueles direitos podem também ser invocados no sentido de
contrariar os prazos que limitem as ações judiciais necessárias para estabelecer os vínculos de
filiação que ainda não estejam reconhecidos, ou para impugnar os laços jurídicos que sejam
contrários à verdade biológica.

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Direito da Família e dos Menores
Mariana Melo
Princípio da verdade biológica

Exprime a ideia de que o sistema de “estabelecimento da filiação” pretende que os vínculos biológicos
tenham uma tradução jurídica fiel, isto é, pretende que a mãe juridicamente reconhecida e o pai
juridicamente reconhecido sejam realmente os progenitores, os pais biológicos do filho. Isto implica que as
normas pelas quais se rege o reconhecimento dos vínculos devam estar previstas de tal modo que produzam
resultados jurídicos fiéis à realidade biológica; implica que não sejam considerados como pais jurídicos
pessoas que não foram os progenitores do filho. Exige, também, que seja possível usar instrumentos
jurídicos de correção nos casos em que a aplicação das normas de estabelecimento da filiação conduziram,
num primeiro momento, a um resultado falso; ou seja, exige que haja a possibilidade de impugnar a
maternidade ou a paternidade que tiverem sido estabelecidas mas, afinal, não correspondam à maternidade
biológica ou à paternidade biológica.

Quanto à maternidade, o conceito de “verdade biológica” tornou-se discutível desde que é


tecnicamente possível uma mulher fornecer o óvulo e outra mulher fazer a gestação. Afinal, quem é a mãe
verdadeira? Afinal, o óvulo contém o património genético que a mãe transmite; e a gestação, para além de
contribuir com fatores que condicionam a expressão genética, mostra a mãe tradicional: a mulher que dá à
luz; e é claro que a mulher que tem o parto é quase sempre a fornecedora do óvulo. No fundo, quando se diz
que o parto mostra a verdade biológica, deu-se preferência a um dos dois critérios possíveis de verdade
biológica.

Princípio da taxatividade dos meios para o Estabelecimento da Filiação

Significa que os vínculos de filiação se estabelecem apenas através dos modos previstos
imperativamente na lei, com exclusão de quaisquer acordos privados através dos quais se pretenda
constituir vínculos diferentes ou com fundamentos diferentes. Não vale aqui o princípio da autonomia da
vontade, que permitiria negociar o nascimento de vínculos de maternidade ou de paternidade, à margem
das normas previstas para o efeito.
Este princípio afasta, p. ex., a possibilidade de os filhos herdeiros suprirem a omissão do pai que morreu sem ter
perfilhado um outro filho biológico; mesmo que todos estejam de acordo em que o filho biológico não perfilhado é um
irmão, não é admitido um ato jurídico que faça as vezes da perfilhação que foi omitida por quem tinha legitimidade
para a fazer. Este princípio também servia para rejeitar os efeitos jurídicos de um acordo de maternidade de
substituição, através do qual uma mulher pretendia ser considerada como mãe jurídica, apesar de não ser a autora da
gestação e do parto; e continuaria a servir hoje, quando estiver em causa um acordo que se situe fora dos casos
admitidos pela lei atual, se esses acordos não fossem expressamente considerados nulos (8º/12, Lei nº 17/2016).

Exames científicos de filiação

Quando estamos a fazer prova para estabelecer a filiação, vamos ao artigo 1801º, que nos diz que são
admitidos todos os meios de prova, como forma de fazer cumprir o o princípio da verdade biológica. Antes,
era proibida a invocação da fecundação artificial, quer para estabelecer a paternidade quer para impugnar a
paternidade presumida por lei.

Mas são também admitidos os exames de sangue. Quando o CC foi feito, estes exames eram raros; hoje
em dia, com os testes de ADN, é possível estabelecer quase com absoluta precisão, se X é pai ou mãe. No
entanto, os testes de ADN não resolvem tudo, porque se o pai morreu, só com autorização da família
conseguimos exumar do corpo; apesar de ser possível fazer averiguações mais extensas em familiares
próximos. Também temos de acautelar que há determinadas situações, em que a pessoa que está em
iminência de fazer o teste de ADN, considere este teste indigno e, como tal, recusa a sua realização.

Tipos de provas científicas: provas heredobiológicas; cálculo gestacional; provas hematológicas;


desenvolvimento das transplantações (compatibilidade entre indíviduos); ADN.

115
Direito da Família e dos Menores
Mariana Melo
A conceção

Foi sempre relevante determinar, com o maior rigor possível, o momento da conceção (p. ex., para
auxílio do estabelecimento da paternidade).
O nosso legislador utiliza um conceito - “período legal de conceção” – este é um conceito operativo e
está definido no artigo 1798º. Ou seja, temos o dia do nascimento e o período legal começa 300 dias atrás,
para todos nós. E porque é que começa 300 dias antes? Porque quando se redigiu o CC, a gravidez mais
longa tinha durado 300 dias. Então, o legislador considerou que todas as crianças, quando nascem, com
certeza que foram concebidas no máximo até 300 dias antes. Não sabemos qual é o dia certo, mas sabe-se
que não foi há mais de 300 dias. E, na altura, a gravidez mais curta tinha durado 180 dias. Se a criança
nascesse com menos de 180 dias, não viveria. Como tal, podemos considerar que as mães de todas as
crianças que nasceram, já estavam grávidas há pelo menos 180 dias. Então, todas as crianças que nasceram,
foram concebidas entre os 300 e 180 dias antes do nascimento. Ou seja, o período legal de conceção são os
120 dias dos 300 dias que antecederam ao nascimento.

O “período legal da conceção” não pretende exprimir uma regra fisiológica rigorosa, mas apenas
formular um critério prático, “para estabelecer uma aproximação” que evite discussões em cada caso.

Princípio da indivisibilidade – Presunção Omni meliore momento

Segundo este, todos os dias são equivalentes como dias da conceção; não tem interesse procurar
distinguir, entre todos os dias, uns mais relevantes do que outros. A “indivisibilidade”, a equivalência dos
dias que integravam o “período legal” era acompanhada da presunção de que o filho tinha sido concebido
no melhor momento de todos, de acordo com o seu interesse.

 Se o marido da mãe morre 299 dias antes do nascimento, considera-se que o filho pode ter sido
concebido no primeiro dia do “período legal”, que é o dia anterior à dissolução do casamento; e,
portanto, entende-se que o filho foi concebido na constância do casamento, pelo que se lhe aplica a
presunção de paternidade do marido (1826º). Tradicionalmente, o interesse do filho era o de ser considerado
filho “legítimo”, tendo em conta as vantagens deste estatuto em confronto com o dos filhos “ilegítimos”.
 Imaginemos que o filho propunha uma ação de investigação da paternidade contra um certo homem
que tivera relações sexuais com a mãe do autor, durante o período legal da conceção. Não se discutia se
a data das relações sexuais coincidia com o momento da conceção; qualquer que tivesse sido a data das
relações, dentro dos 120 dias, ela servia para tentar responsabilizar o réu. O interesse do filho era, aqui,
o de dar relevância à coabitação entre a sua mãe e o réu, para tentar reconhecer a paternidade.

Agora vamos ver, verdadeiramente, como é que se estabelece a filiação. A partir do artigo 1803º
encontramos o regime do estabelecimento da maternidade e da paternidade.

116
Direito da Família e dos Menores
Mariana Melo
Estabelecimento da Paternidade

O estabelecimento da paternidade está regulado nos artigos 1826º e ss. Nós vimos que o
estabelecimento da paternidade pode ser feito por presunção ou por reconhecimento. Existe o princípio da
taxatividade das formas de estabelecimento da filiação. Quando estudámos os impedimentos, vimos que o
facto de se fazer prova na conservatória de que X não pode casar com Y, porque são pai e filho, não faz com
que se estabeleça a paternidade, mesmo que o conservador se convença plenamente de que X e Y não são
familiares.

Se a mulher é casada há sempre a possibilidade de seguir um caminho simples, para estabelecer a


paternidade: a presunção legal pater is est quem nuptias demonstrant; se a mulher é solteira, não há um
marido que possa ser presumido pai, e o estabelecimento da paternidade tem de seguir outros caminhos.

A lei organiza um modo de estabelecimento da paternidade do marido – por presunção legal – e outras
três vias para se estabelecer a paternidade fora do casamento – a perfilhação, a ação de investigação da
paternidade, e a averiguação oficiosa da paternidade que, verdadeiramente, acaba por se reconduzir a uma
das duas primeiras, quando procede.

Presunção

Presume-se que o pai da criança nascida ou concebida na constância do casamento é o marido da mãe –
1826º/1.

O sistema jurídico não tem capacidade para regular o estabelecimento da paternidade de um modo
perfeito; só pode pretender cometer o menor número de erros possível, e conseguirá este objetivo se
organizar procedimentos flexíveis, que equilibrem os interesses, os possíveis abusos e os simples enganos.

 É uma verdadeira presunção legal, está na lei, é o legislador que presume. Se a senhora for casada,
ninguém vai perguntar quem é o pai, presume-se logo. O marido da mãe é o pai da criança, nascida ou
concebida na constância do matrimónio.
A atribuição da paternidade ao marido assenta numa forte probabilidade de ele ser o autor da
fecundação, de acordo com “o que normalmente acontece”, segundo juízos objetivos de experiência.
 O filho nascido ou concebido na constância do matrimónio: a criança pode ter nascido na constância do
matrimónio e ter sido concebida fora do casamento. Também pode acontecer o contrário, em que a
criança pode ter sido concebida na constância do casamento, e nascida quando já não haja casamento,
p. ex., nos casos em que há divórcio ou morte do pai, antes do nascimento. Esta presunção é tão forte,
que é a única exceção nos efeitos putativos do casamento relativamente ao requisito da boa-fé: mesmo
que os dois cônjuges estejam de má-fé, funciona a presunção de paternidade (1827º) - esta é uma
exceção forte ao regime da presunção.

A presunção de paternidade funciona relativamente ao filho concebido antes do casamento e nascido


durante o matrimónio (nasc. 2); relativamente ao filho concebido e nascido durante o casamento (nasc.
3); e relativamente ao filho concebido durante o casamento e nascido depois da sua dissolução (nasc.
4); mas não funciona relativamente aofilho concebido e nascido antes da celebração do casamento
(nasc. 1), nem relativamente ao filho concebido e nascido depois da dissolução (nasc. 5).

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Direito da Família e dos Menores
Mariana Melo
Caso da União de Facto: o estabelecimento da paternidade seguirá os outros modos – a perfilhação, a
averiguação oficiosa, e o reconhecimento judicial. Não é fácil determinar o início e o fim da UF com o
rigor com que se determinam no casamento, e este rigor faz falta para aplicar as regras sobre o período
legal da conceção e para saber se o filho nasceu nos primeiros 180 seguintes ao início da UF ou depois
dos 300 dias subsequentes ao fim da união de facto.

Menção obrigatória da paternidade (1835º/1): Nos casos de nascimento de mãe casada, a paternidade
estabelece-se por força de uma verdadeira presunção legal, que assenta num juízo de probabilidade
qualificada, fundado em regras da experiência comum. Os serviços do registo estão obrigados a fazer a
respetiva menção, pelo que se devem negar a aceitar uma declaração de que o pai é incógnito, ou a aceitar
uma perfilhação incompatível – exceções: 1828º e 1832º; 1829º e 1823º.

Renascimento da presunção de paternidade: Se pode admitir-se como altamente provável que a coabitação
conjugal tenha cessado nas datas consideradas pelo artigo 1829º/2/a)/b), reconhece-se, apesar de tudo, a
possibilidade de o marido ser o pai, sempre que todo ou parte do período legal da conceção tenha decorrido
entre as citadas datas e o momento do trânsito em julgado das sentenças de divórcio ou de separação; neste
caso a lei prevê os meios de restabelecer a presunção, nos termos do nº 1, parte final. Para que a presunção
seja restabelecida é necessário que a aparência inicial seja contrariada e superada pela demonstração da
verosimilhança da paternidade, nos termos do artigo 1831º. O chamado “renascimento da presunção” não
se destina, pois, a provar que o marido é o pai; só procura desvanecer a aparência inicial.
1831º - a legitimidade para intentar a ação de renascimento da presunção cabe a qualquer dos
cônjuges ou ao filho; o renascimento da presunção pode também basear-se na demonstração de que “o
filho, na ocasião do nascimento, beneficiou de posse de estado relativamente a ambos os cônjuges”.

 A presunção de paternidade pode ser afastada, não é ilidida. Pode ser afastada nos termos do artigo
1832º, mediante declaração da mãe. Esta norma tem a redação de 2001, suscitando algumas críticas –
há quem diga que é uma norma ligeira. A mãe pode, no momento do nascimento, declarar que o filho
não é do seu marido. Imaginemos, p. ex., um casal. A mulher só tinha relações sexuais com outra
pessoa, sabendo que o pai da criança não é o seu marido. Então, diz ao conservador que o seu filho não
é filho do marido – esta é uma presunção ligeira, mas a Dr. Sandra Passinhas não conhece nenhum caso
que tenha corrido mal. Só funciona como mera declaração e como se a presunção nunca tivesse sido
accionada. A mãe não pode dizer que o pai é X, pois só se estabelece a paternidade por presunção ou
por reconhecimento. Aqui, a mãe apenas impede que funcione a presunção de paternidade.
Imaginemos que a senhora não diz nada ao conservador e se estabelece a filiação, uma vez que não se
afastou a presunção. Agora, passado um ano, percebe-se que a criança é muito parecida com o pai
verdadeiro. Aqui, a verdade biológica não corresponde à verdade conhecida, então o pai estabelecido, o
marido da mãe, vai impugnar a paternidade – 1842º e ss.
Se a mulher é casada e afasta a presunção de paternidade, está aberto o caminho para o
reconhecimento. A senhora está casada, tem um bebé, e no momento do registo diz que o pai da
criança não é o seu marido; então o verdadeiro pai pode reconhecer a criança e estabelece-se a filiação.

! Uma coisa é o afastamento da presunção, que é feito pela declaração da mãe. E o que acontece? A
mãe, no próprio registo, afasta a presunção e é como se esta nunca tivesse realmente funcionado. Ela
impede o estabelecimento. Outra coisa é quando a paternidade é estabelecida, mas não corresponde à
verdade biológica e, então, tem de ser impugnada. Quem impugnar vai ter de explicar ao tribunal que aquela
paternidade estabelecida não corresponde à verdade biológica.

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Direito da Família e dos Menores
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Impugnação da Paternidade
A ação de impugnação da paternidade supõe que a presunção da paternidade do marido funcionou e
que o nome do marido da mãe figura no lugar da paternidade, no registo de nascimento do filho; supõe
também que a presunção indicou um pai que, na verdade, talvez não seja o progenitor.

 1838º - impugnação da paternidade – a paternidade presumida só pode ser impugnada nos termos da
lei (não há liberdade de impugnação). Só podem impugnar a paternidade, as pessoas estabelecidas no
artigo 1838º e ss (e 1841º) – mãe, filho e marido da mãe. Mas falta aqui o pai biológico, que é uma
pessoa muito importante. O legislador apenas tutela esta questão em termos muito limitados, por
razões de segurança e estabilidade da família. Para além do marido da mãe, que foi estabelecido pai do
filho, o MP pode impugnar a paternidade; não é qualquer interessado, pois a nossa lei não quis a
impugnação autónoma e incontrolada do terceiro porque a concessão de uma legitimidade plena
significaria sempre a intromissão de um estranho, no seio da família, intervenção sempre grave, mesmo
quando acabasse por ser considerada improcedente.
 1841º/1 - o pai do filho, tem de demonstrar ao MP a viabilidade do seu pedido, tem de demonstrar
que tinha relações sexuais com a mãe, p. ex.
 1841º/2 - o MP só pode agir nestas situações. O que é que acontece? Estas são aquelas situações
em que a mãe tem uma relação com duas pessoas. Aqui, o pai tem de ser um pai muito
interessado, tem de saber que o filho é dele e tem de saber que tem 60 dias para pedir ao MP que
requeira impugnação de paternidade.
A estabilidade daquela família depende da mãe, do marido da mãe, pai estabelecido, e do filho. Se eles
pretenderem manter aquela paternidade, se nada fizerem, o pai da criança nunca verá a paternidade
real estabelecida.
Nesta situação, temos no registo o nome da mãe e o do pai (que é o nome do marido da mãe). E
quando temos um registo, não podemos apagar o nome, terá de ser o tribunal. Ora, se há paternidade
estabelecida, o tribunal só poderá apagar o nome do pai se houver impugnação.
Não quer dizer que a verdadeira paternidade não se estabeleça para sempre, depende é apenas da
mãe, do marido e do filho, e já não do verdadeiro pai.

Legitimidade – 1839º e 1841º - MP naqueles 60 dias.


Legitimidade Ativa:
 Filho
 Mãe do filho - ela pode pretender criar as condições para uma futura perfilhação pelo pai biológico
e pode querer excluir o marido das responsabilidades parentais sobre um filho que não é dele, isto
é, pode pretender concentrar em si o poder de direção sobre o filho.
 Aquele que se declara pai natural, nos termos ditos supra.
 Marido da mãe
 MP
Prossecução e transmissão da ação:
 Morte do pai: cônjuge (agindo na “mera” qualidade de cônjuge) que não seja a mãe do filho e
todos os descendentes.
 Morte da mãe: parentes na linha reta (descendentes e ascendentes).
 Morte do filho: cônjuge e descendentes.
 A lei não estabeleceu uma preferência absoluta dos primeiros sobre os segundos, etc.
Também não há uma preferência de grau dentro da mesma categoria.

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Direito da Família e dos Menores
Mariana Melo

 A lei não impõe – nem se veria razão para tal – um litisconsórcio de todos os legitimados. Pode
agir um só, ou todos, em litisconsórcio facultativo – vários legitimados formulando um mesmo
pedido, emergente de uma só relação material controvertida.
 O legislador equiparou a morte do titular do direito de agir à sua ausência justificada (1845º).
Não é necessário que a ausência chegue ao ponto de se declarar a morte presumida (114º);
basta que se atinja uma situação que permita a justificação da ausência (99º).
Legitimidade Passiva:
 Litisconsórcio entre o presumido pai, a mãe e o filho; uma vez que o pedido é formulado por um
deles, deve ser dirigido contra os outros. No caso de o pedido ser formulado pelo MP, a
requerimento de quem se declara pai natural, ele é dirigido contra aqueles 3.
 Ver: 1844º e 1846º.

Fundamento da ação de impugnação/Objeto do processo: aplicamos o artigo 1839º/2 – temos de provar que
a paternidade do marido da mãe é manifestamente improvável: “ela esta grávida, mas eu sou estéril”, p. ex.
Não tem de provar quem é o pai da criança.
O juiz tem de se convencer de que o marido não é o pai. E não se pede um juízo como o que se requer
no domínio das ciências da natureza, mas antes um juízo reto, fundado num alto grau de probabilidade, com
uma garantia de certeza tão grande quanto o permite o conhecimento e a experiência prática da vida.
 Como é que se prova? Através de um teste de ADN. Se não for através do teste de ADN, temos os
exames médicos que confirmam que o marido é estéril.
Não é possível fazer o elenco dos factos que o autor pode alegar e provar, para conseguir
convencer o tribunal; todos os factos que puderem concorrer para demonstrar a manifesta
improbabilidade de o marido ser o pai são úteis.
 O objetivo da ação de impugnação é apagar o nome do pai.
Prazos: 1842º - tem uma longa história – estes prazos eram muito curtos, e o TC considerou estes prazos
inconstitucionais. Então, ficámos sem prazos. Em 2009 estes prazos alteraram-se. O legislador deixou de
utilizar prazos e o TC já se pronunciou outra vez que não são inconstitucionais.
 Estes prazos relacionam-se com a verdade biológica e podemos impugnar esta verdade a todo o tempo
– damos prevalência absoluta à verdade biológica ou podemos estabelecer prazos, porque as pessoas já
têm uma relação afetiva, mesmo não sendo familiares biológicos. E, então o legislador mantem esta
relação de filiação.
 A alínea c) é a mais importante – 10 anos depois da maioridade ou, posteriormente, dentro de 3 anos
depois de ter conhecimento de que não é filho do marido da mãe.
 O marido tem o prazo de 3 anos a contar desde que teve conhecimento de que não é pai.
 A mãe tem o prazo de 3 anos posteriores ao nascimento do filho.
 O pai tem pouco tempo, tal como a mãe e o filho.
 O artigo 1842º não se refere ao MP, quando ele impugna a requerimento de quem se declarar pai do
filho. A caducidade, porém, opera por força do disposto no artigo 1841º, já que a impugnação depende
daquele requerimento, e este tem de ser apresentado “no prazo de sessenta dias a contar da data em
que a paternidade do marido da mãe conste do registo”. Talvez fosse mais adequado fazer contar o
prazo de sessenta dias a partir do momento em que o terceiro tem conhecimento de circunstâncias de
que possa concluir-se que ele é provavelmente o pai, e não o marido da mãe.
 Se os prazos já tiverem decorrido, não será possível impugnar a paternidade.
 Se o pai estabelecido sabe que não é o pai biológico e nada fizer ou deixar o prazo passar, vamos ter
uma situação de paternidade estabelecida que não corresponde à verdade biológica. Apesar de
procurarmos a verdade biológica, o nosso OJ tutela estas situações, pois há valores que também se
devem tutelar: a segurança e a estabilidade da família.

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Direito da Família e dos Menores
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 Nas ações da família (1846º), chamamos sempre toda a gente (pai, mãe e filho).
 A presunção só se aplica às mulheres casadas. Se a mãe afastar a presunção, a linha do nome do pai fica
em branco, e abre-se caminho para o reconhecimento. A declaração da mãe nunca tem valor de forma
a estabelecer a paternidade.
 1841º/2: só depois de se estabelecer a maternidade é que pode funcionar a presunção legal que atribui
a paternidade ao marido; só então é que se determina a paternidade – o alvo da ação de impugnação.
Só a partir daquele momento se definem os titulares da legitimidade ativa e se pode exercer o direito
de impugnar; por isso só então é que os prazos podem começar a correr. Esta regra não é extensiva ao
direito da mãe, por se entender que ela sabe, desde o nascimento, se o marido é o pai e tem a
possibilidade de esclarecer rapidamente a situação familiar em causa.
Quanto à impugnação da paternidade, num Caso Prático, temos de saber que estamos a impugnar uma paternidade
estabelecida por presunção, quem pode impugnar, com que fundamento e com que prazo.

O problema da constitucionalidade do regime

 Do ponto de vista doutrinal

Uma vez decorridos os períodos estabelecidos sem que tenha sido exercido o direito de impugnar, a
paternidade presumida deixa de poder ser juridicamente contestada; ainda que, porventura, qualquer dos
interessados venha a ter dúvidas sobre a verdade biológica do vínculo, ou pode acontecer que os interessados se
convençam de que a paternidade não corresponde à verdade biológica, mas tenham de viver para sempre
onerados com o estatuto jurídico de pai e filho. Como tal, pode discutir-se se é justo e adequado que a lei preveja
prazos de caducidade; ou até se a previsão de prazos de caducidade é compatível com a CRP.

O direito fundamental à integridade pessoal, sob o ângulo da integridade moral, e o direito fundamental à
identidade pessoal têm sustentado um direito ao conhecimento das origens cada vez mais reconhecido, capaz de
alterar o paradigma do segredo sobre a adoção e do segredo sobre a identidade do dador de gâmetas em
procriação medicamente assistida; direitos fundamentais que, aliás, vêm sendo confortados com a previsão do
direito ao desenvolvimento da personalidade – um direito de liberdade na conformação da própria vida.

Não pode ignorar-se que as pretensões de constituição de vínculos novos podem merecer um regime
diferente das pretensões de impugnar vínculos existentes – p. ex., se me parece claro que a investigação da
paternidade deve ser imprescritível, não me parece tão líquido que a impugnação da paternidade (do marido ou do
perfilhante) deva ser assim tão livre. Isto é: para além dos direitos fundamentais invocados, também deve
ponderar-se o valor da proteção da família constituída, que vai necessariamente sofrer um abalo em consequência
da eventual impugnação. A CRP também protege a família, não só através de garantias específicas descritas no
artigo 36º, mas também através de uma garantia geral, expressa no artigo 67º/1. Como tal, pode justificar
limitações do exercício do direito de impugnar a paternidade; ou seja, o direito de agir, em vez de ser imprescritível,
pode ser confinado dentro de certos prazos.

Claramente, mostram que só depois de se averiguar a realidade do caso é que se pode saber se, ponderado o
interesse público da busca da verdade biológica e o interesse concorrente da paz da família constituída, vale a pena
manter o vínculo de paternidade presumida.

 Na jurisprudência
Apesar dos alargamentos dos prazos efetuado pela Lei nº 14/2009, o STJ continuou a defender a
inconstitucionalidade da norma do artigo 1842º/1/a), nos acórdãos de 7 de julho de 2009, de 19 de junho de 2012
e de 16 de setembro de 2014; mas o acórdão de 20 de junho de 2013 aceitou a constitucionalidade da norma.
O Tribunal Constitucional já apreciou, por várias vezes, a questão de saber se os prazos estabelecidos no
artigo 1842º/1, são compatíveis com a CRP. Depois da alteração sofrida pela norma em 2009, os acórdãos
pronunciaram-se pela não inconstitucionalidade.
Mas o prazo de caducidade acaba por ser justificado com a necessidade de “proteção da família constituída”.
O juízo de constitucionalidade ou de inconstitucionalidade apenas toma em consideração a verdade formal,
constante do registo civil, e não do mundo real. Seria necessário alterar a lei ordinária de um modo que permitisse
exprimir e tomar em conta a vida familiar real. 121
Direito da Família e dos Menores
Mariana Melo

Caso especial da impugnação antecipada: mesmo quando a maternidade ainda não está estabelecida e,
portanto, ainda não foi desencadeado o efeito da presunção de paternidade do marido, este já pode
formular o pedido de impugnação da sua paternidade (1843º). Deste modo o marido não fica sujeito à
iniciativa de outrem, não fica colocado na situação de ter de impugnar mais tarde, num momento escolhido
por outrem.

Guilherme de Oliveira, considera que este regime da impugnação antecipada não acrescenta o que quer
que seja ao sistema, uma vez que os interesses que ele visa tutelar são protegidos por outras normas de
aplicação mais vasta.
Nota: ver Filhos concebidos antes do casamento – 1840º.

Reconhecimento da Paternidade

1847º - Formas de Reconhecimento


Este artigo diz que a paternidade se estabelece por reconhecimento se o filho for nascido ou concebido
fora do casamento. A formulação deste artigo é anterior a 2001 – antes de 2001, a forma de estabelecer a
paternidade quando a criança era nascida ou concebida na constância do matrimónio era apenas através de
presunção; se a criança nascesse ou fosse concebida fora do casamento, a paternidade estabelece-se por
reconhecimento. Mas agora, desde 2001, apesar de a paternidade continuar a estabelecer-se por presunção
quando a mulher seja casada, pode haver lugar ao reconhecimento quando esta afaste a presunção.

1848º - Casos em que não se admite o reconhecimento


Para que o reconhecimento tenha lugar, é necessário que a filiação que conste do registo seja
retificada, declarada nula ou cancelada. Não pode partir-se imediatamente para o reconhecimento judicial
sem antes impugnar, por exemplo, a presunção.

Reconhecimento Voluntário/Perfilhação. A perfilhação está regulada nos artigos 1849º e ss.


É muito importante porque, desde 2015 há mais filhos nascidos fora do casamento do que dentro do
casamento – este dado resulta das estatísticas feitas. Então, aqui a presunção de paternidade não funciona,
porque não há casamento. Se os pais viverem em UF, a maternidade estabelece-se de forma normal; mas o
pai já tem de reconhecer a criança, já tem de haver reconhecimento da criança.
A perfilhação é o reconhecimento voluntário da paternidade.
Este reconhecimento é voluntário, ou seja, há uma declaração negocial baseada na vontade. Alguém diz
que é o pai, e não que quer ser o pai, porque a perfilhação funda-se na verdade biológica, tem de haver uma
correspondência entre as duas coisas. Se o perfilhante não for o pai da criança, esta paternidade é falsa. A
perfilhação tem de corresponder sempre à verdade biológica. Esta não é uma forma de se querer ser pai,
pois isso é o que acontece na adoção.

1849º - o que é isto de ser um ato livre? Pereira Coelho (filho) tem muitas dúvidas porque, a perfilhação, não
é bem livre, uma vez que se não houver reconhecimento voluntário, vai haver reconhecimento judicial. E
tem razão, porque de facto o nosso OJ tem formas de estabelecer a paternidade, caso não haja vontade do
pai biológico. Aquele que é pai, mas não quer reconhecer a paternidade, fica sujeito ao reconhecimento
judicial de paternidade.

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Direito da Família e dos Menores
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É correto dizermos que há muitos homens que não querem ser pai. E isto tem a ver com um princípio
que existe no nosso OJ: Princípio da unidade do estatuto de filho – uma vez estabelecida a paternidade,
aquele que é filho, é filho para todos os efeitos, pessoais – relação familiar, parentesco, afinidade, nome,
convívio …- e patrimoniais – direito a alimentos, benefícios sucessórios. Às vezes, sobretudo, os maridos que
têm filhos fora do casamento, não querem dividir o património com o filho que tiveram fora do casamento. E
é isto que tem levado a haver algumas críticas quanto a esta unidade de estatuto de filho, pois se não
houvesse unidade de estatuto, talvez só reconheceriam os filhos para efeitos pessoais e não patrimoniais.
Isto não é muito bonito de defendermos, mas já foi admitido no Código Civil de Macau, esta dualidade de
filhos. Nos EUA, já houve um caso chamado de aborto financeiro, em que o rapaz não queria ter filhos e a
rapariga mentiu-lhe, dizendo-lhe que tomava a pilula. Ela engravidou e ele pediu-lhe que ela fizesse um
aborto. Ela negou. Depois do pecado original, ele não teve mais nada a dizer sobre o nascimento, sendo que
a rapariga decidiu tudo. O que ele pediu ao tribunal foi um aborto financeiro, mas o tribunal considerou que
isso não seria possível. Ele queria estabelecer a paternidade, mas não queria que houvesse efeitos
patrimoniais.

1850º - Capacidade para perfilhar – o pai pode perfilhar muito novo porque este é um ato pessoal. Ainda
assim, só o podem fazer com mais de 16 anos e este estabelecimento de paternidade tem que corresponder
à verdade biológica. Temos um caso de uma conservadora que recebe um casal para perfilhar uma criança e
ela recebeu a declaração de perfilhação. Ao final do expediente, quando foi inscrever a certidão de
declaração, percebeu que X foi pai aos 11 anos, o que não é naturalmente possível. Guilherme de Oliveira,
disse a esta senhora que não haveria problema, uma vez que a paternidade tem de corresponder à verdade
biológica e, portanto, não pode perfilhar se não houver verdade biológica.
Quando falamos de filiação só nos interessa a relação unilateral entre o pai e o filho ou entre a mãe e o filho. Não
vamos pensar que são 3, independentemente, dos pais serem cassados ou separados. A declaração vale apenas em
relação ou só ao pai, ou só à mãe.

Como é que se perfilha? 1853º


 A forma mais comum é por declaração perante o funcionário do registo civil.
 Por testamento – esta é uma das cláusulas não patrimoniais que pode haver no testamento.
 Por escritura pública.
 Por termo lavrado em juízo no tribunal – só interessa a declaração de perfilhação.
1852º - não podemos ter cláusulas limitativas dos deveres da perfilhação. Perfilha-se totalmente.

A perfilhação pode ser feita a todo o tempo, não há limite. E até se pode perfilhar depois de morto. Só
há uma limitação relativamente à perfilhação de maiores – 1857º - a perfilhação de maiores exige o
consentimento do maior.

Então e se o pai declarou que é pai, e afinal, não é? Este facto tem de corresponder à verdade biológica. Se
não corresponder, pode impugnar-se a paternidade. A perfilhação pode ser impugnada nos termos do artigo
1859º - muito importante, porque a impugnação só tem como fundamento a falta de correspondência com
a verdade biológica. Mas este pode não ser o único vício da perfilhação. Imaginemos que quem perfilhou,
perfilhou ou porque estava em erro, ou porque foi coagido ou porque não tinha capacidade para perfilhar. A
perfilhação é um ato jurídico e, portanto, nestas situações a perfilhação pode ser anulada.

123
Direito da Família e dos Menores
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1860º - para compreendermos a anulação por coação temos de perceber um caso: temos um senhor,
casado, que tinha 1 filho; este tinha o hábito de ir a uma prostituta que engravidou. Ela disse-lhe que, ou ele
perfilhava a criança, ou contava à família. Ele perfilhou a criança e a família nunca soube. Mas ele agora
morreu e há dois herdeiros. Os herdeiros disseram que esta perfilhação tem que ser impugnada por coação,
pois ele só perfilhou porque ela disse que se ele não perfilhasse ela contava à família toda. No entanto, no
processo, faz-se o teste e percebemos que ele não é filho daquele senhor. Aqui compreendemos que,
impugnação tem a ver com a falta de verdade biológica e é diferente da anulação que tem a ver com vícios.
A impugnação da perfilhação pode ser feita a todo o tempo. Não há uma explicação para isto, para o
facto de haver prazos na impugnação da presunção e não haver aqui.

Reconhecimento Judicial. Este reconhecimento tem um nome – ação de investigação. Chama-se ação de
investigação, porque consiste no facto de o tribunal investigar a paternidade da criança. Estas são as ações
que são propostas pelo filho contra o pai, a pedir o reconhecimento de uma paternidade.
Está regulado nos artigos 1847º e ss, que nos diz que, nos princípios gerais: “O reconhecimento do filho
nascido ou concebido fora do matrimónio efetua-se por perfilhação ou decisão judicial em ação de
investigação”.

1869º - legitimidade – aqui temos o filho contra o pai. A paternidade tem de ser reconhecida em ação
especialmente intentada para o reconhecimento da paternidade. Só através desta ação é que conseguimos
este estabelecimento. No entanto, na menoridade do filho, a mãe tem legitimidade para o representar;
também o MP tem em algumas situações. Ora, o nosso legislador manda, no artigo 1873º, aplicar o regime
do estabelecimento da maternidade, e manda aplicar os artigos que dizem respeito aos prazos e à
legitimidade – 1817º, 1818º, 1819º e 1821º.

Daqui retiramos o quê? Em primeiro lugar, os prazos – 1817º - o prazo que vamos decorar como ponto de
partida é o prazo de 10 anos a partir da maioridade. Estes prazos, eram prazos muito mais curtos (de 2
anos). O TC considerou que esta norma era inconstitucional, porque violada a verdade biológica e, então,
ficámos sem prazos. Mas em 2009, o legislador vem estabelecer este prazo de 10 anos. E, na prática, vamos
encontrar situações muito estranhas, porque uma pessoa de 50 anos, antes de 2009 podia propor sempre
esta ação; agora já não pode. Entretanto, o STJ considerou que estes prazos eram inconstitucionais,
considerando que todos os prazos que se estabeleçam são inconstitucionais porque violam o Princípio da
verdade biológica e o Princípio da Identidade genética. Mas o TC voltou a dizer que não são
inconstitucionais.

 1817º/3 - estabelece-se um prazo especial de 3 anos posterior àqueles factos.


 1817º/3/b) - Acontece muito, na prática, os pais não reconhecerem os filhos. O pai aparece, vai dando
dinheiro, mas não estabelece a paternidade. O filho tem aquele bocadinho de relação e vai deixando
andar, à espera que um dia ele reconheça a paternidade. Mas as pessoas podem mudar, o pai pode
deixar de aparecer, de dar notícias.
 1817º/3/c) – 10 anos é o prazo geral depois da maioridade; 3 anos em determinadas circunstâncias
específicas.

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Direito da Família e dos Menores
Mariana Melo
Duas notas:
(1) 1819º - estabelece esta legitimidade passiva alargada.
(2) É uma especificidade no nosso OJ; tem a ver com os alimentos provisórios que constam do artigo 1821º
- o filho menor tem direito a alimentos provisórios desde a proposição da ação. Mas aqui não sabemos
se ele é pai ou não, portanto, conta-se que o tribunal considere provável o reconhecimento da
paternidade; se assim for, o tribunal pode estabelecer o pagamento de alimentos provisórios. O artigo
2007º diz que os alimentos provisórios não são nunca restituídos. Se a ação durar muito tempo, aquele
pretenso pai, pode não vir a ser estabelecido como pai, e andou a pagar alimentos a um filho que não é
seu. Haver impugnação de perfilhação, o pai continua obrigado a pagar alimentos ao filho até ao
trânsito em julgado da sentença.

Aqui temos uma situação em que o filho intentou uma ação contra o pretendo pai. Estas situações são
muito duras em termos pessoais, porque o filho quer ter um pai e isso é lhe negado.

Como é que o filho prova ao juiz que aquela pessoa é seu pai? Os testes de sangue são admitidos em Direito.
Todavia, o teste de ADN é sempre um teste de realização voluntária. O TC considera que ninguém pode ser
obrigado a fazer o teste de ADN. Se o pretenso pai não quiser fazer o teste, ele pode, em termos
constitucionais, recusar-se a fazê-lo. Mas o problema é que o tribunal fica sem esta prova importantíssima.
Como tal, os nossos tribunais têm considerado que esta recusa é valorada em termos de prova. Como?
Há uma recusa de colaboração com o tribunal que é apreciada livremente pelo tribunal. Se ele não faz o
teste porque tem alguma objeção religiosa ou porque não está em Portugal, a apreciação do tribunal é
diferente da apreciação que será feita se simplesmente não faz o teste. Em termos de prova, podemos ter o
teste de ADN com estas particularidades – “quem não deve não teme”.
Mas o teste de ADN nem sempre é possível e se não é possível temos de fazer a prova por todos os
meios admitidos em direito. No entanto, isto é difícil. Mas no artigo 1871º, o nosso legislador criou
presunções (são todas judiciais). A sua função é inverter o ónus da prova que não tem nada a ver com o
artigo 1826º.
Ora, quando é que o legislador presume que determinado homem é pai de determinado filho? Nas
situações elencados no artigo 1871º. A primeira presunção tem maior intensidade.
a. Posse de estado – esta é composta por 3 elementos: o tratamento como filho; a reputação como
filho pelo pai; a reputação como filho pelo público. Estes 3 elementos verificados cumulativamente
constituem posse de estado. Se o pai tratava aquele filho como filho, se se referia a ele como filho,
se lá na terra as pessoas achavam que ele era filho daquele homem, há uma presunção muito forte
no tribunal de que são pai e filho. Não tem de ser um conhecimento público, mas um
conhecimento naquele meio social. A expressão “tratar como filho” não se refere àquela ideia que
nós temos dos filhos com os pais em casa; esta expressão refere-se ao tratamento possível, pois
até pode acontecer que o pai tenha uma família, e não vai ser tão pai daquele filho, como é
daqueles filhos que teve no seu casamento. O tratamento como filho tem de ser um tratamento
adequado.
b. Quando exista escrito.
c. Interessa-nos para a UF, pois ela não funciona na presunção. O pai pode reconhecer o filho
voluntariamente. Mas se ele não reconhecer, recorremos a esta alínea.
d. Não tem para nós, grande relevância prática.
e. Esta é uma presunção mais fraquinha, mas que é na mesma uma presunção. Basta a prova de que
tiveram relações sexuais; isto já gera uma presunção de paternidade. Como é que se vence esta
presunção? Se se provar que a pessoa também teve relações sexuais com outra pessoa, p. ex.

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Direito da Família e dos Menores
Mariana Melo
Agora vamos ver um outro instituto que surge sempre associado ao instituto da paternidade, mas que
não é uma forma autónoma de estabelecimento da paternidade – a averiguação oficiosa da paternidade –
este instituto abre portas ao reconhecimento voluntário ou ao reconhecimento judicial.
Esta tem lugar quando a criança nasce e a linha do registo do pai está em branco – artigos 1864º e ss.
Primeiro, a criança nasceu na maternidade. Em princípio, a funcionária do registo fica a saber quem é a
mãe e estabelece a maternidade. A mãe não é casada, e não podemos estabelecer a paternidade por
presunção. Quem é o pai? Não sabe. Sempre que a conservatória tenha um registo em que haja o nome da
mãe e o nome do pai esteja em branco, o conservador vai enviar o processo para o MP que é a entidade
competente para averiguar oficiosamente a paternidade. O MP vai tentar saber quem é o pai da criança.
Chama a mãe, e ela diz que o pai é, p. ex., o Baltasar; mas que ele não quer ser o pai. Então o MP, chama o
ou os indicados. Agora, o Baltasar diz que não sabe se é o pai. Fazem o teste de ADN, pois é o que acontece
normalmente. Das duas uma: ou o teste dá negativo, ou dá positivo. Quando o teste dá positivo, o pai tem
duas hipóteses: ou perfilha ou não perfilha. Normalmente perfilha. Ora, a averiguação oficiosa só vai indicar
a perfilhação. Mas, se ele não quiser perfilhar, o MP vai indicar ao tribunal competente para intentar uma
ação de investigação, pois ele tem o grande indicador para haver estabelecimento da paternidade. Então, o
reconhecimento é feito pela via judicial. Há sempre estabelecimento, por perfilhação ou por via judicial.

Estabelecimento da maternidade
Este pode ser voluntário ou judicial. No voluntário, o estabelecimento pode ser feito por declaração ou
por indicação.
Estamos a falar dos artigos 1803º e ss.
Temos de ser muito cuidadosos: a criança nasce na maternidade e quando nasce, vamos registar o
nascimento - este é o primeiro ato de registo da vida de alguém. Depois vamos registar o pai e a mãe. Mas
podemos registar apenas o nascimento, se não soubermos quem são os pais. Nas situações normais, temos
o estabelecimento da maternidade e o estabelecimento da paternidade. A mãe sabemos quem é: a pessoa
que fez o parto; por isso, quando se declara o nascimento, indica-se quem é a mãe. Em sede de ato de
registo, declara-se o nascimento e indica-se quem é a mãe, estabelecendo-se a maternidade – 1803º.
Depois, a maternidade indicada é mencionada no registo e é estabelecida a maternidade. Aqui, temos de
entender que o ato principal é a declaração de nascimento.

Especificidades no regime – 1804º:


 Se o nascimento foi há mais de 1 ano, temos de ver se a mãe indicada é ou não a mãe verdadeira –
1805º.

Quanto à declaração de maternidade é mais ou menos igual à perfilhação: é um ato voluntário pelo qual
a mãe vem declarar que é mãe da criança. A linha está em branco, e agora vamos declarar que aquela
pessoa é mãe – 1806º. Mais uma vez, a declaração tem de ser feita pela mãe biológica.
 Mas, imaginemos que sou mãe do Cristianinho e sou casada. Ora, o Cristianinho está perfilhado pelo
Cristiano Ronaldo. Nestas situações, não posso declarar a maternidade porque sou casada. E então o
que é posso fazer? Tenho de intentar uma ação especial para estabelecer a maternidade e será o
tribunal a resolver este conflito.
A maternidade estabelecida pode ser impugnada, se não for verdadeira, nos termos do artigo 1807º, a
todo o tempo. Só temos prazos para a impugnação da paternidade.

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Direito da Família e dos Menores
Mariana Melo
Também na maternidade há averiguação oficiosa – o regime aqui é todo igual ao regime da paternidade
– 1808º. A averiguação oficiosa não pode ser intentada quando a mãe e o pretenso pai forem parentes ou
afins em linha reta ou parentes no segundo grau da linha colateral e se já tiverem decorridos 2 anos do
nascimento da criança – 1809º. Não quer isto dizer que não se estabeleça a paternidade no caso de incesto,
mas se a família não quer tornar aquele caso público, o MP não vai obrigar.

Ação para o reconhecimento judicial da maternidade – 1814º e ss – as regras são todas conhecidas por
nós.
 Quanto à presunção já só vale a Posse de Estado e a existência de um escrito que declare
inequivocamente a maternidade – 1816º.

Legitimidade passiva: o filho vai propor aquela ação contra a pretensa mãe; se ela tiver falecido, propõe
a ação contra os seus herdeiros. No entanto, temos o caso especial do artigo 1822º que trata das situações
em que o filho é nascido ou concebido na constância do matrimónio, ou seja, a situação em que eu quero
declarar a maternidade, mas era casada. A ação é intentada contra a mãe, contra o marido da mãe e contra
o perfilhante.
Impugnar a presunção de paternidade do marido da mãe. O artigo 1823º diz que nesta ação de
estabelecimento da maternidade, sendo a mulher casada, é permitido impugnar a presunção de paternidade
do marido da mãe. Isto para quê? Para a paternidade ser a do perfilhante e a maternidade ser a da mãe.
 1823º/2 - se não se afastar presunção de paternidade, o pai da criança é o marido da mãe. A
presunção da paternidade é muito importante, tem muitos efeitos e tem muita força. Nesta
legitimidade, visa-se estabelecer definitivamente quem é o pai e mãe da criança.

Responsabilidades parentais – Principal efeito da filiação

Correntemente, conhecemos isto como poder paternal. Mas em 2008, quando se mudou o regime das
responsabilidades parentais e do divórcio, o nosso legislador substituiu em absoluto a expressão “poder
paternal” por “responsabilidades parentais” e fê-lo para alinhar a nossa linguagem jurídica com a linguagem
europeia e para afastar a ideia da expressão “poder” uma vez que já não se trata de um poder que se tem
sobre os filhos - este é um poder funcional, um poder-dever dos pais sobre os filhos, mas sempre no superior
interesse da criança. O legislador quis afastar totalmente esta expressão para acentuar que os pais são
responsáveis, perante e pelos filhos. Existe poder, mas nos casos em que as crianças fogem de casa p. ex.
Como a palavra paternal faz lembrar o pai, substituiu-se “paternal” por parentais; como tal, se
dissermos poder paternal estamos a dizer coisas erradas. É óbvio que isto não é isento de críticas, p. ex., não
faz sentido falar de responsabilidades parentais porque não sabemos se ficamos melhor por termos adotado
estas duas palavras.

Este regime está regulado nos artigos 1877º e ss. Estas responsabilidades exercem-se até à maioridade
ou emancipação do filho; portanto, os filhos estão sujeitos às responsabilidades parentais até este momento
1878º - este é o conteúdo legislativo das responsabilidades dos pais. Parece-nos banal, mas o Estado
podia invocar para si os poderes sobre as crianças. P. ex., a vacinação e a alimentação vegetariana. Na
verdade, os pais têm efetivamente estes poderes.
1878º/2 – os filhos devem obediência aos pais, sendo que os pais devem ouvir os filhos de acordo com
a maturidade destes. P. ex., quando estabelecemos alimentos para os filhos, é certo que se deve estabelecer
a mesada ou a semanada, como forma de educar os filhos para o futuro; entende-se que é importante na
educação da criança. Estamos sempre a pensar que temos de criar um adulto responsável.

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Direito da Família e dos Menores
Mariana Melo
Quanto à maturidade dos filhos temos de pensar que: às vezes a idade não traz maturidade, no sentido
de que, há crianças que não tem a maturidade exigida à sua idade. Não podemos subcarregar as nossas
crianças com responsabilidades, os responsáveis são sempre, em primeira linha, os pais.
Os pais têm esta obrigação de sustento dos filhos, e este é um sustento muito alargado porque estamos
a falar de crianças que têm de ser educadas. E, portanto, este sustento não é o mínimo indispensável -
2003º/2 – também temos de ter em atenção a instrução e educação no caso concreto, porque há crianças
que têm atividades extracurriculares.
Quanto a este encargo com o sustento do menor, temos que ter em atenção a extensão do artigo
1880º - muito importante. P. ex., se uma pessoa que ainda não terminou a escolaridade obrigatória, nem
sequer se esforça para a concluir - aqui não é exigível que se peça ao pai ou à mãe que continuem a prestar
alimentos.

 Tempo, normalmente, necessário para que aquela formação se complete – isto é muito
importante, pois a obrigação dos pais mantem-se enquanto o filho não tiver completado a sua
formação profissional. Pensamos nós que é até aos 25 anos. O direito substantivo diz: enquanto
não estiver completada a formação profissional. Os 25 anos surgem de uma alteração que houve
em 2015, que veio alterar o artigo 1905º. Antigamente, quando os pais se separavam, a criança
normalmente ficava com a mãe, e o pai ficava obrigado a alimentos. Esta ação ia para o tribunal de
família e menores, sendo uma ação de jurisdição de voluntária (que não transita em julgado), e o
processo só fechava quando o jovem fazia 18 anos, caducando a sentença que estabeleceu a
obrigação de alimentos ou que homologava o acordo. Então, se depois dos 18 anos quisesse
alimentos, tinha de propor uma ação contra o pai, a pedir alimentos. Agora imaginemos que
quando estamos a falar de pais que estão separados, já estamos a falar de um pai que não pagou
voluntariamente alimentos, e chega aos 18 anos e deixa logo de pagar.
Portanto, esta relação era muito pesada e agora ainda obrigávamos o filho a intentar uma ação
contra o pai - “o meu filho pôs-me em tribunal porque ele quer que eu lhe pague alimentos” – a
relação ficava ainda mais fraca. O legislador alterou, então, um aspeto processual em 2015 - a
sentença fixada na menoridade vale até aos 25 anos, porque é a idade correspondente à conclusão
da escolaridade dos jovens, a não ser que o pai venha provar que o jovem já terminou a
escolaridade ou que venha dizer que não é exigível que o filho lhe peça alimentos – há aqui uma
inversão do ónus. Não quer dizer, que o artigo 1880º se alterou, não quer dizer que os pais não
estejam obrigados a pagar alimentos ate ao fim da formação profissional. Quer dizer é que
chegando aos 25 anos, temos de propor aquela ação.
! Na medida em que seja razoável exigir aos pais o seu cumprimento – já houve 2 casos em que os
filhos que não falam com os pais e os pais não gostam disso (pais multibanco). O problema é
diferente se não falarem com o pai por causa da mãe não deixar, ou se é um jovem com meios
para falar com o pai. Os tribunais não são muito duros para os filhos, mas há situações em que são,
porque há um dever de respeito recíproco, e a violação grave deste dever pode justificar o não
pagamento dos alimentos. Esta é uma benesse que se dá ao jovem que ainda está a estudar com o
dinheiro dos pais, uma vez que depois dos 18 anos já somos maiores de idade.

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Direito da Família e dos Menores
Mariana Melo
Como é que se exercem as responsabilidades parentais?
Esta matéria foi profundamente alterada em 2008 e está regulada no artigo 1901º e ss. Temos que
fazer uma divisão entre: atos da vida corrente do menor e questões de particular importância.

O legislador parte de outra distinção fundamental. Se os pais estão juntos ou se estão separados. Desde
2008, é irrelevante se são casados ou vivem em UF. Se estão separados também é absolutamente
irrelevante, para o legislador, se estão separados de facto, se estão separados de pessoas e bens, se houve
uma rutura da UF, se estão divorciados, ou se nunca viveram juntos. Portanto, em todas estas situações
aplica-se o mesmo regime. O que interessa é se os pais estão juntos (regime para os casados, aplicado à UF)
ou separados (regime do divórcio, que se aplica a todas as outras situações).

1. Se os pais estão juntos: 1901º e ss. Ambos vão decidir de mútuo acordo; se não se entenderem vão ter
de pedir ao tribunal que decida, p. ex., se o filho quer fazer uma viagem.
1902º - há uma presunção de que cada um dos cônjuges age em concordância com a vontade do outro.
A falta de acordo não é oponível a terceiro de boa fé. Imaginemos que o pai decide inscrever o filho
num colégio privado e a mãe não queria. Mesmo que eles desistam de ter o filho no colégio, há dívidas
a pagar, porque se presume que o pai agiu com o consentimento da mãe. A falta de acordo da mãe não
implica nenhuma desoneração da obrigação de pagar as suas dívidas.
2. Se os pais estão divorciados ou não vivem juntos: 1906º - os atos da vida corrente do menor são
decididos pelo progenitor com quem ele reside habitualmente. Esse progenitor decide, p. ex., a que
horas vai o filho para a cama, quando faz os TPC.. E nos horários que tem com o outro progenitor, os
atos da vida corrente do menor, são decididos pelo outro progenitor. No entanto, deve respeitar as
orientações educativas fundamentais estabelecidas pelo progenitor residente. Estas orientações
educativas não são para estabelecer o acordo entre os pais, são para o bem da criança.
Quanto às questões de particular importância (uma operação cirúrgica, viagens ao estrangeiro,
tatuagens), que são questões limitadíssimas, decidem os dois. Naquele núcleo essencial da vida da
criança os dois são chamados a decidir.
Antigamente, nas responsabilidades parentais, dizia-se “a guarda” – esta incluía a residência e as
responsabilidades parentais (era aqui que tínhamos o pai multibanco). Ora, agora já não é assim; nas
questões de particular importância, vêm sempre decidir os dois. Portanto, não existe guarda, existe
residência, ou residência alternada. O que temos agora são atos de vida corrente.
Isto não pode ser afastado pelo acordo dos pais - é nulo o acordo em que a mãe renuncie aos alimentos
e o pai às responsabilidades parentais, p. ex.
O exercício das responsabilidades parentais só pode ser afastado pelo juiz numa – 1906º/2.
1906º-A: vem trazer uma coisa muito importante no âmbito da violência doméstica - a alienação
parental é muitas vezes justificada porque temos cada vez mais agressores – o agressor não é agressivo
só com a mulher, mas também com os filhos e, por isso, justifica-se a alienação parental, porque a
pessoa não é competente para decidir sobre a vida do filho. Nós temos que ter pais que pensem, em
primeiro lugar, nos filhos.

Hoje temos de estabelecer um acordo sobre o exercício das responsabilidades parentais. O que é que eles
têm de acordar?
 A residência da criança (com quem é que a criança fica a residir - muitas vezes decidem que a criança
fica a viver alternadamente);
 O tempo de convívio do outro progenitor (antes usava-se a expressão “direito de visita”, mas entende-se
que o progenitor que não vive permanentemente com o filho, não é um visitante); este tempo de
convívio é diferente consoante a idade da criança; o tempo de convívio é um fim-de-semana de 15 em
15 dias e não todas as semanas.

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Direito da Família e dos Menores
Mariana Melo
Além do fim-de-semana, têm que regular as férias de verão, as férias escolares, os feriados, o
aniversário da criança, o aniversário dos pais, o dia da mãe e o dia do pai. Aqui temos de ir ao
pormenor, temos de regular tudo o que nos lembrarmos.

 Os alimentos devidos à criança e não ao progenitor. Normalmente, os pais acordam num montante de
alimentos fixo e num montante variável. Primeiro estabelecemos um montante fixo e só depois se
estabelecem os alimentos variáveis, que correspondem a metade das despesas de educação e metade
das despesas de saúde, etc. Faz-se isto para, por um lado diminuir a prestação fixa e, por outro lado,
para o progenitor que paga alimentos saber para onde é que vai o dinheiro.
Sandra Passinhas: sempre que pudermos, devemos evitar o estabelecimento de prestações variáveis,
porque isto gera imensos conflitos, uma vez que quem não quer pagar, não paga. P. ex., se o pai diz que
as despesas com o psicólogo não são despesas de saúde. Depois no âmbito da educação, as despesas da
cantina e do transporte são despesas de educação. É muito complicado na prática. E ainda há um
problema: temos um fundo em Portugal para os alimentos, quando o pai não paga; há um processo de
incumprimento e o fundo vai pagar em vez do pai. Só que o valor que é pago pelo fundo é o valor dos
alimentos fixos, e não o valor dos alimentos variáveis. Muitos juízes já tentam que não haja fixação de
alimentos variáveis.
Estamos a falar nos pais, mas acreditamos que os homens progenitores se esquecem, muitas vezes, que
têm filhos – 85% dos pais não querem ficar com os filhos e pagar alimentos.
! O nosso legislador estabeleceu uma coisa muito importante no artigo 1906º/4 – se a mãe tiver a
criança e não puder ir busca-la à escola, pode pedir a um familiar que a vá buscar, mas também pode
pedir ao seu novo companheiro que o faça; isto irrita muito os pais, porque sentem-se substituídos.
Mas o nosso legislador estabeleceu mesmo que quem exerce os atos correntes da vida do menor, tem o
poder de delegar estes atos.

 1906º/7 – alienação parental – quando o tribunal decide com quem é que a criança reside tem de
ter em atenção qual é o progenitor que promove o melhor interesse da criança. Imaginemos que
temos uma mãe que não deixa o pai ver a criança; a criança deve ser entregue ao progenitor que
promova mais o relacionamento da criança com todos os familiares.
 1909º - manda aplicar o regime do divórcio na separação de facto
 1911º/2 – trata da rutura da UF e manda aplicar o regime do divórcio
 1912º - quem nunca viveu em condições análogas às dos cônjuges, os namorados - aplica-se o
regime do divórcio – em todas estas situações os pais estão separados.
 1911º/1 – manda aplicar o regime do casamento à UF – o nosso legislador, em 2008, respeitou
integralmente o artigo 36º/4 CRP, para a regulação do exercício das responsabilidades parentais.

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Direito da Família e dos Menores
Mariana Melo

Adoção
A adoção está regulada nos artigos 1973º e ss.

Quando falamos em adoção temos de perceber que o que esta em causa é a Segurança Social. O juiz
intervém e tem um papel fundamental de controlo porque decreta a adoção; pode haver uma aparente
adoção, mas se não houver sentença judicial, não há adoção.

A SS é que tem o domínio do processo de adoção e é quem está no terreno. É a SS que vai determinar
se o casal é elegível ou não para a adoção. Mesmo que haja recurso para tribunal e a SS não se convencer na
mesma de que aquele casal é elegível, na prática, é a decisão da SS que vale.

Imaginemos, uma senhora que queria adotar e tinha 40 anos. E a senhora tinha um salário de 1000
euros. Não tinha rede social de amigos. Tinha pais vivos e idosos. Um irmão emigrante. E a senhora, era
saudável, mas tinha problemas de coluna, que a faziam de vez em quando ficar acamada. Esta senhora
queria adotar uma criança. Ela não tinha restrição à adoção e queria uma criança mais velha.

 A Segurança Social considerou que ela não era elegível para adotar a criança. Motivo: não tinha rede
social de amigos. Se ficasse acamada, quem cuidaria da criança? Ainda por cima os pais eram idosos, e
não tinha cá o irmão.
 O tribunal considerou que ela era elegível. E porque considerou? Porque tinha um ordenado
minimamente bom. O tribunal considerou que a SS errou.
 Na prática, ganhou a SS. A SS considerou que a senhora queria adotar para ter uma “empregada/o” para
cuidar dela e dos pais.

O processo de adoção está regulado na Lei nº 143/2015, de 8 de setembro. Não vamos falar desta lei.

Com a Lei nº 2/2016, de 29 de fevereiro, foi revogada a norma que proibia a adoção por casais
homossexuais. Mas também aqui temos de ter em atenção 1 coisa: a adoção pode ser conjunta ou singular,
conforme seja uma pessoa ou um casal a adotar. Mesmo casada posso adotar uma criança de forma
singular. Sabemos que, uma pessoa homossexual podia adotar singularmente; esta proibição baseava-se
apenas em proibir a adoção a casais homossexuias. Se houve comportamento promíscuo a SS deve ter em
atenção essas situações, mas isto não se confunde com o facto de os adotantes serem ou não homossexuais.

A SS tem de ser muito restrita, porque não podemos procurar na adoção algo igual à família biológica,
pois não podemos ter famílias adotivas em que um ou ambos os pais sejam alcoólicos. Temos de ser
exigentes porque estamos a falar de crianças que já foram mal tratadas, que já estiveram em risco. Na
família adotiva temos de ser muito exigentes, porque falamos de crianças maltratadas pela vida, que
estiveram em risco. A parentalidade biológica não tem nada a ver com parentalidade adotiva.

 Na parentalidade biológica os pais têm aqueles meses de tentativa, 9 meses de preparação, os primeiros
dias do bebé, etc.
 Na parentalidade adotiva a criança chega já com personalidade. São crianças que precisam de cuidado
especial, e vai ter como pais, pessoas que não tiveram tempo biológico para se preparar.

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Direito da Família e dos Menores
Mariana Melo
1973º - a adoção constitui-se por sentença judicial. Não havendo sentença judicial não há adoção!

1974º - a adoção visa realizar o superior interesse da criança. “E seja razoável supor que entre o adotante e
o adotando se estabelecrá um vínculo semelhante ao da filiação” – tem de se acreditar que entre aquela
criança e aquele casal ou pessoa, vai estabelecer-se um vínculo semelhante ao da filiação. Isto revela-se no
artigo 1979º/3, pois se virmos um senhor a ir buscar a criança dizemos que é o avô. Tem de se acreditar que
entre a criança e o casal/pessoa se vai estabelecer um vínculo semelhante ao vínculo da filiação.

Nº 2 – estabelece a obrigação da criança estar ao cuidado do adotante. Se a criança vai ser levada para casa
ainda não há adoção, é um período experimental, e pode correr mal, tal como em todas as relações.

1978º - Confiança com vista a futura adoção – só há confiança (entrega da criança) quando não existam ou
se se encontrem seriamente comprometidos os vínculos afetivos próprios da filiação, pela verificação objetiva
de qualquer das seguintes situações:

a) Se a criança for filha de pais incógnitos ou falecidos;


b) Se tiver havido consentimento prévio para a adoção;
c) Se os pais tiverem abandonado a criança;
d) Se os pais, por ação ou omissão, mesmo que por manifesta incapacidade devida a razões de doença
mental, puserem em perigo grave a segurança, a saúde, a formação, a educação ou o desenvolvimento
da criança;
e) Se os pais da criança acolhida por um particular, por uma instituição ou por família de acolhimento
tiverem revelado manifesto desinteresse pelo filho, em termos de comprometer seriamente a qualidade
e a continuidade daqueles vínculos, durante, pelo menos, os três meses que precederam o pedido de
confiança.

Nestas situações a criança vai ser encaminhada para a adoção.

Quando é que sabemos que a criança está em perigo?

Lei nº 147/99, de 11 de setembro - Lei da Proteção de Crianças e Jovens em Perigo

1978º/3 – Considera-se que a criança se encontra em perigo quando se verificar alguma das situações assim
qualificadas pela legislação relativa à proteção e à promoção dos direitos das crianças.

Mas o nº4 diz que “a confiança com fundamento nas situações previstas nas alíneas a), c), d) e e) do nº 1 não
pode ser decidida se a criança se encontrar a viver com ascendente, colateral até ao 3º grau ou tutor e a seu
cargo, salvo se aqueles familiares ou o tutor puserem em perigo, de forma grave, a segurança, a saúde, a
formação, a educação ou o desenvolvimento da criança ou se o tribunal concluir que a situação não é
adequada a assegurar suficientemente o interesse daquela”. Imaginemos que pais são toxicodependentes
ou estão presos e a avó é prostituta, etc.

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Direito da Família e dos Menores
Mariana Melo
Quem pode adotar? 1979º - a adoção pode ser singular ou coletiva.

 Conjuntamente: duas pessoas casadas há mais de 4 anos e não separadas judicialmente de pessoas e
bens ou de facto, se ambas tiverem mais de 25 anos. As regras aplicadas ao casamento hétero ou
homossexual também se aplicam à UF.
 Singularmente: quem tiver mais de 30 anos. Limite de 60 anos; a titulo excecional de 50 anos no caso
especificado no nº3, pois a ordem jurídica tem como intenção manter a união entre os irmãos, tendo
em consideração que devam viver juntos.
 Adoção singular especial: adoção do filho do cônjuge. Vamos tendo algumas, nomeadamente em
consequência das inseminações artificiais, uma vez que o marido pode adotar o seu filho; isto
também acontece no caso dos casais homossexuais.

1980º - esta confiança administrativa refere-se à SS.

Nº 2 - O adotante deve ter menos de 15 anos à data do requerimento de adoção, salvo se houver uma
situação de confiança.

Quando há uma adoção temos 2 situações: consentimento para a adoção e audição para adoção.

1981º - quem tem de dar o consentimento? O adotado que tem mais de 12 anos; cônjuge do adotante
(porque pode ser uma adoção singular); pais do adotando; do ascendente (…); dos adotantes.

1978º/c)/d)/e) – nestas situações não é exigido o consentimento dos pais, mas pode ser necessário o
consentimento de outros familiares com quem a criança estivesse a viver.

Nas situações em que seja impossível contatar os pais, pode dispensar-se o consentimento.

O consentimento tem de ser prestado perante o juiz, tem de ser inequívoco, tem de esclarecer o juiz
sobre o que está a acontecer. Mas a mãe só pode dar o consentimento 6 semanas depois do parto
atendendo ao facto de que depois do parto as mulheres ficam afetadas pelas hormonas – nº 3.

 O consentimento é irreversível – 1983º.

Quanto à audição – 1984º – o juiz deverá ouvir os filhos do adotante maiores de 12 anos; os ascendentes ou,
na sua falta, os irmãos maiores do progenitor falecido, se o adotado for filho do cônjuge do adotante e o seu
consentimento não for necessário, salvo se estiverem privados das faculdades mentais ou por qualquer
razão houver grave dificuldade em os ouvir.

1985º - Segredo da Identidade – muito importante – não se confunde com o segredo da adoção.

 O segredo da identidade não é o da adoção, a criança sabe que foi adotada (ou deverá saber, seja em
que idade for).
 O Estado vai reservar a identidade do adotante. A identidade não é revelada aos pais biológicos, e não
vão saber onde estão os filhos. Porque estamos a dar um projeto de vida a uma criança que foi
abandonada. Há muitas medidas.
 Os pais naturais do adotado também se podem opor. Eles podem opor-se a que seja revelada a
identidade dos adotantes. Mas o Estado continua a saber quem são os pais biológicos e os adotados. Ela
não é revelada, mas o Estado sabe.

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Direito da Família e dos Menores
Mariana Melo
Efeitos da adoção – 1986º:

1. A criança vai ser integrada na família biológica dos adotantes, deixando de ter qualquer ligação com a
família biológica.
Em 2015 a nossa lei acrescenta o nº 3, uma norma muito importante: imaginemos que o pai morreu e só
sobreviveu a mãe. A mãe casa com outra pessoa e o seu (novo) cônjuge quer adotar a criança. Qual é a
lacuna? A adoção plena fazia com que cessassem os laços que a criança tinha com a família do pai
biológico. E então surge o nº 3 - Excecionalmente, ponderada a idade do adotado, a sua situação familiar ou
qualquer outra circunstância atendível, pode ser estabelecida a manutenção de alguma forma de contacto pessoal
entre aquele e algum elemento da família biológica (…). Ele até podia ter um irmão do lado do pai apenas.
2. Alteração em 2015 – 1990º-A – O que diz a lei da adoção? Que o adotado pode, aos 18 anos, procurar as
suas origens biológicas, mas pior: pode fazê-lo aos 16 anos com a ajuda da SS. Sandra Passinhas
considera que é muito cedo. A lei talvez esteja a dar demasiada abertura.
3. A adoção é irrevogável – 1989º - mas isto não quer dizer que não haja inibição das responsabilidades
parentais como acontece na parentalidade biológica.

Apadrinhamento civil
Lei nº 103/2009, de 11 de setembro com atualizações - DL nº 121/2010, de 27 de outubro.

O apadrinhamento vai ser o instituto do futuro, até em relação à adoção. O apadrinhamento é um ato
de verdadeiro amor, de cuidado. Foi inspirado nos padrinhos católicos.

O apadrinhamento é haver uma pessoa/casal/família que cuida de alguém. E é ser verdadeiramente


padrinho, porque os pais continuam lá, as crianças sabem quem são os pais.

A situação ideal seria o apadrinhamento ser assinado pela criança, pais e padrinhos. E isto é
fundamental: enquanto na adoção temos a exclusão da família biológica no apadrinhamento temos um
afastamento. E a criança foi posta em perigo, também.

Só é apadrinhada uma criança que não seja viável para adoção. Tem de haver uma declaração da SS que
diga que aquela criança não é adotável: ou pela idade, ou porque tem uma doença, etc. Então, pode ser
apadrinhada. Se tem possibilidade de ter uma boa família, é esse o seu caminho.

No apadrinhamento o que acontece? SS tem uma lista de candidatos a padrinhos. Mas as pessoas podem
pedir que aquela criança lhe seja entregue para ser madrinha/padrinho. O tribubal decreta o
apadrinhamento. Em Arouca houve 11 apadrinhamentos.

O apadrinhamento traz o exercício das responsabilidades parentais; a criança vive com os padrinhos.
Mas então os pais têm direito a quê? A um telefonema, p. ex., estamos a falar de crianças em risco. Podem
ter direito a fotografias da criança – estes aspetos são depois modeláveis.

O apadrinhamento pode ser alterado e revogado por acordo, ou pode o tribunal revogar.

Ora, nestas situações os padrinhos também têm direitos mesmo que seja revogado o apadrinhamento
civil: visitas, telefonemas, fotografias… Aqui há muita flexibilidade no sentido de se poder manter ligações
com uns e com outros. O que se pretende é que haja contacto.

Aqui falamos sempre no superior interesse das crianças, não para fazer bem aos pais. No
apadrinhamento há institucionalidade, pois todos trabalham em conjunto para a realização do bem estar da
criança.

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