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DISSERTAÇÃO DE MESTRADO
RIO DE JANEIRO
2010
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS SOCIAIS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SOCIOLOGIA E ANTROPOLOGIA
RIO DE JANEIRO
Agosto de 2010
ii
DE EMPREGADA A DIARISTA: AS NOVAS CONFIGURAÇÕES DO TRABALHO
DOMÉSTICO REMUNERADO
Aprovada por:
______________________________________________
Presidente, Prof. Dr. Marco Aurélio Santana (Orientador)
Universidade Federal do Rio de Janeiro (PPGSA/IFCS/UFRJ)
______________________________________________
Profa. Drª. Bila Sorj
Universidade Federal do Rio de Janeiro (PPGSA/IFCS/UFRJ)
______________________________________________
Profa. Drª. Hildete Pereira de Melo
Universidade Federal Fluminense (Faculdade de Economia/UFF)
RIO DE JANEIRO
Agosto de 2010
iii
Ficha Catalográfica
iv
Dedico este trabalho aos meus pais, Antonio (in
memoriam) e Ana, por todo o esforço incansável
para permitir que no meu campo de possibilidades
houvesse condições de eu fazer parte da primeira
geração da família a chegar à universidade.
v
AGRADECIMENTOS
vi
Freitas, Luisa Barbosa Pereira, Raquel Giffoni Pinto, Sabrina de Oliveira Moura Dias e
Thais Lemos Duarte.
À professora Liana da Silva Cardoso, minha orientadora na graduação, por toda
a dedicação em fazer de mim um pesquisador atento, comprometido e correto. Muito
obrigado pelo exemplo, pela generosidade e pelas muitas lições que trago comigo, como
o rigor científico e a honestidade intelectual.
Aos colegas do Núcleo de Pesquisa de Poder e Estudos Contemporâneos
(NUPPEC), do qual fiz parte na graduação: Michelle Safady, Adriane Gouvêa, Dário
Almeida Júnior, Luiz Guilherme Santos, Cristiane Santos, Frank Davies e Pedro
Domingues. Foram muito produtivos os debates teóricos, as discussões, os trabalhos
elaborados em conjunto, as aplicações de questionário e as análises de dados. Lembrarei
com saudade desses momentos em que aprendemos juntos a fazer pesquisa. Tal
aprendizado está presente em cada parte deste trabalho. Agradeço também à Iraídes
Coelho, pelas ótimas conversas sobre literatura brasileira e produção textual.
Ao corpo docente do PPGSA, em especial aos professores Glaucia Villas Boas,
Bruno de Carvalho, Marco Antonio Gonçalves, Celi Scalon, Marco Aurélio Santana,
José Ricardo Ramalho, Paola Cappellin, Elina Pessanha, Luiz Antonio Machado, Neide
Esterci e Maria Ligia de Oliveira Barbosa, cujas disciplinas contribuíram para a minha
formação e influenciaram, direta ou indiretamente, a elaboração deste trabalho. Muito
obrigado pelas aulas interessantes e inspiradoras.
Às secretárias da Pós-Graduação, Cláudia e Denise, pela disponibilidade para
resolver os trâmites burocráticos que foram necessários durante estes dois anos. E a
todos os demais funcionários, que vemos com menos freqüência, mas cujo trabalho
torna-se diariamente evidente nas lâmpadas trocadas, nos equipamentos funcionando e
na limpeza das salas.
Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq),
pela bolsa concedida, que possibilitou a minha dedicação integral às atividades
realizadas na Pós-Graduação e facilitou a pesquisa e elaboração da dissertação.
Aos membros da banca, professoras Bila Sorj e Hildete Pereira de Melo, por
todos os comentários que possibilitaram avançar em alguns pontos e questionar outros,
tornando mais precisos os argumentos aqui defendidos e mais estruturadas as análises
realizadas. Muito obrigado pela generosidade e pelo comprometimento que
apresentaram ao ler e discutir o projeto de pesquisa que deu origem a este trabalho.
vii
Ao professor Alberto Di Sabbato, da Faculdade de Economia da UFF, que me
recebeu para uma conversa muito esclarecedora sobre as possibilidades de utilização
dos dados das PNADs nesta pesquisa e que me cedeu, gentilmente, as bases de dados.
Por fim, a todos aqueles que contribuíram de alguma forma, direta ou
indiretamente, para que este trabalho fosse concretizado, apesar de não deixá-los
registrados nominalmente, estendo igualmente os agradecimentos a eles.
viii
RESUMO
Rio de Janeiro
Agosto de 2010
ix
ABSTRACT
The present study aims to analyse the new configurations of paid domestic work
in Brazil and Rio de Janeiro, considering the processes of change that are occurring in
this occupation in the last two decades, such as: aging of domestic workers, raising
educational levels, increase of the formalization and expansion of the number of
housecleaners. This last change, which can indicate a modification in the relation that
the Brazilian families establish with the domestic services, is of central importance in
this research, which seeks to understand how are the work relations of the housecleaner,
without labor rights and working in more than one residence, in comparison with the
work relations of the housemaid, more formal, working for one family. The
differentiation between housemaid and housecleaner was realized in three ways: 1) In
legal terms, considering the legislation, doctrine and jurisprudence; 2) Quantitatively,
by means of socioeconomic characteristics; 3) Based on the perceptions and
classifications of the domestic workers. For this, the research used three types of
sources: the judgements of the Labor Courts, laws, decrees and doctrines; quantitative
data of PNADs from 1992 to 2008; and interviews with domestic workers of the city of
Rio de Janeiro. Following this path, it was possible to see if there was any alteration in
how domestic service deals with two distinct logics: the logic of the personal, affective
and familiar relations and the logic of the professional, contractual and legal relations.
Rio de Janeiro
Agosto de 2010
x
SUMÁRIO
xi
2.3.6 – Ampliação do número de diaristas..................................................................... 83
2.4 – Empregadas domésticas e diaristas: uma comparação quantitativa...................... 89
Capítulo III – Os marcadores da diferença: as percepções das trabalhadoras
domésticas cariocas sobre a distinção entre ser empregada ou diarista................. 99
3.1 – Perfil das trabalhadoras domésticas entrevistadas............................................... 101
3.2 – Histórias de vida: entre panelas, bonecas e vassouras......................................... 111
3.2.1 – Da infância ao trabalho: uma “ajuda” nos afazeres domésticos....................... 112
3.2.2 – Do lar à casa de terceiros: mais do que uma “ajuda”....................................... 114
3.2.3 – Da primeira casa às demais: a “ajuda” virou profissão.................................... 118
3.3 – Os marcadores da diferença................................................................................. 120
3.4 – As relações de trabalho de empregadas e diaristas.............................................. 127
3.4.1 – Informalidade.................................................................................................... 128
3.4.2 – Independência................................................................................................... 130
3.4.3 – Delimitação e controle...................................................................................... 132
3.4.4 – Racionalidade, impessoalidade e afetividade................................................... 132
3.5 – Entre estratégias e condicionamentos sociais...................................................... 138
Conclusão.................................................................................................................... 144
Bibliografia.................................................................................................................. 158
Anexo 1 – Roteiro das entrevistas com empregadas domésticas e diaristas
Anexo 2 – Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDH) dos bairros da
Zona Sul da Cidade do Rio de Janeiro
xii
Lista de siglas
xiii
SPSS – Statistical Package for the Social Sciences
TDC – Plano Trabalho Doméstico Cidadão
TRT – Tribunal Regional do Trabalho
TST – Tribunal Superior do Trabalho
UFF – Universidade Federal Fluminense
UFRJ – Universidade Federal do Rio de Janeiro
UNIFEM – Fundo de Desenvolvimento das Nações Unidas para a Mulher
xiv
Lista de quadros e tabelas
xv
Tabela 14: Distribuição dos trabalhadores domésticos por nível de
escolaridade mais elevado alcançado (%), Rio de Janeiro, 2008................................... 68
Tabela 15: Distribuição dos trabalhadores domésticos segundo o vínculo
de trabalho (%), Rio de Janeiro, 2008............................................................................ 69
Tabela 16: Distribuição dos trabalhadores domésticos segundo o número
de domicílios em que o serviço é prestado (%), Rio de Janeiro, 2008........................... 69
Tabela 17: Distribuição dos trabalhadores domésticos segundo o seu local
de residência (%), Rio de Janeiro, 2008......................................................................... 70
Tabela 18: Classificação dos trabalhadores domésticos a partir do número de
domicílios em que o serviço é prestado e do local de residência (%),
Rio de Janeiro, 2008....................................................................................................... 71
Tabela 19: Distribuição dos trabalhadores domésticos segundo o número
de horas semanais trabalhadas (%), Rio de Janeiro, 2008.............................................. 71
Tabela 20: Distribuição dos trabalhadores domésticos segundo as faixas de
rendimento (%), Rio de Janeiro, 2008............................................................................ 72
Tabela 21: Comparação entre empregadas polivalentes e diaristas por cor
ou raça (%), Brasil e Rio de Janeiro, 2001..................................................................... 92
Tabela 22: Comparação entre empregadas polivalentes e diaristas segundo
a faixa etária (%), Brasil e Rio de Janeiro, 2001............................................................ 92
Tabela 23: Comparação entre empregadas polivalentes e diaristas segundo
anos de estudo (%), Brasil e Rio de Janeiro, 2001......................................................... 93
Tabela 24: Comparação entre empregadas polivalentes e diaristas segundo
o vínculo de trabalho (%), Brasil e Rio de Janeiro, 2001............................................... 94
Tabela 25: Comparação entre empregadas polivalentes e diaristas segundo
o seu local de residência (%), Brasil e Rio de Janeiro, 2001.......................................... 95
Tabela 26: Comparação entre empregadas polivalentes e diaristas segundo
o número de horas semanais trabalhadas (%), Brasil e Rio de Janeiro, 2001................ 96
Tabela 27: Comparação entre empregadas polivalentes e diaristas segundo
as faixas de rendimento (%), Brasil e Rio de Janeiro, 2001........................................... 97
xvi
Lista de gráficos
xvii
Brasil, 1992-2008........................................................................................................... 88
Gráfico 17: Distribuição percentual das trabalhadoras domésticas segundo
o número de domicílios em que o serviço é prestado e o vínculo de trabalho,
Rio de Janeiro, 1992-2008.............................................................................................. 88
xviii
INTRODUÇÃO
Segundo Roberto DaMatta (1997), um livro é como uma casa e suas partes
correspondem às diferentes dependências, de forma que nele há fachada, jardim,
quartos, corredores, porão... A introdução de um trabalho é, acompanhando o raciocínio
desse autor, como uma sala de visitas, na qual se recepciona os convidados, inicia-se a
conversa e os convence a conhecer todos os seus cômodos, móveis e objetos.
Se esta dissertação pode ser comparada a uma casa, preferimos conceber a
presente introdução certamente como a sua cozinha: bastidor, lugar de preparação.
Assim a compreendemos, pois nestas páginas iniciais podemos abrir mão das
formalidades que serão imprescindíveis em partes posteriores e ficar mais à vontade
para conversar sobre a lógica que acompanha esta pesquisa, suas dificuldades e os
caminhos e descaminhos de sua construção.
A cozinha é parada obrigatória para nós que queremos entender melhor o
trabalho realizado por estas mulheres que desempenham profissionalmente tarefas
reprodutivas (ligadas à família, aos afazeres domésticos), e foi nela que realizamos
algumas das entrevistas que fazem parte desta pesquisa. Esse cômodo ainda aparece
como espaço feminino e isso nos faz lembrar a fala de uma empregada citada por Suely
Kofes (1994): “Se já é triste passar a vida no fundo da cozinha da gente, imagine como
é triste passar a vida no fundo da cozinha dos outros”.
O nosso contato com o tema do trabalho doméstico remunerado teve início ainda
na graduação em Ciências Sociais, nos anos de 2006 e 2007, quando elaboramos uma
pesquisa que buscava compreender a relação de trabalho da empregada doméstica e as
suas especificidades. No decorrer dessa pesquisa, o que sempre despertou a nossa
imaginação sociológica (MILLS, 1982) foi o caráter ambíguo que essa ocupação
apresenta ao conjugar relações trabalhistas e relações familiares.
A partir dos resultados dessa pesquisa, que pode ser considerada,
principalmente, a produção de um “estado da arte”, tornou-se possível dar início à
construção do objeto que será investigado nesta dissertação de mestrado. Para isso, é
preciso frisar que as trabalhadoras domésticas podem ser classificadas, segundo Motta
(1992), como veremos melhor no próximo ponto, em três tipos, a partir do local de
1
residência e da duração da jornada: a mensalista residente, a mensalista externa e a
diarista.
Esta dissertação nasceu justamente do interesse em compreender como são as
relações de trabalho da diarista em comparação com as da empregada doméstica,
residente na casa dos patrões ou não. Buscou-se perceber em que essas relações de
trabalho doméstico remunerado se diferem e como, em cada um desses casos
específicos, duas lógicas distintas (trabalhista e familiar) são mobilizadas.
De que maneira essas duas dimensões podem ser articuladas? Roberto DaMatta
(1997), em A Casa e a Rua, sugeriu que duas linhas interpretativas distintas buscaram
ler o Brasil de uma perspectiva sociológica. Na primeira, o foco é colocado na “casa”,
na família, nos costumes, no cotidiano, de forma que pouco se aborda o Estado, o
governo, o universo político e das leis. Na segunda, a preocupação é com o ângulo da
“rua”, das instituições, da política, da economia, da dimensão legal e constitucional, do
sistema burocrático, de forma que pouco se borda as questões privadas.
Estudar o trabalho doméstico remunerado, como aqui se pretende, é, acima de
tudo, estarmos atentos para a articulação entre a casa e a rua. A compreensão dessa
relação passa pela questão de que a trabalhadora doméstica é sempre, em maior ou
menor grau, um elo entre essas duas esferas, pois contratá-la significa trazer para o
espaço doméstico a esfera trabalhista e, com isso, ter que administrar, nesse mesmo
ambiente, duas lógicas distintas: a das relações pessoais, afetivas e familiares e a das
relações profissionais, contratuais e legais.
Como as dimensões profissional e familiar quase nunca operam pela mesma
lógica, há ao menos três tipos de articulação possíveis entre elas ao passarem a conviver
nessa ocupação. Em uma primeira articulação, a casa e a rua interagem sob a constante
tensão proveniente do fato de ser uma relação profissional no seio da família. Ao
mesmo tempo em que a lei é reconhecida e respeitada, há espaço para o acordo e para as
relações que fujam ao estritamente profissional.
Em uma segunda articulação, a casa predomina em relação à rua, quando a
trabalhadora doméstica sente-se “parte da família”, desconhece as leis que regulam o
seu trabalho e se guia a partir dos acordos informais que estabelece com os patrões. E
ainda em uma terceira articulação, é a rua que prevalece sobre a casa, quando a relação
estabelecida é quase unicamente profissional ou quando a questão chega à Justiça,
2
permitindo até mesmo que, em último caso, os bens do patrão sejam leiloados para
quitar uma dívida trabalhista1.
Dessa forma, tão relevante para este trabalho é abordar as relações pessoais, o
sentimento de ser “quase membro da família” e os acordos informais, quanto levar em
consideração a esfera legal, o sindicato, os direitos, a justiça e a racionalidade.
Observar, em interação, esses dois conjuntos de dimensões presentes nas relações de
trabalho doméstico remunerado é essencial para contribuir de forma efetiva para a sua
compreensão.
1
Segundo a Lei nº. 8.009/90, o chamado bem de família (o imóvel residencial em que se mora e os
objetos que fazem parte dele) não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal,
previdenciária, trabalhista ou de outra natureza. No caso das dívidas trabalhistas que se tem com
empregado doméstico, não se aplica a proteção da impenhorabilidade do bem de família, ou seja, ele pode
ser penhorado por ordem judicial para o pagamento do débito existente.
3
mesmos sentidos que serão empregados neste estudo, mas aqui, diferente de alhures,
buscamos deixar seus significados bem explicitados, ao invés de subentendidos, pois
são eles que permitirão estabelecermos um chão comum, necessário para o melhor
entendimento do tema.
Considerando que os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios
2008, do IBGE, apontam que mais de 93,0% dos trabalhadores domésticos são
mulheres, utilizaremos “trabalhadoras domésticas” e “empregadas domésticas”, no
feminino, assim como é feito em muitas pesquisas sobre o assunto, a não ser que
estejamos nos referindo a uma lei específica, nesse caso as categorias estarão no
masculino, como em suas definições legais. Os homens são apenas 7,0% dos
trabalhadores domésticos, além disso, grande parte deles é motorista particular,
jardineiro e caseiro.
Embora, muitas vezes, as palavras trabalho e emprego sejam utilizadas como se
tivessem o mesmo sentido, elas possuem significados diferentes. O trabalho é qualquer
atividade executada pelo esforço físico ou mental de alguém, buscando produzir um
bem ou serviço. O emprego, por sua vez, é um tipo específico de trabalho remunerado,
com vínculo estável e formal, prestado a uma organização ou pessoa a partir de um
contrato de trabalho.
Dessa forma, quando nos referimos a emprego, é no sentido de uma relação de
longo prazo juridicamente regulada e socialmente protegida, como o emprego com
carteira assinada ou o emprego público; quando nos referimos a trabalho, pode ser
qualquer atividade laboriosa, com ou sem vínculo empregatício.
Segundo a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), “considera-se empregado
toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a
dependência deste e mediante salário” (art. 3º). Ou seja, a relação de emprego é
estabelecida a partir de alguns requisitos: 1) o empregado ser pessoa física; 2) o trabalho
ser prestado de forma não eventual; 3) o trabalho estar subordinado, pois o empregado
cumpre ordens do empregador; 4) a existência da contraprestação (salário).
O trabalho pode ser observado a partir de duas esferas, que apresentam uma
valorização social distinta: a produtiva e a reprodutiva. Enquanto o trabalho produtivo
são as atividades vinculadas ao mercado, à produção econômica; o trabalho
reprodutivo são os afazeres domésticos, os cuidados com as crianças, idosos e doentes.
Essas esferas são, de fato, interdependentes, no sentido de que apenas é capaz de
produzir quem está com as questões reprodutivas resolvidas de alguma forma, seja
4
através da “conciliação” com o trabalho remunerado, seja através da delegação a outra
pessoa (HIRATA e KERGOAT, 2007).
Mas, ao mesmo tempo, assim como pensa a socióloga francesa Danièle Kergoat
(1986), há contradições entre essas duas esferas que o capitalismo induziu à separação2:
produtiva (muito valor social, trabalho remunerado, relações de classe, espaço público e
relações de capital/trabalho) e reprodutiva (pouco valor social, trabalho não
remunerado, relações entre os sexos, espaço privado e relações familiares).
As trabalhadoras domésticas, ao realizarem profissionalmente e de maneira
remunerada o trabalho reprodutivo, acabam por conjugar, de diferentes maneiras,
dimensões presentes nessas duas esferas, tencionando no decorrer de suas atividades
questões próprias do espaço público e próprias do espaço privado.
Embora alguns autores, em determinadas circunstâncias, utilizem trabalho
doméstico e emprego doméstico como sinônimos, é preciso diferenciá-los para evitar
que o trabalho realizado, por exemplo, pela dona de casa seja chamado da mesma
maneira que o trabalho desempenhado pela empregada doméstica.
Tanto o trabalho doméstico quanto o emprego doméstico correspondem às
atividades pertinentes à reprodução da vida, mas enquanto o primeiro marca os afazeres
domésticos que as pessoas realizam em suas próprias residências de maneira não
remunerada; o segundo, sinaliza que se trata das atividades realizadas pelas empregadas
domésticas de maneira remunerada na casa de terceiros.
Pensando em frisar essa diferenciação e, assim, deixar mais claro o objeto de
estudo em foco, muitos autores utilizaram emprego doméstico, como, por exemplo, em
um estudo pioneiro realizado por Saffioti (1978) com empregadas domésticas em
Araraquara (SP), denominado por ela Emprego Doméstico e Capitalismo.
Mas embora a categoria emprego doméstico possibilite frisar que se trata de
trabalho doméstico prestado a outra família e em caráter remunerado, talvez ela não seja
a melhor maneira de nomear essa atividade como um todo. Isso ocorre porque, como
vimos, para ser emprego é necessária a existência de vínculo empregatício, que garanta
certas proteções.
Dessa forma, emprego doméstico pode ser utilizado apenas para nomear a
relação de trabalho da empregada doméstica, pois nessa situação, configura-se, de fato,
2
O desenvolvimento do regime capitalista significou o afastamento entre o âmbito familiar e o âmbito
produtivo, separando essas dimensões que até o início das corporações de ofício ainda estavam
conjugadas. O sistema de fábrica se impôs sobre o trabalho feito nas oficinas caseiras.
5
uma relação de contrato de trabalho strictu sensu. Como as relações de trabalho
estabelecidas entre as famílias e as trabalhadoras domésticas são muito heterogêneas no
Brasil, com a existência também de trabalho infantil, sem carteira assinada e da
prestação de serviços durante um ou dois dias da semana, é necessário encontrar outra
forma de nomear essa atividade no geral.
No livro Muchacha, cachifa, criada, empleada, empregadinha, sirvienta y... más
nada (1993), organizado por Elsa Chaney e Mary Garcia Castro, que é uma síntese
sobre a situação das trabalhadoras domésticas nas Américas, a nomeação utilizada por
todos os autores que fazem parte da obra foi serviço doméstico3. Esse termo possibilita
diferenciar o trabalho doméstico que é a venda de um serviço realizado no domicílio do
empregador daquele trabalho doméstico desempenhado sem remuneração para a própria
reprodução social cotidiana das pessoas.
A categoria trabalho doméstico remunerado é igualmente uma forma
adequada de englobar todas as situações que fazem parte dessa atividade profissional,
pois contempla as diferentes relações de trabalho das trabalhadoras domésticas e, ao
mesmo tempo, não se confunde com os afazeres domésticos não remunerados realizados
pelas próprias famílias.
Nesse sentido, quando o intuito é denominar essa ocupação de maneira mais
generalizada, sem deixar de incluir todos os tipos de relações de trabalho possíveis,
inclusive o estabelecido pela diarista, as melhores categorias nos parecem ser trabalho
doméstico remunerado, serviço doméstico ou serviço doméstico remunerado, como
deixa transparecer o próprio título desta dissertação.
Embora a origem etimológica seja a mesma (venha de domus, casa), o trabalho
doméstico remunerado não deve ser confundido com o trabalho em domicílio. Este é o
serviço realizado pelo trabalhador em sua própria habitação ou oficina de família, sob
encomenda de um empregador ou seu intermediário, que o remunera e o dirige, ou por
conta própria, em atividades lucrativas.
O trabalho em domicílio abarca os trabalhadores, principalmente mulheres, que
realizam tarefas para indústrias ou empresas em suas próprias residências, ou seja, faz
parte de um processo de exteriorização da produção. É o caso, por exemplo, de
costureiras que trabalham para a indústria de confecções e da subcontratação no setor de
3
Esse livro tem versão em duas línguas: em castelhano e em inglês (versão original). Na edição em
castelhano, cujo título já foi citado, a expressão empregada foi “servicio doméstico”. Na versão em inglês,
cujo título é Muchachas no more: household workers in Latin America and the Caribbean (1989), a
expressão utilizada foi “domestic service”.
6
calçados. Uma revisão da literatura sobre esse tipo de trabalho foi realizada por Abreu e
Sorj (1993), e outros estudos mais recentes também têm abordado esse tema
(LAVINAS et al, 1998; ARAÚJO e AMORIM, 2002; NUNES, 2006; LEITE, 2004 e
2009).
Realizadas as distinções da ocupação no geral, passemos para a classificação das
trabalhadoras especificamente. A trabalhadora doméstica é considerada pelo IBGE a
pessoa que trabalha prestando serviço doméstico remunerado em dinheiro ou benefícios,
em uma ou mais unidades domiciliares. Consequentemente, esse conceito abarca tanto a
empregada doméstica quanto a diarista.
A empregada doméstica é definida em lei, como será plenamente discutido no
capítulo um, como aquela que presta um serviço de natureza contínua e sem finalidade
lucrativa à pessoa ou à família no espaço residencial delas. Isso significa que a
empregada doméstica realiza um trabalho de “natureza contínua”, e é com base nisso
que se busca legalmente a distinção com relação à diarista.
Já a diarista não está determinada em lei4, mas é definida por grande parte da
jurisprudência5 como aquela que trabalha apenas algumas vezes por semana em uma
mesma casa, recebendo seu pagamento no dia em que presta o serviço. Nesta pesquisa,
especificamente, além de levar em consideração essa diferenciação jurídica, nós
estamos concebendo a empregada doméstica como aquela que realiza
profissionalmente tarefas reprodutivas remuneradas em apenas uma residência e a
diarista como aquela que realiza profissionalmente tarefas reprodutivas remuneradas
em mais de uma residência.
Dessa forma, como vimos, as trabalhadoras domésticas podem ser empregadas
ou diaristas. Isso, do ponto de vista legal, está relacionado à presença ou não de uma
“natureza contínua” do trabalho; e, da perspectiva da categorização proposta por esse
estudo, está ligado à quantidade de residências em que se trabalha.
Por sua vez, as empregadas domésticas podem ser classificadas, como ressaltou
Motta (1992), em mensalistas residentes ou mensalistas externas, em função do seu
local de moradia. A mensalista residente é aquela que mora na casa dos patrões e que,
por isso, geralmente, não tem uma jornada de trabalho muito definida, no sentido de
4
Pelo menos por enquanto, pois já foi aprovado no Senado um projeto de lei que dispõe sobre a definição
de diarista, de autoria da senadora Serys Slhessarenko (PT-MT). Atualmente, o projeto está na Câmara.
5
A jurisprudência pode ser compreendida como um conjunto de decisões tomadas de maneira
convergente por um ou mais tribunais a partir de casos concretos semelhantes, sobre um assunto que dá
margem a mais de uma interpretação. Com base nesse acordo, outros juízes podem seguir o mesmo
entendimento na aplicação de determinada norma jurídica, embora não sejam obrigados a fazê-lo.
7
estar disponível durante uma quantidade maior de tempo. Já a mensalista externa é
aquela que mora em sua própria residência e que, portanto, conta com algum tipo de
delimitação de suas horas de trabalho.
Além de serem classificadas em mensalistas residentes ou mensalistas externas,
as empregadas domésticas podem ser consideradas polivalentes ou especializadas. A
empregada polivalente é aquela que fica responsável em uma casa pelos afazeres
domésticos como um todo. Diferente disso, a empregada especializada é contratada
para desempenhar uma tarefa específica, como ser cozinheira, babá, passadeira ou
acompanhante de idosos.
O que fica claro é a heterogeneidade das atividades que integram o serviço
doméstico, como: governanta, arrumadeira, lavadeira, jardineiro, motorista particular e
enfermeiro do lar. Nesse sentido, como todas essas atividades têm os seus aspectos
particulares e isso, possivelmente, reflete-se nas relações de trabalho estabelecidas em
cada uma delas, há certos cuidados necessários para ser possível fazer uma comparação.
Sendo assim, nesta pesquisa, iremos estudar especificamente as relações de trabalho da
empregada doméstica polivalente e as da diarista, que são as duas atividades, no serviço
doméstico remunerado, nas quais as mulheres mais estão inseridas.
8
Para quem se aventura atualmente nesse assunto, estão disponíveis pelo menos
61 teses e dissertações,6 alguns livros e capítulos e dezenas de artigos. Produção essa
vinda de várias áreas de conhecimento, tais como: Antropologia, Direito, Sociologia,
História, Economia, Saúde, Comunicação, Psicologia e Serviço Social. Cada uma delas
com suas preocupações, métodos e recortes. Sendo assim, por mais que seja um tema
não tão pesquisado como outros, é visível a existência de um acúmulo de reflexão e
discussão.
Na bibliografia existente, muitos foram os objetos construídos e estudados pelos
pesquisadores. Sintetizando a produção disponível, pelo menos sete perspectivas
analíticas buscaram compreender o trabalho doméstico remunerado: estatística, teórica,
histórica, configuracional, organizacional, legal e relacional. Contudo, há outras menos
predominantes e em muitos trabalhos estão presentes mais de uma perspectiva, pois a
riqueza de recortes e abordagens não cabe totalmente nas delimitações classificatórias
aqui empregadas.
A primeira perspectiva, denominada estatística, preocupou-se em traçar o
panorama geral do serviço doméstico que fosse possível a partir dos dados quantitativos
disponíveis. Isso possibilitou a reflexão sobre as características apresentadas por essa
ocupação e sobre o perfil dos trabalhadores domésticos. Os seguintes autores estão
situados nesse grupo analítico: Melo, 1993, 1998 e 2000; Bruschini e Lombardi, 2000;
Sabóia, 2000; Melo, Pessanha e Parreiras, 2002 e 2005; Menezes, 2005; Dieese, 2006;
Namir, 2006; Myrrha e Wajnman, 2008; IPEA, SPM e UNIFEM, 2008; SEADE, 2007 e
2009; e IPEA, 2009.
A segunda perspectiva, chamada aqui de teórica, procurou compreender o
trabalho doméstico remunerado de uma maneira mais geral, explicá-lo mediante as suas
grandes configurações e pensar o seu lugar na sociedade capitalista. Fazem parte dessa
abordagem: Saffioti, 1978; Farias, 1983; e Milkman, Reese e Roth, 1998. Já a
perspectiva histórica buscou retratar o serviço doméstico em diferentes períodos da
história brasileira. Os seguintes pesquisadores podem ser citados: Graham, 1992;
Carvalho, 2003; El-Kareh, 2004; e Ferreira, 2006.
A quarta perspectiva, configuracional, produziu pesquisas que estudaram
características e processos que configuraram e ainda configuram o trabalho doméstico
6
Segundo consulta ao Banco de Teses da Capes (http://www.capes.gov.br/servicos/banco-de-teses),
tendo como base 21 anos (de 1987 a 2008). Foram utilizadas as seguintes expressões de busca: “emprego
doméstico”, “empregada doméstica”, “diarista”, “trabalho doméstico”, “trabalhadora doméstica” e
“serviço doméstico”.
9
remunerado no Brasil, tais como a raça, a migração e o trabalho infantil. Enquanto
alguns autores estudaram a migração como fornecedora de mão de obra para o serviço
doméstico (BARBOSA, 2000; e JACQUET, 2000 e 2003); e outros refletiram sobre o
peso da dimensão racial nessa ocupação (VIEIRA, 1987; AZERÊDO, 1989;
ANDRADE, 2004; e SILVA, 2006); houve os que examinaram a questão das milhares
de meninas brasileiras que trabalham em casas de terceiros, realizando serviços
domésticos (SABÓIA, 2000; RIZZINI e FONSECA, 2002; LAMARÃO, 2003; ANDI,
2003; SANTANA e DIMENSTEIN, 2005; CUSTÓDIO, 2006; e NICOLAU e
KOSMINSKY, 2007).
A perspectiva organizacional reuniu pesquisas que analisaram a prática sindical
das trabalhadoras domésticas, a busca dos sindicatos por uma profissionalização e
ampliação de direitos e as dificuldades de organização por conta, por exemplo, da
fragmentação e dispersão da categoria. Estão incluídos nesse grupo temático: Motta,
1992; Oliveira, 1995; Melo, Pessanha e Parreiras, 2005; Carvalho, 2008; Oliveira, 2008;
Silva, 2008; e Oliveira, 2009.
A sexta perspectiva, nomeada de legal, conjugou trabalhos que abordaram
análises e desdobramentos de leis e de fundamentos jurídicos (SILVA, 1998;
MARTINS, 2000; SANTOS, 2000; MENDES, 2001; FONSECA, 2005; VILA, 2005;
LIMA, 2007; CASAGRANDE, 2008; e FRAGA, 2009), além de refletir sobre a relação
das trabalhadoras domésticas com o direito e o seu acesso à Justiça (VIDAL, 2006 e
2007; PEREIRA, 2007; e CARVALHO, 2008).
A última perspectiva, relacional, preocupou-se em estudar as relações
estabelecidas entre patroa e trabalhadora doméstica, ressaltando o aspecto afetivo, mas
também conflituoso estabelecido entre elas. Podemos citar os seguintes trabalhos com
essa abordagem: Kofes, 1994 e 2001; Rezende, 1995; Preuss, 1997; Vidal, 2002;
Azerêdo, 2002; Coelho, 2006; Brites, 2003 e 2007; e Harris, 2007.
No entanto, se as trabalhadoras domésticas podem ser classificadas em três
tipos: a mensalista residente, a mensalista externa e a diarista, essas diferentes
perspectivas analíticas foram mobilizadas para compreender majoritariamente os dois
primeiros. O mapeamento da produção bibliográfica sobre o tema nos permitiu perceber
que desses três tipos, apenas os dois primeiros foram mais estudados pelas Ciências
Sociais e pelas demais áreas de conhecimento. De forma que as relações de trabalho
estabelecidas por eles foram analisadas e comparadas em maior intensidade, formando,
assim, um razoável acúmulo de análises empíricas e teóricas.
10
No caso do terceiro tipo, são pouquíssimos os trabalhos científicos que o
abordaram como objeto de estudo. Mas a sua compreensão é tão relevante, do ponto de
vista sociológico, quanto a dos outros dois. Na realidade, em termos quantitativos, há
mais diaristas no Brasil do que mensalistas residentes, respectivamente, 25,9% e 6,4%
dos trabalhadores domésticos, segundo dados da PNAD 2008. Além disso, estudar as
relações de trabalho da diarista é vital para a própria compreensão das mudanças que
estão em curso no trabalho doméstico remunerado e na forma como a reprodução da
família tem sido mercantilizada.
Quando a figura da diarista aparece nos estudos sobre o trabalho doméstico
remunerado é sendo comparada estatisticamente com a empregada (BRUSCHINI e
LOMBARDI, 2000; MELO, 2000; DIEESE, 2006; MYRRHA e WAJNMAN, 2008;
SEADE, 2007 e 2009; e IPEA, 2009); a partir de uma discussão sobre a sua definição
legal (SILVA, 1998; MARTINS, 2000; SANTOS, 2000; MENDES, 2001; FONSECA,
2005; VILA, 2005; LIMA, 2007; PEREIRA, 2007); ou ainda como uma nota de pé de
página que reconhece esse tipo de relação de trabalho, mas que não se ocupa dela
(KOFES, 2001).
O único estudo sociológico que analisou mais detidamente a relação de trabalho
desse tipo específico de trabalhador doméstico foi a recente dissertação de mestrado de
Harris (2007), que ao ter o objetivo de comparar as relações entre empregadas
domésticas e seus empregadores, no Brasil e nos Estados Unidos, acabou também
confrontando a relação estabelecida pela diarista nesses dois países.
Situando a presente dissertação na literatura que se ocupou do serviço doméstico
remunerado brasileiro, almejamos contribuir, principalmente, com três das sete
principais perspectivas desse campo de estudo: estatística, legal e relacional. Dessa
forma, buscando colaborar com os conhecimentos já acumulados anteriormente sobre
essa atividade profissional.
O objeto de estudo alvo da investigação que será aqui realizada são as mudanças
pelas quais o trabalho doméstico remunerado vem passando nas últimas décadas, no
sentido, por exemplo, de um aumento da demanda pelo serviço doméstico realizado
durante apenas algumas horas semanais. Com isso, estabelecem-se, no caso específico
da cidade do Rio de Janeiro, onde foi desenvolvida a parte empírica desta pesquisa,
11
diferentes tipos de relações de trabalho, distinguindo a empregada doméstica da diarista.
É justamente nessa diferenciação que repousa o nosso interesse.
A partir desse recorte, esta dissertação tem como objetivos fundamentais analisar
as novas configurações do serviço doméstico, principalmente quanto ao crescimento do
número de diaristas, que somam um quarto das trabalhadoras domésticas brasileiras; e
discutir as similitudes e os contrastes entre as relações de trabalho da empregada e da
diarista, buscando compreender a partir de quais elementos as trabalhadoras domésticas
concebem a diferença entre se apresentar no mercado desta ou daquela forma.
As pesquisas sobre trabalho doméstico remunerado, quase na sua totalidade,
abordaram as relações de trabalho vivenciadas pela empregada doméstica. Este estudo
pretende contribuir para a compreensão de uma relação de trabalho pouco estudada pela
literatura: a da diarista. Isso possibilita uma comparação entre essas duas formas de
inserção possível no mercado de trabalho doméstico: como empregada, mais formal,
trabalhando para uma mesma família; ou como diarista, por conta própria, sem direitos
trabalhistas e prestando serviço em mais de uma residência.
Questões e hipóteses
12
A primeira hipótese desta pesquisa, relacionada ao aumento do número de
diaristas, a ser verificada, é a de que talvez ser diarista permita às mulheres de menor
poder aquisitivo uma flexibilidade necessária à articulação entre o trabalho produtivo e
o trabalho reprodutivo, a partir da maleabilidade que esse trabalho por conta própria tem
em relação ao da empregada mensalista. Isso faz ainda mais sentido levando em
consideração a dificuldade de acesso a creches e a pré-escolas, principalmente que
funcionem em tempo integral, pois o baixo desenvolvimento de serviços coletivos
penaliza a quantidade e qualidade da inserção feminina, principalmente das mães, no
mercado de trabalho (SORJ, FONTES e MACHADO, 2007).
Além disso, quem observa comparativamente as relações de trabalho da
empregada e da diarista, tende a avaliar, a princípio, que as relações estabelecidas pela
segunda parecem ser mais impessoais, delimitadas e racionais quando comparadas com
as da primeira. Como afirmou Harris, a relação estabelecida pela diarista “tende a
exemplificar as características de um emprego mais “moderno”, “racional” e
“capitalista” do que o caso da mensalista, e particularmente da mensalista residente na
casa dos empregadores” (2007: 119). Será que isso é assim mesmo? Essa é a segunda
hipótese a ser verificada no decorrer deste estudo.
13
Sociologia e da Antropologia, mas da Psicologia, do Direito, do Serviço Social e de
outras áreas de conhecimento que abordaram esse tema e o construíram como objeto de
estudo. Ao fazer isso, procuramos nos situar no debate para participar dele de maneira
mais consistente.
O maior desafio ao mapear essas pesquisas foi buscar as similitudes e os
contrastes nas argumentações desenvolvidas e, principalmente, perceber que as relações
de trabalho da diarista apenas haviam sido estudadas por um autor, o que significava
maior dificuldade para estabelecer um diálogo, pela falta de interlocutores, mas, ao
mesmo tempo, um terreno fértil para interpretações sociológicas e para desenvolver uma
problemática que poderá ser fruto de novas pesquisas.
Em relação à análise das leis, acompanhou-se o percurso da legislação sobre o
emprego doméstico e a discussão sobre a situação de quem trabalha apenas alguns dias
da semana em uma mesma casa. A dificuldade nesse ponto foi dominar mais a
linguagem jurídica, nem sempre palatável a quem não pertence ao campo, como forma
de explicar a trajetória legal e a distinção entre empregada e diarista de maneira clara e,
ao mesmo tempo, precisa.
Quanto ao método quantitativo, os dados das Pesquisas Nacionais por Amostra
de Domicílios (PNAD-IBGE) foram muito úteis para tornar possível uma comparação
entre empregadas e diaristas, tanto em nível de Brasil quanto de Rio de Janeiro. Essa
pesquisa permitiu, por meio de uma seqüência temporal de determinados dados (número
de trabalhadores domésticos, carteira assinada, morar ou não na residência onde
trabalha...), um acompanhamento dos processos de mudança em curso no serviço
doméstico.
Os obstáculos superados foram aprendermos a trabalhar com os microdados da
PNAD e chegarmos à conclusão se uma distinção estatística entre empregada e diarista
poderia ou não ser realizada. Isso se tornou possível graças à experiência que
adquirimos na graduação trabalhando com o programa SPSS e à inestimável ajuda do
professor Alberto Di Sabbato, da Faculdade de Economia da UFF. Os bancos de dados
com os microdados das PNADs de 1992 a 2008 foram obtidos no Consórcio de
Informações Sociais (CIS) e no Observatório das Metrópoles.
Em relação ao método qualitativo, foram realizadas entrevistas semi-estruturadas
com trabalhadoras domésticas da cidade do Rio de Janeiro. Em determinados
momentos, essas entrevistas eram mais abertas, como a parte em que o que estava em
foco era a biografia dessas mulheres, aproximando-se da metodologia da história de
14
vida; em outros, elas eram mais fechadas, quando a preocupação estava em perceber
questões específicas sobre o trabalho delas.
Na parte mais biográfica, as trabalhadoras domésticas eram chamadas a relatar
livremente a sua trajetória individual. Ao narrarem a dinâmica das relações sociais que
estabeleceram ao longo da vida, não podemos perder de vista que mobilizaram o olhar
do presente sobre o passado (POLLAK, 1989) e que a memória é seletiva, o que fez
com que alguns assuntos viessem à tona e outros fossem ignorados ou evitados
(POLLAK, 1992).
As entrevistas foram realizadas a partir de um roteiro que serviu para guiar a
conversa, mas novas perguntas poderiam ser formuladas a partir das respostas dadas
(ver anexo 1). Esse método pareceu o mais apropriado para captar as percepções das
entrevistadas em relação a determinados aspectos de sua vida e de seu trabalho,
importantes para alcançar alguns dos objetivos desta pesquisa.
Como se trata da tentativa de compreender relações de trabalho que podem ser
muito heterogêneas no serviço doméstico, alguns cuidados foram necessários. É preciso
lembrar que há desde a relação da empregada que trabalha para uma família de classe
média ou classe média alta até o caso de empregadas que têm “empregadas”, ou seja,
que pagam outras mulheres para cuidar de seus filhos e de sua casa, como apontam
alguns estudos (SILVA e CRUZ, 2007).
Possivelmente, as relações de trabalho estabelecidas nesses dois casos distintos
são muito diversas e uma comparação entre elas, por mais interessante que seja,
demandaria um esforço diferente daquele que atende ao objetivo específico desta
pesquisa. Sendo assim, para evitar comparar relações muito distintas, optamos por
homogeneizar a parte empregadora e, então, falar com mais propriedade sobre um tipo
de relação de trabalho: o estabelecido entre trabalhadoras domésticas e famílias de
classe média e classe média alta.
Para tornar isso possível, fizemos um controle a partir dos bairros cariocas,
escolhendo a região na qual eles são mais homogêneos quanto ao Índice de
Desenvolvimento Humano Municipal (IDH), que é uma medida comparativa obtida
levando em consideração três dimensões: educação (taxa de alfabetização de adultos e
taxa bruta de freqüência à escola), longevidade (esperança de vida ao nascer) e renda
(renda per capita). A região escolhida foi a Zona Sul da cidade do Rio de Janeiro,
habitada por pessoas de nível sócio-econômico-cultural mais semelhante. As entrevistas
foram realizadas com empregadas e diaristas que trabalham nessa região geográfica.
15
O IDH pode variar de zero (nenhum desenvolvimento humano) até 1
(desenvolvimento humano total), sendo que os países, as regiões, as cidades e os bairros
são classificados do seguinte modo: de 0 a 0,499 (desenvolvimento humano baixo), de
0,500 a 0,799 (desenvolvimento humano médio), de 0,800 a 0,899 (desenvolvimento
humano elevado) e de 0,900 a 1 (desenvolvimento humano muito elevado).
Os bairros da Zona Sul da cidade do Rio de Janeiro escolhidos foram aqueles
com IDH mais próximo, ou seja, superior a 0,9. São eles: Gávea (0,970); Leblon
(0,967); Ipanema (0.962); Lagoa (0,959); Flamengo (0,959); Humaitá (0,959);
Laranjeiras (0,957); Jardim Botânico (0,957); Copacabana (0,956); Leme (0,955);
Botafogo, Urca (0,952); Glória (0,940); e Catete (0,901). Com IDH mais baixo, alguns
bairros ficaram de fora da amostra: Santa Teresa, Cosme Velho (0,878); Vidigal, São
Conrado (0,873); e Rocinha (0,732)7 (ver anexo 2).
Para selecionar as entrevistadas, foi utilizada a metodologia “bola de neve”
(snow-ball) ou técnica de indicação sucessiva de entrevistas, por meio da qual a
primeira entrevistada nos foi indicada e a partir dela foi construída uma rede que no
decorrer da pesquisa possibilitou que as próprias trabalhadoras domésticas entrevistadas
nos indicassem as próximas a fazerem parte da pesquisa. A preocupação era a de que
essa rede contemplasse em seu interior um recorte importante ligado ao tipo de inserção
no mercado de trabalho, ou seja, na composição da amostra de trabalhadoras domésticas
tornava-se necessário a presença tanto de empregadas quanto de diaristas.
Essa técnica de as primeiras entrevistadas indicarem outras, e assim
sucessivamente, foi empregada até que, de certa forma, fosse atingido o “ponto de
saturação”, ou seja, quando as novas entrevistadas começassem a repetir os conteúdos já
obtidos em entrevistas precedentes, sem acrescentarem novas informações relevantes. A
rede nem sempre se mostrou bem sucedida, pois às vezes acabava sendo desfeita por
alguma participante que não indicava outra pessoa ou por alguma trabalhadora
recomendada que não aceitava participar.
Por conta disso, algumas redes foram abertas simultaneamente, diminuindo o
tempo de espera de uma entrevista para outra e a possibilidade de ficarmos
abruptamente sem entrevistadas. Metodologicamente, optamos por não chegar às
7
Esses índices foram retirados do site “Armazém de dados” (http://www.armazemdedados.rio.rj.gov.br),
que é um portal da Prefeitura do Rio de Janeiro para disseminação de informações sobre a cidade. Nesse
endereço eletrônico está disponível um acervo de mapas, estatísticas, estudos e pesquisas. O cálculo do
IDH Municipal depende das informações censitárias, por isso, os dados utilizados correspondem ao
Censo Demográfico 2000.
16
trabalhadoras domésticas nem por meio de suas patroas, nem de agências de emprego,
nem do sindicato, por conta do viés que esses caminhos poderiam trazer.
As redes foram abertas por meio de uma amostra de conveniência, no sentido de
que a entrevistada que dava início a cada rede foi indicada por alguém de nosso
conhecimento pessoal, em alguns casos até mesmo por suas patroas. Mas essa entrevista
apenas servia para abrir a rede, sendo em seguida eliminada do corpo analítico da
pesquisa. No caso das demais entrevistadas que compõem a rede, não nos parece que
haja esse tipo de fonte de viés, pois todas foram indicadas por outras trabalhadoras
domésticas e sequer seus patrões eram conhecidos.
Azerêdo (1989) discute uma série de cuidados metodológicos que precisam ser
observados por quem vai se debruçar sobre o tema do trabalho doméstico remunerado.
Essa reflexão foi realizada mediante sua pesquisa sobre a relação patroa-empregada, em
que chegou às trabalhadoras domésticas por meio de suas patroas e fez as entrevistas
nas casas destas. Durante o artigo, Azerêdo faz um balanço das formas de procedimento
adotadas, de suas conseqüências para as informações coletadas e de como seria possível
deixar as empregadas mais à vontade para falarem sobre as suas relações de trabalho,
tornando a leitura proveitosa para quem está desenvolvendo seus métodos de pesquisa.
A questão de a indicação ser de trabalhadora doméstica para trabalhadora
doméstica nos parece muito importante, pois a indicação através da patroa pode ser uma
fonte de viés da entrevista. Isso ocorre porque por mais que a patroa tenha perguntado
se a sua doméstica aceita ser entrevistada e ela tenha concordado, pode permanecer,
mesmo que em determinado grau, a questão da obrigatoriedade da entrevista: “estou
aqui porque a minha patroa mandou”.
Além disso, e ainda mais importante, sendo indicada pela patroa, por mais que o
pesquisador não a conheça pessoalmente, as respostas a determinados tipos de
perguntas, como as referentes ao relacionamento com a família empregadora, podem
ficar enviesadas, pois, em algum nível, as trabalhadoras domésticas perceberão a
entrevista como uma “armadilha”: “o que eu falar poderá ser usado contra mim”.
Nesse sentido, alguns obstáculos foram enfrentados para realizar as entrevistas.
Uma primeira dificuldade foi a necessidade de respeitar os critérios definidores de quem
poderia ou não ser entrevistada, pois apenas faria parte desse grupo quem satisfizesse
simultaneamente três condições: 1ª) ser empregada polivalente ou diarista; 2ª) trabalhar
na Zona Sul da cidade do Rio de Janeiro, nos bairros citados anteriormente; 3ª) ter sido
indicada por outra trabalhadora doméstica. Por vezes, a rede chegava a empregadas
17
especializadas ou a trabalhadoras que desempenhavam seu trabalho em outras regiões
da cidade, como não atendiam aos três requisitos necessários, ficavam fora da amostra.
Como dito antes, tais critérios buscaram evitar vieses e tornar possível o estudo
de relações de trabalho mais homogêneas, mas, ao mesmo tempo, tornaram mais
complexa a realização das entrevistas. Junto a isso, uma segunda dificuldade foi a
recusa de algumas trabalhadoras domésticas em fazer parte da pesquisa, por alegarem
falta de tempo, vergonha, não ter o que dizer e receio de que a gravação da entrevista
aparecesse na televisão.
As justificativas para a recusa são elas mesmas reveladoras de algumas
características do serviço doméstico, como quando uma trabalhadora doméstica que
presta serviço um dia na semana para uma mesma família, recebendo diária, não aceitou
fazer parte da pesquisa, pois disse, parecendo ofendida, que não era nem empregada
nem diarista, considerava-se uma amiga que estava prestando um favor. Esse é o tipo de
percepção que esta pesquisa procura identificar ao colocar o foco na trabalhadora
doméstica e no tipo de relação que ela constrói com a parte empregadora.
As entrevistas foram realizadas em três lugares: nas moradias das trabalhadoras
domésticas, no espaço público (calçadas, praças...) e nas casas da Zona Sul em que elas
trabalham (na cozinha ou no quarto de empregada). Nesse último caso, em número
pequeno e somente quando os patrões não estavam, aproveitando, por exemplo,
momentos em que foram trabalhar ou saíram de viagem. O ideal seria a entrevista ser
realizada unicamente com a trabalhadora doméstica presente, mas, por mais que isso
fosse buscado, em alguns casos, havia mais pessoas no local, como um filho ou uma
outra trabalhadora doméstica.
Essa presença inesperada, problemática em certo sentido, às vezes se mostrou
muito proveitosa. Esse foi o caso de uma entrevista realizada com uma empregada
doméstica que reside em um apartamento alugado no Centro, mas cujos filhos moram
na casa da patroa. A entrevista foi concedida nesse apartamento alugado, mas como ele
é extremamente pequeno, a filha, mesmo no cômodo contíguo, pôde acompanhar o
desenrolar da nossa conversa. A presença da filha e as suas constantes intervenções
deixaram claro, como veremos no último capítulo desta dissertação, um conflito que
cruzava relações trabalhistas e relações familiares e que fazia a empregada perceber os
seus filhos divididos entre ela e a sua patroa.
Para finalizar este ponto, vale a pena pensar se o fato de o pesquisador ser
homem ou mulher interfere no estudo desse tema. Levantamos essa questão, pois ela
18
está presente em estudos precedentes sobre o assunto. Alguns pesquisadores ressaltaram
determinadas dificuldades vivenciadas por serem homens. Para Barbosa (2000), por
exemplo, a diferença de gênero entre pesquisador e entrevistadas repercutiu sobre o
entendimento do universo delas, pois elas pareciam se esquivar de comentar com um
homem sobre os serviços que realizam, por os perceberem como de domínio feminino.
Mas não podemos perder de vista que as pesquisadoras também já advertiram
sobre alguns entraves existentes por serem mulheres. Para Azerêdo (1989), era
inevitável que as empregadas a identificassem como patroa, por conta, por exemplo, da
sua situação sócio-econômica e pelo fato de estar fazendo uma pesquisa. Por esse
mesmo motivo, Coelho (2006) revelou que recebeu muitas recusas das trabalhadoras
domésticas para serem entrevistadas, pois havia o embaraço de conversar com uma
“patroa”.
Dessa forma, se o sexo do pesquisador também deve ser levado em consideração
como um dado importante para analisar os resultados obtidos pelas pesquisas sobre esse
tema, faz-se mister ressaltar que os obstáculos existem tanto para mulheres quanto para
homens. Essa condição, longe de significar uma impossibilidade de conduzir uma
pesquisa, revela determinados empecilhos existentes quando se vai a campo. Se certas
dificuldades aparecem mais para pesquisadores do que para pesquisadoras, e vice-versa,
são limites com os quais ambos necessitam conviver.
Estrutura da dissertação
19
doméstico; e realizar uma comparação entre empregadas e diaristas, de forma a perceber
se elas se diferenciam ou não quanto a uma série de características sócio-econômicas.
No terceiro e último capítulo, chamado “Os marcadores da diferença: as
percepções das trabalhadoras domésticas cariocas sobre a distinção entre ser empregada
ou diarista”, apresentamos os resultados das entrevistas realizadas com trabalhadoras
domésticas da cidade do Rio de Janeiro, ressaltando a forma como os dois grupos
estudados (empregadas e diaristas) percebem e marcam a diferença de um em relação ao
outro, com base em suas próprias percepções e classificações. Para isso, analisamos o
perfil e as histórias de vida das entrevistadas, os marcadores da diferença, as relações de
trabalho, as estratégias e os condicionamentos sociais.
Por fim, na conclusão, retomamos as discussões travadas e apontamos os
achados da pesquisa, sistematizando os resultados das questões investigadas,
caracterizando as semelhanças e as diferenças entre as relações de trabalho da
empregada e da diarista, e buscando chaves interpretativas.
Dito isso, estamos prontos para dar prosseguimento à reflexão que aqui se inicia
e acompanhar a lógica argumentativa que atravessa este trabalho. Se, como afirmam
muitos, a cozinha é o coração da casa, deixemos essa introdução para trás e passemos
para as partes mais estruturadas deste texto, nas quais se requer mais formalidade e
rigorosidade.
Mas como quem entra pela cozinha já é de casa, fiquem à vontade para se
familiarizar com os autores que já pesquisaram o assunto, analisar as idéias defendidas,
elogiar e criticar afirmações, e voltar sempre que quiserem e quando o interesse pelas
novas configurações do trabalho doméstico remunerado assim exigir.
20
CAPÍTULO I – UMA ANÁLISE DA LEGISLAÇÃO E DA JUSTIÇA DO
TRABALHO: A DIFERENCIAÇÃO LEGAL ENTRE EMPREGADO
DOMÉSTICO E DIARISTA
8
Analisamos essa trajetória, comparando-a com a dos trabalhadores rurais, em um artigo que ganhou
menção honrosa no Concurso ANPOCS-FUNDAÇÃO FORD de Melhores Trabalhos Sobre a
Constituição de 1988 e que foi publicado em livro. Ver FRAGA (2009).
21
nº. 3.078, de 1941, do governo de Getúlio Vargas, que dispôs sobre a locação de
serviços domésticos e considerou empregados domésticos “todos aqueles que, de
qualquer profissão ou mister, mediante remuneração, prestem serviços em residências
particulares ou a benefício destas” (art. 1º).
Esse Decreto-Lei tornou obrigatório o uso de carteira profissional ao empregado
em serviço doméstico, na qual seriam realizadas as devidas anotações (art. 2º), e
instituiu o aviso prévio de oito dias para qualquer uma das partes que resolvesse
rescindir o contrato (§ 1º do art. 3º). Além disso, definiu os deveres do empregador e do
empregado, estabeleceu multas e prometeu promover os estudos necessários ao
estabelecimento de um regime de previdência social para os empregados domésticos.
Entretanto, a sua efetiva vigência dependia de regulamentação, como previu o seu artigo
15º, mas isso jamais ocorreu, permanecendo, então, a categoria sem um respaldo
jurídico de fato.
A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), elaborada em 1943, também no
primeiro governo Vargas, reuniu em um só documento os preceitos que regulam as
relações individuais e coletivas de trabalho. Mas, como previsto em seu artigo sétimo,
as normas presentes na Consolidação não se aplicam a quatro grupos de trabalhadores:
aos empregados domésticos, aos trabalhadores rurais, aos funcionários públicos e aos
servidores de autarquias paraestatais.
A diferença entre esses quatro grupos não incorporados à CLT é a de que
enquanto os dois primeiros foram excluídos, respectivamente, por conta da não geração
de lucro e porque essa Consolidação foi editada apenas para os trabalhadores urbanos,
os outros dois não foram incorporados por estarem sujeitos a regime próprio de proteção
ao trabalho. Dessa forma, a não inclusão representou para empregados domésticos e
trabalhadores rurais desproteção e para funcionários públicos e servidores de autarquias
paraestatais foi fruto de proteção própria.
A Lei nº. 2.757, de 1956, distinguiu os empregados domésticos dos porteiros,
zeladores, faxineiros e serventes de prédios de apartamentos residenciais, pois estes
últimos também vivenciavam uma ausência de direitos. Os trabalhadores de prédios
residenciais a serviço da administração do edifício e não de cada condômino em
particular foram, por meio dessa lei, excluídos do art. 1º do Decreto-Lei nº. 3.078/41 e
da alínea “a” do art. 7º da CLT, ou seja, diferenciados dos empregados domésticos, que
permaneceram na mesma situação, e incorporados à CLT.
22
Excluídos das normas instituídas pela CLT, que os definiu como “os que
prestam serviços de natureza não econômica à pessoa ou à família, no âmbito
residencial destas” (art. 7º), os empregados domésticos passaram a ter leis específicas
apenas durante o regime militar, a partir da Lei nº. 5.859, de 1972, do governo Médici.
A definição de empregado doméstico ganhou contornos distintos da forma estabelecida
na CLT, pois o serviço prestado deixou de ser entendido como não econômico e passou
a ser percebido como tendo finalidade não lucrativa. Afinal de contas, o serviço
doméstico, por satisfazer uma necessidade, de fato tem finalidade econômica, embora
não tenha finalidade de lucro.
A Lei nº. 5.859/72 definiu que “empregado doméstico é aquele que presta
serviço de natureza contínua e de finalidade não lucrativa à pessoa ou à família no
âmbito residencial destas” (art. 1º). É preciso frisar três aspectos distintivos dessa
profissão conforme apontados pela lei: 1º) a expressão natureza contínua, ou seja, o que
caracteriza o empregado doméstico é a continuidade do seu trabalho em uma mesma
residência, o que vai diferenciá-lo do diarista; 2º) a questão da finalidade não lucrativa,
de forma que, segundo exemplo trazido por Fonseca (2005: 37), o caseiro de um sítio
não pode ser considerado empregado doméstico quando nele se produz renda; 3º) o
trabalho tem que ser realizado no âmbito residencial, familiar, de forma que um
trabalhador que faz a limpeza de edifícios, mesmo residenciais, não se enquadra nessa
categoria profissional.
Além da continuidade, de não haver fins lucrativos e de o serviço ser prestado no
âmbito residencial à pessoa ou à família, como exigido pela Lei nº. 5.859, existem
outros elementos importantes para caracterizar o vínculo empregatício doméstico,
necessários a qualquer relação de emprego, conforme apontado pela CLT: a
onerosidade, pois há uma contraprestação ao trabalho realizado, na forma de salário; a
subordinação, pois o empregado deve acolher o poder de direção do empregador; e a
pessoalidade, pois o contrato de trabalho é realizado com pessoa determinada, que não
pode se fazer substituir.
A Lei nº. 5.859/72 tornou obrigatória a assinatura da carteira de trabalho, o
direito a férias anuais remuneradas de 20 dias úteis e o direito à previdência social na
qualidade de segurados obrigatórios9. Tal lei foi regulamentada pelo Decreto nº. 71.885,
de 1973, que logo em seu artigo 2º deixou claro que não seria desta vez que os
9
Desde o art. 161 da Lei nº. 3.807, de 1960, o empregado doméstico poderia filiar-se à Previdência Social
como segurado facultativo.
23
empregados domésticos se aproximariam dos demais trabalhadores: “Excetuando o
capítulo referente a férias, não se aplicam aos empregados domésticos as demais
disposições da Consolidação das Leis de Trabalho”.
O vale-transporte foi instituído pela Lei nº. 7.418, de 1985, para o deslocamento
residência-trabalho e vice-versa, e a sua concessão era facultativa. Mas a Lei nº. 7.619,
de 1987, transformou-o em obrigação do empregador. Esta lei foi regulamentada pelo
Decreto nº. 95.247, também de 1987, que, em seu artigo 1º, ressaltou ser esse um direito
direcionado aos trabalhadores em geral, inclusive aos empregados domésticos. Dessa
forma, o empregador doméstico deve pagar a condução do empregado doméstico e
depois poderá descontar, se quiser, até 6,0% do salário dele, o que exceder esse limite
ficará por sua conta.
A partir da mobilização da sociedade civil e, principalmente, das Associações de
trabalhadores domésticos, foi possível que a Constituição de 1988 avançasse em relação
aos direitos desse grupo profissional. Dos trinta e quatro incisos previstos do artigo 7º
da Constituição, referentes aos direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, nove deles
(IV, VI, VIII, XV, XVII, XVIII, XIX, XXI e XXIV) foram assegurados aos
trabalhadores domésticos10, além da sua integração à previdência social, como definido
em seu parágrafo único.
A Constituição de 1988 previu os seguintes direitos aos empregados domésticos:
a) salário mínimo; b) irredutibilidade do salário, salvo negociação; c) décimo terceiro
salário; d) repouso semanal remunerado, preferencialmente aos domingos; e) gozo de
férias remuneradas com, pelo menos, um terço a mais do que o salário normal; f)
licença à gestante, sem prejuízo do emprego e do salário, com duração de 120 dias; g)
licença-paternidade; h) aviso prévio proporcional ao tempo de serviço, sendo no mínimo
de 30 dias; i) aposentadoria; j) integração à previdência social.
Mais uma vez determinadas características distintivas dessa ocupação (não
geradora de lucro, realizada em âmbito doméstico, o empregador não ser uma empresa,
dificuldade de fiscalização do trabalho por conta da inviolabilidade do lar...) foram
utilizadas como argumento para a não igualdade entre domésticos e demais
10
A Constituição de 1988, diferente dos outros documentos legais, utilizou a expressão “trabalhadores
domésticos” em vez de “empregados domésticos”. Para Martins (2000), essa expressão mais ampla não é
muito precisa, pois o diarista autônomo é trabalhador doméstico, mas não tem direito, por exemplo, a
aviso prévio e a férias pela inexistência de relação de emprego entre as partes. Trabalhador doméstico não
é sinônimo de empregado doméstico, dessa forma, teria sido mais correto utilizar esta segunda expressão,
pois o conjunto de direitos previsto na Constituição foi direcionado, na verdade, aos empregados
domésticos especificamente.
24
trabalhadores. Segundo Benedita da Silva11, ela preparou, como deputada constituinte
em 1988, um artigo para a Constituição que garantiria aos trabalhadores domésticos os
mesmos direitos dos demais trabalhadores, mas não houve respaldo. Dessa forma, na
versão final do documento, o parágrafo único do artigo 7º da Constituição, de sua
autoria, acabou limitando os direitos dos trabalhadores domésticos, mas assegurando
alguns deles. Se por um lado foi uma derrota, pois a categoria buscava o nivelamento
com as outras profissões; por outro, foi uma vitória, pois havia pressão para que nada
mudasse a favor dos domésticos.
Embora a Constituição de 1988 não tenha trazido a equiparação completa dos
trabalhadores domésticos com os demais, ela avançou muito em relação à lei de 1972,
pois ampliou os direitos. Essas modificações foram as possíveis a partir da correlação
de forças naquele momento. Além disso, a Constituição rompeu a barreira legal que até
então impedia o acesso dos empregados domésticos à sindicalização. Isso foi uma
mudança muito significativa, pois permitiu que novos direitos fossem buscados a partir
da prática sindical.
Nestes vinte anos pós-Constituição, algumas alterações foram realizadas na Lei
nº. 5.859/72, que dispõe sobre a profissão de empregado doméstico. Tais alterações
representaram uma ampliação de direitos. O Decreto nº. 3.361, de 2000, e a Medida
Provisória n°. 2.104-16, de 2001, convertida na Lei nº. 10.208, do mesmo ano, por
exemplo, facultaram o acesso do empregado doméstico ao Fundo de Garantia do Tempo
de Serviço (FGTS) e ao Programa do Seguro-Desemprego, mas fica a critério do
empregador fazer o recolhimento de contribuições para esse fim ou não, o que na
prática significou atingir uma porcentagem mínima de trabalhadores.
A Medida Provisória nº. 284, de 2006, do governo Lula, permitiu uma dedução
no imposto de renda da contribuição paga pelo empregador à previdência social do
empregado doméstico, buscando estimular a formalização. O problema é que tal
dedução vale apenas para quem utiliza o modelo completo de declaração do imposto de
renda, não beneficiando os empregadores que fazem uso do modelo simplificado.
Essa Medida Provisória de 2006 foi convertida na Lei nº. 11.324, do mesmo ano,
que, em seu artigo 4º, alterou alguns artigos da Lei nº. 5.859/72: passou a ser proibido o
empregador doméstico efetuar descontos no salário do empregado por fornecimento de
alimentação, vestuário, higiene ou moradia; as férias remuneradas passaram a ser de 30
11
Em comunicação apresentada, em 10 de novembro de 2008, no Fórum “O Futuro do Emprego
Doméstico no Brasil”, realizado na cidade do Rio de Janeiro.
25
dias corridos, com, pelo menos, um terço a mais que o salário normal; e ficou garantida
a estabilidade no emprego da gestante até o quinto mês após o parto. Além disso, seu
artigo 9º revogou a alínea “a” do artigo 5º da Lei nº. 605, de 1949, que excluía os
empregados domésticos do direito ao repouso remunerado nos feriados civis e
religiosos, ou seja, eles passaram claramente a ser beneficiados com esse direito.
Uma outra mudança legal se somou a essas anteriores, o Decreto nº. 6.481, de
2008, proibiu o trabalho doméstico para menores de dezoito anos. Esse Decreto teve o
intuito de regulamentar alguns artigos da Convenção 182 da Organização Internacional
do Trabalho (OIT), que trata da eliminação das piores formas de trabalho infantil, de
1999, ratificada pelo Brasil em 2000.
A reivindicação de direitos trabalhistas equivalentes aos das demais categorias
profissionais continua sendo uma bandeira importante, pois atualmente os empregados
domésticos ainda não têm direito, por exemplo, a Fundo de Garantia do Tempo de
Serviço (FGTS), que é opcional para o empregador; a Seguro-Desemprego (pois é
restrito aos que estão inscritos no FGTS); a benefício por acidente de trabalho; à hora
extra; a adicional noturno; além de a legislação não prever a carga horária, sendo
acertada entre as partes na contratação.
A trajetória, em termos de leis, demonstrou que os empregados domésticos
deixaram o “limbo jurídico”, que se encontravam desde a não inclusão na CLT, apenas
nos anos 70, com a Lei nº. 5.859. A Constituição de 1988 ampliou os direitos
trabalhistas, mas não os igualou aos dos demais trabalhadores. Nestes vinte anos, os
empregados domésticos efetivamente vivenciaram uma ampliação de direitos e a busca
pela equiparação prossegue.
Nesse sentido, há vários projetos em tramitação no Congresso Nacional
buscando trazer mais direitos aos empregados domésticos. O mais antigo deles, de
autoria da então deputada Benedita da Silva, é o Projeto de Lei nº. 1.626, de 1989,
iniciado na Câmara dos Deputados, aprovado no Senado com um texto modificado e à
espera de aprovação de sua nova versão na Câmara. Apesar das alterações sofridas
durante a passagem pelo Senado e do esvaziamento de muitos direitos previstos no texto
original, o projeto ainda estende aos domésticos o Fundo de Garantia do Tempo de
Serviço (FGTS), na condição obrigatória, e o Seguro-Desemprego. Dessa forma, a
movimentação passada e presente no campo dos direitos desse grupo profissional,
apesar dos obstáculos, parece indicar uma equiparação cada vez mais próxima.
26
1.2 – A diferenciação legal entre empregado doméstico e diarista
27
Sendo assim, essa expressão ganha interpretações distintas por parte de
advogados e juízes, tendo como conseqüência que em determinados julgamentos o
trabalhador doméstico, supostamente diarista, consegue ser considerado empregado
doméstico, o que é pré-requisito para a obtenção dos direitos previstos para essa
categoria profissional; e em outros julgamentos ocorre exatamente o contrário, o que o
deixa em situação de prestação autônoma de serviço, recebendo apenas o valor
combinado pela sua execução.
Mas que concepções tão diferentes da expressão “natureza contínua”
possibilitam ora a definição daquele que trabalha alguns dias da semana como
empregado e ora como diarista? Para chegarmos a uma resposta a essa pergunta,
analisamos parte da doutrina12 que discutiu esse assunto e percebemos que três questões
são fundamentais para esse entendimento. Tais questões estão intimamente interligadas,
de forma que é difícil observá-las separadamente; são elas: 1ª) O que significa
“contínua”? 2ª) A continuidade faz referência a quê? 3ª) “Contínua”, presente na lei do
empregado doméstico, é igual a “não-eventual”, presente na definição de empregado da
CLT? Cada uma delas poderia ser dividida em dois grupos de resposta, um majoritário e
um minoritário, partidários de interpretações distintas.
A primeira questão crucial na doutrina é como definir “contínua”. Um primeiro
grupo de juízes entende a expressão natureza contínua, presente na lei que dispõe sobre
a profissão de empregado doméstico, como periódica, seguida, sucessiva, ou seja, faz
referência ao trabalho diário, sem interrupção. Seguindo uma concepção distinta da
anterior, um segundo grupo de juízes concebe natureza contínua como habitual. Nessa
interpretação, não é porque um serviço não foi prestado todos os dias da semana que ele
necessariamente deixou de ser realizado habitualmente. É assim considerado tanto
aquele serviço prestado diariamente quanto em dias alternados, espaçados. A doutrina
majoritária quanto a essa questão é a do primeiro grupo.
A segunda questão importante na doutrina quanto a esse tema é entender a quê a
continuidade faz referência. Para um primeiro grupo de juízes, a continuidade faz
referência à freqüência com que o trabalho é realizado, daí a importância de se saber se
o serviço prestado era diário, uma, duas ou três vezes na semana, quinzenal e assim por
diante. Mas, segundo um outro grupo de juízes, a continuidade não está ligada à
12
A doutrina jurídica são os estudos aprofundados sobre normas e princípios do Direito, elaborados, na
forma escrita, por juristas especializados no assunto, servindo de auxílio para uma melhor interpretação,
explicação e aplicação da lei. Há doutrinas divergentes sobre um mesmo assunto.
28
freqüência com que o trabalho é realizado, o que é contínua é a necessidade desse
serviço para a pessoa ou a família. Se a necessidade do serviço é ocasional, descontínua
(não se prolonga no tempo), quem presta pode ser considerado diarista. Mas se a
necessidade é permanente, contínua, quem realiza é necessariamente empregado
doméstico.
Em outras palavras, para aquele primeiro grupo, a expressão “natureza contínua”
deve ser interpretada em função do prestador de serviço e não do tomador, daí a
relevância que ganha o número de dias semanais trabalhados; para este segundo grupo,
ao contrário, essa mesma expressão deve ser compreendida em função do tomador de
serviço e não do prestador, de forma que o importante é saber se a necessidade daquele
trabalho é episódica, ocasional ou não. A doutrina majoritária quanto a essa questão é a
do primeiro grupo.
E, finalmente, a terceira questão relevante na doutrina é se é possível conceber
“contínua” como igual a “não-eventual” ou se os sentidos são diferentes. A dúvida vem
do fato de que enquanto a CLT definiu empregado como aquele que presta serviços de
natureza não-eventual, a Lei nº. 5.859/72 definiu que empregado doméstico é aquele
que presta serviços de natureza contínua. Essas duas expressões têm o mesmo
significado?
Segundo um primeiro grupo de juízes, continuidade é diferente de não-
eventualidade, e essa diferenciação foi realizada propositadamente pelo legislador, de
forma a exigir do empregado doméstico a prestação do serviço de forma contínua, ao
passo que dos demais empregados, regidos pela CLT, foi cobrada apenas a não-
eventualidade. Enquanto a continuidade é característica que se liga ao tempo
(ininterrupta), a não eventualidade pode estar presente mesmo em atividades não
sucessivas (VILA, 2005).
Dessa forma, para a caracterização da relação de emprego doméstico, não basta a
existência de não-eventualidade (não ser um acontecimento incerto), é essencial que
ocorra de forma contínua, ininterrupta, sucessiva. A diarista que, por exemplo, trabalha
três vezes na semana, por conta da interrupção do trabalho, presta serviço de forma não-
eventual, mas não contínua.
Diferente disso, um outro grupo de juízes pensa de maneira contrária. Para eles,
contínua, da lei do empregado doméstico, e não-eventual, da CLT, têm o mesmo sentido
ou muito semelhante. Sendo assim, como o trabalhador doméstico que trabalha em uma
mesma residência alguns dias na semana realiza serviços não-eventuais, e como não-
29
eventual é o mesmo que contínuo, então, ele deve ser considerado empregado
doméstico, e o vínculo empregatício precisa ser reconhecido. A doutrina majoritária
quanto a essa questão é a do primeiro grupo.
Recapitulando essa análise da doutrina, podemos sintetizar os elementos
presentes nessas três questões e, consequentemente, nos seus seis grupos de respostas
divergentes, em dois apenas: o da doutrina majoritária e o da doutrina minoritária. Para
ambos os grupos, a diferença entre o empregado e o diarista está na continuidade do
trabalho, mas o que varia é o seu entendimento. Para o primeiro grupo, cuja posição é
majoritária entre os juízes, contínuo significa sucessivo, sem interrupção; a
continuidade faz referência à freqüência com que o trabalho é realizado; e contínuo e
não-eventual são interpretados como diferentes. É uma perspectiva que conjuga todos os
elementos capazes de ratificar a existência de diferenças entre o diarista e o empregado
e negar o vínculo empregatício do primeiro.
Para o segundo grupo, que defende um entendimento minoritário entre os juízes,
contínuo significa habitual, a continuidade faz referência à necessidade dos serviços
para a família empregadora e contínuo e não-eventual são compreendidos como tendo
significados muito semelhantes ou iguais. É uma perspectiva que conjuga todos os
elementos capazes de corroborar a existência de semelhanças entre o diarista e o
empregado e afirmar o vínculo empregatício do primeiro.
A primeira interpretação, majoritária entre os juízes, é facilmente encontrada nos
livros e manuais doutrinários que discutem a legislação e tratam dos direitos e deveres
dos empregados domésticos:
30
O prestador de serviço doméstico que trabalha apenas alguns dias por semana,
prestando o seu trabalho para outras pessoas, sem continuidade, não satisfaz os
pressupostos da lei do empregado doméstico, portanto, sem a proteção que
estes trabalhadores possuem. (...) Os serviços prestados pelo empregado
doméstico correspondem a necessidade de permanência no lar, a continuidade,
o dia a dia, ao contrário do diarista, que trabalha alguns dias da semana, sem
compromisso de continuidade, inclusive, para outras pessoas, o dia e hora que
quiser, ou, em outros lugares, etc. (LIMA, 2007: 12/13).
Mas há quem seja favorável à segunda interpretação, como, por exemplo, o Juiz
do Trabalho José Geraldo da Fonseca, do Tribunal Regional do Trabalho do Rio de
Janeiro, deixando clara, em seu livro, essa posição que percebe como contínua a
necessidade do patrão na prestação do serviço:
O fato de a diarista prestar serviços uma vez por semana não quer dizer que
inexista relação de emprego. O advogado que presta serviços em sindicato, sob
o sistema de plantões, uma vez por semana, atendendo exclusivamente aos
interesses da agremiação, é considerado empregado, e não autônomo. O
importante, no caso, é a faxineira ter a obrigação de comparecer sempre em
determinado dia de semana, v.g., segunda-feira, a partir das 8 horas até as 16
horas, ficando evidenciada a subordinação pela existência de imposição
patronal quanto ao dia e horário de trabalho (MARTINS, 2000: 55).
Martins (2000) ressalta esses outros critérios, para além da continuidade, que
também são importantes na decisão dos juízes e que, portanto, pesam na balança que
tende para o vínculo empregatício ou para a autonomia. Entre esses requisitos
configuradores de uma relação de emprego doméstico, como vimos anteriormente, há:
subordinação, pessoalidade e pagamento de salário. A ausência de um desses elementos
pode ser suficiente para descaracterizá-la.
31
Dessa forma, essas concepções distintas e doutrinas divergentes sobre o assunto
explicam, em grande parte, como é possível que ao mesmo tempo existam na Justiça do
Trabalho tanto sentenças favoráveis como contrárias ao suposto diarista que busca o
reconhecimento do vínculo empregatício. As causas ora ganhas e ora perdidas na Justiça
precisam ser alvo de uma investigação que analise essa indefinição, que tanto alimenta
as imprecisões sobre a figura do diarista; e é o que faremos a seguir.
13
A definição, a classificação e a relevância das fontes do Direito variam conforme as doutrinas, mas
podemos indicar, entre outras: a lei, o costume, a doutrina e a jurisprudência.
14
Embora seja necessário ressaltar que a importância da jurisprudência como fonte do Direito é
incomparavelmente maior nos países que seguem o sistema anglo-saxão, como Inglaterra e Estados
Unidos, do que em países que seguem o sistema romano-germânico, também denominado continental
europeu, como o Brasil. Nesta segunda tradição, há uma absoluta predominância do direito legislado (a
lei) em relação à jurisprudência.
15
Dissídios individuais são divergências relativas ao contrato individual de trabalho e submetidas à
Justiça do Trabalho.
32
questões, os recursos16 contra decisões de Varas do Trabalho e têm jurisdição que
corresponde, geralmente, a cada estado; e o Tribunal Superior do Trabalho (instância
extraordinária), que julga, entre outras questões, os recursos contra decisões de TRTs e
tem como principal função uniformizar a jurisprudência trabalhista. A sua área de
jurisdição abarca todo o território nacional.
O entendimento dos juízes, evidenciado em sentenças, acórdãos e súmulas,
muitas vezes é publicado para servir de base à comunidade jurídica. A sentença é a
decisão do juiz quanto à questão posta em julgamento, dando fim ao procedimento em
primeira instância e, se não houver recurso, também ao processo. O acórdão, por sua
vez, é a decisão de um órgão colegiado pertencente a um tribunal, ou seja, diferente da
sentença, é uma decisão coletiva adotada por meio dos votos de um grupo de juízes ou
ministros, a partir da segunda instância. Já a súmula é um enunciado elaborado pelos
Tribunais Superiores de forma a condensar alguns acórdãos e registrar uma
interpretação majoritária sobre um determinado assunto, o que facilita o julgamento de
casos semelhantes nesse mesmo tribunal e serve de orientação para os demais juízes,
mas sem efeito obrigatório.
A questão da distinção entre empregado doméstico e diarista conta com
sentenças e acórdãos, mas não é objeto de súmula. Com o intuito de examinar a
jurisprudência sobre o assunto17 e de definir qual é o seu entendimento predominante,
analisamos 13 acórdãos do Tribunal Superior do Trabalho (apenas de processos
iniciados no Rio de Janeiro) e 78 acórdãos do Tribunal Regional do Trabalho da 1º
Região (Rio de Janeiro), dos anos de 2008 e 200918, ou seja, nos debruçamos sobre as
decisões mais recentes da Justiça do Trabalho.
Dos 13 acórdãos do TST que examinaram os processos dos trabalhadores
domésticos do Rio de Janeiro que trabalhavam alguns dias na semana, apenas dois
julgaram haver vínculo empregatício, dez, ao contrário, os consideraram prestadores
autônomos de serviço e um pediu nova decisão ao TRT19. Com isso, podemos perceber
16
Recurso é o meio pelo qual é possível obter um reexame de uma decisão judicial com a qual não se
concorda, buscando a sua modificação.
17
As jurisprudências analisadas foram consultadas no site do TST (www.tst.gov.br) e do TRT da 1ª
Região (www.trt1.jus.br).
18
Tanto no TRT/RJ quanto no TST, analisamos os acórdãos dos anos de 2008 e 2009, por meio de
consulta em seus sites oficiais, mas no caso do TRT/RJ, para 2008, apenas estavam disponíveis os
acórdãos julgados a partir do mês de maio.
19
Nesse caso específico, o TST mandou os autos voltarem ao TRT-RJ para que fosse proferida nova
decisão, pois o Tribunal Regional reformou a decisão da Vara, afirmando não haver vínculo empregatício,
mas não explicitou afinal quantos dias na semana a trabalhadora doméstica prestava serviço, questão
sobre a qual as testemunhas divergiram. Com isso, no entendimento do TST, a decisão não foi
33
que o entendimento majoritário do TST é o de que trabalhar alguns dias não é suficiente
para caracterizar a continuidade. É preciso ressaltar que em todos os casos o TST seguiu
a mesma decisão do TRT20, ou seja, concordou com ele na existência ou não dos
vínculos empregatícios, o que significa que não houve divergência jurisprudencial entre
essas duas instâncias.
O TST tende a seguir a decisão do TRT, pois, como veremos adiante, os critérios
utilizados para definição do vínculo de emprego são praticamente os mesmos. Além
disso, o reconhecimento ou não do vínculo apenas poderia ser alterado se as
interpretações sobre ele fossem muito divergentes entre essas duas instâncias da Justiça
do Trabalho, pois do contrário, um posicionamento distinto apenas seria possível por
meio do reexame das provas, algo que é inviável em recurso de revista21, segundo a
Súmula nº. 126 do TST22.
Todos os processos relatavam situações muito parecidas, de trabalhadores
domésticos que prestavam seu serviço em uma mesma residência duas ou três vezes na
semana, principalmente, fazendo faxina ou passando roupa. Não lhes foi reconhecido o
vínculo, pois o entendimento jurisprudencial foi o de que trabalhar alguns dias
semanalmente não é suficiente para configurá-lo.
Mas se os casos eram tão parecidos e se a freqüência de trabalho era a mesma,
dois ou três dias, por que em dois deles houve o estabelecimento do vínculo
empregatício? É aí que entram os outros critérios que também pesam na decisão. Os
juizes observaram se o horário e os dias eram fixos ou não, se o pagamento era mensal
ou diário e se o trabalhador prestava serviço em mais residências ou apenas em uma23.
Dessa forma, nesses dois casos em que a decisão do TST foi pelo vínculo, embora o
trabalho fosse realizado apenas dois ou três dias na semana, a balança pesou mais para
esse lado por conta da existência de subordinação, do pagamento ser em salário mensal
e dos trabalhadores realizarem todas as tarefas domésticas da casa.
corretamente fundamentada, pois essa informação era indispensável para se verificar a prova do fato
constitutivo do vínculo de emprego doméstico.
20
Exceto nesse caso em que o TST pediu nova decisão ao TRT. Embora isso não signifique que ele teve
postura contrária sobre o vínculo empregatício.
21
Recurso de revista é o meio pelo qual é possível obter um reexame de uma decisão judicial que
contenha interpretação divergente entre tribunais ou que seja contrária a dispositivos de lei federal ou da
Constituição.
22
SUM-126: Incabível o recurso de revista ou de embargos (arts. 896 e 894, “b”, da CLT) para reexame
de fatos e provas.
23
O fato de prestar serviços a outras pessoas fortalece o convencimento sobre a autonomia da relação
mantida.
34
Por sua vez, dos 78 acórdãos do TRT/RJ que examinaram os processos dos
trabalhadores domésticos do Rio de Janeiro que trabalhavam alguns dias na semana,
treze julgaram haver vínculo empregatício, sessenta e dois, ao contrário, os
consideraram prestadores autônomos de serviço, um pediu nova decisão à Vara24 e dois
não aceitaram o recurso25. Com isso, podemos perceber que o entendimento majoritário
do TRT-RJ também é o de que trabalhar alguns dias não é suficiente para caracterizar a
continuidade.
Mas diferente do TST que seguiu a mesma decisão do TRT-RJ em todos os
casos analisados anteriormente, o TRT-RJ divergiu em algum grau das Varas do
Trabalho que estão sob sua jurisdição, pois segundo o levantamento que fizemos,
concordou com elas em 64 casos, mas foi contra a decisão delas em outros 11, ou seja,
entre essas duas instâncias há de fato uma divergência jurisprudencial, embora pequena,
de 14,6%. Desses 11 casos em que a decisão foi modificada, em 8 as Varas decidiram
pela existência do vínculo empregatício e o TRT-RJ julgou em decisão oposta, não
considerando haver relação de emprego doméstico; nos outros 3 casos ocorreu o
contrário.
Provavelmente, entre os juízes das Varas do Trabalho há decisões mais
heterogêneas e maior divergência quanto aos fatores que seriam determinantes para a
configuração do vínculo como empregado doméstico. Pereira (2007), em pesquisa
realizada por meio de entrevistas com juízes que atuam na primeira instância da 17ª
Região (Espírito Santo), percebeu ser evidente a multiplicidade de posições sobre a
diferenciação entre empregado e diarista, com os mais variados fundamentos.
Nos casos em que o TRT da 1ª Região julgou haver o vínculo empregatício,
mesmo em situações em que o trabalho era realizado durante dois ou três dias, os
motivos foram, de maneira semelhante aos do TST: a parte empregadora não conseguir
provar a ausência de subordinação e o trabalho descontínuo; o serviço ser prestado
24
Nesse caso específico, o TRT-RJ determinou o retorno dos autos à Vara de origem, 56ª Vara do
Trabalho do Rio de Janeiro, e a reabertura da instrução, pois a juíza dessa Vara dispensou o depoimento
da testemunha da trabalhadora doméstica, que poderia auxiliar na comprovação da continuidade do
trabalho. O TRT entendeu que por conta disso a trabalhadora doméstica teve a defesa cerceada, pois para
a juíza da Vara, uma vez admitido o recebimento do pagamento a cada dia trabalhado e em valor superior
à média de salário das empregadas domésticas, o caso já estaria resolvido e ela seria considerada diarista,
deixando de lado o aspecto da continuidade, que é efetivamente o predominante para resolver a questão.
25
Para um recurso ser aceito, ele precisa seguir alguns critérios, como: estar subscrito por advogado
regularmente habilitado nos autos, ser interposto no prazo legal e indicar que as custas foram recolhidas
corretamente. Em dois casos o recurso foi recusado. No primeiro, elaborado pela parte empregadora,
porque o depósito das custas realizado foi menor do que deveria. No segundo caso, proposto pela
trabalhadora doméstica, porque a fundamentação, com argumentação lógica capaz de evidenciar o
equívoco da decisão contestada, não foi elaborada satisfatoriamente.
35
durante vários anos em dias certos; o pagamento ser mensal e fixo, o que descaracteriza
a contraprestação condicionada aos dias efetivamente laborados; e o trabalhador
doméstico receber salário mínimo. Mas, diferente do TST, houve também motivos de
outra ordem, como o entendimento de uma parcela dos juízes de que o fato de ser dois
ou três dias na semana não descaracteriza o vínculo de emprego, pois o importante é
existir uma necessidade contínua da família em relação a esses serviços.
Para trazer julgamentos concretos que ratifiquem essas posições jurisprudenciais
analisadas, vamos acompanhar três casos de trabalhadoras domésticas do estado do Rio
de Janeiro que recorreram à Justiça do Trabalho e cujos processos chegaram ao TST, o
que nos permite observar o desenrolar do processo nas três instâncias da Justiça do
Trabalho:
26
Processo Nº. TST-RR-3400/2003-242-01-00.0.
36
como ininterrupta. Isso permitiu demonstrar que há divergência jurisprudencial entre os
TRTs e que, por isso, fazia sentido entrar com o recurso para a questão ser resolvida
nessa instância extraordinária.
O entendimento do TST foi o de que para se considerar contínuo o serviço da
trabalhadora doméstica, há a necessidade de ele ser prestado todos os dias, sem
interrupção. Por conseguinte, os ministros da 4ª turma do TST, acordaram, em 10 de
setembro de 2008, por unanimidade, que se tratava de trabalho autônomo e não de
emprego, não sendo reconhecido pela terceira vez o vínculo empregatício.
27
Processo Nº. TST-AIRR-767/2007-035-01-40.6.
37
3º caso: divergência jurisprudencial entre as instâncias da Justiça do Trabalho28
Maria foi admitida por Ana Lúcia, no ano de 2006, para trabalhar em sua
residência, realizando serviços domésticos. Nessa data de admissão, estava com 67 anos
e já era aposentada. No ano seguinte, buscando o reconhecimento do vínculo
empregatício, ela entrou com um processo na 55ª Vara do Trabalho do Rio de Janeiro.
No julgamento, Ana Lúcia reconheceu a existência da relação de trabalho, mas negou a
relação de emprego.
As versões apresentadas por elas foram muito divergentes. Enquanto Ana Lúcia
defendeu que Maria comparecia ocasionalmente à sua residência para passar roupa, o
que ocorria quando ela se dispusesse a fazê-lo; Maria afirmou trabalhar três vezes na
semana, executando serviços gerais de limpeza, lavagem e passagem de roupa, além de
arrumação e faxina da casa.
Nessa primeira instância, o juiz entendeu que tendo confirmado a existência da
relação de trabalho, mas alegado não se tratar de trabalho contínuo, Ana Lúcia atraiu
para si o ônus probatório. Como ela não conseguiu reunir elementos que pudessem
provar isso, o juiz admitiu como verdadeiras as alegações de Maria, de que realizava
todos os afazeres domésticos durante três dias semanais, reconhecendo, então, o
contrato de trabalho na qualidade de empregada doméstica.
Com o objetivo de reformar a sentença, Ana Lúcia interpôs recurso no TRT da
1ª Região. Essa segunda instância chegou a um outro entendimento do caso, valendo-se
do princípio de que há situações em que, diante de afirmações contrárias, não
amparadas por esteio probatório, cabe ao juiz buscar aquela que mais parece
corresponder à verdade. Como nenhuma das partes produziu prova, cabia analisar qual
das duas versões apresentadas em juízo era a mais fidedigna.
O acórdão do TRT, de 2008, considerou inverossímeis as alegações de Maria,
pois, segundo seus argumentos, em razão das limitações físicas impostas pela idade,
uma pessoa de 67 anos não se encontra habilitada a limpar, lavar, passar, arrumar e
faxinar durante três vezes na semana. A conclusão a que essa turma de juízes chegou foi
a de que em vista da idade avançada de Maria, que não lhe permitia atividades pesadas,
a versão de Ana Lúcia pareceu mais coerente, ou seja, a de que Maria, no curto período
de tempo que laborou na residência, exercia atividades de passadeira-diarista. Dessa
28
Processo Nº. TST-AIRR-1041/2007-055-01-40.5.
38
forma, o TRT deu provimento ao recurso e reformou a sentença, negando o vínculo
apontado pela 55ª Vara.
Inconformada com a nova decisão, Maria recorreu ao TST, argumentando que o
Tribunal Regional se omitiu em apreciar o ônus da prova sobre a relação de emprego e
se valeu da intuição para fundamentar o acórdão, mas os ministros da 8ª turma, por
unanimidade, em outubro de 2008, negaram provimento ao seu agravo de instrumento e
a decisão do TRT pela ausência do vínculo permaneceu inalterada.
29
Processo Nº. TST-RR-17676/2005-007-09-00.0.
39
Os dados analisados indicam que se ainda não é possível falar que a
jurisprudência dos Tribunais Trabalhistas é pacífica quanto a esse assunto, pelo menos é
evidente que ela é convergente, em sua maior parte, no sentido de que o trabalhador
doméstico que trabalha alguns dias semanais deve ser considerado diarista e não
empregado. Nesse sentido, é importante lembrarmos que as decisões estudadas foram as
mais recentes, de 2008 e 2009, ou seja, época em que a jurisprudência já está bem
marcada nesta posição de diferenciar o diarista do empregado, algo que durante a
década de 1990 e mesmo no começo dos anos 2000 provocava muito mais dissensão.
Dessa forma, esta análise conclui que o entendimento majoritário firma-se no
sentido de não considerar contínuo o trabalho efetuado pelos diaristas. Assim como na
doutrina, há certas controvérsias, mas as decisões contra o vínculo empregatício são a
maioria esmagadora (MENDES, 2001), sendo pouco freqüentes os casos em que os
trabalhadores que prestam serviço em poucos dias da semana ganham na Justiça, pelo
menos na segunda instância e na instância extraordinária, que foram o objeto de
investigação.
A jurisprudência mais recente está inclinada no sentido de que a prestação de
serviços, pelo diarista, em um, dois ou três dias na semana, não revela uma
continuidade, afastando-se, assim, a configuração do vínculo empregatício, mais
adequado quando há o trabalho em todos os dias da semana. Mediante essa análise
realizada sob o ponto de vista legal, podemos apontar algumas similitudes e contrastes
entre esses dois tipos de relação de serviço doméstico remunerado, conforme levantados
pela doutrina e pela jurisprudência:
40
que o serviço é realizado.
Serviço de natureza contínua.30 Serviço de natureza não contínua.
Há subordinação, ou seja, o Não há subordinação, ou seja, o
trabalhador é dirigido pelo trabalhador é dirigido por si
empregador doméstico, recebendo próprio, autônomo.
e executando ordens.
Horário fixo. Ausência de horário fixo, pois
como trabalha por tarefa,
geralmente, pode ir embora
quando a termina.
Dias fixados. Dias não fixados. Podem ser
trocados pelo trabalhador, que
Diferenças oferece seu serviço na data de que
dispõe.
O trabalhador presta serviço em O trabalhador presta serviço em
uma residência (embora a mais de uma residência (mas nem
exclusividade não seja um sempre).
requisito à caracterização da
relação de emprego).
Pessoalidade na prestação dos Pode não haver pessoalidade na
serviços. prestação dos serviços, quando o
trabalhador se faz substituir por
seu filho ou conhecido.
Há a fiscalização sistemática por Há a expectativa da obtenção do
parte dos empregadores. resultado desejado.
Geralmente, realiza todas as Geralmente, realiza uma tarefa
tarefas domésticas, embora exista a específica, como fazer a faxina da
especializada, que desempenha casa.
uma única função.
São contemplados com o conjunto Seus direitos estão restritos ao
de direitos assegurado aos valor combinado pela diária.
empregados domésticos.
30
Como vimos, há posições divergentes em torno da continuidade.
41
1.2.3 – A definição de diarista a caminho do status de lei
31
O Instituto FGTS Fácil (IFF) é uma ONG sem fins lucrativos criada em 2001 e com sede na cidade do
Rio de Janeiro. Segundo o seu estatuto, tem o objetivo de “desenvolver um trabalho de esclarecimento e
conscientização do trabalhador em relação ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, bem como
disponibilizar meios para que ele possa efetivamente controlar e monitorar suas contas, orientando-o
quanto aos seus direitos e obrigações, outrossim visando estreitar a relação entre a sociedade de uma
maneira geral, e os órgãos responsáveis pela gestão do Fundo, em todo o território nacional” (art. 1º).
32
O Portal Doméstica Legal foi lançado em 2004 com o objetivo de divulgar informações sobre o
emprego doméstico e de ser uma espécie de departamento pessoal online do empregador doméstico, pois
no site é possível calcular e emitir recibos e contar com consultoria jurídica e suporte técnico.
42
Ministério do Trabalho e Emprego, representando o ministro Carlos Lupi; Marcos
Pereira, membro da Secretaria Estadual de Trabalho e Renda do Estado do Rio de
Janeiro, representando o governador Sérgio Cabral; Siro Darlan, desembargador do
Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro; José Geraldo da Fonseca, juiz do Tribunal
Regional do Trabalho da 1ª Região; e Margareth Galvão Carbinato, presidente do
Sindicato dos Empregadores Domésticos do Estado de São Paulo (SEDESP). A
presidente da Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas (FENATRAD),
Creuza Maria Oliveira, estava confirmada, mas não pôde comparecer.
O Fórum teve como objetivos principais discutir e elaborar propostas com o
intuito de: 1) Erradicar o trabalho infantil no emprego doméstico; 2) Erradicar o
trabalho escravo e semi-escravo; 3) Diminuir a informalidade; 4) Melhorar e qualificar a
mão-de-obra doméstica. As apresentações de todos os participantes abordaram
elementos presentes nesses objetivos, permitindo que determinadas questões pudessem
ser debatidas de diferentes formas e que suscitassem argumentos até mesmo contrários
(como foi o caso da discussão sobre a definição de diarista e sobre a equiparação dos
empregados domésticos aos demais trabalhadores).
Com o intuito de alcançar os objetivos formulados, treze propostas foram
apresentadas como síntese do Fórum, muitas delas não consensuais, que, com certeza,
levantam muitas discussões. As propostas, conforme foram redigidas pelo realizador e
coordenador do evento, Mario Avelino, foram33:
33
Um panorama do Fórum pode ser encontrado em: www.domesticalegal.com.br/forum.
43
desejadas e evita que o trabalhador piore sua condição de saúde,
desenvolvendo uma atividade para a qual não está apto fisicamente;
5 – Mudanças na Lei Trabalhista, para PUNIR e CRIMINALIZAR os
empregadores que não cumprem e desrespeitam as Leis. A Lei hoje favorece e
estimula o mau empregador, pois ele sabe que, se não cumprir, no máximo irá
pagar o que deve à empregada doméstica, e ainda parcelado, isso se ela
reclamar, o que ocorre no máximo em um em cada 114 casos. Outro exemplo
de favorecimento: em uma ação trabalhista, os direitos trabalhistas retroagem
no máximo aos últimos cinco anos, para um doméstico ou qualquer outro
trabalhador, que trabalhou mais de cinco anos para um mesmo empregador, ele
perderá os anos excedentes de férias, 13º, vale transporte, etc.;
6 – Criar uma Lei que determine que nos Municípios que tenham um
determinado número de trabalhadoras domésticas (a ser estudado), seja criada a
CASA DA MÃE DOMÉSTICA, tipo uma Creche, onde as empregadas
domésticas poderão deixar seus filhos, enquanto vão trabalhar, sabendo que os
mesmos estarão bem cuidados, para que a mesma tenha tranqüilidade no seu
trabalho;
7 – Ter uma política que reconheça o empregador doméstico como gerador de
emprego e renda, não querendo igualá-lo a uma empresa;
8 – Ter uma política que invista em orientação e educação do empregador e do
empregado doméstico;
9 – Que a Guia de Recolhimento do INSS identifique o empregador doméstico,
e que a responsabilidade do recolhimento do INSS e comprovação junto à
Previdência Social seja do empregador, hoje esta responsabilidade é do
empregado;
10 – Que seja simplificado o processo de recolhimento do FGTS para o
empregador doméstico pela Caixa Econômica Federal;
11 – Ampliação dos direitos do empregado doméstico, como hora-extra,
adicional noturno, e outros direitos previstos na Constituição Federal;
12 – Que o Decreto 6.841, que proíbe o trabalho doméstico para menores de 18
anos seja revogado, pois ele é:
- Primeiro Inconstitucional, pois a Constituição Federal determina a idade
mínima para poder trabalhar em 16 anos;
- Segundo, hoje conforme dados da PNAD 2007 do IBGE, existem 278.000
trabalhadores na faixa etária de 15 a 17 anos, estima-se que, pelo menos
200.000 têm 16 a 17 anos, e as perguntas são:
- Muitas são adolescentes mães solteiras, que dependem deste trabalho para
sustentar uma família;
- Outros são adolescentes, que através deste trabalho estão bancando seus
estudos e ajudando suas famílias;
A questão é: para onde irão estes adolescentes, todos filhos de pessoas sem
condições econômicas? Talvez as mulheres irão para a prostituição e os
homens para o crime ou para o tráfico, que tanto cresce e cada vez mais precisa
repor a mão de obra, que na média é morto antes de chegar aos 18 anos;
13 – Ter uma política de investimento em qualificação da mão de obra
doméstica, com os recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador - FAT.
34
O dia da empregada doméstica é comemorado nessa data, pois ela é dedicada à padroeira das
domésticas: Santa Zita.
44
estabelecer uma multa por infração à legislação, punindo os empregadores que
descumprem a lei; 2º) Projeto de Lei nº. 160, que busca definir o diarista; 3º) Projeto de
Lei nº. 161, que procura modificar a Lei que dispõe sobre a Organização da Seguridade
Social, reduzindo a contribuição do INSS que cabe ao empregador doméstico de 12,0%
para 6,0% com o intuito de elevar a formalização.
Esse segundo projeto de lei iniciado no Senado, que é o objeto de interesse deste
ponto, foi acompanhado da justificativa de que é necessário acabar com a indefinição
em relação ao que é um diarista, pois essa imprecisão prejudica tanto contratantes
quanto contratados e depende do critério da sentença de cada Juiz do Trabalho.
Segundo a redação inicial do projeto, a diarista passaria a ser definida em lei da seguinte
forma:
Art. 1º Diarista é todo trabalhador que presta serviços no máximo duas vezes
por semana para o mesmo Contratante, recebendo o pagamento pelos serviços
prestados no dia da diária, sem vínculo empregatício.
35
As emendas cumprem o papel de suprimir, juntar, substituir, aumentar ou modificar um projeto de lei,
sendo classificadas, assim, respectivamente, em: supressivas, aglutinativas, substitutivas, aditivas ou
modificativas. Nesse caso relatado, a emenda foi substitutiva, pois alterou substancialmente o projeto
original, substituindo-o por um novo texto.
45
que em decisão da Sexta Turma do TST, prestar serviços como diarista, por até três
vezes na semana, por si só, não caracteriza relação de emprego; 2) A duração da jornada
de trabalho do diarista passou a ser fixada em oito horas; 3) O valor mínimo da diária
foi alterado para um quinze avos do valor do salário mínimo vigente, com a justificativa
de que esse é mais condizente com a nossa realidade.
A senadora Serys Slhessarenko, em algumas entrevistas aos meios de
comunicação, mostrou-se contrária às alterações no seu projeto original em relação aos
dias de estipulação do vínculo e ao estabelecimento de valor mínimo da diária. Do
ponto de vista dela, três dias já configura vínculo de emprego doméstico, dessa forma,
definir em três dias é prejudicar os trabalhadores domésticos. Além disso, ela não
concorda com a estipulação do valor da diária, pois como o Brasil é um país muito
grande e com regiões diferenciadas em suas características, nivelar pelo valor pago pela
diária em uma região específica do país, pode prejudicar os trabalhadores que já têm
uma condição de negociação melhor em outras. Algumas das propostas defendidas pelo
relator foram criticadas também por outros parlamentares.
A categoria dos trabalhadores domésticos está dividida sobre a definição do
diarista em lei, alguns sindicatos são a favor e outros contra. Para Creuza Maria
Oliveira, presidente da Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas, caso o
projeto seja aprovado, muitas domésticas com carteira de trabalho assinada, que
trabalham três dias na semana, poderão ser demitidas e recontratadas como diaristas.
Segundo ela, “esse projeto vem para dividir a categoria. Diarista ou não somos todas
domésticas e temos de ter assegurados os nossos direitos”36.
Por conta dessas divergências e com o intuito de fomentar a discussão, a
Comissão de Assuntos Sociais, reunida no dia 23 de setembro, aprovou o requerimento
de autoria da senadora Fátima Cleide (PT-RO) propondo uma audiência pública com a
finalidade de instruir esse projeto de lei. A audiência ocorreu no dia 4 de novembro e
contou com a presença dos seguintes convidados: Daniel de Matos Sampaio Chagas,
auditor Fiscal do Trabalho, representante do ministro do Trabalho e Emprego, Carlos
Luppi; Mario Avelino, presidente do Portal Doméstica Legal; Eunice Léa de Moraes,
assessora da Área do Trabalho, representante da ministra da Secretaria Especial de
Políticas para as Mulheres, Nilcéa Freire; Creuza Maria Oliveira, presidente da
Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas; e Gilberto Augusto Leitão Martins,
36
Matéria “Senado discute regulamentação do trabalho de diaristas”, de autoria de Eder Luis Santana,
publicada no Jornal A Tarde on line, em 23 de setembro de 2009.
46
presidente da Associação dos Magistrados Trabalhistas do Distrito Federal (AMATRA
X).
Na audiência pública37, como era provável, os convidados discordaram sobre a
regularização da profissão de diarista. Daniel de Matos Sampaio Chagas afirmou que o
Ministério do Trabalho e Emprego é contrário ao projeto. Para ele, a regularização da
atividade de diarista pode intensificar a informalidade da profissão de doméstica, bem
como tornar mais precária essa atividade profissional. Na avaliação de Creuza Maria de
Oliveira, o projeto é um retrocesso em relação às conquistas dos empregados
domésticos, pois, para ela, a atividade desempenhada dois ou três dias por semana em
uma residência configura vínculo empregatício. Para Gilberto Augusto Leitão, a
legislação excetua os cooperados e autônomos da garantia de direitos trabalhistas,
portanto o projeto de lei pretende legalizar a exceção.
Enquanto alguns foram contrários ao projeto, Eunice Léa de Moraes posicionou-
se a favor e considerou a definição do diarista muito importante, pois há muitas
mulheres consideradas diaristas, mas que, de fato, trabalham como empregadas
domésticas, às quais são negados direitos já conquistados. Já Mario Avelino foi a favor
da versão original e contra a versão do relator, pois, em sua opinião, definir em três dias
a regularização da atividade vai aumentar a informalidade, uma vez que as pessoas vão
preferir contratar diaristas.
Após esse debate sobre o tema, as notas taquigráficas referentes à audiência
pública foram encaminhadas ao gabinete do relator. No dia 25 de novembro, o senador
Lobão Filho entregou uma nova versão do parecer, já a terceira. Apesar das discussões
travadas, os aspectos divergentes do projeto permaneceram com o mesmo entendimento
de sua versão anterior. A única alteração foi o estabelecimento de uma contribuição
previdenciária diferenciada para o diarista, de oito por cento. Dessa forma, o projeto de
lei, na forma do substitutivo apresentado pelo relator, pronto para ser votado pela
Comissão de Assuntos Sociais, ficou redigido da seguinte maneira:
Dispõe sobre o trabalho, por diária, daquele que presta serviços a pessoa ou
família em seu âmbito residencial, e dá outras providências.
O CONGRESSO NACIONAL decreta:
37
Segundo informações da Agência Senado (www.senado.gov.br/agencia), em notícia do dia 4 de
novembro de 2009.
47
Art. 1º Esta Lei dispõe sobre o trabalho, por diária, daquele que presta serviço
eventual a pessoa ou família em seu âmbito residencial, sem fins lucrativos, ora
denominado diarista.
Art. 2º Para os efeitos desta Lei, diarista é aquele que presta serviços de
natureza não contínua, por conta própria, sem relação de trabalho com empresa
ou equiparado, a pessoa ou família, no âmbito residencial destas, sem fins
lucrativos.
§ 1º Não gera vínculo empregatício, por si só, a prestação de serviços pelo
diarista de que trata o caput deste artigo, por até três dias por semana, para a
mesma família ou pessoa, ainda que em residências distintas.
§ 2º O valor da diária não poderá ser inferior a um quinze avos do salário
mínimo vigente.
§ 3º A duração do trabalho normal será de, no máximo, oito horas diárias.
Art. 3º O diarista deve estar inscrito no Instituto Nacional do Seguro Social –
INSS, como contribuinte individual, e efetuar seu próprio recolhimento da
contribuição previdenciária, nos termos do § 5º do art. 21 da Lei nº. 8.212, de
24 de julho de 1991.
Art. 4º O art. 21 da Lei nº. 8.212, de 24 de julho de 1991, passa a vigorar com
a seguinte redação:
“Art. 21..................................................................................................................
...............................................................................................................................
§ 4º A contribuição complementar a que se referem os §§ 3º e 6º deste artigo
será exigida a qualquer tempo, sob pena de indeferimento do benefício.
§ 5º É de oito por cento sobre o valor correspondente ao limite mínimo mensal
do salário-de-contribuição a alíquota de contribuição do diarista que presta
serviços de natureza não contínua, por conta própria, sem relação de trabalho
com empresa ou equiparado, a pessoa ou família, no âmbito residencial destas,
sem fins lucrativos.
§ 6º O segurado que tenha contribuído na forma do § 5º deste artigo e pretenda
contar o tempo de contribuição correspondente para fins de obtenção da
aposentadoria por tempo de contribuição ou da contagem recíproca do tempo
de contribuição a que se refere o art. 94 da Lei nº. 8.213, de 24 de julho de
1991, deverá complementar a contribuição mensal mediante o recolhimento de
mais doze por cento, acrescido dos juros moratórios de que trata o § 3º do art.
61 da Lei nº. 9.430, de 27 de dezembro de 1996”. (NR)
Art. 4º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
48
para dirimir as dúvidas e a apreciação da matéria foi novamente postergada. Com isso, a
decisão pela aprovação ou não do projeto e a opção pelo texto original ou pelo
substitutivo do relator, devido ao recesso parlamentar, ficaram para o ano seguinte.
Com o retorno das atividades parlamentares, a matéria foi incluída na discussão
da 1ª Reunião da Comissão, realizada no dia 03 de fevereiro de 2010. Nessa data, a
matéria foi novamente retirada da pauta, para reexame do relatório pelo relator. Mas em
virtude do término do exercício do mandato do senador Lobão Filho, no dia 31 de
março, devido ao retorno do titular, senador Edison Lobão (PMDB-MA), foi necessário
aguardar a indicação de um novo relator, o que foi realizado no dia 09 de abril, com a
designação do senador Flávio Arns (PSDB-PR) pela presidente da Comissão, senadora
Rosalba Ciarlini (DEM-RN).
Resolvida essa questão, o novo relator, Flávio Arns, no dia 13 de abril, entregou
o relatório em que analisou a matéria. Eu seu parecer, defendeu o texto original
proposto pela senadora Serys Slhessarenko e não a versão modificada proposta pelo
relator anterior, senador Lobão Filho. Ou seja, votou pela aprovação do projeto na
forma como ele foi apresentado pela autora. No dia seguinte, a Comissão de Assuntos
Sociais reunida aprovou o Projeto de Lei do Senado (PLS), nº. 160, de 2009, na forma
relatada pelo senador Flávio Arns.
Nesse sentido, com a rejeição do substitutivo proposto por Lobão Filho,
passaram a não fazer mais parte do projeto de lei o limite de três dias semanais para a
não geração de vínculo empregatício, a delimitação de valor mínimo para a diária e a
fixação da jornada de trabalho do diarista em oito horas. O Projeto de Lei aprovado
estabelece apenas o limite de dois dias por semana como definidor do diarista, a partir
de três já há a configuração do vínculo de emprego; e torna obrigatória a apresentação
por parte desse trabalhador de seu comprovante de contribuição ao INSS ao contratante.
Como o projeto de lei estava sob análise da Comissão em caráter terminativo,
não precisou ser votado no plenário do Senado e seguiu direto para a Câmara dos
Deputados, onde será apreciado. Caso aprovado, seguirá para ser analisado pelo
Presidente da República, que poderá vetá-lo ou sancioná-lo. Se forem sugeridas
alterações no texto, o material retorna ao Senado.
Acompanhada essa tramitação, fica claro que se havia uma disputa entre aquelas
duas interpretações para a “natureza contínua”, a primeira delas, e majoritária entre os
juízes, foi mais bem sucedida, pois a Lei seguirá o entendimento de que contínuo
significa sucessivo, sem interrupção e faz referência à freqüência com que o trabalho é
49
realizado. Mesmo a discussão pela aprovação da Lei com o limite de trabalho semanal
de dois dias (projeto original) ou três dias (substitutivo) para a geração de vínculo não
fugiu à lógica dessa corrente interpretativa.
Mas, afinal, que alterações essa lei deverá representar? Se por um lado a lei não
trará tantas mudanças, pois o que fará é institucionalizar a jurisprudência que é
majoritária atualmente sobre o assunto e que já guiava a grande maioria das decisões
judiciais; por outro, com o fim da ambigüidade sobre a questão, as fronteiras entre essas
duas categorias de trabalhadores domésticos tornam-se mais nítidas, o que fará com que
os diaristas, cada vez mais, ocupem, de fato, esse novo papel, percebam-se como
trabalhadores autônomos, por conta própria, sem vínculo empregatício e assumindo os
próprios riscos.
Antes, por mais que o entendimento majoritário dos juízes fosse o de que
trabalhar alguns dias na semana não configurava vínculo, estava aberta a possibilidade
de ingressar na Justiça e buscar comprovar a relação de emprego necessária para ser
possível desfrutar dos direitos assegurados aos empregados domésticos. Em alguns
casos, de fato, a Justiça reconhecia o vínculo. Após a aprovação da lei, isso não será
mais possível, pois o entendimento dos juízes terá que, obrigatoriamente, ratificar
aquilo que está estabelecido em lei. As divergências jurisprudenciais, que atualmente já
são pequenas, como vimos analisando os acórdãos, tendem a desaparecer
completamente, encerrando essa discussão jurídica já antiga nos tribunais trabalhistas a
respeito do vínculo empregatício.
Mediante o que foi exposto neste capítulo, podemos presumir que a perspectiva
futura dentro do campo do direito dos trabalhadores domésticos é dupla e contrária, a
partir da delimitação precisa entre empregados e diaristas. Por um lado, há perspectiva
de ampliação de direitos, processo que já vem se desenrolando desde a Constituição de
1988 e que conta com muitos projetos em tramitação nesse sentido, de cada vez mais
aproximar os empregados domésticos do conjunto de direitos dos demais trabalhadores,
até a equiparação completa38; por outro lado, há a perspectiva de limitação de direitos,
pois os diaristas, ao serem considerados legalmente trabalhadores por conta própria,
tornam-se uma categoria à parte, com menos direitos do que os empregados domésticos,
mas também com possibilidades diferenciadas abertas pela autonomia.
38
Embora na opinião de alguns juristas, haja mais a existência de alguns acréscimos legislativos do que
uma tendência de equiparação total dos direitos trabalhistas, pois há sempre o temor de gerar desemprego
por conta da especificidade do empregador doméstico, que não pode ser igualado a uma empresa
(PEREIRA, 2007).
50
CAPÍTULO II – A DIARISTA CONQUISTA ESPAÇO: PROCESSOS DE
MUDANÇA NO TRABALHO DOMÉSTICO REMUNERADO ATUAL
Como vimos na introdução, uma parte das pesquisas sobre o serviço doméstico
no Brasil teve como enfoque a análise das características dessa ocupação e do perfil dos
trabalhadores domésticos, valendo-se de dados quantitativos: Melo, 1993, 1998 e 2000;
Bruschini e Lombardi, 2000; Melo, Pessanha e Parreiras, 2002 e 2005; Menezes, 2005;
Dieese, 2006; Namir, 2006; Myrrha e Wajnman, 2008; IPEA, SPM e UNIFEM, 2008;
SEADE, 2007 e 2009; e IPEA, 200939.
Esses pesquisadores e centros de pesquisa realizaram as suas análises por meio
do banco de dados de quatro grandes levantamentos estatísticos: o Censo Demográfico,
a Pesquisa de Emprego e Desemprego (PED), a Pesquisa Mensal de Emprego (PME) e
a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD). Esses levantamentos
39
No caso específico de uma análise quantitativa sobre o trabalho doméstico infantil, ver Sabóia (2000).
51
permitem estudar o tema do serviço doméstico a partir de uma série de características,
como sexo, faixa etária, cor, renda e jornada de trabalho. Tais dados têm sido
importantes não apenas para delimitar aspectos essenciais dessa profissão, mas também
para dotar as pesquisas qualitativas de material propício a novas reflexões.
O Censo Demográfico é realizado a cada dez anos pelo Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE), cujos recenseadores visitam todos os domicílios do país
para aplicar o questionário da pesquisa. Os dados produzidos permitem um grande
retrato da população brasileira e das suas características sócio-econômicas. Mas como
estamos afastados dez anos do último Censo, realizado em 2000, esse não parece ser o
melhor banco de dados para servir de base para o panorama do serviço doméstico que
objetivamos realizar neste capítulo.
Por sua vez, a Pesquisa de Emprego e Desemprego (PED) é um levantamento
por amostra probabilística de domicílios, realizado mensalmente pelo Departamento
Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE)40, tendo como
objetivo produzir informações sobre o mercado de trabalho urbano. A pesquisa abarca,
atualmente, o Distrito Federal e as regiões metropolitanas de São Paulo (SP), Porto
Alegre (RS), Recife (PE), Salvador (BA) e Belo Horizonte (MG), além de já ter sido
realizada também em Belém (PA) e Curitiba (PR). Mas como o Rio de Janeiro ainda
não faz parte das regiões estudadas, esse levantamento estatístico também não é o que
melhor atende aos nossos interesses.
Já a Pesquisa Mensal de Emprego (PME), realizada pelo Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE), produz, por meio de uma amostra probabilística de
domicílios, indicadores mensais sobre a força de trabalho, permitindo acompanhar os
efeitos da conjuntura econômica sobre o mercado laboral. A pesquisa abrange as regiões
metropolitanas de Recife (PE), Salvador (BA), Belo Horizonte (MG), Rio de Janeiro
(RJ), São Paulo (SP) e Porto Alegre (RS).
A princípio, então, esse levantamento seria adequado à nossa pesquisa, pois o
Rio de Janeiro está presente nele. Mas além desse requisito, há um outro mais
importante ainda: a base de dados tem que permitir a diferenciação estatística entre
empregado doméstico e diarista, afinal de contas esse é um dos objetivos cruciais deste
capítulo. Se almejássemos apenas traçar um perfil dos trabalhadores domésticos do
40
Na região metropolitana de São Paulo, o convênio é com a Fundação Sistema Estadual de Análise de
Dados (SEADE); nas outras regiões que fazem parte da pesquisa, a parceria é com órgãos públicos locais.
52
Brasil metropolitano, assim como fez Namir (2006), ou da região metropolitana do Rio
de Janeiro especificamente, essa pesquisa seria apropriada.
No entanto, a Pesquisa Mensal de Emprego (PME) não cumpre com os dois
requisitos, pois não é possível desagregar os trabalhadores domésticos em diaristas e
mensalistas, embora algo parecido possa ser realizado. Uma das perguntas do
questionário da PME, direcionada a quem se disse trabalhador doméstico, é: “Nesse
trabalho,... prestava serviço doméstico remunerado em mais de um domicílio? 1 – Sim;
2 – Não”. Essa questão permite dividir a amostra de trabalhadores domésticos entre
aqueles que prestam serviço em apenas uma residência e aqueles que prestam em mais
de um domicílio. Mas isso não seria igual a dividi-la entre empregados domésticos
mensalistas e diaristas? Igual não é, entretanto, pode ser uma solução possível, pois
parece razoável correlacionar o empregado doméstico com aquele que trabalha em
apenas uma residência e o diarista com aquele que trabalha em mais de uma.
Contudo, essa relação baseia-se em um critério apenas aproximado, pois o
problema é que é possível haver diaristas que atuam em apenas uma residência, que
nessa correlação acabariam sendo consideradas empregadas mensalistas; e é possível
haver também empregadas domésticas que atuam em mais de uma residência, que
acabariam sendo consideradas diaristas. Como exemplo do primeiro caso, podemos
imaginar uma diarista que está em busca de mais casas para trabalhar ou uma mulher
que se dedica apenas aos filhos pequenos, mas que faz faxina somente em um domicílio
com o intuito de contribuir para o orçamento familiar.
Quanto ao exemplo do segundo caso, é possível pensarmos em uma empregada
doméstica mensalista que trabalha de segunda a sexta e que aproveita o sábado para
fazer a limpeza de duas outras residências, de quinze em quinze dias em cada uma
delas. Estamos diante muito mais de uma empregada que faz diárias nos dias de folga
para aumentar a renda do que de uma diarista, como pareceria indicar o fato de ela
trabalhar em três casas ao mesmo tempo.
Porém, feitas essas ressalvas, parece-nos apropriado, mediante as limitações dos
instrumentos de pesquisa, relacionar empregada a uma residência e diarista a mais de
uma41. Mais adequado do que isso somente se algum levantamento estatístico se
preocupasse em fazer, de fato, essa diferenciação quando da coleta dos dados. E é
41
Esse critério para separar as mensalistas das diaristas, por meio da quantidade de domicílios em que
prestam o serviço doméstico, já foi utilizado por Myrrha e Wajnman (2008) e pelo IPEA (2009),
analisando os dados da PNAD.
53
exatamente isso o que procuramos, pois queremos realizar a comparação quantitativa
entre empregados e diaristas mais bem delimitada possível em meio às restrições
existentes, às vezes inescapáveis, mas, felizmente, em muitas situações passíveis de
serem dirimidas.
Para contornar tais obstáculos, optamos por fazer uso da Pesquisa Nacional por
Amostra de Domicílios (PNAD), último dos quatro grandes levantamentos estatísticos
utilizados como fonte de análise pelos pesquisadores do trabalho doméstico
remunerado, pois, como veremos, ela permite dois tipos de diferenciação. A PNAD é
realizada anualmente pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) por
meio de uma amostra de domicílios com abrangência nacional42, investigando,
permanentemente, aspectos demográficos, habitacionais, educacionais, de rendimento e
de trabalho; e, com periodicidade variável, outros temas também, como, por exemplo,
migração, fecundidade e saúde.
Quanto aos dados referentes aos trabalhadores domésticos, especificamente,
nossa concepção é a de que a PNAD pode ser dividida em três grandes momentos: 1º)
Até 1992; 2º) De 1992 a 2001; 3º) De 2002 até hoje. Desses três períodos, como
explicaremos a seguir, o primeiro é o menos propício a pesquisas sobre essa temática, o
segundo é o mais, e o terceiro ocupa a posição intermediária.
No primeiro momento, anterior a 1992, os trabalhadores domésticos não eram
uma categoria própria na PNAD, faziam parte do grupo “empregados”. Além disso, a
desagregação interna da categoria ficava impossibilitada, pois as diversas atividades
domésticas não recebiam códigos de ocupação diferentes, eram reunidas pelo mesmo
número 805 (empregados domésticos). Isso tornava inviável uma comparação entre os
subgrupos formados em seu interior; e, justamente, algo evidente é a heterogeneidade
existente entre os trabalhadores domésticos, importante de ser analisada
estatisticamente.
O segundo momento é marcado por algumas reformulações que a PNAD sofreu
em 1992. Entre elas, os trabalhadores domésticos foram desagregados dos
“empregados” e se tornaram categoria própria. O refinamento da classificação permitiu
novas possibilidades de analisar o serviço doméstico, pois, por exemplo, passou a ser
perguntado aos que desempenhavam essa atividade se prestavam serviço doméstico
42
A abrangência nacional foi obtida gradativamente, tendo sido realizada no ano de 2004 a última etapa
desse processo, quando a PNAD foi implantada na área rural de Rondônia, Acre, Amazonas, Roraima,
Pará e Amapá, alcançando a cobertura completa do país.
54
remunerado em mais de um domicílio ou se apenas em um, o que, como vimos, pode
ser considerado aproximadamente, respectivamente, ser diarista ou ser empregado
mensalista. Esse tipo de análise tornou-se possível.
Além disso, cabe ressaltar uma questão muito importante quanto às PNADs de
1992 a 2001: havia a possibilidade de fazer a diferenciação interna do serviço doméstico
remunerado, pois aos seus subgrupos eram direcionados códigos de ocupação
diferentes, que serão explicitados, assim como constam na PNAD, para que não restem
dúvidas. Eram utilizados oito códigos para diferenciar os trabalhadores domésticos: 801
(arrumador/arrumadeira, camareiro), 802 (acompanhante, aia, ama, ama de leite, ama-
seca, ba, babá, baby sitter, cuida de crianças, dama de companhia, nutriz, pajem), 803
(congeleira, copeira, cozinheira), 804 (diarista, faxineira), 805 (lavador/lavadeira de
roupas, passador/passadeira de roupas), 806 (governanta, mordomo), 807 (ajudante de
caseiro, caseiro, criado, curumim, empregada doméstica polivalente (não especializada),
secretária, servente) e 808 (atendente de enfermagem, carregador de água, cuida de
doente, cuida de idoso, enfermeira, guarda-costas, jardineiro, motorista, piloto de
lancha, vigia)43.
Tais códigos distintos permitiam uma análise dos segmentos diferenciados de
trabalhadores domésticos. Isso foi realizado, por exemplo, por Melo (1998), que, no
interior do seu trabalho, utilizando dados da PNAD 1995, estudou esses oito grupos
segundo a sua distribuição por sexo: arrumadeira/camareiro; babá/ama/acompanhante;
cozinheira/copeira; diarista/faxineira; lavadeira/passadeira; governanta/mordomo;
doméstica polivalente; e atendente/jardineiro/motorista. Posteriormente, Melo (2000)
voltou a estudar esses subgrupos, dessa vez dividindo-os em quatro e comparando dados
de 1993 e 1998. Outra divisão analítica que parece possível a partir desses códigos é
separá-los em três grupos: empregados domésticos polivalentes (807), empregados
domésticos especializados (801, 802, 803, 805, 806 e 808) e diaristas (804).
E, finalmente, o terceiro momento teve início com a PNAD de 2002, que passou
a definir as atividades ocupacionais segundo a Classificação Brasileira de Ocupação
(CBO-Domiciliar) e a Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE-
Domiciliar). Com isso, deixou de ser possível fazer a diferenciação interna do serviço
doméstico remunerado, pois à maioria dos seus subgrupos passou a ser direcionado o
43
Essas atividades eram todas realizadas no serviço doméstico. Caso fossem, por exemplo, a faxineira de
um prédio, a enfermeira de um hospital, a cozinheira de um restaurante e o motorista de ônibus, eles
teriam recebido outros códigos.
55
mesmo código de ocupação: 5121. Esse código abarcou indistintamente diversas
atividades do serviço doméstico: arrumador/arrumadeira, auxiliar de serviços diversos,
camareiro, carregador de água, criado, curumim, caseiro, jardineiro, diarista, faxineira,
secretária, empregado/empregada doméstico/a, lavador/lavadeira, passador/passadeira
de roupas, limpador de janelas, servente e faxineiro.
Os outros subgrupos ganharam códigos diferentes: 5132 (mordomo, governanta
e cozinheiro/a), 5134 (copeiro), 5162 (acompanhante de idosos, aia, baba, baby sitter,
ama de leite e ama-seca), 5173 (guarda-costas), 5174 (vigia), 7823 (motorista) e 7827
(piloto de lancha). Mas o fato de terem recebido códigos distintos não torna o estudo
desses segmentos mais fácil; pelo contrário, pois eles ganharam o mesmo número que
outras atividades, de forma que, por exemplo, o código 7823 cobre desde o motorista
doméstico até o taxista e o motorista de ambulância. E, como bem sabemos, se um
único código passa a abarcar atividades ocupacionais diversas, a análise delas fica
inevitavelmente esvaziada.
Dessa forma, após essas explicações metodológicas, ficaram claras as
possibilidades analíticas, bem como as limitações dos instrumentos de pesquisa. Dos
quatro grandes levantamentos estatísticos utilizados pelos pesquisadores do serviço
doméstico remunerado, o que melhor atende aos nossos objetivos específicos é a
Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), pois permite comparar
empregados domésticos e diaristas de uma maneira mais complexa, além de admitir
uma análise do Brasil e do Rio de Janeiro. Os dados dos demais levantamentos
aparecerão por meio das conclusões de outros pesquisadores, que serão trazidas para
diversificar mais a análise.
Quanto à questão da diferenciação estatística entre empregado doméstico e
diarista, as PNADs oferecem, então, duas possibilidades: 1ª) Fazer a diferenciação entre
empregados e diaristas enquanto subgrupos ocupacionais, possível de 1992 a 2001; 2ª)
Fazer a diferenciação entre empregados e diaristas mediante o critério aproximado de
que empregado doméstico é aquele que trabalha em apenas um domicílio e diarista o
que trabalha em mais de um. Essa segunda possibilidade pode ser realizada desde a
PNAD de 1992 até a atual, pois nesse período sempre esteve presente a questão do
número de domicílios em que o serviço é prestado e isso não foi alterado pelas
mudanças realizadas na PNAD em 2002.
Entre as duas possibilidades existentes, utilizaremos ambas. A primeira tem a
dificuldade de apenas ser exeqüível até o ano de 2001, mas é a que mais se aproxima de
56
como efetivamente os trabalhadores domésticos estão divididos quanto às atividades
que realizam. A segunda, por sua vez, tem o problema de ser aproximada, mas é a que
permite uma análise mais próxima aos dias de hoje. Tanto uma quanto a outra foram
pouco exploradas pela literatura dedicada ao serviço doméstico, de forma que a primeira
foi adotada em pelo menos dois estudos: Melo (1998 e 2000); e a segunda também:
Myrrha e Wajnman (2008) e IPEA (2009).
Em todos os pontos deste capítulo, assim como fizeram IPEA, SPM e UNIFEM
(2008), foram considerados trabalhadores domésticos todos aqueles, de 10 anos ou mais
de idade, que se encontravam ocupados na semana de referência da PNAD (os que
trabalharam nessa referida semana ou os que estavam afastados temporariamente, por
exemplo, por motivo de férias ou licença) e cuja posição na ocupação principal era de
trabalhador doméstico. No primeiro ponto consideraremos os trabalhadores domésticos
como um todo, comparando homens e mulheres; enquanto nos posteriores a análise
englobará apenas as mulheres.
Como os resultados da PNAD 2008 foram produzidos considerando os dados da
revisão 2008 da projeção da população do Brasil como variável independente para
expansão da amostra, utilizamos os microdados reponderados das PNADs de 2001 a
2007, tornando possível uma melhor comparação entre os anos da década de 2000. Os
microdados das PNADs de 1992 a 2008 serão, então, a fonte quantitativa que permitirá
produzir neste capítulo uma caracterização mais geral do trabalho doméstico
remunerado e dos movimentos de mudança que se delineiam nessa ocupação.
57
2.2.1 – O serviço doméstico no Brasil
Tabela 1: Distribuição dos trabalhadores domésticos por cor ou raça (%), Brasil, 2008.
Cor ou raça Homens Mulheres Total
Branca 37,8 38,3 38,2
Preta 9,9 11,3 11,2
Parda 51,4 49,6 49,8
Amarela 0,3 0,3 0,3
Indígena 0,5 0,4 0,4
Total 100,0% 100,0% 100,0%
Números absolutos 424.522 6.201.479 6.626.001
Fonte: IBGE. Microdados da PNAD 2008. Elaboração própria.
Obs.: Foram omitidos da tabela os sem declaração, pois não chegavam a 0,1%, mas eles constam nos
totais brutos.
58
Quanto à divisão interna, fica evidente o peso que os domésticos polivalentes, ou
seja, que realizam todas as tarefas domésticas, têm, tanto para homens quanto para
mulheres, pois esse é o subgrupo no qual ambos mais estão inseridos, respectivamente
55,5% e 74,7% (tabela 2). A diferença de gênero aparece mais evidente quanto ao
próximo maior subgrupo, uma vez que a segunda participação mais elevada das
mulheres é como diarista/faxineira (11,2%), enquanto a dos homens é como
jardineiro/motorista (38,0%).
59
de trabalho infantil45. Segundo a PNAD 2008, 4,9% dos trabalhadores domésticos
brasileiros têm entre 10 e 17 anos, o que equivale a mais de 323.000 jovens
desempenhando essa atividade.
Tabela 3: Distribuição dos trabalhadores domésticos segundo a faixa etária (%), Brasil,
2008.
Faixas de idade (anos) Homens Mulheres Total
10 a 15 2,4 2,2 2,3
16 a 17 2,0 2,7 2,6
18 a 24 9,5 12,0 11,8
25 a 29 10,9 11,1 11,1
30 a 44 33,7 41,8 41,3
45 a 59 30,1 26,2 26,4
60 ou mais 11,4 4,0 4,5
Total 100,0% 100,0% 100,0%
Números absolutos 424.522 6.201.479 6.626.001
Fonte: IBGE. Microdados da PNAD 2008. Elaboração própria.
45
O serviço doméstico faz parte da lista das piores formas de trabalho infantil, aprovada pelo Decreto nº.
6.481/2008, em vista de uma série de riscos ocupacionais discriminados: “esforços físicos intensos;
isolamento; abuso físico, psicológico e sexual; longas jornadas de trabalho; trabalho noturno; calor;
exposição ao fogo, posições antiergonômicas e movimentos repetitivos; tracionamento da coluna
vertebral; sobrecarga muscular e queda de nível”. Dessa forma, essa ocupação apresenta as seguintes
prováveis repercussões à saúde: “afecções músculo-esqueléticas (bursites, tendinites, dorsalgias,
sinovites, tenossinovites); contusões; fraturas; ferimentos; queimaduras; ansiedade; alterações na vida
familiar; transtornos do ciclo vigília-sono; distúrbios osteomusculares relacionados ao trabalho
(DORT)/lesões por esforços repetitivos (LER); deformidades da coluna vertebral (lombalgias,
lombociatalgias, escolioses, cifoses, lordoses); síndrome do esgotamento profissional e neurose
profissional; traumatismos; tonturas e fobias”.
60
Tabela 4: Distribuição dos trabalhadores domésticos por nível de escolaridade mais
elevado alcançado (%), Brasil, 2008.
Nível de escolaridade Homens Mulheres Total
Sem instrução 16,9 9,5 10,0
Fundamental incompleto ou equivalente 58,2 52,5 52,9
Fundamental completo ou equivalente 8,8 14,0 13,7
Médio incompleto ou equivalente 5,0 7,8 7,6
Médio completo ou equivalente 10,0 14,4 14,1
Superior incompleto ou equivalente 0,4 0,3 0,3
Superior completo 0,6 0,7 0,7
Não determinado 0,2 0,7 0,7
Total 100,0% 100,0% 100,0%
Números absolutos 424.522 6.201.479 6.626.001
Fonte: IBGE. Microdados da PNAD 2008. Elaboração própria.
61
Dos trabalhadores domésticos, 30,1% contribuem para a previdência social; são
44,1% dos homens e 29,2% das mulheres. Para efeitos de comparação, na categoria
empregados, 78,3% são contribuintes. Tratando-se dos trabalhadores domésticos, há
mais contribuintes à previdência do que com a carteira assinada. Isso significa que uma
parcela deles faz a contribuição individual, como é o caso de diaristas que trabalham em
muitas casas simultaneamente.
Uma outra questão é se o serviço doméstico é prestado em uma ou em mais
residências. Embora a grande maioria trabalhe apenas para uma família (74,1%), como
apresentado na tabela 6, o número dos que trabalham para mais de uma já ultrapassou
um quarto dos trabalhadores domésticos (25,9%), chegando a 26,5% das mulheres.
Aproximadamente, é possível chamar esses trabalhadores de diaristas e os demais de
mensalistas. Como apenas 20,5% das trabalhadoras domésticas que prestam serviço em
mais de uma residência contribuem para a previdência social, fica evidente que as
diaristas ainda não incorporaram a posição de autônomas quanto à sua proteção social.
46
Isso pôde ser realizado graças à variável 9054 do arquivo de pessoas: “tipo de estabelecimento ou onde
era exercido o trabalho principal da semana de referência”. A PNAD incluiu na opção “no domicílio em
que morava” o trabalhador doméstico que residia na unidade domiciliar em que trabalhava; e incluiu na
opção “em domicílio do empregador, patrão, sócio ou freguês” o trabalhador doméstico que não residia
na unidade domiciliar em que trabalhava.
62
respectivamente, 63.109 e 396.140. Ou seja, no Brasil ainda existem 459.249
trabalhadores domésticos morando na casa dos patrões.
Os dados disponíveis não nos permitem chegar a uma conclusão mais
substantiva que aponte as razões explicativas para uma proporção maior de homens do
que de mulheres residir no local de trabalho. Talvez um motivo seja a maior
participação dos trabalhadores homens como caseiros e vigias, mas em vista da
mudança nos códigos de ocupação a partir de 2002, há uma impossibilidade de verificar
essa hipótese.
47
Para essa divisão utilizamos a segunda possibilidade de diferenciação entre empregados domésticos e
diaristas: conceber, aproximadamente, o mensalista como aquele que trabalha em apenas um domicílio e
o diarista como aquele que trabalha em mais de um. Dessa forma, de fato, estamos comparando:
mensalistas residentes, que são os que trabalham em apenas um domicílio e moram na casa dos patrões;
mensalistas externos, que são os que trabalham em apenas um domicílio e não moram na casa dos
patrões; e os diaristas, que são os que trabalham em mais de um domicílio.
63
Diarista 16,0 26,5 25,9
Total 100,0% 100,0% 100,0%
Números absolutos 424.522 6.201.479 6.626.001
Fonte: IBGE. Microdados da PNAD 2008. Elaboração própria.
64
como apresentado na tabela 10, os resultados indicam que mais de 70,0% dos
trabalhadores domésticos recebem até, no máximo, um salário mínimo nacional, sendo
que 30,6% recebem apenas até meio salário.
A renda média mensal dos trabalhadores domésticos é, segundo a PNAD 2008,
de R$ 360,17, ou seja, sequer alcança o salário mínimo, que em setembro de 2008 era
de R$ 415,00. Se compararmos a renda média mensal segundo o vínculo de trabalho e o
sexo, há uma diferença considerável, pois a renda das mulheres e dos que não têm
carteira de trabalho assinada é menor. Enquanto o rendimento médio das mulheres sem
carteira é de R$ 295,31, o dos homens sem carteira é de R$ 395,65. Da mesma forma,
enquanto o rendimento médio das mulheres com carteira é de R$ 510,53, o dos homens
com carteira é de R$ 640,47.
65
1,3% dos homens ocupados. Isso significa que essa profissão tem um peso maior no
mercado de trabalho do Rio de Janeiro do que no Brasil como um todo.
Quanto à questão da cor ou raça, os trabalhadores domésticos desse estado são
em sua maioria negros (63,2%)48 e há um número de pretos bem maior do que o
apresentado na análise anterior sobre o Brasil (20,3%). No retrato brasileiro sobre esses
trabalhadores, a cor ou raça é muito semelhante entre homens e mulheres, o que não
ocorre nesse caso específico. No Rio de Janeiro, a diferença é grande, pois as mulheres
são mais negras (64,1%) do que os homens (53,0%) e menos brancas (35,2%) do que
eles (47,0%).
Tabela 11: Distribuição dos trabalhadores domésticos por cor ou raça (%), Rio de
Janeiro, 2008.
Cor ou raça Homens Mulheres Total
Branca 47,0 35,2 36,2
Preta 15,3 20,8 20,3
Parda 37,7 43,3 42,9
Amarela 0,0 0,3 0,3
Indígena 0,0 0,1 0,1
Sem declaração 0,0 0,2 0,2
Total 100,0% 100,0% 100,0%
Números absolutos 53.689 574.199 627.888
Fonte: IBGE. Microdados da PNAD 2008. Elaboração própria.
48
Caso consideremos negros como a soma de pretos e pardos.
66
Janeiro é formada por quem realiza todas as tarefas domésticas (domésticos
polivalentes), que são 55,1% dos homens e 63,6% das mulheres (tabela 12). Mas o dado
que chama a atenção é a alta proporção de mulheres que são diaristas (17,2%).
Efetivamente, a contratação por diárias ocupa uma posição importante no mercado de
trabalho desse estado, ainda mais que, muito provavelmente, esse número seria bem
maior se essa diferenciação interna fosse possível para 2008.
Tabela 13: Distribuição dos trabalhadores domésticos segundo a faixa etária (%), Rio de
Janeiro, 2008.
Faixas de idade (anos) Homens Mulheres Total
10 a 15 0,9 0,8 0,8
67
16 a 17 0,9 0,6 0,6
18 a 24 5,1 4,6 4,6
25 a 29 14,4 8,6 9,1
30 a 44 32,0 41,3 40,5
45 a 59 28,2 36,4 35,7
60 ou mais 18,6 7,8 8,7
Total 100,0% 100,0% 100,0%
Números absolutos 53.689 574.199 627.888
Fonte: IBGE. Microdados da PNAD 2008. Elaboração própria.
Tabela 14: Distribuição dos trabalhadores domésticos por nível de escolaridade mais
elevado alcançado (%), Rio de Janeiro, 2008.
Nível de escolaridade Homens Mulheres Total
Sem instrução 14,7 10,3 10,7
Fundamental incompleto ou equivalente 62,0 53,8 54,5
Fundamental completo ou equivalente 5,4 17,0 16,0
Médio incompleto ou equivalente 0,9 4,8 4,5
Médio completo ou equivalente 15,9 12,6 12,9
Superior incompleto ou equivalente 1,2 0,1 0,2
Superior completo 0,0 0,8 0,7
Não determinado 0,0 0,6 0,5
Total 100,0% 100,0% 100,0%
Números absolutos 53.689 574.199 627.888
Fonte: IBGE. Microdados da PNAD 2008. Elaboração própria.
68
A formalização da relação de trabalho doméstico remunerado no Rio de Janeiro
é maior do que no Brasil como um todo, pois atinge mais de um terço dos trabalhadores
(34,3%), enquanto a proporção para o país chega a pouco mais de um quarto (26,8%). A
variação das percentagens entre os sexos é muito elevada, de forma que enquanto a
maioria dos homens, 59,0%, tem carteira de trabalho assinada, as mulheres são apenas
32,0%, como podemos ver na tabela 15. O que explica essa diferença, em parte, é que a
figura da diarista, prestadora autônoma de serviço, geralmente sem vínculo formal, é
grande no Rio de Janeiro, que enquanto subgrupo ocupacional chegava a 17,2% das
mulheres em 2001.
Em relação à previdência social, 41,9% dos trabalhadores domésticos do Rio de
Janeiro são contribuintes. Assim como a questão da formalização, há uma grande
diferença entre os índices masculino e feminino, pois enquanto 39,6% das mulheres
contribuem para instituto de previdência, os homens são 66,5%, já incluídos os que o
fazem em caráter autônomo.
69
Número de domicílios Homens Mulheres Total
Apenas um 81,5 74,3 74,9
Mais de um 18,5 25,7 25,1
Total 100,0% 100,0% 100,0%
Números absolutos 53.689 574.199 627.888
Fonte: IBGE. Microdados da PNAD 2008. Elaboração própria.
Tabela 17: Distribuição dos trabalhadores domésticos segundo o seu local de residência
(%), Rio de Janeiro, 2008.
Local de residência Homens Mulheres Total
Reside na casa em que trabalha 12,0 5,0 5,6
Reside fora da casa em que trabalha 88,0 95,0 94,4
Total 100,0% 100,0% 100,0%
Números absolutos 53.689 574.199 627.888
Fonte: IBGE. Microdados da PNAD 2008. Elaboração própria.
70
Tabela 18: Classificação dos trabalhadores domésticos a partir do número de domicílios
em que o serviço é prestado e do local de residência (%), Rio de Janeiro, 2008.
Homens Mulheres Total
Mensalista residente 12,0 4,6 5,2
Mensalista externo 69,5 69,7 69,7
Diarista 18,5 25,7 25,1
Total 100,0% 100,0% 100,0%
Números absolutos 53.689 574.199 627.888
Fonte: IBGE. Microdados da PNAD 2008. Elaboração própria.
71
uma característica da região Sudeste como um todo. Enquanto mais de 70,0% dos
trabalhadores domésticos do Brasil recebem até, no máximo, um salário mínimo
nacional, além de 30,6% receberem apenas até meio salário; no Rio de Janeiro são
aproximadamente 54,0% e apenas 14,8% são remunerados com até meio salário (tabela
20).
A renda média mensal dos trabalhadores domésticos do Rio de Janeiro é,
segundo a PNAD 2008, de R$ 469,61, ou seja, ultrapassa o salário mínimo nacional,
que em 2008 era de R$ 415,00. Mas o estado do Rio de Janeiro tem salário mínimo
próprio para os empregados domésticos, que em 2008 era de R$ 470,34, ou seja, o
rendimento médio dos trabalhadores domésticos desse estado quase alcançou o salário
mínimo específico49.
A comparação segundo o sexo e o tipo de vínculo de trabalho revela que é
menor a renda das mulheres e dos que não têm carteira de trabalho assinada. Enquanto o
rendimento médio das mulheres sem carteira é de R$ 405,83, o dos homens sem carteira
é de R$ 469,54. Nesse mesmo sentido, enquanto o rendimento médio das mulheres com
carteira é de R$ 558,81, o dos homens com carteira é de R$ 734,71.
49
O menor piso salarial dos empregados domésticos no Brasil é o salário mínimo nacional. Mas em
alguns estados há a fixação de salário mínimo específico para os empregados domésticos, ou seja, maior
do que o nacional. Esses estados são Rio de Janeiro, São Paulo, Paraná, Rio Grande do Sul e,
recentemente, Santa Catarina.
72
Dessa forma, seja no Brasil ou no estado do Rio de Janeiro, com algumas
diferenças entre eles, foi possível perceber que os trabalhadores domésticos têm o
seguinte perfil predominante: são mulheres, negras, domésticas polivalentes, com idade
de 30 a 44 anos, com baixa escolaridade (ensino fundamental incompleto), sem carteira
de trabalho assinada, que não contribuem para a previdência, trabalham em apenas um
domicílio e não residem nele, têm jornada de trabalho semanal de mais de 20 a 40 horas,
não são sindicalizadas e recebem até um salário mínimo.
Cumprido o primeiro objetivo deste capítulo, que foi o de analisar o perfil dos
trabalhadores domésticos, comparando homens e mulheres, passemos para o próximo:
explicar os processos de mudança no serviço doméstico. Nesse sentido, cabe
acompanhar em que medida essas características distintivas da ocupação dão indícios de
serem permanentes e com pouca alteração ou se uma análise longitudinal aponta
transições em algumas delas.
73
2.3.1 – Diminuição da importância do serviço doméstico remunerado na população
feminina ocupada
Analisando os anos 2000, é possível perceber que nessa década ainda houve um
crescimento do número de trabalhadoras domésticas, tanto no Brasil quanto no estado
do Rio de Janeiro (gráfico 1). No país, nesse intervalo de tempo analisado, o aumento
foi de aproximadamente 630 mil trabalhadoras; enquanto no Rio de Janeiro chegou a
quase 16 mil. Entretanto, no caso brasileiro houve quedas consecutivas de 2006 a 2008.
Isso pode indicar que a próxima década será de diminuição da mão de obra dedicada a
essa ocupação, que estaria migrando para outros trabalhos. Mas apenas com a
divulgação de dados posteriores a 2008, será possível diferenciar uma diminuição
passageira de um processo que se estenda a longo prazo.
5.000.000
4.000.000
Número
0
2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008
Ano
74
trabalhadoras domésticas. De 2001 em diante houve uma queda consecutiva nessa
proporção, chegando a 15,8% em 2008.
14,0
Fonte: IBGE. Microdados da
PNAD de 1992 a 2008.
12,0 Elaboração própria.
Obs: (1) A PNAD não foi
%
0,0
1992 1993 1995 1996 1997 1998 1999 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008
Ano
75
2.3.2 – Elevação da escolaridade
Gráfico 4 - Distribuição percentual das trabalhadoras domésticas por anos de estudo, Brasil, 1992-2008
76
a de 5 a 8 anos, que passou de 31,1% para 39,7% (8,6 pontos de diferença); a de 9 a 11
anos, que passou de 3,4% para 17,9% (14,5 pontos de diferença); e a de 12 anos ou
mais, que passou de 0,2% para 1,6% (1,4 pontos de diferença).
Gráfico 5 - Distribuição percentual das trabalhadoras domésticas por anos de estudo, Rio de Janeiro, 1992-2008
Sem instrução ou
50,0 47,2 46,2 45,9 menos de 1 ano
43,6
41,5 41,7 De 1 a 4 anos
40,3 40,3 39,8 40,0 39,8 39,7
38,2 38,8 38,8
De 5 a 8 anos
40,0
1992 1993 1995 1996 1997 1998 1999 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008
Ano
77
Gráfico 6 - Distribuição percentual das trabalhadoras domésticas segundo a faixa etária, Brasil, 1992-2008
10 a 15 anos
45,0 16 a 17 anos
41,1 41,7 41,8
39,6 39,7 40,1 40,0 18 a 24 anos
40,0 38,0
36,3 25 a 29 anos
35,7
35,0 30 a 44 anos
35,0 33,3
31,7 45 a 59 anos
29,5
28,4 60 anos ou mais
30,0
26,2
24,7 24,0 23,2 23,7
25,0 23,1 22,6 Fonte: IBGE. Microdados da
22,4 21,7 22,4 21,6
20,8 PNAD de 1992 a 2008.
%
20,0
19,2 Elaboração própria.
20,0 18,4
Obs: (1) A PNAD não foi
15,8 15,9 16,8 15,9 realizada em 1994 e 2000. (2)
14,6 18,1 17,9 14,7 13,4
15,0 12,6 13,3 13,7 17,6 Em 2004, a PNAD passou a
12,4 12,0 contemplar a população rural de
13,1 12,5 12,5
11,4 12,1 12,9 12,6 13,4 Rondônia, Acre, Amazonas,
13,0 13,0 12,8 13,0 12,1
10,0 10,8 10,3 8,4 7,6 11,9 11,1 Roraima, Pará e Amapá. (3) Os
6,8 6,6
5,5 microdados dos anos 2000
9,3 9,2 4,6 4,5 3,9
7,8 6,6 3,6 3,7 3,7 3,6 4,0 foram reponderados para
5,0 6,2 4,7 4,4 3,7 3,7 2,8 3,4 3,4 3,1 acompanhar os de 2008. (4)
3,0
2,7 Foram excluídos os ignorados.
2,8 2,5 2,5 3,1 2,5 2,6 2,9 3,4 2,9 3,0 2,5 2,4 2,4 2,6 2,2
0,0
1992 1993 1995 1996 1997 1998 1999 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008
Ano
Gráfico 7 - Distribuição percentual das trabalhadoras domésticas segundo a faixa etária, Rio de Janeiro, 1992-2008
44,1 10 a 15 anos
43,0 43,5 42,5 43,1 42,5
45,0 41,7 41,7 41,3 16 a 17 anos
39,5 39,5 40,0 39,7
18 a 24 anos
40,0 37,4 38,1
36,4 25 a 29 anos
35,4
33,4 34,2 33,7 30 a 44 anos
35,0
30,5 45 a 59 anos
30,0 28,3
60 anos ou mais
26,2
24,9
22,7 22,9 Fonte: IBGE. Microdados da
25,0
21,4 20,9 PNAD de 1992 a 2008.
%
19,2 19,7
Elaboração própria.
20,0 Obs: (1) A PNAD não foi
16,7 19,8
15,6 16,2 realizada em 1994 e 2000. (2)
16,2 13,9 13,8 Em 2004, a PNAD passou a
15,0
12,6 11,6 11,1 contemplar a população rural de
11,5
9,5 10,4 9,6 10,3 Rondônia, Acre, Amazonas,
9,6 9,5 8,6 8,6
10,0 11,6 11,5 11,4 10,7 10,6 Roraima, Pará e Amapá. (3) Os
7,1 8,2 8,6 6,5 microdados dos anos 2000
5,5 4,6 5,9 5,8 5,8 9,1 6,8 7,8
4,7 3,8 4,2 4,4 4,3 5,4 7,2 foram reponderados para
5,0 4,0 4,2 6,3 5,5 4,6 acompanhar os de 2008. (4)
3,4 2,5 2,6 2,0 1,0 1,3 1,3 0,8 0,9
4,5 3,8 3,1 1,3 1,0 0,8 Foram excluídos os ignorados.
0,0 1,7 1,4 1,8 1,6 1,3
0,9 0,9 0,5 0,3 0,3 0,4 0,6
1992 1993 1995 1996 1997 1998 1999 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008
Ano
78
Tanto no caso brasileiro quanto no do Rio de Janeiro, o que é perceptível é que a
mão de obra responsável pelo serviço doméstico remunerado foi envelhecendo (gráficos
6 e 7) e diminuindo a sua importância na população feminina ocupada (gráficos 2 e 3),
mas não houve uma renovação por parte das gerações mais jovens. Isso pode ser
explicado até mesmo pelo aumento crescente da escolaridade (gráficos 4 e 5), que
atinge principalmente as mais jovens, para as quais novas possibilidades se abrem e em
um nível alcançável.
Diferente das trabalhadoras domésticas das faixas de maior idade, de 30 a mais
de 60 anos, as mulheres jovens provenientes de famílias de baixa renda, com
escolaridade mais elevada, percebem-se com maiores possibilidades de inserção no
mercado de trabalho, buscando permanecer fora do circuito de compra e venda de
serviços domésticos, identificado pelas trabalhadoras domésticas de maneira geral,
como veremos no próximo capítulo, como uma ocupação que deve ser, sempre que
possível, evitada, por conta do cansaço físico, do número de direitos trabalhistas que
abarca serem reduzidos e da menor valorização social.
79
No gráfico 8, que analisa a realidade brasileira, podemos notar que a proporção
de trabalhadoras domésticas residentes na casa dos patrões diminuiu muito de 1992 a
2008, passando de 19,2% para 6,4%. O valor mais baixo, de 4,1%, foi alcançado em
2007. No Rio de Janeiro (gráfico 9), a percentagem de trabalhadoras domésticas que
residem no local de trabalho em todo o período foi menor do que no Brasil. Nesse
estado, essa proporção passou de 11,5% para 5,0%. A diminuição foi mais acentuada
até 2004, daí em diante percebe-se um aumento consecutivo.
Gráfico 8 - Distribuição percentual das trabalhadoras domésticas segundo o seu local de residência, Brasil, 1992-
2008
70
Fonte: IBGE. Microdados da
60
PNAD de 1992 a 2008.
Elaboração própria.
%
50
Obs: (1) A PNAD não foi realizada
40 em 1994 e 2000. (2) Em 2004, a
PNAD passou a contemplar a
30 população rural de Rondônia,
19,2 18,6 Acre, Amazonas, Roraima, Pará
16,0 15,5
20 13,5 12,7 12,6 e Amapá. (3) Os microdados dos
9,6 anos 2000 foram reponderados
6,1 4,8 4,8 4,7 6,4
10 4,5 4,1 para acompanhar os de 2008.
0
1992 1993 1995 1996 1997 1998 1999 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008
Ano
Gráfico 9 - Distribuição percentual das trabalhadoras domésticas segundo o seu local de residência, Rio de Janeiro,
1992-2008
95,7 96,6 97,5 97,2 96,7 96,2 95,0 Reside na casa em que
100 91,1 92,5 94,5 93,0
88,1 90,5 90,0 trabalha
88,5
90
Reside fora da casa em
80 que trabalha
70
50
Obs: (1) A PNAD não foi realizada
40 em 1994 e 2000. (2) Em 2004, a
PNAD passou a contemplar a
30 população rural de Rondônia,
Acre, Amazonas, Roraima, Pará e
20 11,5 11,9 9,5 Amapá. (3) Os microdados dos
10,0 8,9 7,5 5,5 7,0 5,0 anos 2000 foram reponderados
10 4,3 3,4 2,5 2,8 3,3 3,8
para acompanhar os de 2008.
0
1992 1993 1995 1996 1997 1998 1999 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008
Ano
80
2.3.5 – Aumento da formalização
81
organização sindical das trabalhadoras domésticas, e a ampliação de seus conhecimentos
sobre os direitos que lhes são assegurados. Isso é alcançado por meio de cursos de formação
e capacitação que já foram ministrados nas cidades de Recife, Salvador, São Paulo,
Campinas, Rio de Janeiro, Aracajú e São Luís. Tais cursos são realizados em aulas
noturnas e nos finais de semana durante 12 meses e estão organizados em dois
subprojetos: qualificação e capacitação sindical.
Segundo IPEA (2006), o primeiro subprojeto tem como público-alvo as
mulheres com ensino fundamental incompleto e busca formar profissionais preparadas
para o trabalho doméstico, a partir da qualificação social e profissional e da elevação da
escolaridade. Além dos conteúdos escolares, a proposta inclui as dimensões de gênero e
raça (história do trabalho doméstico e seu valor social, história e cultura afro-brasileira,
discriminação no mundo do trabalho, direitos humanos) e uma formação direcionada ao
cotidiano do trabalho doméstico, de técnicas de trabalho (novas tecnologias, cozinha,
limpeza) ao conhecimento da legislação trabalhista e previdenciária. Já o segundo
subprojeto tem como público-alvo principal os dirigentes sindicais e busca estimular a
organização das trabalhadoras domésticas. Dessa forma, o curso aborda a história e as
transformações do trabalho doméstico; os direitos e a cidadania; e a estrutura, a
organização e a gestão sindical.
Gráfico 10 - Distribuição percentual das trabalhadoras domésticas segundo o vínculo de trabalho, Brasil, 1992-2008
83,9 84,0
90 82,1 Com carteira de
78,9 78,4
76,0 76,3 75,1 75,3 73,9 75,3 74,9 74,2 trabalho assinada
73,9 73,7
80
Sem carteira de
trabalho assinada
70
0
1992 1993 1995 1996 1997 1998 1999 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008
Ano
82
um crescimento maior nos anos 90, já os anos 2000 apresentaram certo crescimento,
mas menos intenso e com freqüentes seqüências de queda e em seguida de aumento.
Gráfico 11 - Distribuição percentual das trabalhadoras domésticas segundo o vínculo de trabalho, Rio de Janeiro,
1992-2008
83
foram as próprias trabalhadoras domésticas que se incluíram em uma ou em outra
quando responderam à PNAD.
Sendo assim, o interessante dessa primeira forma de diferenciação é que não é
aproximada, foram as próprias trabalhadoras domésticas que se disseram, por exemplo,
diaristas. Nesse mesmo sentido, cabe uma observação importante: o número de diaristas
que veremos nos dois gráficos a seguir deve ser compreendido mais como o grupo das
diaristas faxineiras, que fazem apenas a limpeza da residência; imagem essa que é a
mais disseminada sobre o que é uma diarista.
Mas esse grupo é mais amplo, pois há também as congeleiras, que vão ao
domicílio quinzenalmente fazer a comida para esse período; as lavadeiras e passadeiras
de roupas em vários domicílios; sem contar as diaristas que vão apenas alguns dias a
uma residência, mas que lá realizam todas as tarefas. O banco de dados da PNAD
classificou esses três casos, apenas para pontuar alguns, respectivamente, como
cozinheiras/copeiras (803), como lavadeiras/passadeiras (805) e como domésticas
polivalentes (807). Então, os números apresentados são um retrato da diarista faxineira.
No Brasil, conforme aponta o gráfico 12, a proporção de diaristas faxineiras era
na década de noventa aproximadamente de 9,0% a 11,0% das trabalhadoras domésticas
e sempre esteve abaixo da de empregadas domésticas especializadas. Infelizmente, nos
anos 2000, quando muito provavelmente essa proporção elevou-se, como o ano de 2001
parece indicar, a mudança nos códigos ocupacionais utilizados pela PNAD
impossibilitou que esta análise longitudinal prosseguisse.
Gráfico 12 - Distribuição percentual das trabalhadoras domésticas segundo a divisão em subgrupos ocupacionais,
Brasil, 1992-2001
90 78,5 76,8
77,7 78,1 77,0 76,9 77,7 74,7
80 Empregadas domésticas
polivalentes
70
Empregadas domésticas
especializadas
60
Diaristas
50
%
40
30
12,0 12,5 13,6 14,1
12,0 12,7 11,9 Fonte: IBGE. Microdados da PNAD de
11,7
20 1992 a 2001. Elaboração própria.
Obs: (1) A PNAD não foi realizada em
10 1994 e 2000. (2) Os microdados do
ano 2001 foram reponderados para
10,6 10,0 10,9 9,0 9,7 10,6 10,4 11,2 acompanhar os de 2008.
0
1992 1993 1995 1996 1997 1998 1999 2001
Ano
84
A mesma distribuição dos subgrupos ocupacionais revela que no estado do Rio
de Janeiro a proporção de diaristas faxineiras sempre foi maior do que no Brasil,
aproximadamente de 12,0% a 17,0% das trabalhadoras domésticas, e em alguns anos foi
mais elevada do que a de empregadas domésticas especializadas (gráfico 13). Além
disso, a queda no percentual de empregadas domésticas polivalentes foi muito mais
evidente, nesse espaço temporal, no Rio de Janeiro do que no Brasil.
Gráfico 13 - Distribuição percentual das trabalhadoras domésticas segundo a divisão em subgrupos ocupacionais, Rio
de Janeiro, 1992-2001
90
Empregadas domésticas
80 71,2 72,8 polivalentes
70,6 71,5
70,5 68,6
66,0
70 63,6 Empregadas domésticas
especializadas
60
Diaristas
50
%
40
30
19,7 19,3
16,6 17,5 15,5 16,8 16,9
15,2
20
Fonte: IBGE. Microdados da PNAD de 1992 a
10 2001. Elaboração própria.
12,2 11,9 14,3 14,5 14,5 17,2 Obs: (1) A PNAD não foi realizada em 1994 e
11,6 11,6 2000. (2) Os microdados do ano 2001 foram
0 reponderados para acompanhar os de 2008.
1992 1993 1995 1996 1997 1998 1999 2001
Ano
85
Gráfico 14 - Distribuição percentual das trabalhadoras domésticas segundo o número de domicílios em que o serviço
é prestado, Brasil, 1992-2008
Apenas um
90 83,5 81,7 82,3 82,9 82,7 81,6 83,1 Mais de um
81,6 80,4 79,8 78,6 77,9
75,7 74,5
80 73,5
população rural de
40 Rondônia, Acre, Amazonas,
Roraima, Pará e Amapá. (3)
25,5 26,5 Os microdados dos anos
30 22,0 24,2
20,2 21,4 2000 foram reponderados
16,5 18,3 17,7 17,0 18,4 18,4 19,6
17,2 16,9 para acompanhar os de
20 2008. (4) Foram excluídos
os ignorados.
10
0
1992 1993 1995 1996 1997 1998 1999 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008
Ano
86
Gráfico 15 - Distribuição percentual das trabalhadoras domésticas segundo o número de domicílios em que o
serviço é prestado, Rio de Janeiro, 1992-2008
contemplar a população
40
rural de Rondônia, Acre,
28,9 27,4 26,6
24,6 25,5 25,7 Amazonas, Roraima, Pará
30 22,2 22,6 21,5 23,7 23,6 e Amapá. (3) Os
20,4
18,2 16,5 18,9 microdados dos anos
2000 foram reponderados
20 para acompanhar os de
2008. (4) Foram excluídos
10 os ignorados.
0
1992 1993 1995 1996 1997 1998 1999 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008
Ano
50
Por outro lado, o envelhecimento da população aumenta a demanda por um tipo específico de
trabalhadora doméstica: a cuidadora ou acompanhante de idosos.
87
número de diaristas. Mas contando que as relações estabelecidas com a diarista são
quase que completamente informais, como esses dois processos podem ser compatíveis?
É o que buscamos compreender com o auxílio dos gráficos 16 e 17. Neles, chamamos
de mensalista as trabalhadoras domésticas que trabalham em apenas uma residência e de
diaristas as que trabalham em mais de uma.
Gráfico 16 - Distribuição percentual das trabalhadoras domésticas segundo o número de domicílios em que o
serviço é prestado e o vínculo de trabalho, Brasil, 1992-2008
0,0
1992 1993 1995 1996 1997 1998 1999 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008
Ano
Gráfico 17 - Distribuição percentual das trabalhadoras domésticas segundo o número de domicílios em que o serviço
é prestado e o vínculo de trabalho, Rio de Janeiro, 1992-2008
40,0
2004, a PNAD passou a
27,5 27,6 27,3 28,9 28,3 29,0 28,5
26,4 24,3 25,0 26,6 contemplar a população rural de
30,0 22,1 22,9 24,1 Rondônia, Acre, Amazonas,
21,4
Roraima, Pará e Amapá. (3) Os
microdados dos anos 2000 foram
20,0 27,4 24,7
24,6 25,5 25,7 reponderados para acompanhar
22,6 23,7 23,6 22,8
22,2 21,5 20,4 os de 2008. (4) Foram excluídos
10,0 18,2 18,9
16,5 os ignorados
0,0
1992 1993 1995 1996 1997 1998 1999 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008
Ano
88
1992 a 2008, a mensalista sem carteira assinada teve uma queda de 17 pontos
percentuais, a diarista um aumento de 10 e a mensalista com carteira assinada de 7. Já
no Rio de Janeiro, para o mesmo intervalo, a mensalista sem carteira assinada diminuiu
13,9 pontos percentuais, a diarista teve um aumento de 7,5 e a mensalista com carteira
assinada de 6,4.
Entre esses seis processos de mudança em curso, esta dissertação tem buscado
problematizar e aprofundar o crescimento do número de diaristas. Essa mudança ocupa
lugar central no esforço reflexivo realizado neste trabalho. Sendo assim, passemos para
o terceiro objetivo deste capítulo: comparar quantitativamente empregadas domésticas e
diaristas, para perceber o que mais as diferencia além da quantidade de residências em
que prestam seus serviços.
89
ocupacionais, demonstraram que quanto à cor/raça, as diaristas51 são mais brancas do
que as domésticas polivalentes; quanto à idade, são mais velhas; quanto à escolaridade,
são menos escolarizadas; quanto à carteira de trabalho assinada, são menos
formalizadas; quanto à previdência, contribuem menos; quanto à renda, ganham mais,
tanto na renda média mensal quanto na renda média por hora trabalhada; e quanto à
jornada de trabalho, trabalham menos.
Dos estudos que utilizaram a segunda possibilidade de diferenciação, ou seja, o
número de domicílios em que o trabalho é realizado, talvez o mais completo seja o do
Dieese (2006). O Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos
trabalhou com dados da Pesquisa de Emprego e Desemprego (PED), que, como vimos,
abarca algumas regiões metropolitanas do Brasil52.
Os resultados, referentes aos anos de 2003 e 2004, apontaram várias diferenças a
partir das formas de contratação: as diaristas trabalham bem menos horas semanais do
que as empregadas mensalistas; têm o rendimento médio mensal menor, mas o maior
rendimento médio por hora; são mais velhas; e menos escolarizadas. Seade (2007 e
2009), também utilizando a PED, mas focando apenas a região metropolitana de São
Paulo e trabalhando com os anos de 2005-2006 e 2007-2008, chegou às mesmas
conclusões.
Já Myrrha e Wajnman (2008), analisando os dados das PNADs de 1992, 1998 e
2004; e IPEA (2009), tendo como base a PNAD 2008; ratificaram quase as mesmas
diferenças entre diaristas e empregadas domésticas: aquelas estabelecem menos vínculo
formal; são mais velhas; são ligeiramente menos escolarizadas; e têm maior rendimento
médio não apenas por hora, mas mensal.
Dessa forma, o único dado em que há divergência entre os pesquisadores é
quanto à renda média mensal. Para Melo (2000), Myrrha e Wajnman (2008), e IPEA
(2009), as diaristas têm uma renda média mensal maior do que a das empregadas
domésticas; já para Dieese (2006), e Seade (2007 e 2009), essa renda é menor. Tal
diferença está relacionada ao fato de que os primeiros analisaram dados do Brasil como
um todo, enquanto os últimos estudaram regiões metropolitanas específicas. A
comparação entre esses autores demonstrou que, de fato, diaristas e empregadas
51
O grupo analisado por Melo é, na verdade, constituído por diaristas, faxineiras, lavadeiras e
passadeiras.
52
Nesse trabalho especificamente as regiões metropolitanas estudadas foram Belo Horizonte, Distrito
Federal, Porto Alegre, Recife, Salvador e São Paulo.
90
mensalistas se diferenciam segundo algumas características sócio-econômicas, que, na
maior parte dos casos, mostraram-se ponto pacífico entre eles.
Como acompanhamos, enquanto um grupo de pesquisadores realizou a
comparação diferenciando diaristas e empregadas domésticas polivalentes por meio dos
subgrupos ocupacionais, um outro grupo o fez diferenciando diaristas e empregadas
mensalistas por meio da aproximação possível pela quantidade de domicílios em que o
serviço é prestado. Neste ponto do capítulo, compararemos estatisticamente empregadas
e diaristas nos valendo, ao mesmo tempo, das duas formas de diferenciação, objetivando
realizar a comparação mais precisa possível.
Para isso, utilizaremos a PNAD 2001, pois foi a última em que ainda era
possível fazer a diferenciação segundo subgrupos ocupacionais, que é a que mais se
aproxima de como efetivamente os trabalhadores domésticos estão divididos quanto às
atividades que realizam. Nesse sentido, a comparação será entre os códigos 804
(diarista, faxineira) e 807 (empregada doméstica polivalente - não especializada). Após
realizar essa desagregação, ainda procederemos outra: deixaremos apenas as diaristas
que disseram trabalhar em mais de uma residência e as empregadas polivalentes que
disseram trabalhar em apenas uma residência.
Com esses cuidados metodológicos, empregando as duas possibilidades de
diferenciação simultaneamente, buscamos realizar uma comparação bem delimitada,
analisando as diferenciações sócio-econômicas entre empregadas domésticas
polivalentes que trabalham em um domicílio e diaristas que trabalham em mais de um.
Ou seja, o foco estará na doméstica polivalente que realiza as tarefas domésticas de uma
maneira geral e na diarista faxineira, que faz apenas a limpeza da residência.
Iniciando a comparação, o primeiro aspecto a ser analisado é a questão da cor ou
raça (tabela 21). No Brasil, a doméstica polivalente é predominantemente negra
(58,1%)53, já a diarista é majoritariamente branca (55,3%). No estado do Rio de Janeiro,
há uma proporção um pouco maior de diaristas brancas (41,9%) do que de domésticas
polivalentes brancas (37,9%), mas ambas são em sua maioria negras, respectivamente,
58,1% e 61,9%.
53
Caso consideremos negros como a soma de pretos e pardos.
91
Tabela 21: Comparação entre empregadas polivalentes e diaristas por cor ou raça (%),
Brasil e Rio de Janeiro, 2001.
Brasil Rio de Janeiro
Cor ou raça Doméstica Diarista/ Doméstica Diarista/
polivalente faxineira polivalente faxineira
Branca 41,5 55,3 37,9 41,9
Preta 10,1 12,9 27,9 25,0
Parda 48,0 31,1 34,0 33,1
Amarela 0,1 0,3 0,0 0,0
Indígena 0,1 0,3 0,0 0,0
Total 100,0% 100,0% 100,0% 100,0%
Fonte: IBGE. Microdados da PNAD 2001. Elaboração própria.
Obs.: Foram omitidos da tabela os sem declaração, mas eles constam no total.
Tabela 22: Comparação entre empregadas polivalentes e diaristas segundo a faixa etária
(%), Brasil e Rio de Janeiro, 2001.
Brasil Rio de Janeiro
Faixas de idade Doméstica Diarista/ Doméstica Diarista/
(anos) polivalente faxineira polivalente faxineira
10 a 15 3,4 0,5 0,5 0,0
16 a 17 4,8 0,8 1,0 1,0
18 a 24 22,0 6,7 11,9 5,2
25 a 29 14,5 12,9 14,0 10,4
30 a 44 37,0 52,5 40,6 48,7
92
45 a 59 15,6 23,3 25,9 27,4
60 ou mais 2,8 3,3 6,1 7,3
Total 100,0% 100,0% 100,0% 100,0%
Fonte: IBGE. Microdados da PNAD 2001. Elaboração própria.
Obs.: Foram excluídos os ignorados.
93
polivalentes têm carteira de trabalho assinada, as diaristas são apenas 4,8%. Já no estado
do Rio de Janeiro, enquanto 42,2% das domésticas polivalentes têm carteira assinada, as
diaristas são 2,6%. Como fica claro, a percentagem de diaristas formalizadas é bem
pequena, mas existe, pois não há nenhum impedimento para que mesmo elas
trabalhando em várias residências, um dos empregadores mantenha a carteira assinada.
Podemos aproveitar a questão da formalização para comparar as possibilidades
de se lhe dar com os dados sobre o serviço doméstico nas PNADs. Caso a diarista fosse
analisada para 2001 utilizando apenas o critério dos subgrupos ocupacionais,
encontraríamos para o Brasil o dado de que 8,6% delas têm carteira de trabalho
assinada. Se empregássemos apenas o critério do número de domicílios em que o
serviço é prestado, chegaríamos à conclusão que 13,5% delas possuem carteira assinada.
Nesse sentido, os resultados da tabela 24 são adequados para mostrar que a
forma de comparar empregadas e diaristas, realizada neste ponto, ou seja, conjugando
simultaneamente as duas possibilidades de diferenciação, parece ser a mais bem
delimitada e precisa. Para o Brasil, o resultado encontrado foi o de que 4,8% das
diaristas têm carteira de trabalho assinada, informação bastante coerente com o tipo de
relação estabelecida por esse grupo de prestadoras de serviço. Mas, infelizmente, o ano
de 2001 é o último a permitir a complementação entre os dois critérios. A partir dele,
apenas o segundo passou a ser possível, forçando-nos a trabalhar com aproximações.
Sendo tão pequeno o número de diaristas com carteira assinada, cabe verificar a
questão da proteção social, que, em algum nível, pode ser medida pela proporção de
contribuição à previdência. Contribuir por conta própria pode indicar até que ponto a
autonomia tem sido vivenciada por essas trabalhadoras. No Brasil, segundo a PNAD
2001, 32,0% das domésticas polivalentes e 11,7% das diaristas são contribuintes. No
Rio de Janeiro, são 46,1% das domésticas polivalentes e 13,3% das diaristas. Isso
significa que uma parcela das que não estão asseguradas via carteira, ainda não muito
grande, faz a contribuição individual.
94
Com carteira de 30,5 4,8 42,2 2,6
trabalho assinada
Sem carteira de 69,5 95,2 57,8 97,4
trabalho assinada
Total 100,0% 100,0% 100,0% 100,0%
Fonte: IBGE. Microdados da PNAD 2001. Elaboração própria.
Tabela 25: Comparação entre empregadas polivalentes e diaristas segundo o seu local
de residência (%), Brasil e Rio de Janeiro, 2001.
Brasil Rio de Janeiro
Doméstica Diarista/ Doméstica Diarista/
polivalente faxineira polivalente faxineira
Reside na casa em 11,1 0,3 9,1 0,0
que trabalha
Reside fora da casa 88,9 99,7 90,9 100,0
em que trabalha
Total 100,0% 100,0% 100,0% 100,0%
Fonte: IBGE. Microdados da PNAD 2001. Elaboração própria.
95
49,4% mais de 40 horas em diante, as diaristas são 81,0% que trabalham até 40 horas
semanais e 19,0% acima de 40.
96
Tabela 27: Comparação entre empregadas polivalentes e diaristas segundo as faixas de
rendimento (%), Brasil e Rio de Janeiro, 2001.
Brasil Rio de Janeiro
Faixas de rendimento Doméstica Diarista/ Doméstica Diarista/
(em salários mínimos) polivalente faxineira polivalente faxineira
Sem remuneração 0,7 0,2 0,3 0,0
Até 1/2 19,9 12,0 4,0 7,4
Mais de 1/2 a 1 46,4 28,7 39,0 21,0
Mais de 1 a 2 28,1 40,0 47,5 42,4
Mais de 2 a 4 4,8 16,9 8,8 21,9
Mais de 4 0,2 2,2 0,4 7,4
Total 100,0% 100,0% 100,0% 100,0%
Fonte: IBGE. Microdados da PNAD 2001. Elaboração própria.
Obs.: (1) Não foram incluídos os trabalhadores domésticos sem declaração de renda. (2) Salário mínimo
de 2001: R$ 180,00.
97
capacidade de preencher seus dias da semana com a maior quantidade possível de
diárias, de forma a otimizar seu tempo disponível.
Porém, se a diarista ganha mais e trabalha menos, as trabalhadoras domésticas
estariam preferindo se apresentar ao mercado dessa maneira? Isso altera as relações de
trabalho ou modifica o elo afetivo estabelecido com a família empregadora, aspecto
muito ressaltado pela literatura sociológica que analisou essa ocupação? É esse o tipo de
discussão presente no próximo capítulo, cujo foco é a percepção das próprias
trabalhadoras domésticas sobre esta divisão cada vez mais visível no serviço doméstico:
entre a empregada mensalista e a prestadora autônoma de serviço.
98
CAPÍTULO III – OS MARCADORES DA DIFERENÇA: AS PERCEPÇÕES
DAS TRABALHADORAS DOMÉSTICAS CARIOCAS SOBRE A DISTINÇÃO
ENTRE SER EMPREGADA OU DIARISTA
99
entrevistas a serem realizadas com trabalhadoras de sete bairros: Leblon, Flamengo,
Laranjeiras, Jardim Botânico, Copacabana, Botafogo e Catete.
Para sermos mais precisos, no total foram quatro redes abertas, pois algumas
delas acabaram sendo desfeitas pela falta de uma nova indicação ou por recusa ao
convite, mas outras permaneceram abertas e com muitas ramificações mesmo após o
término da pesquisa. As entrevistas com as trabalhadoras domésticas que deram início
às redes foram sempre eliminadas, pois elas haviam sido indicadas por pessoas de nosso
conhecimento pessoal, as próximas foram consideradas e tornaram-se a fonte das
análises aqui presentes.
Ao todo, foram realizadas dezesseis entrevistas, que, é importante frisar,
transcrevemos tendo o cuidado de manter as falas da maneira como elas foram
expressadas. Nesse sentido, almejamos alcançar a maior fidelidade possível tanto em
relação ao conteúdo, ou seja, o que foi dito pelas entrevistadas, quanto à forma como
isso foi feito (registros de linguagem, dúvidas, silêncios, choros...).
O nosso objetivo para tornar a comparação possível era entrevistar determinado
número de diaristas e de empregadas polivalentes, justamente os dois subgrupos no
interior do serviço doméstico com a maior participação de mulheres. Mas ao começar a
realização desse intento, ficou claro que não seria fácil cumprir esse objetivo sem
explicitar a partir de qual parâmetro estaria sendo definido o que é a diarista e o que é a
empregada, pois as trabalhadoras domésticas têm, por vezes, como veremos adiante,
uma concepção particular a respeito disso. Dessa forma, qual critério seria utilizado?
Para frisar a dificuldade enfrentada, podemos citar o caso de uma entrevistada
que trabalhava em duas residências, duas vezes na semana em uma e três vezes na
semana na outra, contribuía como autônoma para o INSS, mas fazia “tudo” na casa.
Então, ela considerava-se empregada doméstica e não diarista. Se essa mesma situação
fosse analisada do ponto de vista da doutrina e da jurisprudência, possivelmente ela
seria considerada prestadora autônoma de serviço. Portanto, em vista dos múltiplos
critérios possíveis, nem sempre convergentes, não caberia a priori, antes das entrevistas,
nos posicionarmos por algum deles, ao risco de não aproveitar adequadamente a riqueza
empírica disponível.
Sendo assim, optamos por entrevistar trabalhadoras domésticas que prestam
serviço em apenas uma casa e outras que prestam em mais de uma. A partir desse
recorte inicial, mais simples, pelo número de residências em que o trabalho é realizado,
poderíamos vislumbrar mediante quais critérios as identidades de empregada e diarista
100
são contruídas pelas próprias trabalhadoras domésticas e se o número de residências é
uma dimensão importante ou não, à semelhança do entendimento legal. Para isso,
comecemos apresentando os perfis e histórias de vida das trabalhadoras domésticas
cariocas entrevistadas, de forma a nos aproximarmos de quem elas são, para depois
buscarmos compreender o que elas pensam.
101
Quadro 2: Perfil das trabalhadoras domésticas entrevistadas que prestam serviço em apenas um domicílio
Marluce Creusa Marcelina Mariluce Albanice Aparecida Rosângela Gilmara
Data da 18/04/09 18/04/09 17/10/09 09/11/09 26/11/09 03/12/09 10/12/09 17/12/09
entrevista
Idade 42 anos 28 anos 66 anos 44 anos 33 anos 50 anos 48 anos 38 anos
Estado civil Separada Solteira Separada Casada Solteira Viúva Casada, mas Solteira
não
legalmente
Naturalidade Rio de Bahia Rio de Janeiro Mato Grosso Paraíba Minas Gerais Rio de Rio de
Janeiro - do Sul Janeiro Janeiro, São
Itaperuna João de
Meriti
Localidade Belford Roxo Estácio Centro (Bairro Lapa Parada de Del Castilho Campo Mesquita,
na qual de Fátima) Lucas Grande Baixada
reside Fluminense
Condição do Próprio Alugado Alugado Cedido pelo Próprio Alugado Alugado Próprio
imóvel patrão do
marido
enquanto
trabalhar para
ele como
102
motorista
Dorme na Sim Não Não Não Não Não Não Sim
casa em que
trabalha
Escolaridade Ensino Ensino Ensino Está cursando Ensino Ensino Sem Ensino Médio
fundamental Médio fundamental o 2º ano do Fundamental Fundamental instrução. completo
incompleto completo incompleto (7ª Ensino incompleto incompleto Pouco sabe
(3ª série) série) Médio à noite (4ª série) (1ª série) ler e escrever
Filhos Uma filha Não Uma filha e Um filho Uma filha Uma filha e Três filhas Não
um filho um filho
Idade dos 28 anos A filha tem 34 12 anos 13 anos A filha tem 7, 19 e 30
filhos - anos e o filho 27 anos e o anos -
tem 24 filho tem 23
Ocupação Dona de casa A filha é Estudante Estudante A filha é A mais velha
dos filhos formada em atendente de é professora,
Engenharia de loja e o filho mas trabalha
- Produção e o ainda não para uma -
filho faz trabalha operadora de
faculdade de telefonia; e a
Educação de 19 está
Física desempregada
103
Localidade Belford Roxo Catete (na Lapa No estado da Del Castilho Campo
na qual os - casa em que Paraíba Grande -
filhos ela trabalha)
residem
Bairro(s) Botafogo Botafogo Catete Leblon Laranjeiras Flamengo Flamengo Flamengo
onde
trabalha
atualmente
Número de Uma Uma Uma Uma Uma Uma Uma Uma
residências
onde presta
serviço
Número de 6 dias 5 dias 6 dias 5 dias 6 dias 5 dias 5 dias 5 dias
dias em que
trabalha na
semana
Jornada 17 horas 8 horas 12 horas (aos 9 horas 9 horas 7 horas 14 horas 12 horas
diária de sábados são 7
trabalho horas)
Carteira de Sim Sim Não. Ela já Sim Sim Sim Não Sim
trabalho está
104
assinada aposentada
Renda R$ 1.200,00 R$ 512,00 R$ 513,00 R$ 800,00 R$ 600,00 R$ 600,00 R$ 465,00 R$ 900,00
mensal
advinda
deste
trabalho
Renda R$ 1.200,00 R$ 512,00 Em torno de R$ 800,00 R$ 600,00 R$ 1690,00 R$ 665,00 R$ 900 + 300
mensal total R$ 900,00 (salário + (salário + + 300 =
(salário + pensão que o venda de 1500,00
aposentadoria) marido salgadinhos (Salário +
deixou) por aluguel de
encomenda) apartamento
em Pilares +
20% do que a
Igreja em que
ela é pastora
arrecada,
valor que é
muito
variável)
Sindicalizada Não Não Não Não Não Não Não Não
105
Quadro 3: Perfil das trabalhadoras domésticas entrevistadas que prestam serviço em mais de um domicílio
Valdenice Maria das Maria do Maria Edna Elisabete Maria de Maria José
Graças Desterro Lurdes
Data da 11/11/09 16/11/09 21/11/09 24/11/09 01/12/09 18/01/10 09/03/10 16/03/10
entrevista
Idade 38 anos 59 anos 41 anos 50 anos 43 anos 42 anos 47 anos 45 anos
Estado civil Casada, mas Viúva Casada Separada Casada Casada, mas Separada Separada
não não
legalmente legalmente
Naturalidade Pernambuco Espírito Paraíba Alagoas Rio de Paraíba Sergipe Maranhão
Santo Janeiro
Localidade Rocha Jardim Leblon Pavuna Campo Rio das Piabetá, Magé Costa Barros
na qual Miranda Primavera, Grande Pedras
reside em Duque de
Caxias
Condição do Alugado Próprio Cedido Próprio Alugado Alugado Próprio Próprio
imóvel enquanto o
marido
trabalhar
como
porteiro do
106
prédio
Dorme em Não Às vezes, Não Não Não Não Sim Não
alguma das para
casas em que economizar
trabalha 19 reais de
passagem por
dia
Escolaridade Ensino Ensino Ensino Ensino Ensino Sem Ensino Ensino
fundamental fundamental fundamental Médio Médio instrução. fundamental fundamental
incompleto completo incompleto completo completo Pouco sabe incompleto (4ª incompleto
(5ª série) (4ª série) ler e escrever série) (2ª série)
Filhos Três filhas e Dois filhos Uma filha Uma filha e Duas filhas e Duas filhas Uma filha e Duas filhas
um filho dois filhos um filho um filho
Idade dos O filho tem 30 e 32 anos 11 anos Os filhos têm As filhas têm 15 e 19 anos A filha tem 27 18 e 25 anos
filhos 16 anos, a 22 e 24 anos 20 e 22 anos anos e o filho
filha mais e a filha tem e o filho tem tem 25 anos
velha tem 18 18 anos 15 anos
e as filhas
menores, que
são gêmeas,
têm 12
107
Ocupação Estudantes Os dois são Estudante Um filho Uma filha é A mais velha A filha é A filha mais
dos filhos motoristas de trabalha em operadora de não terminou vendedora e o velha
firma loja de telemarketing os estudos e é filho faz trabalha
roupas; o e a outra diarista; a serviços gerais. como
outro não trabalha mais nova é Estão manicure; a
trabalha; e a como estudante desempregados mais nova
filha trabalha vendedora de nunca
no shopping loja. O filho trabalhou
está no
Ensino
Médio
Localidade Rocha Jardim Leblon Pavuna Campo Rio das Piabetá, Magé Costa Barros
na qual os Miranda Primavera, Grande Pedras
filhos em Duque de
residem Caxias
Bairro(s) Laranjeiras e Leblon Jardim Laranjeiras e Barra da Barra da Jardim Barra da
onde Tijuca Botânico e Leblon Tijuca, Tijuca e Botânico, Tijuca,
trabalha Leblon Flamengo, Copacabana Lagoa e Botafogo,
atualmente Leblon e Laranjeiras Copacabana e
Tijuca Leblon
Número de Três Duas Duas Quatro Cinco Duas Três Cinco
108
residências
onde presta
serviço
Número de 5 dias (1ª 3 dias (1ª 4 dias (1ª 5 dias (1ª 7 dias (1ª 5 dias (1ª 6 dias (1ª casa: 6 dias (1ª
dias em que casa: 4 dias; casa: 2 dias; casa: 3 dias; casa: 2 dias; casa: 2 dias; casa: 3 dias; 5 dias; 2ª e 3ª casa: 2 ou 3
trabalha na 2ª e 3ª casas: 2ª casa: 1 dia) 2ª casa: 1 dia) 2ª, 3ª e 4ª 2ª, 3ª e 4ª 2ª casa: 2 casas: uma vez dias; 2ª e 3ª
semana uma vez a casas: 1 dia casas: 1 dia dias) a cada quinze casas: 1 dia
cada quinze em cada uma em cada uma; dias) em cada uma;
dias) e 5ª casa: 2 e 4ª e 5ª
dias casas: uma
vez a cada
quinze dias
Jornada 8 horas 12 horas 9 horas 8 horas 8 horas e 12 horas Na 1ª casa: 16 9 horas
diária de meia horas; na 2ª e
trabalho 3ª: 6 horas
Carteira de Sim (na casa Não Não Não Não Não Sim (na casa Não
trabalho em que em que
assinada trabalha 4 trabalha 5 dias)
dias)
Renda 1ª casa: R$ 1ª casa: R$ 1ª casa: R$ 1ª casa: R$ 1ª casa: R$ 1º casa: R$ 1ª casa: R$ 1ª casa: R$
mensal 600,00; 2ª 640,00; 2ª 840,00; 2ª 560,00; 2ª 513,00; 2ª 450,00; 2ª 750,00; 2ª 700,00; 2ª
109
advinda casa: R$ casa: R$ casa: R$ casa: R$ casa: R$ casa: R$ casa: R$ casa: R$
deste 140,00; 3ª 320,00 280,00 280,00; 3ª 320,00; 3ª 300,00 180,00; 3ª 300,00; 3ª
trabalho casa: R$ casa: R$ casa: R$ casa: R$ casa: R$
140,00 280,00; 4ª 320,00; 4ª 200,00 280,00; 4ª
casa: R$ casa: R$ casa: R$
280,00 320,00; 5ª 140,00; 5ª
casa: R$ casa: R$
700,00 140,00
Renda R$ 880,00 R$ 960,00 R$ 1120,00 R$ 1400,00 R$ 2173,00 R$ 750,00 R$ 1130,00 R$ 1560,00
mensal total (no serviço
doméstico) +
R$ 230,00
(limpeza de
roupas) =
1190,00
Sindicalizada Não Não Não Não Não Não Não Não
110
3.2 – Histórias de vida: entre panelas, bonecas e vassouras
111
marcos, referentes à forma como elas se relacionaram com os afazeres domésticos desde
a infância até a idade adulta, apresentaram uma regularidade ao longo das entrevistas.
Dessa forma, esses três momentos representam as linhas que tecem a narrativa comum a
muitas trabalhadoras domésticas brasileiras.
Embora a escolha dessas três linhas narrativas, que nos pareceram relevantes em
seus discursos ao refletirem sobre fatos vividos, não signifique, em hipótese nenhuma,
que outras não possam ser mobilizadas com o mesmo intuito. Esses três marcos,
abordados a seguir, comuns a muitas das trajetórias, parcialmente vivenciados na
infância, e relativos aos afazeres domésticos, são: 1º) A “ajuda” em seu próprio lar
desde a infância; 2º) Ir morar/trabalhar na casa de terceiros ainda criança; 3º) Seguir
permanentemente na ocupação que lhe foi direcionada desde muito pequena.
112
Eu trabalhava na roça, ajudava a minha mãe que tinha muito filho. Tinha que
cuidar dos outros mais novos. Às vezes eu levava para o colégio comigo para
não ter que perder aula. Era o maior sacrifício (Albanice, trabalhadora em
apenas um domicílio, 33 anos, natural da Paraíba).
Sabe o que é isso? Plantar cana, plantar feijão, cortar cana, plantar capim. Tudo
isso. Serviço de roça mesmo (Maria, trabalhadora em quatro domicílios, 50
anos, natural de Alagoas).
Em muitos casos, em vista de a mãe trabalhar fora, bem como as irmãs mais
velhas, a “ajuda” transformava-se em total responsabilidade pelos afazeres domésticos e
pelo cuidado dos irmãos menores:
Eu sempre fiz tudo. A minha irmã já trabalhava. Eu era a única filha que ficava
em casa. Eu tinha uma irmã pequenininha. Então, eu é que fazia tudo. Eu
cuidava dela, fazia a comida, limpava a casa, porque a minha mãe também saía
pra trabalhar (Mariluce, trabalhadora em apenas um domicílio, 44 anos, natural
do Mato Grosso do Sul).
A minha infância foi um pouco difícil. Eles [os pais] não tinha muito recurso.
Estudar também era difícil. A gente estudava numa casa, sabe, no interior,
casa, as professora dava aula em casa. Aí depois acabou, aí fez um grupo, mas
era longe. Então, ficou difícil, aí paramos de estudar (Aparecida, trabalhadora
em apenas um domicílio, 50 anos, natural de Minas Gerais).
113
3.2.2 – Do lar à casa de terceiros: mais do que uma “ajuda”
Uma infância muito difícil, muito pobre. O meu pai morreu logo cedo. Eu era a
mais velha, fiquei com seis anos, tive que trabalhar. Fui criada na casa dos
outros. Foi muito difícil, muito difícil mesmo. Quando não estava na casa dos
outros, estava trabalhando na roça (Maria, trabalhadora em quatro domicílios,
50 anos, natural de Alagoas).
Sem pai, sem mãe, sozinha no mundo. Meu pai faleceu, eu ia fazer sete anos; e
a minha mãe, quando eu ia completar oito anos, passou por um derrame e ficou
em cima de uma cama, paralisada. Então, eu é que tive que me virar sozinha.
Eu tive que trabalhar com oito anos para poder ajudar a minha mãe (Maria de
Lurdes, trabalhadora em três domicílios, 47 anos, natural de Sergipe).
Já no caso de Mariluce, aos doze anos de idade, com a morte de sua mãe, e como
o pai já havia falecido, ela ficou órfã. Foi nessa época que o serviço doméstico na casa
de terceiros passou a fazer parte de sua trajetória. Ela foi morar/trabalhar na casa da
irmã da patroa de sua irmã mais velha, ajudando a empregada doméstica da família.
Depois que ela faleceu que eu fui morar nessa casa e aí eu comecei a trabalhar.
Ela me dava um dinheiro, me dava roupa, aí eu ficava lá trabalhando. Eu
limpava quintal, molhava as plantas. Não era trabalho muito forçado não, e ela
me dava a oportunidade de eu estudar (Mariluce, trabalhadora em apenas um
domicílio, 44 anos, natural de Mato Grosso do Sul).
114
Além da situação de morte, há também a de abandono, como ocorreu com
Rosângela e seus seis irmãos:
A minha mãe deixou a gente, e o meu pai morava com a minha madrasta. A
minha avó levou a gente pra casa do meu pai. Aí meu pai saiu dando um pra
um e um pra outro. Eu fui parar na casa dessa minha mãe de criação, porque
ela tinha uma lavadeira, dona Maria, não sei se é viva, não sei se é morta, e ela
me levou para a casa dela (Rosângela, trabalhadora em apenas um domicílio,
48 anos, natural do Rio de Janeiro).
Elas [as tias] me davam as coisas em troca, assim, me dava roupa, calçado,
uma coisa que eu queria, que meus pais não podiam me dar. Eu ajudava primos
que tinha condição melhor do que a gente. Então, podia pagar a gente, dar as
coisas pra gente, porque muito filho pra minha mãe (Maria do Desterro,
trabalhadora em dois domicílios, 41 anos, natural da Paraíba).
Essa mesma situação foi vivenciada por Creusa, cujos pais, que tinham oito
filhos, resolveram atender aos pedidos da tia materna, que era mãe de um bebê de dois
meses, e levá-la, com apenas cinco anos de idade, para morar definitivamente na casa
dela, em outra cidade. Somente no final do ano era possível reencontrar os pais e ter
algum contato com os irmãos, como ela nos contou:
Quando eu fui pra lá, ela não tinha nenhum filho...Só tinha um filho. Aí quando
eu saí, tinha seis já. Eu praticamente cuidava da casa, das crianças. Ela saía de
manhã, chegava de noite. Eu que cuidava da casa. O esposo dela sempre
trabalhou assim fora. Aí, eu que ajudava ela (Creusa, trabalhadora em apenas
um domicílio, 28 anos, natural da Bahia).
115
A minha infância foi trabalhando desde os meus 13 anos. Eu comecei a
trabalhar em um sítio, em casa de família mesmo, para ajudar meus pais. Eu
me apressei para sair, via a situação. Saí de casa para trabalhar, só que também
era uma coisa muito pouca. Minha mãe dizia assim: a gente trabalha pela
comida. Então, foi por aí que eu comecei (Elisabete, trabalhadora em dois
domicílios, 42 anos, natural da Paraíba).
Com oito anos eu fui brincar com criança, como se fosse babá. Eu ficava na
casa e só voltava no sábado. Foi uma experiência ruim, porque uma criança
cuidar de outras crianças é bem complicado. É uma responsabilidade muito
grande. Não foi uma boa experiência, não. Isso é uma vaga lembrança na
minha cabeça, porque também eu era muito pequena, é uma lembrança bem
distante (Maria de Lurdes, trabalhadora em três domicílios, 47 anos, natural de
Sergipe).
Depois fui para outra. A senhora era muito ruim: maltratava, não deixava eu
comer. Ela viajava e não deixava comida. Eu agüentei lá um ano mais ou
menos. Aí eu pedi para sair, e ela não queria deixar eu sair, porque eu sou
muito calma. Aí ela conversou com o meu pai. Todo mundo falava que a culpa
era minha. Aí botaram uma irmã minha lá, e ela também não agüentou
(Albanice, trabalhadora em apenas um domicílio, 33 anos, natural da Paraíba).
116
não estudam, entre as outras trabalhadoras o percentual baixa para 17,6%. Esse
quadro repete-se em todas as regiões do país (SABÓIA, 2000: 13).
Nem sempre em toda a casa de família a gente podia estudar. Por exemplo, eu
ficava meses numa casa. Vamos supor, eu ficava três, quatro meses numa casa,
aí eu estudava. Aí não dava certo, saía. Arranjava outro que não podia estudar.
Ficava aquela coisa maluca (Maria do Desterro, trabalhadora em dois
domicílios, 41 anos, natural da Paraíba).
Não podia estudar. Nessa casa que eu fiquei de babá, eles nem me proibiram de
estudar. O negócio é que eles chegavam muito tarde do trabalho e não tinha
mais horário pra mim sair pra estudar. Nas outras, não. Eles não queriam nem
saber de nada. Eles só queriam saber que aquela pequenina estava lá para
cozinhar, pra arrumar e pronto (Maria José, trabalhadora em cinco domicílios,
45 anos, natural do Maranhão).
Dessa forma, essa segunda linha narrativa possível de ser mobilizada para
explicar a história de vida das trabalhadoras domésticas entrevistadas, mostrou-nos que
a saída do lar para a casa de terceiros, parentes ou não, durante a infância e a pré-
adolescência, foi um condicionamento social importante, que indicava, desde muito
cedo, o caminho a ser percorrido na fase adulta.
Essa estratégia de sobrevivência da família por meio da socialização de suas
meninas no serviço doméstico realizado em casa de terceiros acabava por realimentar a
condição de pobreza, reproduzida entre as gerações:
117
produtos que até então desconheciam; estarem inseridas em uma rede de relações de
demanda e oferta de afazeres domésticos, a partir da qual podiam ser indicadas para
outras casas; fazerem parte de famílias com baixo poder aquisitivo; e, principalmente,
terem pouca educação formal, por conta das dificuldades, e até mesmo
impossibilidades, de conciliarem a “ajuda” em casas de família com o estudo escolar. É
esse o contexto que dá origem à terceira etapa desse percurso, abordada adiante.
É nessa etapa que a migração aparece como fator importante, pois foi na
adolescência que a maioria das trabalhadoras domésticas de outros estados veio
trabalhar e morar no Rio de Janeiro. Em todos os casos analisados, havia irmãos,
primos, tios já estabelecidos na cidade e era o apoio dessa rede que permitia que elas
viessem com maior segurança, muitas vezes com a garantia de um serviço54. As recém
chegadas, geralmente, procuravam dormir na casa dos patrões, pois assim as suas duas
preocupações iniciais, trabalho e moradia, estariam simultaneamente resolvidas
(BARBOSA, 2000).
Na cidade do Rio de Janeiro, elas passaram pelo terceiro e último processo de
socialização referente aos serviços domésticos, que se somava ao realizado em seu
54
Esse é o chamado “trabalho por encomenda”, quando uma migrante é trazida de uma outra cidade ou
estado, acionando uma rede de relações que reservou a ela um emprego na casa de uma família que
justifica o deslocamento.
118
próprio lar e ao vivenciado na primeira casa em que “ajudavam” ainda crianças. Há a
necessidade de aprender a lidar com novos produtos, comidas e aparelhos, bem como
com códigos culturais e urbanos até então desconhecidos e próprios de cidades grandes:
Não é fácil você vir de um de lugar completamente diferente, você pode sair,
você conhece todo mundo. Aí você chega aqui na cidade grande. Eu tinha
medo até de entrar no elevador (Maria do Desterro, trabalhadora em dois
domicílios, 41 anos, natural da Paraíba).
119
3.3 – Os marcadores da diferença
A diarista, ela ganha por aquilo que faz. Empregada, ela geralmente ganha um
salário, é assalariada (Creusa, trabalhadora em apenas um domicílio, 28 anos,
natural da Bahia).
A empregada vai todo o dia, e a diarista vai um dia, realiza tudo que tem que
fazer e pronto (Maria do Desterro, trabalhadora em dois domicílios, 41 anos,
natural da Paraíba).
120
Já o terceiro critério, compartilhado por uma parte das trabalhadoras domésticas
entrevistadas, diz respeito ao tipo de atividade que é realizada para os empregadores,
aspecto pouco enfatizado do ponto de vista jurídico. Como vimos no capítulo 1, a
questão principal que diferencia o empregado doméstico do diarista, em termos da
doutrina e da jurisprudência majoritárias, é a natureza contínua presente no trabalho do
primeiro e a sua ausência no do segundo, que faz referência à freqüência com que o
trabalho é realizado, daí a relevância que ganha o número de dias semanais trabalhados.
Enquanto para os juízes as atividades realizadas no domicílio são apenas mais
um critério a ser pesado na balança que tende para o vínculo empregatício ou para a
autonomia; para as trabalhadoras entrevistadas, elas são muito mais relevantes e ocupam
lugar central na diferenciação. Na concepção delas, para distinguir empregado
doméstico de diarista, tão importante quanto o número de dias trabalhados em uma
mesma residência é o tipo de afazeres domésticos a ser realizado nela.
Nesse sentido, algumas trabalhadoras domésticas, mesmo trabalhando apenas
alguns dias semanais para uma família, não se consideram diaristas, mas empregadas
domésticas, pois realizam todas as tarefas da casa. É justamente esse o desafio de
compreender os marcadores da diferença: lidar com a heterogeneidade de relações de
trabalho possível, sempre mais rica do que as classificações que se busca estabelecer.
Dessa forma, é preciso estar atento para a gama de possibilidades existente além dos
modelos da empregada doméstica mensalista e da diarista faxineira.
Acompanhando alguns casos, é possível perceber por que o critério dos dias da
semana por si só não é suficiente na concepção de algumas trabalhadoras domésticas
que prestam serviço em mais de um domicílio. Maria das Graças, 59 anos, por exemplo,
trabalha em duas casas no Leblon. Na primeira, duas vezes por semana; na segunda,
uma vez. Em ambas recebe R$ 80,00 reais por dia, que apenas é pago junto ao final do
mês; trabalha das dez horas da manhã às dez da noite; e não tem vínculo empregatício.
Além disso, faz a contribuição ao INSS como autônoma, com um dinheiro que o patrão
da primeira casa oferece com esse objetivo. Como ela recebe por mês e realiza todas as
atividades domésticas, lava, passa, faz compras, cozinha e limpa, considera-se
empregada doméstica:
Eu nem sei se eu me considero uma diarista. O meu trabalho não é como uma
diarista. Eu não me considero uma diarista. Se eu fosse diarista...por exemplo,
eu estou aqui aí o meu patrão: ah, Graça, tem carne pronta? Tem isso, tem
aquilo. Eu vou jantar isso. Se eu tiver na rua: onde você está, dá pra você botar
a comida pra mim? Eu não vou falar que não. Então, são essas coisas. Eu não
121
me considero como diarista. Eu não fui contratada para fazer faxina. Eu fui
contratada para fazer esse serviço todo (Maria das Graças, trabalhadora em
dois domicílios, 59 anos, natural do Espírito Santo).
122
Retomando a questão da heterogeneidade, somente entre as dezesseis
entrevistadas pela presente pesquisa, já é possível identificar uma gama de
possibilidades de relações de trabalho doméstico. As oito que trabalham em apenas um
domicílio podem ser classificadas como empregadas domésticas mensalistas
polivalentes, sendo que duas dormem no trabalho e seis não. Já entre as oito que
trabalham em mais de um domicílio, a classificação é mais complicada, fazendo parte
desse grupo diaristas faxineiras, diaristas polivalentes, diaristas que são faxineiras em
algumas casas e polivalentes em outras, e empregadas domésticas mensalistas
polivalentes que são diaristas faxineiras nos dias de folga.
Mas apesar de todas essas possibilidades, quando as trabalhadoras domésticas
entrevistadas apresentaram as suas concepções sobre os marcadores da diferença foi
sempre tomando como referência os modelos da diarista faxineira e da empregada
doméstica mensalista polivalente. Reuniremos, então, mais elementos apontados por
elas como diferenciadores desses dois modelos. Para isso, analisaremos como as
trabalhadoras em apenas um domicílio pensam as diaristas faxineiras e como as
trabalhadoras em mais de um domicílio pensam as empregadas domésticas polivalentes,
pois quando elas se vêem é sempre em relação às outras, que funcionam como um
contraponto ao trabalho que realizam.
O primeiro marcador da diferença levantado pelas entrevistadas que trabalham
em apenas um domicílio, como forma de definirem o trabalho das diaristas, foi o
aspecto objetivo de elas prestarem serviço em muitos domicílios diferentes durante a
semana, de forma a preencherem seus horários da maneira financeiramente mais
vantajosa possível:
Diarista é você estar numa casa hoje no Flamengo, estar em outra casa no
Leblon, estar em outra casa na Barra da Tijuca. Isso é ser diarista. Não tem
vínculo empregatício. Hoje, eu soube até que a diarista precisa, eu vi uma
reportagem, se ela trabalha mais de duas vezes em uma casa, ela precisa ter a
carteira assinada. Eu ouvi uma reportagem assim, se eu não tiver enganada. A
diarista é isso, você não ficar em uma casa todos os dias. É você ter várias
casas dentro daquela semana (Gilmara, trabalhadora em apenas um domicílio,
38 anos, natural do Rio de Janeiro).
A diarista cada dia está na casa de um, na casa de outro. E a fixa está todo o dia
ali. A minha amiga fala que às vezes nem sabe qual é a casa que vai. Ela fica
toda atrapalhada, que eu acho que é três ou quatro casas que ela vai (Mariluce,
trabalhadora em apenas um domicílio, 44 anos, natural de Mato Grosso do
Sul).
123
Já as entrevistadas que trabalham em mais de um domicílio observaram, em
contraponto, que a empregada doméstica mantém seus serviços direcionados
unicamente para uma família:
A diarista trabalha e ganha por dia. A gente ganha por mês (Aparecida,
trabalhadora em apenas um domicílio, 50 anos, natural de Minas Gerais).
Uma faxineira, uma diarista, acho que ganha 80 reais por dia. Então, trabalhar
três vezes na semana, por mês tira muito mais do que eu tiro (Albanice,
trabalhadora em apenas um domicílio, 33 anos, natural da Paraíba).
Você arrumando umas cinco casas para você trabalhar de diarista, você tira
muito mais do que você trabalhar todo o dia e se estressa menos (Rosângela,
trabalhadora em apenas um domicílio, 48 anos, natural do Rio de Janeiro).
A diarista cada dia é uma casa, terminou o serviço já está com o dinheiro na
mão, sem contar que ganha mais. A empregada ganha menos, mas é certo
(Maria de Lurdes, trabalhadora em três domicílios, 47 anos, natural de
Sergipe).
124
Um quarto aspecto trazido pelas empregadas domésticas entrevistadas como
característica do serviço da diarista é o tipo de atividade que esta desempenha, na
perspectiva delas um trabalho de faxina, portanto, especializado:
Porque a diarista assim que ela chega na casa da patroa, ela passa um balde no
pano de chão dela, ela vai limpar. Acabou de limpar, acabou. Agora a gente
não, a fixa é a comida, tem um monte de coisas que a diarista não faz: roupa,
passar roupa, levar criança ao colégio, fazer comida. A diarista chega, é aquilo
ali, é só aquilo ali. É só pra limpar a casa, é só limpar a casa. Acabou, acabou.
E a gente não, a gente passa o dia inteiro tendo serviço, o dia todo tendo
trabalho (Marluce, trabalhadora em apenas um domicílio, 42 anos, natural do
Rio de Janeiro).
Ser empregada é mais tranqüilo, todo o dia a mesma casa, mas fazendo todas as
tarefas (Maria do Desterro, trabalhadora em dois domicílios, 41 anos, natural
da Paraíba).
A diarista trabalha muito. Ela tem que dar conta de dois quartos, três quartos, o
tamanho que seja a casa. Elas querem que dê conta num dia. Diarista é muito
cansativo. Você tem que dar conta, limpar janela, vidro, persiana, toda aquelas
coisa, e dar conta da casa. Isso aí você tem que ralar, nem tempo de respirar
não tem (Elisabete, trabalhadora em dois domicílios, 42 anos, natural da
Paraíba).
A diarista trabalha mais, pega serviço pesado, tem que fazer em um dia ou
dois. Eu não, cada dia eu faço uma coisa, faço outra, não tenho que fazer todo o
dia. Cada dia eu limpo uma parte, faço uma coisa (Albanice, trabalhadora em
apenas um domicílio, 33 anos, natural da Paraíba).
A diarista acabou o seu serviço, seja a hora que for, ela vai embora. E a outra
não, a doméstica, não, tem que ficar até a hora do jantar, arrumar a cozinha,
deixar tudo limpo (Marcelina, trabalhadora em apenas um domicílio, 66 anos,
natural do Rio de Janeiro).
125
Doméstica é direto, e a diarista é uma vez na semana, duas vezes, faz o seu
serviço e vai embora. A doméstica não, tem que cumprir o seu horário
(Albanice, trabalhadora em apenas um domicílio, 33 anos, natural da Paraíba).
Diarista você não tem 13º; se você não trabalhar, você não recebe, porque
geralmente é o dia que paga; e não tem férias também. Indo todo o dia você
tem o seu dinheiro, seu 13º, suas férias (Mariluce, trabalhadora em apenas um
domicílio, 44 anos, natural de Mato Grosso do Sul).
Fez a faxina, acabou, vai embora. Não recebe 13º, férias. E como empregada
doméstica recebe tudo isso, esses direitos (Valdenice, trabalhadora em três
domicílios, 38 anos, natural de Pernambuco).
Você chega pra trabalhar e não tem muito contato. Você vai pra trabalhar,
senão você não consegue fazer tudo em um dia só. A diarista não tem muito
contato com o patrão. É aquele contato de falar o que tem que fazer e pronto.
Aqui não, a gente já conversa, de manhã cedo eu converso com a minha patroa,
lê jornal, vê televisão (Mariluce, trabalhadora em apenas um domicílio, 44
anos, natural de Mato Grosso do Sul).
O ponto positivo de ser empregada é o seguinte: você é mais bem tratada como
fixa do que como faxineira. Eles não se preocupam muito com a faxineira. Para
mim, quando eu chego de manhã, meu cafezinho está quente me esperando, um
pãozinho. A outra...já não ligam pra outra. A outra traz o pão dela (Aparecida,
trabalhadora em apenas um domicílio, 50 anos, natural de Minas Gerais).
126
A diarista não dá atenção para o patrão. A empregada não, ela conversa,
conhece os familiares, participa da vida do patrão. Ali está o seu dia a dia. É ali
que você desabafa. É ali que você conversa. Torna-se uma família (Edna,
trabalhadora em cinco domicílios, 43 anos, natural do Rio de Janeiro).
127
totalmente nos modelos majoritários concebidos sobre o que é ser empregada ou
diarista. Porém, mais do que modelos, nesta parte o interesse está voltado para a forma
como o trabalho é realmente realizado segundo as entrevistadas e os dados
quantitativos.
O objetivo é discutir como está configurado o trabalho das trabalhadoras
domésticas que prestam serviço em mais de um domicílio em comparação com o das
que prestam em apenas um e analisar quais são as características que apresentam. As
relações de trabalho da diarista são mais informais, independentes, delimitadas,
controladas, racionais, impessoais e pouco afetivas quando comparadas com as da
empregada doméstica? Esses são os elementos que serão analisados a seguir, como
forma de debater essa questão.
3.4.1 – Informalidade
55
Para ler uma análise aprofundada sobre a noção de informalidade, ver Machado da Silva (2003).
56
Segundo a metodologia utilizada no último ponto do capítulo anterior, os grupos comparados foram as
empregadas polivalentes que disseram trabalhar em apenas uma residência e as diaristas que disseram
trabalhar em mais de uma.
128
De fato, há uma valorização das garantias que acompanham o vínculo
empregatício, tanto por parte das empregadas quanto das diaristas:
A única coisa que eu acho é que a empregada tem décimo, tem férias, não
trabalha feriado. E a diarista não tem nada disso; se você não trabalha, você
não ganha (Maria, trabalhadora em quatro domicílios, 50 anos, natural de
Alagoas).
Mas, como os benefícios atrelados ao vínculo não são equivalentes aos das
demais categorias profissionais57 e como a informalidade está presente fortemente no
emprego doméstico, a ida para a autonomia, em determinado sentido, não parece ser
interpretada por algumas trabalhadoras domésticas como uma ruptura tão grande:
Não vale a pena. Não tem direito a nada mesmo, só ao INPS. Então, eu não
quero mais ter carteira assinada (Maria das Graças, trabalhadora em dois
domicílios, 59 anos, natural do Espírito Santo).
Minhas férias é eu que faço. Se eu precisar viajar, eu vou na boa, elas são
muito legal. E quando eu acho alguém conhecida que possa cobrir os dias pra
mim, para a pessoa não ficar só, aí tudo bem, fica. Mas aí a pessoa que vai
trabalhar ganha, e eu não, porque eu vou tirar férias. É a gente que faz nossas
férias (Maria do Desterro, trabalhadora em dois domicílios, 41 anos, natural da
Paraíba).
Meus patrões me ajudam. Três me ajudam. Eles me dão todo o final do mês um
pouco, que eu junto e pago o meu INSS (Maria, trabalhadora em quatro
domicílios, 50 anos, natural de Alagoas).
Mesmo que eu não possa, eu venho. Eu não perco o dia. Há quinze dias atrás,
eu estava com o braço engessado. Trabalhei em quase todas as casas. E a casa
que eu não podia subir na janela pra limpar, eu contratei um carrapato para
fazer o meu serviço e eu paguei 50 reais a ela. Dinheiro não se perde. Nas casas
em que eu conseguia fazer as coisas com um pano e com o braço que eu posso,
eu fui numa boa. Não contratei ninguém pra não perder um centavo. Na casa
em que eu tinha que subir na janela, fazer outras coisas, aí eu tive que
57
Relembrando, os empregados domésticos ainda não têm direito a Fundo de Garantia do Tempo de
Serviço (FGTS), a Seguro-Desemprego, a benefício por acidente de trabalho, à hora extra, a adicional
noturno e à carga horária definida em lei.
129
contratar. Era para eu ganhar R$ 80, fiquei com R$ 30. A minha patroa foi
generosa por demais e me deu mais R$ 15. Eu fiquei com R$ 45, e ela com R$
50 (Edna, trabalhadora em cinco domicílios, 43 anos, natural do Rio de
Janeiro).
3.4.2 – Independência
130
Ah, não tem hora não. Eu vou de cinco e meia da manhã, eu vou até onze, a
hora que eu tô indo, não tem horário pra parar não (Marluce, trabalhadora em
apenas um domicílio, 42 anos, natural do Rio de Janeiro).
Em segundo lugar viria a mensalista externa, que é aquela que goza de algum
tipo de delimitação de suas horas de trabalho e que, geralmente, é dependente de um
horário determinado, mas que, às vezes, é ultrapassado para mais, além dos limites
acordados:
Horas, pra mim não tem horas. O meu trabalho ali é um pouco explorado,
porque meu horário é de 6:30h. Aí, tipo assim, 20:30h, 21:00h é que eu tô
saindo daqui. Eu não tenho horário. Eu tenho horário de chegada, mas de saída,
não (Rosângela, trabalhadora em apenas um domicílio, 48 anos, natural do Rio
de Janeiro).
E a terceira posição seria ocupada pela diarista, que presta um serviço com
limites temporais mais definidos. Ela mais claramente do que as outras introduz uma
noção de tempo de trabalho determinado, apenas o necessário para realizar a atividade
que lhe foi direcionada. De fato, combina-se menos o horário de entrada e de saída e
mais a tarefa a ser executada:
Eu não tenho horário fixo, não. Quando eu acabo, eu vou embora. Também não
tenho horário pra chegar. Eu tenho que fazer. Eu tenho que terminar o serviço
(Maria, trabalhadora em quatro domicílios, 50 anos, natural de Alagoas).
131
3.4.3 – Delimitação e controle
132
doméstica procurou o sindicato após ter sido demitida, mas não buscando os seus
direitos trabalhistas, como pareceria óbvio, até porque as obrigações devidas pelos
patrões, por ocasião do desligamento do emprego, foram cumpridas, mas para reclamar
o “direito” de visitar os filhos dos ex-patrões.
Isso permite perceber que as empregadas não apenas trabalham, mas dividem
um cotidiano, compartilham uma existência familiar, que, em algum grau, passa a ser
também delas. Se por um lado, a questão de ser membro da família e amiga, enfatizada
pelas empregadas, representa “a procura de um vínculo que garantiria certas condições
(chegar mais tarde ou sair mais cedo, adiantamentos salariais, acesso a certos bens como
médicos, assistência legal, financeira etc.)” (KOFES, 2001: 373/374); por outro,
“enviesa a percepção das relações de trabalho, que, em muitos casos, reverte-se em uma
forma de não assegurar os direitos” (ÁVILA, 2008: 70).
Nesse sentido, a atuação dos sindicatos de trabalhadores domésticos busca
alterar as relações de trabalho mais afetivas, paternalistas e pessoalizadas para relações
mais claras, racionalizadas e contratuais (OLIVEIRA, 1995). Em poucas palavras,
relações estritamente profissionais. Nessa perspectiva, “ser quase membro da família” é
percebido como prejudicial às empregadas, pois como as relações trabalhistas passam a
se confundir com relações familiares, os direitos como trabalhadora seriam mais
facilmente desrespeitados.
De fato, nas entrevistas realizadas com as empregadas domésticas, a dimensão
afetiva e de intimidade apareceu com freqüência como parte integrante das relações
estabelecidas no serviço doméstico. Um dos casos em que isso ficou bem evidente foi o
de Mariluce, 44 anos, que trabalha há vinte anos para uma mesma família no Leblon.
Nesse mesmo bairro, o marido dela é motorista particular há vinte e cinco anos da
família da irmã da patroa de sua esposa. Durante esse tempo, eles viram os filhos dos
patrões crescerem. Quando tiveram o próprio descendente, hoje com doze anos,
convidaram o filho dos patrões dela e a filha dos patrões dele para serem,
respectivamente, padrinho e madrinha do garoto.
Um outro caso em que era visível o cruzamento entre as relações trabalhistas e
familiares, porém mais conflituoso, foi o de Marcelina, 66 anos, que trabalha há trinta e
três anos para uma família no Catete. Seus filhos, hoje com 34 e 24 anos, foram criados
nessa casa, pois ela até 2001 morava no emprego. A patroa não teve filhos e, de certo
133
modo, esse espaço foi ocupado pelos de Marcelina, dos quais é madrinha de crisma58 e
para os quais pagou colégio e cursos.
Em 2001, Marcelina resolveu alugar um quarto para deixar de morar na casa da
patroa e queria que os filhos se mudassem com ela. Mas eles não quiseram e preferiram
ficar morando na casa da patroa no catete. Apenas Marcelina deixou de morar lá,
embora vá de segunda a sábado realizar o seu trabalho. Atualmente, ela reside em um
apartamento alugado no Centro, mas os filhos continuam morando na casa da patroa
dela. Isso faz com que ela os perceba divididos entre duas realidades distintas, reflexo
da situação ambígua vivenciada.
Essa dimensão afetiva e de intimidade pode ser observada pela forma como as
empregadas concebem o que é ser um bom patrão. As pesquisas sobre trabalho
doméstico remunerado (SAFFIOTI, 1978; OLIVEIRA, 1995; KOFES, 2001) costumam
fazer uma mesma pergunta às empregadas: “o que é ser um bom patrão?” ou “quais são
as características de um bom emprego doméstico?”. A resposta majoritária para a
primeira questão é considerar a empregada como amiga, e para a segunda é ser tratada
como membro da família.
Nesta pesquisa, também foram realizadas essas perguntas. O que ficou claro nas
respostas dadas pelas empregadas domésticas entrevistadas é a coexistência de duas
dimensões valorativas de um bom patrão, uma ligada a relações pessoais e afetivas, e a
outra ligada a relações contratuais e legais:
É dar os direitos todos que a gente tem, tipo as férias, o 13º. É isso. Esse é um
bom patrão (Mariluce, trabalhadora em apenas um domicílio, 44 anos, natural
de Mato Grosso do Sul).
O menino que eu mais amei foi o Márcio Roberto [filho de um dos patrões que
teve em São Luís], que é padrinho da minha filha. Ele eu amei mais que toda a
criança do mundo. Nem minhas filhas eu tive tanto amor como eu tinha àquela
58
Cerimônia da Igreja Católica na qual o crismando, com pelo menos quinze anos de idade, confirma o
compromisso iniciado no batismo.
134
criança (Maria José, trabalhadora em cinco domicílios, 45 anos, natural do
Maranhão).
Às vezes dão uma sandália, uma blusa. Este ano, no aniversário, foi dinheiro.
Mas é sempre alguma coisa em objeto. Todo o ano ela sempre dá (Albanice,
trabalhadora em apenas um domicílio, 33 anos, natural da Paraíba).
135
A relação entre empregadas e patrões, nesse sentido, não pode apenas ser
compreendida pelo lado da afetividade, da consideração e da harmonia, sendo
necessário entendê-la pelo aspecto da hierarquização interna da organização
familiar. Sua condição de quase da família, longe de representar uma
horizontalidade familiar, representa seu posicionamento inferior. (...) Se,
logicamente, como membro da família, goza de certas benesses, como tal,
enfrenta também sofrimentos e desconsiderações, uma vez que recai sobre ela
o mau humor e os reveses hierarquizantes. A empregada doméstica, que em
certos momentos é tratada como membro da família, pode ser, em outros,
desrespeitada ou “colocada em seu devido lugar”, ou seja, em posição
subalterna. (BARBOSA, 2000: 103).
136
De vez em quando eu recebo presentes: roupa, sapato. Aniversário, Natal, às
vezes até em comemoração de anos que a gente tá lá (Maria do Desterro,
trabalhadora em dois domicílios, 41 anos, natural da Paraíba).
Quando chega algum final de ano, alguma coisa, eles sempre presenteiam com
um algo a mais. É aniversário, eles vem com uma lembrança. Alguns dão
vestuário, outros dão dinheiro. Outros não me presenteiam, mas dão para os
meus netos, para os meus filhos. Objetos e às vezes dinheiro (Edna,
trabalhadora em cinco domicílios, 43 anos, natural do Rio de Janeiro).
Elas sabem dos meus problemas, das minhas dificuldades, dos momentos de
alegria entre família, que é a minha família mesmo. E também os momentos de
tristeza, na qual muitas delas já me ajudaram muito (Edna, trabalhadora em
cinco domicílios, 43 anos, natural do Rio de Janeiro).
137
empregadora, dando origem a relações mais racionais, impessoais e menos afetivas.
Mas isso, pelo menos por enquanto, parece ser mais uma possibilidade do que realmente
um princípio a guiar essas relações no cotidiano das famílias brasileiras.
Por falta de oportunidade. Eu não tive oportunidade de estudo. Eu acho que foi
por isso. Eu acho que se eu tivesse estudo ou de repente tivesse me esforçado
mais, eu acho que doméstica eu não seria, não. Seria qualquer outra coisa,
menos doméstica, porque é sacrificada a nossa profissão. Foi o que pintou pra
138
mim (Rosângela, trabalhadora em apenas um domicílio, 48 anos, natural do
Rio de Janeiro).
Porque não tinha outra opção. Lá [na cidade de origem] não tinha outra opção.
E pra você arranjar um trabalho aqui, eu tinha quer ter pelo menos o 2º grau
completo e eu não tenho (Maria do Desterro, trabalhadora em dois domicílios,
41 anos, natural da Paraíba).
139
Outras pensam em abrir pequenos negócios ou se dedicarem integralmente a
atividades que já realizam, geralmente ligadas à alimentação, como venda de
quentinhas, de salgados ou barraca de lanches:
O meu sonho é ter tipo assim uma lanchonete, uma pensão. É o meu sonho que
eu não consegui realizar, mas eu vou realizar. Se Deus quiser (Rosângela,
trabalhadora em apenas um domicílio, 48 anos, natural do Rio de Janeiro).
Eu quero futuro pras minhas filhas. Eu quero que elas melhorem, tenham outra
profissão. Antigamente, filha de empregada era empregadinha, assim que o
pessoal falava. Hoje, não, as mulheres trabalham, se matam na casa de família
para formar seu filho nisto, naquilo e naquilo outro. Então, é nessa história que
eu me apego com as minhas filhas. Só que elas estão meio devagar na história.
Elas têm oportunidade. Eu é que nunca tive (Maria José, trabalhadora em cinco
domicílios, 45 anos, natural do Maranhão).
Deus me livre. Ai, é horrível, não quero, de jeito nenhum. Falo para ela todo o
dia: nunca queira ser uma empregada doméstica. Estude. Batalhe. Eu nunca
vou querer você lavando banheiro de ninguém. Eu digo isso sempre pra ela
(Maria, trabalhadora em quatro domicílios, 50 anos, natural de Alagoas).
140
Se eu tivesse uma filha mulher, eu não queria. Eu não queria mesmo. Porque a
gente trabalha fora do limite, muitas horas, e no final das contas a gente não
tem segurança. Você pode trabalhar dez anos, que você sai, você recebe aquele
dinheiro do mês. Você não recebe nada, só recebe o que você trabalhou. É por
isso que eu falo mesmo, se eu tivesse uma filha mulher, ela podia trabalhar até
no cabaré que eu não esquentava. Sério. Eu falo de coração aberto mesmo
(Maria das Graças, trabalhadora em dois domicílios, 59 anos, natural do
Espírito Santo).
Eu saí de lá porque eu comecei a ver as meninas fazer faxina e achar que era
mais vantajoso trabalhar de faxineira do que de arrumadeira com salário fixo.
A faxineira ganhava pelo que ela fazia um valor maior. Às vezes duas vezes na
141
semana, ela tirava o dinheiro que eu ganhava por mês. Aí eu falei: ai meu Deus
do céu, se ela pode, eu também posso. Faxina não é bicho de sete cabeças. Aí
eu entrei no ramo de faxina (Edna, trabalhadora em cinco domicílios, 43 anos,
natural do Rio de Janeiro).
Essa decisão apenas foi possível, entre outros fatores, por já estar estabelecida na
profissão há algum tempo e por ter o vigor físico necessário ao trabalho de faxina.
Nesse sentido, há alguns obstáculos importantes para seguir como diarista. O primeiro
deles é a questão da idade. Como vimos na parte quantitativa, as diaristas são mais
velhas do que as empregadas, o que significa que embora seja um trabalho mais pesado,
não são as jovens que se dedicam a ele. E por que isso? Porque uma diarista bem
sucedida precisa de muitas casas, o que se alcança por meio de redes de contato e
indicação mais amplas, e são as mais experientes que contam melhor com isso.
Sendo assim, uma questão inicial é a necessidade de obter um número suficiente
de “clientes”, ou melhor, de patrões, já que é este termo que elas utilizam, cujas diárias
possam cobrir a semana. Isso nem sempre é alcançado facilmente:
Diarista é uma profissão mais difícil. Está muito difícil ser diarista. Arrumar
serviço de diarista está difícil. Você não vai trabalhar só em uma casa de
diarista, que vai te chamar de quinze em quinze dias, tem que manter a sua
semana. Para você ganhar tem que ter umas quatro ou cinco casas. Aí é difícil
(Rosângela, trabalhadora em apenas um domicílio, 48 anos, natural do Rio de
Janeiro).
Outra dificuldade é lidar com um rendimento mensal que pode sofrer alterações
a partir das variações das diárias ao longo das semanas:
Faxina é difícil, porque eu sou tudo dentro de casa, sou o homem e a mulher da
casa. Então, trabalho em faxina, mas tem umas delas que dizem: Ah, agora eu
não estou podendo. E aí fica trocando o dia, quinze dias, de quinze em quinze
dias, uma vez no mês. Aí fica pesado, fica difícil (Elisabete, trabalhadora em
dois domicílios, 42 anos, natural da Paraíba).
142
de outro, possibilidade de ganhar mais, horário mais flexível, menor dependência de
cada residência e maior controle do tempo e das atividades realizadas.
Por conta das dificuldades e dos condicionamentos sociais levantados, mesmo
que, como vimos quantitativamente no capítulo 2, as diaristas ganhem mais e trabalhem
menos do que as empregadas, isso não significa, logicamente, que todas as
trabalhadoras domésticas estejam preferindo se apresentar ao mercado dessa maneira.
Há espaço para esses dois tipos de inserção possível, pois eles apresentam
características, vantagens e desvantagens diferentes, que trabalhadoras e empregadores
têm comparado e avaliado, e, dentro das possibilidades, decidido por aquele que melhor
lhes atende.
143
CONCLUSÃO
144
16,1% para 25,8%, e, no Rio de Janeiro, de 23,2% para 32,0%. Esse crescimento foi
maior nos anos 90. Já nos anos 2000, foi menos intenso e apresentou momentos
intercalados de queda e de aumento.
Finalmente, o sexto e último processo de mudança analisado é a ampliação do
número de diaristas, que são as trabalhadoras que prestam serviço em mais de uma
residência. Elas ainda estão muito longe de serem a maioria, posição ocupada pelas
empregadas domésticas polivalentes, mas, por exemplo, no caso brasileiro, vêm com
um crescimento constante nos anos 2000. Isso pode ser percebido pelo fato de que
deixaram de ser menos de um sexto da categoria, como indicavam os dados de 1992, e
em 2008 já eram mais de um quarto.
Essa última mudança ocupou lugar de destaque nos objetivos desta pesquisa,
pois a diarista não é apenas mais uma das subdivisões que contribuem para a
heterogeneidade do serviço doméstico brasileiro, mas representa uma fragmentação de
ordem distinta. Isso ocorre porque as divisões internas a essa ocupação são
eminentemente de ordem funcional, abarcando as diferentes atividades reprodutivas:
cozinheiro, arrumadeira, governanta, babá, lavadeira, motorista particular, enfermeiro
do lar, jardineiro, copeiro, caseiro... Mas embora haja diferenças significativas no
trabalho realizado, há entre elas duas características que as ligam fortemente: a condição
de emprego doméstico e o estatuto do assalariamento.
É justamente por isso que a diarista representa uma fragmentação de ordem
distinta, pois se distancia dos demais tipos de inserção no serviço doméstico não apenas
pela atividade que realiza, mas, principalmente, pelo vínculo que estabelece, de
autonomia. Nesse sentido, de fato, ela traz uma divisão que ainda não existia no
trabalho doméstico remunerado: entre aqueles que trabalham em mais de uma
residência, por conta própria, assumindo os riscos, sem direitos trabalhistas; e aqueles
que trabalham em uma única residência, assalariados, com direitos trabalhistas e acesso
à Justiça do Trabalho.
As divisões anteriores eram todas no nível das diferenças quanto aos afazeres
domésticos executados, de forma que um aumento no piso salarial ou um novo direito
aprovado em lei abarcaria a todos, sem distinções. Por mais que muitos dos direitos dos
empregados domésticos não fossem respeitados, estava sempre aberta a possibilidade de
entrarem na Justiça do Trabalho e terem esses direitos assegurados. No caso da diarista,
isso não será mais possível, pois a própria lei, ao reconhecê-la como prestadora
autônoma de serviço, elimina essa possibilidade. Dessa forma, as trabalhadoras
145
domésticas passaram a estar divididas não apenas pelas atividades realizadas, mas pelo
tipo de vínculo estabelecido.
Apesar de representar uma fragmentação de ordem distinta, as relações de
trabalho da diarista foram muito pouco estudadas. A preocupação sempre foi
compreender as relações de emprego doméstico, principalmente da empregada
doméstica polivalente. Mas como a essa altura já se tornou evidente, as relações de
trabalho no âmbito doméstico são muito mais amplas do que isso. Como vimos na
introdução, quando a diarista aparece efetivamente nos estudos sobre o trabalho
doméstico remunerado é sendo comparada estatisticamente com a empregada ou a partir
de uma discussão sobre a sua definição legal.
Sendo assim, cabia analisar mais profundamente e sob o viés sociológico esse
tipo de atividade no serviço doméstico. Com esse objetivo, as semelhanças e as
diferenças entre as relações de trabalho da empregada doméstica e da diarista, bem
como as suas diferenciações e definições, foram abordadas de diferentes ângulos ao
longo da pesquisa: do ponto de vista legal, a partir da legislação, da doutrina e da
jurisprudência (capítulo 1); do ponto de vista dos perfis sócio-econômicos, construídos
estatisticamente (capítulo 2); e do ponto de vista das percepções das próprias
trabalhadoras domésticas (capítulo 3).
Do ponto de vista legal, a diferenciação entre empregado doméstico e diarista
não é ponto pacífico, e, portanto, apresenta posições divergentes, principalmente quanto
à “natureza contínua” do trabalho. Como vimos, a doutrina sobre o assunto, ou seja, o
estudo aprofundado acerca das normas e dos princípios do Direito, pode ser dividida,
sintetizando a discussão, em dois grupos: o da posição majoritária entre os juízes e o da
posição minoritária.
O primeiro grupo, majoritário, põe mais peso nas diferenças entre o diarista e o
empregado doméstico, negando, assim, o vínculo empregatício do primeiro. Para ele,
contínuo significa sem interrupção, a continuidade faz referência à freqüência com que
o trabalho é realizado e contínuo e não-eventual são interpretados como diferentes. O
segundo grupo, minoritário, põe mais peso nas semelhanças entre o diarista e o
empregado doméstico, afirmando, assim, o vínculo empregatício do primeiro. Para ele,
contínuo significa habitual, a continuidade faz referência à necessidade dos serviços
para a família empregadora e contínuo e não-eventual são compreendidos como tendo
significados muito semelhantes ou iguais.
146
Analisando os acórdãos, ou seja, as decisões coletivas adotadas por grupos de
juízes ou ministros, a partir da segunda instância da Justiça do Trabalho, de processos
iniciados no estado do Rio de Janeiro, não houve, diferente da doutrina, uma
divergência jurisprudencial elevada. Apesar de certa divergência existente, maior entre
o TRT e as varas do que entre o TST e o TRT, os dados analisados indicaram que a
jurisprudência dos Tribunais Trabalhistas é convergente, em sua maior parte, no sentido
de que o trabalhador doméstico que trabalha alguns dias semanais deve ser considerado
diarista, e não empregado, por conta da quantidade reduzida de dias trabalhados; da
ausência de subordinação e, em alguns casos, de pessoalidade; da inexistência de
horário e dias fixos; do pagamento diário e do número maior de residências em que o
serviço é prestado.
O Projeto de Lei do Senado, nº. 160, de 2009, ao buscar acabar com a
indefinição em relação ao que é um diarista, o define como o trabalhador que presta
serviços no máximo duas vezes por semana para o mesmo contratante e recebe o
pagamento pelo serviço prestado na forma de diária, não configurando vínculo
empregatício. Além disso, tal projeto, que atualmente está em tramitação na Câmara dos
Deputados, torna obrigatório que esse tipo de trabalhador doméstico apresente ao
contratante o seu comprovante de contribuição ao INSS.
Do ponto de vista quantitativo, ficou claro que há diferenças quanto às
características sócio-econômicas, de forma que em comparação com as domésticas
polivalentes, tanto para o Brasil quanto para o estado do Rio de Janeiro, as diaristas são
mais velhas, mais brancas, ligeiramente menos escolarizadas, menos formalizadas,
moram menos na casa dos patrões, contribuem menos para a previdência, trabalham
bem menos horas semanais e têm uma renda média maior, seja mensal ou por hora.
Do ponto de vista das percepções das próprias trabalhadoras domésticas, há
determinados marcadores da diferença que elas estabelecem, com divergências, entre
ser mensalista e ser diarista. Os principais deles são: a freqüência com que o trabalho é
efetuado, a forma de pagamento e o tipo de atividade realizada. Esses critérios, embora
sejam influenciados pelas discussões legais, apresentam contornos distintos, a partir das
experiências de trabalho delas.
Os dois primeiros critérios levantados pelas trabalhadoras domésticas
entrevistadas estão em consonância com o entendimento jurídico, que os considera,
principalmente a freqüência, fundamentais para a distinção. Em contraponto, o terceiro
critério é um aspecto pouco enfatizado do ponto de vista legal: o tipo de afazeres
147
domésticos realizados. Para algumas trabalhadoras domésticas, uma diarista não pode
ser assim considerada se realiza todas as tarefas da casa, pois ela pressupõe um trabalho
especializado.
Além desses três, outros marcadores da diferença foram ressaltados pelas
entrevistadas: o número de domicílios nos quais o serviço é prestado, o desgaste físico
demandado pelo trabalho, o cumprimento ou não de horários fixos, o maior ou o menor
rendimento, a presença ou a ausência de determinadas garantias sociais e o tipo de
relação, mais ou menos afetiva, estabelecida entre a família empregadora e a
trabalhadora doméstica.
Enquanto as trabalhadoras em apenas um domicílio definiram o trabalho
desempenhado pelas diaristas como mais “nômade”, de faxina, fisicamente árduo, por
tarefa, sem vínculos formais e afetivos, e com pagamento diário e mais elevado; as
trabalhadoras domésticas em mais de um domicílio conceberam o trabalho
desempenhado pelas empregadas domésticas como fixo, polivalente, menos desgastante
fisicamente, com horários determinados, com vínculos formais e afetivos, e com
pagamento mensal e menos elevado.
Nessa discussão sobre as configurações do serviço prestado, uma questão
importante era saber se as relações de trabalho da diarista são mais informais,
independentes, delimitadas, controladas, racionais, impessoais e pouco afetivas quando
comparadas com as da empregada doméstica. De fato, há entre essas relações diferenças
em muitos sentidos. A primeira delas é que as relações de trabalho da diarista são quase
totalmente informais, no sentido da ausência de vínculo empregatício, indicando que o
assalariamento e o vínculo deram lugar à diária e à autonomia.
A segunda diferença é que as relações de trabalho da diarista são mais
independentes em comparação com as da empregada quanto ao número de dias
trabalhados, pois pode ser renegociado frequentemente; ao horário, que é limitado, mas
não fixado rigidamente, uma vez que a preocupação maior é combinar a tarefa a ser
executada; e à necessidade do vínculo, já que havendo mais contratantes, o peso de cada
um deles para a renda mensal da trabalhadora é menor.
A terceira característica diferenciada nas relações de trabalho da diarista é o
maior controle e delimitação do tempo, estipulado a partir das tarefas demandadas; das
atividades realizadas, geralmente, previamente definidas, precisas e pouco mutáveis; e
do pagamento, que é realizado logo após o serviço ter sido finalizado, embora possa
variar caso haja cancelamento de diárias.
148
Para finalizar, a diarista especializada, principalmente a faxineira, traz mais
fortemente a possibilidade de estabelecer relações de trabalho mais racionais,
impessoais e pouco afetivas, ou seja, de não envolvimento emocional e de manutenção
da privacidade pessoal do contratante. No entanto, se é possível fazer tal afirmação é
com cuidado, pois isso representa mais uma possibilidade que pode se tornar plausível,
um devir, do que algo que efetivamente é amplamente vivenciado cotidianamente.
Anteriormente a esta pesquisa, Harris (2007), ao comparar as relações entre
empregadas domésticas e seus empregadores, no Brasil e nos Estados Unidos, dedicou
parte de seu estudo a analisar as relações de trabalho da diarista. Nessa análise, ele já
apontava a vantagem dessa trabalhadora em termo de rendimentos, a sua maior
independência quanto à necessidade do vínculo, o fato de seu trabalho depender mais da
conclusão de uma série de tarefas do que do estabelecimento de um horário, a
necessidade de um número razoável de clientes, a ausência de determinadas garantias
sociais e um controle maior das tarefas desempenhadas.
No entanto, o entendimento de Harris apresenta algumas idéias e interpretações
das quais discordamos e que, portanto, precisavam ser reavaliadas. Embora em alguns
momentos haja uma relativização, para ele, a diarista exemplifica as características de
um trabalho mais “moderno”, “racional” e “capitalista” do que a mensalista. Além
disso, na sua concepção:
Dessa forma, é preciso avaliar com mais cautela, com base em tudo o que foi
visto nesta dissertação, três aspectos levantados por Harris: 1) A diarista exemplificar
um trabalho mais racional; 2) Esse tipo de trabalho ser invisível ao comprador e
totalmente precário ao trabalhador; 3) O crescimento de a diarista ser interpretado pela
chave do neoliberalismo em expansão.
Quanto ao primeiro aspecto, talvez ele faça sentido se estivermos pensando no
modelo da diarista especializada, principalmente a faxineira, que, como defendido
anteriormente, pode estabelecer uma relação com menos envolvimento emocional. Há
inclusive a possibilidade de o contratante sair da residência no dia ou dias em que o
serviço é realizado. Por trabalhar em vários domicílios, ter menos contato com cada
149
família e estar focada em uma única tarefa a ser executada no menor tempo possível, é
plausível perceber as relações que estabelece como mais racionais e impessoais quando
comparadas com as da empregada doméstica.
Mas, mesmo assim, isso, por enquanto, parece ser mais uma possibilidade do
que um traço presente de fato nessas relações. Como demonstramos, inclusive na
situação da troca de presentes, há um caráter pessoalizado que se mantém mesmo na
diarista especializada. Isso significa que uma dimensão afetiva e de intimidade é
inerente ao serviço doméstico? Não chegaríamos a afirmar tanto, pois embora, de fato,
haja, mesmo em outros países, algum nível variável de relações afetivas e de intimidade
na prestação de serviços pessoais no âmbito familiar, há determinadas configurações
que se estabelecem como exceções à regra.
Nos Estados Unidos, por exemplo, há uma modalidade de contratação de
serviços domésticos que reduz ao mínimo as dimensões pessoais e afetivas. Trata-se dos
professional cleaning services (serviços de limpeza profissional), nos quais um grupo
de duas a quatro trabalhadoras domésticas é enviado por uma empresa para, trabalhando
em equipe, fazer a faxina de uma única residência no menor tempo possível, não
excedendo o limite de algumas horas. Desde a solicitação do tipo de serviço a ser
realizado até a solução de problemas, é com a empresa que deve ser resolvido. Nesse
sentido, a interação e o envolvimento emocional entre as trabalhadoras faxineiras e os
clientes ficam tão esvaziados que beiram a inexistência.
Além disso, voltando ao caso brasileiro, o problema de se afirmar que a diarista
exemplifica um trabalho mais racional é o de homogeneizá-la de maneira acrítica. Isso
ocorre porque esse tipo de assertiva tem como parâmetro a imagem da diarista faxineira
ou passadeira. E é esse o cuidado que os estudos sobre o serviço doméstico precisam
ter. Tal bibliografia há muito tempo já percebeu que não é possível falar em empregada
doméstica sem esclarecer a que tipo se refere, pois a heterogeneidade de relações de
trabalho está muito presente, mas o mesmo ainda não foi notado em relação à diarista,
compreendida como se apresentasse uma única configuração possível.
A questão é que se, por um lado, a diarista representa mais a forma como o
trabalho é contratado, em oposição à mensalista; por outro, nas relações concretas,
parece indicar um tipo de atividade, tornando-se sinônimo de faxineira, em contraponto
à cozinheira, à babá e às demais funções desempenhadas. Mas não podemos perder de
vista que diarista não é necessariamente sinônimo de faxineira, assim como empregada
150
doméstica não é sinônimo de trabalhadora polivalente. Até as diaristas são, na verdade,
um grupo heterogêneo, do qual a faxineira é apenas uma das possibilidades.
Se as características, no sentido das relações de trabalho, no limite, não são as
mesmas entre a babá, a cozinheira, a enfermeira do lar, a doméstica polivalente e as
outras colocações no âmbito doméstico, mesmo que todas façam parte da categoria de
empregadas domésticas; o mesmo vale para a diarista faxineira, diarista congeleira,
diarista passadeira, diarista polivalente e as outras possibilidades existentes, mesmo que
elas façam parte da categoria de diaristas. Ou seja, neste segundo caso a homogeneidade
também não se justifica.
Foi nesse sentido que trouxemos à tona nesta pesquisa o que denominamos de
diarista polivalente, até então não problematizada pela bibliografia. Diferentemente, por
exemplo, da faxineira especializada, contratada para realizar uma tarefa bem definida,
trata-se da trabalhadora doméstica que conjuga características próprias das relações de
trabalho da diarista (recebimento de diária e freqüência de apenas alguns dias da semana
em uma mesma residência) e das relações de trabalho da empregada doméstica
polivalente (realização dos afazeres domésticos como um todo, não definidos
previamente; e menor controle e delimitação do tempo, já que não é estipulado a partir
das tarefas demandadas).
Podemos dizer que esse “tipo híbrido” de diarista representa um trabalho mais
racional? Dificilmente. É por isso que não devemos trabalhar com a imagem da diarista
faxineira como se ela pudesse dar conta da riqueza de possibilidades existente no
mercado autônomo de oferta e demanda de serviços domésticos, pois isso resulta em
uma perda da capacidade analítica necessária para buscar compreender e explicar as
mudanças nesse tipo de atividade laborativa. É importante que essa questão seja
percebida e refletida pelos próximos estudos sobre o assunto.
Quanto ao segundo aspecto levantado por Harris (2007), parece-nos exagerado
definir o trabalho da diarista como invisível ao comprador e totalmente precário ao
trabalhador. Iniciando pela invisibilidade, de fato, na concepção das mulheres
entrevistadas por esta pesquisa, tanto as que trabalham em uma residência quanto as que
trabalham em mais de uma, a relação que a família empregadora mantém com as
trabalhadoras domésticas é muito menos afetiva com a diarista do que com a
empregada. Em alguns depoimentos, o contato que aquela estabelece com os
contratantes é percebido como apenas o necessário para saber o que tem que ser feito,
não haveria uma participação mais ativa na vida deles.
151
Esse tipo de relação de serviço doméstico, no limite, pode ser configurado da
forma descrita por Harris:
No caso dos empregadores que fazem questão de sair de suas casas no dia que
vem a faxineira, podem acabar passando meses sem encontrar com ela,
deixando sempre dinheiro na mesa como biscoitos e leite para Papai Noel, e
voltando para uma casa magicamente limpa (2007: 120).
Mas, apesar disso, parece exagerado definir o trabalho da diarista como invisível
ao comprador, pois, como ressaltado anteriormente, esse tipo de relação mais racional,
impessoal e pouco afetiva, pelo menos por enquanto, aparece mais como possibilidade
do que como existência concreta, embora haja casos em que se estabeleça desta
maneira. Além disso, não podemos esquecer da questão da heterogeneidade reinante
que permite que a diarista polivalente compartilhe com a empregada doméstica
polivalente o mesmo tipo de envolvimento emocional no que tange aos contratantes.
Em relação ao trabalho de a diarista ser totalmente precário ao trabalhador,
realmente com a diferenciação cada vez maior entre empregada e diarista, esta deixa o
estatuto do vínculo empregatício e do assalariamento para o da autonomia e da diária.
Isso representou uma maior necessidade de assumir riscos e um afastamento do
conjunto de direitos trabalhistas conquistados pelas empregadas domésticas, com o qual
as prestadoras autônomas de serviço não podem contar.
Entretanto, se a autonomia trouxe tais características, ela abriu também a
possibilidade de rendimentos mais elevados, o que foi comprovado estatisticamente.
Além disso, para não haver uma ausência total de garantias sociais, está aberta a
possibilidade de a trabalhadora fazer a contribuição como autônoma ao INSS,
desfrutando assim, por exemplo, de aposentadoria e auxílio-doença. A necessidade de as
diaristas estarem protegidas foi ressaltada inclusive no Projeto de Lei do Senado, nº.
160, de 2009, que busca regulamentar essa atividade profissional.
Quanto ao crescimento de a diarista ser interpretado pela chave do
neoliberalismo em expansão, Harris (2007) citou Brenner e Theodore (2002) para
definir a ideologia neoliberal como a crença de que o desenvolvimento econômico
ótimo é encontrado em mercados abertos, competitivos e não-regulados, liberados da
interferência do Estado. O argumento de Harris é o de que o neoliberalismo provocou
mudanças nas relações de serviço doméstico por meio de uma prática e de um discurso
152
de “modernização”, nos quais a diarista eliminou completamente as obrigações do
empregador e assumiu todo o risco.
De fato, o mundo do trabalho tem sido marcado, a partir das últimas décadas do
século XX, em nível mundial, por profundas mudanças que alteraram as relações de
trabalho, reelaboraram as estratégias das empresas e das demais instituições, trouxeram
complexos desafios às organizações de trabalhadores e impactaram a vida social de
diferentes formas. Entre tais transformações, podemos citar a variação das formas de
contrato, que não mais o indeterminado e em período integral; a ascensão do padrão
flexível; o desmonte da sociedade salarial (CASTEL, 1998); o crescimento de formas
menos estáveis de trabalho, como terceirizados, autônomos e temporários; a diminuição
da proteção social; a desregulamentação e a instabilidade.
Essas alterações mais gerais nas relações de trabalho impactaram também, em
algum nível, o trabalho reprodutivo, coincidindo, pelo menos nas últimas duas décadas
no Brasil, com a elevação da proporção de diaristas. Embora seja importante lembrar,
assim como analisado nos gráficos 16 e 17 do capítulo 2, que o que houve, tanto no
Brasil quanto no Rio de Janeiro, não foi um aumento da percentagem de diaristas
acompanhado de uma diminuição da de empregadas mensalistas com carteira assinada,
mas um crescimento tanto de diaristas quanto de empregadas mensalistas com carteira
assinada mediante a diminuição das mensalistas sem carteira assinada.
Mas, então, as novas configurações do serviço doméstico podem ser explicadas
como conseqüências do neoliberalismo e das mudanças relativamente recentes no
mundo do trabalho? Em algum grau, sim. Mas se creditamos o crescimento da
proporção de diaristas a essas variáveis, é apenas dando-lhes um peso ainda não muito
bem determinado. O que procuramos encontrar, quanto à elevação da proporção de
diaristas, foram explicações calcadas nas especificidades da sociedade brasileira atual.
Sendo assim, buscamos explicações que contemplassem tanto a demanda por
serviços diários em vez de mensais quanto a sua oferta. Em relação à demanda, ou seja,
à procura por esse tipo de relação de serviço doméstico, os seguintes fatores foram
levantados: o empobrecimento da classe média, que parece não conseguir reproduzir
mais a mesma relação com o trabalhador doméstico que as gerações anteriores
conseguiam; a diminuição do tamanho das famílias, com cada vez menos filhos,
reduzindo a necessidade da contratação de serviços para todos os dias do mês; o
crescimento do número de domicílios unipessoais, ou seja, de pessoas morando
sozinhas; a eliminação dos custos que acompanham o vínculo empregatício; e o
153
aumento da participação feminina no mercado de trabalho, inclusive de mulheres
casadas, com filhos e com menor poder aquisitivo, que vêem na contratação de uma
diarista a possibilidade de conseguirem articular trabalho e cuidados, delegando estes a
um tipo de trabalhadora que caiba no orçamento familiar.
Em relação à oferta, por meio de dados estatísticos e de entrevistas, procuramos
compreender as motivações das trabalhadoras domésticas para estarem se dedicando a
algumas residências simultaneamente sob o regime de diárias. Entre tais fatores, é
possível destacar: o maior controle sobre as atividades realizadas, a possibilidade de
elevarem o rendimento mensal, a maior independência quanto ao número de dias
trabalhados, a possibilidade de contribuírem para o orçamento familiar sem precisarem
ter a disponibilidade de trabalhar todos os dias, e o maior controle sobre as horas de
trabalho. Embora não devemos perder de vista que há vários condicionamentos sociais
influenciando essas motivações.
Quanto à hipótese, levantada na introdução, de que ser diarista poderia permitir
às mulheres de menor poder aquisitivo uma flexibilidade necessária à articulação entre o
trabalho produtivo e o trabalho reprodutivo, a partir da maleabilidade que esse serviço
por conta própria tem em relação ao da empregada mensalista, confirmou-se em algum
grau. Embora a maioria das diaristas busque preencher, se possível, a semana toda com
diárias; de fato, esse tipo de inserção no mercado possibilita que algumas mulheres
trabalhem apenas dois dias na semana e, mesmo assim, contribuam razoavelmente para
o orçamento familiar, aproveitando os demais dias para o trabalho reprodutivo ou
mesmo para se dedicarem a outras atividades remuneradas, como a pequenos negócios
próprios.
Cabe pensar se é possível explicar a diarista pela chave interpretativa da
precarização ou da autonomia. Os debates teóricos sobre as mudanças no mundo do
trabalho, a partir das últimas décadas do século XX, defenderam estar havendo, entre
outros processos, uma precarização do trabalho. Essa problemática ganhou destaque no
Brasil especialmente a partir da década de 90. Contudo, como a idéia de precarização
vem do contexto francês e tem como referência o regime assalariado e por tempo
indeterminado, é preciso cautela para empregá-la como instrumento de compreensão
das mudanças na sociedade brasileira, cujo mercado de trabalho nunca apresentou uma
configuração semelhante, ou seja, jamais existiu uma sociedade salarial para a
população como um todo.
154
Feitas essas ressalvas, o conceito de precarização59 faz referência à deterioração
das condições de trabalho. Appay (1997) o entende como sendo construído a partir de
um duplo processo: a precarização econômica (das estruturas produtivas e dos salários)
e a institucionalização da instabilidade (transformação das leis relativas ao trabalho e à
proteção social). Tal conceito passou a ser utilizado para explicar mudanças em
diferentes níveis: a desregulamentação, ou seja, a redução dos direitos do trabalho; a
insegurança; a vulnerabilidade social; a diminuição do rendimento auferido; a
instabilidade; a perda da qualidade do trabalho e da proteção social associada a ele; o
aumento da jornada de trabalho e a flexibilização dos contratos.
Nesse sentido, é apropriado utilizar o conceito de precarização para descrever a
situação da empregada doméstica que se tornou diarista? Esse questionamento é
pertinente porque precarização é um conceito relacional, que apenas faz sentido quando
a situação atual de trabalho é comparada com a anterior (LEITE, 2008). Apenas é
possível lançar mão desse conceito se houve, em algum nível, uma deterioração das
condições de trabalho. Se por um lado, de fato, a trabalhadora doméstica que deixou de
ser empregada para ser diarista perdeu a cobertura dos direitos trabalhistas e a proteção
social que acompanhava o vínculo empregatício; por outro, elevou o rendimento obtido
e reduziu a jornada de trabalho.
Como é um conceito relacional, pode-se questionar: as diaristas não poderão se
beneficiar dos direitos trabalhistas direcionados às empregadas domésticas, mas estas já
não tinham, em grande parte, os direitos desrespeitados? De fato, mas estava sempre
aberta a possibilidade de elas ingressarem na Justiça e terem esses direitos assegurados.
Por trás do valor que a diarista recebe não está associada uma base de proteção social
que, em algum grau, está no caso da empregada. Esse valor é reduzido à simples
remuneração de uma tarefa.
Porém, não podemos afirmar que haja uma precarização do serviço doméstico
remunerado brasileiro, pois como vimos ao longo desta dissertação, juntamente com o
crescimento da proporção de diaristas, há uma elevação da proporção de trabalhadoras
domésticas com carteira assinada. Além disso, as empregadas domésticas, efetivamente,
têm vivenciado uma ampliação de direitos, aproximando-se, cada vez mais, da
equiparação aos demais trabalhadores.
59
Utilizamos o termo precarização ao invés de precariedade, pois queremos frisar que se trata de um
processo e não de um estado vivido por populações vulneráveis: mulheres, jovens, imigrantes,
desempregados (APPAY, 1997).
155
No caso das diaristas, não parece que elas se apresentam ao mercado dessa
maneira por “não terem outra opção”. Embora haja alguns condicionamentos sociais
presentes, elas parecem estar buscando os benefícios da autonomia e, ao mesmo tempo,
convivendo com os riscos decorrentes dela. Pelo menos por enquanto, ser mensalista
ainda continua sendo uma possibilidade aberta. Nesse sentido, as entrevistadas que
trabalhavam em mais de um domicílio diziam fazê-lo por enxergarem benefícios nisso,
e não por não conseguirem mais colocação como empregadas.
Sendo assim, se a precarização pressupõe uma deterioração das condições de
trabalho, isso não ocorreu com o emprego doméstico, ou seja, com as mensalistas
assalariadas, pois ele continua apresentando as mesmas configurações. Podemos pensar
em uma fuga de direitos trabalhistas se o estatuto da autonomia e da diária acabar se
impondo como única possibilidade de inserção no mercado de trabalho doméstico. Por
enquanto, parece ser possível falar em precarização em situações particulares, como a
de trabalhadoras domésticas, tidas como diaristas pelos empregadores, contratadas
quatro dias na semana para realizar todos os afazeres domésticos de uma casa.
Quanto à autonomia como chave interpretativa, parece ganhar cada vez mais
força com a divisão do serviço doméstico entre empregadas e diaristas, do ponto de
vista legal, da forma de contratação e das relações de trabalho. O Projeto de Lei do
Senado, nº. 160, de 2009, ainda em tramitação, ressaltou a questão de a diarista assumir
o seu papel de autônoma, no sentido de efetuar seu próprio recolhimento da
contribuição previdenciária. A lei reforça a questão da autonomia para que seja pensada
enquanto tal efetivamente, ou seja, a prestação de um serviço por conta própria.
O trabalho doméstico remunerado brasileiro é como uma balança que equilibra,
dificilmente no mesmo nível, de um lado a lógica das relações pessoais, afetivas e
familiares; e de outro, a lógica das relações profissionais, contratuais e legais. Se essa
comparação puder ser feita, parece plausível, em nível geral, que da empregada
doméstica mensalista residente à diarista especializada, principalmente a faxineira,
passando pela empregada doméstica mensalista externa, a balança veio, em teoria,
tendendo, cada vez mais, para o lado da segunda lógica.
Com a diminuição das mensalistas sem carteira e com a distinção jurídica cada
vez mais forte entre empregada e diarista, podemos nos questionar se o caminho que a
ocupação está tomando é o de uma polarização em dois perfis cada vez mais distintos:
de um lado a empregada, mais formal, direcionada a quem pode e quer cumprir com os
156
encargos legais; de outro, a diarista, por conta própria, direcionada a quem quer a
execução de uma tarefa pontual.
Contudo, se essa interpretação estiver correta é apenas a longo prazo, pois na
configuração atual da ocupação o que vemos é uma multiplicidade de possibilidades, de
modo que o serviço doméstico é entrecortado por uma série de dimensões: trabalho
infantil/adulto, remunerado/sem remuneração, com carteira assinada/ sem carteira,
trabalho diário/mensal, polivalente/especializado, residir no domicílio/residir
externamente, pagamento em diária/salário, trabalho em um domicílio/em mais de um
domicílio, mais pessoal/menos pessoal, mais afetivo/menos afetivo. Cada função
desempenhada, da faxineira à empregada polivalente, pode se apresentar recombinando
essas dimensões de todas as maneiras possíveis.
Dessa forma, em meio a essa pluralidade de possibilidades existente, os dois
tipos de inserção possível no serviço doméstico brasileiro, como empregada ou diarista,
pelo menos como estão estabelecidos atualmente, não devem ser interpretados como
pólos opostos de uma dicotomia entre o tradicional e o moderno, entre as relações
afetivas e as impessoais ou entre o paternalismo e a racionalidade contratual. Nesse
sentido, se há uma transição rumo a relações menos ambíguas, é lenta e com
continuidades, que a heterogeneidade do serviço doméstico vem sendo capaz não
apenas de absorver, mas de fazer coexistir.
157
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158
• ________. CLT – Consolidação das Leis do Trabalho. Decreto-Lei nº. 5.452, de 1º
de maio de 1943.
• ________. Lei nº. 605, de 5 de janeiro de 1949. Dispõe sobre o repouso semanal
remunerado e o pagamento de salário nos dias feriados civis e religiosos.
• ________. Lei nº. 2.757, de 23 de abril de 1956. Dispõe sobre a situação dos
empregados porteiros, zeladores, faxineiros e serventes de prédios de apartamentos
residenciais.
• ________. Lei nº. 3.807, de 26 de agosto de 1960. Dispõe sobre a Lei Orgânica da
Previdência Social.
• ________. Lei n°. 5.859, de 11 de dezembro de 1972. Dispõe sobre a profissão de
empregado doméstico e dá outras providências.
• ________. Decreto n°. 71.885, de 09 de março de 1973. Aprova o Regulamento da
Lei nº. 5.859, de dezembro de 1972, que dispõe sobre a profissão de empregado
doméstico, e dá outras providências.
• ________. Lei nº. 7.418, de 16 de dezembro de 1985. Institui o Vale-Transporte e dá
outras providências.
• ________. Lei nº. 7.619, de 30 de setembro de 1987. Altera dispositivos da Lei nº.
7.418, de 16 de dezembro de 1985, que instituiu o vale-transporte.
• ________. Decreto nº. 95.247, de 17 de novembro de 1987. Regulamenta a Lei nº.
7.418, de 16 de dezembro de 1985, que institui o vale-transporte, com a alteração da
Lei nº. 7.619, de 30 de setembro de 1987.
• ________. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado,
1988.
• ________. Câmara. Projeto de Lei nº. 1.626, de 1989. Dispõe sobre a proteção do
trabalho doméstico e dá outras providências.
• ________. Lei nº. 8.009, de 29 de março de 1990. Dispõe sobre a impenhorabilidade
do bem de família.
• ________. Decreto nº. 3.361, de 10 de fevereiro de 2000. Regulamenta dispositivos
da Lei nº. 5.859, de 11 de dezembro de 1972, que dispõe sobre a profissão de
empregado doméstico, para facultar o acesso do empregado doméstico ao Fundo de
Garantia do Tempo de Serviço – FGTS e ao Programa do Seguro-Desemprego.
• ________. Medida Provisória nº. 2.104-16, de 23 de fevereiro de 2001. Acresce
dispositivos à Lei nº. 5.859, de 11 de dezembro de 1972, que dispõe sobre a
159
profissão de empregado doméstico, para facultar o acesso ao Fundo de Garantia do
Tempo de Serviço – FGTS e ao seguro-desemprego.
• ________. Lei nº. 10.208, de 23 de março de 2001. Acresce dispositivos à Lei nº.
5.859, de 11 de dezembro de 1972, que dispõe sobre a profissão de empregado
doméstico, para facultar o acesso ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço –
FGTS e ao seguro-desemprego.
• ________. Medida Provisória nº. 284, de 6 de março de 2006. Altera dispositivos
das Leis nºs. 9.250, de 26 de dezembro de 1995, e 8.212, de 24 de julho de 1991.
• ________. Lei nº. 11.324, de 19 de julho de 2006. Altera dispositivos das Leis nºs.
9.250, de 26 de dezembro de 1995, 8.212, de 24 de julho de 1991, 8.213, de 24 de
julho de 1991, e 5.859, de 11 de dezembro de 1972; e revoga dispositivo da Lei nº.
605, de 5 de janeiro de 1949.
• ________. Decreto nº. 6.481, de 12 de junho de 2008. Regulamenta os artigos 3º,
alínea “d”, e 4º da Convenção 182 da Organização Internacional do Trabalho (OIT)
que trata da proibição das piores formas de trabalho infantil e ação imediata para sua
eliminação, aprovada pelo Decreto Legislativo nº. 178, de 14 de dezembro de 1999,
e promulgada pelo Decreto n°. 3.597, de 12 de setembro de 2000, e dá outras
providências.
• ________. Senado. Projeto de Lei nº. 159, de 2009. Altera a Lei nº. 5.859, de 11 de
dezembro de 1972, para dispor sobre multa por infração à legislação do trabalho
doméstico, e dá outras providências.
• ________. Senado. Projeto de Lei nº. 160, de 2009. Dispõe sobre a definição de
diarista.
• ________. Senado. Projeto de Lei nº. 161, de 2009. Altera a Lei nº. 8.212, de 24 de
julho de 1991, que dispõe sobre a Organização da Seguridade Social, institui o
Plano de Custeio e dá outras providências, para dispor sobre a contribuição social do
empregador e do empregado doméstico.
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167
ANEXOS
168
Anexo 1 – Roteiro das entrevistas com empregadas domésticas e diaristas
1 - Dados iniciais
Nome
Idade
Estado civil
Escolaridade
(se casada) Qual é a profissão do marido? Há quanto tempo é casada?
Bairro em que mora
Casa própria ou alugada?
Tem filhos? Quantos? Idade deles? Qual a profissão deles? Onde moram?
Onde trabalha atualmente? Trabalha em quantas casas? Há quanto tempo é empregada
ou diarista nessa casa? Quantos dias você trabalha na semana? Quantas horas você
trabalha por dia?
Você tem horário fixo ou pode ir embora quando acaba as tarefas?
Tem horário para chegar e para sair? Você realmente sai nesse horário ou dependendo
você pode sair mais cedo ou mais tarde?
Tem carteira assinada?
(se não tem) Gostaria de ter carteira assinada?
Quanto recebe em cada casa? Quanto é a renda mensal? E a renda da família?
O emprego doméstico é uma ocupação provisória para você ou não?
É sindicalizada?
2 - História de vida
3 - Trajetória profissional
169
Já foi mandada embora? Por quê?
Já pediu para sair de alguma casa? Por quê?
Você fez algum curso ou passou por algum treinamento para desempenhar o seu
trabalho?
Já trabalhou em casa que precisava dormir no serviço? O que você acha disso?
Você já trabalhou tendo que usar uniforme? O que você acha disso?
Você já teve algum patrão ou patroa que queria assinar a sua carteira e você não quis?
Por quê? Você já evitou assinar a carteira como empregada doméstica?
Você já procurou o sindicato dos trabalhadores domésticos?
(para as empregadas) Se alguém lhe arranjasse um emprego para trabalhar em outra
casa ganhando mais, você iria? Por quê?
170
(Se tem filho pequeno ou se já teve) Com quem você deixa/deixou os seus filhos
enquanto trabalha/trabalhava?
Você paga/pagava algo para ela? Quanto você paga/pagava? Por quantas horas?
(se já foi empregada e diarista) Há alguma diferença entre ser empregada ou diarista e
articular a rotina de trabalho com os afazeres domésticos?
(se não tem carteira assinada) Você contribui para o INSS, por exemplo, como
autônoma?
(se sim) Quando pretende se aposentar? O que vai fazer depois de se aposentar?
(se não) E a aposentadoria? Como fará daqui a alguns anos?
Você já teve algum desentendimento com a patroa? Como você resolveu?
Nesses anos, você já passou por alguma situação ruim no seu trabalho?
Você já foi maltratada, acusada de algo ou xingada?
Você já ficou doente e não pode trabalhar durante um tempo? O que você fez?
Que direitos você tem como empregada doméstica e que direitos você tem como
diarista?
Mais alguma coisa que você gostaria de falar sobre o seu trabalho?
171
Anexo 2 – Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDH) dos bairros da Zona Sul da Cidade do Rio de Janeiro
Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDH) por bairros ou grupo de bairros da Zona Sul da Cidade do Rio de Janeiro – 2000
Esperança Índice de
Bairro ou grupo de bairros de vida ao Taxa de Taxa bruta de Renda per capita Índice de Índice de Índice de Desenvolvimento
nascer alfabetização de frequência (em R$ de 2000) Longevidade Educação Renda Humano Municipal
(em anos) adultos (%) escolar (%) (IDH-L) (IDH-E) (IDH-R) (IDH)
Gávea 80,45 98,08 118,13 (a) 2139,56 (b) 0,924 0,987 1,000 0,970
Leblon 79,47 99,01 105,18 (a) 2441,28 (b) 0,908 0,993 1,000 0,967
Ipanema 78,68 98,78 107,98 (a) 2465,45 (b) 0,895 0,992 1,000 0,962
Lagoa 77,91 99,46 115,26 (a) 2955,29 (b) 0,882 0,996 1,000 0,959
Flamengo 77,91 99,28 119,08 (a) 1781,71 (b) 0,882 0,995 1,000 0,959
Humaitá 77,91 99,28 122,20 (a) 1830,65 (b) 0,882 0,995 1,000 0,959
Laranjeiras 77,84 98,74 115,98 (a) 1679,22 (b) 0,881 0,992 1,000 0,957
Jardim Botânico 77,84 98,71 104,89 (a) 1952,77 (b) 0,881 0,991 1,000 0,957
Copacabana 77,78 98,48 107,54 (a) 1623,42 (b) 0,880 0,990 1,000 0,956
Leme 77,47 98,75 112,07 (a) 1713,89 (b) 0,875 0,992 1,000 0,955
Botafogo, Urca 78,25 98,46 113,01 (a) 1376,47 0,888 0,990 0,979 0,952
Glória 77,37 99,06 114,55 (a) 1183,28 0,873 0,994 0,954 0,940
Catete 74,99 96,65 100,40 (a) 822,22 0,833 0,978 0,893 0,901
Santa Teresa, Cosme Velho 74,06 96,14 92,60 701,19 0,818 0,950 0,867 0,878
Vidigal, São Conrado 71,12 94,76 82,00 1131,47 0,769 0,905 0,946 0,873
Rocinha 67,33 87,90 69,50 219,95 0,706 0,818 0,673 0,732
Fonte: Dados básicos: IBGE-microdados do Censo Demográfico 2000. Tabela retirada do site http://www.armazemdedados.rio.rj.gov.br/, e modificada.
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(b) Para efeito de cálculo do IDH, foi utilizado o valor de R$ 1.559,24
Definições:
Esperança de vida ao nascer (em anos) - Número médio de anos que as pessoas viveriam a partir do nascimento.
Taxa de alfabetização de adultos (%) - Percentual de pessoas acima de 15 anos de idade que sabem ler e escrever.
Taxa bruta de freqüência escolar (%) - Proporção entre o número total de pessoas em todas as faixas etárias que freqüentam os cursos fundamental, segundo
grau ou superior em relação ao total de pessoas na faixa etária de 7 a 22 anos.
Renda per capita (em R$ de 2000) - Razão entre o somatório da renda de todos os indivíduos (incluindo aqueles com renda nula) e a população total.
Índice de longevidade (IDH-L) - Índice do IDH relativo à dimensão Longevidade. É obtido a partir do indicador esperança de vida ao nascer, através da
fórmula: (valor observado do indicador - limite inferior) / (limite superior - limite inferior), onde os limites inferior e superior são equivalentes a 25 e 85 anos,
respectivamente.
Índice de educação (IDH-E) - Índice do IDH relativo à Educação. Obtido a partir da taxa de alfabetização e da taxa bruta de freqüência à escola, convertidas em
índices por: (valor observado - limite inferior) / (limite superior - limite inferior), com limites inferior e superior de 0% e 100%. O IDHM-Educação é a média
desses 2 índices, com peso 2 para o da taxa de alfabetização e peso 1 para o da taxa bruta de freqüência.
Índice de renda (IDHM-R) - Índice do IDH relativo à dimensão Renda. É obtido a partir do indicador de Renda per capita, através da fórmula: [Log (valor
observado do indicador) - Log (limite inferior)] / [Log (limite superior) - Log (limite inferior)],onde os limites inferior e superior são equivalentes a R$ 3,90 e R$
1559,24, respectivamente.
Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDH-M). É obtido pela média aritmética simples de três índices, referentes às dimensões Longevidade
(IDHM Longevidade), Educação (IDHM-Educação) e Renda (IDHM-Renda).
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