Você está na página 1de 34

CASOS PRÁTICOS – DIRETO

PENAL I
2019/2020

Síntese
O documento em questão reúne os casos práticos dados nas aulas práticas da Dra. Ana Rita
Alfaiate no ano de 2019/2020. As respostas tentam ser sucintas e analíticas tal como os
critérios de correção exigem. As questões de dolo subjetivo estão feitas de acordo com o
estudo para a oral (esta é para ti Provi)

Tomás Cunha
1 – TOMAS CUNHA – DP – 2019/2020 – TU – AULAS PRÁTICAS

CASO PRÁTICO 1

1. A e B são casados e em 30 de agosto de 2007, no meio de uma acesa


discussão, A disparou um tiro sobre B. B entrou em estado de coma e veio a
falecer no dia 25 de Setembro de 2007. Sabendo que a 15 de setembro de 2007
entrou em vigor uma alteração ao CP pela qual o homicídio do conjugue deixou
de ser um homicídio simples (Art.131º) e passou a ser um homicídio qualificado
(Art.132º), diga qual das normas deverá ter sido punido A

Na esteira das palavras de Roxin, o princípio do Estado de Direito conduz a que a


proteção dos Direitos, Liberdades e Garantias (DLG), seja levado a cabo não apenas
através do Direito Penal (DP), mas também perante este. De forma a evitar possíveis
comportamentos abusivos e arbitrários do poder estatal, o Estado encontra-se
submetido a um rigoroso princípio da legalidade que se traduz na regra de não pode
haver crime nem pena que não resulte de uma lei prévia, escrita, estrita e certa.
O princípio da legalidade assume consequência ou efeitos em cinco planos diversos:
1. Âmbito de aplicação
2. Da fonte
3. Da determinabilidade
4. Da proibição da Analogia
5. E por fim, no plano da retroatividade.
No caso prático em questão estamos perante um problema relativo ao plano da
retroatividade. Uma das consequência mais importante deste princípio é a proibição da
retroatividade em tudo quanto funcione contra o agente. É através desta proibição que
se satisfaz a exigência constitucional e legal de que só seja punido o facto descrito e
declarado passível de pena por lei anterior ao momento de prática desse ato.
Para entender este princípio é preciso compreender dois pontos: Pode suceder que:

• Após a prática de um facto, que ao tempo não constituía crime, uma lei nova
venha criminalizar esse mesmo facto.
o Ou então
• Sendo o facto já crime ao tempo da sua prática, uma lei nova prever uma pena
mais grave qualitativamente ou quantitativamente.
No caso prático em questão estamos perante a segunda situação. Por isso mesmo,
importa determinar o tempus delicti do crime, isto é, o momento da prática do ato.
Este pressuposto está longe de estar isento de dúvidas por uma série de razões, já o
facto pode ser analisado numa:

• ação
• ou numa omissão
• E porque o próprio facto compreende a conduta e o resultado.
2 – TOMAS CUNHA – DP – 2019/2020 – TU – AULAS PRÁTICAS

O artigo 3º do Código Penal (CP) vem resolver possíveis problemas. O artigo


supramencionado clarifica que para a determinação do momento da prática do facto é
a conduta, e não o resultado que contam. Esta opção é justificada à luz da função e do
sentido do princípio da legalidade.
Importa antes de terminar observar e analisar outro princípio fundamental: O princípio
da aplicação da lei mais favorável, que tem expressão tanto na lei ordinária (artigo 2º/4
CP) como na lei constitucional (29º, 4º - CRP). A consagração na nossa lei fundamental
do princípio em causa, tornou este mais do que uma exceção ao princípio da legalidade,
criando alguns problemas que importa considerar relativos às hipóteses de:

• Descriminalização
• De atenuação das consequência jurídicas
• E também relativas às lei temporárias e intermédias.
Contudo, face aos dados fornecidos, podemos afirmar que não se aplica nenhuma das
exceções previstas no artigo 2º do CP. Logo, temos de aplicar a lei que produzia efeitos
a 30 de agosto, em respeito pelo princípio da legalidade e do plano da retroatividade.

2. Em Janeiro de 2016, A praticou o facto X que constituía um crime. No entanto, uma


alteração ao CP de Julho desse ano passou a considerar que a conduta em causa
não é crime. A esta hoje a ser julgado por aquele facto. Qual a norma a aplicar?

Importa focar neste âmbito que o princípio da legalidade não cumpre toda a matéria
penal, mas apenas a que se traduza em fundamental ou agravar a responsabilidade do
agente. Caso contrário, o princípio da legalidade em sentido criminal passaria a
funcionar contra a sua teleologia e própria razão de ser.
No caso prático em questão estamos perante um caso de descriminalização:

• É a situação em que uma lei posterior à prática do facto deixa de considerar


como crime.
• Esta situação cabe, em bom rigor, dentro do princípio da aplicação da lei mais
favorável, mas o legislador ordinário contemplou diretamente o caos no artigo
2º/2 do CP.
• O artigo supramencionado traduz uma ideia de que a eficácia do princípio de
aplicação da lex mellior ser tão forte que, quando se analisa a descriminalização
direta do facto ela se impõe:
o No que toca à:
▪ Execução
▪ E aos efeitos penais
o Mesmo quando a sentença condenatória ter já transitado em julgado.
Esta opção do legislador é compreensível já que não faz sentido político-criminal manter
os efeitos de uma concessão entretanto ultrapassada.
Em suma, com base no artigo 2º do CP, aplica-se a exceção da primeira parte do nº2,
logo, o senhor A não vai ser punido.
3 – TOMAS CUNHA – DP – 2019/2020 – TU – AULAS PRÁTICAS

CASO PRÁTICO 2
A, gravida de 8 semanas, saudável e por sua opção, procedeu a uma
interrupção da gravidez realizada por um médico de um estabelecimento de
saúde oficial. Cometeu por isso, um crime de aborto, punível com uma pena de
prisão de 2 a 8 anos, nos termos do artigo 140ºCP. Sabendo que na sequencia
de um referendo e da lei nº 16/2007, de 17 de abril, do artigo 142º/1/e) CP
passou a prever que a interrupção da gravidez não é possível se for realizada
pela mulher nas primeiras 10 semanas de gravidez:
A. Diga qual a lei a aplicar, caso o julgamento ocorra em 2008;

B. Suponha agora que a norma só entrou em vigor no momento em


que A já tinha sido condenada com transito em julgado e já se
encontrava a cumprir uma pena de 3 anos de prisão. Quid iuris?

A. Temos de aplicar a lei mais favorável. Ora, o momento do facto é o momento em


que A interrompe a gravidez, sendo aplicada o Art.2º/2

B. Aqui também aplicamos o Art.2º/2, mas aqui como já estava a ser condenada, é
cessada a condenação, como previsto no Art.2º/2, 2ª parte. Novamente importa
focar a importância da consagração expressa do princípio da aplicação da lei
mais favorável. Foi a tipificação desta regra no artigo 2º do CP que conduziu a
uma ideia de que a eficácia do princípio da lex mellior é tão forte, que leva à sua
imposição no que toca à imposição e aos seus efeitos penais, mesmo caso a
sentença ter já transitado em julgado.

Esta opção tem por base a ideia de que se o legislador alterou a sua conceção
até ao ponto de deixar de reputar jurídico-penalmente relevante um
comportamento, não tem sentido política criminal manter os efeitos de uma
conceção ultrapassada.

CASO PRATICO 3

Em Abril de 2000, A foi encontrado com embalagens de plástico transparente


dentro das quais havia pó creme de continha 0,8gramas de heroína. Detinha
tal produto para consumo pessoal. Julgado o crime em outubro de 2000, A foi
condenado pelo crime de detenção de estupefacientes. Insatisfeito, A
recorreu da sentença. O tribunal da relação veio decidir o recurso em
setembro de 2001. A 1 de julho de 2001, entrou em vigor uma nova lei que
revelou o artigo que punia como crime o comportamento de A, passando a
considerar como contraordenação tanto o consumo como a aquisição e
detenção para consumo próprio de drogas ilícitas. Qual, na sua opinião, terá
sido a decisão final do tribunal de recurso para este caso?
4 – TOMAS CUNHA – DP – 2019/2020 – TU – AULAS PRÁTICAS

Como já vimos anteriormente o princípio da lei mais favorável tem expressão tanto na
lei ordinária (artigo 2º/4 - CP) como na lei constitucional (29, º4 – CRP).
Com a consagração na nossa lei fundamental, o princípio em causa ganhou um relevo
jurídico adequado ao seu significado para a salvaguarda dos Direitos Liberdades e
Garantias, levantando, contudo, alguns problemas.
Um deles refere-se à hipótese de descriminalização.
Importa em primeiro lugar, fixar o momento da prática do facto: 20 de abril de 2000.
Nesta altura, a prática do senhor A era considerada crime, respeitando o rigoroso
princípio da legalidade ao qual o direito penal se encontra submetido e que se traduz na
seguinte fórmula: “Não há crime, nem pena sem lei escrita, prévia, estrita, e certa.
Com a mudança legislativa levada a cabo pela Lei 30/2000, o comportamento do senhor
de A passou a ser considerado como mera contraordenação e não como crime. No caso
prático em questão estamos perante uma descriminalização em termos gerais,
levantando-se a dúvida em relação ao regime a aplicar neste tipo de casos. Verifica-se
a existência de diferentes perspetivas a propósito de resolução deste tipo de casos.
Temos três posições a saber:
1. O professor Taipa de Carvalho afirma que nestes casos o sujeito deve sair em
liberdade. Não se pune, existe descriminalização.

2. Por outro lado, Dr. Figueiredo Dias recusa esta posição. Na opinião do eminente
penalista é necessário a aplicação combinada dos artigos 2ºnº2 e 2nº4.
a. Vamos aplicar retroativamente o comportamento da contraordenação
porque é mais favorável ao agente. Na opinião de Figueiredo Dias, a
censura de mera ordenação social e a censura penal tem uma
continuidade entre si. Significa que não existe uma verdadeira rutura entre
elas.

3. Por último temos a posição do Dr. Faria Costa que defende a opção da
descriminalização, considerando a existência de duas figuras diferentes:
a. despenalização relativa:
i. No fundo verifica-se a atenuação da sanção dentro do próprio direito
penal.
b. despenalização absoluta:
i. situações em que uma determinada conduta deixa de ser crime, mas
passa a ser uma contraordenação.
No caso em concreto temos uma determinada conduta que deixa de ser um crime e
passa a ser uma contraordenação. Não se trata de total descriminalização. Ao nível
prático, a teoria de Faria Costa tem os mesmos efeitos da posição do Dr. Figueiredo
Dias.
Nota, contudo, para a rejeição de Figueiredo Dias das teorias acima apresentadas. Por
isso mesmo, devemos aplicar cumulativamente o nº2 e nº4, ou seja, aplicamos o nº4 e
retroativamente o nº2, sendo o senhor A punido com uma contraordenação.
5 – TOMAS CUNHA – DP – 2019/2020 – TU – AULAS PRÁTICAS

Caso Prático 4
A Lei 1 punia o crime x com uma pena de prisão de 2 a 8 anos. Na vigência dessa
Lei A cumpriu o crime nela tipificado. Pouco tempo depois da prática do crime, entrou
em vigor a Lei 2 que passou a punir esse facto com pena de prisão de 1 a 5 anos.
Acusada de ser demasiado branda, a Lei 2 foi entretanto revogada e substituída pela
Lei 3 que voltou a punir o crime com pena de prisão de 2 a 8 anos.
Supondo que A foi julgado na vigência da Lei 3, diga qual a Lei aplicável e justifique
a sua resposta.

Não podemos nunca esquecer que o princípio do estado de direito conduz a que
proteção dos DLG seja levado não apenas pelo direito penal, mas também perante o
direito penal. De forma a evitar possíveis comportamentos arbitrários e abusivos por
parte do poder estatal, o Estado encontra-se submetido a um rigoroso princípio da
legalidade que se traduz que não pode haver crime, nem pena que não resulte uma lei
prévia, escrita, estrita e certa. O princípio da legalidade assume consequências ou
efeitos em cinco planos diversos.
Plano:
1. Do âmbito de aplicação
2. Da fonte
3. Da determinabilidade
4. Da proibição de analogia
5. E por fim, da retroatividade.
O caso prático em questão insere-se no plano da retroatividade. Tal como acontece na
analogia, a proibição da retroatividade funciona apenas a favor do agente e nunca contra
ele. Por isso mesmo, esta proibição vale para:

• A todos os elementos da punibilidade


• À limitação das causas de limitação, exclusão ou diminuição da culpa
• E às consequências jurídicas do crime.
Importa relacionar o princípio da não retroatividade com outro princípio: O princípio da
lei mais favorável. Este princípio com a devida consagração constitucional (29º, 4º),
ganhou um relevo que fez deste princípio mais do que uma exceção ao princípio da
legalidade, possuindo inclusive natureza autónoma diretamente decorrente do princípio
da necessidade. Contudo, a sua fixação no texto constitucional trouxe alguns
problemas: Um deles é relativo às leis intermédias. Ou seja, leis como a lei 2 do caso
prático em questão, que entrou em vigor depois da prática do facto, mas que já não
vigora no momento de apreciação judicial. No caso prático em questão estamos perante
uma situação deste género.
Em casos como este, aplica-se também a lex mellior com base no artigo 2º/4º do CP.
Esta opção justifica-se:
Porque com a vigência da lei mais
• Teleológica favorável (intermédia), o agente ganhou
• E funcionalmente. uma posição jurídica que deve ficar a
coberto da proibição de retroatividade da
lei mais grave posterior
6 – TOMAS CUNHA – DP – 2019/2020 – TU – AULAS PRÁTICAS

Por isso mesmo, devemos aplicar a lei 2, porque de acordo com o artigo 2º/4 é a lei
mais favorável.

Caso Prático 5
Devido a uma grave crise económica, suponha que o Parlamento aprovou uma Lei
que agravava a pena do crime de especulação.
O crime de especulação era punido com pena de prisão até 3 anos, mas por uma
nova Lei, passou a ser punido com pena de prisão de 7 a 10 anos. Esta Lei 2
fixava o seu próprio período de vigência entre 1 de janeiro e 31 de julho de 2017.
Após o dia 31 de julho de 2017, tornou a vigorar o regime anterior ao dia 1 de
janeiro desse ano.

a) A cometeu o crime de especulação no dia 10 de janeiro de 2017 e foi julgado


no dia 20 de junho de 2018. Qual a Lei a aplicar?
O princípio da aplicação da lei mais favorável insere-se no âmbito do princípio da
legalidade em sentido criminal, que se traduz por seu turno, na seguinte fórmula: Não
há crime nem pena, sem lei prévia, escrita, estrita e certa. Este princípio com a respetiva
consagração na nossa lei fundamental, ganhou um relevo adequado ao seu significado
para a salvaguarda dos DLG, possuindo inclusive natureza autónoma face ao princípio
da legalidade.
Contudo, como já vimos noutros casos práticos, a sua fixação no texto constitucional
trouxe problemas, nomeadamente na área das leis temporárias, como aquela que temos
no caso prático em questão. Estes tipos de leis são editados, a priori pelo legislador
para um tempo determinado.
Podemos temos leis:

• Temporárias em sentido estrito:


o O período de tempo é, desde logo, apontado pelo legislador em termos:
▪ De calendário
▪ Ou em função da verificação ou cessação de um certo evento
• Temporárias em sentido amplo:
o O período de tempo é reconhecível em função de certas circunstâncias
temporais.
Constituem uma exceção ao princípio da aplicação da lei mais favorável prevista no
artigo 2º, nº3 do CP. Ou seja, vai ser aplicada a lei temporária, ainda que o julgamento
esteja a decorrer posteriormente ao momento em que a lei deixou de estar em vigor.
Chama-se a isto, ultra atividade das lei temporárias, mantendo-se em vigor
relativamente aos factos que tenham sido praticados durante a sua vigência.
A razão que justifica o afastamento da aplicação da lei mais favorável em que a
modificação legal se operou não em função de uma alteração de conceção
legislativa, mas de uma alteração de circunstâncias de facto que deram base à lei.
Logo, não há expetativas que mereçam ser tuteladas, existindo sim, razões de
prevenção geral positiva, sendo aplicada a lei temporária.
7 – TOMAS CUNHA – DP – 2019/2020 – TU – AULAS PRÁTICAS

b) Perante o mesmo caso, suponha agora que B praticou o crime de


especulação no dia 10 de dezembro de 2016. Se a condenação ocorrer no
dia 11 de junho de 2017, qual a Lei a aplicar
Estamos novamente perante um caso relativo a uma lei temporária. Importa, contudo,
destacar uma grande diferença relativo ao momento da prática do facto. Neste caso, B
praticou o crime no dia 10 de dezembro de 2016. Ou seja, praticou o ato antes da
entrada em vigor da respetiva lei temporária. Por isso mesmo, não podemos aplicar a
exceção ao princípio da aplicação da lei mais favorável consagrado no artigo 2º/3 do
CP. Logo, devemos aplicar a Lei anterior, que estava em vigor até 31 de dezembro de
2016 e que voltou a produzir efeitos no dia um de agosto.
c) Imagine agora que devido às críticas que se fizeram ouvir no sentido da
demasiada severidade do regime da Lei 2, que punia o crime de
especulação com pena de prisão de 7 a 10 anos, o Parlamento aprovou, no
dia 1 de fevereiro de 2017, uma nova Lei (Lei 3), que também limitava a sua
vigência, neste caso, até ao dia 31 de julho de 2017, onde se baixava a
sanção para prisão de 3 a 5 anos. De novo se fez sentir a critica, agora em
sentido inverso, falando-se de uma insuficiente severidade. Por isso, no
dia 1 de março de 2017 entrou em vigor um novo regime, a Lei 4, na mesma
a valer até 31 de julho de 2017, que estabelecia uma pena de prisão de 5 a
7 anos. Após o dia 31 de julho de 2017 tornou a vigorar o regime anterior
ao dia 1 de janeiro desse ano. C cometeu o crime de especulação no dia 15
de janeiro de 2017 e foi julgado no dia 20 de outubro de 2018. Qual a lei a
aplicar?
No caso prático em questão voltamos a estar na presença de um problema relativo a
leis intermédias e leis temporárias. Como já vimos, o princípio da aplicação da lei mais
favorável ao ser alvo de consagração expressa na CRP no artigo 29ºnº4 ganhou um
relevo jurídico adequado ao seu significado para a salvaguarda dos DLG, possuindo
inclusive, natureza autónoma diretamente decorrente do princípio da necessidade.
No caso prático em questão temos várias leis aprovadas pelo Parlamento, todas elas
de caráter temporário face à Lei 1. A Lei 2 é de caráter menos favorável face à Lei 3,
logo, em respeito pelo princípio da lex mellior, é ultrapassada pela lei 4. Contudo, a lei
3 é uma lei intermédia (tal como a lei 4), já que entra em vigor de forma posterior à
prática do facto, mas já não vigora ao tempo da apreciação judicial. Estamos por isso
mesmo, perante um caso de sucessão de leis temporárias.
Resta apurar a razão que levou o legislador a mudar a lei de forma sucessiva:

• Se foi por simples concessão do legislador: (COMO É NO CASO)


o Vamos aplicar a lei mais favorável porque o estado factual de exceção
não se alterou, sendo cada uma das leis idónea para julgar a situação.
o À luz da acumulação do artigo 2º/4 e do 2º/3 do CP, vamos aplicar a lei
temporária mais favorável.
o No caso será aplicada a lei 3 por isso mesmo. Nota, que não poderíamos
nunca aplicar a lei 1, porque apesar de ser mais favorável, não se adequa
à situação excecional.
• Se houve uma alteração de circunstâncias: (CASO SEGUINTE)
o Aplicamos a lei 4.
o Porquê? Porque nestes casos temos de olhar para lei nos termos da nova
circunstância
8 – TOMAS CUNHA – DP – 2019/2020 – TU – AULAS PRÁTICAS

Em suma, no caso prático em questão, temos de aplicar a lei mais favorável.


d) Vamos imaginar que o facto seria praticado a partir do dia 31 de julho.
Entretanto surgiu uma alteração de circunstâncias, surgindo uma nova Lei,
a Lei 5 que pune com uma pena de prisão até 3,5 anos. Qual é a Lei é que
iremos aplicar neste caso?
O princípio da aplicação da lei mais favorável tem expressão tanto na lei ordinária (2ºnº4
– CP), como na lei constitucional (29º, nº4). Este princípio ganhou um relevo jurídico
adequado ao seu significado para a salvaguarda dos DLG, possuindo inclusive natureza
autónoma diretamente do princípio da necessidade.
Contudo, apesar da sua importância e alcance face às hipóteses de descriminalização,
atenuação e também relativamente às leis intermédias, este princípio não pode ser
aceite em relação às leis temporárias. Importa perceber que no caso prático em questão
não se pode aplicar este princípio, porque a lei em causa (lei 5), teve por base uma
alteração de circunstâncias. Logo, aplicamos a lei 4 porque o facto foi cometido
durante a sua vigência, embora esta lei seja mais gravosa que a lei 5.

Caso Prático 6
De janeiro a agosto de 2016, praticamente não choveu em Portugal. Para minorar
os efeitos da falta de chuva, logo em março desse ano, o Parlamento votou uma Lei
(a Lei 1), que entrou em vigor a 1 de abril e que punia, com pena de prisão até 2
anos e enquanto durasse a seca, a utilização de água dos serviços públicos em
piscinas particulares.
Como caiu alguma chuva em fins de maio, o legislador, através de uma nova Lei (a
Lei 2) com inicio de vigência a 20 de junho, diminuiu a pena prevista para tais
comportamentos, fixando-a em multa até 120 dias.
Já em dezembro e depois de ter passado a seca, A está a ser julgado por ter
utilizado água dos serviços públicos para encher a sua piscina particular no dia 20
de abril. Qual a lei a aplicar?

As leis temporárias são leis como já vimos, que, a priori, são editadas pelo legislador
para um tempo determinado. Poderemos ter:

• Temporárias em sentido estrito:


o Leis essas, onde o período de tempo é, desde logo, apontado pelo
legislador em termos de calendário ou em função da verificação ou
cessação de um determinado evento.
• Temporárias em sentido amplo (lei de emergência)
o Leis, onde o período de tempo é reconhecível em função de certas
circunstâncias temporais.
No caso prático em questão estamos perante uma lei temporária em sentido amplo, já
que o período de duração da lei não é definido a priori, dependendo de uma possível
alteração de circunstâncias (nível da precipitação). Por isso mesmo, quer a lei 1, quer a
2, são leis temporárias em sentido amplo e não em sentido estrito. Logo, não podemos
aplicar o princípio da lex mellior, devido ao facto da alteração legislativa ter sido operada
9 – TOMAS CUNHA – DP – 2019/2020 – TU – AULAS PRÁTICAS

devido a uma mudança da circunstâncias e não a uma concessão do legislador. Logo,


a lei 1, apesar de ter um caráter menos favorável, deve ser aplicada pelos motivos acima
mencionados e por ser a lei do momento da prática do facto (artigo 2ºnº3 do CP).

Caso Prático 7
Quid Iuris se A, B e C, julgados e condenados respetivamente a 6, 12 e 14 anos de
prisão em 2013 veem hoje o tipo legal de crime no qual foram subsumidas as suas
condutas ser alterado no sentido de prever como pena máxima 6 anos de prisão.
Justifique.

Na esteira das palavras de Roxin, o princípio do Estado de Direito democrático conduz


a que proteção dos DLG dos indivíduos seja obtida não só através do direito penal, mas
também perante o mesmo. De forma a evitar comportamentos arbitrários e abusivos por
parte do poder estatal, o Estado é submetido a rigoroso princípio de legalidade em
sentido criminal que se traduz na fórmula:
“Não há pena nem crime sem lei prévia, escrita, estrita e certa”.
Este princípio que remonta à Magna Carta de 1215, sofreu uma longa evolução até ser
entre nós alvo de consagração expressa nos artigos 29º, nº4 da CRP e nº1 do Código
Penal.
O princípio da legalidade assume consequências e efeitos em cinco planos distintos:
Plano:
1. Do âmbito de aplicação
2. Da determinabilidade
3. Da fonte
4. Da proibição da analogia
5. E por fim, da retroatividade.
O caso prático em questão inscreve-se na esfera do plano da retroatividade. Tal como
acontece com a proibição da analogia, a proibição da retroatividade funciona apenas a
favor do agente e nunca contra ele, aplicando-se a regra da lex mellior consagrada no
artigo 2º, nº4 do CP e no artigo 29ª4 da CRP. Contudo, apesar do reforço da importância
deste princípio após a sua consagração na nossa lei fundamental, a sua fixação no texto
constitucional trouxe alguns problemas, um deles relativo às situações de atenuação
da consequência jurídica, como acontece no caso prático em questão.
No caso prático em questão, A cumpre a totalidade da nova pena e sai em liberdade, já
que passaram seis anos. Em relação aos restantes, ao abrigo do artigo 2º, nº4 do CP,
quer A, quer B devem sair em liberdade. Contudo, esta regra consagrada no artigo
supramencionado leva problemas do ponto de vista constitucional e formal.
A regra geral até 2007 passava pela aplicação do limite do caso julgado, ou seja, quando
existiam atenuações como aquela que se verifica no caso prático em questão, ou as
10 – TOMAS CUNHA – DP – 2019/2020 – TU – AULAS PRÁTICAS

pessoas saiam em liberdade ou viam a sua pena atenuada, desde que não tivesse
havido transito em julgado.
Esta normal levantava problemas de inconstitucionalidade, levantados quer pelo
professor Gomes Canotilho quer pelo professor Vital Moreira. Ora, o legislador com a
reforma de 2007 veio impor algumas alterações no regime:
1. O artigo 371º-A do CPP prevê a abertura do julgamento para a apreciação dos
factos
2. O Art.2º/4 em vigor atualmente, refere a possibilidade de reapreciação “ainda
transitado em julgado.
Contudo, vários penalistas questionam o artigo em causa, considerando que a norma
violava o principio da igualdade e o principio da separação de poderes.
Em termos de justiça relativa, a igualdade não é tratar tudo por igual, mas sim, tratar de
forma diferente o que é diferente. Neste caso, aplicar o mesmo regime para toda os
indivíduos (A,B e C) viola o principio da igualdade. Se no momento da decisão, o juiz
entendeu que A cumpria 6, B cumpria 12 e C cumpria 14, era porque os casos e as
circunstâncias em diferentes.
O professor Costa Andrade refere que existe também um problema formal, através da
violação do principio de separação de poderes. Para atual presidente do Tribunal
Constitucional este princípio basilar do Estado de Direito democrático é colocado em
causa perante a existência de pessoas a serem colocadas em liberdade não pelo poder
judicial, mas sim, pelo poder legislativo. Contudo, este argumento da separação de
poderes não é um argumento tão forte como o argumento do principio da igualdade.
Em suma, no caso prático apesar das dúvidas relativamente à inconstitucionalidade da
norma, em devemos aplicar o artigo 2º, nº4 do CP.

Caso Prático 8
A perseguiu B, atriz revelação de uma novela da TVI, de abril de 2010 a fevereiro de
2011, aparecendo-lhe de surpresa nos estúdios de gravação, dando-lhe presentes,
comparecendo em todos os eventos públicos em que B participava, referindo-se-lhe
exaustivamente em publicações de Facebook e no seu Blog do seguinte modo: “B
meu amor para toda a vida”. B profundamente inquieta com toda esta inquietação,
apresentou queixa contra A, em janeiro de 2011. Mas o processo acabou arquivado
na medida em que não foi possível subsumir as condutas de A nem pelos crimes
contra a honra, nem pelos crimes contra a reserva da vida privada. Sabendo que,
pela Lei 83/2015 de 5 de agosto, o Código Penal português passou a prever no seu
Art.154º-A o crime de perseguição, diga se é possível condenar, hoje, A pelos factos
cometidos. Justifique.

Na esteia da conceção defendida por Roxin, a proteção dos DLG num Estado de Direito
é realizada não só através do direito penal, mas também perante este. Ou seja, de forma
a evitar comportamentos abusivos e arbitrários por parte do poder estatal ,o Estado
encontra-se submetido a um rigoroso princípio da legalidade que se traduz no princípio:
11 – TOMAS CUNHA – DP – 2019/2020 – TU – AULAS PRÁTICAS

“Não há crime nem pena sem LEI

• Prévia
• Escrita
• Estrita
• E certa
Este princípio encontra a sua fundamentação numa pluralidade de fatores, sejam eles
externos ao direito penal, isto é, relacionados com os princípios fundamentais do Estado
de Direito, sejam internos, estes sim, diretamente relacionados com a natureza jurídico
penal. Por seu turno, o princípio da legalidade tem consequências em diversos planos:
Plano:
1. Do âmbito de aplicação
2. Da fonte
3. Da proibição de analogia
4. Da determinabilidade
5. E por fim, da retroatividade.
Importa perante o caso prático em questão focar o último plano. Relativamente ao plano
da retroatividade, importa perceber que uma das consequência mais importantes do
princípio da legalidade, é a proibição da retroatividade em tudo aquilo que funcione
contra o agente.
É através desta proibição que se satisfaz a exigência constitucional e legal de que seja
só punido o facto descrito e declarado passível de pena por lei anterior ao momento da
prática desse ato.
O pressuposto de toda atuação do princípio da legalidade passa pela determinação do
momento da prática do ato, ou seja, do tempus delicti. O artigo 3º do CP vem resolver
possíveis dificuldades na definição do momento da prática do ato: De acordo com o
artigo supramencionado para a determinação do momento da prática do facto é a
conduta que importa, não o resultado. O facto em questão foi praticado entre 2010 e
2011, período no qual não existia o crime em causa.
Não nos podemos esquecer que por muito nocivo se afigure um comportamento, é
necessário sempre que o legislador considere esse comportamento como crime. Só
dessa forma esse comportamento é passível de punição, logo, possíveis
esquecimentos, lacunas ou deficiências de regulamentação ou redação funcionam a
favor do agente, neste caso de A (ideia de magna charta do criminoso de Liszt). Logo,
este não pode ser condenado, não se colocando sequer a hipótese de aplicar o regime
mais favorável.
12 – TOMAS CUNHA – DP – 2019/2020 – TU – AULAS PRÁTICAS

Caso Prático 9
Durante um período de grande perturbação dos transportes públicos e por essa
circunstância, foi aprovada uma Lei que punia com pena de prisão até 6 meses
quem circulasse naqueles transportes sem bilhete para o efeito. A, individuo
avesso a regras, decidiu fazer uma viagem de Coimbra para Lisboa no
intercidades, sem comprar bilhete, passando toda a viagem a tentar esconder-se
do responsável pela verificação dos bilhetes (o senhor B). Perto de Vila Franca de
Xira, B encontra finalmente A e depois de se envolverem numa grande discussão,
B faz A sair nessa estação. 6 meses depois, quando a situação já está mais calma,
é aprovada uma nova Lei que vem agora punir a titulo contraordenacional quem
circule em transporte público sem bilhete para o efeito. Sabendo que no momento
em que A é levado a julgamento já está em vigor a Lei nova, diga se e como será
punido A. Justifique.

Uma eficaz prevenção do crime só pode ser alcançada com êxito se às intervenções
estatais forem levantados limites escritos. De modo a evitar comportamentos abusivos
e arbitrários por parte do poder estatal, o Estado encontra-se submetido a um rigoroso
princípio da legalidade, cujo conteúdo se traduz em que não pode haver crime nem pena
que não resulte de uma lei prévia, escrita, estrita e certa.
O princípio da legalidade assume consequências em diversos planos, inclusive no plano
da retroatividade, proibindo a retroatividade em tudo quanto funcione contra o agente.
Trata-se de uma proibição que satisfaz a exigência constitucional e legal de que só seja
punido o facto descrito e declarado passível de pena por lei anterior ao momento da
prática do ato.
O pressuposto fundamental do princípio da irretroatividade a determinação do tempus
delicti, ou seja, do momento da prática do ato. No caso prático, o facto ocorre durante
a vigência da lei 1 mas o julgamento ocorre já durante a vigência da lei 2. Ou seja,
estamos perante uma lei temporária, editada para um tempo determinado, definido a
priori pelo legislador.
Ora, de acordo com o artigo 2ºnº3, verifica-se a existência de uma exceção ao princípio
da lex mellior, logo devemos aplicar a lei vigente no momento da prática do ato.
A razão que justifica o afastamento da aplicação da lei mais favorável reside no facto da
modificação legal se ter operado em função de uma alteração de circunstâncias de facto
e não por uma alteração da conceção legislativa. Logo, não há expetativas que
mereçam ser tuteladas, mas sim, razões de prevenção geral positiva.
13 – TOMAS CUNHA – DP – 2019/2020 – TU – AULAS PRÁTICAS

Aplicação da lei penal no espaço


Começamos pelo Art.7º e, depois passamos para o Art.4º (se este não der, passamos
para o Art.5º). Nunca, resolvemos um caso prático aplicando o Art.4º e o Art.5º ou o
Art.4º e o Art.6º. O Art.4º é aplicado quando o facto é aplicado em Portugal. Quando o
facto é aplicado fora de Portugal, aplicamos o Art.5º e o 6º.
A regra é aplicar o Art.7º. Depois:
• Art.7º e 4º - QUANDO O CRIME OCORRE EM PORTUGAL
• Art.7º, 5º e 6º - QUANDO O CRIME OCORRE FORA DE PORTUGAL
Quando chegamos à conclusão de que o facto não foi praticado em Portugal, já não
podemos utilizar o Art.4º. Aplicamos o Art.5º e 6º.
No Art.5º temos vários princípios. Cada uma das alíneas tem um principio e deve ser
escolhido o que se adaptar melhor ao caso concreto.

Caso Prático 10
A, português, viajava numa aeronave portuguesa com destino a Espanha. Após aterrar em
Madrid, A ainda a bordo agride B, espanhol, causando-lhe ofensas à integridade física
graves. Podem os tribunais portugueses julgar este facto?

A conformação do sistema de aplicação da lei penal no espaço tem por base diversos
princípios e um determinado modelo de combinação. Esses princípios não assumem,
contudo, igual hierarquia, existindo um princípio base e múltiplos princípios acessórios
ou complementares.
O princípio base deste sistema é o da territorialidade. Este princípio estipula que o
Estado aplica o seu direito penal a todos factos penalmente relevantes que tenham
ocorrido no seu território com indiferença por quem ou contra tais factos foram
cometidos.
Este princípio assume-se então como princípio basilar da aplicação da lei penal no
espaço, em detrimento do princípio da nacionalidade, verificando-se várias razões para
tal, algumas delas de diferente índole. Para a determinar da sede do delito rege o artigo
7º do CP.
O legislador consagrou neste campo uma solução mista ou plurilateral, através da
cumulação do critério da conduta e do critério do resultado. Nota, contudo, para a
revisão do CP em 1998, onde se verificou uma adição de duas conexões ao artigo
supramencionado.
Olhando aos dados conhecidos, podemos concluir que o facto foi praticado em solo
português, com recurso ao critério do pavilhão. Podemos concluir que o princípio da
territorialidade sofre um alargamento parificando os factos cometidos em território
português e os que tenham lugar a bordo de navios ou aeronaves portuguesas (artigo
4ºb – CP). Estamos perante o critério do pavilhão, critério esse, que é justificado pela
consideração tradicional de que esses navios e aeronaves são ainda para efeitos
normativos, território português.
14 – TOMAS CUNHA – DP – 2019/2020 – TU – AULAS PRÁTICAS

Neste caso, a aeronave aterra em Madrid, ou seja, num aeroporto diferente do pavilhão,
não retirando competência às autoridades espanholas para proceder à intervenção
imediata das autoridades policiais e judiciárias. Quando tal suceder, dar-se à, no
máximo, a um conflito positivo de competências.

Caso Prático 11
A, francês, cometeu três homicídios qualificados em França. A polícia francesa
andava à sua procura, mas A conseguiu fugir para Portugal. Sabe-se que as vitimas
são todas portuguesas e que em França A seria punido com pena de prisão
perpétua. Uma vez em Portugal, A pode ser julgado pelos tribunais portugueses?

A conformação do sistema de aplicação da lei penal no espaço baseia-se em diversos


princípios e num determinado modelo de combinação. Estes princípios não assumem,
contudo, igual hierarquia, existindo um princípio base (Territorialidade) e diversos
princípios complementares ou acessórios.
O princípio da territorialidade assume-se como o princípio basilar na aplicação da lei
penal no espaço, ditando a aplicação por parte do Estado, do seu direito penal a todos
os factos penalmente relevantes que tenham ocorrido no seu território, com indiferença
por quem ou contra quem tais factos foram cometidos.
Para a determinação do sedes delicti, devemos aplicar o artigo 7º do CP. O legislador
consagrou neste campo uma solução mista ou plurilateral, através da cumulação do
critério da conduta e do critério do resultado. No caso prático em questão, o crime foi
praticado em França, ou seja, fora do território nacional. Por isso mesmo, temos de
recorrer aos princípios complementares do sistema de aplicação da lei penal no espaço.
A complementaridade reconhece que existem casos perante os quais, se tudo
repousasse no princípio da territorialidade, poder-se-iam abrir lacunas de punibilidade
indesejáveis. Surgem então os princípios da:

• Personalidade:
o Ativa:
▪ Porque o agente é português
o Passiva:
▪ Porque há uma aplicação da lei penal portuguesa a factos
cometidos no estrangeiro, por estrangeiros contra portugueses.
O fundamento deste princípio passa pela necessidade do Estado em proteger os
cidadãos nacionais. Este princípio encontra-se previsto no artigo 5º1-e do CP, sendo a
lei penal portuguesa aplicável a factos cometidos fora do território nacional por
estrangeiros contra portugueses, caso se verifique a reunião de três pressupostos:

• Agentes estão em Portugal.


o Neste caso prático o senhor A está. Requisito um reunido
• Os factos devem ser puníveis pela legislação do lugar em que tiverem sido
praticados.
o O homicídio qualificado é crime em Portugal também tal como em França
15 – TOMAS CUNHA – DP – 2019/2020 – TU – AULAS PRÁTICAS

• O facto que constitui crime admite extradição e esta não pode ser concedida.
o O artigo 5º 1-e, estabelece enquanto última condição de aplicação do
princípio da personalidade passiva, que o facto constitua crime que
admita extradição esta não possa ser concedida.
o O artigo 33º, nº4 da CRP, estabelece uma série de requisitos de modo a
permitir a extradição:
▪ Impedimento de extradição por motivos políticos. Não é o caso.
▪ Vedação da extradição por crimes que correspondam a certas
reações criminais como a pena de morte ou a pena perpétua.
• Nesses casos, a extradição só não estará vedada, caso o
Estado requerente (Estado Francês) dê garantias que tal
pena ou medida de segurança não será aplicada.
Em suma, se for garantido ao Estado Português que o Estado Francês não aplique o
regime previsto (pena perpetua), Portugal deverá extraditar o senhor A. Caso contrário,
por respeito ao artigo 33º, nº4, este deverá ser julgado à luz do direito português.

Caso prático 12
Na sequência de uma mega investigação encontrou-se uma maquina de reprodução de
notas de euro português, bem assim como já algumas notas impressas na casa de A,
português, residente em Marrocos. Supondo que em Marrocos só é punível a contrafação
de moeda marroquina, poderá A ser punido pela lei penal portuguesa? A contrafação de
moeda está prevista no Art.262º CP. Justifique a sua resposta.

A conformação do sistema da lei penal no espaço baseia-se em diversos princípios e


num determinado modelo de combinação. Estes princípios não assumem, contudo,
igual hierarquia, existindo um princípio base (princípio da territorialidade) e diversos
princípios complementares.
O princípio basilar de todo este sistema é o da territorialidade que dita a aplicação por
parte do Estado do seu próprio direito penal a todos os factos penalmente relevantes
que tenham ocorrido no seu território, com indiferença por quem ou contra quem tais
factos foram cometidos.
O artigo 7ºdo CP consagra as regras de determinação do locus delicti, tendo-se
verificando neste campo, a consagração de uma solução mista ou plurilateral, através
da cumulação do critério da conduta e do resultado. De acordo com este critério, o facto
foi praticado em Marrocos, fora do território nacional
O artigo 5º do CP prevê as situações em que a lei penal é aplicável a factos cometidos
fora do território nacional. A necessidade de princípios acessórios resulta do
reconhecimento que existem casos perante os quais, se tudo repousasse no princípio
português da territorialidade, poderiam abrir-se lacunas de punibilidade indesejáveis.
Um dos princípios complementares existentes no nosso ordenamento jurídico é o
princípio complementar da defesa dos interesses nacionais. Trata-se da específica
proteção que deve ser concedida a bens jurídicos portugueses com fundamento no
facto do próprio agente ter estabelecido relação com a ordem jurídica-penal- portuguesa
ao dirigir a sua ação contra interesses especificamente portugueses (moeda). Além
disso, o Estado em cujo território o crime foi praticado pode não ter condições de
16 – TOMAS CUNHA – DP – 2019/2020 – TU – AULAS PRÁTICAS

perseguir os infratores ou não ter simplesmente vontade de o fazer, sendo necessário


que o Estado Português se deve munir dos instrumentos necessários à defesa própria
dos seus interesses essenciais.
O crime de contrafação de moeda encontra-se consagrado na lei portuguesa no artigo
262º do CP, tratando-se de uma das situações previstas no artigo 5º1-a do CP. Logo,
estamos perante um caso, onde a lei penal é ainda aplicável a factos cometidos fora do
território nacional. Importa para terminar, olhar para o artigo 6º, relativo às restrições à
aplicação da lei portuguesa. De acordo com o nº1 do artigo supra, aplicação da lei
nacional só tem lugar caso o agente não tiver sido julgado no país de prática do facto,
algo que acontece. Por outro lado, não podemos aplicar o nº2 do artigo em causa,
relativo ao princípio da aplicação da lei mais favorável, porque o nº3 do artigo 6º
especifica que o regime do número anterior não se aplica aos crimes previstos nas
alíneas a) e b) do art. 5º. Logo, o senhor vai ser julgado de acordo com a lei
portuguesa.

Caso Prático 13
A, realizador francês, residente em Portugal, viajou para França com o intuito de
concluir uma nova curta metragem. Nesta usou B, uma jovem francesa de 14 anos.
A voltou para Portugal. Sabendo que a curta metragem em causa era de conteúdo
pornográfico e que a jovem B foi usada como protagonista, diga em que termos
poderão os tribunais portugueses julgar A pelo crime previsto e punível nos termos
do Art.176º/1/b CP. Justifique a sua resposta.

A conformação do sistema de aplicação da lei penal no espaço baseia-se em múltiplos


princípios e num determinado modelo de combinação. Contudo, nem todos os princípios
não assumem igual hierarquia, existindo um princípio base e diversos princípios
acessórios ou complementares.
O princípio basilar de todo este sistema é o princípio da territorialidade. Este princípio
traduz-se na aplicação por parte do Estado do seu direito penal a todos os
acontecimentos que ocorram no seu território independentemente por quem ou contra
quem tais factos foram cometidos. O artigo 7º do CP consagra as regras de
determinação do locus delicti, através de uma solução plurilateral ou mista, combinando
o critério do resultado com o critério da conduta. Importa então, destacar que o facto foi
praticado fora de Portugal, já que quer a ação quer o resultado foram obtidos em França.
O artigo 5º do CP prevê as situações em que a lei penal é aplicável a factos cometidos
fora do território nacional. A necessidade de princípios acessórios resulta do
reconhecimento que existem casos perante os quais, se tudo repousasse no princípio
português da territorialidade, poderiam abrir-se lacunas de punibilidade indesejáveis.
Um dos princípios complementares existentes no nosso ordenamento jurídico é o
princípio da universalidade. De acordo com este princípio o Estado pune todos os
factos contra os quais se deva lutar a nível mundial ou que ele tenha assumido
internacionalmente a obrigação de punir com indiferença pelo lugar da comissão,
nacionalidade do agente ou vítima. Este princípio num mundo globalizado como o atual
tem vindo a ganhar relevo.
17 – TOMAS CUNHA – DP – 2019/2020 – TU – AULAS PRÁTICAS

Neste sentido aponta o 5º1-c, que ordena a aplicação da lei penal portuguesa a crimes
que tutelam bens jurídicos carecidos de proteção internacional, como é o caso da
pornografia infantil. Contudo, não podemos esquecer que a aplicação da lei portuguesa
fora do território nacional só tem lugar quando o agente não tiver sido julgado no país
da prática do facto, algo que não aconteceu. Como o caso em questão não se inscreve
no âmbito dos crimes previstos no nº3 do artigo supramencionado, o realizador francês
pode ser julgado em Portugal à luz do direito português.

Caso Prático 13
Sergey, cidadão russo, violou Bouchard, cidadã canadiana durante uma competição
de surf que ambos realizavam na Jamaica. Sabendo que Sergey reside atualmente
em Portugal, diga se e em que condições serão os tribunais portugueses
competentes para proceder ao seu julgamento uma vez que Sergey nunca chegou a
ser encontrado pela polícia jamaicana.

A aplicação da lei penal no espaço está organizada de acordo com uma multiplicidade
de princípios. Porém, nem todos os princípios gozam de igual hierarquia, verificando-se
a existência de um princípio base (territorialidade) e de diversos princípios assessórios.
O princípio basilar de todo o sistema de aplicação da lei penal no espaço é o princípio
da territorialidade. De acordo com este princípio, o Estado pode aplicar o direito penal
nacional perante qualquer facto penalmente relevante praticado no seu território, com
indiferença perante a nacionalidade dos agentes envolvido.
O artigo 7º do CP rege as regras para determinação do locus delicti. O legislador
consagrou neste campo uma mista ou plurilateral, acumulando os critérios da conduta
e do resultado. De acordo com o artigo em causa, o delito foi praticado fora do território
nacional (na Jamaica), logo devemos perceber se o Estado Português é competente
para aplicar o seu direito penal perante um facto praticado fora do território nacional. No
caso prático em questão devemos mobilizar o princípio complementar da administração
supletiva da justiça penal consagrado no artigo 5º1f do CP. Este artigo veio colmatar
uma lacuna no sistema de aplicação da lei penal no espaço, evitando a possibilidade de
um cidadão estrangeiro (como Sergey), procurar refúgio em Portugal depois de praticar
um crime no estrangeiro. Caso esta norma não existisse, Sergey não poderia ser julgado
nem por outro, alvo de extradição. Desta maneira, segundo este princípio, a lei penal
portuguesa é aplicável a factos cometidos por estrangeiros no estrangeiro quando:

• O agente encontra-se em Portugal


• A sua extradição haja sido requerida
• O facto constitua crime que admita extradição e esta não possa ser concedida.
Perante os dados, não podemos extraditar Sergey à luz do artigo 33º da CRP, logo
devemos aplicar conferir se o caso não se encontra no âmbito das restrições à aplicação
da lei portuguesa fora do território nacional tipificados no artigo 6º. Como o agente não
foi julgado no país da prática do facto e não estamos perante um dos casos previstos
no nº3 do artigo supramencionado, podemos aplicar a lei nacional a Sergey.
18 – TOMAS CUNHA – DP – 2019/2020 – TU – AULAS PRÁTICAS

Caso 14 -
A bordo de uma aeronave espanhola, e na sequência de um desentendimento,
durante o voo, Totti, cidadão italiano, matou Figo, cidadão português. Assim que a
aeronave aterrou, A foi detido pela autoridade, julgado e condenado em Espanha.
A começou a cumprir 10 anos de prisão em março de 2012. No passado mês de
setembro, A conseguiu fugir da prisão refugiando-se num monte alentejano
propriedade de C, um amigo alemão. Serão os tribunais portugueses
competentes para julgar A? Poderá ser aplicada a lei penal portuguesa a esta
caso.

A conformação do sistema de aplicação da lei penal no espaço baseia-se em diversos


princípios e num determinado modelo de combinação. Estes princípios não assumem,
todavia, igual hierarquia, existindo um princípio base e um conjunto de princípios
acessórios.
O princípio basilar deste sistema é o da territorialidade. De acordo com este princípio o
Estado português tem de aplicar o seu direito penal perante qualquer facto penalmente
relevante praticado no seu território, com indiferença em relação à nacionalidade dos
agentes envolvidos.
O artigo 7º do CP rege os critérios de determinação da sede do delito, consagrando uma
solução mista ou plurilateral. O legislador optou pela cumulação de dois critérios: O
critério da conduta e o critério do resultado. De acordo com o artigo supra, o facto em
questão decorreu fora do território nacional (Espanha).
A complementaridade é explicada pelo reconhecimento que existem casos perante os
quais, se tudo repousasse no princípio português da territorialidade, poderiam abrir-se
lacunas de punibilidade indesejáveis. Surgem então os princípios da:

• Personalidade:
o Ativa:
▪ Porque o agente é português
o Passiva:
▪ Porque há uma aplicação da lei penal portuguesa a factos
cometidos no estrangeiro, por estrangeiros contra portugueses.
No caso prático em questão um sujeito estrangeiro matou um agente português. Este
princípio da personalidade passiva é explicado pela necessidade sentida do Estado
Português de proteger os cidadãos nacionais perante factos contra eles cometidos por
estrangeiros no estrangeiro.
O artigo 5-1e do CP estabelece um conjunto de requisitos para a aplicação da lei
portuguesa nestes casos:
a) Os agentes têm de ser encontrados em Portugal tal como acontece no caso
prático
b) O facto em questão também é alvo de punição no local onde se produziu o
resultado, algo que também acontece, já que o senhor italiano foi preso e
condenado em Espanha.
c) O artigo 5º 1e) estabelece como último requisito a necessidade do crime admitir
extradição e esta não poder ser concedida.
19 – TOMAS CUNHA – DP – 2019/2020 – TU – AULAS PRÁTICAS

Importa para terminar frisar o caráter subsidiário dos princípios de aplicação


extraterritorial da lei portuguesa, sendo necessário analisar as restrições à aplicação da
lei portuguesa no estrangeiro previstas no artigo 6º do CP.
O senhor espanhol deve ver na sua pena uma subtração ao cumprimento total ou parcial
da condenação já que cumpriu parte da sua pena em solo espanhol. Trata-se de uma
regra com vista a respeitar o princípio jurídico constitucional ne bis in idem (29º, nº5 –
CRP). Em segundo lugar, deve ser aplicada a Totti a pena mais favorável em respeito
pelo artigo 6ºnº2. Por último, não aplicamos o artigo 6ºnº3, porque o caso em questão
não figura na lista de exceções tipificadas na lei.

Caso 15
Durante o mês de agosto, Heinz casado com Angela e durante um cruzeiro pelo
Atlântico, envenenou a sua mulher na expectativa de que esta em agonia acabava-
se por falecer quando finalmente chegassem à ilha da Madeira. Ao chegar ao
Funchal, B, porém, queixando-se de um grande mau estar é imediatamente
internada, acabando por sobreviver. Detido imediatamente pelas autoridades
portuguesas, Heinz foi acusado de um crime de homicídio qualificado na forma
tentada. Sabendo que quer Heinz quer Angela são alemães, diga se Heinz pode
ser julgado pelos tribunais portugueses e qual aplicável nesse caso. Justifique.

A aplicação da lei penal no espaço é feita através de um sistema combinado de vários


princípios. Todavia, nem todos esses princípios têm igual hierarquia, verificando-se a
existência de um princípio base (territorialidade) e múltiplos princípios acessórios.
O princípio da territorialidade é o princípio basilar de todo o sistema de aplicação da lei
penal no espaço. De acordo com este princípio, o Estado aplica o seu direito penal em
relação a todos os factos penalmente relevantes ocorridos no seu território, com
indiferença por quem ou contra quem tais factos foram cometidos.
O artigo 7º do CP prevê as regras relativamente à determinação da sede do delito. Este
preceito do nosso CP consagra uma solução mista ou plurilateral, tendo o legislador
optado pela cumulação dos critérios da conduta e do resultado. Em 1998, o legislador
veio aditar ao artigo supramencionado duas conexões, uma delas relevantes para o
caso em questão. De acordo com a reforma, o local do facto é também, em caso de
tentativa, o local onde o resultado deveria ocorrer segundo a representação do agente.
Como Heinz queria que a sua esposa falecesse na ilha da Madeira, o lugar da prática
do facto é o território português (7º2-CP). Logo, salvo tratado ou convenção
internacional existente nesse sentido, Heinz seria julgado nos tribunais portugueses.
20 – TOMAS CUNHA – DP – 2019/2020 – TU – AULAS PRÁTICAS

NOTA: Nos casos de imputação devemos procurar provar que não existe imputação,
descendo teoria a teoria caso se verifique imputação. Se perante os diferentes degraus
a imputação for justa e legítima devemos considerar a existência de imputação e
terminar o caso.

Caso 16
A deu um empurrão a B. Na sequência deste empurrão, B teve um enfarte do
miocárdio e morreu. Em tribunal, provou-se que A desconhecia a doença cardíaca
de B. Preencheu A com a sua conduta o tipo de ilícito por crime de homicídio?
Justifique.

O preenchimento integral de um tipo de ilícito além do resultado produzido, exige a


imputação do mesmo à ação.
Esta problemática da imputação é uma das questões mais discutidos de toda a
dogmática penal, verificando-se a existência de várias teorias acerca deste problema.
A primeira perspetiva entre ação e causa do resultado é a pura causalidade. Esta teoria
surge no século XIX com Glaser e Bari, tem como premissa a ideia de que a causa de
um resultado é toda a condição sem a qual o resultado não teria lugar (condição sine
qua non). De acordo com esta teoria, a morte B pode ser imputada à ação de A
(empurrar B)
O defeito principal desta teoria reside na exagerada extensão que confere ao objeto da
valoração jurídica. Contudo, esta teoria não deve ser rejeitada em definitivo, sendo
sempre necessário uma relação de causalidade, embora não seja suficiente para
constituir em si mesma como doutrina da imputação objetiva. Importa subir de nível do
primeiro grau para o segundo, relativo à causalidade jurídica sob a forma da teoria da
adequação.
A teoria em causa surge como critério complementar da teoria das condições
equivalentes, por isso para que o resultado possa ser imputado à ação é ainda e
sempre necessária que se tenha verificado um nexo causal entre ambos. O critério
geral desta teoria criado por Kries, reside em que para a valoração jurídica da ilicitude,
não serão relevantes todas as condições, mas apenas aquelas que segundo as
máximas da experiência e da normalidade do acontecer são idóneas a produzir o
resultado. É neste sentido que deve ser entendido o artigo 10ºnº1 do CP.
O juiz deve deslocar-se mentalmente para o passado e verificar se ação praticada teria
como sequência a produção do resultado à luz da premissa supramencionada. Se este
entender que a produção do resultado era imprevisível ou de verificação rara, a
imputação não deverá ter lugar. Como um empurrão não é causa normal e previsível
de um enfarte, a ação de A não pode ser imputada ao resultado provocado pela mesma.
Nota, contudo, que caso A soubesse da existência dos problemas cardíacos de B, a sua
ação poderia ser imputada ao resultado, devido à existência de especiais
conhecimentos do agente.
21 – TOMAS CUNHA – DP – 2019/2020 – TU – AULAS PRÁTICAS

Caso 17
A circula de automóvel a 80 km/hora num local em que a velocidade máxima
permitida é de 50 km/h. Entretanto, devido ao rebentamento de um pneu, que nada
fazia prever, A perde o controlo do carro e, galgando o passeio, atropela B, que
vem a morrer em virtude do acidente. Poderá A ver este resultado de morte de B
sendo imputado à sua conduta? Justifique.

Nos crimes de resultado suscita-se o problema da imputação do resultado à conduta do


agente. Exige-se para o preenchimento integral de um tipo de ilícito a produção de um
resultado e a imputação da ação ao mesmo.
Esta problemática da imputação é uma das mais discutidas de toda a dogmática penal,
verificando-se a existência de diferentes teorias que procuram dar resposta a esta
questão.
A primeira perspetiva de relação entre a ação e causa do resultado é a pura
causalidade. A premissa básica desta teoria é a de que a causa de um resultado é a
condição sem a qual o resultado não teria lugar. Esta teoria surge no século XIX. com
Glaser e Brui. De acordo com esta perspetiva, a ação de A é imputável ao resultado em
causa.
Contudo, apesar da importância desta teoria, é necessário subir um degrau, devido a
uma exagerada extensão que confere ao objeto da valoração jurídica. Importa por isso
mesmo, analisar a teoria da causalidade adequada. Esta teoria surge como critério
complementar da teoria das condições equivalentes. O critério geral desta teoria criada
por Kries, reside em que para a valoração jurídica não são relevantes todas as
condições, mas só aquelas que só as regras da experiência comum são idóneas para
produzir o resultado. É assim que deve ser entendido o artigo 10ºnº do CP. Em relação
a esta teoria importa perceber a necessidade de a adequação se referir a todo o
processual causal e não apenas ao resultado, sob pena de se alargar em demasiada a
imputação. Aqui surgem os problemas de interrupção do nexo causal. A interrupção do
nexo causal é preciso determinar se esta é:

• PREVISÍVEL
o Não há interrupção do nexo de casualidade.
o LOGO, HÁ IMPUTAÇÃO
• Se for IMPREVISÍVEL:
o Há interrupção do nexo de causalidade.
o LOGO, NÃO HÁ IMPUTAÇÃO.
No caso prático a interrupção é imprevisível, logo não há imputação.

Caso 18

A e B estão a conversar na beira da estrada. A dada altura, A distrai-se e não


repara num automóvel que, desgovernado, vem na sua direção. Nesse mesmo
instante, B empurra A e salva-o de uma morte certa. Devido ao empurrão, A caiu e
partiu uma clavícula, o que causou 30 dias de doença. Por isso, A apresentou
queixa contra B pelo crime de ofensa à integridade física. Quid iuris?
22 – TOMAS CUNHA – DP – 2019/2020 – TU – AULAS PRÁTICAS

Nos crimes de resultado suscita-se o problema da imputação do resultado à conduta do


agente. Exige-se para o preenchimento integral de um tipo de ilícito a produção de um
resultado, mas também a imputação deste à ação.
Esta problemática da imputação é uma das questões mais discutidas de toda a
dogmática penal, verificando-se a existência de diversas teorias que tentam responder
a esta questão.
Importa analisar perante o caso prático em questão, em primeiro lugar a teoria da
condição sine qua non. A premissa básica desta teoria é a de que a causa de um
resultado é toda a condição sem a qual o resultado não teria o lugar. De acordo com
esta teoria a ação de B deve ser imputada ao resultado. Ora, devido à exagerada
extensão conferida ao objeto da valoração jurídica, devemos subir de nível do primeiro
grau para o segundo, recorrendo á teoria da causalidade adequada. Esta teoria criada
por Kries, tem como critério geral a ideia que a para a valoração jurídica não serão
relevantes todas as condições, mas só aquelas que segundas as regras da experiência
comum são idóneas para produzir o resultado. É neste sentido que deve ser entendido
o artigo 10ºnº1do CP. Á luz desta conceção, voltámos a admitir a existência de um nexo
de imputação entre a ação (empurrar A) e o resultado (partir a clavícula), devido ao facto
desta lesão ser normal e previsível face às regras da experiência e da normalidade do
acontecer.
Por isso, devemos recorrer ao terceiro grau. A conexão de risco de acordo com as
palavras de Sratenwerth.
De acordo com esta teoria, o resultado só pode ser imputável à ação caso:

• Esta tenha:
o Criado
o Ou aumentado
▪ Um risco PROIBIDO para um bem jurídico protegido pelo tipo
ilícito
o E esse risco se tenha MATERIALIZADO no resultado típico.
De acordo com esta perspetiva não há lugar à imputação, porque o agente com a sua
ação não criou nem aumento um risco proibido. Pelo contrário, diminuiu o risco de A ser
atropelado, o que seria um perigo maior.
Nos crimes de resultado suscita-se o problema da imputação do resultado à conduta do
agente, exigindo-se para o preenchimento integral de um tipo de ilícito a produção do
resultado e a consequente imputação do resultado à ação.
23 – TOMAS CUNHA – DP – 2019/2020 – TU – AULAS PRÁTICAS

Caso 19
Numa estrada em que se podia conduzir a 100km/h, A conduzia a não mais de 80
e cumpriu todas as regras de segurança. O peão B atravessou-se
inesperadamente à frente de A e, batendo no automóvel deste, B acaba por morrer.
Pode a morte de B ser imputada a A?

Esta problemática da imputação é uma das questão mais discutidas de toda a dogmática
penal, verificando-se a existência de várias teorias que tentam responder a esta
questão.
A primeira perspetiva de relação entre ação e causa do resultado é a pura causalidade.
A premissa base desta teoria nascida no século XIX com Glaser e Buri, passa pela ideia
de que a causa de um resultado é toda a condição sem a qual o resultado não teria
lugar. Estamos perante uma autêntica condicio sine qua non.
Esta teoria evoluiu ao longo tempo, primeiro com a substituição da supressão mental
pelo critério da condição conforme as leis naturais, e mais tarde, com o recurso às leis
da experiência e da base estatística.
Esta teoria apresenta como defeito principal a extensão exagerada conferida ao objeto
da valoração jurídica. Por isso mesmo, embora a relação de causalidade seja sempre
necessária, não é suficiente para responder a esta problemática. É preciso subir do
primeiro degrau para o segundo.
Surge então, a teoria da causalidade adequada. De acordo com esta teoria criada por
Kries, para a valoração jurídica da ilicitude só são relevantes as condições que segundo
as regras de experiência comum são idóneas a produzir o resultado. É neste sentido
que deve ser entendido o artigo 10º do CP.
São, contudo, várias as dificuldades com que se depara a teoria da adequação. O nexo
de adequação tem de ser aferido de acordo com um juízo ex ante e não ex post, de
forma a apurar se a ação praticada por A teria como consequência a produção do
resultado em condições normais e previsíveis. Ora, podemos concluir que a imputação
de acordo com esta teoria deverá ter lugar, o que pode figurar numa situação de injustiça
para A já que este vinha a conduzir a 80km por hora apenas (abaixo do limite imposto
por lei naquele troço). Estamos perante uma das limitações dessas soluções, na medida
que, na generalidade destes casos, a ação se revela adequada à produção do resultado
típico, enquanto, por outro lado, não é possível proibir tais condutas, o que conduziria a
um retrocesso social.
Importa por isso mesmo avançar para a chamada conexão do risco. Para esta teoria o
resultado só deve ser imputável quando:

• A ação tenha criado/aumentado um risco proibido para o bem jurídico protegido


pelo tipo de ilícito
• E esse risco se tenha materializado no resultado típico.
Quando não se verifique uma destas condições a imputação deve ser considera
excluída. No caso prático em questão, A com a sua ação nem criou um risco não
permitido nem aumentou um já existente.
24 – TOMAS CUNHA – DP – 2019/2020 – TU – AULAS PRÁTICAS

Caso 20
No âmbito de uma cirurgia, A, o anestesista de serviço, engana-se na dosagem do
produto anestésico vindo o paciente B a morrer. Analisado o relatório da autopsia,
prova-se que a morte de B ocorreria igualmente caso a anestesia tivesse sido
corretamente efetuada. Na verdade, em virtude de uma raríssima enfermidade
congénita, desconhecida até pelo próprio B, a mais ínfima quantidade de anestésico
era absolutamente incompatível com B. Deve ou não se imputar o resultado de morte
de B à conduta de A?

Os✓ crimes de resultado suscitam a problemática da imputação do resultado à conduta


do agente. Exige-se para o preenchimento do tipo do ilícito não só um resultado, mas
também a respetiva imputação da ação ao resultado produzido.
Esta problemática é uma das questões jurídicas mais discutidas de toda a dogmática
penal. A primeira perspetiva de relação entre ação e causa do resultado é a pura
causalidade. De acordo com esta teoria surgida no século XIX pelas mãos de Buri e
Glaser, a causa do resultado toda a condição sem a qual o resultado não teria lugar.
Esta teoria devido ao surgimento de diversas críticas sofreu uma reconstrução. Numa
fase inicial deu-se a substituição da ideia de supressão mental pelo critério da condição
conforme às leis naturais. Devido à fraca fiabilidade deste último critério, recorre-se por
outro lado, às leis da experiência e de base estatística. A doutrina das condições
equivalentes tem, contudo, um grande defeito: Confere uma exagerada extensão ao
objeto da valoração jurídica. Apesar da relação de causalidade ser sempre necessária,
não é suficiente para responder ao problema colocado pelo caso prático em questão. A
ação de A vai ser à luz desta teoria sempre imputada ao resultado, o que pode conduzir
a um resultado injusto.
Importa por isso mesmo, subir de degrau e analisar o caso perante a lupa da teoria da
causalidade adequada. Esta teoria criada por Kries tem como critério geral para a
valoração jurídica da ilicitude, não todas as condições como ocorre na teoria anterior,
mas sim todas as condições que segundo as máximas da experiência comum sejam
idóneas a produzir o resultado.
É neste sentido que deve ser entendido o artigo 10ºdo CP. Com base nas regras da
experiência e da normalidade do acontecer, a ação de A é idónea a produzir o resultado.
Importa por isso mesmo avançar rumo à teoria da conexão do risco. Para esta teoria o
resultado só deve ser imputável à ação quando esta:

• Tenha criado/aumentado um risco proibido para o bem jurídico protegido pelo


tipo de ilícito
• Sendo igualmente necessário que esse risco se tenha materializado no resultado
típico.
Não basta a comprovação de que o agente A, com a sua ação (engano na dosagem)
tenha produzido ou potenciado um risco não permitido para o bem jurídico ameaçado.
É necessário ainda determinar se esse risco se materializou ou concretizou no resultado
típico (morte de B).
A dificuldade provém sobretudo de que para conhecer a existência e caraterísticas do
perigo é decisivo um juízo ex ante. Contudo, só é possível determinar através de uma
25 – TOMAS CUNHA – DP – 2019/2020 – TU – AULAS PRÁTICAS

análise ex post de modo a perceber se o perigo determinou o resultado. No caso prático


em questão estamos perante um comportamento ilícito alternativo.
De modo a resolver este problema não podemos recorrer nem à doutrina de adequação,
que apontaria através de um juízo de prognose póstuma, para a produção do resultado
(morte de B), nem podemos resolver este problema com recurso a um puro critério de
potenciação do risco, já que a conduta de A aumentou o risco de B morrer. Ou seja, não
se consegue uma solução unitária para este problema:
Exame: POSSIBILIDADES: - COLOCAR UMA
POSSIBILIDADE 1:
Caso se verifique que tanto a conduta indevida (engano na dosagem do produto), como
a conduta lícita alternativa ( dosear de forma correta a anestesia), produziriam o
resultado típico, a imputação objetiva deve ser negada:

• Devido à impossibilidade de comprovar a verdadeira potenciação do risco


• E porque não se pode dizer que o comportamento do agente criou um risco não
permitido.
POSSIBILIADE 2
Pelo contrário, se se demonstrar que o comportamento alternativo lícito era irrelevante
para o caso, ora porque o resultado não era seguro que acontecesse ou fosse
meramente possível, pode haver imputação, desde que esta respeite o princípio in dúbio
pro reo.

Caso 21
A provoca um acidente de viação em que B condutor do outro veículo fratura uma
perna. Transportado para o hospital, B é submetido a uma intervenção cirúrgica. Por
lapso de C anestesista ocorre uma troca na anestesia e acaba por provocar a morte
de B. Logo a seguir aquela operação deflagrou um incendio na enfermaria para onde
B seria levado se a intervenção cirúrgica tivesse sido bem-sucedido. Desse incendio
resultou a morte de todos os pacientes daquela enfermaria.
Quid iuris, quanto à possibilidade de impugnação do resultado morte à conduta de A
e à conduta de C?

Os crimes de resultado suscitam problemas relativamente à imputação do resultado à


conduta do agente. Para o preenchimento integral de um tipo ilícito é necessário por um
lado, a produção de um determinado resultado e por outro, de um nexo de imputação
entre esse resultado e a ação.
Esta problemática da imputação é uma das questões mais discutidas de toda a
dogmática penal. A primeira perspetiva de relação entre causa e ação é a pura
causalidade. A premissa básica desta teoria nascida no século XIX pela mão de Buri e
Glaser passa pela ideia de que a causa de um resultado é toda a condição sem a qual
o resultado não teria (condição sine qua non).
Esta teoria devido às diversas críticas que foi alvo sofreu diversas alterações. E primeiro
lugar deu-se uma reconstrução que passou pelo abandono do critério da supressão
26 – TOMAS CUNHA – DP – 2019/2020 – TU – AULAS PRÁTICAS

mental, sendo este substituído pelo critério da condição conforme às leis naturais. No
entanto, este argumento mostrou-se pouco fiável, tendo-se verificado o recurso às leis
da experiência e da base estatística. Esta doutrina tem como principal problema a
extensão exagerada que confere ao objeto da valoração jurídica. Por isso mesmo, e
apesar da relação de causalidade ser sempre necessária, não é suficiente, sendo
necessário subir de nível até ao segundo degrau da teoria da causalidade adequada.
Caso contrário segundo as regras desta teoria, o crime de homicídio deve ser imputado
a A, o que pode conduzir a uma situação injusta.
O critério geral desta teoria criada por Kries, tem por base a ideia que a valoração
jurídica da ilicitude não tem por base qualquer condição, mas sim, as condições que
de acordo com as máximas da experiência comum se mostram idóneas para produzir o
resultado. É neste sentido que deve ser entendido o artigo 10º do CP. A esta teoria
surgem uma multiplicidade de problemas e desafios. Um deles é relacionado com a
intervenção de terceiros. A atuação de C integra-se no processo causal desencadeado
por A, o que vai excluir a sua imputação, salvo quando ela for previsível e provável. Não
é o caso.
Poderemos imputar o resultado da morte de A quem? Neste caso a C. Isto quer à luz
da primeira teoria quer da segunda conceção. Todavia, não podemos esquecer a
situação causada pelo incêndio. Importa perceber que C teria morrido à mesma graças
ao incêndio. Não podemos esquecer o conceito de causalidade virtual, onde apesar do
agente ter criado um perigo não permitido e este ter-se materializado no resultado típico,
temos razões para duvidar se a sua ação (anestesiar de forma errada B) deva ser
objetivamente imputada ao resultado (a sua morte).
Como não podemos abandonar o bem jurídico à agressão do agente só porque B não
pode ser salvo, devemos imputar a ação C. Na causalidade virtual o resultado produz-
se devido a uma causa alternativa ao agente, mas a própria ação deste, causaria o
mesmo resultado. Desta forma distinguimos a causalidade virtual dos comportamentos
lícitos alternativos, onde não se verifica a imputação do resultado à conduta.

Caso 25

A queria matar B. Sabendo que é este que abre habitualmente a associação


recreativa da aldeia de ambos, por volta das 19 horas. A espera o anoitecer. E ao
ver um vulto a ligar a máquina do café dispara sobre ele matando-o.
A) Horrorizado descobre que afinal B estava de cama com gripe e que naquele dia
foi o irmão de B, C quem assumiu a tarefa de abrir o estabelecimento. Quid iuris?

O tipo de ilícito incriminador tem um tipo objetivo de ilícito e um tipo subjetivo de ilícito,
sob a forma dolosa ou negligente. O CP não define o dolo do tipo, dispondo apenas no
artigo 14º do CP, cada uma das formas em que ele se analisa. O artigo 13º por seu
turno, esclarece que só é punível o facto praticado com dolo ou nos casos
especialmente previstos na lei, com negligência. Podemos concluir então, que a
classificação de crime mais grave é a dolosa, sendo o elemento da culpa é o elo
diferenciador entre delitos dolosos e negligentes.
O dolo do tipo traduz-se no CONHECIMENTO e na VONTADE de realização do tipo
objetivo de ilícito. Por outras palavras, o conceito em termos concetuais é preenchido
27 – TOMAS CUNHA – DP – 2019/2020 – TU – AULAS PRÁTICAS

pela reunião de dois momentos: O MOMENTO INTELECTUAL e o MOMENTO


VOLITIVO.
Importa desde logo vincar que estes dois elementos apesar de fundamentais não se
situam no mesmo plano. O elemento intelectual do dolo do tipo não pode ser
considerado decisivo na distinção entre delitos dolosos e negligentes. Porquê? Porque
há delitos não dolosos, onde o agente tem conhecimento dos factos que preenchem o
tipo ilícito, como acontece na negligência consciente consagrada no artigo 15º do CP.
CONCEITO DE NEGLIGÊNCIA CONSCIENTE:

O agente representou como possível o resultado ocorrido, mas confiou, não devendo confiar, que ele não se verificaria, na negligência
inconsciente o agente infringe o dever de cuidado imposto pelas circunstâncias, não pensando sequer na possibilidade do preenchimento
do tipo pela sua conduta. Exemplo: A violação do dever de cuidado por parte do arguido, ao confiar que não estava embriagado, quando
possuía uma T.A.S. mais de 12 vezes superior á permitida por lei para poder conduzir um veículo automóvel pesado de mercadorias, é
muito elevada, roçando a negligência grosseira.

É o elemento volitivo, quando ligado ao elemento intelectual requerido, que serve para
indiciar uma posição ou uma atitude do AGENTE contrária à norma do comportamento,
ou seja, uma CULPA DOLOSA.
Mas olhemos em primeiro lugar, ao momento intelectual do dolo:
Este momento trata da necessidade, para que o dolo do tipo se afirme que o agente:
CONHEÇA, SAIBA E REPRESENTE CORRETAMENTE
AS CIRCUSTÂNCIAS DO FACTO QUE PREENCHE UM TIPO DE ILÍCITO
OBJETIVO.
O que está em causa é o agente, conhecer tudo quanto seja necessário para uma
correta orientação ética para o desvalor jurídico em que a ação consiste e para o seu
caráter ilícito. Ou seja, caso exista identidade típica entre:

• O Crime projetado
• E o crime efetivamente consumado
Não há exclusão do dolo. Por seu turno, se não existir identidade típica entre o objeto
do crime projetado e o objeto do crime objetivamente consumado, exclui-se o dolo e fica
ressalvada a negligência.
No caso em análise, A disparou sobre a vítima pensado que C era na verdade B. Ou
seja, não estamos perante um erro na trajetória, mas sim perante um erro sobre a
pessoa. O decurso real do acontecimento correspondeu inteiramente ao intentado. O
senhor A disparou com intenção de matar quem entrava na associação e conseguiu
concretizar a ação com sucesso. No entanto, houve um erro na formação da própria
vontade e não na execução. Ou seja, o objeto atingido é COINCIDENTE ao projetado.
Logo, o erro sobre a pessoa é irrelevante, havendo dolo. A explicação para isto é
simples: A lei proíbe a lesão não de um determinado objeto ou indivíduo, mas de todo e
qualquer objeto ou pessoa compreendidos no tipo de ilícito. Nunca podemos esquecer,
que o DP é um DP do FACTO e não do agente. Atualmente, é totalmente rejeitada a
conceção do direito penal do agente que tinha ganho força nos anos 30 nos regimes
alemães e italianos.
28 – TOMAS CUNHA – DP – 2019/2020 – TU – AULAS PRÁTICAS

Em suma, como há identidade típica entre o objeto do crime projetado e o objeto do


crime efetivamente consumado, não vamos excluir o dolo, apesar da existência de
um erro.
OPÇÃO 2:
Vamos imaginar que quer matar A, mas acaba por matar o pai do agente, quando
matamos o nosso próprio pai, não somos punidos de homicídio normal, mas sim de
homicídio qualificado, quando não existe identidade típica entre o objeto do crime
projetado e o objeto do crime efetivamente consumado.
B) Pense agora que era de facto B quem estava no café. Mas que num erro de
pontaria de A teve como consequência não a morte, mas ferimentos graves em C,
um cliente que estava ao balcão. Quid iuris?
Estamos perante um caso relativo a erro. Já vimos que o momento intelectual do dolo
necessita de forma a que o dolo do tipo se afirma: o conhecimento ou representação
das circunstâncias de facto que preenchem o tipo de ilícito objetivo. Apenas quando
todos os elementos de facto estão presentes na consciência psicológica do agente se
pode afirmar que o agente se decidiu pela prática do ilícito.
Faltando o elemento intelectual o dolo é excluído. O artigo 16º do CP é bastante claro:
Quando o agente não tenha o conhecimento referido anteriormente, de facto ou de
direito, dos elementos descritivos e normativos, do facto, o dolo não se pode afirmar
(art. 16.º/1, 1.ª parte CP). Este artigo dispõe que este erro «exclui o dolo» - erro sobre a
factualidade típica. Ora, no caso prático em questão, não há identidade típica entre o
objeto do crime projetado e o objeto do crime objetivamente consumado. Logo, o dolo é
excluído.
Mas não podemos esquecer o artigo 13º que prevê a punibilidade de factos cometidos
com negligência nos casos expressamente previstos na lei. No caso prático em questão,
A falha no alvo. Ou seja, há lugar a um erro. Neste caso, há um erro na execução que
leva a que o objeto atingido seja diferente daquele que estava propositado pelo agente.
O senhor A queria disparar sobre B, mas dispara sobre C, não havendo qualquer erro
sobre a pessoa, já que esse erro é causado pela falta de pontaria de A. Portanto, o
resultado ao qual se refere a VONTADE de REALIZAÇÃO não se verifica, verificando-
se sim, um resultado distinto, que pode ser da mesma espécie ou de espécie diferente.
O senhor A com a sua ação falha o seu alvo (que era B) e deve ser punido sob forma
tentada. A produção do outro resultado, tanto podia ter lugar como poderia ser de outra
gravidade, logo, o senhor A, só pode ser punido sob a forma de crime negligente
consumado. Devemos seguir a teoria da CONCRETIZAÇÃO e rejeitar de forma sublime
a teoria da equivalência. Esta segunda teoria, que é defendida por apenas um setor
minoritário da doutrina, defende a punição para casos deste género a forma de crime
doloso consumado.
29 – TOMAS CUNHA – DP – 2019/2020 – TU – AULAS PRÁTICAS

C) Por último, quid iuris se a bala pouco certeira de A matou apenas o cão de
estimação de B que estava ao seu lado porque o acompanha sempre.
Matar um animal de companhia temos de ver, de acordo com o art. 387º e ss CP,
acrescentado em 2014.

Caso 26 -
A conduzia a sua bicicleta a motor. Quando numa operação stop da GNR, se verifica
que apresenta uma taxa de alcoolemia de 1.8 g/l. Acusado e julgado por crime de
condução em estado de embriaguez, previsto e punível pelo art. 398º CP. A vem
dizer que não sabia que a sua conduta era crime, uma vez que sempre pensou que
só era proibido conduzir alcoolizado automóveis. Nunca lhe tinha passado pela
cabeça que o mesmo se aplicava a outros veículos. Quid iuris?

O Paradigma penal das sociedades democráticas do nosso tempo traduz-se na


função exclusiva do direito penal de tutela subsidiária dos bens jurídico-penais. Este
paradigma tem como base o pensamento filosófico ocidental que marcou a nossa
sociedade desde o século XVII, assente em ideias como o individualismo liberal e
na conceção antropocêntrica e humanista que comandou o movimento dos direitos
do homem.

Atualmente verificam-se a existência no horizonte sinais da necessidade de uma


nova revolução nas conceções básicas do próprio modelo de direito penal do bem
jurídico. O termo sociedade de risco criado pelo sociólogo Ulrich Beck, está ligado
de forma umbilical às problemáticas da pós-modernidade e da globalização.

Este conceito da Sociedade de Risco está ligado de forma intima ao chamado direito
penal do Risco. Em função da crise do «direito penal do bem jurídico», consequência
das fortes alterações na sociedade, surge esta nova perspetiva, adaptada às
exigências.
Esta conceção implica
• uma alteração do modo próprio de produção legislativa em matéria penal;
• uma antecipação da tutela penal para estados prévios da lesão de interesses
socialmente relevantes
Importa destacar este segundo ponto referente à antecipação da tutela penal para
estados prévios da lesão de interesses socialmente relevantes. Porquê? Porque
apesar da necessidade de respeitar os princípios de direito penal clássico, dirigidos à
proteção subsidiária de bens jurídicos individuais, é necessário dar lugar a conceitos
que assentem na proteção antecipada de interesses coletivos mais ao menos
indeterminados, sem ESPAÇO nem TEMPO, sem AUTORES e sem VÍTIMAS
definidos ou definíveis.

Defendendo uma posição intermédia face aos autores que defendem que estamos a
entrar numa era dominada pela “crise do bem jurídico” e pelo aparecimento de um
direito penal do risco, devemos focar a ideia de crime de perigo. Ou seja, crimes onde
a realização do tipo não pressupõe a lesão, bastando apenas e “só” a colocação em
perigo do bem jurídico.
30 – TOMAS CUNHA – DP – 2019/2020 – TU – AULAS PRÁTICAS

Este conceito desdobra-se em dois.


• Crime de perigo CONCRETO:
o Onde o perigo surge como elemento do tipo de ilícito, isto é, o tipo só
é preenchido quando o bem jurídico tenha sido efetivamente sido
colocado em perigo.
▪ Exemplo: Abandono de criança – 138º CP
• E os Crimes de perigo ABSTRATO:
o Onde o perigo não constitui um elemento do tipo, mas sim motivo de
proibição penal.
No caso prático estamos perante um exemplo claro de crime de perigo abstrato. Neste
tipo de crimes são tipificados certos comportamentos em nome da sua perigosidade
típica para um bem jurídica, sem que seja necessário a respetiva comprovação do
perigo no caso concreto. Porquê? Porque há uma presunção inelidível de perigo, pelo
que a conduta do senhor A deve ser punida independentemente de ter sido criado um
perigo efetivo para o bem jurídico.

O TC pronunciou-se pela não inconstitucionalidade destes crimes por visarem a


proteção de bens jurídicos de grande importância quando for possível identificar bem
o bem jurídico tutelado e a conduta típica for descrita de forma precisa e minuciosa.
Estamos perante um caso claro exemplo de bens jurídicos sociais, comunitários,
universais ou coletivos. Ou seja, existe aqui, uma funcionalização da noção de bem
jurídico.

Como já vimos, o conceito de dolo do tipo exige a reunião de dois momentos: O


intelectual e o volitivo. Ou seja, o conhecimento e a vontade de realizar o tipo objetivo
do ilícito. O momento intelectual exige o conhecimento ou representação correta das
circunstâncias de facto que preenchem um tipo de ilícito objetivo. É necessário por
isso mesmo, a congruência entre: O TIPO OBJETIVO e o TIPO SUBJETIVO do ilícito
doloso. Quando o agente não tem o conhecimento referido anteriormente, de facto
ou de direito, o Dolo é excluído. Esta regra encontra-consagrada no artigo 16º do CP.
Contudo, o número 3 do artigo supramencionado ressalva que os factos em causa
podem ser alvo de punição por negligência.

Ora, o regra geral o elemento intelectual do dolo do tipo é configurado através da


exigência de conhecimento de todos os supostos do facto e do decurso do
acontecimento. Excecionalmente, à afirmação do dolo do tipo torna-se ainda
indispensável que o agente tenha atuado com conhecimento da proibição legal. O
caso prático em questão é um exemplo disso mesmo. Sempre que o tipo de ilícito
objetivo abarca condutas cuja relevância valorativa é pouco significativa, o ilícito
constituído não só pela matéria proibida, mas também pela proibição legal.

A pequena relevância axiológica ação faz com que o facto, no conjunto dos seus
elementos, não suscite imediatamente um problema de desvalor ligado ao dever-ser
jurídico. Desta forma, o substrato da valoração da ilicitude passa a ser constituído:
• Pela conduta
• E pela proibição legal.

Em suma, exclui-se o dolo e fica ressalvada a possibilidade de negligência.


31 – TOMAS CUNHA – DP – 2019/2020 – TU – AULAS PRÁTICAS

Nota: Oral – Dar o exemplo do condutor de automóvel que atropela um bêbado que
se encontra deitado na estada por estar distraído. Este não atua com dolo, logo não
pode ser acusado de homicídio qualificado por exemplo (132º do CP), porém, o seu
desconhecimento é reconduzível à não prestação do cuidado devido. Logo, o seu
comportamento integra o tipo de ilícito de homicídio negligente previsto no artigo 137º
do CP. Não podemos esquecer a regra previsto no artigo 16º, nº3 do CP, onde o
legislador ressalvou a punibilidade da negligência nos termos gerais: Ou seja:

• Se o respetivo comportamento for expressamente previsto na lei como crime


negligente. Neste caso é.
• E se a negligência se tiver efetivamente verificado no caso. Verificou.

Caso 27
Suponha que A decidiu encenar um acidente a propósito da morte de B. Aliciando-o
para perto de uma ravina e atirando-o daí com o intuito de o matar com os
traumatismos provocados pela queda fazer crer que B, um amante de fotografia
possa ter caído durante uma das suas caminhadas para fotografar. Encontrado o
corpo de B resultada da autopsia que a sua morte ficou a dever-se a um enfarte no
miocárdio, certamente desencadeado por uma situação extrema de tensão. Quid
iuris?

Para analisar corretamente o caso prático em questão importa olhar para o próprio
conceito de dolo e o seu enquadramento jurídico-penal. O CP não define o dolo do tipo,
dispondo apenas no artigo 14º, cada uma das formas em que o dolo se analisa. Não
obstante, nós sabemos que o dolo do tipo se traduz no CONHECIMENTO e na
VONTADE DE REALIZAÇÃO DO TIPO OBJETIVO DE ILÍCITO.
Por outro, o artigo 13º do CP determina (ler artigo) que só é punível o facto praticado
com DOLO ou, nos casos especificamente previstos na lei, com negligência. Importa
desde logo, focar que a criminalidade dolosa é a mais grave, sendo o elemento da culpa
o principal fator diferenciador entre estes dois tipos de delito. Por isso mesmo, e apesar
dos crimes negligentes terem aumentado na sociedade atual, que podemos classificar
como “Sociedade de Risco” utilizando o conceito de Ulrich Beck, a verdade que os
crimes negligentes representam uma pequena parte dos crimes tipificados na parte
Especial do CP, tendo molduras penas mais baixas, o que é explicado pelo desvalor
jurídico superior dos delitos dolosos em relação aos restantes.
Ora, o dolo é constituído por dois momentos: O momento intelectual, que se traduz no
conhecimento e no momento volitivo, que se traduz na vontade de realização do facto.
Apesar do elemento intelectual do dolo do tipo não ser o elemento decisivo na distinção
entre crimes dolosos e negligentes, uma vez que os delitos negligentes podem contar a
representação de um facto que preenche um tipo de ilícito, como acontece na
negligência consciente, que se encontra consagrada no artigo 15º do CP (condução sob
influência de álcool).
32 – TOMAS CUNHA – DP – 2019/2020 – TU – AULAS PRÁTICAS

Contudo, não podemos desprezar de forma nenhuma o momento intelectual. Apesar de


ser o elemento volitivo, quando ligado ao elemento intelectual requerido, que serve para
indiciar uma culpa dolosa, o conhecimento e a respetiva representação correta por
parte do agente das circunstâncias do facto que preenche um tipo de ilícito objetivo é
fundamental e imprescindível para a imputação da conduta como um crime doloso.
Faltando o elemento intelectual o dolo é excluído. O artigo 16º do CP é bastante claro:
Quando o agente não tem o conhecimento referido anteriormente, de facto ou de direito,
dos elementos descritivos e normativos, do facto, o dolo não se pode afirmar (art.
16.º/1, 1.ª parte CP). Esta regra vale não só para as circunstâncias que fundamentam o
ilícito, mas também para todas aquelas que:

• Agravam
o Agente furta coisa móvel alheia sem consciência de que a subtração em
causa deixa a vítima em difícil situação económica. Nesse caso, o agente
não é acusado de furto qualificado, mas sim, de furto simples nos termos
do artigo 203º, nº1.
• Ou aceitação errada de circunstâncias:
o Quem toma erradamente por sério o pedido de um doente grave e o
mata, atua com dolo do tipo de homicídio a pedido, nos termos do artigo
134º do CP.
Em ambos os casos, o erro sobre a factualidade típica conduz a que pena aplicar seja
a menos grave.
No caso prático em questão estamos perante um erro sobre o processo causal. Nestes
casos importa saber como podemos imputar o resultado à ação perante a existência de
uma divergência entre o RISCO conscientemente criado pelo agente e aquele que
efetivamente deriva do resultado. Levanta-se a questão se a ação do agente pode ser
imputada a título doloso ou apenas a título de tentativa.
Temos duas respostas a esta questão:
1. Por um lado, podemos considerar que o dolo é EXCLUÍDO e o agente responde
apenas a título de negligência. De acordo com esta perspetiva (minoritária) o
resultado teve lugar por concretização de um risco não previsto, não existindo
congruência entre o tipo objetivo e o tipo subjetivo do ilícito.
2. Por outro, devemos optar pela solução maioritária na doutrina, que segue pela
distinção entre:
a. CRIME DE EXECUÇÃO:
i. LIVRE – por via de regra, o equívoco não exclui o dolo.
ii. VINCULADA : Se o agente equivocar quanto ao processo causal,
exclui-se o dolo. Como exemplo temos a burla.
Olhemos às diferenças: Nos crimes de execução livre o CRIME e o MODO DE
EXECUÇÃO não têm qualquer tipo de relevância perante um erro sobre o processo
causal. Por via de regra, o erro não vai excluir o erro por isso mesmo.
Oral:
A dispara sobre B. B, chega ao hospital e falece de septicemia.

A dispara sobre B. B cai para debaixo da ponte devido ao tiro e sobrevive quer ao tiro quer à queda. Mas ao sair do rio, liberta uma
pedra que lhe esmaga a cabeça.
33 – TOMAS CUNHA – DP – 2019/2020 – TU – AULAS PRÁTICAS

No caso prático em questão o crime de A é de execução livre. Ou seja, estamos perante


um crime cuja execução não está tipificada na lei. O que importa é a produção do
resultado independentemente da forma como se chega a esse resultado. Logo, o
processo causal é irrelevante, não importa a forma como atinjo o resultado, SÓ
IMPORTA O RESULTADO. Logo, o erro é irrelevante, o agente é punido pelo crime
doloso consumado.

Você também pode gostar