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Sumário

1. APLICAÇÃO DA LEI PENAL ............................................................. 2


1.1 Aplicação da lei penal no tempo .................................................... 2
1.1.1 Conflitos de leis penais no tempo ............................................ 4
1.1.1.1 Lei nova incriminadora ........................................................ 4
1.1.1.2 Lex Gravior ........................................................................ 5
1.1.1.3 Abolitio Criminis ................................................................. 6
1.1.1.4 Lex Mitior ou Novatio legis in mellius ................................... 11
1.1.1.5 Lei posterior que traz benefícios e prejuízos ao réu ................ 11
1.2 Tempo do crime (Teorias)........................................................ 15
2. CONFLITO APARENTE DE NORMAS .................................................18
2.1 conceito ................................................................................... 18
2.1.2 Princípios regentes do conflito aparente de normas .................. 19
2.1.2.1 Princípio da especialidade .................................................. 19
2.1.2.2 Princípio da subsidiariedade ............................................... 19
2.1.2.3 Princípio da consunção ou da absorção ................................ 19
2.1.2.4 Princípio da alternatividade ................................................ 20

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1. APLICAÇÃO DA LEI PENAL

1.1 Aplicação da lei penal no tempo

Caros candidatos... É perceptível a qualquer indivíduo que as


normas de direito são alvos de constantes transformações. Basta
observar a criação de uma diversidade de leis, e a revogação de outras
cotidianamente. Acerca dessa expositiva, surge o questionamento:
Diante de tantas modificações, até quando a lei penal tem vigência? E
quando se inicia essa vigência?

Pois bem, iremos responder essa pergunta neste capítulo.

Após aprovada e sancionada a LEI entra em VIGOR mediante


dois acontecimentos: sua PUBLICAÇÃO no Diário Oficial, e o fim
do período de sua VACATIO LEGIS. Pois bem... O que vem a ser
Vacatio legis?

Pergunta fácil, meus caros: A vacatio legis trata-se de umperíodo


de adaptação da própria sociedade, dos operadores de direito, etc. Se
inicia com a publicação oficial da lei e finaliza na entrada em vigor
desta.

Dispõe a Lei de Introdução as Normas do Direito Brasileiro


(Decreto Lei n. 4567- 04/09/1942) em seu art. 1º que, salvo em
disposição contrário a lei começa a vigorar em todo o país quarenta e
cinco dias depois de oficialmente publicada. Nos Estados estrangeiros,
quando admitida a lei brasileira, se inicia três meses após sua
publicação oficial (art. 1º, § 1º).

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Se atentem a duas dicas importantes:
• A própria lei trará em sua redação o período de vacatio legis. Não
havendo tal previsão aplica-se o que dispõe a Lei de Introdução as
normas do Direito Brasileiro: 45 dias em território nacional, e 3 meses
em território estrangeiro.
• Durante o período de vacatio legis, a lei não vigora seus efeitos,
não possui validade.

A cessação de vigência de uma norma chama-se revogação.


Desse modo como regra, a lei anterior perde sua vigência, quando uma
nova lei entra em vigor, regulando a mesma matéria.

Pois bem: Sabemos que a lei nasce, vive e morre. Desse modo,
quando a lei penal entra em vigor, ela rege todos os atos abrangidos
por sua destinação, até que cesse sua vigência.

Tem-se por regra, a prevalência da lei do tempo do fato (tempus


regit actum)1, ou seja, aplica-se a lei vigente quando da realização do
fato. Todavia há exceções, a lei penal pode produzir efeitos tanto a
fatos ocorridos antes de sua entrada em vigor, quanto após a sua
revogação. Este fenômeno é nomeado como extra- atividade da lei
penal, da qual a retroatividade e a ultra-atividade são espécies.

A retroatividade: é a possibilidade da lei penal retroagir no


tempo, regulando os fatos ocorridos, antes da sua entrada em vigor.

A ultra- atividade: é a possibilidade da lei, mesmo depois da


sua revogação, continuar a regular os fatos decorridos durante a sua
vigência.

1TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios Básicos de Direito Penal. 5. ed. São Paulo:
Saraiva, 2010. p. 30.

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Nas palavras de Rogério Greco, a extra-atividade da lei penal:

Chamamos de extra-atividade a capacidade que tem a


lei penal de se movimentar no tempo, regulando fatos
ocorridos durante sua vigência, mesmo depois de ter sido
revogada, ou de retroagir no tempo, a fim de regular
situações ocorridas anteriormente à sua vigência2.

A seguir iremos analisar os casos de conflitos de leis penais no


tempo.

1.1.1 Conflitos de leis penais no tempo

1.1.1.1 Lei nova incriminadora

Decorre desta hipótese, o fato de uma lei nova que torne típico
fato que anteriormente não era criminoso. Nessas circunstâncias a lei
produzirá seus efeitos apenas após sua entrada em vigor, não podendo
retroagir. Percebam que há diversos dispositivos que vedem que essa
lei nova retroaja, atingindo fatos anteriores, podemos citaro princípio
da anterioridade, previsto no art. 5º, XXXIX3 da Constituição Federal e
no art. 1º do Código Penal.

Exemplos: Imaginemos que o fato de subtrair coisa alheia imóvel


para si ou para outrem, (o que temos, na atualidade tipificado como
furto, art. 155 do CP) não fosse considerado crime. Desse modo

2 GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal- Parte Geral. 17.ed. Rio de Janeiro: Impetus,
2015. p. 159
3 CF Art. 5 º (...)

(...) XXXIX - não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação
legal;

CP Art. 1º - Não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia cominação
legal

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uma lei nova, entra em vigor e passa a considerar essa conduta
criminosa. Perceba que tal lei, produzirá seus efeitos somente após sua
entrada em vigor, não podendo retroagir para os fatos anteriores a sua
entrada em vigor.
Suponhamos que João conduza seu carro no dia 21/11/2017
embriagado, fato que até então não era considerado típico. No dia
22/11/2017, tal fato vem a ser considerado criminoso. João não poderá
ser punido por aquele fato, a lei produzirá seus efeitos apenas após a
sua entrada em vigor.

1.1.1.2 Lex Gravior

Por força constitucional lei posterior que de qualquer modo


agravar a situação do sujeito não retroagirá (art. 5º, XL). Neste caso
a lei tem irretroatividade absoluta.

EXEMPLOS: O crime de furto (art. 155, do CP) tem por pena,reclusão


de 1 a 4 anos, e multa. Suponhamos que entrasse em vigor uma lei
que estabelecesse para esse mesmo crime pena de reclusão de 2 a 6
anos, mais multa. Percebe-se que a lei nova, é menos benéfica ao réu,
desse modo, não poderá retroagir.
Vejamos outra possibilidade: O crime de lesão (art. 129, CP) tem
por pena detenção de 1 a 3 anos. Imaginemos que entrasse em vigor
uma nova lei que acrescesse a esse mesmo crime, multa, ou seja, teria
se por pena “detenção de 1 a 3 anos, e multa”. Do mesmo modo a lei
nova, não traz benefício ao réu, e sim mais uma penalidade (multa).
Desse modo, também não retroagirá.
Caros alunos... Em ambas as situações hipotéticas a lei produzirá seus
efeitos, após a sua vigência.

Dica importante: A lei que trazer qualquer prejuízo ao réu, não

5
retroagirá, podemos desse modo entender como lei mais gravosa:
aquela que aumente a pena, reduza ou elimine benefícios, que
acrescente circunstâncias qualificadoras ou agravantes não previstas
anteriormente, e etc...
A reforma da Parte Geral do Código Penal em 1984, Lei n. 7.209 de
11/07/1984, trouxe dispositivos mais severos que a lei anterior (lex
gravior), desse modo não pode se aplicada aos autores antes de sua
vigência.

Nas palavras de Assis Toledo: “A lei penal não se aplica aos


fatos ocorridos antes de sua vigência, seja quando cria figura penal até
então inexistente, seja quando se limita a agravar as consequências
jurídicos penais do fato, isto é, a pena ou medida de segurança.4”
Percebam alunos, há proibição das normas penais mais severas
retroagirem.

1.1.1.3 Abolitio Criminis

Tem se por abolitio criminis a ocorrência de uma nova lei


excluir da órbita penal, um fato que era considerado crime pela lei
anterior. Percebam trata-se de uma hipótese de descriminalização.

A abolitio criminis configura uma situação em que a lei penal


posterior é mais benigna, atingindo até mesmo os fatos
definitivamente julgados, uma vez que se extinguem todos os efeitos
penais.

Vejamos alguns exemplos:

4
TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios Básicos de Direito Penal. 5. ed. São Paulo:
Saraiva, 1994. p. 31
6
O Código Penal faz previsão da abolitio criminis, no título que
trata da extinção da punibilidade (Art. 107)5, bem como pelo art. 2º6.

Temos por principais consequências quando da ocorrência da


abolitio criminis:

Na fase de processo ou inquérito policial: ambos trancados


e extintos;

Se já houve sentença condenatória: cessação imediata da


execução e todos os seus efeitos penais.

Em caso de sentença transitada em julgada, e o réu ter


cumprido a pena: o condenado tem sua folha de antecedentes
corrigida.

PERCEBAM: A lei nova por ser mais benéfica ao réu retroage,


extinguindo todos os efeitos penais que a legislação anterior
produziu.

Vejamos alguns exemplos:

Vamos utilizar dos mesmos crimes do tópico anterior: furto (Art. 155
do CP) e lesão (art. 129 do CP). Lembrem-se, tais exemplos
tratam de situações hipotéticas.
Suponhamos que o crime de furto deixa de ser considerado um fato
típico. Desse modo todos os condenados que estariam cumprindo a
pena pela prática do furto, teriam suas penas extintas. Do mesmo
modo, aqueles que estivessem sendo processados teriam seus
processos extintos. Para aqueles que já tivessem cumprido o período
de pena, teriam suas fichas de antecedentes corrigidas.
Do mesmo modo, ocorreria com o crime de lesão, caso uma nova lei

5 Art. 107- Extingue-se a punibilidade:


(...) III - pela retroatividade de lei que não mais considera o fato como criminoso;
6 Art. 2º - Ninguém pode ser punido por fato que lei posterior deixa de considerar crime,

cessando em virtude dela a execução e os efeitos penais da sentença condenatória.


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adentrasse o ordenamento jurídico, e passasse a considerar esse fato
não mais como ilícito.

Atenção: A Lei 10.826/2003 (Estatuto do Desarmamento) trouxe um


caso de abolitio criminis temporária em seus art. 30 e art. 32 em
relação aos possuidores de arma não registradas. Nesse caso a
atipicidade da conduta somente ocorre durante o período em que a
Lei estabelece, não retroagindo efeitos para o tipo penal previsto
anteriormente (art. 16 da Lei nº 10.826/2003). Nesse sentido, vejamos
o informativo 494 do STF:

Lei 10.826/2003: Atipicidade Temporária e Posse de


Arma de Fogo

A Turma indeferiu habeas corpus em que se pretendia o


reconhecimento da extinção da punibilidade com
fundamento na superveniência de norma penal
descriminalizante. No caso, o paciente fora condenado
pela prática do crime de posse ilegal de arma de fogo
de uso restrito (Lei 9.437/97, art. 10, § 2º), em
decorrência do fato de a polícia, em cumprimento a
mandado de busca e apreensão, haver encontrado uma
pistola em sua residência. A impetração sustentava que
durante a vacatio legis do Estatuto do Desarmamento,
que revogou a citada Lei 9.437/97, fora criada situação
peculiar relativamente à aplicação da norma penal, haja
vista que concedido prazo (Lei 10.826/2003, artigos 30
e 32) aos proprietários e possuidores de armas de fogo,
de uso permitido ou restrito, para que regularizassem a
situação dessas ou efetivassem a sua entrega à
autoridade competente, de modo a caracterizar o
instituto da abolitio criminis. Entendeu-se que a vacatio
legis especial prevista nos artigos 30 e 32 da Lei
10.826/2003 ("Art. 30. Os possuidores e proprietários de
armas de fogo não registradas deverão, sob pena de
responsabilidade penal, no prazo de 180 dias (cento e
oitenta) dias após a publicação desta Lei, solicitar o seu
registro apresentando nota fiscal de compra ou a
comprovação da origem lícita da posse, pelos meios de
prova em direito admitidos. Art. 32. Os possuidores e
proprietários de armas de fogo não registradas poderão,
no prazo de 180 (cento e oitenta) dias após a publicação
desta Lei, entregá-las à Polícia Federal, mediante recibo
e, presumindo-se a boa-fé, poderãoser indenizados,
nos termos do regulamento desta

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Lei."), não obstante tenha tornado atípica a posse ilegal
de arma de fogo havida no curso do prazo que assinalou,
não subtraiu a ilicitude penal da conduta que já era
prevista no art. 10, § 2º, da Lei 9.437/97 e continuou
incriminada, com mais rigor, no art. 16 da Lei
10.826/2003. Ausente, assim, estaria o pressuposto
fundamental para que se tivesse como caracterizada a
abolitio criminis. Ademais, ressaltou-se que o prazo
estabelecido nos mencionados dispositivos expressaria
o caráter transitório da atipicidade por ele indiretamente
criada. No ponto, enfatizou-se que setrataria de norma
temporária que não teria força retroativa, não podendo
configurar, pois, abolitiocriminis em relação aos ilícitos
cometidos em data anterior. HC 90995/SP, rel. Min.
Menezes Direito, 12.2.2008. (HC-90995)

OBS: Não há abolitio criminis se a conduta praticada pelo acusado e


prevista na lei revogada é ainda subsumível a outra lei penal em vigor.
Pela abolitio criminis se fazem desaparecer o delito e todos os seus
reflexos penais, permanecendo apenas os civis.

O Professor Luiz Flávio Gomes denomina de continuidade


normativo-típica quando o tipo penal não desaparece, apenas muda de
lugar:

“Revogação da lei e não ocorrência da abolitio criminis:


mas não se pode nunca confundir a mera revogação
formal de uma lei penal com a abolitio criminis. A
revogação da lei anterior é necessária para o processo de
abolitio criminis, porém, não suficiente. Além da
revogação formal impõe-se verificar se o conteúdo
normativo revogado não foi (ao mesmo tempo)
preservado em (ou deslocado para) outro dispositivo
legal. Por exemplo: o art. 95 da Lei 8.212/91, que
cuidava do crime de apropriação indébita previdenciária,
foi revogado pela Lei 9.983/00, todavia seu conteúdo
normativo foi deslocado para o art. 168-Ado CP. Logo,
nessa hipótese, não se deu a abolitio criminis, porque
houve uma continuidade normativo- típica (o tipo penal
não desapareceu, apenas mudou de lugar). Para a
abolitio criminis, como se vê, não basta arevogação da
lei anterior, impõe-se sempre verificar se presente (ou
não) a continuidade normativo-típica”. (Direito Penal –
Parte Geral vol. 2, pg. 100)

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Atenção! Fiquem ligados no seguinte julgado noticiado no
informativo 456 do STF, sobre a inocorrência de abolitio criminis para
o porte de drogas para o consumo pessoal (Questão já cobrada na 1ª
fase do Exame da OAB):

✓ Art. 28 da Lei 11.343/2006 e Despenalização

A Turma, resolvendo questão de ordem no sentido de


que o art. 28 da Lei 11.343/2006 (Nova Lei de Tóxicos)
não implicou abolitio criminis do delito de posse dedrogas
para consumo pessoal, então previsto no art. 16 da Lei
6.368/76, julgou prejudicado recurso extraordinário em
que o Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro
alegava a incompetência dos juizados especiais para
processar e julgar conduta capitulada no art. 16 da Lei
6.368/76. Considerou-se que a conduta antes descrita
neste artigo continua sendo crime sob a égide da lei
nova, tendo ocorrido, isto sim, uma despenalização, cuja
característica marcante seria a exclusão de penas
privativas de liberdade como sanção principal ou
substitutiva da infração penal. Afastou-se, também, o
entendimento de parte da doutrina de que o fato, agora,
constituir-se-ia infração penal sui generis, pois esta
posição acarretaria sérias conseqüências, tais como a
impossibilidade de a conduta ser enquadrada como ato
infracional, já que não seria crime nem contravenção
penal, e a dificuldade na definição de seu regime jurídico.
Ademais, rejeitou-se o argumento de que o art. 1º do DL
3.914/41 (Lei de Introdução ao Código Penal e à Lei de
Contravenções Penais) seria óbice a que a novel lei
criasse crime sem a imposiçãode pena de reclusão ou
de detenção, uma vez que esse dispositivo apenas
estabelece critério para a distinção entre crime e
contravenção, o que não impediria que lei ordinária
superveniente adotasse outros requisitos gerais de
diferenciação ou escolhesse para determinadodelito pena
diversa da privação ou restrição da liberdade. Aduziu-se,
ainda, que, embora os termos da Nova Lei de Tóxicos
não sejam inequívocos, não se poderia partir da premissa
de mero equívoco na colocação das infrações relativas ao
usuário em capítulochamado "Dos Crimes e das Penas".
Por outro lado, salientou-se a previsão, como regra geral,
do rito processual estabelecido pela Lei 9.099/95. Por
fim, tendo em conta que o art. 30 da Lei 11.343/2006
fixou em 2 anos o prazo de prescrição da pretensão
punitiva
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e que já transcorrera tempo superior a esse período, sem
qualquer causa interruptiva da prescrição, reconheceu-
se a extinção da punibilidade do fato e, em conseqüência,
concluiu-se pela perda de objeto do recurso
extraordinário. RE 430105 QO/RJ, rel. Min. Sepúlveda
Pertence, 13.2.2007. (RE-430105)

1.1.1.4 Lex Mitior ou Novatio legis in mellius

A novatio legis in mellius ocorre quando uma lei nova sem


descriminalizar uma conduta, oferece tratamento mais favorável ao
sujeito. A legislação nova traz em sua redação condições mais
favoráveis ao réu. Desse modo por garantia constitucional a lei
retroagirá, atingindo os fatos anteriores à sua vigência.

EXEMPLO: Suponhamos que uma nova legislação entre em vigor e


diminua a pena do homicídio que hoje é reclusão de 6 a 20 anos, para
reclusão de 4 a 15 anos. Percebam que a nova lei traz condições
favoráveis ao réu. Desse modo por ser tratar de um lex mitior, esta
retroagirá.
Principal consequência: mesmo que a sentença condenatória esteja
em fase de execução, prevalece a lei que beneficia o agente.

1.1.1.5 Lei posterior que traz benefícios e prejuízos ao réu

Caros alunos se atentem a este tópico, abordaremos neste,


questões importantes e polêmicas acerca do conflito intertemporal
das leis penais.

Como primeira questão, vejamos: É possível conjugar os


aspectos favoráveis da lei anterior com os aspectos favoráveis
da lei posterior?

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Antes de respondermos essa pergunta, vamos analisar alguns
exemplos hipotéticos:

Exemplos: Suponhamos que João tenha cometido crime de


estelionato, cuja pena é reclusão de 1 a 5 anos, mais multa.
Posteriormente entra em vigor uma nova lei que estabelece como pena
ao crime citado, reclusão de 2 a 6 anos, sem multa.
Imaginemos também em outro exemplo, que Caio tenha cometido
crime de homicídio, cuja pena é reclusão de 6 a 20 anos, e
posteriormente entre em vigor uma nova lei que estabeleça como pena
ao crime citado, reclusão de 5 a 18 anos, mais multa.
Percebam que em ambos os casos, há aspectos favoráveis e
desfavoráveis ao réu.
No primeiro caso:
Aspecto favorável: extinção da pena de multa
Aspecto desfavorável: aumento da pena mínima e máxima do crime
No segundo caso:
Aspecto favorável: diminuição da pena mínima e máxima
Aspecto desfavorável: acréscimo da pena de multa

Dando continuidade ao nosso questionamento: Seria possível


desse modo então, no primeiro caso extinguir a pena de multaimposta
a João e permanecer com a pena de reclusão de 1 a 5 anos? E no
segundo caso, seria possível não aplicar a pena de multa a Maria,
aplicando somente a pena de reclusão de 5 a 18 anos, visto que é mais
benéfica a ela?

Pois bem meus caros, questão polêmica....

A doutrina diverge. Mas predomina o entendimento que não


pode ocorrer a conjugação de aspectos favoráveis de lei anterior, com
os aspectos favoráveis de lei posterior, pois desse modo o juiz estaria

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criando uma terceira lei, função que não incube a este, e sim ao
legislador.

Cezar Roberto Bitencourt é contrário a esse argumento,


sustentando a mesma linha de defesa de Frederico Marques, pela
qual seria permitido a conjugação dos aspectos favoráveis de lei
anterior e posterior, para garantir tratamento mais favorável ao réu,
visto que tal favorecimento é uma regra constitucional que deve estar
acima de pruridos de lógica formal.7

Essa questão foi levantada e sumulada pelo STJ na súmula “É


cabível a aplicação retroativa da Lei n. 11.343/2006, desde que o
resultado da incidência das suas disposições, na íntegra, seja mais
favorável ao réu do que o advindo da aplicação da Lei n. 6.368/1976,
sendo vedada a combinação de leis.”

CUIDADO MASTER, para o entendimento da jurisprudência: Na


atualidade temos como entendimento tanto do STF quanto do STJ, a
vedação de extração dos pontos favoráveis de lei anterior e posterior,
para benefício do réu, ambos tribunais, seguem o argumento da
doutrina majoritária, que caso fosse permitido a conjugação de leis, o
juiz estaria criando uma terceira lei.

Outra questão importante de se abordar é quando há uma


sucessão de leis penais, e a mais favorável não é nem a lei do tempo
do fato nem a última, mas uma intermediária, ou seja, uma lei que
não estava vigendo nem ao tempo da ação ou omissão (momento em
que se pratica o crime), nem no momento da solução do caso. Como
assim professor? Vamos analisar um exemplo para facilitar nosso
entendimento.

7 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: Parte Geral 1. 14. ed. Saraiva, São
Paulo, 2009. p.176

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Exemplo: Suponhamos que determinado fato típico, foi praticado
durante a vigência de uma lei X. No decorrer da persecução penal sobre
o mesmo fato, advém uma lei Y, mais benéfica que x, todavia no
momento da sentença penal a lei em vigência que trata do mesmo fato
é Z, mais gravosa que Y. Nesse caso a lei a ser aplicada é Y,pois
é mais benéfica ao réu. Y trata-se uma lei intermediária que tem dupla
extra-atividade, pois é retrotiva (em relação a lei X) e ultra- ativa (em
relação a lei Z).

Dando continuidade, temos que averiguar qual é a autoridade


judiciária competente para aplicar a lei mais benéfica. Vejamos
em cada caso a autoridade:

Juiz de primeiro grau: quando o processo criminal se encontra


em andamento (processo de conhecimento) até a prolatação da
sentença respectiva.

Fase recursal - instância superior: quando o processo


encontra-se em grau de recurso, incube ao respectivo do Tribunal
reconhecer da lei mais benéfica, seja ela anterior ou posterior.

Fase executória (trânsito em julgado): quando a sentença


encontra-se em trânsito julgado, compete ao juiz de execução penal
a aplicação da lei mais benéfica. Esta é a orientação do Supremo
Tribunal Federal, por meio da Súmula 611, vejamos a redação:

Transitada em julgado a sentença condenatória,


compete ao juízo das execuções a aplicação de lei mais
benigna.

Do mesmo modo dispõe a Lei de Execução Penal (Lei nº 7.210,


de 11 de Julho de 1984.)

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Art. 66. Compete ao Juiz da execução:

I - aplicar aos casos julgados lei posterior que de


qualquer modo favorecer o condenado;

Se atentem:

As leis excepcionais e temporárias de modo excepcional


continuam a viger seus efeitos mesmo após a sua revogação. Vimos
tal fenômeno na aula anterior, todavia vamos recordar cada uma
dessas leis:

As leis excepcionais, são criadas para vigorar em períodos


anormais, como guerra, catástrofes naturais, etc. Sua duração se
estende ao período de duração do fenômeno.

As leis temporárias, são criadas para vigorar em um período


de tempo estabelecido previamente pelo legislador, é aquela que traz
em sua redação a data de cessação de sua vigência.

A diferença entre elas é simples: A primeira tem vigência até


quando se perdurar os motivos que a originou, enquanto que, a
segunda tem vigência pré-estabelecida pelo legislador.

1.2 Tempo do crime (Teorias)

Saber qual é o tempo do crime, ou seja, o momento, em que se


pratica o delito é de extrema importância para a aplicação da lei penal,
visto que, podem surgir problemas caso não se conheça a
data/momento da prática da conduta proibida. Por exemplo, noscasos
de imputabilidade saber do momento do crime é imprescindível para
averiguar se naquele momento o agente era imputável ou não.

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Pois bem...três são as teorias a respeito da fixação do tempo do
crime. São elas: Teoria da atividade; teoria do resultado e teoria da
ubiquidade. Veremos cada uma delas.

Teoria da atividade: para essa teoria considera-se como tempo


do crime o momento da ação ou omissão.

Exemplo: Tício dispara contra Caio no dia 18/12/2017, que somente


vem a falecer no dia 20/12/2017. Para a teoria da atividade o momento
do crime é o da ação ou omissão, neste caso, o momento em que Tício
efetua os disparos. O crime cometido nesta situação hipotética é o de
homicídio (art. 121 do CPB), suponhamos que nodia 21/12/2017 uma
lei nova entre em vigor aumentando a pena deste crime. Tício sofrerá
os efeitos da lei que estava em vigor quando da prática do
crime.
Imaginemos, em outra situação hipotética que Tício no dia18/12/2017
(data que efetuou os disparos, causa da morte de Tício), tinha 17 anos
de idade, completando a maioridade penal no dia seguinte. Tício no
tempo do crime, ou seja no momento da ação era inimputável para
sofrer os efeitos penais, desse modo responderia apenas por ato
infracional, estando sujeito as medidas socioeducativas prevista no
Estatuto Menorista. Percebam a importância da fixação do tempo do
crime

Vejamos que é esta a teoria adotada pelo Código Penal:

Art. 4º - Considera-se praticado o crime no momento da


ação ou omissão, ainda que outro seja o momentodo
resultado.

Percebam que não importa para essa teoria o momento da


produção do resultado, e sim o momento da ação ou da omissão por

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parte do agente ativo. Ou seja, o momento da prática da conduta. No
caso de omissão de socorro, o momento do crime consiste na conduta
da omissão, não importando, por exemplo, o momento em que o
sujeito passivo venha morrer.

Teoria do resultado: para esta teoria considera-se o tempo do


crime o momento da consumação, não se valorando o momento em
que o agente praticou a ação ou omissão.

Exemplo: Suponhamos que Mário portando uma arma de fogo dispare


contra João, que vem a falecer três dias depois. Percebamque para
a teoria do resultado, o tempo do crime é o momento da produção do
resultado, ou seja, no caso exposto, o tempo do crime é o momento
da morte de João.
Imaginemos no caso de estelionato, o tempo do crime é o momento
da obtenção da vantagem indevida.

Diferente da teoria da atividade, a teoria do resultado tem por


valoração, o momento do resultado do crime e os efeitos deste.

Teoria da ubiquidade/ mista: para esta teoria consideracomo


tempo do crime tanto o momento da conduta (ação ou omissão),
quanto o momento do resultado (da produção dos efeitosda conduta).

Exemplo: No caso de homicídio, provocado por disparo de arma de


fogo, poderia se considerar como tempo do crime tanto o momentoda
ação (disparo), quanto o momento do resultado (morte).

ATENÇÃO PARA A SÚMULA 711 DO STF

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Caros alunos prestem muita atenção para a explicação acerca
dos efeitos da Súmula 711 do STF. Vejamos a redação desta:

“A lei penal mais severa grave aplica-se ao crime continuado


ou ao crime permanente, se a sua vigência é anterior à cessação da
continuidade ou da permanência”.

Antes de tudo vamos entender o quem ver a ser tais crimes:

Crime continuado: é o crime composto por uma diversidade


de condutas criminosas, praticadas em momentos e locais diversos,
cujo resultado são distintos, todavia tais condutas são consideradas
como crime único, para efeitos da dosimetria penal. Em consequência
disto aplica-se a pena apenas de um crime.

Crime permanente: é aquele crime onde a ação e a


consumação se estendem no tempo.

Exemplo: em um caso de sequestro, a privação da liberdade


da vítima se prolonga no tempo. Desse modo se uma lei mais rigorosa
entrar em vigor, essa produzirá seus efeitos a tal crime. A doutrina
defende que neste caso a ação está ainda em execução, por isso
permite-se a produção dos efeitos da lex gravior, ao crime.

Percebam que em ambas as hipóteses incidirá a lei vigente


ao tempo do final do fato, ainda que não seja benéfica ao réu.

2. CONFLITO APARENTE DE NORMAS

2.1 conceito
O concurso de normas tem lugar sempre que uma conduta
delituosa pode enquadrar-se em diversas disposições da lei penal. Diz-
se porém, que esse conflito é tão só aparente, porque se duas ou

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mais disposições se mostram aplicáveis a um dado caso, só uma dessas
normas, na realidade é o que disciplina.

2.1.2 Princípios regentes do conflito aparente de normas.


O conflito, como dito aparente, deverá ser resolvido com a
análise dos seguintes princípios:

2.1.2.1 Princípio da especialidade


A norma especial pode descrever tanto um crime mais leve
quanto um mais grave, e não é, necessariamente mais abrangente que
a geral. Neste caso o conflito se soluciona abstratamente, bastando a
simples, comparação entre as duas normas,supostamente em conflito!
E vale destacar que o fato de aplicar a especialidade é indiferente se a
norma é especial é mais ou menos grave.

2.1.2.2 Princípio da subsidiariedade


A norma subsidiária descreve um grau de menor violação, de
um mesmo bem jurídico, ou seja, um fato menos amplo e menos grave,
que definido como delito autônomo é também compreendido como
parte da fase normal de execução de crime menos grave.

Assim, sendo cometido o fato mais amplo, duas normas incidirão,


a que define o fato e a que descreve apenas parte dele. A norma
primária, que descreve o todo, absorverá a menos ampla (a
subsidiária), tendo em vista que, está cada dentro da primeira

2.1.2.3 Princípio da consunção ou da absorção


Ocorre a consunção quando um fato definido por uma norma
incriminadora é meio necessário ou normal fase da preparação ou
execução de outro delito.

Assim a consumação absorve a tentativa e essa absorve


incriminado ato preparatório; o crime de lesão absorve

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correspondente crime de perigo; o homicídio absorve a lesão
corporal; o furto em casa habitada absorve a violação de domicílio.

2.1.2.4 Princípio da alternatividade

Tal princípio terá aplicação, quando estivermos diante de crimes


tidos como de ação múltipla ou de conteúdo variado, ou seja, crimes
plurinucleares, nos quais o tipo penal prevê mais de uma conduta em
seus vários núcleos. Assim sendo, alternatividade é a consunção
resolvendo conflitos entre condutas previstas na mesma norma e não
um conflito entre normas.

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