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Da aplicação da lei penal.

 
 
Do princípio da legalidade.
  Trata-se de garantia fundamental da liberdade civil, que não possibilita
possamos fazer tudo aquilo que nos der na telha, mas somente aquilo que a lei
não proibir.
 Assim, cabe à lei fixar os limites que diferenciam uma atividade
criminosa de uma atividade legítima. Veja! Trata-se de uma condição de
segurança e liberdade individual, já que sabemos que podemos fazer tudo o
que a lei não proíbe (ver artigo 5°, inciso II, da CF).
 
Este princípio vem descrito no artigo 1° do Código Penal, da seguinte
maneira:
"Não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia
cominação legal."
 
 O princípio da legalidade não possui simplesmente um significado
político. Possui, também, um conteúdo jurídico, já que, segundo José Fredeirco
Marques ("Tratado de Direito Penal"), tal princípio "fixa o conteúdo das normas
incriminadoras, não permitindo que o ilícito penal seja estabelecido
genericamente sem definição prévia da conduta punível e determinações da
sanctio juris aplicável".
 
De fato, não pode mesmo haver crime sem que, antes de sua prática,
exista uma lei, descrevendo-o como um fato censurável e punível. Da mesma
forma, a sanção não pode ser aplicada sem uma cominação prévia. Assim, são
permitidas todas as condutas que não forem previstas como crime, pelas
normas penais incriminadoras.
 
O artigo 1° do nosso Código Penal não contém somente o princípio da
legalidade, mas também o princípio da anterioridade.
 
Podemos dividi-lo da seguinte maneira:
 
1°) Princípio da legalidade (ou de reserva legal): não há crime sem lei
anterior que o defina; não há pena sem cominação legal.
 
2°) Princípio da anterioridade: não há crime sem lei anterior que o defina;
não há pena sem prévia imposição legal.
 
Assim, fica claro que para que exista mesmo o crime, mostra-se
imprescindível (necessário) que aquele fato tenha sido cometido após a
entrada em vigor da lei incriminadora que o define, caso contrário, não haverá
crime, porque, na época em que foi praticado, a sua conduta não era ainda tida
como um fato criminoso.
 
Ainda, para reforçar o princípio legalista das normas punitivas, existe a
regra "nulla poena sine judicio", que impede que o legislador imponha, desde
logo, pena. Afinal, ninguém pode ser punido, sem que tenha sido submetido,
anteriormente, a um julgamento pelo juiz competente, sob as regras do devido
processo legal (com a ampla defesa e o contraditório).
 
A Constituição contém esse princípio no art.5°, XXXV, LIV, LV e LXVII,
que trata das garantias individuais.
  
Âmbito de Eficácia da Lei Penal.
 
A lei determinada pelo Estado somente rege as condutas ocorridas
dentro do espaço em que ele manifesta o seu poder, ou seja, a aplicação da lei
penal restringe a sua eficácia até onde principia a soberania dos outros países.
Não pode o Brasil, portanto, querer aplicar as suas regras na Itália, porque se
trata de um Estado soberano, que há de exercer seu poder dentro do seu
próprio território.
 
A eficácia de uma ação, como a das outras leis, tem amplitude desde a
entrada em vigor (sua entrada no ordenamento jurídico) até sua revogação
(sua retirada, sua saída dessa mesma ordem).
 
E mais, embora a própria Constituição diga que todos são iguais perante
a lei, há determinadas funções, exercidas por determinadas pessoas, que
acabam por lhe conferir privilégios (em relação à função e não pessoais). São
verdadeiros privilégios funcionais quanto à aplicação da norma penal.
 
(Da eficácia da lei penal no tempo).
  
A lei penal, como nós, e como as demais leis, nasce, vive e morre.
 
Tal lei apresenta quatro momentos distintos: a sanção, a promulgação, a
publicação e a revogação.
 
A sanção pelo presidente lhe dá integração formal e substancial. A
promulgação lhe confere existência e proclama a sua executoriedade. A
publicação determina a sua obrigatoriedade (ou eficácia), entrando, assim, a
lei, em vigência. Por fim, temos a revogação, que extingue a lei, retira-a do
ordenamento jurídico, total ou parcialmente.
 
Mas quando uma lei começa a vigorar, em nosso país? O artigo 1° da
LINDB responde à pergunta, afirmando que: "Salvo disposição contrária, a lei
começa a vigorar em todo o País quarenta e cinco dias depois de oficialmente
publicada".
 
Observem, pois, que entre a data da publicação e o início de sua
obrigatoriedade, é capaz que ocorra o lapso de quarenta e cinco dias (isso, é
claro, se a lei não disser nada quanto ao início de sua vigência).
 
Portanto, pode haver uma distinção entre a publicação e o momento de
sua obrigatoriedade. No entanto, geralmente, a lei penal entra em vigor na data
de sua publicação. Um exemplo é a lei 9677, de 2/7/98, que altera dispositivos
do Capítulo III do Título VIII do Código Penal, incluindo na classificação dos
delitos considerados hediondos crimes contra a saúde pública. O artigo 2°
dessa lei dispõe o seguinte: "Esta lei entra em vigor na data de sua
publicação."
 
No entanto, pode-se marcar um prazo para entrada em vigor da nova lei.
É o caso, por exemplo da lei 8078, de 11/9/1990, que dispõe sobre a proteção
penal do consumidor, determinando que a lei passará a ser obrigatória 180 dias
após a sua publicação. É exatamente o que diz o artigo 188 do Código de
Defesa do Consumidor.
 
Mas o que fazer se, entre a publicação e a sua entrada em vigor, ocorrer
alteração da lei? A resposta está, justamente, no parágrafo 3° do artigo 1° do
Decreto-lei n.4657 (LINDB), que determina: "Se, antes de entrar a lei em vigor,
ocorrer nova publicação de seu texto, destinada a correção, o prazo deste
artigo e dos parágrafos anteriores começará a correr da nova publicação."
 
E se, após entrar em vigor uma lei, surgir publicação, contendo
correção? Neste caso, ela será considerada lei nova, conforme o parágrafo 4°
do artigo mencionado.
 
Existe uma denominação própria para esse lapso temporal existente
entre a publicação e a efetiva vigência da lei, seja ela, "vacatio legis". Mas qual
sua função? Primeiramente, possibilita que a norma seja conhecida antes de
tornar-se obrigatória. E ainda, permite que as autoridades incumbidas de fazê-
la executar e as pessoas a que ela se endereça se preparem para a sua
aplicação.
 
Mas onde é publicada a lei penal? No Diário Oficial da União, conhecido
por DOU.
 
Na data da publicação, ou vencido o prazo da vacatio legis ou outro
determinado, dizemos que inicia-se a vigência da lei, que prossegue até que
haja a sua revogação (morte).
 
Assim, a revogação é uma expressão genérica que traz a ideia de
cessação da existência de regra obrigatória, em razão de manifestação do
poder competente.
 
No entanto, verifica-se que a revogação pode ser total ou parcial,
dividindo-se, portanto, em ab-rogação e derrogação.
 
Podemos dizer que quando a autoridade da lei cessa em parte, estamos
diante de derrogação da lei. Por outro lado, quando a lei se extingue
totalmente, abandona o ordenamento jurídico, há a ab-rogação.
 
Como exemplo de derrogação, podemos citar os antigos artigos 119 e
120 do CP de 1940. Eles foram modificados pelo artigo 1° da Lei 5467, de
5/7/68. Afinal, o artigo 119 somente permitia o benefício da reabilitação em
relação às penas acessórias. No entanto, com a nova lei, o privilégio viu-se
estendido, também, às demais penas.
 
Já como exemplo de ab-rogação, citemos o CP de 1890. Ele foi ab-
rogado pelo artigo 360 do CP de 1940. Assim, o CP/1890 desapareceu do
nosso ordenamento, sendo substituído pelo de 1940.
 
Ainda, a revogação pode ser: expressa ou tácita.
 
A revogação é expressa quando a lei, expressamente, determina a
cessação da vigência da norma anterior. Já a tácita (também chamada implícita
ou indireta) é aquela em que o novo texto, embora de forma não expressa, é
incompatível com o anterior ou regula inteiramente a matéria precedente.
 
É exatamente o que dispõe o parágrafo 1° do artigo 2° da LINDB: "A lei
posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com
ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei
anterior."
 
Existem leis, no entanto, que trazem em seu próprio texto o término de
sua vigência. São elas conhecidas como leis de vigência temporária
(encontram-se, justamente, na ressalva do artigo 2°, caput, da LINDB.
 
As leis de vigência temporária são denominadas: temporárias e
excepcionais.
 
Mas o que seriam leis temporárias e excepcionais?
 
As leis temporárias são aquelas que já trazem a data do término de sua
vigência. Elas estipulam, desde o princípio, a data em que a lei deixará o
ordenamento.
 
Por outro lado, as leis excepcionais são as que, não mencionando
expressamente o prazo de vigência, condicionam a sua eficácia à duração das
condições que as determinaram. Assim, imagine que determinada regra
jurídica foi criada para vigorar durante a guerra. Terminada essa, aquela norma
não será mais aplicada, deixando, portanto, o ordenamento jurídico.
 
Assim, essas leis não dependem de revogação por lei posterior, para
deixar a ordem jurídica. Fogem, portanto, à regra geral de que a lei vige até
que outra lei a revogue. Dessa forma, consumado o lapso da lei temporária
(chegada a data pré-fixada para a sua morte), ou, ainda, cessadas as
circunstâncias determinadoras das leis excepcionais, cessa a sua vigência,
podendo-se falar, portanto, em auto-revogação.
 
Ainda, lembrem-se de que a lei penal não se revoga pelo uso contrário
ou pelo desuso.
 
Deve-se, também, verificar que a pessoa somente poderá ser punida
pela prática de uma conduta criminosa se o fato incriminado se produzir,
justamente, no intervalo que separa essas suas datas: data em que a lei que
define o fato se torna obrigatória pela sua entrada em vigor e data em que
deixa de ser obrigatória por ter cessado a sua vigência.
 
Em outras palavras, o fato, para ser punido, deve ser cometido entre o
momento em que a lei nasce, tornando-se obrigatória, até o momento em que
ela morre (é revogada).
 
No entanto, se o fato ocorrer fora desses momentos, não poderá haver
punição.
 
 
 
 
Conflitos de leis penais no tempo: princípios que regem a
matéria.

 
Do seu nascimento até a sua morte, a lei rege todos os fatos abrangidos
pela sua destinação. A eficácia situa-se entre esses dois limites (entrada em
vigor e revogação).
 
Assim, conclui-se que a lei não alcança os fatos ocorridos antes ou
depois desses limites extremos. Portanto, não retroage (não volta atrás para
abranger os casos antes ocorridos), nem tem ultra-atividade (ou seja, deseja
ver-se aplicada depois de morta). É justamente o princípio "tempus regit
actum".
 
No entanto, pode ocorrer que um crime iniciado sob a vigência de uma
determinada lei, acabe se consumando (completando-se por todos os seus
elementos), sob a vigência de uma outra lei. Ou ainda, pode ocorrer que o
sujeito pratique uma conduta punível sob a vigência de uma determinada lei,
mas seja ele condenado no momento em que já exista outra lei, aplicando-lhe
pena mais severa ou benéfica em relação à primeira.
 
Como resolveremos, então, essas questões? Vamos aplicar a lei do
tempo da prática do ato ou a posterior?
 
Tal situação traduz, exatamente, o conflito das leis penais no tempo. E
as questões colocadas devem ser todas solucionadas por meio de alguns
princípios que serão, logo, estudados.
 
Sabemos que, em razão do princípio da legalidade (não há crime, nem
pena, sem prévia lei definindo-o e cominando-a), haverá sempre uma lei
dominando o conflito de leis penais no tempo. Trata-se do princípio da
irretroatividade da lei penal, sem o qual a sociedade não teria nem liberdade,
nem segurança, uma vez que poderiam ser punidos fatos lícitos após sua
realização, abolindo-se o determinado no artigo 1° do nosso Código Penal.
 
Assim, se não há crime sem lei anterior, evidentemente, a norma penal
não poderá retroagir para alcançar aquelas condutas que, antes de sua entrada
em vigor, eram consideradas perfeitamente possíveis, permitidas.
 
Podemos dizer, portanto, que, em regra, aplica-se a lei vigente à época
da prática dos fatos, ou seja, "tempus regit actum". Trata-se de garantia
individual de toda a coletividade.
 
Temos de assinalar, no entanto, que o princípio da retroatividade vige
somente em relação à lei mais severa, admitindo-se, no direito transitório, a
aplicação retroativa da lei mais benigna (também chamada "lex mitior").
 
Podemos afirmar, portanto, que temos dois princípios a reger os conflitos
de direito intertemporal, sejam eles:
 
  1.. o da irretroatividade da lei mais severa.
 
2.. o da retroatividade da lei mais benigna.
 
Ainda, essas duas regras podem ser reduzir à seguinte afirmação: a
retroatividade da lei mais benigna.
 
De fato, o princípio da irretroatividade da lei mais gravosa representa
verdadeiro direito subjetivo de liberdade. Funda-se justamente no artigo 5°,
incisos XXXVI e XL, da Constituição Federal de 1988.
 
O inciso XXXVI determina que a lei não prejudicará o direito adquirido.
Já o inciso XL que a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu.
 
Mas em que consiste o direito adquirido do sujeito? Justamente, em
fazer tudo que não é proibido pela norma penal, não podendo, dessa forma
sofrer pena além das estabelecidas para os casos previstos.
 
Dessa forma, se a lei nova define uma conduta como crime, antes
lícita, os fatos cometidos no período anterior à sua vigência (entrada em vigor)
não podem ser apenados.
 
Um exemplo é o caso do cigarro, já mencionado. Se você fumar hoje
o seu cigarrinho não estará cometendo crime, pois não há nenhuma figura
típica descrevendo essa conduta como tal. Se amanhã tal conduta vier a ser
descrita como fato típico e antijurídico (crime), quem fumou hoje não poderá
ser punido. Afinal, o sujeito, até o dia em que a nova lei entrou em vigor,
poderia perfeitamente fumar seu cigarro.
 
Veja que a nova regra incriminadora não poderá retroagir, uma vez
que a retroprojeção encontra o óbice (obstáculo) do direito adquirido pelo
cidadão na vigência da lei anterior.
 
Imagine, agora, que, praticado um crime na vigência de uma lei A,
surja uma lei nova (B), impondo pena menos severa. Ora, não teria, na
hipótese, o Estado o direito adquirido de punir o cidadão com a pena A, mais
severa?
 
Não, uma vez que a lei nova (B), mais benigna, mostra que o fato, em
verdade, merece punição mais branda. Assim, se o próprio Estado reconheceu
que a pena antiga era muito severa, ou seja, que não era proporcional à ofensa
jurídica, diminuindo a sanção a ser aplicada ao caso, demonstra renúncia ao
direito de aplicá-la, não se podendo, portanto, argüir a teoria do direito
adquirido em favor da continuação de uma punição desproporcional.
 
Exemplifiquemos:
 
João pratica um crime sob a vigência da lei X, que comina
(estabelece) pena de reclusão de 1 a 4 anos.
 
No entanto, quando do julgamento, passa a viger a lei Y, regulando o
mesmo fato e impondo pena mais severa, seja ela, reclusão de 2 a 8 anos.
 
Qual a lei a ser aplicada, a lei X (anterior e mais benéfica) ou a lei Y
(posterior e mais severa)?
 
É claro que a lei posterior não poderá ser aplicada, em face do
princípio da irretroatividade da lei mais severa. Assim, aplica-se a lei anterior,
que passa a reger um fato praticado durante a sua vigência, mesmo após a sua
derrogação (revogação parcial).
 
Ora, então, será possível a aplicação de uma lei mesmo quando
cessada a sua vigência? É isso mesmo. No entanto, isso só poderá ocorrer
quando a lei anterior for mais benéfica em relação à outra, posterior.
 
Essa qualidade da lei, de possuir eficácia mesmo depois de cessada a
sua vigência, é denominada "ultra-atividade".
 
Vejamos, agora, a hipótese inversa. Felipão realiza uma conduta
punível sob a vigência da lei X, que comina pena de 2 a 4 anos de reclusão. No
entanto, na ocasião da sentença, entra em vigor a lei Y, determinando, para a
mesma hipótese, a pena de reclusão de 1 a 4 anos. Qual a lei que será
aplicada, agora, a esse caso?
 
Há de se aplicar a lei posterior, mais favorável ao réu, face ao
princípio da retroatividade da lei mais benigna. A lei anterior, no caso, por ser
mais severa, não possui ultra-atividade.
 
Então, podemos estabelecer a regra de que a lei mais benigna
(favorável) prevalece sobre a mais severa, prolongando-se além do instante de
sua revogação (ultra-ativa) ou retroagindo ao tempo em que não tinha vigência
(retroativa).
 
Essas duas qualidades da lex mitior recebem o nome de extra-
atividade.
 
Por outro lado, prestem atenção, a lei mais severa não retroage nem
possui eficácia além do momento de sua revogação. Assim, podemos dizer que
ela não é nem retroativa, nem ultra-ativa. Essas suas qualidades negativas
compõem o princípio da não-extra-atividade da lex gravior (lei mais severa).
 
Resumindo, podemos dizer que:
 
A lei mais benéfica possui extra-atividade, constituindo-se dos
princípios da retroatividade e da ultra-atividade.
 
Por sua vez, em relação à lei mais severa, aplica-se o princípio da
não-extra-atividade, que se compõe dos princípios da irretroatividade e da não
ultra-atividade.
 
Hipóteses de conflitos de leis penais no tempo.
 
A lei penal nova que entra em conflito com a anterior pode apresentar
as seguintes situações:
 
1) a lei nova suprime normas incriminadoras anteriormente existentes
(abolitio criminis).
 
2) a lei nova incrimina fatos antes considerados lícitos, permitidos
(novatio legis incriminadora).
 
3) a lei nova modifica o regime anterior, agravando a situação do
sujeito (novatio legis in pejus).
 
4) a lei nova modifica o regime anterior, beneficiando o sujeito (novatio
legis in mellius).
 
Para solucionar tais questões, além dos postulados constitucionais já
colocados, o Código Penal traz algumas regrinhas.
 
Seu artigo 2° esclarece que:
 
"Ninguém poderá ser punido por fato que lei posterior deixa de
considerar crime, cessando em virtude dela a execução e os efeitos penais da
sentença penal condenatória transitada em julgado.
 
Parágrafo único. A lei posterior, que de qualquer modo favorecer o
agente, aplica-se aos fatos anteriores, ainda que decididos por sentença
condenatória transitada em julgado."
 
Verifica-se que os artigos dizem respeito à "lei posterior". Mas o que
seria lei posterior? Para sabermos se uma é posterior ou anterior à outra, qual
o ponto de referência a ser utilizado? A promulgação ou a data da entrada em
vigor?
 
Quando se fala em "lei posterior", deve-se entender a que passou a
viger em último lugar, pouco importando as datas de publicação.
 
Assim, vamos estudar cada um dos princípios mencionados.
  
Abolitio criminis, novatio legis ou lei supressiva de
incriminações: a lei nova suprime normas incriminadoras.
 
Conceito.
  
Imagine que uma lei posterior deixa de considerar como infração um
fato que era anteriormente descrito como crime. Trata-se, justamente, da
"abolitio criminis", prevista no artigo 2°, "caput", do CP ("ninguém pode ser
punido por fato que lei posterior deixa de considerar crime").
 
Nessa hipótese, qual a lei a ser aplicada: a anterior que incrimina, ou
a posterior, que descrimina?
 
Depois de tudo o que falamos, é claro que se deve aplicar a lei
posterior. Isso face ao princípio da retroatividade da lei mais favorável,
consagrado na legislação penal e na CF/88 (Art.5°, XL).
 
Estamos, entretanto, diante de uma exceção à regra geral de que
tempus regit actum. No caso, a lei nova retroage, e a antiga não possui ultra-
atividade.
 
Mirabete ensina que "ocorre a chamada abolitio criminis quando a lei
nova já não incrimina fato que anteriormente era considerado como ilícito
penal." (Manual de direito penal, página 59, volume I, sexta edição)
 
Segundo Flávio Augusto Monteiro de Barros, "dá-se a abolitio criminis
quando a nova lei torna atípico o fato incriminado." (Direito Penal, Parte Geral,
volume 1, página 37)
 
Ele sustenta que, se surge, por exemplo, uma lei revogando o delito
de sedução (art.217 do CP), o agente não poderá ser punido, devendo ser
decretada a extinção da punibilidade, caso já haja inquérito policial ou processo
em andamento (art.107, III, do CP). No entanto, se não foi instaurado o
inquérito, não poderá mais sê-lo.
  
Fundamento.
  
Mas qual o fundamento dessa regra?
 
Ora, a ab-rogação (revogação total) de uma lei penal incriminadora
supõe que o Estado já não mais considera aquele fato contrário aos interesses
da sociedade.
 
Não faria sentido que o Estado continuasse a impor a sua vontade,
em prejuízo dos interesses fundamentais do transgressor, quando a considera
inútil, anacrônica e iníqua.
  
Natureza jurídica.
 
 
A abolitio criminis (novatio legis) constitui fato jurídico extintivo da
punibilidade, de acordo com o disposto no artigo 107, III, do CP, que determina:
 
"Extingue-se a punibilidade:
 
(...) III - pela retroatividade de lei que não mais considera o fato
criminoso."
 
O Estado, portanto, perde a possibilidade de aplicar pena ou medida
de segurança ao agente.
 
Essa posição, embora mais aceita, não é pacífica, entendendo Flávio
Augusto que se trata, em verdade, de causa de exclusão da tipicidade.
 
Veja que a abolitio criminis é tratada tanto nos arts.2°, "caput", e
art.107, III, do CP. Ambos determinam que a lei nova tem eficácia para reger
condutas anteriores a ela, quando não as qualifique mais como criminosas.
  
Exemplos:
  
1) Imagine que Felipe tivesse praticado um crime definido pelo Código
de 1890. No entanto, enquanto está sendo processado, entra em vigor o
Código atual (1940), deixando de considerar a sua conduta criminosa. Nessa
hipótese, não poderia o sujeito ser condenado por força da abolitio criminis (lei
supressiva de incriminação).
 
2) O Código de 1890 definia o crime de "posse de instrumentos
próprios para furto ou roubo", no art.361: "Fabricar gazuas, chaves,
instrumentos e aparelhos próprios para roubar, tê-los ou trazê-los consigo de
dia ou de noite."
 
Revogado o antigo Código, tal crime passou a constituir mera
contravenção penal (Art.24 e 25 da LCP).
 
Imagine que Felipe estivesse respondendo pela tentativa do crime do
art.361. Tratando-se de mera tentativa, e tendo a lei nova considerado
contravenção somente o crime consumado, o fato deixará de constituir
infração, uma vez que a LCP não pune a tentativa de contravenção, de acordo
com o seu artigo 4° ("Não é punível a tentativa de contravenção.")
 
 
3.. Felipe pratica a conduta descrita no artigo 217 do CP. No entanto,
entra em vigor lei que deixa de considerar tal fato como criminoso. O fato não
seria mais crime diante da nova lei, não podendo ser punido o sujeito que o
praticara. (Exemplo hipotético).
 
4) Felipe está sendo processado por ter estabelecido jogo de azar em
lugar acessível ao público (LCP, art.50). Surge a lei X, deixando de considerar
o fato como contravenção (exemplo hipotético).
 
Efeitos e forma de aplicação.
  
Segundo o artigo 2°, "caput", do CP, em razão da lei supressiva de
incriminação, cessam a "execução e os efeitos penais da sentença
condenatória." Ainda, de acordo com o art.107, III, a novatio legis extingue a
punibilidade.
 
Assim, a nova lei descriminante exclui todos os efeitos jurídico-penais do
comportamento antes considerado infração.
 
Várias hipóteses podem ocorrer:
 
1) Se a persecução criminal ainda não foi movimentada, o processo não
poderá ser sequer iniciado.
 
2) Se o processo estiver em andamento, deverá ser trancado mediante
decretação da extinção da punibilidade.
 
3) Se já existe sentença condenatória com trânsito em julgado, a
pretensão executória não pode ser efetivada, ou seja, a pena não pode ser
executada.
 
4) Se o condenado está cumprindo pena, deve ser decretada a extinção
da punibilidade, devendo o sujeito ser solto.
 
O que significa cessação dos "efeitos penais da sentença
condenatória"?
 
A condenação é o ato pelo qual o juiz aplica em concreto a sanção que o
transgressor deverá sofrer pelo ato praticado. Assim, o efeito principal da
condenação é a aplicação da pena.
Além desse efeito principal, há outros, de natureza secundária ou
acessória, chamados "efeitos reflexos", dentre os quais podemos mencionar os
penais e os não penais (extrapenais). Como exemplo de efeito extrapenal
podemos mencionar a reparação civil.
 
Da condenação derivam determinados efeitos penais secundários.
Dentre eles podemos mencionar: a) a condenação forja a reincidência (art.61,
I), b) impede o benefício do sursis (Art.77, I), c) opera a revogação do sursis
(art.81, I), d) torna facultativa a revogação do sursis (Art.81, parágrafo 1° ), e)
no livramento condicional, a condenação transitada em julgado causa sua
revogação obrigatória (art.86, I e II) ou facultativa (Art.87) etc....
 
Todos esses efeitos penais, principais ou secundários, desaparecem
com o surgimento de lei supressora do crime (abolitio).
 
Ocorrendo a abolitio criminis, a condenação é declarada inexistente e o
nome do condenado é riscado do rol dos culpados. Assim, o comportamento,
como conduta punível, deixa de figurar em sua vida pregressa. Assim, vindo a
praticar outra infração, a conduta anterior, que inclusive se tornou inexistente,
não o poderá prejudicar.
 
No entanto, como já mencionamos, temos também efeitos secundários
extrapenais. É o caso, por exemplo, da obrigação civil de reparação do dano
produzido pelo delito (Art.91, inciso I, do CP). A lei nova supressiva do crime
exclui essa obrigação?
 
A resposta é negativa, uma vez que o artigo 2° diz que, em virtude da
"abolitio" cessam "os efeitos penais da sentença condenatória", perdurando,
evidentemente os efeitos de natureza civil.
 
A extinção da punibilidade pode ser declarada em qualquer tempo, em
primeira ou segunda instância.
 
Flávio Augusto Monteiro de Barros sustenta que: "deparando-se com a
abolitio criminis, o juiz do processo de conhecimento deve, de ofício, declarar
extinta a punibilidade, ouvindo-se previamente o Ministério Público. Se o
processo estiver no tribunal, em grau de recurso, o próprio tribunal competente
para apreciar o recurso, de ofício, deve declarar extinta a punibilidade. Caso já
haja sentença transitada em julgado, a declaração da extinção da punibilidade
competirá ao juiz da execução penal (art.66, I, da LEP e Súmula 611 do STF).
Da sua decisão caberá o recurso de agravo em execução. Não cabe, portanto,
revisão criminal ou habeas corpus, pois a competência é o juiz da
execução."(Direito Penal, Parte Geral, volume 1, página 38).
 
Ainda, a extinção não depende de provocação do interessado ou seu
representante, devendo ser declarada pelo juiz, de ofício, de acordo com o
disposto no artigo 61, "caput", do CPP.
 
E mais: pode ser declarada a extinção antes de a lei nova entrar em
vigor? Absolutamente, afinal, antes de entrar em vigor, a lei nova não possui
eficácia, não podendo, pois, substituir a anterior.
  
Novatio legis incriminadora: a lei nova incrimina fato anteriormente
considerados lícitos.
  
Imagine, agora, que uma lei nova (novatio legis) venha incriminar
conduta que, anteriormente, era um indiferente penal. Nessa hipótese,
estaremos diante de uma novatio legis incriminadora.
 
Aqui, podemos dizer que tem aplicação a regra do tempus regit actum.
Afinal, a lei que vem a criar novos crimes não retroage, por prejudicar o sujeito.
 
O fundamento desse princípio, como já mencionamos, encontra-se no
brocardo "nullum crimen sine praevia lege." Assim, se não há crime sem lei
anterior, a lei nova incriminadora não pode retroagir para alcançar fatos
praticados antes da entrada em vigor da lei mais severa.
 
Exemplificando:
 
Imagine que Pablo, em outubro de 1964, sem autorização legal, plantou
uns pés de maconha no quintal de sua casa, com intenção de produzir a
substância entorpecente.
 
Bem, nessa época, tal conduta "plantar" ainda não era tida como
criminosa, pois não estava prevista legalmente como tal.
 
No entanto, em 6 de novembro de 1964, entrou em vigor uma lei
inserindo o núcleo "plantar" na figura típica fundamental do crime.
 
Pergunta-se: Essa lei poderia retroagir para alcançar o fato cometido
antes de sua entrada em vigor? É claro que não, uma vez que as leis novas
que incriminam condutas não podem retroagir.
 
O fundamento da irretroatividade é evidente. Se um dos requisitos do
crime, veremos mais tarde, é a antijuridicidade (a contrariedade da conduta à
norma proibitiva contida na lei penal), não havendo lei estatal proibindo a
conduta e impondo a sanção, entende-se que essa é lícita (permitida), não
podendo, pois, quem a pratica, receber punição.
 
Trata-se, como já foi visto, de garantia ao cidadão, que não pode ser
condenado por conduta que, quando de sua prática, era considerada
perfeitamente lícita.

 "Novatio Legis in Pejus": a lei nova modifica o regime anterior,


agravando a situação do sujeito.
  
Sempre que a lei posterior agravar a situação do sujeito, sem contudo
criar novos crimes ou abolir os precedentes, não poderá retroagir, em razão do
princípio da irretroatividade da lei mais severa.
 
A lei nova pode ser mais severa que a anterior nas seguintes hipóteses:
 
(1) Quando a sanção imposta, hoje, ao crime é mais grave em qualidade
que a da precedente.
 
Imagine que Asdrubal pratica um crime quando está em vigor uma lei
"A", que estabelece pena de multa. No entanto, entra em vigor uma nova lei
"B", estabelecendo, para o mesmo fato, pena privativa de liberdade (reclusão
ou detenção). Por ser mais severa, não poderá retroagir.
 
Observação: a maior ou menor severidade deve ser apreciada, no caso
concreto.
 
(2) Quando a sanção imposta, hoje, embora da mesma qualidade, é
mais severa quanto à maneira de execução.
 
Imagine que entrasse em vigor lei nova determinando que as penas de
detenção deveriam iniciar-se em regime fechado (art.33 do CP). O sujeito que
praticou a conduta quando havia lei determinando que o regime inicial de
cumprimento da pena seria o semi-aberto não pode ver-se obrigado ao
cumprimento da pena em regime fechado.
 
(3) Quando a quantidade da pena em abstrato é aumentada.
 
Imagine que o Felipão cometa um crime na vigência da lei "A", que
impõe, em abstrato, pena de reclusão de 1 a 5 anos. Surge lei "B" fixando pena
mais severa (de 2 a 8 anos). Não se pode aplicar a lei "B" à conduta praticada
durante a vigência da lei "A", por ser ela prejudicial ao réu.
 
(4) A quantidade da pena em abstrato é mantida, mas a maneira de sua
fixação é mais rígida que a determinada pela lei anterior.
 
Um exemplo é o caso da modificação pelo legislador do artigo 59 do CP,
estabelecendo-se regime mais severo para a fixação da pena.
 
(5) Exclusão de circunstâncias que favorecem o sujeito (atenuantes e
causas de diminuição de pena) ou inclusão de circunstâncias prejudiciais
(agravantes e causas de aumento).
 
Imagine, por exemplo, que Zé Mané confesse, espontaneamente,
perante a autoridade, ter dado cabo à vida se sua adorada sogra. Incidiria, na
hipótese, a atenuante prevista na alínea "d", inciso III, do art.65 do CP.
 
No entanto, entra em vigor nova lei, suprimindo tal circunstância. Deve
ou não ser ela aplicada? Não. Deve aplicar-se a lei antiga mais benéfica, pois,
como já estudamos, possui ultra-atividade.
 
(6) Inclusão de qualificadoras antes inexistentes.
 
Imagine que João e Maria cometam um crime de homicídio simples
(art.121, "caput", do CP). Surge uma lei nova, cominando pena de 12 a 30
anos, se o homicídio é praticado por duas ou mais pessoas. Essa nova
qualificadora não poderá ser aplicada à hipótese ocorrida antes de sua entrada
em vigor.
 
(7) Lei nova suprime benefícios determinados pela lei anterior, referente
à suspensão ou interrupção da execução da pena.
 
Imagine que o sujeito pratique a conduta quando possível a suspensão
condicional da pena ("sursis"). No entanto, entra em vigor nova lei,
impossibilitando a aplicação desse benefício. A nova lei não poderá ser
aplicada, uma vez que se mostra prejudicial ao réu.
 
(8) Lei nova que mantém o benefício, dificultando-o.
 
Surge nova condição para obtenção do benefício.
 
(9) Lei nova que exclui causas de extinção da punibilidade.
 
Entra em vigor, uma lei retirando o perdão judicial do rol das causas
extintivas da punibilidade.
 
(10) Lei nova que mantém as causas de extinção, mas dificulta sua
ocorrência.
 
Imagine que surja nova lei, ampliando, por exemplo, o lapso
prescricional.
 
(11) Lei nova que exclui escusas absolutórias anteriormente existentes.
 
Imagine que Zé Mané furte seu próprio pai. Nesse caso, incidirá a
escusa absolutória prevista no artigo 181, II, 1° figura, do CP, não lhe sendo,
pois, aplicada pena.
 
O que ocorrerá se uma nova lei vier a excluir a disposição contida no
artigo 181? Tal lei não poderá ser aplicada, pois prejudicaria o acusado.
 
(12) Lei nova que cria pena restritiva de direitos não prevista na
legislação anterior.
 
Imagine que venha a vigorar lei que proíba o condenado de assistir
televisão.
 
(13) Lei nova que exclui causas de exclusão da ilicitude ou da
culpabilidade antes existentes.
 
Imagine que uma lei venha a impossibilitar a legítima defesa, nos casos
de agressão iminente (art.25). Se o sujeito defendeu-se de agressão prestes a
acontecer, deverá ou não ser afastada a causa de exclusão de antijuridicidade?
Essa não poderá ser afastada, haja vista que seu afastamento prejudicaria o
acusado.
 
(14) Lei nova exclui condições de procedibilidade genéricas
(possibilidade jurídica do pedido, legitimidade e interesse de agir) ou
específicas (por exemplo, a representação, a queixa, a requisição do Ministro
da Justiça etc.)
 
Imagine que o sujeito tenha praticado um crime de ameaça (artigo 147,
parágrafo único, do CP). A ação penal somente poderá ser ajuizada se houver
representação. Imagine, no entanto, que venha uma nova lei, suprimindo tal
exigência. O Ministério Público poderia oferecer a denúncia, sem que exista
representação por parte do ofendido ou de seu representante legal?
 
É claro que não. Afinal, a exclusão dessa condição de procedibilidade
tornou-se para o criminoso mais severa que a anterior, que a exigia, não
podendo a exigência da representação ser ignorada.
 
Concluindo-se: todas as vezes em que a lei nova prejudica o sujeito, não
poderá ela retroagir.
 
"Novatio Legis in Mellius": lei nova que modifica o regime anterior,
beneficiando o sujeito.
 
Caso a lei nova venha a beneficiar o sujeito, sem, contudo, excluir a
incriminação, deverá ela retroagir. Trata-se da aplicação do princípio da
retroatividade da lei mais benigna.
 
É exatamente o que dispõe o parágrafo único do artigo 2° do CP:
 
"A lei posterior, que de qualquer modo favorecer o agente, aplica-se aos
fatos anteriores, ainda que decididos por sentença condenatória transitada em
julgado."
 
Citemos alguns casos de lei posterior que, de qualquer modo, favorece o
sujeito:

1.. Lei nova que inclui circunstâncias que beneficiam o sujeito.


 
(2) Lei nova que cria causas extintivas da punibilidade não reconhecidas
pela lei anterior.
 
(3) Lei nova que facilita a superveniência de causas extintivas da
punibilidade (por exemplo: diminuindo o prazo prescricional).
 
(4) Lei posterior que permite a obtenção de benefícios não permitidos na
legislação anterior ou facilita sua obtenção.
 
(5) Lei nova acresce causas de exclusão da antijuridicidade, da
culpabilidade, ou escusas absolutórias, antes inexistentes.
 (6) Lei posterior que exclui a concessão de extradição.
 
(7) Lei nova que inclui condições de procedibilidade não exigidas
anteriormente.
 
É o caso da lei 9099/95 (Lei dos Juizados Especiais). Ela exige, para o
caso de lesões culposas ou leves, representação do ofendido.
 
(8) Lei nova que comina pena menos rigorosa.
 
Mas quando podemos dizer que a lei nova estabelece penas menos
rigorosas? Nas seguintes hipóteses:
 
(a) No caso de mudança da natureza da pena.
 
Ex.: Pena de detenção é transformada em pena de multa. Por ser essa
última menos rigorosa, deverá retroagir.
 
(b) Caso de pena menos rigorosa quanto à maneira de execução.
 
Ex.: Lei que vem a estabelecer para as penas de reclusão o mesmo
regime de execução da pena de detenção.
 
(c) Lei nova, suprimindo alguns elementos da figura típica antiga,
modifica o "nomen juris"do crime, estabelecendo pena menos rigorosa.
 
  1.. Caso de redução quantitativa da pena.
 
Uma pena que era de 2 a 8 anos de reclusão passa a 1 a 4 anos.
 
(e) Lei nova que transforma o crime em simples contravenção.
 
Ex.: O artigo 361 do CP de 1890 considerava crime a conduta "fabricar
gazuas, chaves, instrumentos e aparelhos próprios para roubar". Hoje, tal
conduta não passa de uma contravenção, prevista no artigo 24 da Lei das
Contravenções Penais, que traz penas mais brandas.
 
Ainda, de acordo com o disposto no artigo 2°, parágrafo único, do CP, o
princípio da retroatividade da lei mais benéfica é incondicional, podendo
aplicar-se aos fatos anteriores, ainda que decididos por sentença condenatória
transitada em julgado.
  
Apuração da maior benignidade da lei.
 
 Todos os casos anteriormente colocados, como vocês já perceberam,
podem ser solucionados através da aplicação do princípio da retroatividade da
lei mais benigna.
 
No entanto, se sempre devemos aplicar a lei mais favorável, faz-se
imprescindível que saibamos identificá-la.
 
Antes disso, temos que verificar o que devemos entender por "lei".
Afinal, reparem: o Código não se refere à "lei penal", mas somente à "lei".
 
Muitas vezes, verificamos que o tipo penal é preenchido de elementares
extrapenais, como, por exemplo, no caso das normas penais em branco, que
muitas vezes são completadas pelo direito civil, comercial, administrativo etc...
 
Como já frisei (quando estudamos a lei penal em branco), esses
complementos passam a fazer parte da lei penal, passam a integrá-la. Assim,
pergunta-se: as disposições complementares das normas penais em branco
podem ser consideradas leis penais, para efeito da retroatividade benéfica?
 
Lembram-se do crime de "conhecimento prévio de impedimento" ao
casamento (art.237)? Pois é. Tal regra vem a ser complementada pelo art.183,
incisos I a VIII, do Código Civil, que elenca os impedimentos matrimoniais.
 
Imagine, no entanto, que, após a prática do crime, venha uma nova lei,
revogando o artigo 183 do Código Civil. Pode ela ser considerada lei penal
para efeito de retroagir e beneficiar o sujeito?
 
Lógico que sim. A nova lei, em verdade, excluiu o próprio tipo criminoso.
Se não existe mais qualquer impedimento para o casamento, como o sujeito
praticará a conduta descrita no artigo 237 do CP?
 
Assim, devemos entender que, quando o Código fala em "lei posterior"
está a se referir, também, às leis de cunho extrapenal, devendo-se apreciar sua
maior benignidade.
 Mas como solucionar a questão da maior ou menor benignidade das
leis?
 
Asúa sustentava que a solução somente viria da análise do caso
concreto, sendo, pois, praticamente impossível estipular regrinhas para
resolver tais conflitos.
 
No entanto, podemos dizer que toda norma que amplie o âmbito de
licitude penal, quer diminuindo o campo do "jus puniendi" ou do "jus punitionis",
quer ampliando o do "jus libertatis", poderá ser considerada lei mais benigna.
 
Verifica-se, pois, que a solução deve ser apreciada em concreto. Deve o
magistrado analisar o caso concreto, primeiro, em relação à lei anterior.
Depois, em relação à posterior. Às vezes, em relação à intermediária. Todos os
resultados devem ser comparados, devendo ser escolhido o que mais
favorecer o agente.
 
E nos casos de dúvida sobre a lei mais favorável? Entende-se que deve
ser aplicada a nova lei somente aos casos não decididos, devendo ser o réu e
seu defensor ouvidos a respeito.
 
Flávio Augusto Monteiro de Barros afirma que, de modo geral, reputa-se
mais benigna (salvo prova em contrário) a lei que:
 
  1.. Comina pena mais branda.
 
  2.. Cria circunstâncias atenuantes.
  
3.. Extingue circunstâncias agravantes.
  
4.. Extingue medida de segurança e efeitos da condenação.
 
  5.. Estabelece causas de exclusão da antijuridicidade, culpabilidade e
punibilidade.
 
 Competência para aplicação da lei mais benéfica.
 
 Se a lei mais benéfica surge antes de o juiz proferir a sentença, ele
mesmo fará a adequação penal. No entanto, pode ocorrer que a sentença
condenatória já tenha transitado em julgado. Nessa hipótese, quem irá aplicar a
lei? O juiz de primeiro grau ou o Tribunal, em grau de revisão criminal ou
"habeas corpus"?
 
A resposta à questão vem, justamente, no art.66, I, da lei de Execução
Penal, e na Súmula 611 do STF: a competência será do juiz de primeiro grau
(da execução penal).
 
O Tribunal somente poderia intervir se houvesse recurso do despacho
do juiz de primeira instância (art.197 da LEP).
 
 Lei intermediária.
 
 Imagine que o sujeito pratique a conduta sob a regência de uma
determinada lei, surgindo, no entanto, sucessivamente, duas novas leis,
regulando o mesmo comportamento, sendo a intermediária a mais benigna.
 
Analisando as três leis, verificamos que a lei intermediária, por ser mais
favorável que as outras duas, retroage em relação à primeira e possui ultra-
atividade em face da terceira.
 
Combinação de leis.
 
 Pode haver a combinação de leis para beneficiar o agente?
 
A questão não é pacífica, havendo duas posições defensáveis.
 
No Brasil, aceitavam a combinação de leis: Basileu Garcia, José
Frederico Marques e Magalhães Noronha.
 
No entanto, Costa e Silva, Nélson Hungria e Aníbal Bruno eram contra
esse posição, sustentando a impossibilidade de combinação de leis.
 
Aqueles que entendiam ser impossível a combinação de leis para
favorecer o agente, sustentavam que, na hipótese, o juiz estaria criando uma
terceira lei, o que não lhe é permitido em razão da tripartição de poderes.
 
No entanto, a outra corrente afirmava que não se estaria a criar nova lei,
mas sim movimentando-se dentro do campo legal em sua missão de
integração legítima. Afinal, se pode ele escolher uma ou outra lei para
obedecer ao mandamento constitucional da aplicação da lei mais favorável,
pode, perfeitamente, efetuar a combinação daquelas, seguindo as
determinações constitucionais.
 
Não podemos ignorar que é mais comum a tese da impossibilidade da
combinação das leis. Entretanto, verificam-se razões fortes no sentido de se
aplicar as disposições mais favoráveis das duas leis, pelo menos em situações
especiais.
 
Ora, se o juiz pode aplicar o "todo" de uma ou de outra lei para favorecer
o sujeito, não há porque não possa escolher uma parte de uma lei e outra, da
outra, com vistas a favorecer o agente, aplicando-se, pois, o preceito
constitucional, que estaria sendo desrespeitado se o juiz não pudesse aplicar a
parte mais favorável da nova lei, porque proibida a combinação de leis.
 
Um exemplo: A lei n.5726, de 29 de outubro de 1971 deu nova redação
ao artigo 281 do CP, definindo o comércio de entorpecentes, cominando pena
de 1 a 6 anos de reclusão e multa de 50 a 100 vezes o maior salário mínimo
vigente.
 
Tal lei foi substituída pelo artigo 12 da lei n.6368/76, que estipulava
como pena reclusão de 3 a 15 anos e o pagamento de 50 a 360 dias-multa.
 
Verifica-se que quanto a pena privativa de liberdade, a lei antiga era
mais benéfica. No entanto, no que diz respeito à multa, a lei posterior é que era
mais favorável.
 
Assim, a jurisprudência admitiu a combinação das leis, aplicando-se a
pena privativa da liberdade prevista pela lei anterior e a de multa trazida pela lei
posterior.

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