Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Ainda podemos distinguir entre as chamadas fontes voluntárias (artigo 1.º, n.º
2, 1.ª parte) e não voluntárias (artigos 3.º e 4.º), podendo a jurisprudência do
Tribunal Constitucional ser considerada fonte voluntária quando declara a
inconstitucionalidade de uma norma com força obrigatória geral (artigo 282.º,
n.º 1, da Constituição), que tem como efeito a repristinação da norma que a
norma declarada inconstitucional, eventualmente, haja revogado.
Por fim, a partir do artigo 1.º, ainda podemos diferenciar entre normas de
segundo grau e normas de primeiro grau. As normas do segundo grau não
estabelecem regras; limitam-se a indicar as fontes imediatas (artigo 1.º CCiv) e
as fontes mediatas (os artigos 3.º e 4.º CCiv) do direito e estas são então as
normas de primeiro grau (normas primárias), isto é, as próprias leis, como
direito aplicável.
*******
O problema das fontes do direito em geral: fontes do direito são leis, as normas
primárias, ou seja, os factos normativos através dos quais determinadas regras
são positivadas como lei vigente (por exemplo: com a conclusão do processo
legislativo). O direito só verdadeiramente o é enquanto direito positivo.
Estamos perante a positivação de certos conteúdos normativos como normas
jurídicas, vigentes como direito.
Temos que ter a consciência clara que uma coisa é uma lei vigente (a lei que,
findo o processo legislativo, entrou em vigor) coisa diferente é uma lei válida. A
vigência da lei é o resultado de um facto normativo que determina e fixa a sua
entrada em vigor. Mas a validade da lei não se pode fundar num simples facto
normativo, num simples facto mediante o qual o legislador dita o que é lei. A
validade última da lei funda-se em princípios regulativos superiores de justiça
que transcendem e antecedem os factos normativos. Por isso, uma lei, uma
norma, pode vigorar e ser inválida, pode haver leis injustas ( gesetzliches
Unrecht). [Na Lei Fundamental da República Federal da Alemanha o artigo 20.º,
n.º 3, 2.ª parte, dispõe: “os poderes executivo e judicial estão vinculados pela
lei e o direito.” Esta norma explica-se pelas experiências feitas durante o
regime nacional-socialista (embora não só aqui) em que houve legislação (=
leis vigentes) que espezinhou os princípios fundamentais de justiça. A vontade
inequívoca dos autores da Lei Fundamental foi diferenciar entre a lei positiva e
os princípios fundamentais de justiça que lhe são superiores.]
*******
Como vimos, o direito tem que ser positivado em leis. E as leis, para poderem
ser observadas, devem ser do conhecimento dos seus destinatários, ou seja,
dos homens cuja vida orientam e disciplinam. Para serem conhecidas as leis
devem ser publicadas.
Com a mera publicação a lei existe mas ainda não vigora. Porque, como diz o
artigo 5.º, n.º 2, entre a publicação e a vigência da lei decorrerá algum tempo.
Este tempo chama-se vacatio legis. A vacatio legis serve (idealiter) para tornar
a lei conhecida e facultar o seu conhecimento antes de ela vir a ser aplicada.
Até pode suceder que uma lei, ainda durante este período, venha a sofrer
modificações.
A própria lei pode ou fixar a data da sua entrada em vigor ou pode dizer que
entra em vigor imediatamente ou não pode fixar data nenhuma. Também pode
dizer, sendo ela integralmente publicada, que a sua entrada em vigor depende
da publicação e posterior entrada em vigor de um Regulamento necessário para
a sua aplicação. A este respeito temos o exemplo do Código do Registo Predial,
de 1983, cujo Regulamento nunca foi publicado e por isso o Código, apesar de
ter sido publicado, nunca chegou a ter vigência.
Na sequência do artigo 5.º, n.º 2, última parte, os n.os 1 e 2 do artigo 2.º Lei
n.º 42/2007 dispõem: “Os actos legislativos e os outros actos de conteúdo
genérico entram em vigor no dia neles fixado, não podendo, em caso algum, o
início da vigência verificar-se no próprio dia da publicação. — Na falta de
fixação do dia, os diplomas referidos no número anterior entram em vigor, em
todo o território nacional e no estrangeiro, no 5.º dia após a publicação.” 2 Daí
podemos concluir que no caso de a lei fixar a entrada em vigor imediata a sua
vigência começa no dia seguinte ao da publicação.
1
A lei segue em Anexo a este Sumário.
2
Temos aqui um belo exemplo como a evolução técnica (digitalização e internet) se reflecte no direito.
Antigamente, a entrada em vigor das leis em Portugal estava diferida no tempo em atenção à distância
dos territórios (Ilhas Adjacentes, Macau, Estrangeiro) de Portugal Metropolitano. Ver J. Baptista
Machado, pág. 165.
Cessação da vigência da lei (artigo 7.º CCiv)
A lei, quando não se destina a ter vigência temporária, só (!) deixa de vigorar
se for revogada por outra lei. Por isso, o desuso generalizado e o costume em
contrário não são aceites como formas de derrogação da lei (argumentum ex
artigo 7.º, n.º 1, 2.ª parte [“só”]). Como já dissemos (na aula de 29-11-2018),
esta afirmação peremptória do artigo 7.º não está isenta de dúvidas.
Em princípio, a lei geral não revoga a lei especial (artigo 7.º, n.º 3);
Todavia, nos casos previstos nos n.os 3 e 4 do artigo 7.º a intenção expressa do
legislador pode ser de sentido diferente.
Segundo o disposto no artigo 7.º a lei nova derroga a lei anterior (lex posterior
derogat priori) e a lei especial prevalece sobre a lei geral (lex specialis derogat
legi generali) pois a revogação desta não a afecta (lex posterior generalis non
derogat priori speciali). Não há dúvidas que lei nova vigora daqui em diante
para situações futuras.
3
Ver em Anexo a Lei n.º 30/2018, de 16 de Junho, que estabelece um regime transitório, limitado no
tempo.
4
A lei n.º 24/2012, de 9 de Julho, que aprovou a Lei-quadro das Fundações, alterou vários artigos do
CCiv relativos às fundações que, por seu lado, voltaram a ser alteradas de novo pela lei n.º 150/2015, de
10 de Setembro, que reformulou a lei-quadro das fundações.
tem normas de conflito de leis relativas à sua aplicação no espaço – as normas
do direito internacional privado (artigos 14.º a 65.º) – igualmente tem normas
relativas à aplicação das leis no tempo (os artigos 12.º e 13.º e, ainda, o artigo
297.º). Os artigos 12.º, 13.º e 297.º contêm regras de aplicação geral para
todo o ordenamento jurídico.
5
Modelar a sociedade significa ter capacidade de antevisão e o poder de implementar o que se antevê.
Atendendo às referências feitas infra na nota 6, a afirmação de o direito ser um instrumento de
modelação da sociedade só pode ser lida cum grano salis.
6
Isto foi leccionado aos alunos do Curso de Direito no Porto da Universidade Católica a partir do ano de
1978. Hoje em dia, na época da digitalização, pode dizer-se que a velocidade das mudanças chega a ser
Seja como for, o direito tem com o função estabilizar as expectativas das
pessoas que nele confiam e nele assentam os seus planos de vida. Nada corrói
mais a função social do direito do que a perda de confiança nas suas normas
em consequência da frustração de expectativas legítimas fundadas nas mesmas
normas que o legislador muda ao sabor das circunstâncias. Daí resulta que a
necessidade de respeitar a estabilidade das situações jurídicas seja ela mesma
um postulado inerente àquela função social do direito.
Na medida em que a lei tem como finalidade orientar condutas humanas não
faz sentido querer aplicá-la a condutas observadas no passado. Num Estado de
Direito deve haver previsibilidade dos efeitos que uma conduta tem em face da
lei. Atribuir retroactividade a uma lei sempre mina e corrói a confiança nas leis
e a segurança que deviam dar.
“Seria absurdo apreciar uma conduta em face de uma regra que ainda não
‘existia’ ou vigorava quando essa conduta se verificou. É neste sentido que se
pode afirmar … que o princípio da não retroactividade decorre da essência da
lei, é neste mesmo sentido que se pode afirmar que ele é um princípio universal
alucinante e os grandes modificadores das sociedades são os engenheiros e os médicos, tanto no vasto
campo da informática como, e de modo ainda mais incisivo, no campo da biotecnologia e das ciências da
vida. A evolução é medonha e o direito corre atrás da evolução para “limitar os prejuízos” pois qualquer
“pré-visão” por parte do legislador não é possível.
De resto, existe o problema geral se as sociedades no seu todo (as populações) querem todas estas
mudanças, e sobretudo a velocidade com que se sucedem, ou estão preparadas para elas ou se não
preferem antes viver em condições estáveis de acordo com modos ou ritmos de vida aos quais estão
habituados.
Além disso, abre-se um fosso entre o grosso a população e as elites que impulsionam estas mudanças
radicais e que possuem conhecimentos e poderes não acessíveis ou compreensíveis pela generalidade
das pessoas, uma evolução que põe em causa a coesão das sociedades.
de direito e se pode presumir … que em todo o preceito jurídico está implícito
um ‘de ora avante’, um ‘daqui para o futuro’” (como escreve Baptista
Machado).