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Docente: Micaela Bragadeste Lopes

Responsável da unidade curricular de Introdução ao Direito


Ano letivo 2020/2021

TEXTO DE APOIO N.º 5

INTRODUÇÃO AO DIREITO

PONTO 5. DO PROGRAMA

As fontes de Direito

Sabemos que o Direito é um fenómeno social/relacional, e existe porque vivemos em sociedade.

Os modos através dos quais o Direito nasce, isto é, através dos quais as regras jurídicas nascem,
tem variado ao longo do tempo e, também, de lugar para lugar.

Em sociedades menos desenvolvidas (do ponto de vista civilizacional) o Direito tende a nascer de
um modo mais informal, por via consuetudinária, isto é, através de tradições e costumes orais, transmitidos
de geração em geração. Porém, à medida que as sociedades se desenvolvem e complexificam, o Direito
tende a ser criado através dos Estados, através de um poder central e as normas jurídicas revestem a forma
escrita.

Quando nos debruçamos sobre o tema das fontes de Direito, aquilo que pretendemos saber é
justamente, qual a origem das normas jurídicas, de onde é que elas vêm.

Podemos falar em fontes de Direito em diferentes sentidos:

a) Fontes de Direito em sentido político


b) Fontes de Direito em sentido sociológico
c) Fintes de Direito em sentido filosófico
d) Fontes de Direito em sentido histórico
e) Fontes de Direito em sentido instrumental
Apesar da multiplicidade de sentidos que pode assumir a expressão “Fontes de Direito”, aquele que
releva para o nosso estudo é o sentido técnico-jurídico ou formal, de acordo com o qual, as fontes de
Direito podem definir-se como modos de formação e modos de revelação de regras jurídicas.

Devemos distinguir os modos de formação ou criação de regras jurídicas, dos modos de revelação de
regras jurídicas.

Dentro dos modos de formação ou criação de regras jurídicas temos duas fontes de Direito: a lei e o
costume.

Dentro dos modos de revelação de regras jurídicas temos duas fontes de Direito: a jurisprudência e a
doutrina.

Vejamos então o que significa cada uma delas.

Modos de formação de regras jurídicas

1. A lei

A lei é a fonte de Direito mais importante no ordenamento jurídico português, o que decorre na
nossa tradição jurídica romano-germânica. É de referir que não é assim em todos os ordenamentos jurídicos,
por exemplo, nos sistemas anglo-saxónicos a jurisprudência assume um papel preponderante.

O que devemos entender por lei?

Quando nos referimos à lei podemos referir-nos num sentido formal e, nesse caso, estamos apenas
a referir-nos às regras jurídicas que são elaboradas pela Assembleia da República. Também nos podemos
referir à lei em sentido material, substancial ou genérico e, neste caso, não nos referimos apenas à lei
elaborada pelo órgão de soberania que é a Assembleia da República, mas antes a toda a norma jurídica
escrita, com carácter geral e abstrato, elaborada pelo órgão de Estado competente, seja a Assembleia da
República ou outro.

Para verificarmos se estamos a referir-nos à lei em sentido formal ou em sentido genérico, devemos
verificar o contexto em que a palavra “lei” é utilizada.

Considerando a importância que a lei tem no nosso ordenamento jurídico é sobre a lei que nos
vamos debruçar adiante para compreender a hierarquia, o seu início e cessação e vigência, a sua
interpretação e aplicação no tempo.
2. O costume

Os costumes são as regras jurídicas que resultam das práticas sociais habituais e reiteradas dos
indivíduos pertencentes a uma determinada comunidade, acompanhadas da convicção da sua
obrigatoriedade.

O costume é constituído por um elemento objetivo que é prática social, o comportamento social
habitual e reiterado. Note-se que não precisa de ser repetido todos os dias, mas apenas assumir um hábito e
regularidade.

Para além do elemento objetivo, o costume é acompanhado de um elemento subjetivo ou


psicológico, ou seja, o comportamento social é a acompanhado da convicção de obrigatoriedade por parte
dos indivíduos pertencentes a uma dada comunidade e que instituíram e praticam o costume. Dito de outro
modo, o costume é acompanhado da convicção de que aquele é o comportamento justo e correto e, por isso,
obrigatório

O costume também pode ser definido como um conjunto de tradições orais, com carácter jurídico.

As praxes académicas são um exemplo de um costume dos indivíduos pertencentes a uma determinada
comunidade (a comunidade académica estudantil) e em que a esmagadora maioria dos indivíduos
pertencentes a essa comunidade está convicta de que os comportamentos de praxe académica são justos,
são corretos e são, por essa razão, obrigatórios para uma melhor integração dos novos estudantes nas
instituições de ensino superior

3. Diferenças entre a lei e o costume

É de salientar que os costumes não são escritos, ao passo que as leis são escritas e publicadas no
Jornal Oficial (Diário da República).

Os costumes surgem de uma prática social espontânea, ao passo que as leis resultam do poder de
um órgão de Estado com competência para a sua criação.

As leis são fontes imediatas de Direito, ao passo que os costumes não são fontes imediatas de
Direito.

Atentemos no disposto no artigo 1º do CC e que passamos a transcrever:

Capítulo I
Fontes do direito

Artigo 1.º

(Fontes imediatas)

1. São fontes imediatas do direito as leis e as normas corporativas.


2. Consideram-se leis todas as disposições genéricas provindas dos órgãos estaduais competentes;
são normas corporativas as regras ditadas pelos organismos representativos das diferentes
categorias morais, culturais, económicas ou profissionais, no domínio das suas atribuições, bem
como os respetivos estatutos e regulamentos internos.
3. As normas corporativas não podem contrariar as disposições legais de carácter imperativo.

Podemos verificar que o Código Civil apenas reconhece a lei e as normas corporativas como fontes
imediatas de Direito, não se fazendo, nesta norma, qualquer referência ao costume.

O que significa, então, ser fonte imediata do Direito?

São fontes diretamente aplicáveis e, por exemplo, se recorrermos a um tribunal, não temos de provar
que a lei ou as normas corporativas existem. Uma vez que estas normas são públicas e publicitadas, basta
invocá-las, e o juiz tem obrigação de conhecê-las ou, pelo menos, tem como conhecê-las.

No que respeita ao costume, é diferente da lei.

O C.C. também reconhece o costume como fonte de Direito, mas não como fonte direta e imediata,
razão pela qual não consta no supracitado artigo 1º do C.C.. No entanto, é inequívoco que o costume é
fonte de Direito, o que resulta claramente do disposto no artigo 348º do C.C. e que tem por epígrafe “Direito
consuetudinário, local ou estrangeiro”. O direito consuetudinário é o direito que resulta do costume. Dispõe
o n.º 1 do artigo 348º C.C. que aquele que invocar (em tribunal) um costume (local ou estrangeiro) deve
fazer a prova da sua existência e conteúdo. Assim, todas as pessoas que se queiram prevalecer de um direito
criado por um costume, não lhes basta invocar a existência do costume (como sucede quando nos queremos
prevalecer de um direito previsto na lei), tendo, também, de provar, isto é, demonstrar, que esse costume
existe e de qual é o seu conteúdo.

Como é bem de ver, apesar de o juiz também ter o dever de, oficiosamente, independentemente de
tal lhe ser pedido pelas partes, procurar obter o conhecimento desse costume, o certo é que existe um
encargo maior para quem se quer prevalecer de um costume do que para quem se quer fazer prevalecer da
lei.

Isto explica-se pela circunstância de a lei ser escrita, publicada, ser formulada de modo geral e
abstrato e ser de origem estadual, o que não sucede com os costumes.

Modos de revelação de regras jurídicas

Antes de mais, importa percebermos o que significa uma fonte de Direito ser um modo de revelação
de regras jurídicas. Significa que são fontes que não fazem nascer regras novas no ordenamento jurídico,
mas apenas são importantes para que as regras que são criadas pelos modos de formação ou criação de
regras (lei e costume) possam ser clarificadas, corretamente interpretadas e, subsequentemente, aplicadas.

São necessários os modos de revelação e clarificação de regras, pois a interpretação da lei nem
sempre é uma tarefa fácil. Em primeiro lugar, a lei pode dar origem a interpretações díspares; em segundo
lugar, a utilização, pelo legislador, de conceitos vagos e indeterminados, que é necessária para flexibilizar
a aplicação da lei e adaptar a sua aplicação ao caso concreto fazendo-se Justiça (que nem sempre seria
alcançável apenas com conceitos rígidos), necessita de concretização1; em terceiro lugar, por vezes são
utilizadas molduras penais e contraordenacionais, ou seja, um intervalo de pena, e não uma pena única e
rígida para o mesmo ilícito penal ou contraordenacional.

1. A jurisprudência

A jurisprudência é uma fonte de Direito indireta ou mediata. Trata-se de um modo de revelação de


regras jurídicas, ou seja, apenas serve para nos ajudar a compreender o sentido e o alcance das leis.

O que devemos entender por jurisprudência?

A jurisprudência é o resultado da aplicação do Direito aos casos concretos. Como os principais e mais
importantes órgãos de aplicação do Direito aos casos concretos são os tribunais, muitas vezes, tendemos a

1
Por exemplo, no artigo 494º do CC refere-se que são indemnizáveis os danos não patrimoniais que pela sua gravidade mereçam a tutela do Direito.
O que devemos entender por “gravidade”? O que é um dano grave? O conceito de “grave” é vago e indeterminado. Para percebermos como é que
tem sido interpretada a norma constante do artigo 494º do CC é útil e necessário consultar jurisprudência para compreendermos o verdadeiro sentido
e alcance da palavra “grave”. Para tal, recorremos às sentenças dos tribunais que julgam casos em que está em causa a aplicação do artigo 494º do
CC para compreendermos como é que os Tribunais têm aplicado e interpretado o conceito de gravidade.
dizer que a jurisprudência são as sentenças dos tribunais. Em rigor, existem outras entidades para além dos
Tribunais que aplicam o Direito a casos e situações concretas2, todavia, as decisões dessas entidades, em
última instância, podem ser impugnadas em tribunal e, em consequência, são os tribunais que terão a última
palavra sobre o Direito a aplicar a cada caso concreto.

É de referir que em alguns sistemas jurídicos, a jurisprudência é a fonte de Direito mais importante
e é um modo de criação do Direito, como é o caso do sistema anglo-saxónico, em que existe a regra do
precedente jurisprudencial em que a orientação seguida por um tribunal vincula as decisões subsequentes
desse e de outros tribunais em casos semelhantes.

É de referir, também, que, quando existem muitas decisões em sentidos contrários sobre o mesmo
regime jurídico, pode requerer-se a elaboração de acórdão para uniformização de jurisprudência, através de
recurso para esse efeito, no âmbito de um processo em curso.

2. A doutrina

A doutrina também é um modo de revelação do Direito, isto é, serve para uma melhor compreensão
do sentido e alcance das normas jurídicas e, por isso, é uma fonte de Direito, embora indireta.

A doutrina é o resultado da atividade do estudo científico e teórico do Direito e é constituída por


estudos, pareceres técnicos, artigos de opinião, livros científicos, etc.

Pode, inclusivamente, juntar-se a um processo judicial um parecer técnico de um jurisconsulto,


porém, este parecer não tem força obrigatória e o juiz não é obrigado a seguir a posição adotada pelo parecer.
A sua relevância resulta apenas da persuasão dada pelos argumentos e pela autoridade e mérito académico
e/ou científico do autor do parecer.

2
Por exemplo, a Autoridade da Concorrência (relevante para os alunos de MKT), a Autoridade para as Condições do Trabalho (relevante para os
alunos de GRH), a Autoridade Tributária e Aduaneira (relevante para os alunos de CF), Autoridades Portuárias (relevante para os alunos de GDL).
A hierarquia das leis

O Direito não é um conjunto aleatório e desordenado de normas, pelo contrário, é um conjunto


organizado e sistematizado, existindo uma lógica na relação entre as diferentes normas.

Focando-nos apenas na lei, podemos dizer que existe uma hierarquia das leis, isto é, existe uma
ordenação, uma escala, em que algumas leis têm mais importância do que outras, estabelecendo-se relações
de prevalência e de subordinação.

Conforme já referido em pontos anteriores do programa, a CRP é a lei mais importante do


ordenamento jurídico português, dela derivando todas as outras leis, assim como, a organização política do
Estado e os direitos fundamentais.

À CRP segue-se o direito internacional na hierarquia das leis, o qual pode ser originário, isto é,
aquele que resulta dos tratados, ou derivado, aquele que é elaborado por organizações e instituições da qual
Portugal faz parte.

Imediatamente a seguir ao direito internacional seguem-se as leis da Assembleia da República, os


decretos-lei do Governo e os decretos legislativos regionais. Todos eles têm a mesma posição hierárquica,
isto é, têm a mesma importância na hierarquia das leis, tal como resulta do disposto no artigo 112º n.º 2 da
CRP.

Seguem-se os decretos regulamentares, abaixo, as portarias e despachos normativos e,


finalmente, os regulamentos das autarquias locais.

Tão importante como conhecer a hierarquia das lei é compreender as consequências da existência
de uma hierarquia e que consiste no seguinte: as normas de valor inferior não podem contrariar as
normas de valor hierárquico superior sob pena de inconstitucionalidade (caso se trate de uma
violação das regras constantes da CRP) ou de uma ilegalidade (caso se trate da violação de regras de
valor hierárquico superior que, no entanto, se encontram noutras lei e não na CRP).

A hierarquia das leis também é importante para compreendermos a sucessão de leis no tempo, pois,
para uma lei poder revogar outra lei, tem de ter um valor hierárquico igual ou superior ao da lei que pretende
revogar.

*
O começo da vigência das leis

A vigência da lei é o período durante o qual uma lei está em vigor.

As leis só iniciam a sua vigência depois de publicadas no jornal oficial que, como sabemos, é o
Diário da República3.

A publicação no Diário da República destina-se a dar publicidade aos atos normativos e é


obrigatória por força do disposto no artigo 119º da CRP. No entanto, em regra, a lei não entra em vigor na
data da sua publicação, até porque a lei destina-se a vigorar para o futuro.

Dispõe o artigo 5º do C.C. que entre a data da publicação e a vigência da lei decorre o tempo que a
própria lei fixar ou, na falta de fixação, o que for ficado em legislação especial.

Assim, sempre que queremos aferir em que data uma lei entra em vigor, primeiramente, devemos
ler atentamente essa lei e verificar se existe alguma norma que diga expressamente qual a data em que
mesma entra em vigor. Se a lei contiver uma norma com essa disposição, é essa a data que devemos
considerar para o início da sua vigência. Só se a lei não estipular em que data entra em vigor é que devemos,
então, socorrer-nos da legislação especial.

A legislação especial a que alude o artigo 5º n.º 2 do CC é a designada Lei Formulária (lei n.º 74/98,
de 11 de novembro4), concretamente, o seu artigo 2º, que estipula que a lei entra em vigor no 5º dia posterior
ao dia da publicação5, às 0h00m.

Exemplificando:

Uma lei é publicada no dia 11 de novembro de 2020 e nada diz quanto à data da sua entrada em
vigor. Questão: em que data essa lei entra em vigor? Resposta: no dia 16 de novembro de 2020, às 0h00m,
por ser o 5º dia posterior ao dia da publicação.

3
Pode ser consultado on line, de aceso universal e gratuito em www.dre.pt

4
Atualizada pela Lei n.º 43/2014, de 11 de julho.
5
Para fazermos a contagem do prazo para a entrada em vigor: não contamos com o dia da publicação e contamos com os dias de calendário que
se seguem (incluindo sábados, domingos e feriados).
A cessação da vigência das leis

Existem duas formas de cessação da vigência das leis: a caducidade e a revogação.

Para melhor compreendermos a cessação da vigência das leis, temos de ter presente que existem
leis que se destinam a ter uma vigência temporária, em que sabemos quando se inicia a sua vigência e
quando termina, e leis que não se destinam a ter vigência temporária, isto é, sabemos quando iniciam a sua
vigência, mas não sabemos quando termina (o que, em princípio, só sucederá quando for revogada por outra
lei).

1. A caducidade

As leis temporárias cessam a sua vigência por caducidade, ou seja, quando chega o fim do tempo
para qual a lei se destinou a vigorar, a lei deixa de vigorar. Também pode suceder uma lei não temporária
cessar a sua vigência por caducidade quando perder o seu âmbito de aplicação. Por exemplo, se existir uma
lei que se destina a regular a utilização da água de uma ribeira e se essa ribeira deixar de existir, então, essa
lei caduca por ter perdido o seu âmbito de aplicação.

Assim, podemos definir caducidade como situação que se verifica quando uma lei deixa de vigorar
por força de qualquer circunstância inerente à própria lei (seja a sua vigência temporária, seja a perda do
seu âmbito de aplicação), independentemente da publicação de uma nova lei.6

2. A revogação

Para além da caducidade, as leis, quando não se destinam a ter vigência temporária, podem cessar
a sua vigência por revogação, que pode ser definida como a substituição de uma lei anterior por uma lei
mais recente, desde que a lei nova tenha valor hierárquico igual ou superior ao da lei antiga.

Existem três tipos diferentes de revogação:

6
É de referir que não são apenas as leis que caducam; também os direitos podem caducar se não forem exercidos dentro dos prazos que a lei prevê
para o seu exercício.
1) A revogação expressa – que ocorre quando a lei nova declara expressa e explicitamente que
revoga a lei antiga, isto é, que contêm uma norma que estipula que está a revogar a lei anterior
(em regra identificando a lei que está a revogar);
2) A revogação tácita ou implícita – que ocorre quando a lei nova não declara expressa e
explicitamente que revoga a lei antiga, mas em que se compreende que a revogação ocorre pela
incompatibilidade entre as regras constantes da lei antiga e as regras constantes da lei nova.
3) A revogação de sistema – que ocorre quando a lei nova revoga toda matéria da lei anterior;
acontece uma revogação de sistema sempre que é publicado um código e que tem por
“ambição” regular toda a matéria de um ramo de Direito ou toda a matéria de um tema social.

A cessação da vigência das leis está regulada no C.C. no artigo 7º e os diferentes tipos de revogação
podem ser verificados no n.º 2 do artigo 7º.

É de salientar que, conforme dispõe o n.º 3 do artigo 7º C.C., a lei especial não revoga a lei geral,
a menos que seja outra a intenção inequívoca do legislador, caso em que deverá afirmá-lo expressamente
na lei revogatória.

É, também de salientar que na lei portuguesa não existe efeito repristinatório automático, conforme
decorre do disposto no n.º 4 do artigo 7º do C.C..

O que significa repristinar? Significa repor em vigor uma lei que já tinha sido anteriormente
revogada. Só podemos falar e considerar um possível efeito repristinatório quando estamos perante uma
sucessão de leis ao longo do tempo.

Exemplificando:

Imaginemos que existe uma lei, que designaremos de Lei 1, e que estipula que todos os cidadãos
devem usar máscara. Mais tarde, entra em vigor outra lei, que designaremos de Lei 2, e que estipula que é
proibido usar máscara. A Lei 2 revogou a Lei 1 e, por isso, dizemos que a Lei 2 é uma lei revogatória.
Imaginemos, agora, que entra em vigor uma outra lei, que designaremos de Lei 3, e que diz apenas que
revoga a lei n.º 2.

Questão: será que a L3, ao revogar a L2 que, por sua vez, tinha revogado a L1, está a repor em
vigor a L1?

Resposta: Não, pois, de acordo com o artigo 7º n.º 4 CC, a revogação da lei revogatória não importa
o renascimento da lei que esta revogara, ou seja, não existe na lei portuguesa um efeito repristinatório
automático. Todavia, poderá haver efeito repristinatório se a L 3 estipular expressamente que repristina a
L1.

A interpretação das leis

Antes de mais, importa clarificar o que significa “interpretar a lei”.

Interpretar significa determinar o sentido e o alcance de uma lei.

As regras sobre interpretação das leis estão previstas no artigo 9º C.C.

Naturalmente que para fazer uma correta interpretação da lei devemos sempre partir do texto legal,
do texto escrito. No entanto, o texto da lei é o ponto de partida, é uma condição necessária para a sua
interpretação, mas não é uma condição suficiente. Dito de outro modo, não basta ter em conta o que está
expressamente escrito no texto ou letra da lei, devendo ter-se em consideração outros aspetos.

Os elementos e resultados da interpretação da lei

Para uma correta hermenêutica jurídica devemos ter em conta, em primeiro lugar a letra da lei, ou
seja, devemos ter em conta o elemento gramatical ou literal da lei.

Conforme referido e de acordo com o disposto na 1ª parte do artigo 9º n.º 1 do C.C., a interpretação
não deve cingir-se à letra da lei, devendo ter em conta outros elementos.

Devemos, também, ter em conta o elemento histórico, ou seja, para uma correta interpretação
jurídica, devemos ter em conta as circunstâncias históricas do tempo em que a lei é elaborada, sejam
políticas, sociais, económicas ou até tecnológicas, e, também, as circunstâncias específicas do tempo em
que a lei está a ser interpretada e aplicada.

Exemplificando:

Temos atualmente em vigor o Código Comercial que é uma lei do século XIX. De acordo com o
artigo 230º desse Código, são consideradas empresas comerciais as que se proponham “transportar, regular
e permanentemente, por água ou por terra, quaisquer pessoas, animais, alfaias ou mercadorias de outrem”.
Ora, esta norma é do século XIX, mas nós estamos a interpretá-la no século XXI.

Pode colocar-se a seguinte questão: será que as companhias aéreas são empresas comerciais?

Se atentarmos apenas no elemento literal, concluímos que as empresas aéreas não são comerciais,
pois a norma em causa apenas prevê o transporte por água e por terra, logo, estaria excluído o transporte
aéreo. Porém, fazer uma interpretação literal e meramente declarativa da letra da lei não tem qualquer
lógica no caso em apreço. Vejamos porquê: o legislador, no século XIX incluiu todos os meios de transporte
que eram conhecidos à época, os marítimos e terrestres. Não era tecnologicamente previsível o transporte
aéreo. No entanto, somos forçados a concluir que o legislador pretendeu incluir todos os meios de transporte
conhecidos à época. Consequentemente, se atendermos ao elemento histórico, às condições do tempo em
que a lei foi elaborada e, também, às condições específicas do tempo em que a lei é aplicada (a atualidade),
devemos fazer uma interpretação atualista e considerar empresas comerciais todas as empresas de
transporte aéreo.

Para além do elemento histórico devemos ainda ter em conta o elemento teleológico, ou seja,
devemos ter em conta o pensamento do legislador e o que este tinha em mente quando elaborou a lei. Dito
de outro modo, devemos ter em conta as finalidades e objetivos da elaboração da lei.

Finalmente, devemos também ter em conta que uma lei, ao ser interpretada, não está isolada no
sistema jurídico que, por sua vez, é um todo, uma unidade, com uma harmonia interna. Quando estamos a
interpretar a lei devemos ter o cuidado de perceber qual a localização da lei no sistema jurídico,
nomeadamente, devemos perceber se a lei é de direito público ou de direito privado, se é uma lei avulsa ou
se está inserida num código, se, estando inserida num código, qual o capítulo ou secção do código em que
está inserida, e qual a sua posição na hierarquia das fontes, entre outros aspetos, para verdadeiramente
entendermos o seu sentido e alcance. Devemos ter em conta o elemento sistemático.

Setúbal, 27 de novembro de 2020

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