Você está na página 1de 13

Sebenta IED I – Modalidades e Hierarquias das Fontes de Direito

Professor Regente: José Alberto Vieira // Professor Assistente: João Pedro Marchante

Constança Pinto – Turma B – 2023/2024

MODALIDADES E HIERARQUIAS DAS

FONTES DE DIREITO

As fontes do direito são modos de revelação de critérios normativos de decisão de


casos concretos ou, numa expressão mais sintética, são modos de revelação (e
criação) de regras jurídicas.

FORMAÇÃO DAS FONTES DO DIREITO


A conceção das fontes do direito como os modos de revelação dos critérios
normativos de decisão não deve esquecer que todas as fontes são factos normativos,
pelo que todas elas resultam de um processo de formação. A fonte forma-se e, quando
estiver formada, revela um critério de decisão. A fonte de Direito engloba quer o
aspeto da sua génese quanto o do seu conteúdo.
A formação da fonte de direito é relevante para vários efeitos. Desde logo, essa
formação condiciona a qualidade de critério que por ela é revelado. É atendendo ao
modo de formação que se pode distinguir, por exemplo, entre a regra de origem legal,
consuetudinária ou jurisprudencial. Quando aplicamos uma fonte, aplicamos, na
verdade, o seu conteúdo, ou seja, as normas jurídicas contidas nas mesmas.
As fontes são essenciais para a construção de qualquer sistema jurídico: não há
sistema jurídico sem fontes.
Os sistema jurídicos, além de criados pelas fontes, são também um conjunto de
fontes de produção de outras fontes: as fontes que são produzidas com fundamento
em outras fontes são fontes derivadas. Por exemplo: uma lei da A.R pode servir de
exemplo a um decreto do Governo; o decreto do Governo é então uma fonte derivada;
mas a lei da A.R que funcionou como fonte de produção é também, ela própria, uma
fonte derivada, pois que ela tem como fonte de produção a Constituição.
No entanto, nem todas as fontes do direito podem ser derivadas de outras fontes,
dado que há, pelo menos, uma fonte que não pode ter derivado de qualquer outra
fonte. A fonte originária é aquela que não tem nenhuma outra fonte do direito como
fonte, coincidindo, quase sempre, com uma Constituição produzida após um ato de
grande relevância política, como uma declaração de independência ou revolução.

LIMITES DAS FONTES


Como as fontes do direito são o modo de revelação dos critérios normativos de
decisão, quando se pretende saber qual é o direito vigente numa certa ordem jurídica,
há que considerar necessariamente as suas fontes. No entanto, para o conhecimento
do direito vigente nunca é suficiente a consulta das suas fontes: para obter esse
conhecimento, é indispensável atender a realidades que não são fontes do direito,
como a doutrina e a jurisprudência. É nesta base que se distingue entre as fontes de
direito e as fontes de conhecimento do direito.
Sebenta IED I – Modalidades e Hierarquias das Fontes de Direito
Professor Regente: José Alberto Vieira // Professor Assistente: João Pedro Marchante

Constança Pinto – Turma B – 2023/2024

LINGUAGEM DAS FONTES


As fontes de direito constam de enunciados linguísticos e a sua linguagem é
caracterizada pela sua vertente performativa no sentido em que, através dela, se
constrói uma realidade (jurídica). Estes enunciados constroem, através das palavras,
uma nova realidade. Assim, designadamente, o art.66, n.º1, CC, ao estabelecer que a
personalidade se adquire no momento do nascimento completo e com vida, determina
que qualquer pessoa é, para o direito, uma pessoa jurídica.

ENQUADRAMENTO
No âmbito do Estado, evidencia-se que os órgãos legislativos podem produzir leis e
que os órgãos administrativos podem fazer regulamentos. Por sua vez, poder
jurisdicional que é exercido pelos tribunais comporta a resolução de casos concretos
através da aplicação de regras jurídica, mas, nos sistemas pertencentes à família
romano-germânica, não é atribuída aos tribunais a função de criação de direito.
O controlo pelos tribunais da constitucionalidade ou legalidade de fontes do direito
coloca-se num outro plano, porque, neste caso, a sua função não é a de criação de
fontes, mas a de controlo da conformidade legal dessas fontes. A atribuição de uma
eficácia obrigatória geral à decisão que se pronuncia pela inconstitucionalidade ou
ilegalidade de uma noma é uma contrapartida necessária da vinculatividade da regra:
esta só pode deixar de integrar o ordenamento jurídico com uma decisão que esteja
dotada de uma mesma vinculatividade geral.
As fontes de direito necessitam de uma aceitação social (aceptatio legis). Assim, para
que o direito seja efetivo, não basta que um órgão legislativo ou administrativo o
produza, sendo que para isso acontecer mesmo tem de se integrar realmente e na
ordem social e ser aceite pela comunidade; se esta rejeitou o direito (por o mesmo ser
injusto, impraticável ou desadequado), houve produção do direito, mas o mesmo não
alcançou nenhuma efetividade social.

ESPÉCIES DE FONTES DE DIREITO


Quanto ao modo de formação:
 Intencionais: são aquelas que têm origem num ato normativo, e que, por
conseguinte, foram feitas com a finalidade de criar direito, como é o caso da lei,
pelo que pressupõe um órgão com competência legislativa ou regulamentar
para elaborar a lei e, por isso mesmo, exigem uma que confira poderes
normativos a esse órgão;
 Não Intencionais: são aquelas que têm na sua origem um facto não voluntário
de produção normativa, isto é que “sem querer” acabaram por se tornar fonte
de Direito, como é o caso do costume.
Quanto à eficácia:
 Imediatas: são fontes por si próprias, possuindo juridicidade/eficácia jurídica
própria, pelo que não necessitam de nenhuma outra fonte que as qualifique
como tal, é o caso da lei e das normas corporativas;
 Mediatas: são fontes qualificadas como tal por uma fonte imediata, pelo que
retiram a sua juridicidade/eficácia jurídica de uma fonte imediata, isto é,
precisam, como é o caso dos usos cuja juridicidade é atribuída pela lei.
Sebenta IED I – Modalidades e Hierarquias das Fontes de Direito
Professor Regente: José Alberto Vieira // Professor Assistente: João Pedro Marchante

Constança Pinto – Turma B – 2023/2024


Quanto à origem:
 Internas: as fontes que têm origem nessa mesma ordem jurídica;
 Externas: as fontes que têm origem numa outra ordem jurídica e que vigoram
nesse ordenamento por meio de regras de receção.
Quanto à constituição:
 Simples: Provêm de um único facto normativo
 Complexas: Constituídas por um facto originário e por um facto posterior à
produção da fonte (como a novação da fonte por outro facto originário ou a
modificação da fonte por interpretação autêntica).
o A novação da fonte verifica-se quando a regra contida na fonte se
mantém, mas com alteração do facto normativo
 Por exemplo, lei que consagra uma solução que já constava de
um decreto-lei ou que já vigorava sob a forma de costume – a
regra mantém-se, mas agora com uma nova fonte.
 A interpretação autêntica de uma fonte de direito é aquela que é
realizada por uma fonte da mesma ou de hierarquia superior.
Quando uma fonte interpreta uma fonte há uma modificação da
fonte originária, pois que, antes da interpretação autêntica, a
fonte é apenas o facto originário e, depois desta, passa a ser o
facto originário e o facto superveniente da interpretação.

DIREITO INTERNACIONAL
O direito internacional público tem diversas fontes, havendo que distinguir quanto a
elas, entre o direito internacional comum e o direito internacional convencional.

Direito Internacional Comum


O direito internacional comum é constituído, entre outras fontes, pelo costume
internacional, que resulta da “prática geral aceite como direito” pelos princípios gerais
de direito reconhecidos pelas nações civilizadas. Trata-se de um direito
fundamentalmente costumeiro, cujas práticas não estão consagradas em nenhum
tratado internacional. O costume é uma fonte de direito internacional, ou seja, é um
modo de criação e revelação de normas jurídicas na comunidade internacional.
Estas fontes fazem parte integrante do direito português, nos termos do art.8.º, n.º1
CRP.

Direito Internacional Convencional


O direito internacional convencional é constituído pelas convenções internacionais
(que, quando ratificadas ou aprovadas, vigoram na ordem jurídica portuguesa depois
de publicadas, como surge consagrado no art.8.º, n.º2 CRP) e por outros instrumentos
de harmonização e de unificação legislativa que são ou se tornam vinculativos para os
Estados (como é o exemplo das normas emanadas dos órgãos competentes das
organizações internacionais de que Portugal seja parte, as quais vigoram diretamente
na ordem interna, quando tal se encontre estabelecido nos respetivos tratados
constitutivos, como surge fixado nos termos do art.8.º, n.º3 CRP). Nasce da iniciativa
Sebenta IED I – Modalidades e Hierarquias das Fontes de Direito
Professor Regente: José Alberto Vieira // Professor Assistente: João Pedro Marchante

Constança Pinto – Turma B – 2023/2024


dos estados de criar Direito Internacional, podendo este ser bilateral, plurilateral etc.
consoante o número de estados que participam na iniciativa.

Não existe nenhuma relação hierárquica entre normas cuja fonte é o costume e
aquelas cuja fonte é um tratado, podendo qualquer uma delas revogar a outra, exceto
quando a alguma é reconhecido o valor de jus cogens, ou seja, de norma imperativa.

DIREITO EUROPEU
Sendo Portugal um dos Estados-membros da UE, o direito europeu originário e
derivado que vigora na ordem jurídica Portuguesa é relevante.
A construção das fontes de direito com a Constituição no topo é um modelo clássico
que assenta a soberania dos estados: cada estado é soberano porque a sua ordem
jurídica interna define sistemas de fontes a partir da sua fonte de grau hierárquico mais
elevado, ou seja, a Constituição, matriz reguladora de todo o direito vigente,
relativamente à qual toda e qualquer outra fonte tem de estar em conformidade, sob
pena de inconstitucionalidade.
A ideia tradicional moldada na ideia de que a Constituição, a fonte mais importante a
nível interno, está acima de todas as outras fontes e à qual todas as outras fontes se
subordinam tem nas últimas décadas sido colocado em causa com a afirmação do
direito da União Europeia.

O direito europeu originário é constituído pelos tratados que estão na base da


União Europeia. O direito europeu derivado é constituído pelo direito proveniente
dos órgãos e das instituições europeias, como o Conselho Europeu, a Comissão
Europeia e o Parlamento Europeu. Estes direitos são recebidos na ordem jurídica
portuguesa através do disposto no art.8.º,n.º4 CRP
Quanto à sua criação, o direito europeu tem por base o princípio de subsidiariedade
– a UE intervém apenas e só quando os objetivos não consigam ser realizados pelos
Estados-membros ou sejam alcançados de forma mais eficiente a nível europeu.
Relativamente à sua aplicação, o direito europeu rege-se pelos princípios do primado
e do efeito directo. O princípio do primado faz com que o direito europeu prevaleça
sobre o direito interno e ordinário dos Estados-membros. O princípio do efeito
directo faz com que os efeitos imediatos produzidos pelo direito europeu na esfera
jurídica dos indivíduos devam ser sempre respeitados pelos Estados-membro.
As principais fontes do direito europeu derivado são os regulamentos, as diretivas e
as decisões.
 Regulamentos – têm carácter geral, sendo obrigatórios em todos os seus
elementos e diretamente aplicáveis em todos os Estados-membros.
 Diretivas – vinculam o Estado-membro destinatário quanto ao objetivo,
deixando às instâncias nacionais a responsabilidade de escolher os meios e a
forma de alcançar o objetivo estipulado. Necessitam, assim, de um ato de
transposição (art.112.º, nº 8);
 Decisões – são obrigatórias em todos os seus elementos para os respetivos
destinatários.
Sebenta IED I – Modalidades e Hierarquias das Fontes de Direito
Professor Regente: José Alberto Vieira // Professor Assistente: João Pedro Marchante

Constança Pinto – Turma B – 2023/2024

LEI
A lei tem várias acessões da palavra, ou seja, vários significados diferentes, mas que
não se excluem:
 Lei enquanto fonte de Direito
o Ato de uma entidade com competência politica para tal e
intencionalmente criador e revelador de normas jurídicas, que culmina
no texto, pelo que a lei como fonte não se confunde com a lei como
norma ou como direito, na medida em que é o ato que está a criar.
o Quando nós dizemos que a lei é um ato, é que a lei é esta sucessão de
micro-atos, sendo que todos eles fazem parte daquele ato, que se
caracteriza pela lei como fonte de Direito.
 Lei enquanto Direito
o O ato culmina num texto publicado, na medida em que a lei como
direito é a lei como conjunto de normas apuradas e conhecidas por
interpretação do tal texto em que a lei que o direito como fonte
culmina. Entenda-se, portanto, que a “Lei como fonte” é mãe da “Lei
como direito”.
o O enunciado legal é o enunciado em que culmina todos aqueles atos
que são a lei como fonte.
o Sistema normativo que orienta e regula a ação do homem em
sociedade, criado e aprovado de forma institucionalizada, através de
instituições existentes na comunidade, sendo este sistema dotado de
coercibilidade. É, portanto, o conjunto de normas existentes para
regular a ação do homem, assente na soberania popular e tratando-se
da expressão da vontade relativa dos seus destinatários, por estes
diretamente manifestada ou pelos seus representantes, através da
legitimidade democrática.

A lei é considerada uma fonte imediata pelo art.1.º/n. º1 do Código Civil e consiste em
qualquer enunciado linguístico cujo significado seja uma regra jurídica.
Podemos distinguir leis em sentido material e leis em sentido formal. A lei em
sentido material é qualquer enunciado linguístico cujo significado seja uma regra
jurídica. A lei em sentido formal é o enunciado linguístico cujo significado é uma
regra jurídica e que emana de um órgão com competência legislativa e, portanto, de
um ato legislativo.
São leis em sentido formal:
 As leis constitucionais, isto é, aquelas que provêm da Assembleia da República
no exercício de poderes constituintes;
 As leis da Assembleia da República, incluindo as leis orgânicas e as leis
reforçadas;
 Os decretos-lei do Governo;
 Os decretos legislativos-regionais das Assembleias Legislativas Regionais.
Sebenta IED I – Modalidades e Hierarquias das Fontes de Direito
Professor Regente: José Alberto Vieira // Professor Assistente: João Pedro Marchante

Constança Pinto – Turma B – 2023/2024


Na lei em sentido material integra-se a lei interpretativa, que é a lei que realiza a
interpretação autêntica de outra lei. Como não tem caráter inovatório, pelo que lhe é
conferida eficácia retroativa. Isto significa que a lei interpretada vai ser aplicada, com o
sentido que lhe foi dado pela lei interpretativa, mesmo a factos ocorridos antes do
início da vigência desta lei.

Relação entre leis materiais e leis formais


As leis em sentido material e as leis em sentido formal interrelacionam-se.
Há leis que são simultaneamente leis materiais (porque são enunciados cujo
significado são regras jurídicas) e formais (porque provêm de órgãos com competência
legislativa). As leis emanadas dos órgãos de soberania são, na sua generalidade,
simultaneamente leis em sentido material e em sentido formal. É o caso de uma lei da
Assembleia da República ou com um decreto-lei do Governo.
Por outro lado, há leis em sentido material que não são leis em sentido formal,
porque, apesar de serem enunciados linguísticos sujo significado são regras jurídicas,
não emanam de órgãos com competência legislativa ou no exercício da competência
legislativa. É o caso, respetivamente, dos regulamentos das autarquias locais e dos
regulamentos do Governo.
Entenda-se que há poucas leis formais que não são materiais, mas há muitas leis
materiais que não são formais.
Entenda-se, por outro lado, que quando estamos na presenta de atos legislativos que
não estão a criar normas gerais e abstratas (como, por exemplo, um decreto-lei que se
dirige a uma pessoa individual - regime de recompensas, prémios nobéis etc.,), embora
estejamos perante uma lei formal, por esta não estar a formar Direito, não é uma lei
material.
Desta forma, entende-se que os dois sentidos podem não ser coincidentes. Um
regulamento administrativo pode ser lei em sentido material sem o ser em sentido
formal; mas uma decisão legislativa parlamentar do caso-concreto, tomada à medida
de uma situação e prosseguindo uma bem identificada finalidade, pode ser lei em
sentido formal sem o ser em sentido material.

Atos normativos
A toda a lei está subjacente um ato normativo. Este ato normativo pode ser um ato
legislativo ou um ato regulamentar – art. 112.º CRP. Um ato legislativo decorre do
exercício de uma competência legislativa do órgão que o pratica e dá origem a uma
lei em sentido formal; um ato regulamentar decorre do exercício de uma
competência administrativa do órgão que o realiza e produz um regulamento. Do ato
regulamentar, com exceção dos regulamentos independentes, deve constar a lei que
ele visa regulamentar ou que define a competência subjetiva e objetiva para a sua
emissão – art 112º, nº 7 CRP. Isto acontece porque o ato regulamentar serve para
possibilitar a “boa execução das leis” – art 119, c) CRP. O ato legislativo goza de
discricionariedade política, ou seja, ele tem a liberdade de definir os rumos do povo
português. Por sua vez, os regulamentos visam executar essas opções legislativas.

Atos legislativos
Sebenta IED I – Modalidades e Hierarquias das Fontes de Direito
Professor Regente: José Alberto Vieira // Professor Assistente: João Pedro Marchante

Constança Pinto – Turma B – 2023/2024


As leis em sentido formal decorrem de atos legislativos. Nenhuma lei pode criar
outras categorias de atos legislativos, nem conferir a atos de natureza não legislativa o
poder de interpretar, integrar, modificar, suspender ou revogar qualquer dos seus
preceitos – art 112º, nº 5 CRP. “São atos legislativos as leis, os decretos-lei e os
decretos legislativos regionais.” – art 112º, nº 1 CRP.
As leis da Assembleia da República são:
 Leis constitucionais – art 166, nº 1 e 286, nº 2 CRP
 Leis orgânicas – art 166º, nº 2 e 168, nº 5 CRP
 Leis de valor reforçado – art 112º, nº 3; 166º, nº 2 e 168, nº 5 CRP
 Leis ordinárias – art 166º, nº 3 CRP
Estas leis devem ser promulgadas pelo Presidente da República – art 134º, b) CRP –
devendo esta ser referendada pelo Governo – art 197º, nº 1 a) CRP
Os decretos-leis do Governo – art 198º, nº 1 CRP. Estes decretos devem ser
promulgados pelo Presidente da República – art 134º, b) CRP – devendo esta ser
referendada pelo Governo – art 197º, nº 1, a) CRP
Os decretos legislativos regionais – art 112º, nº 4 e 227º, nº 1 CRP. Estes decretos
são assinados pelo Representante da República na própria Região Autónoma – art
233º, nº 1 CRP.

Atos regulamentares
Os atos regulamentares não estão abrangidos pelo imposto no art 112º, nº 5 CRP aos
atos legislativos. Disto resulta que podem ser criados quaisquer atos regulamentares e
pode ser conferida a atos de diferente natureza o poder de, com eficácia externa,
interpretar, integrar, modificar, suspender ou revogar qualquer dos seus preceitos.
Neste tipo de atos, distinguem-se os que emanam do Governo dos restantes, que
provêm de outras entidades.
Provêm do Governos os seguintes regulamentos:
 Os decretos e os decretos regulamentares – art 112º, nº 6 e 199º, c), CRP. Os
decretos regulamentares devem ser promulgados pelo PR – art 134º, b) CRP,
devendo esta ocorrer após referendada pelo Governo – art 197º, nº 1, a), CRP.
Os restantes são apenas assinados pelo PR – art 134º, b) CRP
 As portarias, os despachos normativos e as resoluções do Conselho de
Ministros. Estes regulamentos não estão previstos na Constituição mas têm
uma base consuetudinária, não necessitando de promulgação presidencial.
São produzidos por outras entidades:
 Os regulamentos da administração autónoma (por exemplo, as posturas e os
regulamentos municipais e as posturas e regulamentos das juntas de freguesia);
 Os regulamentos da administração indireta, em específico os produzidos pelas
entidades administrativas independentes com função de regular e
supervisionar, como o Banco de Portugal – art 102º CRP;
 Os decretos regulamentares regionais, competência do Governo regionais;
 Os estatutos, que são regulamentos produzidos por pessoas coletivas de direito
público e que servem para definir a sua organização interna;
 Os regimentos, que são regulamentos que definem o modo de funcionar dos
órgãos coletivos;
Sebenta IED I – Modalidades e Hierarquias das Fontes de Direito
Professor Regente: José Alberto Vieira // Professor Assistente: João Pedro Marchante

Constança Pinto – Turma B – 2023/2024


 As instruções, que são atos de carácter administrativo, que regulam a
organização de um serviço administrativo.

Atos atípicos
Para além dos atos legislativos e dos atos regulamentares, podem ainda destacar-se
os atos atípicos. Exemplo destes são os decretos do Presidente da República, as
resoluções da Assembleia e os decretos dos Representantes da República.

As leis, por sua vez, podem ser centrais, regionais e locais:


 Leis centrais: Leis produzidas pelos órgãos de soberania e destinadas a vigorar
em todo
o território nacional. Podem, deste modo, provir da Assembleia da República ou do
Governo;
 Leis regionais: Leis emanadas dos órgãos legislativos das Regiões Autónomas;
 Leis locais: Leis, em sentido material, produzidas pelas autarquias locais.
As autarquias locais são pessoas coletivas territoriais e as leis (em sentido material)
delas emanadas são fontes do direito. As leis das autarquias locais só podem revestir-
se de caráter regulamentar, devendo obedecer às CRP, às leis e aos regulamentos
emanados das autarquias de grau superior ou das autoridades com poder tutelar.

As leis são, ao abrigo do art 1º, nº1, 1ª parte, CC, disposições genéricas provindas
dos órgãos estaduais competentes. Disto retira-se que a lei tem de provir de um órgão
estadual com competência para a produzir e que apresenta um número indeterminado
de destinatários. Esta definição não coincide, no entanto, com o sentido de leis formais
nem materiais. Não define uma lei material porque há leis em sentido material que não
provêm de órgãos estaduais (p.e. posturas e regulamentos municipais); não define uma
lei em sentido formal também porque há leis em sentido formal que não provêm de
órgãos estaduais (p.e. decretos legislativos regionais).

NORMA COORPORATIVA
O direito pode vir, também, de organizações corporativas (como ordens profissionais
e federações desportivas, por exemplo), das quais resultam as normas corporativas –
normas ditadas pelos organismos representativos das diferentes categorias morais,
culturais, económicas ou profissionais, no domínio das suas atribuições, bem como os
respetivos estatutos e regulamentos internos (art 1º, nº 2, 2ª parte, CC). Estas normas
corporativas são, no ordenamento jurídico português, fonte imediata de direito – art
1º, 1º CC. Apesar disso, subordinam-se à lei, não podendo contrárias as disposições
legais de carácter imperativo – art 1º, nº 3, CC. As normas corporativas são leis em
sentido material, na medida em que provêm de outras entidades públicas que não os
órgãos que têm poder legislativo.

DOUTRINA
Sebenta IED I – Modalidades e Hierarquias das Fontes de Direito
Professor Regente: José Alberto Vieira // Professor Assistente: João Pedro Marchante

Constança Pinto – Turma B – 2023/2024


A doutrina decorre do trabalho dos juristas sobre a lei e manifesta-se na opinião
sobre a solução de um certo problema jurídico. Pode ser atribuída a qualidade de
fonte de direito à resposta dada por um jurisconsulto a um problema jurídico, tendo
isto sucedido no direito romano.
No direito português atual, a doutrina não é fonte de direito. Nenhuma opinião tem
qualquer poder vinculativo para os tribunais ou para qualquer outro órgão de aplicação
de direito.
A doutrina possui, no entanto, um papel fundamental na vida jurídica, tendo em
conta que molda o direito vigente, criticando as soluções legais e propondo novas
soluções. Além disso, a doutrina exerce uma força persuasiva sobre os tribunais e os
outros aplicadores de direito. Dessa forma, entende-se que a doutrina é útil para os
tribunais para a interpretação da lei, e contribui para o desenvolvimento do Direito
mas que, no entanto, não possui valor normativo, pelo que não constitui fonte de
Direito.

JURISPRUDÊNCIA
A função jurisdicional é exercida pelos tribunais, aos quais compete administrar e
aplicar a justiça em nome do povo. A jurisprudência é o resultado da atividade
decisória dos tribunais na resolução dos casos concretos, isto é, é o conjunto das
decisões dos tribunais.
A decisão proferida por um tribunal na apreciação de um caso concreto pode ser
vinculativa na apreciação de casos análogos pelo mesmo ou por outro tribunal: nesta
hipótese, essa decisão constitui um precedente e torna-se uma fonte de Direito. Nos
sistemas de direito romano-germânico o princípio é o de que as decisões dos tribunais
não constituem precedente vinculativo na apreciação de casos idênticos, o que permite
que o juiz de uma ação decidir diferentemente do que decidiu antes numa outra causa
ou do que foi decidido, quanto a casos semelhantes, por outros juízes. Há, no entanto,
que ressalvar a hipótese em que, num processo pendente, um tribunal deva acatar as
decisões proferidas em via de recurso pelos tribunais superiores.
A jurisprudência não é fonte de Direito, mas é sempre uma fonte do conhecimento
do Direito, isto porque qualquer decisão dos tribunais – e, principalmente, dos
tribunais superiores – constitui um modelo para outras decisões sobre a mesma
questão de direito.
Além disso, a jurisprudência adapta constantemente os textos legais à evolução dos
tempos. Sabe-se que, quanto mais antiga for a lei, maior a possibilidade da sua
desatualização; no entanto, a sua aplicação jurisprudencial pode adaptá-la a novas
realidades e dar-lhe um novo significado. À jurisprudência também está reservada uma
importante função na concretização de conceitos indeterminados.

Jurisprudência Constante
A observância dos modelos de decisões estabelecidos nas decisões dos tribunais dá
origem à jurisprudência constante, que concretiza o desejo da interpretação e
aplicação uniformes do direito aos casos análogos, o qual é, aliás, uma imposição do
princípio da igualdade. Falamos em jurisprudência constante quando os tribunais,
sobre a mesma questão de direito, embora não estejam vinculados a tal, proferem a
Sebenta IED I – Modalidades e Hierarquias das Fontes de Direito
Professor Regente: José Alberto Vieira // Professor Assistente: João Pedro Marchante

Constança Pinto – Turma B – 2023/2024


mesma decisão, formando-se uma corrente jurisprudencial que consiste na
jurisprudência constante.
Esta jurisprudência incrementa a confiança no sistema jurídico, na medida em que o
sentido das decisões do tribunal se torna previsível e expectável, e permite poupar
trabalho aos tribunais, pois que estes podem limitar-se a reproduzir as decisões
proferidas por outros tribunais na apresentação de casos semelhantes.
Esta conclusão coloca a questão de saber se essa jurisprudência pode ser modificada
a qualquer momento ou se, pelo contrário, deve ser tutelada a expetativa das partes
em que o seu caso seja resolvido de acordo com a jurisprudência constante.
No plano do direito positivo, há que considerar que, atendendo a que a
jurisprudência não é fonte de direito, não há que seguir qualquer analogia com o
princípio da não retroatividade da lei nova, pelo que os tribunais podem alterar, na
apreciação de qualquer caso concreto, uma jurisprudência constante.
Por sua vez, no plano doutrinário, consideram-se vantajosos alguns mecanismos
destinados a salvaguardar a expetativa das partes no proferimento de uma decisão
baseada na jurisprudência constante, tendo nomeadamente presente o princípio da
confiança que decorre do Estado de direito democrático.

Jurisprudência Uniformizada
A jurisprudência uniformizada é aquela que é fixada pelos tribunais supremos, de
modo a evitar o proferimento de decisões contraditórias sobre a mesma questão de
direito. É certo que “cada caso é um caso”, pois que, ainda que os casos sejam
análogos, os factos alegados numa ação são sempre diferentes dos factos alegados
numa outra causa. No entanto, o direito aplicável aos casos análogos deve ser o
mesmo, pelo que se verifica uma contradição entre as decisões quando estas
divergirem sobre o direito aplicável na solução de casos semelhantes. Como esta
contradição põe em causa a interpretação e a aplicação uniformes do direito referidas
no número 3 do artigo 8 do Código Civil e os princípios da igualdade e da confiança, é
necessário encontrar mecanismos que permitam uniformizar a jurisprudência.
A jurisprudência uniformizada – destinada a evitar ou a resolver decisões
contraditórias sobre a mesma questão jurídica – é admissível no âmbito do processo
civil, do processo penal e do contencioso administrativo.
A jurisprudência uniformizada não é obrigatória para os tribunais, nem mesmo para
os tribunais inferiores da ordem a que pertence o tribunal que proferiu o acórdão de
uniformização de jurisprudência. Isto significa que a jurisprudência uniformizada não
pode ser considerada uma fonte de direito.
Em todo o caso, a jurisprudência uniformizada tem, para além de um especial valor
persuasivo, um valor legal específico. No processo civil e no contencioso administrativo
é sempre admissível, qualquer que seja o valor da causa, interpor recurso de decisão
que não siga a jurisprudência uniformizada. No processo penal, o Ministério Público
deve recorrer a qualquer decisão proferida contra jurisprudência fixada pelo Supremo
Tribunal de Justiça.
A jurisprudência uniformizada tem uma eficácia retroativa, dado que ela vai ser
aplicada a factos que foram praticados e a situações que foram constituídas antes
dessa uniformização. Para evitar, com isto, a violação do princípio de confiança
presente no art.
Sebenta IED I – Modalidades e Hierarquias das Fontes de Direito
Professor Regente: José Alberto Vieira // Professor Assistente: João Pedro Marchante

Constança Pinto – Turma B – 2023/2024


2º da CRP, deve reconhecer-se que o tribunal que profere a decisão de uniformização
deve restringir a eficácia retroactiva desta decisão.
A jurisprudência retroativa não é uma fonte de direito, pelo que os interessados que
recorrem a juízo não podem contar com a aplicação da lei nos termos definidos pela
jurisprudência retroativa. Pode-se entender, no entanto, que o dito princípio da
confiança pode constituir, em certas hipóteses, um limite à liberdade de decisão do
tribunal da causa e um fator que impõe a vinculação desse tribunal à jurisprudência
uniformizada.

Assentos
O art 2º CC, na sua versão originária, estabelecia que “nos casos declarados na lei,
podem os tribunais fixar, por meio de assentos, doutrina com força obrigatória geral”.
Isto transformava os assentos em fontes de direito. O assento era um acórdão
produzido pelo Supremo Tribunal que tinha força obrigatória geral impondo uma
determinada interpretação de uma fonte de direito, pelo que, dessa forma, esta
decisão tinha valor interpretativo. No entanto, entendendo que este artigo violava o
preceito constitucional presente no art.112.º da CRP ao conferir a atos de natureza
jurisdicional o poder de, com eficácia externa, interpretar ou integrar atos legislativos,
o mesmo foi considerado inconstitucional pelo Tribunal Constitucional.

Jurisprudência Normativa
Os acórdãos com força obrigatória geral são fonte de direito, constituindo a chamada
jurisprudência normativa. A ordem jurídica portuguesa admite como acórdãos do
Tribunal Constitucional que declaram a inconstitucionalidade ou a ilegalidade de
normas, nos termos do art.281.º, n.º1 e n.º3 da CRP, e os acórdãos dos tribunais
administrativos que declaram, com força obrigatória geral, a ilegalidade de regras
administrativas. A jurisprudência só é uma fonte de direito nestas duas situações excecionais.

COSTUME
O costume é uma fonte em cuja formação intervém um elemento fáctico e um
elemento normativo:
 Elemento fático: uso ou prática social reiterada, isto é, repetição de condutas
humanas em determinadas situações e circunstâncias;
o art.3.º, n.º 1, CC - um uso contrário á boa fé nunca pode servir de base á
formação de uma fonte consuetudinária.
 Elemento normativo: convicção de juridicidade que decorre do sentimento de
que algo deve ser ou não deve ser, porque tal corresponde ao direito (ou a
uma ideia de direito), ou seja, na convicção de que aquela conduta humana
repetida é juridicamente permitida, proibida ou imposta.
Em comparação com a lei, que pode ser eficaz ou ineficaz, consoante seja observada
ou não observada, o costume só podeeficaz. Um costume que não é observado é uma
impossibilidade: se o costume deixa de ser observado, ele deixa necessariamente de
ser vigente.
Sebenta IED I – Modalidades e Hierarquias das Fontes de Direito
Professor Regente: José Alberto Vieira // Professor Assistente: João Pedro Marchante

Constança Pinto – Turma B – 2023/2024


A discussão relativa ao valor jurídico do costume é, na opinião do Prof. José Alberto
Vieira, meramente académica, visto que o costume tem sido substituído pela lei e pelo
direito de proveniência legal.

Modalidades do costume

Costume secundum legem


Este costume é aquele em que a regra consuetudinária coincide com a regra geral,
sendo que, nesta hipótese, há entre o costume e a lei uma relação de coincidência,
pelo que o costume realiza apenas uma função declarativa (da lei).

Costume praeter legem


Este costume é aquele que complementa a lei (integrando, nomeadamente,
eventuais lacunas desta), pois que ele vai para além daquilo que a lei dispõe, sem,
contudo, a contrariar; nesta situação, verifica-se entre o costume e a lei uma relação de
complementaridade, pelo que este costume forma uma nova fonte de direito.

Costume contra legem


Este costume é aquele que contraria a lei, sendo que, nesta hipótese, há entre o
costume e a lei uma relação de oposição. Pode formar-se tanto quando há a
consciência de que a lei contrária está em vigor, como quando erradamente se formou
a convicção de que a lei contrária já tinha cessado a sua vigência.

O exemplo paradigmático de costume contra legem em Portugal foi o das corridas


com touros de morte em Barrancos. Apesar de existir uma norma legal proibitiva de
corridas de touros de morte, em Barrancos surgiu o costume contra legem, de onde
resultou uma norma permissiva de corridas com touros de morte em Barrancos.
De acordo com a perspetiva do professor, um legislador português, em larga
medida, ignorou o costume, visto que este não vem referido no Código Civil.

USOS
Do disposto no art.3.º, n.º1, CC resulta que os usos são uma fonte mediata do direito,
porque os usos que não forem contrários aos princípios da boa fé são juridicamente
atendíveis quando a lei o determine. Um uso que contrarie a boa-fé, nunca pode ser
fonte de direito e o uso só pode ser fonte de direito quando uma fonte imediata lhe
atribuir essa qualidade.
Como exemplos de situações nas quais a lei concede relevância aos usos pode ser
referido o facto de, nos termos do art.218.º CC, o silêncio valer como declaração
negocial quando esse valor lhe for atribuído pelos usos.

FONTES DE DIREITO PRIVADAS


As fontes de direito privadas são aquelas que resultam da autonomia privada,
embora só se possa falar de fontes privadas quando as respetivas regras tiverem uma
eficácia externa e, por isso, puderem ser invocadas por terceiros ou opostas a
Sebenta IED I – Modalidades e Hierarquias das Fontes de Direito
Professor Regente: José Alberto Vieira // Professor Assistente: João Pedro Marchante

Constança Pinto – Turma B – 2023/2024


terceiros. Assim, por exemplo, um contrato que só vale entre os contraentes não pode
ser considerado uma fonte de direito. As fontes privadas são sempre fontes mediatas,
dado que elas resultam do reconhecimento, pela lei, da autonomia privada, nos
termos do art.405.º CC.

HIERARQUIA DAS FONTES DO DIREITO


A hierarquia das fontes de Direito em Portugal, de acordo com o Prof. José Alberto
Vieira é, portanto:

Você também pode gostar