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5 As Fontes do Direito
A doutrina atual e mais abalizada sobre as fontes do direito aponta, invariavelmente, que
os seus contornos ainda carecem de um acordo definitivo, o que o torna um dos temas do direito
mais amplamente debatidos.
O primeiro ponto que chama a atenção ao se tratar das fontes do direito é o caráter
equívoco da expressão, podendo designar origem, causa e nascimento e, ou, manifestação e
exteriorização de algo que preexiste.
Esta concepção, contudo, é censurada por Miguel Reale 3 ao advertir que a distinção entre
fonte formal e fonte material é equivocada, devendo, portanto, ser afastada, para se adotar o
termo fonte do direito apenas para os processos de produção de normas jurídicas.
Pode-se afirmar, na esteira do pensamento de Miguel Reale, que as fontes de direito são
os meios pelos quais se formam ou se estabelecem as normas jurídicas, que se manifestam como
ordenação vigente e eficaz, através de estruturas normativas, que o memorável autor aponta nas
quatro formas de poder: o processo legislativo, expressão do Poder Legislativo; a jurisdição,
expressão do Poder Judiciário; os usos e costumes jurídicos, que manifestam o poder social; e a
fonte negocial, expressão da autonomia da vontade 6.
Sob o ponto de vista analítico, Ricardo Guastini 7 distingue as fontes de produção das
fontes de cognição do direito. As fontes de produção são atos e fatos que reúnem condições para
produzir ou produzem efetivamente o direito. Neste sentido, ao confirmar-se o conteúdo de um
determinado ato ou fato, o direito estará́ formado.
É oportuno destacar que dentre as fontes oficiais devem ser incluídos os tratados e as
convenções internacionais, principalmente aqueles que versam sobre direitos humanos e que,
por força de disposição constitucional (art. 5º, § 3º, da CF), independem da participação do Brasil,
bastando a sua aprovação em cada casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por 3/5 dos
votos dos respectivos membros, sendo equivalentes, após a aprovação, às emendas
constitucionais (Emenda Constitucional n. 45, de 8-12-2004).
Dessa forma, embora tanto a norma moral como a jurídica constituam norma de
comportamento de conduta com base ética, apenas as jurídicas contam com emissor determinado
e previamente qualificado; só elas possuem um modo formal, legal ou constitucional para ser
criadas 10. Portanto a lei, para ter validade, deve obedecer a trâmites prefixados e ter por origem
um órgão certo, o que faz que a lei tenha origem certa.
A “lei” só deve ser entendida como fonte se for constitutiva de direito, isto é, quando
introduz algo de novo no sistema jurídico vigente. Na acepção do termo não é possível considerar
decretos e regulamentos como se leis fossem, já que não podem ir além dos limites colocados
pela norma legal (lei) que lhe dão causa 11. Caso a norma regulamentar extrapole sua função,
será declarada ilegal, deixando de ser válida. “A ilegalidade de um regulamento importa, em
última análise, num problema de inconstitucionalidade, pois é a Constituição que distribui as
esferas e a extensão do poder de legislar (...) dando nascimento a novas situações jurídicas
objetivamente válidas, com legitimidade quanto à sua vigência e eficácia, manifesta-se através
de uma série de atos que compõem (...) o processo legislativo” 12, que é regulado pelos arts. 59
a 69 da Constituição Federal.
5.2.2. Costume
9 João Maurício Adeodato, Filosofia do direito: uma crítica à verdade na ética e na ciência, p. 35.
10 José Fabio Rodrigues Maciel, Teoria geral do direito, p. 114.
11 Miguel Reale, Lições preliminares de direito, p. 163.
12 Idem, p. 163.
O costume, fonte mais antiga do direito, cria-se, forma-se, impõe-se sem que nesse
processo seja possível localizar um ato sancionador. É regra de conduta observada em
determinado meio social, de uso continuado, e que é seguida com a convicção de ser
juridicamente obrigatória e necessária. O que diferencia os costumes de outros hábitos sociais é
a convicção de sua obrigatoriedade, fato que gera certeza e segurança para a concretização dos
negócios jurídicos.
Por basear-se na crença e na tradição, o costume não possui origem certa, não sendo
possível identificar com convicção quando surgiu determinado hábito social e em qual momento
específico foi alçado à condição de hábito jurídico, causando problemas no momento de identificar
o início de sua validade, ou seja, quando passou a ter vigência no sistema jurídico.
Apesar de possuir menor objetividade, tendo em vista o caráter difuso da formulação das
normas, o costume enquanto fonte capacita as normas consuetudinárias de validade e eficácia,
dando a elas impositividade. Como não há “publicação” quando se fala de costumes, é
fundamental que aquele que o alega prove a sua existência – art. 376 do novo Código de Processo
Civil (excetua-se aqui o sistema da Common Law), já que não é possível determinar o início de
sua vigência.
5.2.3. Doutrina
Devido ao fato de formalmente não haver obrigação de os tribunais acatarem o disposto
na doutrina, mesmo que seja amplamente dominante, é ela considerada fonte mediata, havendo
autores que não a consideram fonte do direito, em que pese sua fundamental importância para
a interpretação do direito.
Miguel Reale entende que a doutrina não deve ser considerada fonte por razões diferentes
das apontadas no parágrafo anterior, justificando que isso ocorre devido ao fato de a doutrina
não se desenvolver em uma estrutura de poder, sendo esta requisito essencial ao conceito de
fonte 13.
A doutrina, então, é mais considerada como mola propulsora do sistema jurídico, além de
fundamental como antecedente lógico para o surgimento da fonte estatal principal, que é a lei.
Entendemos não ser a doutrina fonte do direito, uma vez que o seu caráter descritivo não
é condutor de norma, mas de teorização sobre a norma.
Miguel Reale indica quatro itens que são necessários para a caracterização da fonte
negocial, que para o autor é a convergência dos seguintes elementos: “a) manifestação de
vontade de pessoas legitimadas a fazê-lo; b) forma de querer que não contrarie a exigida em lei;
c) objeto lícito; d) quando não paridade, pelo menos uma devida proporção entre os partícipes
da relação jurídica” 14.
Há inúmeros casos dos chamados atos negociais praeter legem, aqueles que, na ausência
da lei, preenchem a lacuna e tornam-se verdadeiras regras gerais com caráter de norma. É o
resultado da autonomia da vontade na busca do bem jurídico, respeitando-se o “poder de
disposição de cada ser humano” 15.
Previstos na LINDB (art. 4º), no CPC (art. 126) e na CLT (art. 8º), os princípios gerais de
direito são as normas jurídicas mais gerais (fundamentais) que orientam todo o sistema jurídico.
Decorrem do próprio fundamento da legislação positiva, já que, mesmo quando não são
expressos, constituem os pressupostos lógicos necessários das normas legais, consistindo na
manifestação máxima do espírito de uma legislação.
Para a concretização dos princípios jurídicos são sempre necessárias, nos diversos graus,
novas valorações autônomas, ficando evidente a importância dos princípios no encaminhamento
das decisões perante os intérpretes. Eles não só propiciam a limitação do poder de conformação
do intérprete como auxiliam na busca de decisões que tenham embutido em seus teores o ideal
de justiça presente nas sociedades em que é o direito aplicado 21.
Portanto, são os princípios não só a base do ordenamento, mas também ícones que atuam
na manutenção da segurança jurídica, haja vista a necessidade de complementações e
combinações para que possam ostentar sentidos próprios, destituindo de validade as “verdades
absolutas”, oriundas das interpretações metafísicas e positivistas, e atuando na realização do
direito, de forma a permitir, por meio do sistema normativo, tanto a busca pelo justo como a
renovação de valores nos momentos de mutabilidade social 22.
16 Para várias definições de “princípios”, consultar Paulo Bonavides, Curso de direito constitucional, p. 255-258.
17 V. Crisafulli, La constituzione e le sue disposizioni di principio (Milano, 1952, p. 15) apud Paulo Bonavides, Curso de
direito constitucional, p. 257.
18 Ricardo Luis Lorenzetti, Fundamentos do direito privado, p. 319.
19 José Fabio Rodrigues Maciel, Teoria geral do direito, p. 96.
20 Claus-Wilhelm Canaris, Pensamento sistemático e conceito de sistema na ciência do direito, p. 88-99.
21 José Fabio Rodrigues Maciel, Teoria geral do direito, p. 97.
22 Idem, p. 100.
Sendo a normatividade característica inerente, nos dias de hoje, a toda definição de
“princípios jurídicos”, essa caminhada dos princípios gerais para a normatividade resultou em sua
consequente constitucionalização, ocorrendo a conversão para o que passou a ser denominado
princípios constitucionais. A “constitucionalização” dos princípios é característica da juridicidade
em sua carreira pós-positivista. Antes, tiveram os princípios duas outras fases de juridicidade: a
jusnaturalista e a positivista (juspositivista) 23. Tome-se por base a escola jusnaturalista, momento
em que surge a denominação de princípios gerais de direito. Para seus seguidores, os princípios
gerais identificam-se com o direito natural, sendo então os princípios de justiça formadores de
um direito ideal. Os princípios habitam uma esfera abstrata, e sua normatividade tende a zero. O
contraponto é a grande dimensão de sua característica ética relacionada à justiça, sendo um valor
totalmente abstrato, mas inspirador do postulado desse ideal 24. Os princípios, tomados em sua
característica jusnaturalista, tiveram forte influência até o advento da escola histórica do direito,
no século XIX.
Dentro da concepção positivista, os princípios gerais de direito são aqueles que embasam
e servem de fundamento para a instituição da norma. Nessa fase juspositivista, são os princípios
normatizados, porém mais para funcionar como válvulas de segurança para o sistema jurídico do
que como algo que fosse superior às leis 25. Para Paulo Bonavides, o juspositivismo, “ao fazer dos
princípios na ordem constitucional meras pautas programáticas supralegais, tem assinalado, via
de regra, a sua carência de normatividade, estabelecendo, portanto, a sua irrelevância jurídica” 26.
A normatividade dos princípios, após ser proclamada e reconhecida pela doutrina mais
moderna, sofre uma transposição, caminhando dos Códigos para as Constituições, momento em
que os princípios deixam de ter valor meramente supletório para tornar-se o fundamento de toda
a ordem jurídica, ganhando inclusive a denominação “princípios constitucionais” 29, que são as
normas supremas do ordenamento. Com o advento do pós-positivismo, um dos responsáveis por
essa transmutação dos princípios, ocorreu a unificação dos princípios gerais de direito em torno
dos princípios constitucionais 30, que passam a ocupar, como ensina Bonavides, “um espaço tão
5.2.6. Jurisprudência
Importante começar este item destacando que, por mais que alguns autores afirmem ser
a jurisprudência fonte do direito, tratando-a como fonte mediata, grandes juristas fazem muito
bem a distinção desta com as autênticas fontes do direito, já que consiste ela apenas em uma
“fonte” interpretativa da lei, mas não chega a ser fonte do direito.
Miguel Reale define jurisprudência como “a forma de revelação do direito que se processa
através do exercício da jurisdição, em virtude de uma sucessão harmônica de decisões dos
tribunais” 32.
Evidente que a atividade de julgar tem por característica, assim como a doutrina,
determinar mais claramente o sentido e o alcance da norma jurídica, principalmente da norma
legal, quando o foco é o sistema romanista, que é o caso do sistema jurídico brasileiro. Portanto,
esta atividade não tem a função de inovar, ficando muito difícil aceitar que um dos seus
resultados, que é a jurisprudência, possa ser aceito como fonte do direito. Mesmo nos casos em
que a jurisprudência venha preencher lacunas, e demore para editar norma legal que supra estas,
constituindo-se em normas gerais, o máximo que se alcança é um costume jurisprudencial. E
nesse caso o que se tem é um caso especial de costume, o costume jurisprudencial.
Não bastasse o que foi anteriormente referido, no sistema romanístico, também conhecido
como romano-germânico 33, prevalece a concepção de que a jurisprudência apenas revela um
direito já existente, não sendo portanto fonte do direito. É que o sistema romanístico, como
afirma Tercio 34, (i) caracteriza-se pela não vinculação dos juízes inferiores aos tribunais superiores
em termos de decisões; (ii) cada juiz não se vincula às decisões dos demais juízes da mesma
hierarquia, podendo decidir casos semelhantes de maneiras diferentes; (iii) o juiz e o tribunal não
se vinculam sequer às próprias decisões, podendo mudar de orientação a qualquer tempo e; (iv)
vige o princípio da independência da magistratura judicial: o juiz deve julgar conforme a lei e
conforme sua consciência.
Seu antecedente no direito brasileiro, sem abordar as súmulas dos tribunais, foi a Emenda
Constitucional n. 3/93, que acrescentou o § 2º ao art. 102 da CF, determinando que as decisões
definitivas de mérito proferidas pelo STF, nas ações declaratórias de constitucionalidade de lei ou
ato normativo federal, produziam eficácia contra todos e efeito vinculante relativamente aos
demais órgãos do Poder Judiciário e do Poder Executivo.
A Emenda Constitucional n. 45/2004 deu nova redação ao § 2º do art. 102 da CF, que
passou a dispor que as decisões definitivas de mérito proferidas pelo STF nas ações diretas de
inconstitucionalidade e nas ações declaratórias de constitucionalidade produzirão eficácia contra
todos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração
pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal. A EC n. 45 acrescentou ainda
o art. 103-A à CF, que especifica a súmula vinculante.
Com isso rompeu-se a tradição jurídica brasileira, pelo menos desde o início da República,
de que o teor oriundo das súmulas tinha caráter persuasivo, e não vinculante. Não se contentou
o legislador com as súmulas presentes em nossos tribunais, que se constituíam na síntese da
orientação predominante em determinado tribunal quanto à aplicabilidade da norma legal,
facilitando o julgamento das questões mais rotineiras.
Por mais que a Lei n. 11.417/2006, em seu art. 2º, § 1º, disponha, em linhas gerais, que
as súmulas só poderão surgir depois de reiteradas as decisões sobre normas acerca das quais
haja controvérsia atual entre órgãos judiciários, ou entre estes e a administração pública, desde
que essa situação acarrete grave insegurança jurídica e também a multiplicação de processos
sobre idêntica questão, causando um aumento desnecessário do número de processos judiciais,
na verdade quis o legislador com a edição da EC n. 45, com o argumento do excesso de recursos
que chegam aos tribunais, dificultar o acesso aos tribunais de segunda instância e superiores, e
a súmula vinculante foi uma dessas medidas.
Como afirma o Des. Paulo Razuk, “com a modificação operada pela Emenda 45, as
decisões de mérito do Supremo Tribunal Federal, em matéria constitucional, passam a ter eficácia
Ao comparar a súmula vinculante com o stare decisis do Common Law, instituto próprio
do direito anglo-saxônico, Paulo Razuk afirma, e com razão, que “a doutrina do stare decisis não
comporta a edição de súmulas que contenham proposições jurídicas genéricas. Encontrados os
precedentes, faz-se o cotejo dos fatos relacionados aos casos anteriores com o fato objeto do
caso em julgamento. É uma operação lógico-indutiva, em que a regra geral é extraída pelo
aplicador do exame dos casos anteriores, mediante a comparação dos fatos, para aplicá-la ao
caso concreto. Verifica-se então que o precedente vinculante da doutrina do stare decisis (...)
nada tem a ver com a súmula vinculante do direito brasileiro, que constitui uma excrescência no
sistema jurídico romano-germânico” 38.
É que o instituto do precedente vinculante (stare decisis) é a regra de direito aplicada aos
fatos relevantes necessários para decidir a questão de mérito ou questões apresentadas à Corte
para decisão. Apenas após estabelecer o precedente do caso, a Corte adere ao entendimento,
aplicando-o a casos futuros, já que a decisão da Corte que seja procedente se torna “lei” e vincula
os tribunais subordinados à última instância.